Projeto: Vale Memória
Depoimento de: Mário Cláudio da Costa Braga
Entrevistado por: José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: VRD 099
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Fernando Martins Peres
P – Entã...Continuar leitura
Projeto: Vale Memória
Depoimento de: Mário Cláudio da Costa Braga
Entrevistado por: José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 07 de Agosto de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: VRD 099
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por: Fernando Martins Peres
P – Então seu Mário, a primeira pergunta é pedir para o senhor se apresentar: seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Mário Cláudio da Costa Braga, nascido em 18 de agosto de 1926, no século passado.
P – Aonde?
R – No Rio de Janeiro. Aqui na Rua Conselheiro, aliás em Copacabana. Depois é que eu mudei para cá.(riso)
P – E o seus pais, o nome deles?
R – O meu pai era Mário da Costa Braga, oficial de marinha. E minha mãe era Maria Regina da Costa Braga. Prendas do lar.
P – Seu Mário, o senhor conhece um pouco a história da sua família? Quer dizer a origem, ascendência materna, paterna, um pouco esse...
R – Um pouco, não muito não. O meu pai era filho de baianos. O meu avô, que eu não conheci, pai do meu pai era baiano. E a mãe dele também. Mas ele nasceu no Rio de Janeiro. Era oficial de marinha, casou-se com 19 anos, ficou viúvo com 23. Porque como oficial de marinha ele foi mandado para uma missão lá no alto Uruguai, na fronteira do Brasil com Argentina e Uruguai. Com 19 anos ele era comandante de uma canhoneira. Tinha uma guarnição de 11 ou 12 homens, uma porcariazinha de navio, né? E a primeira mulher dele pegou uma doença. Na época não sabia o que era. Devia ser um vírus complicado e ela teve uma paralisia progressiva. Acabou morrendo disso com 23 anos. Aí meu pai foi fazer o curso de Engenharia Naval na Inglaterra. Passou na Inglaterra 5 anos. Não se casou. Foi envelhecendo e foi casar com minha mãe ele já tinha 39 anos. Então dos 23 aos 39 ele foi um celibatário solto no mundo, né? Não era mulherengo. Era um sujeito sério. Mas deve ter pintado os seus bodezinhos por lá. Casou com mamãe. Com a minha mãe que ele tinha...
P – Conheceu aonde? O senhor sabe?
R – Se conheceram aqui no Rio.
P – Aqui no Rio.
R – Que era 20 anos mais moça que ele. Mamãe casou com 18, ele tinha 38. E tem uma cena engraçada porque casaram aqui no Largo do Machado, naquela igreja da Glória ali do Largo do Machado. E naquele tempo os casamentos eram assim, retumbantes. Oficiais de marinha com espada faziam um arco para o cara passar. Casaram com aquela encenação toda de farda de gala, não sei o quê. Aí entraram em um automóvel. Você imagina em 1923 que automóvel era? Era uma daquelas cristaleiras, toda envidraçada. E mamãe entrou, sentou. Quando o carro ia saindo chegou um torso de mulher pela rua, se debruçou para dentro do carro olhou para o meu pai assim: “Casou hein, seu filha da mãe?” (risos)
P – (risos)
R – Minha mãe. Minha mãe era filha de um sujeito rico. Meu avô era um sujeito rico. Morava em Botafogo. Em Botafogo ele tinha uma casa na rua do, Rua da Passagem cujo quintal era nada mais, nada menos do que todo o Morro do (Pasmado?). Era o quintal da casa dele era o Morro do (Pasmado?). Por que Botafogo? Porque ela tinha nascido em São Cristóvão. São reminiscências do, do, ante século. Do fim dos 800. Então as pessoas moravam perto do Imperador. O palácio do Imperador era na Quinta da Boa Vista. Era chique morar em São Cristóvão. E mamãe nasceu em São Cristóvão. Depois veio a República o palácio presidencial foi para o Catete. Foi chique morar na zona sul. Botafogo, Catete, por aí. Agora meu pai morreu tinha 67 anos. Eu já estou ganhando dele por 8 anos. Nesse sentido o peso está chegando para mim. Está chegando a minha vez. Mas é factual, não vou viver para semente, né? Aliás ontem ou hoje, não me lembro mais, eu li no jornal dos Estados Unidos, existem perto de 11 mil pessoas com mais de 100 anos. Que é um negócio surpreendente. 100 anos já é uma idade bem provecta, né? Um século. O que trás à mente aquela esteira da longevidade daqueles
povos ali da Ásia menor: Afeganistão, aquela zona toda, é gente que vive muito. E mandaram lá um repórter americano de uma revista fazer um (future?) com essa gente. E ele foi bater lá numa fazendola lá no Cazaquistão onde ele encontrou uma mulher com enxada na mão cuidando de uma horta. Bem idosa. Ele chegou para ela disse assim: “A senhora nasceu aqui?” Ela disse: “Nasci.” “Que idade a senhora tem?” “123.” “123? A que é que a senhora atribui essa idade toda?” Ela disse: “Eu acho que é porque eu deixei de fumar quando eu tinha 99.” (risos)
P – (risos)
R – Só pode ser isso. (risos) Ou então uma variação desta com o inglês. Também num vilarejo da Escócia que era famoso pela qualidade do Whisky e pela longevidade das pessoas. Foi lá o repórter, encontrou um sujeito já idoso na rua, disse: “O senhor nasceu aqui?” “Nasci.” “O senhor bebe whisky da terra?” “Bebo.” “Quanto o senhor bebe?” “Uma dose de manhã, umas duas antes do jantar, ________” “Que idade o senhor tem?” Ele disse: “68.” Bem, foi com outro mais velho. Mesma pergunta: “Daqui?” “Sou.” “Bebe whisky da terra?” “Bebo.” Até que ele chegou em um que era um frangalho, carcomido.
P – (riso)
R – Chegou e disse: “O senhor nasceu aqui?” Ele disse: “Nasci.” “E o senhor bebe whisky da terra?” Disse: “Bebo.” “Quanto o senhor bebe?” “Uma meia garrafa de manhã, uma garrafa inteira antes do jantar e mais o que o dinheiro der e os amigos oferecerem.” “Que idade o senhor tem?” Assim:“38.”
P – (risos) Essa foi...
R – Mas não era da minha família. (risos)
P – Graças a Deus. (risos)
R – É.
P – Mas seu Mário, eu queria que o senhor contasse um pouquinho da sua infância, quer dizer, em que bairro do Rio o senhor passou a infância? Como é que foi ela um pouquinho?
R – A minha infância foi muito rica como infância. Porque meu pai foi na época, entre os meus 8 anos e os meus 15 anos, 7 anos nesse período ele embora fosse oficial de marinha ele não se sentia militar. Não andava de uniforme. Ele era engenheiro. Se considerava engenheiro. Então ele um engenheiro e oficial superior, ele tinha o direito de fazer o seu próprio uniforme. Não sei se as pessoas sabem disso. Oficial superior das Forças Armadas, em o direito de ajustar o uniforme como ele quer. Ele andava de macacão de zuarte com os quatro galões na manga, boné branco, acabou. Era assim que ele era oficial de marinha. Ele foi comandante do Centro de Armamento da Marinha. Que era um estabelecimento fabril, onde ele fez a fábrica de torpedos, a fábrica de minas. Tinha uns 1500 homens civis. E eu fui criado nesse entorno, né? Criado com filhos de operários. Morávamos lá. E chegava nas festas, meu pai dizia, me chamava de Cláudio: “Ô Cláudio não pensa que você vai ficar aí nas férias jogando futebol o dia inteiro com esses garotos não. Você vai ser aprendiz na oficina.” Então com 9 anos eu comecei a frequentar as oficinas. Aprender ofícios, né? Com 15 anos eu me lembro que eu dei de presente a papai uma engrenagem cônica. Que eu fiz num torno. Com cabeçote visor. Que é uma obra complicadíssima de geometria. Eu aprendi carpintaria, aprendi tornearia, fundição. Um pouquinho de cada coisa. Eu ficava ali 3 meses, ajudando operar. Aprendiz sem vencimento me chamava. E fazendo as minhas badernas, né? Fazia as coisas mais inesperadas do mundo. Eu tirava partido porque eu era filho do comandante, acabou. Eu me lembro que tinha um ordenança dele que era um cabo fuzileiro naval. Preto comprido para burro. Tinha 1,90 m de altura. Magrinho. Cabo Tomé. E o cabo Tomé tinha uma motocicleta. E eu peruava a motocicleta dele. Motocicleta particular. Era uma DKW. Pequenininha mas equivalente a uma 125 hoje. E um dia eu embirrei com aquilo e disse: “Ô Tomé, eu não quero mais andar na tua motocicleta não. Eu quero agora mas...”, nesse destacamento tinha 10 ou 12 fuzileiros navais faziam sentinela. “...eu quero uma do Corpo de Fuzileiros Navais.” “Olha, isso vai dar galho, hein?” “Ah, não interessa.” E foi lá e me trouxe uma Harley 1200, com aquele pára-brisa de plástico dos Fuzileiros Navais e tal. E eu montei naquele negócio de calça curta, meia soquete e fui para o centro de Niterói pavonear.
