Eu nasci em 1947, sob influência de Venus, signo de Libra.
Sempre ouvi as pessoas dizerem que eu era um bebê muito bonitinho e todos falavam a respeito de meu nariz que, diferente do que se via em meus irmãos, era pequeno e bem feitinho. Eu era engraçadinha e delicada.
Meu pai sempre dizia que ...Continuar leitura
Eu nasci em 1947, sob influência de Venus, signo de Libra.
Sempre ouvi as pessoas dizerem que eu era um bebê muito bonitinho e todos falavam a respeito de meu nariz que, diferente do que se via em meus irmãos, era pequeno e bem feitinho. Eu era engraçadinha e delicada.
Meu pai sempre dizia que eu era a cópia perfeita de sua mãe, a quem ele havia deixado aos quatorze anos para cruzar o oceano em busca de uma vida melhor. Isso me fazia sentir especial.
Mas será que ele encontrou algum dia essa vida melhor? Eu não poderia dizer e nunca vou poder ter certeza. Ele foi feliz? Não poderia responder, já que nunca lhe perguntei isso.
Ele era importante na nossa casa. Era o chefe da família numa época em que os chefes de família ficavam num lugar quase inacessível. Ele era o pai, o provedor, aquele que colocava dinheiro em casa suprindo todas as nossas necessidades. Afinal, éramos seis irmãos.
Mas será que ele foi feliz? Sempre que penso nele, lembro do seu sorriso. Ele sorria com o rosto inteiro, mas especialmente com os olhos. Se, como dizem, os olhos são as janelas da alma, então posso afirmar que sua alma era muito feliz.
Você pode sorrir com os olhos?
Eu amava meu pai? Sim, muito mesmo, mas ele se foi muito cedo, antes que eu entendesse que teria que dizer em voz alta que eu o amava para que ele soubesse.
Quando eu poderia e deveria ter dito que o admirava, eu estava ocupada demais tentando começar uma nova vida de casada e tinha somente olhos para minhas filhas e um marido.
Filhas e agora netos. Eles são tudo para mim.
Mas será que um dia eles vão me perguntar se eu sou feliz? Talvez essas perguntas só apareçam em nossa vida quando é muito tarde e os pais já se foram.
Desde minha mais remota memória, eu tive uma infância feliz com meus outros irmãos e irmãs. Um bocado de gente? Sim, mas vivíamos juntos, brincávamos juntos, nós éramos a nossa própria turma.
Naquela época podíamos brincar nas ruas, jogando futebol ou taco. Lembro-me que podíamos ir sozinhos a pé para a escola, ou para a casa de um amigo mesmo que este morasse a alguns quarteirões de distância da nossa casa. Era seguro, tudo era seguro. Naquela época não víamos o perigo em todo o lugar.
A vida era mais simples.
Lembro-me que quando fiz seis anos, fui escolhida para participar da festa das quatro estações na pequena escola do bairro, onde fiz o primário. Eu seria a Primavera, claro. Eu tinha um poema enorme para decorar, com palavras difíceis e sem significado para mim. Mesmo assim, posso lembrá-lo inteiro até hoje.
Mas alguns versos eram assustadores:
Dou vida aos verdes ramos, dou voz aos gaturamos
E paz aos corações
Cubro as paredes de hera, eu sou a Primavera
A flor das estações
Gaturamos ..... sempre pensei nisso como uma espécie de gato e não fazia idéia sobre o que seria uma hera com H.
Em tempo: gaturamo é um pássaro lindíssimo e muito sonoro que podemos encontrar em poucos lugares do mundo. Ele é muito procurado pois, além de cantar, consegue imitar a voz de outros pássaros.
http://www.numaboa.com/ecoaldeia/ecossistema/1278-gaturamo
Tive que aprender com minha professora Dona Nazaré, a usar meus braços e todo o meu corpo para declamar a poesia, quase cantar. Perdi vários recreios para memorizá-la e poder, no dia marcado, declamá-la em frente a todos os pais, professores e colegas.
Eu me senti tímida ou envergonhada? Nem pensar Eu era a Rainha da Primavera e usava uma coroa feita de flores delicadas e verdadeiras.
Sonhadora.
Com certeza naquela época ainda não tinha entendido que eu tinha nascido para ser uma atriz. Não uma atriz de teatro ou cinema, mas uma atriz que seria a protagonista do maior papel que sempre conseguimos. Eu seria a atriz principal de minha própria vida.
Você não acha, como eu, que na maioria das vezes, durante nossa vida, nos vemos obrigados a representar? Mas este é um assunto para mais tarde, para um capítulo especial.
Neste momento creio que todos devem estar se perguntando onde estaria a mãe desta família.
Bem, minha mãe era uma perfeita dona de casa com uma grande vida social. Ela era muito exigente com tudo e com todos. Ela era bastante acessível, mas somente aos filhos homens. Não ligava muito para as filhas mulheres.
Mas eu não a culpo, ela fora criada assim. Em nossa família, meninos eram mais importantes que meninas - isso vinha das origens, da cultura e tradição que lhe foram passadas e que ela tentou passar para todos nós.
Meninas eram criadas para crescer e um dia casar, ter filhos e servir sua própria família sem pensar em si mesmas, sem pensar em seus próprios desejos e ambições.
Eu, principalmente, fui criada como um bibelot e enviada para uma escola católica onde me ensinaram, entre outras coisas, a costurar, cozinhar, bordar, como se sentar e se comportar e tudo aquilo que era julgado necessário para alguém que deveria se casar assim que possível.
Desde sempre lembro-me que minha mãe começou a fazer nosso enxoval com lindas toalhas de mesa e lençóis chineses bordados à mão. Guardava tudo numa arca que havia comprado de um chinês que lhe vendera quase toda a decoração da casa onde morávamos.
Nas entrelinhas, mas nunca colocado em palavras, sabíamos que deveríamos casar com alguém que nossos pais aprovassem e, de preferência, chegado à família. E, é claro, com muito dinheiro.
Apesar de tudo isso minha irmã mais velha tinha outros planos de vida. Seus sonhos incluíam outros objetivos e ela os perseguiu com tenacidade. Ela estudou engenharia e tornou-se uma grande executiva, trabalhando para poderosas companhias multinacionais. Eu a admiro muito.
Acho que ela, na verdade, nunca acreditou na nossa mãe.
Mas eu acreditava totalmente. Eu era a sonhadora e a futura atriz, estava destinada a conhecer o príncipe encantado e não precisaria e nem deveria pensar numa carreira ou em uma vida pessoal. Acreditei o tempo todo que minha mãe estava certa e tenho que confessar que as idéias dela me agradavam. Eu adorava ler sobre lindos romances esperando que um dia minha vida pudesse se transformar em um deles.
Sonhadora, sonhadora ....Recolher