Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Wilson Nélio Bruner
Entrevistado por Rosana Miziara e José Carlos Viladarga
Rio de Janeiro, 29/03/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº CVRD_HV006
Transcrito por Luciana Conrado Martins
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Bom, a gente começa pedindo para o senhor se identificar, falar o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Bom, o meu nome é Wilson Nélio Brumer. Eu nasci em dez de setembro de 1948, em Belo Horizonte.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Meu pai era um judeu polonês, ________ Bruner, e minha mãe, Nilza Hélia Bruner.
P/1 – E como é que seu pai veio para o Brasil?
R – Antes da Segunda Guerra ele veio ao Brasil e, como bom judeu, começou a sua vida em Belo Horizonte vendendo quadro de santo, sendo um pouco mascate. O grande objetivo da vida dele era, depois de juntar algum dinheiro, trazer o resto da família que ficou na Polônia. Aí estourou a guerra e ele, infelizmente, recebeu um dia a notícia que o lugar onde ele morava com a família tinha sido bombardeado e que toda a família tinha sido morta na guerra.
P/1 – Os pais dele foram mortos na guerra?
R – É, pais, irmãos, esposa. Ele tinha uma esposa e um filho que tinha também deixado para trás e aí recomeçou a construir… Ele tinha um irmão que aparentemente teria fugido para a Rússia. Uma história interessante, eu ______ reencontrar os primos agora.
P/1 – É mesmo!
R – Há poucos… Dois ou três anos.
Ele recomeçou a vida e encontrou a minha mãe. Depois de alguns anos se casaram e tiveram oito filhos.
P/1 – E o que seus avós faziam lá na Polônia?
R – Pela história, eles eram torneiros, mexiam com tornos, principalmente o meu avô. No caso, é o que a gente tem da história. Morreram como eu te falei...
P/1 – E esse irmão foi para a União... Ele fugiu da guerra...
R – É, no lugar que eles moravam era a chamada antiga Bielorússia, que é a divisa entre a Polônia e a Rússia. A notícia então que ele teve à época foi que esses irmãos fugiram, que esse irmão teria fugido para a Rússia. O sonho do meu pai foi sempre descobrir esse irmão. Mas nós estamos falando de cinquenta e tantos anos atrás e morando em Belo Horizonte num bairro de classe média, comunicação muito ruim. Ele morreu sem poder encontrar o irmão.
Foi interessante que há cerca de quatro anos… Antes disso eu morei uma vez pela Vale… Eu ainda morei cerca de seis, sete meses nos Estados Unidos. Quando eu cheguei em Nova Iorque a primeira coisa que eu fiz foi...
P/1 – Ir atrás...
R – Ir a um catálogo telefônico e procurar ver se tinha algum Brumer no catálogo telefônico. Encontrei lá talvez uma meia dúzia; telefonei para uns três, não me lembro, três ou quatro, mas foram tão frios que eu achei: “Olha, esse Brumer deve ser um nome comum lá na região.” Não dei mais atenção.
Há cerca de quatro anos eu estava no escritório quando o meu filho mais velho chegou com uma carta em português, dizendo mais ou menos assim: “Querido amigo desconhecido, eu sou um Brumer”, em português.
P/1 – Que bacana!
R – “Meu nome é Maria Colovsky. Sou russa de nascimento, estou morando em Chicago há oito anos e meu pai se chamava _________ Bruner...” Um irmão do meu pai, “que tem um irmão, de nome ______ Bruner...”, que era no caso então o meu pai, “que foi para a cidade de Belo Horizonte em 1936.” E aí deu mais alguns detalhes. “Se você souber notícias, por favor entre em contato comigo.” E um nome assinado, com endereço, sem telefone. Aí eu passei para a secretária, dez minutos depois ela colocou a senhora no telefone.
“Aqui quem está falando é o Wilson do Brasil, recebi uma carta sua.” Ainda ela insistiu: “De onde você está falando?” Eu falei: “Do Brasil. A senhora fala português?” Porque a carta estava em português e ela, num inglês muito carregado, disse que não perguntou de onde. Enfatizou: “De onde você está falando?” Falei: “Do Brasil.” Aí ela disse: “Mas it’s too expensive”, muito caro. Eu tinha colocado o meu filho na viva voz e ele falou assim: “Olha...”, inclusive um colega meu disse também, “pode ir tranquilo que deve ser parente, é judia mesmo.” (riso) Mas aí eu fui fazendo per...
P/1 – A primeira coisa que ela fala: “Expensive!”
R – “Too expensive.” Uma chamada do Brasil, então é parente. Eu fui fazendo perguntas a ela, ela me fazendo perguntas e foi ficando muito emocionada.
P/1 – Imagino.
R – E no final descobrimos que éramos realmente primos. Eu os visitei, depois os trouxe ao Brasil, então realizei um sonho dele que era trazer, conhecer o irmão que ele acabou não conhecendo. Mas a história que ela me contou é interessante porque, segundo ela, quando acabou a guerra ela e o pai foram até a Cruz Vermelha e mandaram uma carta para o Brasil atrás do meu pai. Essa carta foi devolvida dez anos depois dizendo que eles não tinham localizado, e ambos eram vivos.
P/1 – É mesmo?
R – É.
P/1 – Nossa! Dá um roteiro essa história.
R – É, eram vivos. Se teriam se encontrado a gente não sabe porque lá [era] cortina fechada, comunicação complicada, enfim. Mas ambos estavam vivos, então é uma história interessante. Vamos lá.
P/2 – Você sabe porque que a família, seu pai escolheu Belo Horizonte? Tinha alguma razão?
R – Olha, isso foi uma… Foi engraçado quando encontrei essa prima, ela me fez a mesma pergunta: “Porque Belo Horizonte?” É um roteiro totalmente fora da imigração, que era mais comum para o sul. Se você for para o sul do Brasil você tem mais poloneses. Eu não sei, talvez porque Belo Horizonte fosse ainda uma cidade de desenvolvimento, talvez mais ofertas de emprego, mas não sei te dizer.
P/1 – E o pai do senhor trabalhava como mascate?
R – É, como bom judeu ele começou vendendo quadro de santo, na época [era] a figura do mascate. Depois ele montou um armazém e morreu dono desse armazém. Mas era um judeu diferente porque como eu falei era um bairro de classe média baixa, basicamente composto por operários ou empregados do governo. Naquela época os salários atrasavam, então era muito comum a gente ter isso na lembrança ainda, essas pessoas chegarem até o armazém e [havia] a venda fiado; aquilo ia para a caderneta, pendurado. Ele ajudava muito as pessoas e morreu devendo mais do que tinha, mais a receber do que devia. Em compensação, para receber depois foi uma parada que minha mãe teve que enfrentar.
P/1 – Como ele conheceu a sua mãe?
R – Segundo minha mãe, numa dessas visitas de mascate ele a conheceu. Ele era uns dez anos mais velho do que ela quando se casaram, quando se conheceram. Ela [se] casou com ele muito jovem; ficou viúva com 28 anos, para vocês terem uma ideia.
P/1 – Ela não é judia?
R – Como?
P/1 – Sua mãe é judia?
R – Minha mãe é brasileira, mineira.
P/1 – Brasileira, mineira.
R – Nada a ver com judia.
P/1 – E como que foi a sua infância lá, as lembranças que você tem do seu pai, da sua casa?
R – Da minha… Quer dizer, foi uma infância dura. Ela teve muitas fases: na primeira fase eu diria a você, talvez… Eu me lembro pouco. Uma fase tranquila, sob a ótica econômica, sob a ótica de convivência enquanto meu pai estava vivo. Ela foi mais marcante a partir da morte do meu pai; quando ele morreu eu era o filho mais velho, com sete anos.
Quando ele morreu a minha mãe estava grávida da minha última irmã e aí realmente foi uma infância muito dura porque ele, como dono de um armazém que tinha mais a receber do que a pagar, muito mais a receber… Mas ele pediu a minha mãe que a única coisa que não deixasse ser afetada seria o nome, que a única coisa que ele estava deixando era o nome. Ela cumpriu isso à risca, então pagou tudo que devia, vendendo o que podia.
Foi uma infância realmente muito dura em termos econômicos, em termos de… Que marcou muito a gente. Por outro lado, eu também digo a você [que foi] muito marcante porque ela nunca abriu mão da gente estudar. Ela, na verdade, assumiu a liderança da casa, passou a ser pai e mãe ao mesmo tempo. E aos onze anos… É um fato interessante também a vida; ele judeu e ela brasileira, católica, o que era muito pouco comum há cinquenta e poucos anos, mas ambos souberam combinar, cada um respeitaria a individualidade de cada um. Nós não éramos batizados, mas perto da minha casa funcionava um seminário maior de padres capuchinhos. Nós frequentávamos muito a igreja, apesar de não sermos batizados. Quando ele morreu, em seguida ela nos batizou. Algum tempo depois, eu fui estudar num seminário, então com onze anos eu saí de Belo Horizonte e fui morar em Araguarí, [no] Triângulo Mineiro.
Eu fiz o ginásio num seminário, naquela época, com a intenção de ser padre. Mas quando eu formei, completei o ginásio, eu cheguei a conclusão que...
P/1 – Você tinha essa intenção de ser padre?
R – Tinha, quer dizer, na minha… Com onze anos eu estava motivado para isso, mas fui crescendo e na adolescência percebi que não era bem isso que eu queria e quando… Também, de certa maneira me marcava as dificuldades que a família enfrentava porque continuávamos ainda, todos nós, principalmente os meus irmãos e a minha mãe, enfrentando dificuldades. Então quando fiz o ginásio eu voltei para Belo Horizonte. Eu ia em casa uma vez ao ano, nas férias.
P/1 – Uma vez ao ano.
R – Sair do Triângulo Mineiro naquela época era uma loucura. Você tinha que viajar quase 24 horas para chegar de Belo Horizonte até Araguari. Então quando me formei no ginásio eu voltei para as férias e aí resolvi que não voltaria mais para o seminário.
P/1 – Como era lá dentro a vida no seminário, o estudo?
R – Olha, eu tenho a melhor lembrança e acho que isso foi fundamental para a minha formação. Eu tenho o maior orgulho disso, de ter passado pelo seminário, porque acho que foi uma fase para mim, sob a ótica dos estudos, muito importante. São quatro anos de estudos puxados, então isso me ajudou muito no resto da minha vida estudantil, depois certamente [na] profissional. Eu tenho gratas lembranças, acho que me ajudou muito na formação do ser humano, além de ter ajudado muito na formação acadêmica, profissional, certamente.
Ao largar o seminário eu tinha mais ou menos quinze, dezesseis anos e a grande dificuldade era encontrar emprego. Naquela época - não sei se hoje permanece, espero que não - as pessoas dificilmente davam emprego para um jovem de dezesseis anos, porque tinha que logo em seguida servir exército. Se passasse para… Se a pessoa servisse o exército tinha que guardar o cargo, então era uma dificuldade.
Eu fui trabalhar num posto de gasolina, esse foi o meu primeiro emprego da vida. Eu, muito tímido, depois de quatro anos num seminário você imagina o mundo lá fora… Era um mundo totalmente diferente.
Foi muito importante para a minha carreira, para a minha vida também esse trabalho no posto de gasolina. Eu costumo dizer que lá eu aprendi a conviver com o doutor, o rico, que era quem tinha o carro na época, né?
P/1 – Você era frentista?
R – Eu comecei com frentista, depois de um certo tempo o dono do posto olhou para mim e disse: “Acho que você devia ajudar no escritório e também atender lá fora como frentista”, então era um pouco das duas coisas.
Eu saía do posto e estudava à noite, mas só para terminar aquele raciocínio, foi uma época importante porque não só me deu uma guinada em termos do que eu fazia antes, mas também me fez conviver com tipos de pessoas que foram importantes depois para a minha carreira, que era o doutor, o dono do automóvel. Quem tinha o automóvel era o doutor, poucos tinham. Vamos chamar [de] classe média o tipo de patrão diferente, que era o dono do posto, o operário, que era eu, e os outros que trabalhavam no posto, então eu acho que foi realmente uma fase de aprendizagem importante.