P – (riso)
R – Ah, de repente um carro de polícia me avistou e veio atrás de mim. E atrás de mim, era um quilômetro de tanto do centro de Niterói até a Ponta da Areia. Aí aceleraram. Eu acelerei também. abriram a sirene, eu abri também.
P – (riso)
R – Eu me lembro de olhar o velocímetro a 130 aquele negócio por hora e a polícia atrás de mim. Embiquei para o portão, os fuzileiros abriram o portão eu entrei eles fecharam o portão. A polícia parou e disse: “Esse menino que entrou aí?” “Menino? Não entrou menino nenhum. Vocês estão sonhando. Não tem menino nenhum.” Então eram coisas que eu aprontava na infância o que fez da minha infância uma infância muito rica. Eu estudava no Rio. No Ginásio São Bento. Então vinha de rebocador. Tinha um rebocador que saía de manhã lá de Niterói para trazer os operários que iam trabalhar em navios esquadra. E papai dizia assim, papai tinha uma lancha privativa dele que era comandante. “Não, gasolina da Marinha não é para queimar com filho não. Você vai no rebocador. Tua aula começa meio-dia, fica lá estudando.” Levava merenda e passava a mão no leme. Chegava: “Batista, ô Fulano, Moreira, os patrões. Timoneiros, né? Dá o leme aí.” E numa dessas me dá o leme aí. Eu abarquei um destróier. Fiz uma morsa no cara: péééé.
P – (riso)
R – Eu era pequeno. Eu tinha 11 anos, pequenininho. E pilotava rebocador sentado num banquinho desse tipo desenhista. Alto. _______________. Manobrava bem. Só que um dia eu vinha adiante toda força: xiiiiiiiiii. Chegava: hu. _________ atrás toda a força e carregava o leme, como se chama o leme de ló e o rebocador curvava e encostava certinho, né? Mas quando eu fui pedir atrás toda força eu caí do banco. Caí do banco e o rebocador foi em cima do destróier, fez uma morsa no casco.
P – (risos)
R – Bom, meu pai deu 30 dias de punição ao mestre que me entregou o leme, né? E com essas, outra foi de gato. Tinha uma gataria danada. Tinha um bosque perto da casa que tinha gato para burro. Isso foi na época da revolução de 35, 37. Aí papai disse assim: “Ô Cláudio, você está aí sem fazer nada. Vê se acaba com esses gatos. Essa gataria mia a noite toda.” Realmente perturbava. “Como é que eu vou acabar com a gataria?” Ele disse: “Problema seu.” E ele pensou num bodoque com pedra ou coisa que valha. Mas é que eu sabia que ele tinha um arsenalzinho em casa.
P – (risos)
R – Porque naquela época de revolução ele não deixava que fuzileiro naval fosse lá em casa. As sentinelas não. “Eu sou oficial, tenho arma. Sua mãe atira muito bem. Nós nos defendemos. Não quero militar aqui em casa dando guarda não.” Então ele tinha um armário em que ele tinha: duas metralhadoras, várias pistolas, no escritório dele em casa. Fui lá, abri. Tirei uma (Rotchkers?). Aquela metralhadora que tem os pés assim em V, né? Levei para fora, para o quintal. Armei, sentei no meio fio de um jardim que tinha. Municiei a arma, ordei o pente, sabe? Fiquei ali. De repente o carro dele chega com um sargento dirigindo. Chega, embica ________________. Mandou o motorista parar, né? Era um sargento fuzileiro. Desceram os dois cautelosamente, tal, foram chegando perto. Quando chegaram: pummm! Pegou um em cada sovaco...
P – (risos)
R - ...e saíram. Eu esperneando. “O que é isso?” “Isso é para matar os gatos.” (risos)
P - (risos)
R – Eu já estava com o dedo no gatilho, se aparecesse um gato ali eu fuzilava.
P – Massacre.
R – Então, isso foram experiências de infância muito gostosas. Nunca nenhuma delas teve assim uma conseqüência mais grave. Mas foi muito divertido. Realmente eu tive uma infância muito rica.
P – Mas seu pai dentro de casa, como é que era um pouco essa autoridade dentro de casa? Tanto seu pai como sua mãe nesse dia-a-dia?
R – Não, ele não era autoritário, não. Ele era um sujeito muito severo. Mas era muito bondoso. Nunca me bateu. Nunca me castigou. Só uma vez. Foi essa vez da metralhadora, né? Que ele estava pronto para ir à uma reunião de almirantado onde ele comparecia. Ele estava de uniforme azul marinho cheio de dourado. Armado com uma espada. Quando eu entrei em casa, quando olhei a roupa chegou e disse: “Seu moleque, isso é coisa que se faça? Pegar uma metralhadora?” Aí puxou a espada. Eu digo: “Pô, vai me furar.” Não, me deu foi uma canelada com a espada que ficou roxo dias. (risos) Foi a única vez que ele teve um ato de agressão para mim. _______ Sempre foi muito tolerante, muito bom. morreu há 51 anos. E até hoje eu me lembro dele com saudades.
P – Você teve algum tipo de formação religiosa dentro de casa ou não? Você tinha uma...
R – Não, em casa não. Meu pai era agnóstico. Embora tenha sido de colégio de padre. Eu fui aluno de beneditinos, de irmãos não padres maristas e de, qual é o, os do Santo Inácio?
P – Jesuítas.
R – Jesuítas. Então eu conservo as três ordens. Os beneditinos eram, são os coreógrafos da igreja, né? Cantores, bailarinos, quer dizer, tudo que é, todo ritual católico dos beneditinos é muito virado para representação. Os maristas são excelentes didatas. Tremendos professores. Ótimos. Eu fui interno 2 anos. E os...
P – Jesuítas.
R - ...jesuítas são do contra.
P – (riso)
R - Quando todo mundo é comunista eles são fascistas. Quando todo mundo vira para fascista eles são comunistas. É uma ordem meio complicada. Mas lá eu só fiz o meu preparatório para engenharia. Estive 6 anos nos beneditinos. Estava muito adiantado para a minha idade. Tanto que meu pai foi em 39, já com a guerra na Europa declarada já. A Alemanha em guerra com a Inglaterra e a França. meu pai em um missão e que ia passar um ano na Itália. E ele disse: “Olha, você vai conosco para a Itália. Você está adiantado. Mas 1 ano de Europa para você é mais importante do que 1 ano no Ginásio São Bento. Agora tem um trato: as manhãs são minhas as tardes são suas. Quer dizer o seguinte: você vai à Roma, nós vamos ficar lá praticamente 1 ano em Roma. Toda manhã você vai fazer um roteiro que eu vou fazer, traçar para você. Visitar museus, galerias de arte e de tarde eu tomo a lição. Agora de tarde você pode sair. Alugar bicicleta, passear na Vila Borguese. Eu já tinha 15 anos já, namoriscar por aí. Mas de noite eu vou tomar a lição.” E tomava. Ele conhecia tudo. Então eu prestava contas do que eu tinha feito. Fui a tal lugar. Fui a Santa Maria Maggiore. Fui aqui, fui acolá. “O que é que você viu? Viu isso.Você viu tal quadro de Boticelli?” “Vi.” “O que é que você achou?” Me esfregava realmente. Então foi uma infância muito além das aventuras do tempo desse estabelecimento naval, esse período na Itália que foi muito rico também.
P – O que mais te marcou nessa ida da Itália?
R – O que mais me marcou? Foi a saída da Itália. Nós estávamos em Gênova quando a Itália entrou na guerra. A Itália só entrou na guerra no dia 11 de junho de 1940. até então era non beligerante. Era aliada do Hitler mas não era, não estava na guerra. E entrou no dia 11 de junho. Por conveniência lá do Mussolini, né? Que era um grande poltrão aparentemente. Nós estávamos em Gênova, no dia seguinte começaram os bombardeios. Mas na hora da declaração de guerra eu ouvi pelo rádio na portaria do hotel o Mussolini falando. Declarando a entrada na guerra. O porteiro, concierge caiu em prantos.
P – Hum.
R – Chorava convulsivamente. “Eu tenho um filho que está no exército francês e um filho que está no exército italiano. Na fronteira ali, né? _________, Gênova, Riviera de Levante, Riviera de Ponente. E o cara chorava. “Meus dois filhos vão brigar um com o outro. vão se matar.” E aí passamos 3 meses debaixo de bombardeios aéreos e navais. Íamos para o __________, para o subsolo do hotel, e eu me lembro de um dia, bombardeio aéreo e meu pai disse assim: “Ô Cláudio, vamos lá em cima para você ver um bombardeio como é bonito.” Realmente era bonito. Subimos sete andares a pé. Abriu a janela e ficamos vendo. Projétil __________, vermelho, verde, amarelo e tal. Combate aéreo. Bomba caindo em baixo no hotel. “Agora vamos voltar.” Chegamos lá embaixo estava mamãe aos prantos com um monge beneditino que depois veio a ser o reitor. Reitor não. Como é que chama? É o superior dos beneditinos em recife. Ele estava saindo da Alemanha onde ele tinha ido fazer um curso de Teosofia, uma coisa assim. É o Dom Jerônimo de Sá Cavalcante. Nervosíssimo. E mamãe tentando consolar ele: “Dom Jerônimo, ninguém vai morrer não. Nós estamos aqui com o filho de Deus.” Então novamente eu não tenho do que me queixar na minha vida. Nem na minha infância, nem na adolescência, nem o resto da vida. Não tenho o que me queixar de nada. Eu me sinto hoje aos 75 anos eu deito e relembro das coisas. Mas relembro com prazer. Todas as coisas foram muito prazerosas.
P – O senhor teve, teve algum contato, quer dizer, o senhor viu o fascismo da Itália de Mussolini? Chegou a ver algum discurso de Mussolini em Roma? Algum tipo de coisa assim?
R – Vi. Vi e foi uma das coisas que me marcou muito em Roma. Nós estávamos em um hotel ali na Via Veneto. E tinha um órgão público qualquer, não sei o que é que era. E um dia eu cheguei de tardinha no hotel e estava o Mussolini no balcão dessa edificação – que era como se fosse uma casa de dois andares – fazendo um discursos para o povo embaixo. Eu estava no meio daquela multidãozinha ali. E ele falando. Aquela eloquência. O pessoal fazendo a saudação fascista, né? Aí uma voz atrás de mim disse assim: “Saluta.” Olhei para trás tinha um homem. Eu continuei como estava. Mão no bolso, capote. Ele disse: “1” “Eu não sou italiano. Eu sou diplomata.” Aí eu senti um cutucão na espinha aqui atrás: “Saluta, (an que?).” de qualquer maneira faça a saudação. Eu olhei, o sujeito estava com uma pistola nas minhas costas, né? Olha, eu desatei em um choro de raiva, de humilhação. Depois mais tarde fui preso. Com 15 anos. Papai fazia praça de não falar italiano. Ele falava francês muito bem. Inglês muito bem e italiano eu não quero saber. Então ele andava comigo para ser intérprete. Porque eu falava o italiano fluentemente. Quando chegou esse navio do Loyd em Genova, onde nós estávamos refugiados, e era a única condição de sair para o Brasil. Era nesse navio. Almirante Alexandrino. Era um navio de passageiros convertido para carga. Os camarotes estavam inabitados. Não tinha roupa de cama. E os porões cheio de armamento que o Brasil tinha comprado da Alemanha antes da guerra. E os ingleses fizeram uma, chamava-se na época, um (nave sort?) para o navio voltar para o Brasil. Aí papai disse: “Vamos ao porto que eu quero ir a bordo desse navio.” Cheguei tinha um camarada de macacão varrendo o chão lá da aduana, da alfândega. Eu disse assim: “Esse aqui é o meu pai, oficial da Marinha Brasileira ele está querendo ir a bordo de um navio brasileiro que está aí no porto.” Ele assim, ríspidos: “Ninguém vai a bordo de navio nenhum!” Eu digo: “Eu vou repetir: meu pai é diplomata brasileiro quer ir a bordo de um navio brasileiro que está no porto. Ele é oficial da Marinha.” “Já te disse uma vez: ninguém vai a bordo de navio nenhum.” Eu disse: “Mas eu quero falar com uma pessoa que possa autorizar. Não vim aqui falar com um varredor de chão.” O cara meteu a mão nas costas tirou um par de algemas: páh. Me algemou, me levou para um, uma cadeia, né? E apareceram mais dois ________ papai. Só me soltaram no dia seguinte. “O garoto é petulante.” Então novamente experiências eu tive muitas. Algumas boas, outras não foram tão boas assim. Mas todas muito ricas como experiência.
P – Hum, hum.
R – Por exemplo levar um, praticamente um bofetão de uma policial russa, anos depois, né? Saindo da Rússia para ir para a Finlândia.
P – Isso não na viagem da Itália, isso mais para a frente?
R – Não, não. Anos depois. Estava com a máquina fotográfica no pescoço e começou a apalpar para ver se tinha arma, né? Estavam apavorados. Todo mundo estava apavorado com sequestro de avião, né? E atentados a avião. E tinha havido parece que um caso, não tenho certeza, que o cara tinha uma pistola, uma arma escondida dentro de um gravador de som. E com isso ele matou alguém. Então ela para certificar-se que a minha máquina não era uma arma, ela disse assim: “Tira, tira uma fotografia aí.” Eu peguei, molequemente, eu apontei para ela para tirar, ela: “Pára!” Deu um safanão que a máquina rodou no meu pescoço. “No chão!” Eu disse: “No chão.” Páh! Outro bofetão. Isso vai ilustrando onde você passa o que é que pode acontecer, né?
P – Hum. Seu Mário, quando o senhor volta para o Brasil com a família, quer dizer, o senhor já estava com 16 anos por aí, o senhor já tinha uma perspectiva profissional? Quer dizer, já almejava ou pensava em fazer alguma coisa? Ou a família projetava alguma coisa no senhor?
R – Não, a família nunca se meteu nisso. Eu projetava. Eu queria ir para a Marinha. Mas eu era defeituoso. Eu levei um tombo quando eu tinha 7 anos. Consertaram o braço lá no Lido. Tinha um posto médico lá no Lido. Engessaram e tal. Mas com o crescimento essa apófise aqui externa cresceu mais do que a interna que tinha rachado, que meu braço ficava assim. Tinha os movimentos todos eu era nadador. Mas aula de ginástica era um castigo na certa. Posição fundamental: meu braço ficava assim. Fora de forma ô palhaço. Achavam que aquilo era brincadeira. E eu queria ir para a Marinha, e aquilo, com aquele defeito eu não entraria na Marinha. Então papai que não era um sujeito rico concordou em que eu fizesse uma operação para consertar o braço. E eu fiz uma operação com 16 anos. Foi carí...
(fim do lado A)
R - ...ele disse: “Não opero não. Não opero porque esse menino é funcionalmente perfeito, musculatura boa. Funcionalmente, funciona. E essa operação é uma operação complicada, não expor esse menino a risco não.” Negou-se a fazer. Aí eu descobri através de um amigo de colégios, dos maristas, que tinha um outro ortopedista que tinha feito uma operação semelhante. E eu fui para ele. Ele disse: “Ô Braga, o professor Mário Jorge é muito cauteloso. Isso aí 8 dias no hospital, 20 dias no aparelho o menino fica perfeito.” Bom, eu fiquei foi um mês no hospital. Naquele tempo a anestesia era gasosa _____.
P – Hum.