Depois, quando eu fiz dezoito anos e não servi o exército, fui trabalhar numa revenda de automóveis em Belo Horizonte, onde comecei como uma espécie de auxiliar de caixa e continuando os estudos. Paulatinamente eu fui galgando outros cargos nessa empresa, que a época era uma empresa média nessa área comercial. Era, na época, uma das maiores revendas de automóvel em Belo Horizonte. Para vocês terem uma ideia, vendia na época quatrocentos carros. Hoje é difícil encontrar uma revenda que vende quatrocentos carros - também não tinha muitas, né? Então eu fui galgando vários postos lá até chegar a gerente administrativo financeiro, que era o cargo abaixo dos donos.
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R – Nessa época já formado, inclusive.
P/1 – Você tinha isso como meta: “Eu vou crescer na empresa, vou fazer carreira aqui”?
R – Não. Eu costumo dizer, isso é um negócio que sempre carreguei na minha vida. Acho que uma carreira profissional é uma subida de escada e você tem que subir essa escada com… Eu sempre digo isso para as pessoas que conversam comigo, baseado no seguinte: não adianta você querer subi-la depressa demais que você pode correr, chegar lá em cima no topo cansado e não conseguir se manter em pé,
ou ao subir correndo você pode de repente cutucar em alguém, machucar alguém. Acho que as coisas aconteceram na minha vida sem muito planejamento se eu tinha, se eu queria alcançar aquilo. Não vou dizer a você que não, como depois vamos falar de Vale, acho que a própria carreira na Vale aconteceu… Eu queria alcançar aquilo, não acho que as coisas foram acontecendo na minha vida.
Nessa época, quando eu fiz… Eu entrei na Vale em 76, nós estamos falando de 28 anos. Eu me formei com 26, 27 anos e cheguei a conclusão que na revenda eu já tinha alcançado aquilo que eu podia alcançar e dificilmente ia aprender coisas novas, fazer outras coisas, quando então eu vi um anúncio num jornal lá em Minas Gerais, “O Estado de Minas”, recrutando pessoas para a área financeira da Vale. Nós estamos falando de 1976. Eu respondi aquele anúncio do jornal, fui entrevistado e cheguei na Vale.
P/2 – E o senhor escolheu, fez Economia?
R – Eu fiz Administração de Empresas.
P/2 – Como surgiu essa opção profissional, ela também foi natural?
R – É. Nós estamos falando de mil… Quando eu comecei o curso… Eu me formei em 75, então nós estamos falando de 71, por aí. Administração de Empresas era, vamos chamar, a carreira da… O que uma boa parte das pessoas almejavam. Uma nova formação que estava aparecendo. Teve a fase da Economia, depois passou para Administração de Empresas.
Eu trabalhava já numa empresa, então de uma certa maneira essas coisas acabavam se complementando. Eu tinha feito antes disso um curso técnico em contabilidade, depois do ginásio, também dava uma certa complementaridade. E eu gostava sempre, eu me sentia bem como gestor de uma empresa, gerindo pessoas, enfim.
P/2 – E os números faziam parte desse universo ___________?
R – É, porque eu… Comecei a falar com vocês do posto de gasolina, passei pela revenda; no desenrolar da nossa conversa certamente isso vai ficar mais claro, mas eu sempre costumo dizer que tudo que você faz na vida é importante para o passo seguinte. Não sou eu só quem digo isso, muita gente diz a mesma coisa, mas no meu caso específico eu entendo, tudo que eu fiz acho que foi importante. Eu mencionei o posto de gasolina; a chegada, a minha passagem pelo posto de gasolina foi muito importante para a minha carreira, nessa revenda, porque lá também na revenda tinha o mecânico, que era operário como eu, que tinha sido no posto, tinha o doutor que comprava o carro e tinham os donos da revenda.
Como eu cheguei a alcançar vários cargos na revenda e ao chegar a gerente administrativo financeiro eu mexi com o quê? Eu mexia com contabilidade, finanças, limpeza, vigilância, pessoal, então isso, de uma certa maneira, foi também muito importante para a minha carreira na própria Vale do Rio Doce. Por quê? Porque a Vale, como [era] uma empresa muito grande… As carreiras, principalmente naquela época, eram muito estanques, então quem mexe com finanças só mexe com finanças, quem mexe com contabilidade só com contabilidade e assim por diante. De uma certa maneira a minha formação tinha sido… Eu tinha passado por várias coisas, então não eram só finanças puras...
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R – Eu tinha, de uma certa maneira… Eu mexia com várias coisas, apesar de ter entrado na Vale na área financeira. A formação na Vale foi basicamente área financeira, até depois chegar à presidência.
P/2 – Inclusive o humanismo do seminário?
R – Tudo isso acho que ajudou muito no desenvolvimento dos trabalhos que a gente tentou fazer nessa vida profissional, tenta fazer.
P/1 – O que representava trabalhar na Vale do Rio Doce naquela época na sua área de atuação, que significado tinha isso?
R – Olha, eu vou ser sincero e vai parecer até absurdo a gente vendo isso de hoje. Nós estamos falando então de 1976 - 24, 25 anos atrás. Para ser sincero a vocês, a Vale do Rio Doce era uma empresa grande, conhecida, mas
ainda muito pouco conhecida, não era uma empresa com a dimensão que tem hoje. Se você me perguntar: “Você mandou seu currículo para a Vale sabendo o que era a Vale?” Não, não. Eu sabia que era uma empresa grande, que se seria um novo desafio, mas não.
P/1 – Conhecia alguém que trabalhava lá?
R – Não, mandei uma resposta a um pedido de currículo. Foi interessante, porque na época - isso é um fato que também me marcou - quando eu vi aquele pedido de currículo e preparei o currículo, eu fui ao correio. A agência do correio coloca numa caixa de correio aquele currículo. Tinha um colega comigo que trabalhava nessa revenda e eu disse: “Olha, eu estou saindo da Veminas hoje.” “Mas porque você está saindo?” “Porque estou mandando um currículo aqui para a Vale.” “Mas como é que você sabe que vai sair?” “Não sei, acho que eu estou saindo da Veminas hoje.” Alguns dias depois me chamaram para uma entrevista, uns testes, enfim. Eu não sei se vocês já querem que conte a história da a Vale, o que aconteceu. (risos)
P/2 – Como era esse teste? A entrada na Vale do Rio Doce, o procedimento de contratação?
R – Como foi o procedimento de contratação?
Bom, eles na época precisavam de uma pessoa para a área financeira em Belo Horizonte. Foi na época em que o presidente da companhia era o Fernando Roquete Reis, que já faleceu. Eu não conheci o Fernando Roquete Reis como presidente, conheci acho que depois de algumas reportagens, mas pessoalmente nunca o conheci. Eles estavam fazendo… A administração Roquete Reis foi uma administração de muitas mudanças na companhia; foi uma administração que ficou muito marcada por mudanças e hoje as pessoas até reconhecem muitos valores que ficaram de contribuição dentro da companhia, mas foi uma época conturbada certamente por esse processo de mudança, regime militar…
A minha chegada a Belo Horizonte era no sentido também de alguém que era fora da… Quer dizer, uma pessoa fora da carreira dentro da companhia. Para a minha surpresa, e de uma certa maneira até uma certa decepção, quando eu cheguei, já no final de 76, eu fui designado para ser o gerente regional de uma divisão, de uma tesouraria local lá em Belo Horizonte.
Desculpe, eu acabei pulando como foi o processo, então deixa eu voltar ao processo, como foi.
P/1 – Não, a hora que você quiser.
P/2 – Não tem problema.
R – É, deixa eu voltar ao processo.
Ao chegar, eu fui chamado pra ser entrevistado. Na época, gerentes da companhia foram do Rio até Belo Horizonte, fizeram várias entrevistas. Tinha outras pessoas, quantas eu não me lembro, mas certamente tinha várias pessoas.
Eu só me lembro que depois de algum tempo fui chamado ao Rio para fazer um teste psicotécnico e acho que, na época, tinha junto comigo mais três ou quatro pessoas. Foi o primeiro teste psicotécnico que eu fiz na vida, porque para entrar no posto de gasolina eu não precisei fazer teste psicotécnico, para entrar na revenda também não. Para ser franco, é o segundo porque o primeiro foi para tirar a carteira de motorista, nessa época já tinha carteira de motorista. Mas teste psicotécnico para entrar numa empresa foi a primeira vez que eu fui fazer, já formado inclusive.
Os testes [eram] aquele estilo: você joga umas figuras no quadro. “Explique o que é isso, o que é aquilo.” Eu olhava aquilo e dizia: “É isto.” Eu via os meus colegas que estavam ali comigo fazendo o teste escrevendo, escrevendo, e eu pensei comigo: “Ou eu estou sendo muito bom para fazer esse teste ou muito ruim, porque eu faço logo. Esse pessoal demora.” (risos) Mas nesse dia do teste teve um outro fato interessante: depois daquele teste nós fomos convidados a conhecer o superintendente financeiro da Vale. Eu estou usando esses nomes porque depois no decorrer da nossa conversa vai ficar claro; eu acho que a hierarquia na Vale era muito distante, as pessoas eram muito distantes, então a figura de um superintendente financeiro era um negócio inalcançável - imagina a presença [de] um diretor, ainda...
Eu me lembro dessa conversa com o superintendente. Ele colocou todas as pessoas que estavam fazendo aquele teste numa sala. Perguntou nome de um, perguntou nome de outro, de outro; eu não sei se por eliminação, mas [quando] chegou na minha vez ele disse: “Então você é o Wilson.” Naquele momento [eu pensei]: “Então acho que eu vou entrar, vou ser o escolhido.” Acabei sendo escolhido, enfim. Esse foi o processo.
P/2 - O senhor foi trabalhar lá em BH mesmo?
R – Eu comecei em Belo Horizonte em 1976, para ser mais preciso em novembro de 76, como gerente de uma área financeira regional - é uma espécie de tesouraria local - e numa época em que a Vale estava passando por muitas dificuldades, até porque tinha acabado de adquirir as reservas de Carajás de uma companhia americana e tinha pago, então os salários já estavam de uma certa maneira atrasados, pagamento a fornecedores atrasados.
Fiquei um pouco chocado com aquela Vale que eu conheci e tem um número que eu guardo até hoje - deve ser trauma, eu não sei, Freud pode explicar. Lá se juntavam as chamadas autorizações de pagamento; aquilo foi se juntando e não tinha dinheiro para pagar. Um dia eu peguei um metro e medi, tinha um metro zero sete de processo de pagamento a pagar. Esse um zero sete me marcou, de vez em quando eu repito essa história. Mas foi uma fase também interessante, porque tesouraria regional era um negócio deixado meio de lado e boa parte das pessoas que estavam ali já estavam inclusive num processo de meio aposentados, desmotivados… E não era uma quantidade grande de pessoas; acho que era, se eu não me engano, vinte e poucas pessoas.
Eu me lembro também que teve um fato marcante quando eu cheguei. Para padrões de Vale, um gerente novo, ainda na época cabeludo, cabelo comprido - tinha cabelo em cima e aqui embaixo era comprido - eu senti de uma certa maneira uma certa... Não diria reação, mas: “Quem é esse cara que está chegando? Quem é essa pessoa que está chegando?” [Uma] baita sala para gerente,
e eu nunca fui muito de ficar preso dentro de sala. Mas eu notava o seguinte: eu entrava na sala, eu ouvia do lado de fora aquele zum, zum, zum; eu saía para o lado de fora, aquele silêncio. “Pô, eu devo estar sendo aqui um animal temido.”
Isso também me marcou muito: eu chamei as pessoas um dia, sentei com todo mundo, vinte e poucas pessoas, e disse: “Qual é? Vamos conversar, o que que está acontecendo? Eu cheguei, estou sentindo: ou não fui bem aceito ou tem alguma coisa que não está deixando vocês confortáveis. Vamos falar o que que é, vamos abrir o jogo.” Aí eu me lembro que um senhor, certamente nessa altura já aposentado, me disse: “Eu não estou nem aí, me faltam três anos para aposentar. Eu não estou muito preocupado com o que vai acontecer.” Eu me lembro que tive a seguinte reação: “Olha, eu não estou para aposentar. Eu tenho 28 anos, mas eu acho que enquanto a gente tem um dia para fazer alguma coisa a gente tem que procurar fazer bem feito. Não é porque o senhor vai se aposentar daqui a três anos é que tem que fazer mal feito. Desde agora, então, vamos mudar.”