R - Era balsa fórmio, clorofórmio. Meu fígado ficou desse tamanho assim. Tive um envenenamento brutal. Fui para casa depois de 20 dias. Em casa o médico ia toda manhã me visitar. E uma bela manhã eu acordo com febre. Febre alta que ele já previa. Ele virou-se pra mim assim: “Você é homem?” “Eu nasci homem. Acho que sou. Por quê?” “Eu estou com uma ambulância aí embaixo e você vai voltar para o hospital comigo que eu vou te operar novamente. Você está com começo de gangrena. Então se você não for consertado de hoje para amanhã você pode ter gangrena e perder o braço. Amputar o braço. Agora devo te avisar que não tem anestesia porque o seu estado geral não permite e com começo de gangrena essa anestesia não pega. Tem que aguentar a frio. Topa?” “Vamos embora.” E fomos para o hospital. Dois crioulões enfermeiros, um pegou aqui outro pegou aqui me imobilizaram o braço. E três cirurgiões usando martelo, serra elétrica, tal esculpiram um cotovelo. Saí dali magérrimo. Fiz 3 meses de fisioterapia, recuperei bastante fui para o exame da Escola Naval. Na Escola Naval passei no exame médico. Quando passei no exame médico aliviei: ahh. Vinha os exames Intelectuais onde eu levaria de lambuja. Porque eu era o primeiro aluno do colégio. Um dia criei coragem entrei no escritório do meu pai e disse: “Papai eu não vou mais para a Marinha, não.” Ele era cardíaco. Ele olhou para mim assim, se debruçou sobre a escrivaninha começou a chorar. Eu digo: “Estou matando o meu pai, né? Desgosto que eu não vá para a Marinha.” Ele disse: “Muito obrigado meu filho, é a melhor notícia que você me dá. A Marinha é uma corporação minúscula cheia de intrigas, cheia de maledicências você nunca seria Mário Cláudio da Costa Braga. Na Marinha você existiria sempre o filho do Costa Braga. Por gerações na frente. Até hoje tem oficiais da Marinha que são conhecidos como netos de almirantes da guerra do Paraguai. É o maior presente que você pode me dar. Que é que você vai fazer?” “Acho que eu vou fazer engenharia.” “Quer dizer, você está com 16 para 17 anos, no Santo Inácio. Acaba o Santo Inácio esse ano, aliás no ano que vêm. Vai estar com 17 anos feitos, mais 1 ano de cursinho você vai entrar na escola de Engenharia com 18 anos?” Eu digo: “Não, eu vou entrar esse ano.” ________. “Mas você não pode. Colégio de manhã e cursinho de tarde?” “Mas eu não vou fazer cursinho. Vou estudar por mim mesmo.” E comecei, no dia 1/1 que antecedeu o vestibular eu sentava na, saía de casa 7 horas da manhã para o colégio. Ficava no colégio até meio-dia. Ao meio dia voltava para casa, almoçava, sentava na escrivaninha ia até 10 horas da noite. Direto. Saía, andava a pé. Ia até o posto seis, às vezes ia até o Leblon. Voltava. Sentava de novo ia até uma da manhã estudando. Fim de semana, feriado para mim era uma festa. Porque eu podia estudar o dia inteiro sem ter que sair, né? Entrei no primeiro exame. Entrei em terceiro lugar. Aí muito vaidoso fui dizer ao meu pai: “Pai, passei lá para ver o resultado do vestibular. Olha aqui: terceiro lugar.” Ele olhou para mim com uma cara moleque assim: “Quer dizer que houve um primeiro e um segundo.” Como quem diz: você não foi. Dá uma noção da severidade dele. Não fui e foi uma grande lição. Porque o primeiro colocado tinha sido analfabeto até os 14 anos. Cearense, aprendiz de marinheiro na Escola de Aprendiz de Marinheiro de Fortaleza onde ganhou o ginásio. Tripulante, rádio operador de um caça minas durante a guerra. Estudou o vestibular dele sozinho todo a bordo de um (radio check?), uma cabine de rádio em um naviozinho de guerra. Este entrou em primeiro lugar. Jaci de Oliveira Pinto. Eu me lembro até hoje. Frequentou as aulas da escola até o segundo ano, o fim do segundo ano fardado de marinheiro. Aquele penico branco na cabeça. Sujeito inteligente. Evidentemente não era uma pessoa fácil. Porque com essa personalidade, essa tenacidade ele se considerava assim uma espécie de super-homem, né? Mas era um excelente colega. E foi assim.
P – E fora dos estudos qual tipo de coisa você fazia como diversão ou como lazer nesse período aí final da adolescência?
R – Namorava.
P - Namorava? (risos) Aonde isso? Namorava com que o senhor namorava? (riso)
R – Eu me lembro que o baile que eu, na época era o grande moda o modismo na época era o baile de formatura. Então baile de formatura do Sion, baile de formatura do Sacré Coeur. A gente ficava aceso para arranjar convite, né? E eu me lembro do baile em que eu conheci minha mulher, tinha três namoradas. Uma delas era prima da minha mulher. Eu fui com as três. Fui com as três e encontrei lá a minha mulher. Pronto. Aí desandou tudo.
P – (riso)
R – Larguei as três para lá e estou casado com ela há 50 anos. Profissionalmente também a minha vida foi divertida. Para dar um salto na Vale do Rio Doce, eu comecei minha carreira na CAEB. Onde eu entrei como engenheiro e saí como diretor gerente de uma das subsidiárias 11 anos depois. Também nunca medi as conseqüências do que eu fazia não. Na época você tinha aquele estatuto da estabilidade. Você
ouviu falar disso, né?
P – Hum. Antes do FGTS, né?
R – Você com mais de 10 anos de emprego não podia ser despedido, a não ser por falta muito grave. Então estava ali, _______. Com 11 anos ninguém podia me botar na rua. Se eu quisesse vagabundeava, desde que não cometesse nenhuma infração muito séria, não seria despedido. E eu já estava nessa posição havia 4 anos.
P – Essa CAEB, desculpe mas o que é que era a CAEB exatamente?
R – CAEB era Companhia Auxiliar de Empresas Brasileiras.
P – Hum.
R – Era a administradora do Brasil de 14 Companhias de eletricidade americanas. Que foram compradas aqui em 1928, 29, na época da grande...
P – Crise.
R - ...crise nos Estados Unidos. Então era: Natal, Recife, Maceió, Salvador, Vitória, Paraná, Porto Alegre, Rio Grande do Sul e 160 municípios de São Paulo. Entrei lá como estagiário. Como estagiário eu fui subindo, subindo, subindo. E com 7 anos de formado me tiraram da engenharia e me puseram na administração de uma dessas subsidiárias. Da Brasileira de Energia Elétrica. Onde eu fui ser diretor gerente eu tinha 28 anos. 29 anos. Fui ser diretor gerente lá. Aluguei minha casa aqui, por convicção fui morar em Niterói. É a sede da Companhia era lá. Tinha muita ligação com o governo. Era Companhia de serviço público, né? Então por convicção fui morar em Niterói. Aluguei minha casa aqui. Para surpresa minha aluguei a um testa de ferro do Juscelino.
P – Hum.
R – Que transformou a minha casa aqui em frente num açougue. Quer dizer, num matadouro das mulheres dele. Então um dia eu vim aí quando eu soube que era ele, vim aí a casa estava toda pintada de preto por dentro. Tapete preto, paredes pretas, luzes indiretas. Transformou em uma boate.
P – (riso)
R – Tinha um tablado na sala, onde tinha um piano onde tocava o (Bené Nunes?). Tocava piano. E o Juscelino ia lá para o segundo andar comer a mulher do (Bené?). __________ Era uma das comidas dele. (risos)
P – (risos)
R – Aí pedi a casa de volta, não botou a menor questão. Me devolveu em uma semana. Pintou tudo de volta como era, me deu cinco telefones. A garagem era casa da guarda. Tinha metralhadora pendurada nas paredes e tal. Elevou o muro que a prefeitura não tinha me deixado levantar. Devolveu a casa em perfeito estado. Só um quarto é que era o quarto dos meninos que ele botou prateleiras e fazia dentro daquele quarto o estoque de bebidas dele. _______. Whisky, gim. E lá no meio da casa eu encontrei duas garrafas de um afrodisíaco francês com rótulos assim eróticos, tal. Aí telefonei para esse testa de ferro, João Geraldo. Era sobrinho da dona Sara...
P – Kubitschek
R – Kubitschek. Digo: “Olha, eu encontrei aqui dois litros de um afrodisíaco que se o Juscelino não mandar buscar eu vou chamar a imprensa aqui e mostrar onde é que estava a tesão dele. “Não, não faça isso.” Então eu retomei a casa.
P – Mas você retomou a casa exatamente por causa disso ou ________?
R – Não, não. Retomei a casa porque não fazia sentido. Morava nessa casa aqui anterior, um diplomata que quando soube que eu estava saindo daí alugou minha casa. Alugou minha casa. Essa casa aqui era alugada por ele. Disse olha: “Eu gostei tanto da vizinhança que eu estou querendo comprar uma casa aqui em baixo.” Essa casa que está logo abaixo de vocês. “Mas eu não posso comprar uma casa e ter outra sob aluguel. Você concorda em desmanchar o nosso contrato de aluguel?” eu digo: “Não. Você me arranja um bom inquilino, que eu estou em Niterói. Não quero me incomodar com isso.” E ele arranjou esse testa de ferro do Juscelino, né? Mas eu saí daí porque eu queria morar em Niterói e não deixar a casa abandonada como deixei aí o tempo que eu fui para Brasília. Ficou 8 anos aí fechada com um vigia, né?