Comecei um trabalho realmente... Talvez o lado humanístico tenha prevalecido de motivar as pessoas, tirá-los daquela fase de abandono, de frustração. Isso certamente deve ter deixado uma marca, tanto é que depois me transferiram para o Rio de Janeiro - onde de fato começou, de maneira mais acelerada, a minha carreira na Vale.
P/1 – Nesse momento, como era o quadro de pessoal? Era inchado, tinha muito funcionário?
R – Olha, eu diria a você que talvez, vendo de hoje, sim; naquela época, não era capaz de levar isso em conta.
Eu fiz na época, quando cheguei, alguma coisa que chocou algumas pessoas. Tinha uma ou duas pessoas que eu via que não correspondiam, que não tinham nada, nenhuma contribuição - o contrário, eu acho que até eram, de uma certa maneira, pessoas que prejudicavam o trabalho. Acabei demitindo essas pessoas. Isso, para padrão de Vale em 76 era um pouco chocante. Eu me lembro que na época o meu gerente do Rio disse: “Olha, cuidado com o que você vai fazer.” Eu não tive dúvida, demiti, e isso acho que chocou um pouquinho as pessoas na época. Por outro lado, também acho que criou também um certo respeito de que as coisas tem que ser feitas corretamente.
Em mil novecentos e... A história que me dizem e acho que essa é o que aconteceu realmente é o seguinte: quando o doutor ________ voltou para o Brasil para ser o presidente da Vale, ele trouxe então algumas pessoas que,de uma certa maneira, já faziam parte da sua equipe, e dentre essas pessoas estava o Samir ________
- eu não sei se é uma pessoa que vocês também vão entrevistar - que na época então passou a ser o superintendente financeiro da companhia. Segundo o Samir me
contou - de vez em quando a gente volta às lembranças do passado - tinha um outro superintendente na companhia, que também tinha voltado aquela época, chamado José ______, que era o superintendente de controle da contabilidade. O Samir teria ligado para ele, dizendo: “Você não tem uma pessoa na sua área para me ceder? Eu estou querendo fazer umas mudanças aqui na área financeira e você podia talvez me indicar uma pessoa aí da sua área.” O ______ teria dito para ele o seguinte: “Porque você não vai lá em Belo Horizonte e conhece um menino...” - veja bem, menino, hein? - “um menino que você tem lá na área financeira. Se você não gostar, me fala que eu te arranjo outro.”
O Samir foi a Belo Horizonte, conversou comigo. No momento falou que era pra vir trabalhar no Rio. Conversamos e no final do dia ele me perguntou: “Você não quer ir trabalhar no Rio?” Aí eu disse: “Olha, eu nunca tinha pensado nisso, mas vamos lá.” Em 79 eu vim para o Rio.
P/1 – Você era casado?
R – Já era casado, foi o meu primeiro casamento. Eu vim para o Rio em junho de 79. Assumi então o que era na época uma espécie de tesouraria da companhia.
P/2 – Deixa eu te fazer uma pergunta: de Belo Horizonte, do setor, era possível ter a dimensão do que era
a Vale do Rio Doce? Como é que era _____ ?
R – Veja bem: a Vale daquela época… Certamente, de 76 que eu entrei, de novembro de 76 a junho de 79, nós estamos falando de um pouco menos de dois anos. Não é que eu tivesse a dimensão da companhia, mas certamente eu já tinha mais conhecimento...
P/1 - _____________
R – Sobre o que era a companhia. Vamos ser muito realistas: a Vale de 1979 não era a Vale de hoje, quer dizer, a dimensão da Vale na época era muito menor do que é hoje a companhia, não há dúvida...
P/2 – Quer dizer, ________ o senhor veio para o Rio para trabalhar com esse grupo junto _______?
R – Não, não era bem grupo junto ao ________...
P/1 – Foi para fazer algumas mudanças?
R – Eu vim trabalhar no Rio, aí já vai… Eu não gosto dessa palavra “grupo”, eu acho que uma empresa não deve ter grupos. Ela deve ter por princípio o conjunto de pessoas, que é a totalidade de seus empregados. A empresa que tem grupo acaba tendo “n” times na empresa e acaba não sendo um pensamento coeso. Não, eu diria a você o seguinte: eu vim fazer parte de um processo de mudança que queria se implantar na companhia; as pessoas na época acharam que eu tinha condição de dar alguma contribuição. E também, novamente, foi uma fase importante porque eu vim então como uma espécie de tesoureiro da companhia, mas era muito distante a relação entre esse tesoureiro, por exemplo, e a diretoria da companhia. Na verdade, o superintendente era o cargo na área executiva, talvez o maior cargo que a companhia tinha, principalmente sobre a ótica de uma carreira profissional. E eu fui paulatinamente então assumindo outros cargos na companhia.
P/1 – Mas nesse momento que tipo de transformações se queria atingir na empresa?
R – Primeiro o seguinte: o ________ comentava à época que era um setor bastante pesado, um setor que vivia em choque com as outras áreas. É até interessante que a área financeira, talvez por questão de estilo das pessoas, era uma área muito centralizadora, que achava que era a que tinha o poder porque era quem pagava, quem liberava o cheque. A gente procurou acabar com isso e vivia em choques com a área contábil, eu me lembro que isso era um fato que ficou muito marcante para mim.
Uma das primeiras coisas que eu fiz foi acabar com um tipo de trabalho que a área financeira exercia, que era o seguinte: ela fazia conferência de tudo o que vinha da contabilidade. Chegava da contabilidade um processo para pagar, a área financeira conferia tudo de novo, então é aquela transferência de responsabilidade. A área de contabilidade achava que pensava o seguinte: “Olha, a área financeira vai conferir de novo, então não precisa fazer direito”, não é? E a área financeira dizia o seguinte: “A contabilidade já fez, então não preciso fazer direito.” Era uma transferência de responsabilidade, ninguém fazia direito, então uma das primeiras coisas que eu me lembro que nós acabamos foi [deixar] exatamente cada um fazendo o seu, o que tem que ser feito, e acabar com essa duplicidade.
Foram mudanças sendo implementadas e logo em seguida veio a época da construção do Carajás. Aí sim foi o início de uma transformação da Vale, porque teve uma fase toda de obtenção de recursos, de captação de várias operações financeiras, então foi uma fase de muita aprendizagem que a gente teve durante a fase de construção de Carajás. Daí talvez a preocupação que se teve lá atrás de criar uma área financeira mais dinâmica, porque precisaria principalmente para a construção de Carajás uma área financeira que não fosse só pagadora ou recebedora, mas que fosse mais dinâmica.
P/2 – O senhor participou de alguma forma da captação desses recursos _______?
P/1 – Para a construção de Carajás?
R – De uma certa maneira eu participei, sim. Eu diria para você que participei das duas fases: uma menos, que foi a fase de captação porque como um gerente, vamos chamar assim, financeiro da época, ______ atribuições eram mais limitadas no sentido da captação. Mas participei de uma certa maneira, principalmente em relação a empréstimos domésticos junto ao BNDES, captação de recursos via lançamento de debêntures, via aumento de capitais etc. Mas a fase mais forte eu acho que tive já como diretor financeiro, alguns anos depois, na fase pós-Carajás, que era pagar endividamento da _______ e aí tem muitas histórias interessantes.
P/1 – Como foi essa decisão de lançar debêntures conversíveis em ações?
R – Foi um assunto extremamente polêmico, possivelmente o doutor ________ também deve ter falado sobre isso. Isso fazia parte de um pacote financeiro, [em] que constavam inclusive empréstimos do Banco Mundial.
Visto de hoje, é muito fácil falar o seguinte: “Poxa, a Vale na época tinha que lançar debêntures, tinha que fazer isso, tinha que fazer aquilo.” Mas nós não podemos esquecer, já estávamos falando por volta do final da década de 70, início da década de 80. O Brasil [estava] com muitas dificuldades de obtenção de recursos e a Vale talvez tenha pego um dos últimos trens, usando os próprios negócios da Vale, figurativamente falando, pra obtenção de recursos fora do Brasil.
Eu diria a vocês, francamente falando: eu não conseguiria ver Carajás sendo construído hoje. É um momento histórico a decisão de ter comprado a participação da United States Steel no Carajás e a decisão de construir. Acho que nesse ponto a Vale certamente merece o tributo a duas pessoas, dois presidentes que tomaram essas decisões na época: ao Fernando Reis, que como presidente tomou a decisão da compra, e certamente o Eliezer como presidente, [que] tomou a decisão de construir. Eu não conseguiria ver hoje Carajás, sendo tomada uma decisão de [construir] Carajás; certamente a Vale não teria a dimensão que tem hoje sem essas duas decisões que foram tomadas à época.
Mas respondendo a sua pergunta, o lançamento das debêntures conversíveis era parte de um pacote financeiro [em] que constavam empréstimos externos, seja do Banco Mundial, seja do Ex... Comunidade Europeia, Eximbank no Japão, parte do BNDES. O que se queria também é que o mercado de capitais desse a sua contribuição não só absorvendo essas debêntures, mas convertendo essas debêntures, uma relação confortável também de dívida/capital, capital próprio. O governo não tinha recursos para colocar, daí a ideia em se lançar essas debêntures, que acabaram, sob a ótica econômica e financeira, sendo um sucesso. Elas foram lançadas e todas convertidas, mas deu uma polêmica danada.
P/1 – Teve, né?
R – Principalmente depois que elas foram convertidas em ações, na época se imaginou que o Eliezer queria privatizar a companhia. Teve até que responder uma CPI.
P/2 – A história do Severo Gomes, né?
R – É, Severo Gomes. Eu também, de uma certa maneira, fui lá no Senado para ajudar a responder essas perguntas. Era simplesmente uma operação que, talvez por ter sido inédita em nível de Brasil - naquela época pouco se comentava sobre debêntures, debêntures conversíveis -, as pessoas nem sabiam muito bem o que era isso, então essa polêmica toda. Mas não havia nenhuma intenção a não ser captar recursos, e captar bem para tocar o Carajás.
P/1 – Porque em 87 é o contrário, é lançar debêntures não conversíveis, não é isso?
R – Bom, aí já tem uma fase que é minha, né?
P/1 – É outro momento.
R – Uma fase mais como diretor financeiro. Bom, eu não sei se passamos pela… Porque aí já entra uma fase...
P/1 -
Não, a gente não...
R – ...que tem várias histórias se for o caso para contar para vocês. É a fase do pós-Carajás. Em 87, nessa altura eu já era superintendente financeiro, e na época foram criadas duas superintendências: uma chamada “nacional” e outra “internacional”. Qual era o objetivo que se queria na época? A nacional era mais para tratar de assuntos que eu era o superintendente, para tratar mais de assuntos relacionados ao recebimento, pagamento, tratamento de acionistas etc. A internacional [era] mais no sentido de cuidar dessa dívida enorme em função do Projeto Carajás.
Então em 87, eu me lembro bem, eu como superintendente financeiro… Antes disso, [em] 86, eu me lembro que tem uma fase importante da minha vida. O Eliezer chegou perto de mim - nessa época eu já estava mais próximo, eu como superintendente financeiro já era mais próximo da diretoria. Ele chegou e me perguntou o seguinte - talvez ele nem lembre disso: “Você já está pronto para ser o diretor financeiro da companhia?” Eu disse para ele que não. “Mas como não?” “Olha, eu acho que um diretor financeiro de uma companhia...”, talvez até me mirando na experiência do Samir como diretor financeiro, “acho que deve ser uma pessoa com uma vivência internacional, que fala uma língua adequadamente. Pela minha história, pelo meu histórico, eu não tenho essa formação, nem essa característica.
P/1 - Você falou assim para ele?
R - Falei mais ou menos assim, não sei se as palavras foram exatamente as mesmas. Ele me respondeu, na época: "Então precisamos resolver isso." Isso mostra a vocês… Também foi muito marcante, principalmente quando eu assumi a presidência, que era… Para mim, ficou claro naquele momento a falta de uma política na companhia de recursos humanos, principalmente para gerir a carreira das pessoas, ou seja, talvez naquele momento... "Olha, tem ali uma pessoa com potencial para um dia ser diretor financeiro, o que falta a ela? Falta mais vivência internacional, falta uma língua, falta isso, falta aquilo."