P – E esse cargo de diretor gerente com 28 anos, Costa Braga, o que é que representou para você assumir um cargo com essa idade?
R – Representou muita coisa. Porque era uma Companhia muito bagunçada, bagunçada mesmo. Total falta de respeito. Funcionários com administração. Eu fui para lá e botei o negócio na ordem. Botei o negócio na ordem, deixei a Companhia nova em folha. Mas o meu empenho pessoal, um pouco de inconsequência ou coragem, né, de fazer o que eu queria fazer. Quando eu fui para a Companhia estava, ia ser a primeira greve de serviço público no Brasil. Um fuzuê tremendo. Uma pressão danada. Na época em que destruíram os carreteiro. Aquelas estação de barca de Niterói. Um negócio impressionante. Meu escritório lá era no sexto andar. Em frente a Praça Araribóia. Eu vi o negócio acontecer. Estava naquela agitação toda, eram comunistas ou pretensos comunistas. E a Marinha mandou para lá
uns fuzileiros navais para guarnecer a estação das barcas. Fuzileiros armados de metralhadora, tal. E a praça cheia de gente. Estimativamente na época tinha mais de 20 mil pessoas lá na praça. De repente uma velha, e eu vendo da janela, uma velha passa por um fuzileiro naval pega um paralelepípedo e joga na cara dele. Não era um paralelepípedo, era metade de um paralelepípedo ou coisa que valha. O cara pá, deu uma rajada de metralhadora para o alto. Aí foi o sinal, imediatamente, já estava tudo preparado, né?
Três caminhões de papel e um caminhão de gasolina pararam: joga papel, joga gasolina e toca fogo. Os bombeiros vieram para apagar o fogo cortavam a mangueira com canivete, com navalha tal, e torraram aquele negócio todo. Nesse ambiente um dia um dos baderneiros lá da Companhia era motorista. Eu mandei o meu motorista que era motorista antigo do que me antecedeu lá, mandei ele se aposentar. Chamei esse: “Venha cá. Você vai ser meu motorista. Você vai levar minha mulher quando ela quiser sair, que eu morava no ________ São Francisco. Você vai levar meus filhos ao colégio. Agora, ai de você se acontecer alguma coisa ou com minha mulher ou conduzindo meus filhos. Você vai se ver comigo.” Só trocávamos bom dia e boa tarde. de manhã ele passava, me pegava. De noite me levava. E um dia um camarada chegou para mim e disse: “Ô Mario, você sabe que o seu motorista anda com uma barra de ferro debaixo do banco?” Digo: “Não, não sabia não.” “Mas não fique, não fique preocupado não. Ele está dizendo a todo mundo: se alguém encostar um dedo em você ele racha a cabeça ao meio. Porque o que a Companhia estava precisando era um cara de culhão para botar ordem nessa joça aqui. E você está botando. Então ele é teu fã incondicional.” Outra vez com outro que era chamado ligador eletricista. Que era um supervisor de, esses que andavam de pick-up fazendo ligações. Disseram: “Esse cara anda armado.” “Armado?” “Em serviço.” “Não pode ser.” Peguei o carro fomos na seção de linhas. Cheguei lá e vejo esse cara, mulatão. Na porta com pistola na cintura, com ar debochado. Eu disse: “Você que é o Aigo?” “Sou sim.” Sem senhor nem nada. “Sou sim, por quê?” “Porque você não pode andar com isso daí.” Tirei a pistola dele. “Não, eu sou policial.” “Você é policial lá nas suas horas vagas, aqui não. Aqui você é meu funcionário. A arma fica comigo você vai para casa 30 dias suspenso.” Então botei ordem na empresa. Deixei a empresa, tinha 1500 operários, funcionários, deixei a empresa com 800. no apogeu da preparação de greve, uma noite eu preocupado, né? Se tem uma greve aqui? Uma noite me aparece lá o, no escritório: “Doutor Mário, tem uma reunião do sindicato hoje para decidir a greve.” Eu digo: “Onde é que vai ser.” “Vai ser na Associação Comercial.” “Então eu vou.” E fui. Tinha cinco sujeitos do sindicato e eu. 11º andar do edifício, nove horas da noite. Com a Colombo do Rio toda armada para fornecer comida para os que quisessem furar a greve. Fiz lá um discurso, chamei os caras ao bom senso e tal. Quando um dos presentes, que eu não conhecia. Perneta, com uma muleta levantou-se. Eu disse: “Pô, vou levar porrada aqui.” Virou para mim e disse, chamando de menino: “Pode ir embora menino, não vai ter greve não.” “Não vai ter greve por quê?” “A sua convicção no falar convenceu a gente também. Pode ir que não tem greve.” Então é outra experiência de você testar o seu músculo. Como é que
você leva uma coisa, de que maneira você leva a cada instante da vida. São condições diferentes, né? Mas eu estou falando muito de mim mesmo. Eu não estou falando nada de Vale, né?
P – (riso) Mas nessa, quer dizer nessa altura a engenharia de certa forma estava um pouco abandonada?
R – Já estava abandonada. Depois eu passei da engenharia para administração de engenharia. Administrei grandes empresas. Eu fui diretor da CAEB. Depois fui diretor da Cimento Tupi. Fui diretor da Lawrence, que era o dono da Gasbras e de todas as coligadas da Gasbras. Fui diretor da Anglo American Corporation da África do Sul. Não fui diretor da Vale, embora tenha sido uma das experiências mais ricas profissionalmente para mim. Onde eu realmente pude exercer a administração de um corpo técnico. Que eu nunca me meti em política. Nem em política partidária nem em política de empresa. Nunca fiz parte de grupelhos, né? Era eu e quem quisesse estar comigo e foi assim que eu fui para a Vale. Eu fui...
P – Como é que foi essa ida, como é que foi o convite?
(fim da fita 01)
P – Vamos lá seu Costa? Eu queria que o senhor contasse um pouquinho como é que foi a sua entrada, como é que surgiu essa oportunidade de entrar na Vale, como é que foi?
R – Eu quando deixei a (CAEB?), me associei com Antonio Dias Leite. Você conhece esse nome? foi ministro de Minas e Energia. Com Henrique Cavalcante que foi secretário geral do Ministério do Interior, Paulo Lira que foi presidente do Banco Central. Me associei com eles e fizemos, já tinha sido feita, eu apenas aderi. A (Ecotec?), que era uma empresa de consultoria. Nessa empresa de consultoria eu fui fazer o trabalho de reestruturação da Vale do Rio Doce em 61. E trabalhei nessa reestruturação durante, veja bem, 61 a 68. 7 anos. Trabalhei, modifiquei a estrutura toda da Vale na ocasião. E criei superintendências gerais. E mais adiante o Dias Leite que era, que tinha sido Ministro de Minas e Energia, antes tinha sido presidente da Vale e tinha sido Ministro de Minas e Energia. Ele disse: “Ô Mario, você que arrumou esse coreto todo aqui, você não quer trabalhar na Vale?” “Pode ser.” Então eu fui
como superintendente geral da superintendência industrial que compreendia as pelotizações, a mecanizada de mineração. Depois fui diretor superintendente da RioDoce Engenharia, da Amazônia e Mineração. Eu tinha cinco, quatro ou cinco chapéus na Vale do Rio Doce. Quando vieram aqueles mineiros, Fernando Roquete Reis em 74 e eu me indispus logo com eles. Não pessoalmente. Mas aquilo já vinha avisado. Esse Fernando Roquete Reis era aspirante a governador de Minas. E fazia da presença na Vale do Rio Doce uma pretensa plataforma de acesso. E saiu, antes de ir para lá, saiu disparando petardos. “Não podia ser, uma Companhia de engenheiros não tinha nada de engenharia. O que interessava era a economia.” Porque ele era economista, né? Foi para a Vale. _____________ aqui eu não vou ficar. E ele começou a produzir papeizinhos, e às vezes torpedos internos, sabe, sobre tudo que a gente queria fazer. Nós estávamos começando a fazer o Carajás. Eu estava na superintendência na direção geral do Carajás. Fazendo o projeto de Carajás. E ele querendo destruir o projeto de Carajás e dar força ao setor sul: Minas e Espírito Santo. E um dia escreve um papel absolutamente idiota. Porque os japoneses queriam fazer uma grande siderúrgica no Maranhão com o minério de Carajás. A Nippon Steel queria fazer uma usina de 10 milhões de toneladas lá. E ele escreveu em um papel. E era bem o jeito que ele escrevia era o jeito que ele falava, né? Então era visível. Sem assinatura. Mandou distribuir, queria uma reunião às cinco horas com opiniões sobre o papel. E nesse papel ele dizia que: “Se Carajás não fosse implementado isso eliminaria a hipótese de existir uma siderúrgica no Piauí a, no Maranhão? Evidentemente que não. Poderíamos sempre exportar minério de Minas ou importar da Venezuela.” Mas eu passei lá 7 anos como consultor para reorganização da Vale do Rio Doce. Então eu conheci todo mundo como consultor. Fiz a
mudança toda de estrutura. Ajudei a implementar essa mudança que se caracterizou especialmente por uma condição: descentralização de decisões. Como estava anteriormente a importância de um superintendente administrativo lá era zero. Por quê? Porque era o presidente que tinha que assinar tudo. Tudo. E numa Companhia que na época tinha 14 mil empregados era muita coisa. Então o superintendente administrativo ele se sentia importante porque diariamente ele tinha que ir ao presidente sobraçando pastas e pastas de processos que ele tinha que despachar. Por exemplo, ele tinha que despachar férias de maquinista de locomotiva.
P – Era o presidente que assinava as férias?
R – Era o presidente que assinava. Tudo que era manobrinha pequena de administração era com o presidente. Eu acabei com isso: páh. Joguei para baixo. Fui empurrando, empurrando as decisões. E eu mesmo despindo, me despindo de decisões que teriam que ser minhas. Eu não queria. Eu queria que a empresa funcionasse, sabe?
P – O senhor teve que mexer com muitos feudos? Assim, feudos internos para fazer a reestruturação?
R – Feudos. Ah sim. Esse superintendente administrativo por exemplo foi um deles, né? Naturalmente eu não o desmoralizei de forma alguma, ao contrário. Botei o retrato do pai dele na minha sala. O pai dele tinha sido superintendente administrativo anterior. Uma figura assim, fisionomia carrancuda mas homem sério. Simplesmente ele não tinha crescido ao tamanho. E disse ao Mascarenhas na ocasião, que era o presidente: “Olha, condição para ser superintendente administrativo...”, que eu fui alguns meses antes de ser superintendente industrial. O Mascarenhas pediu: “Você me quebra esse galho? Por que na administração eu não tenho ninguém.” Eu digo: “Quebro o galho por pouco tempo. Eu não acredito em um superintendente administrativo como ele é hoje. Tem que ser um camarada prestigioso junto a você. Tem que ter coragem e não ficar amarrado a procedimentos administrativos tolos. Depois eu venho, depois eu faço outra coisa.” E fui para a administrativa nesses meses onde eu fiz esse negócio todo de delegação de poderes.
P – Contratação também? você mexeu nesse período como contratação de funcionários?
R – Ah, mexi. Eu criei um curso. Dois cursos. Um para nós mesmos. Inclusive o Mascarenhas frequentou esse curso. Era todos os dias de sete da manhã as nove da manhã na Academia Brasileira de Ciências. Ali pertinho. Porque uma vez eu fiz uma preleção em Itabira na mina e disse: “Todos aqui somos engenheiros, agora nossa engenharia está muito por baixo. A matemática não está se entendendo mais. Hoje a gente mal passa de regra de três.” Aí diz o (Lod?). O (Lod?) era o superintendente mecânico da mina, assim: “Ô Costa Braga, se for regra de três composta eu me fodo todo.”
P – (riso)
R – Aí criei esse curso para reviver certos conceitos de engenharia. Todos os superintendentes frequentaram esse curso. Pelo menos conquistaram a linguagem vamos dizer atualizada de matemática. Um deles foi o Marcos Mendonça. Marcos Mendonça não, Marcos...
P – Marcos Viana.
R – Marcos Viana. Marcos Viana eu tive umas cenas engraçadas com ele. Ele se... Olha está gravando isso...
P – Está.
R - ...mas você não vai usar essas frases que eu estou usando não, hein?
P – Não. (risos) A gente só mexe o palavrão, só tira o palavrão. O resto a gente mantém. (risos)
R – Não mas, certas coisas como eu vou dizer agora.
P – Ah, então está bom.
R – Coisas que você tem que ter cuidado para não publicar isso, né?
P – Pode deixar.
R – O Marcos se vangloriava muito de ter sido colega de colégio do Mário Henrique Simonsen. Porque o Marcos era muito mais moço do que eu. Era não, é. muito mais moço do que eu. O Marcos deve estar com uns 7 anos menos que eu. Faz assim um ar patrocinador, bota a mão no... Conhece ele, né?
P – A gente está tentando entrevistá-lo ainda.
R – Hein.
P – A gente está tentando entrevistar ainda mas ________.
R - _______ Falava assim com uma voz grossa, paternal, né? E se vangloriando de ter sido colega do Mario Henrique Simonsen. Um dia eu perdi a paciência com ele e disse: “Ô Marcos, não adianta você dizer que foi colega de Mário Henrique Simonsen porque ele é inteligente. Inteligência não é contagiosa não.” (riso)
P – (risos)
R – (riso) Fiquei olhando para ele. “Está me chamando de burro?” “Agora eu vou te chamar de burro. Já que você perguntou se eu estou achando, estou. Que negócio é esse?” Então... agora eu perdi o fio.
P – O senhor estava falando do curso que o senhor tinha dado para internos.
R – Ah, e o outro curso foi o programa de formação de executivos. Tinha vários estagiários na Vale do Rio Doce que eram uns perdidões. Eu mesmo tinha sido estagiário anos atrás, estagiário era um fazedor de contas barato. Estudante de engenharia ficava fazendo contas, preenchendo formulários numéricos, sabe? Eu achava aquele negócio sem sentido. Então eu criei um curso, era o seguinte: recrutando estudantes de curso superior. Não interessa se é médico, advogado, administrador, engenheiro, qualquer coisa. Vem e faz um estágio de um ano na Vale do Rio Doce. Nesse ano ele tem que aceitar que metade do tempo dele é da Vale. Acabou. Vai ser remunerado, bem remunerado. Agora, vai rodar: vai passar um mês em Itabira, dois meses em Vitória, esse tipo de coisa. Fiz uma dosagem lá para circular pela empresa e conhecer cada problema. O médico vai lá. Ver como é o problema de administração em Vitória. Como é que é você administrar um problema de 400 maquinistas embriagados. Porque na passagem de tração a vapor para tração diesel, muito mais sofisticada, você saía daquele equipagem heróica da estrada de ferro antiga. Vapor: chuu, chuu, chuu. Aquele negócio, puxa avante, manivela, óleo para aquecer caldeira. Para motores diesel. Cinco locomotivas em um traçado complicado. Porque a Vale do Rio Doce o perfil é muito acidentado, né? E trens com 160 vagões, funcionava assim: duas locomotivas na proa, duas locomotivas na calda e uma no centro. Quando a parte da frente do trem começava a descer tinha que ter frenagem. Mas antes tinha que ter tido tração para subir. E o negócio é feito por computador. Então não dava para você botar computador na cabeça de maquinista de trem de vapor, né?
P - __________________
R – Então tinha um bando de semi-aposentados que por saudosismo ou psicologicamente perdidos entravam para valer na bebida. E era um bando de, então eu queria que conhecessem esses problemas administrativos da empresa. E rodasse.e funcionou. Funcionou tão bem que anos depois eu tive um encontro com o presidente da Vale na época, que depois foi ser presidente da, da siderúrgica aqui da, da, _____________
P – Acesita.
R – Acesita. Como é o nome dele?
P – Wilson Brummer?
R – É. Estava com o Wilson Brummer, disse: “Ô Costa Braga,...”
na época ele era presidente da Vale, “...eu estou aqui sabe a quem eu devo isso?”
P – Sim.