Bom, mas isso é uma história para daqui a pouco. Mas em 86, quando era ainda presidente o Eliezer e o Mascarenhas era o vice-presidente, eu acabei ficando uns seis ou sete meses nos Estados Unidos estudando, aprendendo e trabalhando um pouco lá na subsidiária lá da Vale, a Rio Doce América. Voltei então para o Brasil no finalzinho de 86, já no finalzinho do Plano Cruzado. E naquela época o Eliezer já tinha saído da presidência da companhia, tinha assumido a presidência o doutor Mascarenhas, que faleceu, infelizmente, em 87.
Eu me lembro que vinha todo cheio de ideias. Na época, uma das coisas que a gente fez foi uma visão de longo prazo das finanças da companhia. E ficava claro então que em 87 a Vale iria dar um prejuízo. Eu me lembro então que fomos apresentar isso ao doutor Mascarenhas e ele, num primeiro momento, não acreditou: "Como? Dar prejuízo, a Vale nunca deu prejuízo." Eu falei: "Mas esse ano vai dar."
Tinha todo um endividamento da companhia da época de Carajás. Como ele foi de vários países, tinha na verdade uma cesta de moedas, então você tinha empréstimos em ien do Japão, franco suíço, marco alemão, dólar, então era uma cesta de moedas e uma confusão danada. A Vale ficava então muito ao sabor dos resultados das várias cotações dessas moedas e o Brasil não tinha naquele momento nenhum instrumento de proteção a essas flutuações. Queiramos ou não, estamos falando de tão pouco tempo para essas mudanças, mas há treze anos, apesar de parecer um prazo tão longo, o Brasil era muito estava muito atrasado em termos de qualquer mecanismo financeiro.
Então em 86, quando eu cheguei, discutimos e apresentamos isso ao doutor Mascarenhas. Ele não acreditou, pediu para rever, fazer de novo. Fizemos: "Olha, o resultado é [que] diminui um pouquinho aqui, mas a tendência é resultado negativo."
P/1 - _________________
R - E aí ele motivou uma mudança no comportamento da companhia. Ele queria ver o que gente podia fazer para reverter o quadro e foi então que apareceu em 87 o que nós chamamos - feito de uma maneira vista de hoje meio amadoristicamente, mas naquela época foi importante - o que nós chamamos de um plano de economia. Esse plano de economia tinha como objetivo reduzir custos onde fosse possível, racionalizar onde fosse possível.
O doutor Mascarenhas faleceu antes de ver a Vale em 87 fechando o ano com resultado negativo. Fechou realmente com resultado negativo, eu acho que na época em torno de uns cem milhões de dólares. Isso eu acho que foi uma marca muito profunda na companhia e para a área financeira foi um momento importante porque mostrou um pouco, talvez para casa e para a própria área, que a gente tinha que começar a se antecipar aos fatos, não podia trabalhar em cima de fatos já acontecidos.
P/1 - ____________
R - No fundo, a Companhia não foi nunca… Ela foi talvez uma companhia carente, durante um bom tempo, de planejamento. Eu diria a vocês que a companhia teve sorte de ter uma cabeça privilegiada como é a do Eliezer, mas [em] boa parte da sua história acho que o grande planejamento da companhia se dava na cabeça do Eliezer, porque faltava já de certa maneira essa discussão na companhia. O que eu estava dizendo antes da nossa conversa, uma pessoa que teve ao meu modo de ver um papel muito importante.
O doutor Mascarenhas passou pela presidência num momento infelizmente conturbado. Ele ficou pouco tempo na presidência, infelizmente veio a falecer num acidente automobilístico, mas quando ele faleceu, assumiu a presidência o Agripino Abranches - que também veio a falecer há cerca de dois, três anos - que foi o presidente que realmente colocou essas coisas em discussão. Ficava claro que pós-Carajás, antes de chegar na dívida, a área de minério de ferro de uma certa maneira estava pronta. As reservas de Carajás de minério de ferro são reservas fantásticas, é um projeto que certamente vai atender a demanda por muitos anos do setor siderúrgico; o que existe de minério de ferro lá em Carajás é suficiente para quatrocentos anos medidos.
P/1 - Que se sabe hoje, né?
R - Que se sabe hoje, em minas sempre tem espaço para se continuar - não Minas Gerais, minas falando de uma maneira geral. Ficava claro que Carajás estava pronto, existia todo um outro potencial em Carajás ainda precisando ser mais estudado, mais dimensionado, mas com aquela dívida certamente a gente não ia a lugar nenhum. Eu me lembro que a dívida somava 3,7 milhões ou bilhões de dólares e em várias moedas, sem nenhuma proteção no Brasil contra essas flutuações.
Nessa época, eu fui colocado como coordenador desse plano de economia pela área financeira e de uma certa maneira aquilo me criou uma certa exposição maior junto às pessoas. Não sei se foi essa uma das razões [por] que acabaram achando que eu devia ser o diretor financeiro da companhia, o que acabou acontecendo em 1988; eu fui promovido então a diretor financeiro. Foi uma época extremamente rica em termos de mecanismos financeiros, porque estávamos diante de uma enorme dificuldade - projetos para serem desenvolvidos na companhia, mas faltavam recursos.
Em 1988, para complicar mais as coisas, veio a moratória do Sarney, então falar em recursos externos era um palavrão, domesticamente [era] a única opção. Doze anos depois continua sendo o BNDES, então foi uma época de criação de vários mecanismos financeiros e aí _________ em debêntures conversíveis, veio a fase [de] debêntures não conversíveis, debêntures com participação.
Eu me lembro que numa conversa com um banqueiro externo ele me disse o seguinte: "Olha, está começando a aparecer muito lá nos Estados Unidos as chamadas commodities linked bonds”, aí na hora me deu um estalo. Eu guardei para mim e eu disse: "Olha, commodities nós termos uma debaixo da terra que é o ouro, bônus a gente vai criar um, e ___________ a gente vai _________.”
Então foi criada uma operação na época que a gente chamou é… Era debêntures no fundo, mas não podia ter esse nome porque debêntures era dívida, e dívida da Vale entrava no déficit público, então você vê as confusões...
P/1 - Dava margem.
R - Aí o governo não autorizava, então nós criamos na época o que nós chamamos de um contrato de venda futura - eu não sei se o nome está correto -, contrato de venda futuro a ouro, que dava ao investidor uma opção de receber quatro anos depois, de acordo com o aumento da produção de ouro da companhia, ouro ou dinheiro corrigido pela poupança.
Já que é depoimento, tem uma história interessante. Quando eu apresentei aquilo ao conselho como ideia, um conselheiro se virou e disse o seguinte: "Mas e se a Vale não produzir o ouro, como é que a gente entrega o ouro no futuro?" "Mas nós vamos produzir." "Fulano, fala aí que nós vamos produzir." Aí o superintendente financeiro, o diretor da área na época, o Dioclésio apresentou lá os argumentos por que nós íamos produzir, mas o conselheiro insistia: "Mas e se nós não produzirmos?" "Se nós não produzirmos nós vamos comprar no mercado e vamos entregar." "Mas e se no mercado não tiver?"
Bom, aí o negócio não tinha mais como responder. O Agripino, politicamente - era o presidente na época -, ele: "Wilson, não vamos insistir. O conselheiro não está confortável. Vamos tirar isso de pauta e discutir isso no mês que vem." Saí meio frustrado da sala, mas ele me chamou e disse o seguinte: "Vamos levar a próxima reunião do conselho lá para Fazenda Brasileiro e aí vamos mostrar para o conselheiro que já tem ouro saindo de lá em caráter ainda experimental - laboratório e uma planta piloto, mas já tem ouro saindo." Aí a próxima reunião foi lá...
P/1 - ________________
R - Lá na Bahia e o Agripino espertamente, na hora, preparou uma barra acabando de sair do forno.
P/2 – Brilhando, né?
R – Brilhando e todo mundo tirou retrato, pôs a mão lá na barra. Aliás, seria interessante ver se vocês acham esse retrato.
Aprovaram a operação e foi um sucesso. Aqui no Brasil existia uma febre por ouro na época, exatamente por falta de mecanismos de proteção. Nós conseguimos obter da CVM a aprovação de que investidores institucionais, tipo fundos de pensão também poderiam comprar ouro; aquela operação era válida para fundo de pensão, porque se ele não recebesse o ouro ele receberia o dinheiro corrigido pela poupança - era esse o mecanismo então, só para voltar um pouquinho. O risco máximo que ele tinha era receber o dinheiro corrigido pela poupança.
Daí então o sucesso da operação e basicamente numa tarde na bolsa de valores vendemos todas as quinze toneladas de ouro, divididas para entregar em quatro anos. Foi uma operação de quatro anos, o que era pouco comum naquela época na companhia, e uma operação de venda futura que era também muito pouco comum. Isso levantou na época acho que aproximadamente 280 milhões de dólares, porque o ouro era… O preço dele no Brasil era o black, que era muito comum...
P/1 – Uma decisão estratégica.
R – É, era muito. O ouro era o preço do black, que era o dobro por causa da moratória, a situação econômica do país vezes o preço internacional. Com isso se levantou basicamente os recursos que se precisava para se fazer o projeto de ouro e aí lançamos debêntures conversíveis em ações, com participação nos resultados da companhia, o que também foi muito bem sucedido.
A grande tacada veio em 1989, aí que foi o grande momento da área financeira. Num certo momento, nós lançamos um comercial paper de duzentos milhões de dólares da Vale em Londres. Apesar de não ser uma operação tão difícil de fazer, eu disse a vocês que naquela época era muito difícil levantar recursos lá fora em função da moratória que o Brasil estava vivendo. Mas porque que não foi tão difícil? Porque na verdade os bancos não emprestavam dinheiro novo para o Brasil, então quando alguém pagava, na verdade ele trocava de credor; ao invés de emprestar para empresa A, emprestava para empresa B e o risco Vale sempre foi considerado melhor do que outros.
Acabamos lançando essa operação de vinte milhões de dólares no mercado londrino. A operação foi tranquila, acabamos a operação e aí tem uma história interessante: hotel em Londres é muito caro, então a diária da Vale não dava para pagar um apartamento. Estávamos no mesmo quarto eu, como diretor que tinha ido assinado a transação, junto com o Vítor ________, que era um responsável pela área financeira lá nos Estados Unidos. Nós estávamos, de uma certa maneira, muito felizes pelo lançamento: “E aí, foi tudo bem”, quando veio a ideia: “Escuta, e se a gente pegar esse dinheiro e ao invés de entrar com ele no Brasil comprar dívidas brasileiras?” Quem deu essa ideia não sei se foi ele ou se fui eu. De vez em quando pergunto para ele: “Quem falou primeiro?”
P/1 - ________________
R – Não sabemos. Enfim, surgiu a ideia e aí começamos os dois no mesmo quarto a processar aquilo. Chegamos a conclusão de que com duzentos milhões de dólares daria para comprar um bilhão de dólares da dívida brasileira, que estava sendo negociada naquela época a vinte centavos de dólar - quer dizer, em vez de um dólar, com vinte centavos você comprava um título, um dólar da dívida brasileira.
P/1 – Da dívida.
R – Ficamos superexcitados. “Pô, essa é a solução da dívida da companhia, porque aí nós vamos acabar com a dívida da companhia.” “Mas como acabar? Nós estamos comprando dívida brasileira, não é a dívida da Vale.” “Não, aí a gente convence o Banco Central a pagar a nossa dívida com título da dívida brasileira.” E começou aquela brainstorm, que em Minas Gerais chama-se “toró de parpite”. Feito aquilo, chegada à conclusão que tínhamos que atacar aquilo.
Eu pego o telefone e disco para o Agripino, que era o presidente, aí: “Agripino, olha, estamos com essa ideia aqui de pegar esses duzentos milhões e comprar dívida do Brasil.” Aí ele falou: “Wilson, essa ideia é maluca. O que nós vamos fazer com dívida?” “Não, nós vamos levar lá para o Banco Central e pagar a nossa dívida.” Ele falou: “Tá bom. Se você quer tentar, tudo bem, agora o que que você quer que eu faça?” “Não, eu quero duas coisas suas: primeiro que você me autorize a ficar mais um dia, porque está havendo uma reunião do Banco Mundial e o pessoal da área econômica está todo em Washington, então eu queria sair daqui de Londres e ir para Washington. Segundo, se a gente conseguir você não vai ter duzentos milhões de dólares no caixa da companhia, então você vai ter que segurar o que puder segurar aí para a gente reduzir essa dívida, dar um tombo nessa dívida.” “Então está bom, vai e tenta.”