R – “Devo isso a você. Eu fiz o curso de formação de executivo. Eu fiquei conhecendo a Vale. Por dentro. Como você queria. E hoje sou presidente. Está satisfeito?” Realmente eu fiquei satisfeito porque foi uma esfrega geral. Modernização da Companhia, modernização das pessoas. Foi bom. eu digo a você: profissionalmente a Vale me deu várias retribuições. Ter concebido o projeto, aliás a concepção do Carajás não é minha, não. A concepção de Carajás é do Breno, que era da DoceGeo. Que era quem conhecia geologicamente a região. Eu fui o autor do projeto. O projeto eu quis fazer como eu queria. Você tinha que projetar um porto, uma ferrovia complicada atravessando áreas de domínio indígenas. Complicado mesmo. E na época havia uma disputa entre Pará e Maranhão sobre o porto de destino. Se seria no estado do Pará, seria um porto fluvial ou São Luís que seria um porto gigantesco, né? E eu entrei em choque com a United State Steel. Daí vem a quebra da sociedade com a United State Steel. Porque os americanos queriam fazer um porto perto de onde está hoje o porto de...
P – Belém? Em Belém?
R – Não esse, Belém não. Para baixo. No... a memória está ruim, né? Aquele outro rio. Não vem ao caso. Para navios até, que dava na ocasião, navios só até 35 mil toneladas. Eles queria ter um porto doméstico. Para fornecer minério de ferro somente à United State Steel. Que podia receber navios de 35 mil toneladas em (Baltimore?). Não podia receber navios de 100 mil, 150 mil toneladas que São Luis podia ter, né? Então para ficar cativo da United State Steel não interessava. E eu torci os braços da United State Steel, até acabar com a, redundou em acabar com a sociedade. Não fui eu só quem fiz isso. Eu dei os elementos todos para que isso fosse. Uma das pessoas mais importantes foi o Hélio Bento que era diretor da Amazônia Mineração. Tem vários. Eu não reclamo para mim a autoria exclusiva disso. Mas trabalhei fazendo um projeto de engenharia viável. Não plantei nada. Tanto que anos depois, quando veio esse Fernando Reis, com essa teoria que poderia importar minério da Venezuela...
P – Conta um pouquinho essa história do Fernando Reis.
R – Camilo?
P – Não, do Fernando Reis.
R – Ah, sim. Então __________, quando ele distribuiu esse papel, reunião às cinco horas da tarde para discutir o papel. Fomos lá para a sala da diretoria. Toda a patota que tinha trazido de Minas, inclusive o diretor financeiro da Vale do Rio Doce, tinha sido um coletor subalterno da Secretaria da Fazenda em Minas Gerais, em Governador Valadares.
P – (riso)
R – Não falava uma palavra de inglês, não sabia nada de finanças internacionais. Foi ser superintendente, diretor financeiro da Vale. Não dava. Entrou aquela Patota toda. Umas 20 pessoas a volta da mesa. E eu era o último a falar. Estava à esquerda do Fernando Reis. E ele, com aquele tom assim _______. Civil. sua opinião, sua opinião. Aí a patota dele foi toda concordando. Rodou a mesa. “Muito bem, está aprovado. Ah, Costa Braga, você que é o vovô da turma qual é a sua opinião?” Eu digo: “Ô Fernando eu recebi um papel sem assinatura. Papel apócrifo.” Sabendo que era dele, né? Ele disse: “É, vocês engenheiros, é apócrifo, insosso, insípido.” Eu digo: “E idiota.”
P – (risos)
R – Virou para mim e disse: “Espera aí, mas fui eu que escrevi!” “Eu sei que foi você. Mas você é idiota. Porque você escrever em um papel desses, presidente da maior mineradora do mundo de minério de ferro. Dizer que vai importar minério da Venezuela? Eu não dava 24 horas para você nessa cadeira aí. Você seria corrido daí. Não tem condição. Dizer uma barbaridade dessa só porque é mineiro?” Bom, dias depois eu fui a ele e disse: “Olha Fernando, eu quero me licenciar da Vale. Eu quero me licenciar porque não dá para continuar aqui com você. Para ficar rolando aí pelos corredores, pedindo uma mesa por favor, eu não vou fazer isso não. Agora eu não posso é pedir demissão da Vale. Eu estou...” na época eu estava com, deixa eu ver, 71. 45 anos, né, ou mais. Bom, “...eu já estou entrando na idade e essa Fundação que eu ajudei a criar com o Helio Bento, de aposentadoria é a única coisa que eu tenho no meu final de vida. Não posso pedir demissão não. Você me dá uma licença, eu vou cuidar da minha vida.” E ele me deu uma licença sem vencimentos. Com essa licença sem vencimentos eu não me desliguei da Vale. Continuei agarrado a Vale. Mas não trabalhando na Vale.
P – Nessa altura da reunião, que o senhor estava nessa mesa de diretoria, toda a diretoria anterior também já tinha ido embora? Só tinha restado o senhor dessa, dessa...
R – Eu não era diretor. Eu era superintendente geral.
P – Superintendente.
R – Quase todos. Uns bem, outros mal. Aliás, só um foi mal. Não vou dizer quem é porque aí entra no campo da fofoca.
P – Hum.
R – Mas saí e fui dali para trabalhar com o Lawrence por armações do Eliezer. O Eliezer me empurrou para o Lawrence. Que foi um período engraçado mas muito frustrante. O Lawrence você sabe quem é, né?
P – Hum.
R – Genro do rei da Noruega, casado com uma princesa norueguesa que veio para o Brasil porque não suportava o frio da Noruega. (riso) Não gostava de São Paulo porque era frio. O Lawrence rico, riquíssimo. Quatro irmãos. Mas a visão das coisas por ele era uma visão minúscula. Então eu tive vários embates com ele. Acabei, um dia eu digo: “Lawrence...”, fiquei lá um ano, “...vêm as assembléias gerais aí em março, eu quero avisar você que eu não quero continuar aqui.” Era diretor da Supergasbras, das Norbras Metalúrgica, da Norbras __ Transporte. Era diretor de todas as Companhias dele e superintendente geral das Companhias. Mas ele tinha um, umas pessoas que faziam fofoca lá dentro. “Eu não vou ficar aqui não.”
“Não, você
vai sair...”, ele tinha uma voz fanhosa, meio anasalada e embora seja um homem alto, bonitão ele dá impressão a ser bicha, na maneira de falar.
P – (risos)
R – (risos) “É, você arranjou alguém que te paga melhor.” E olha que eu ganhava uma fábula. Ganhava uma fábula e ainda tinha uma participação nos lucros. “Não, ô Lawrence, não tem isso não. Eu simplesmente não quero.” De duas da tarde até sete horas da noite. “________________. Para onde você vai trabalhar? Você arranjou alguém que paga mais que eu.” Ele ficou enchendo o saco, eu digo: “Ô Lawrence, eu vou dizer uma coisa que você não vai gostar: sabe porque é que eu vou embora? Você não tem competência para ser meu chefe.” Bom, passou 10 anos sem falar comigo. Encontrava na rua mudava de calçada para não ter que me encarar.
P – Nossa.
R – Uma vez voltamos de nova, foi a única vez, primeira vez que voltamos a falar. Sentamos, voltamos no mesmo avião ele sentou ao meu lado. “Ô Mário, você já deixou de ser malcriado?”
P – (riso)
R - ______ também você. Aí fui reviver o negócio, né? Com todas essas incumbências que eu tinha um dia ele me convoca para uma reunião por memorando. Ele tinha uma sala lá do lado. Manda, dita um memorando para a secretária que me leva no meio de uma reunião: “O senhor Lawrence quer uma reunião daqui a 5 minutos.” E eu estava decidindo naquele instante com mais 10 ou 12 pessoas, onde aplicar 25 milhões de dólares dele. “Bom, deve ser alguma coisa importante, né?” Não, ele estava louco para comprar um helicóptero. E queria que eu fizesse um estudo de viabilidade para o helicóptero. Eu disse: “Ô Lawrence, __________, não tem sentido. Você é rico, você é jovem compra o helicóptero que custa um milhão de dólares. Você tem um milhão de dólares a toa.” “Não, mas um helicóptero é uma coisa muito cara. Eu vou fazer uma sociedade com o Álvaro Catão. Ele tem dois aviões, eu entro com o helicóptero, nós fazemos uma empresa de transporte aéreo, particular.” “Ô Lawrence, está tudo muito bem, mas quando você procurar o helicóptero, a dona Lourdes Catão...” que era mulher do Álvaro Catão na época, né? “...a dona Lourdes Catão pegou o helicóptero e foi tomar chá com as amigas em Cabo Frio.”
P – (riso)
R – “Cadê você?” “Não, mas é muito caro tem que botar para trabalhar. Ganhar dinheiro para financiar.” Eu digo: “Ô Lawrence ___________,
você tem dinheiro, você está... Olha aqui, você é rico. Compra. Compra e divirta-se. O que eu nunca vi é alguém comprar um Rolls Royce e botar na praça de noite para pagar a gasolina. Você quer um Rolls Royce, não pensa em praça com o Rolls Royce.”