Fomos o Vítor e eu de Londres para Nova Iorque, para Washington pensando: “Como é que vai ser a nossa ________, nosso início de conversa com o banco, com as autoridades econômicas?”
Não chegamos à conclusão [de] qual seria o _______, mas na hora que chegamos no local que estava acontecendo a reunião do Banco Mundial veio o diretor da área externa do Banco Central na época, que era o ___________, e me perguntou assim: “Poxa, isso aqui é uma reunião de banco. O que que você está fazendo aqui?” Aí eu falei assim: “Você quer reduzir um bilhão de dólares da dívida brasileira?” Aí ele falou comigo: “Lógico que eu quero! Mas como, porra?” Aí eu expliquei: “Olha, nós temos duzentos milhões. Estamos querendo pegar esses duzentos milhões, comprar um bilhão de dólares da dívida brasileira e depois te entregar, ir ao Banco Central e te pagar.” Existia na época uma resolução do Banco Central, o câmbio era centralizado todo no Banco Central; o credor tinha que recolher o dinheiro ao Banco Central e o Banco Central que pagava ao credor lá fora - desculpe, o devedor tinha que pagar o Banco Central e o Banco Central é que passava.
P/1 – É que passava.
P/2 – E ele tinha que passar necessariamente para o _________?
R – Para o Banco Central, só que ele não pagava; de vez em quando, tinha umas renegociações da dívida externa brasileira, daí que surgiram esses títulos da dívida externa brasileira etc. Eu expliquei para ele que a gente queria pegar esse bilhão e pré-pagar a dívida da Vale toda, um bilhão de dólares de dívida da Vale. Aí ele vira para mim e fala: “Wilson, a idéia é ótima, mas isso é legal?” Eu falei: “Não sei, não sei porque nós estamos... Essa ideia veio ontem a noite, então tem que estudar, não sei.” “Vamos lá conversar com o Maílson”, que era o ministro na época. Era isso que a gente queria.
P/1 – Vocês tiveram essa ideia e foram tocando, não foram parando para...
R – Fomos tocando. Não dava, depois vamos analisando, tentar ver se a ideia era factível. Ele me levou ao Maílson e era isso que eu queria. Estava todo mundo da área econômica ali reunido e era uma boa oportunidade - você não consegue em Brasília juntar muita gente ao mesmo tempo em torno de um mesmo assunto. Expliquei para o ministro e ele disse: “Mas Wilson, isso é legal?” Eu falei: “Ministro, não sei.” Ele também repetiu a mesma pergunta que o (Lori?) tinha feito. Mas ele foi muito objetivo, ele disse: “Olha, vamos fazer o seguinte: eu saio daqui...” - não me lembro mais o dia, vamos imaginar - “sexta-feira, quarta-feira você vai a Brasília.” Os dias eu não me lembro se estão corretos.
Voltamos para o Brasil felizes: “Olha, acho que vamos conseguir!” Chegamos aqui, estudamos. Também não tínhamos visto nada porque o que que era ilegal? Talvez fosse não tão legal; não sei se… Não juridicamente falando, é o próprio país declarar a sua moratória, está certo?
P/1 – Claro.
R – Isso que talvez não fosse legal, não estou dizendo se… Mas pelo menos não era bacana ter declarado. (risos) O legal… Quer dizer nem sempre, juridicamente não consta em algum lugar que é ilegal ou legal o país declarar declarar moratória. Bom, chegamos em Brasília e ele tinha realmente mandado o pessoal da área econômica do Ministério da Fazenda estudar o assunto. Tinha várias pessoas reunidas e a conclusão a que se chegou é que de ilegal não tinha nada você comprar dívida.
Entra o ministro na sala: “Tá bom. Se não tem nada de ilegal vai fazendo, Wilson, então vai.” Aí combinei com ele o seguinte: “Ministro, nós precisamos combinar. O Banco Central tem que acompanhar um pouquinho porque essas coisas a gente nunca fez, então temos que… [É] uma experiência nova, eu venho para cá de vez em quando dar uma satisfação do que está acontecendo.”
Ele vai saindo da sala e eu todo feliz. Nessa altura eu já estava: “Ah, conseguimos!” Aí não me lembro, uma pessoa se levanta e fala assim: “Ministro, um minutinho:
eles vão com duzentos milhões comprar um bilhão. Quer dizer, oitocentos milhões de lucro. De quem é esse lucro?”
Eu, mais que depressa, falei assim: “Nosso, da Vale. Lógico, não é?” O ministro voltou, sentou e eu falei: “Ih, caramba!” Aí ele falou: “Não, mas como de vocês? Espera aí, vocês estão comprando com duzentos milhões uma operação que nós estamos concedendo, vocês estão ganhando oitocentos milhões.” Mas aí eu argumentei: “Mas a Vale é uma empresa estatal, no fundo uma mão serve para outra.”
P/1 – É nossa.
R – Aí ele diz: “Não, espera aí. O governo é controlador da Vale, mas não é dono da Vale. Tem os outros acionistas.” Depois de muita discussão acabou ficando uma decisão, acabou se tomando uma decisão “salomânica”, né: metade do lucro era para a Vale, metade do lucro era para o Banco Central.
O resultado disso é que a Vale em 1989 teve de lucro de 750 milhões de dólares, dos quais 550 mais ou menos vieram dessas operações, quer dizer, metade desse lucro. Na época, foram comprados mais ou menos um bilhão e meio, porque depois nós começamos a inventar outras coisas; criou o mecanismo e aí começamos a dar asas a imaginação. Pegamos os navios que a Docenave [Vale do Rio Doce Navegação S.A] tinha, vendemos os navios, fizemos uma operação de _______, vendendo; alugamos os navios de volta, pegamos o dinheiro. Em vez de dinheiro pegamos papel da dívida brasileira e tudo isso foi feito meio mineiramente, sem mexer muito com o mercado para não mexer com a cotação dos papéis, tanto é que não saiu aí da linha dos vinte cents de dólar. Com isso a dívida da companhia em 89 deu uma queda muito drástica, muito forte, e talvez tenha sido por isso que eu acabei chegando à presidência da Companhia porque fiquei muito exposto talvez em 88 e 89. Eu que falava sobre resultados da companhia, eu que aparecia em função dessas operações financeiras, acabava me expondo muito, então em 1990 eu acabei sendo designado presidente da companhia.
P/1 – Como que foi esse convite, em função disso tudo? Como se deu essa formalidade?
R – Para chegar até a presidência? Eu não sei muito bem como foi, para ser muito franco. Existem histórias sobre o tema, não é?
O que existe é o seguinte: falava-se muito na época em alguns nomes para presidente da companhia. Estava chegando o Governo Collor e falava-se muito no Eliseu Resende para presidente. Existia alguns nomes internos na companhia - por exemplo, o Bernardo Spiegel era um nome, também se falava na época, até porque ele era na época o vice-presidente da companhia. Eu não sei se vai fazer parte das pessoas que vão depor, o Ditzel era outro nome que também se falava porque ele era o homem comercial da companhia, então acho que o meu nome… Acabou sendo assim, não é nenhum externo e não é um que é tão lógico.
Então eu não sei, acho que talvez… Eu também conhecia da época que ele era presidente da Petrobrás nessas operações todas o Osires Silva, que passou a ser o primeiro Ministro de Infraestrutura na época do Governo Collor; o secretário de Minas e Metalurgia, Luís André, que eu também conheci na época em que era presidente da Usiminas; enfim, o próprio Eliezer, dizem também que ele deu força. Enfim, eu não sei, eu não saberia te responder porque essas coisas acabam acontecendo nos bastidores. Às vezes os personagens nem sempre participam, então eu não sei dizer quem indicou, como eu fui indicado.
P/2 – Mas o senhor foi o primeiro não engenheiro a ser presidente da Vale ou não?
R – Eu não sei se fui o primeiro não engenheiro, porque acho que o Fernando Reis, eu não sei se ele era. O Fernando Reis acho que era economista; acho que não foi, mas certamente o primeiro administrador.
P/2 – O primeiro administrador, com certeza.
R – É.
P/2 – E isso como foi visto dentro da companhia?
R – Eu não sei. Talvez, num primeiro momento… Eu tenho uma frase que nunca esqueci de um antigo superintendente do Costa e Silva, que aliás é uma pessoa que eu também devo muito da minha carreira. Ele tinha uma frase que era o seguinte: “A companhia é muito presidencialista” - era pelo menos muito presidencialista, eu não sei se hoje mudou. Então é possível que num primeiro…. Se um contínuo, com o perdão da palavra do contínuo, for um dia indicado para presidente, possivelmente vai haver uma certa perplexidade num primeiro momento, mas depois a empresa estará reverenciando a pessoa como presidente.
Eu diria a você que talvez algumas pessoas tenham tido um certo choque, mas acho que não tenha havido um susto tão grande até porque, de uma certa maneira, era o momento em que a área financeira estava muito em evidência na companhia.
Acho que a coisa veio recebida com uma certa naturalidade. Não tive, pelo menos que eu saiba, grandes problemas, grandes reações.
P/1 – Nesse momento que o senhor assumiu, quais os projetos que o senhor deu continuidade, quais novos começaram a ser empreendidos?
R – Um dos grandes méritos que eu vi na figura do Agripino, quando ele assumiu a presidência, foi colocar em discussão o que seria a companhia pós-Carajás. Então na época - isso por volta de 1989 - se promoveu na época um discussão muito grande entre diretoria, superintendentes, do que nós chamamos na época… Estava muito [em voga] na época o termo “planejamento estratégico”, o que nós chamamos de fundamentos de planejamento estratégico. Isso ficou pronto já no final da gestão do Agripino e naquele momento a gente, ele percebeu que talvez não fosse ele a pessoa para implementar aquele plano, até porque já estava no fim da gestão;
talvez uma figura que viesse nova pra implementar e tentar executar esse plano.
Na verdade, o que a gente fez foi iniciar a implantação de alguma coisa que vinha sendo discutida, que era esse planejamento estratégico, e a primeira sinalização nesse sentido foi dividir a companhia em áreas de negócios. A gente fugiu um pouco do modelo tradicional de gestão logo que eu assumi, e a primeira diretoria indicada pela companhia então já foi uma diretoria com base nesse planejamento e dividida em áreas de negócios. Eu também quis dar um choque talvez de oxigenação na companhia e chamei para a diretoria basicamente pessoas novas no quadro - todos eles superintendentes da companhia, mas que não eram diretores. Eram seis diretores: eu convidei na época o Vander Gego, que era na época o superintendente financeiro que assumiu a diretoria financeira, o Bernardo Spiegel continuou como vice-presidente, o Mozart _______, que era o superintendente em Carajás passou então a ser responsável por uma área de transporte - isso num primeiro momento, depois a gente fez algumas modificações -,
um rapaz chamado Vilela que também largou a companhia para cuidar da parte de papel, celulose, e o Murilo Passos, que tinha sido na época diretor comigo mas naquele momento estava em Belo Horizonte cuidando da Cenibra Floresta. Eu o trouxe de volta para cuidar de papel, celulose e outros negócios, porque o número de diretores era limitado e a companhia já estava grande para a quantidade de diretores que tinha. Precisava talvez de um número maior, mas a legislação determinava seis.
Num segundo momento eu fiz uma modificação, já querendo preparar a companhia para uma internacionalização, então o Bernardo Spiegel saiu da vice-presidência e foi trabalhar na Rio Doce América, com a visão de procurar uma internacionalização maior da companhia. Apesar da Vale, naquele momento, talvez ser a maior empresa exposta ao mercado internacional, exatamente por ser uma empresa que durante muitos anos era a maior exportadora brasileira, agora esse cargo foi tomado pela Embraer. No meu modo de ve, ainda não era uma empresa internacional ___________ até hoje, e eu entendo, entendia e continuo entendendo. Eu não estou falando só de história, mas também de prospecção futura: a Vale tinha e tem todas as condições talvez de ser a primeira multinacional brasileira. Foi um trabalho dado ao Bernardo para ele começar a perseguir essas coisas, mas infelizmente as dificuldades de estatal não deixaram que isso acontecesse naquela época, mas certamente vão acontecer em futuro próximo.
O Bernardo Spiegel foi para essa função e veio o Vítor para ser o diretor financeiro, Vítor Ralaqui, foi aquele que estávamos juntos no mesmo quarto.
P/2 – O “toró de palpite”.
R – É, o “toró de parpite”. “Parpite”, não pode ser de palpite não porque senão perde a conotação.
O Vander Gego passou a ser o vice presidente, cuidando mais da parte administrativa, e o resto da diretoria continuou como estava. Acho que foi um período no início muito difícil, porque a gente percebia desde 1987, quando eu falei com vocês do pós-Carajás, das necessidades que a Vale tinha de se reestruturar, de se reorganizar e às vezes - às vezes não, politicamente é muito complicado reestruturar uma empresa estatal porque o político tem uma concepção às vezes diferente de negócios, de business que a gente tem. Mas quando chegou o Collor com aquele discurso todo de modernização, de eficiência - aliás, um discurso que impressionou a todos nós no início, não sabíamos o que estava por trás -, a gente aproveitou muito o momento para fazer uma reforma administrativa na companhia e houve uma redução de quadro muito forte. Isso foi, de uma certa maneira, um choque num primeiro momento grande na companhia. Não era uma empresa acostumada a fazer isso.
P/1 – Quer dizer, vocês aproveitaram aquela onda mas não foi um pedido, algo que viesse _______?
R – É, mas deixa eu dizer como iniciou, porque teve duas fases.
Um dia, fui chamado a Brasília e participaram desse encontro o ministro Ozires, o Luís André, o ministro João Santana, que na verdade era secretário de administração ou coisa parecida. E eu recebi o seguinte… Pedido, não foi nenhuma imposição. Eles [disseram]: “A Vale não tem muito o que fazer, mas se fizer alguma coisa nos dá a chance de fazer uma reforma, uma reformulação nas outras empresas estatais...” Porque a Vale naquela época já era vista como empresa entre as estatais, tipo [um] modelo, um termo que eu nunca gostei muito.
Aí eu fiz o meu charminho, dizendo: “Poxa, mas como é que é?” “A gente colocou aqui uma redução de uns oito por cento no quadro da companhia e eu acho que vocês têm o que fazer. Olha lá naquela parte de florestas etc.”
Bom, cheguei no escritório da companhia, chamei o superintendente e disse: “Olha, é um momento difícil, mas eu acho que é uma oportunidade que a gente tem de dar uma reorganizada na companhia, coisa que a gente vem discutindo há anos. O que eu peço a vocês é que cada um vá a sua área, veja as pessoas que realmente não têm mais a contribuir. Vamos fazer isso com muita dignidade, respeito às pessoas, mas sem nenhuma preocupação com percentual. Vamos fazer o que tem que ser feito.” Na verdade, a gente falou em cinco por cento: “Vê se você reduz cinco por cento do quadro.”
Marcamos um dia, e foi um dia extremamente traumático dentro da companhia. Eu diria a vocês [que foi] sofrido, porque no dia as várias áreas tomaram a decisão e no final reduziram nove por cento do quadro de pessoal, num dia. Então isso foi muito traumático, muito forte, para qualquer empresa, principalmente para uma empresa como a Vale.
Bom, eu voltei a Brasília com aqueles nove por cento e as pessoas, por parte de lá: “Muito bem, acho que vocês deram um exemplo forte.” Eu falei: “Pois é, mas essa não é a reforma administrativa que nós pretendemos implantar. Eu acho que uma reforma administrativa não é a redução de quadro, ela vai além disso. A companhia precisa de oxigenação, precisa ter mais liberdade pra colocar os seus planos administrativos em implantação, precisa investir em pessoas.” Enfim, coloquei para o governo a necessidade de tratar a Vale de uma maneira diferente, já que eles me pediram alguma coisa também. Eles me disseram que eu tinha carta branca para fazer aquilo que eu achasse necessário.
Voltamos para a companhia e fizemos, talvez, no Brasil um dos primeiros programas de demissão voluntária. Não era muito comum no Brasil. Tinha havido uma experiência na IBM nos Estados Unidos, a gente olhou o que que tinha sido feito, de uma certa maneira adaptou ao Brasil e aí o quadro foi reduzido em vinte e cinco por cento. Quer dizer, o quadro caiu substancialmente.
Passada essa fase ___________, então quando você mexe com pessoas é um negócio bastante difícil, mas a segunda fase desse programa de desligamento já não foi tão traumática como foi a primeira, porque muitas pessoas aderiram de maneira voluntária, muitas pessoas já estavam talvez na época de aposentar. Não é que não tenha causado traumas, certamente causou, mas [foi] menos traumática. A primeira realmente foi muito forte, mas sem a primeira não teríamos conhecido a segunda.
A partir daí, aí sim começamos um programa de uma reforma administrativa. Começamos vários programas de carreira de sucessões, que eu encaro como um dos importantes, que a gente deixou uma semente na companhia. Esse [programa de] carreira de sucessões veio lá de trás, naquele momento que me perguntaram: “Você já está pronto para ser o diretor financeiro?”, que o Eliezer perguntou. Ali ficou marcado para mim que, que...
P/1 - _______________ em que ano?
R – A empresa precisava saber quem eram os talentos que estavam ali dentro para investir nesses talentos, né?
P/2 – Não existia nada disso?
R – Não.
P/2 - Nenhuma política...
R – Não, não. Existiam pequenas discussões, mas nada...
P/1 – Como um programa mesmo.
R – Tudo isso foi feito a partir de 90. Implantamos o Programa de Qualidade Total, um projeto de comunicação mais forte, então também foi uma época gostosa. Uma época difícil, mas gostosa porque aí veio a fase boa, porque as pessoas que ficam veem nisso uma forma de crescer.
Uma das coisa que foram feitas: a gente tentou desmistificar um pouco a figura do presidente da companhia. Até por ter passado por várias áreas da companhia, eu ia muito ás áreas; eu chamava as pessoas das áreas operacionais até o Rio, então abria a companhia para um debate. Foi uma fase importante.
P/1 – Essa que você estava falando foi você que instaurou na companhia, a conversa com o presidente?
R – Eu acho que...
P/1 - ____________________________
R – Acho que ela começou timidamente ainda com o Agripino ou com o Mascarenhas, mas ela passou a ser mais um programa institucional. Eu acho que ela foi… Foi dada mais ênfase nessa época. Então era muito comum, por exemplo, a diretoria pegar um trem lá em Carajás e ir parando nas várias estações, reunindo o pessoal, conversando, apresentando programas, apresentando planos da companhia. Isso expôs mais as pessoas. A mesma coisa em Itabira, em Vitória, e assim por diante.
Foram experiências fantásticas, feedbacks importantíssimos que a gente tem porque [em] qualquer empresa num processo de mudança você tem um fenômeno natural, que é as pessoas que estão num nível hierárquico mais baixo querendo mudanças, olhando aquelas mudanças como uma oportunidade de crescimento até pessoal. E você tem às vezes um nível intermediário que não quer mudança, quer manter o status quo, então não quer dizer que o seu discurso está chegando de maneira adequada as pessoas. Quando o __________ da companhia, o cargo maior da companhia, vai até as pessoas você começa a quebrar essas barreiras intermediárias e você recebe o feedback das pessoas se realmente estão chegando as mensagens que você queria. Mudar a cabeça das pessoas não é um processo que você faz no papel através de instruções, você faz isso através de convencimento, de exemplos, de coerência, então acho que foi uma fase muito importante que aconteceu na companhia.
P/2 – Autonomia em relação ao governo, quer dizer, como é que era essa relação? ___________.
R – Eu me lembro que em 87, voltando lá atrás, quando eu era superintendente financeiro, eu era também responsável pelos contatos da Vale com o órgão responsável pela gestão das estatais, que se chamava _______,
um órgão bastante poderoso que controlava então todas as estatais. Eu dizia para eles na época o seguinte: “Olha, a coisa mais fácil para um gestor de uma empresa estatal é ser ineficiente, porque ele transfere para o governo toda a sua ineficiência. Ele diz: eu não sou eficiente porque eu não posso fazer isso, não posso fazer aquilo. Quem é o ineficiente? É o sócio e, às vezes, a ineficiência está nas pessoas que estão gerindo, né?” Então a gente começou a discutir com eles, lá em 87, a possibilidade de fazer com a Vale o chamado contrato de gestão. Eu só consegui assinar isso em 1991, me parece já como presidente da companhia, que foi o primeiro contrato de gestão assinado entre uma empresa estatal e o governo como acionista majoritário ou controlador.
O que era esse contrato de gestão? Na verdade, é você, como acionista, dar aos gestores metas, programas a serem atingidos. Ao gestor compete responder adequadamente, se não tchau, e aí não fica mais essa transferência de responsabilidade. Acho que esse foi um modelo que [se] sustentou na companhia e que conseguimos lá implantar uma certa autonomia gerencial, tirando um pouco, quer dizer, mudando um pouco: “O governo é sócio, como sócio exige retorno sobre o valor investido, mas não entra no dia a dia da companhia.” Por que se entrar, para vocês terem uma ideia, às vezes uma viagem de um presidente da companhia tinha que ser autorizada pelo ministro. Chegou ao absurdo da época do governo Figueiredo, para admitir um contínuo… Com todo o respeito novamente ao contínuo, na companhia você tinha que ter a autorização presidencial, quer dizer, é um absurdo, é uma inversão de valores. E não é [no] Brasil, eu acho que em qualquer lugar do mundo, por princípio, o governo não é um bom acionista. Ele devia é se preocupar mais com saúde, saneamento, infraestrutura, educação e deixar atividade econômica para quem é da atividade econômica.
P/1 – Na sua gestão, quer dizer, no seu período de presidente na Vale, quais eram os programas ligados à comunidade, à área social? A Vale tinha? Quais eram?
R – Eu costumo defender já de algum tempo que não dá mais para o setor empresarial esquecer os problemas sociais à sua volta. Os problemas sociais à volta de uma empresa acabam se transformando em problemas econômicos, de uma certa maneira, para as empresas. E no caso de uma empresa como a Vale, que é regionalmente bastante espalhada, você tem ferrovias que passam por “n” cidades.
Na época existia o chamado “Fundo de Desenvolvimento da Zona do Rio Doce”, que acabou com a privatização. E este era um programa… Na verdade, ele tinha um cunho muito mais político, porque x por cento do lucro da Vale compunha esse fundo, aí um deputado, um senador acabava pedindo para fazer isso, fazer aquilo e a Vale ia fazendo para atender mais pedidos políticos, que tinha que ser feito como empresa estatal. Mas o que a gente quis começar foi: “Vamos reservar um pedacinho do fundo para atender essas demandas políticas, mas vamos tentar fazer deste recurso realmente uma maneira de desenvolver a zona do Rio Doce.”
Não é, porque vamos ser realistas: eu acho que cada vez mais empresas do tipo Vale fazem com que a sociedade dependa muito delas. Quando uma empresa - não porque é a Vale - [é] grande, localizada numa região qualquer, num país como o nosso, acaba a sociedade dependendo muito dela, não é? E a gente defende a seguinte tese: que cada vez mais essa sociedade tem que depender menos das empresas. Então é criar condições para que as regiões dependam menos das empresas, seja através da atração de novos negócios para as áreas; não de resolver os problemas sociais, mas de ser parceiro na solução de problemas sociais.
Na verdade, os grandes problemas sociais que a gente enfrenta hoje, nessas comunidades, é porque infelizmente, enquanto estatais, boa parte dessas empresas criaram o conceito de que elas tinham que resolver. A sociedade foi aceitando aquilo, a empresa acabava não tendo condições de resolver e a sociedade cobrando. Quando você joga o outro conceito: “Vamos tentar juntos resolver os problemas sociais”, a sociedade responde de maneira mais produtiva, então o que se procurou, de uma certa maneira ainda meio tímida, foi realmente fazer com que a sociedade, junto com a Vale, tentasse resolver os problemas sociais [e] não só a Vale, vista como empresa que ia solucionar os problemas sociais. Não sei se ficou clara a diferença entre um conceito e outro.
P/1 – E a questão ambiental nesse momento? Você pegou a Eco 92? Existia qual cobrança da Vale do Rio Doce ou como foi a participação da Vale na Eco?
R – Veja bem, vamos dividir o problema ambiental da Vale em dois momentos: o primeiro momento, quando as minas de Itabira foram abertas, a exploração mineral em Itabira começou a ser feita. A demanda sobre o meio ambiente era uma. Quando se construiu Carajás era o início de um outro momento nessa área ambiental. Carajás acho que foi feito todo dentro de uma preocupação ambiental muito forte.
Eu perguntei se vocês estiveram lá. Vocês viram toda a proteção em torno do Projeto Carajás, a manutenção de uma reserva florestal enorme em torno das minas; se tirou só o necessário para extrair os produtos. Itabira, na verdade, foi feito dentro de um outro conceito. Como princípio, tudo que você recupera é mais complicado de ser feito do que o que você já faz certo da primeira vez, né?
Bom, não só Itabira. Vitória também tinha inúmeros problemas, então foi na nossa época que a gente assinou inclusive acordos pra retirar a poluição de Vitória. Filtros foram instalados nas usinas de pelotização, que era o problema maior ambiental que a Vale tinha em Vitória. E em Itabira a gente lançou na época um programa chamado “Itabira Verde Novo”. Foi uma época, então, de começar um reflorestamento em Itabira, uma preocupação ambiental.
Eu diria a você que essa foi também uma contribuição grande que o Eliezer trouxe da vivência dele, do período que ele viveu na Europa. Quer dizer, uma nova conscientização ambiental que não tinha chegado ao Brasil tão fortemente. Carajás foi feito, como eu disse, dentro dessa conscientização, e [em] Itabira a gente começou, então, esse trabalho de preparação - trabalho esse que já tinha sido, de uma certa maneira… Quando você fala em recuperação de verde, por exemplo, lá em Tubarão, isso começou bem antes, inclusive, da minha ______ na época que eu era presidente - começo, porque hoje você vai lá [e] na verdade é uma grande floresta, né? Então isso foi feito já há alguns anos.
Mas Itabira começou mais fortemente quando a gente estava na presidência. É como _______ a gente estava ainda na presidência da companhia, a Vale já era vista como uma empresa à frente de outras empresas brasileiras nessa parte ambiental, apesar dos problemas [que] uma indústria de mineração acarreta.
P/2 – Aquele projeto Pólos Florestais, ele foi para frente? Como foi esse projeto...?
R – Eu não sei se ele foi para frente. Ele foi lançado na nossa época. E qual era a ideia, na época? Falava-se muito que ao mesmo tempo em que a Vale teve uma preocupação de desenvolver Carajás dentro de uma concepção ambiental correta, do lado de fora do projeto estavam acontecendo “n” problemas porque, já ao abrir uma estrada - era o que se alegava à época - a Vale criou “n” problemas ambientais na área amazônica, o que é meio verdade. Eu não excluo que ao abrir a ferrovia certamente nós demos uma contribuição a mais para as pessoas chegarem a Amazônia, e certamente com isso criou-se problemas ambientais. Mas não podemos esquecer que esse problema também vem de Belém-Brasília. Eu costumava dizer, e continuo com a mesma convicção, que o maior problema que se cria na Amazônia é o não desenvolvimento da Amazônia. Não desenvolver a Amazônia pode significar a sua destruição. O que tem que ser feito é um desenvolvimento coerente, um desenvolvimento com preocupações ambientais.
Mas dentro dessa linha, respondendo a sua pergunta, o que a gente fez foi analisar o que tinha acontecido, x quilômetros à direita e à esquerda da ferrovia e constatamos que tinham várias áreas que tinham sido realmente degradadas. Seja por garimpeiros, seja por fazendeiros, porque na época era engraçado: para provar que era dono da terra você tinha que mostrar que estava limpando a terra, melhorando a terra, então as pessoas chegavam, tocavam fogo. Era muito comum ver queimadas na Amazônia, não é? Espero que isso tenha mudado hoje.
Lançamos a ideia dos Pólos Florestais, que era recuperar economicamente essas áreas degradadas, plantando eucalipto - apesar do eucalipto às vezes ser visto por alguns setores de ambientalistas como uma planta que suga o meio ambiente, hoje em dia existem técnicas em que você planta eucalipto junto com outro tipo de vegetação e que não tem mais aqueles problemas contra o eucalipto que existiam antigamente. Muita gente diz: “Onde tem eucalipto passarinho não vai.” Não vai porque não tem outro tipo de árvore, se você plantar só pinus também não vai.
Foi daí que surgiu a ideia dos Pólos Florestais e foi criada a Celmar [Indústria de Celulose e Papel], que era uma associação entre a Nissho Iwai - Ripasa, na época - e Vale, para começar um primeiro projeto com esse objetivo: replantar, fazer um reflorestamento e dar a ele uma visão econômica. Vamos ser realistas, replantar por replantar naquele momento já não era mais possível.
P/2 – Sobre essa relação com o governo e em relação ao desenvolvimento de projetos, negócios, a Vale tinha autonomia, tipo diversificação, aproveitamento da capacidade logística? Nisso a Vale tinha uma autonomia maior do quê?
R – Eu diria a você que… Eu costumava dizer que a Vale era a mais privada das estatais porque, talvez por ser uma empresa mais voltada para o mercado externo, uma empresa onde a ingerência política era bem menor, a gente acabava conseguindo não autonomia, mas uma maior liberdade para discutir _________.
Eu acho que boa parte da diversificação que a Vale faz na época, vendo de hoje, a gente chega a conclusão que [em] muitos projetos talvez a Vale tenha entrado não porque era parte de uma estratégia sua, mas porque era talvez uma estratégia também de governo. Um exemplo disso é a área de alumínio lá no norte. O governo militar construiu Tucuruí, aí de repente: “Pôxa, temos aqui uma enorme ________ gerando energia elétrica e o que nós vamos fazer com essa energia elétrica? O que consome energia elétrica? Alumínio. Quem entende de alumínio? Ninguém, mas a Vale tem bauxita, bauxita faz alumínio, alumínio faz alumínio, então tem o ________, vamos fazer o ________, né? O Eliezer deve ter usado essa frase que ele gosta dela: “Quem tem o botão faz o paletó.” E aí você acabou então com esses sócios, criou-se a _______.
Tinha uma certa liberdade, mas acho que a grande vantagem da Vale… Volto a insistir, acho que grande parte dos projetos não foram políticos. Eles tinham que ter uma viabilidade econômica, até porque boa parte desses projetos de diversificação foram feitos em sociedade. Ao serem feitos em sociedade, certamente os sócios não iam entrar num projeto pelos belos olhos da Vale, mesmo porque eram projetos viáveis economicamente. Agora acabou com isso, sendo uma espécie de empresa que atraía para o Brasil outros investimentos; é daí que surge a Cenibra, é daí que surge a Albrás [Alumínio Brasileiro S.A.], é daí que surgem outros projetos associativos. E a presença de sócios era mais um fator do governo não querer essa ingerência política sobre a companhia, então, de uma certa maneira, esse conjunto da Vale tendo que competir lá fora, tendo que viver no mundo diferente do que a maior parte das estatais vivia no Brasil, o próprio modelo associativo que a Vale acabou desenvolvendo, eu acho que acabou sendo um fator de proteção da companhia contra essa ingerência política tão forte que as outras estatais sofreram.
P/2 – Dentro da Vale, quando começou a surgir a discussão em torno da possibilidade da privatização? Desde quando isso começou a aparecer?
R – Veja bem, eu passei por um período em que começou a privatização na... Desculpe, no Brasil...
P/1 – Mas que não era cobrado diretamente da Vale, né?
R – Não...
P/1 – Por conta disso que você falou, né?
R – Não. Na época, não se falava em privatização na Vale. O que se começou na época, em 1991, foi a privatização do setor siderúrgico; no caso, especificamente nós na Vale chegamos à conclusão que devíamos participar como acionistas dessa privatização, porque a Vale era a grande fornecedora de minério de ferro, como é até hoje, de serviços para as empresas da Siderbrás. Além de ter preço congelado, a Vale tinha uma outra grande vantagem: não recebia. Então você vê que é um grande negócio fornecer para a siderúrgica ________: além dos preços congelados, ela não recebia.
P/1 – Não recebia, tudo certo.
R – Tudo certinho, né? Quando começou a privatização do setor, a Vale tinha de créditos a receber, ______ junto ao governo, de quinhentos milhões de dólares. E a conclusão que nós chegamos é de que era preferível ter um ativo real na mão do que ter um papel de governo, de privatização, então tomamos a decisão de participar de duas empresas, que era a Usiminas e CST [Companhia Siderúrgica de Tubarão]. Dentro de qual lógica? Eram clientes da companhia, eram empresas localizadas ao longo da nossa ferrovia, tinha entre os seus acionistas também clientes fora do Brasil - no caso da Usiminas a Nippon Steel; no caso da CST, Kawasaki Steel e a _________, italiana. Então foram as duas empresas que na época a gente decidiu participar.
Depois da minha saída a Vale participou de outras privatizações, mas aí não me cabe. Essas vocês vão ter que perguntar para outro, não me cabe julgar por que houve a participação. Na época, a gente tinha decidido pelas duas só.
P/2 – E não havia críticas?
R – Houve. Quando… Eu me lembro que na CST não. Na CST é engraçado, porque quando a CST foi privatizada - a segunda empresa a ser privatizada… Na verdade, ninguém queria comprar a CST porque era uma empresa produtora de placas e a gente indo, vendo as coisas com um ótica histórica, é muito interessante: o setor foi o primeiro a ser privatizado, o Brasil não tinha nenhuma experiência em privatização, e vendo de hoje: “Poxa, quanta coisa podia ser feita diferente.”
No caso da CST não houve na verdade grandes reações; ao contrário, a Vale de uma certa maneira liderou, ajudou a liderar a liderar o processo de privatização da CST.
P/2 – Salvou a privatização.
R – No caso da Usiminas, não. Foi a primeira empresa a ser privatizada e de propósito nós lançamos um balão de ensaio, dizendo que a Vale queria participar. Aí vieram essas reações: “Poxa, estatal querendo comprar estatal.” Mas a gente foi nas áreas, nas pessoas que reagiram contra, explicou as razões e isso passou. Hoje em dia sem maiores problemas, e novamente eu insisto: eu acho que a Vale, apesar de estatal, já tinha uma percepção do mercado que era uma estatal mais privada do que as demais, então não houve… Reações certamente houve, aconteceram, mas nada que eu diria tão substancial, nada que não fosse administrado.
P/1 – E diante da Vale privatizada, como é que o senhor viu o modelo, o processo de privatização da ________?
R – Bom, aí nós já estamos entrando no presente, não no passado, né?
P/1 – Eu só quis pegar o gancho porque estava no ____________ já.
R – Não, deixa eu dizer. Eu vejo o seguinte: acho que nós estamos num processo evolutivo; eu diria a você que o modelo que aí está não durará. Acho que ele tem um momento de uma revisão, até porque boa parte dos acionistas da Vale hoje acabaram sendo, de uma certa maneira, acionistas conflitantes com outros negócios. Você vê um cruzamento de participações na áreas siderúrgicas - a Vale participando da CSN, a CSN participando da Vale, além de outras participações que a Vale tem na própria siderurgia, então eu entendo que vai haver um momento em que essas coisas serão revistas.
Eu sempre defendi e continuo defendendo que é a Vale é uma empresa que tem toda a condição de ser uma corporation, de ser uma empresa realmente multinacional, de participar de empreendimentos aqui e fora do Brasil. Ela tem uma capacidade de gerar um _____ line de projetos enorme, tem toda uma capacidade ainda de desenvolver projetos na própria área de Carajás. Eu entendo que Carajás... Eu posso estar enganado, mas na época a gente discutia muito. Carajás é um local que pode oferecer muitas surpresas positivas em termos de novos minerais, então eu entendo que a Vale certamente terá que passar agora por um novo momento que a economia mundial toda está passando. Vocês estão acompanhando que cada vez mais indústrias e indústrias passam por processo de _______, de consolidação e não vai ser diferente, ao meu modo de ver, na área mineral. Então eu acho que a Vale terá que acompanhar esse processo e vejo que o modelo hoje implantado com a privatização, eu acho que ele é inibidor...
P/1 – Inibidor.
R – Isso, desse processo de maior internacionalização da Vale, exatamente porque eu acho que há conflitos de visões talvez dentro, de acionistas da companhia. Acho que esse modelo ele será revisto, no meu modo de ver.
P/2 – Ter vendido a Vale em blocos, você participou de alguma forma ________________?
R – Não. Na época que houve a privatização da Vale eu tomei a decisão pessoal e fui procurado por algumas pessoas interessadas em participar. De uma certa maneira a gente podia dar uma contribuição, mas achei que eticamente eu devia ficar fora do processo no momento. Participei do processo de privatização nem sugerindo, nem dando ideias sobre nada, porque achei que não era eticamente correto para eu fazer.
P/2 – O senhor saiu da presidência em 92. O contexto em que o senhor saiu...
R – Bom, era muito comum naquela época, hoje menos. Mas naquela época, quando você mudava a Presidência da República, mudava...
P/1 – A diretoria...
R - Ministro, mudava o presidente das companhias.
Tem até uma história interessante que eu vou contar para vocês. Baseado nesse fato, eu me lembro que quando era ministro o Delfim Netto… Ele teve um papel importante nesse processo do financiamento de Carajás, porque se você não tivesse ali um ministro que decidisse - e ele era uma pessoa que decidia; não estamos aqui entrando na discussão ideológica, estamos falando de um fato histórico. Quando ele saiu do ministério, o Eliezer chamou algumas pessoas que tinham participado do financiamento de Carajás para agradecer o apoio que o ministro tinha dado, aí ele nos contou a seguinte história: que ele também tinha ido ao Japão para agradecer o apoio que tinha recebido dos japoneses para uma série de projetos que o Brasil tocou na época. E lá no Japão, um dos interlocutores tinha dito o seguinte: “Não, não se preocupe, ministro. Nós vamos apoiar o seu vice-ministro.” Aí ele disse: “Não, mas o vice-ministro também vai sair.” “Então nós vamos apoiar o presidente do Banco Central”, aí ele disse: “Não, o presidente do Banco Central também vai sair.” “Ah, então nós vamos apoiar o...” Foi descendo a hierarquia. O japonês, a uma certa altura…. Aí ele explicou: “Olha, no Brasil é muito comum. Quando você muda o titular daí a pouco muda todo mundo.” Aí vira o japonês e fala assim: “No Brasil vocês tem muita gente inteligente, não?”
P/1 – Pra ficar trocando toda hora.
R – Toda hora, né?
Para te responder a pergunta, saiu o governo, aí começou a discussão sobre as estatais, então: “Vai ser presidente da Vale a, b, c ou d.” E eu nunca fui muito de me prender a cargo. O que eu disse a vocês no início da minha conversa, que as coisas aconteceram na minha vida, está certo. Eu não fui muito de me prender a cargos, me prender a funções. Então aí começa a discutir: “Vai mudar o presidente...” Cada dia eu tinha um presidente novo para a Vale.
Aquilo foi me enchendo a paciência, para não falar outra coisa. Um dia, eu cheguei perto do ministro e disse: “Ministro, o cargo da presidência da Vale pertence ao governo. Vocês fazem o que quiserem, não precisa ficar cada dia soltando um balão de ensaio, que vai mudar presidente daqui. Quer mudar, muda, agora não acho que uma empresa como a Vale tem que ficar sendo tratada assim.”
Nesse intervalo, muda presidente daqui, muda dali, eu fui convidado para ser presidente da Acesita, que era uma empresa que tinha sido recém privatizada, e achei que estava na hora de me privatizar. Fiz uma carta de demissão, pedi demissão da companhia. Isso foi no final de 92.
P/2 – A Acesita tinha sido privatizada quando?
R – Em 92.
P/2 – Em 92 mesmo. Quer dizer, ainda estava começando o processo de reestruturação pós-privatização.
R – É, eu fui o primeiro presidente depois da privatização.
P/1 – Como foi isso lá? Como é...
R – Também traumático no início você reorganizar, porque você imagina, né?
P/1 – Você ganhou experiência em processo traumático… (risos).
R – Aliás, os cabelos brancos e a foto deles não são à toa.
Era uma empresa carente de muitos investimentos. Infelizmente, ela foi… Talvez das estatais foi uma das que mais sofreu do setor siderúrgico, porque era uma empresa de aço especial, porque era um termo que tinha que ser abandonado porque todo aço tem que ser especial, e [era] uma empresa carente de investimentos, então tecnologicamente com problemas. Mas eu acho que, novamente, muito do que eu fiz na Vale serviu de experiência.
Na Acesita, onde eu passei seis anos e recentemente agora, há cerca de um ano e meio, parte do controle foi vendido para um grupo francês. Naturalmente, [com] esse grupo chegando, cabe a ele novamente indicar quem é vai comandar, então me retirei. Estou agora numa… Voltei às origens numa empresa chamada Billiton, que é uma empresa com sede em Londres, mas com atividades na África do Sul, aqui no Brasil e querendo crescer também no Brasil.
P/2 – Também na área siderúrgica?
R – Na área mineral.
P/2 – Na área mineral.
R – É.
P/2 – Quais as perspectivas que o senhor vê para esse setor no Brasil? Para a siderúrgica?
R – Eu acho que o setor siderúrgico primeiro tem uma fase… Eu passei pela siderurgia durante seis anos, acho que foi uma fase também importante da minha vida. Acabei ficando como presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia até o ano passado e vejo que o setor siderúrgico, a exemplo de outros segmentos, ainda é um setor em reestruturação. Quando da privatização, novamente sendo engenheiro de obra pronta, olhando para trás, você podia dizer: “Talvez a reestruturação tivesse que ser feita lá atrás, já privatizar reestruturado.” Mas pragmaticamente falando, se fosse feito assim talvez nem tivesse sido privatizado o setor porque se imagina: talvez o ideal tivesse sido juntar empresa A com empresa B, só que a A fica no estado tal, a B no outro estado, [tinha que] convencer dois governadores… Não tinha privatizado nada.
Foi privatizado. Acho que como consequência temos hoje um modelo societário que precisa ser modificado em boa parte das empresas. Como eu falei, há conflitos em algumas delas. Nós temos hoje aí dois principais players nessa privatização: de um lado a Vale, de outro lado a Previ, que é o fundo de pensão do Banco do Brasil.
P/1 – Do Banco do Brasil.
R – A Previ participa da Vale, participa da Usiminas, participa da CSN, participa da Acesita; a Vale participa da CSN, que por outro lado participa dela também, Vale; a Vale participa da CST, participa da Usiminas, participa da Açominas. Então criou um complexo societário que hoje, se a palavra não é conflito ainda, eu diria a vocês que olhando para a frente pode vir a gerar conflitos.
Acho também que é um setor que vai passar por uma fase de transformação societária, agora é indiscutível que vem passando por uma fase de modernização muito forte. O setor siderúrgico investiu de 94 -
a última a ser privatizada foi a Açominas - até 2000, tem planos de investimentos que chegam a doze bilhões de dólares. Isso sem falar em aumento de quantidade de produção - eu estou falando muito mais de melhoria de _______ de produtos, modernização do seu parque industrial etc. Também muitos problemas sociais criados com o desemprego gerado com a redução de quadros, mas também com muita geração de empregos do outro lado.
A pergunta que se faz é a seguinte, eu dizia
muito isso: será que o setor siderúrgico obsoleto teria atraído para o Brasil plantas novas automobilísticas, plantas novas na linha branca eletroeletrônica e assim por diante? Dificilmente, quer dizer, hoje o parque siderúrgico brasileiro responde às necessidades, às demandas do país, e acho que vamos entrar numa fase seguinte, que é uma fase de expansão produtiva, aumento de capacidade produtiva. Isso certamente leva em conta a demanda de crescimento, não só do consumo interno, mas também de consumo em nível mundial. Mas é um setor hoje preparado para crescer e o Brasil é certamente um lugar com grandes vantagens competitivas em nível de produção siderúrgica. É, mas que certamente tem lá as suas desvantagens em função de problemas fiscais, problemas tributários, enfim, que estão na pauta das grandes reformas.
Esse é um setor que está mudando no mundo, que estará mudando certamente no Brasil, não vai ficar fora. Como eu vejo também o setor mineral, no Brasil está precisando ainda avançar muito. Eu entendo que a Constituição de 88 atrasou o desenvolvimento do setor mineral no Brasil entre quinze e vinte anos.
Até oitenta… Bom, em 88 foi proibida a participação do investimento externo no controle da área mineral. Como consequência, o país, que naquela altura investia por volta de quatrocentos milhões de dólares por ano em pesquisa, caiu para quarenta ou cinquenta milhões de dólares por ano. Cerca de três anos atrás o governo mudou a Constituição, o Congresso aprovou a mudança constitucional. Algumas empresas voltaram, mas nesse período o setor mineral…. Não é um setor que investe em um ano para no ano seguinte começar a exploração mineral. Muitas empresas que já tinham saído já tinham feito descobertas minerais em outros países. Chile foi um país que teve muito investimento mineral, Austrália, Peru, até Argentina - e o Brasil ficou muito atrasado. Aliado a isso à queda das commodities, boa parte das empresas de mineração acho que atrasaram seus investimentos no Brasil. As coisas, sendo feitas hoje, o benefício disso talvez seja daqui a cinco, dez anos. Se você pegar de 88, daqui a cinco, dez anos, é isso. São quinze a vinte anos de atraso que a gente acumulou na área mineral.
P/1 – [Vamos] fazer um pouco a parte “Caras”. Você é casado hoje? (risos)
R – Sou casado, quatro filhos, dois casamentos. Do primeiro eu tenho dois filhos, do segundo também dois filhos. Os dois do primeiro casamento já são adultos e os dois do segundo são ainda pequenos, dez e oito anos, então tem hora que eu me considero meio “pavô”, que é uma mistura de pai com avô. (risos)
P/1 – Não tem netos?
R – Não, não tenho netos.
P/1 – Eles moram em Belo Horizonte?
R – Os quatro moram em Belo Horizonte.
P/1 – Se você tivesse que mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa?
R – Não. Eu acho que que algumas coisas aconteceram muito rápidas comigo, como trajetória de vida. Certamente algumas coisas que eu fiz na vida, vendo de hoje eu faria diferente. Certamente erros foram cometidos; no momento seguinte, ao refletir, a gente faria talvez de maneira diferente. Quais são? Não sei, mas certamente tem muita coisa que foi feita de errado. Como eu acho que tem alguma contribuição que também ficou, mas como trajetória eu diria a você que não.
P/1 – Qual é o seu grande sonho?
R – Profissional, pessoal, meu grande sonho é continuar sonhando. Acho que se a gente não continua sonhando a gente perde a razão de sonhar, então eu acho que é continuar sonhando.
P/1 – E o que você achou da experiência de ter dado um depoimento para o projeto Memória da Companhia Vale do Rio Doce?
R – Eu tenho muito orgulho de falar sobre a Vale, é uma empresa que eu tenho muito orgulho de ter trabalhado. Acho que tenho muito orgulho de ter começado de baixo na hierarquia e ter atingido o nível de presidência da companhia - com méritos, sem méritos, não sei, mas acho que alguma contribuição deve ter ficado na história da companhia e que é sempre muito importante ter a oportunidade de poder falar sobre a história da companhia.
É um lugar que eu aprendi a gostar. A gente costumava dizer que é uma cachaça, apesar de eu não beber cachaça, mas é uma empresa realmente que é muito marcante na história de todos que passaram por ela. Ela marca muito as pessoas, então eu tenho muito orgulho de ter passado por lá.
Talvez uma das decisões mais difíceis que eu tomei na minha vida foi quando eu me decidi afastar da companhia. Muita gente disse: “Não saia, vamos tentar trabalhar politicamente para que você fique.” Eu: “Não, está na hora de virar uma página.” E virei a página, né? Tenho muito orgulho de ter trabalhado lá e acho que faz parte da minha história também de vida, tenho muito orgulho dela.
P/2 – Tem mais alguma coisa que _______________?
R – Não sei se eu respondi, se atendeu o que vocês...
P/1 – Está ótimo, foi uma entrevista maravilhosa.
R – Eu trouxe alguma coisa em termos de documentação, se houver interesse...
P/1 – Vamos lá dar uma olhada.
R – Eu acabei não trazendo retratos, mas se vocês quiserem para… Não sei, qual é o projeto?
P/1 – Eu queria ver aquele da barra de ouro ___________________.
R – Pois é. Deve ter lá. Eu não sei se a companhia jogou fora, mas...
P/1 – É, a gente está pesquisando, vamos atrás dele.
Obrigado, Brumer, foi ótimo!