P – (risos)
R – “Você quer?” Então eu saí. Sai do Lawrence e fui para a Tupi. E da Tupi outra vez tive outro embate. Botei na rua o filho do maior acionista, com proibição de entrar na empresa.
P – (riso)
R – Bom, 15 dias depois
fui eu. (risos)
P – (risos).
R – Acha engraçado? Não, não. Que seria para mim muito humilhante, tê-lo, que era ladravaz conhecido, inexperiente, roubando o próprio sogro. Ele era genro, eu disse filho? Não, genro.
P - ___________
R – Filho. Genro. Então saí da Tupi. Saí com uma boa indenização e fui para a Anglo American. Na Anglo American estava bem. De vez em quando ia lá na África do Sul, com o famoso (Oppenheimer?) que era o dono. São 293 empresas...
P – No conglomerado todo?
R – Aglomerado todo. É o maior aglomerado de empresas do mundo. A (The Bears?), diamantes. A Mineração Morro Velho, no Brasil, ouro. Estava bem. Mas um dia chega lá o Henrique Cavalcante. Vem falar comigo.
P – Que tinha sido da (Ecotec?)?
R – Tinha sido da (Ecotec?), e foi meu colega de CAEB. Meu compadre. “Ô Mário, isso é segredo ainda mas dentro de 10 ou 12 dias eu vou ser feito presidente da Siderbrás. Sei lá porque razão o General Américo, que era o presidente da Siderbrás, o presidente não o tolera.” Era o Médici. “Não o tolera...” Escuta...
P – Han?
R – Onde é que eu botei a minha pasta?
P – Está aqui, está aqui do lado.
R – Han. “Vou ser presidente da Siderbrás. Eu estou precisando de um diretor de desenvolvimento. Você quer ir?” Eu digo: “Henrique, o que é que tem de divertido lá? Na minha profissão eu quero alguma coisa que seja divertida.” “Divertido eu vou dizer o que é que tem. Você tem o maior orçamento do Brasil. Você tem 15 bilhões de dólares para gastar em 5 anos. Em expansão de usinas, novas usinas. E você sabe como é: com 15 bilhões de dólares para gastar se não tiver absoluta confiança neste diretor, você sabe como é: três por cento, dois por cento, um por cento. Isso faz a fortuna de qualquer ladrão. Eu preciso de uma pessoa que eu...
(fim do lado A)
R – “Você vai morar numa casa de Ministro, ter dois automóveis.” Eu disse:
“Ô Henrique, eu moro numa casa boa, construída por mim. Tudo bem , não tenho piscina, mas também não quero. Automóveis eu também tenho dois. mas não vou falar com a minha mulher não, eu vou.” Resolvi ir lá. Eu vou. E fui. Fui e lá fiquei 8 anos emprestado pela Vale do Rio Doce. Pelo (Renó?).
(Renó?) era o presidente, me cedeu por empréstimo. Na época era muito comum isso. Fazia empréstimo de funcionários graduados ______________. E lá fiquei 8 anos onde eu construí, na época era a maior siderúrgica do mundo, a Siderúrgica de Tubarão. Fiz o porto de Praia Mole em sociedade com a Vale. Criei as condições de associar a Vale do Rio Doce com a siderúrgica nos Estados Unidos que deu nascença à Califórnia Steel.
P - Hum.
R – Foi um período muito, muito cheio de aventuras.
P – O senhor lembra dessas negociações todas? Da CST, de Praia Mole. O senhor lembra alguma coisa desse período?
R – Lembro, lembro.
P – Como é que se deram, como é que foi essa...
R – Eu lembro que o Henrique, o Henrique é muito parcimonioso de elogios, né? Quando nós inauguramos a CST ele disse: “Ô Mário, meus parabéns. 95 % das pessoas não acreditava que você fizesse. E os outros 5% torciam contra.” E realmente, a usina, eu ano era o engenheiro do negócio. Eu era o presidente do Conselho. Então eu era o representante na sociedade italiana, japonesa e da Vale do Rio Doce eu representava o acionista brasileiro. Com a Kawasaki e com a (Ital Sider?). (pausa) Ah, foi bom. Foi muito bom. aí ele disse: “5% torciam contra. E você fez.” Mas eu fiz pelo seguinte, eu digo, quando eu fui para lá: “Henrique, eu não quero nada com Usiminas que vai muito bem obrigado. Está quase acabando o plano de expansão dela. Não quero nada com CSN, a Siderúrgica Nacional, que aquilo é um saco de gatos entre duas escolas de engenharia: uma de Ouro Preto, outra de Itajubá. Não vou me meter nessa briga. Não quero nada com Cosipa que é briga de empresários privados com autoridades de São Paulo. Eu vou pegar esse projeto que está morto há sete anos, Tubarão, está com 800 milhões de dólares há 3 anos parado no Japão. Aliás não estava no Japão, já estava no Brasil. No Banco Central. Por conta de um empréstimo que não chegou nunca a ser feito e todo mundo beliscando. E o DNR vai lá e faz uma exposição de motivos ao ministro e tira um naco. Então daqui a pouco não tem usina. Eu vou fazer. E tem uma condição: você não se mete nisso. É só comigo. Você é o presidente, eu sou o diretor de desenvolvimento mas aquilo não é província sua.” E foi levado assim. Nessa época eu fui com muita freqüência ao Japão, fui à Itália três ou quatro vezes. Briguei com os italianos. Me dei maravilhosamente bem com os japoneses e a usina foi feita. A usina foi feita com três menos, três meses menos que o cronograma previa. E era um cronograma apertadíssimo. Fazer uma usina dessas em que os empreiteiros chegaram a ter 36 mil homens em canteiro de obras? Mas o mais gostoso: 4% abaixo do orçamento. E mais uma sensação emocional que até hoje me comove. No dia da inauguração, você conhece Vitória?
P – Conheço.
R – No dia da inauguração o Henrique organizou um jantar em Vitória, numa casa de recepções lá. Em que tinha: dois ministros italianos, três ministros brasileiros, um japonês e todos os presidentes de siderúrgicas no Brasil. Benjamim Batista e por aí afora. Na saída eu estava dirigindo meu próprio carro. Tinha alugado um carro em Vitória. e na volta para casa, estava hospedado na casa do meu filho, eu saio da ilha para entrar no continente. Aquela ponte ali dá, perto da Praia do Canto, né? E pela primeira vez eu vejo usina iluminada. Nunca tinha visto. E aquele penacho de fumaça saindo porque estava secando o forno, né? Aquilo me deu uma sensação incrível. Parei o carro, desci, olhei para a quilo e literalmente comecei a chorar. Aí minha mulher perguntou: “Por que é que você está chorando?” Eu: “Lalu,...” que é o apelido dela, “...eu estou chorando pelo seguinte: quatro anos de sacrifício, de viagens constantes, de trabalho intenso para fazer isso aí. Ali vão trabalhar 5400 pessoas. Cujos filhos vão ter educação. Vão ganhar melhor do que estejam ganhando, vão comer melhor. Então é a minha contribuição para uma fração de progresso onde quer que seja.” Quando eu estou inclinado ali na murada comovido com aquilo vem outro carro atrás e desce o meu contrapartida japonês, o Kato. Chegou perto de mim e disse em inglês: “Posso chorar junto com você?” Quer dizer, o cara captou a sensação. Esse cara ficou amicíssimo meu. Morreu. Morreu repentinamente quando eu organizei a Califórnia Steel. A Califórnia Steel era outra coisa. Eu me dava bem com a Kaiser Engineering cujo presidente aqui no Brasil (Mark Speers?), foi presidente da, olha essa fábrica de automóveis? Da Willys. Willys era originalmente do Mister Kaiser. Um grande empreiteiro de navios durante a guerra lá na Califórnia. E o (Mark Speers?) era o presidente da Kaiser Steel, que era dono dessa siderúrgica na Califórnia. Que estava falido. Eu comecei, ele me levou lá uma vez para visitar só, que eu estava em Long Island, passando para o Japão. Era um ótimo sujeito, mas ele perguntou um dia assim: ”Ô seu Mário, você sabe por que é que eu sou presidente da Kaiser Engineering? Eu não sou engenheiro. Eu não tenho nem curso secundário. É porque eu fui piloto do, desse Kaiser durante a guerra da Coréia. Então ele me chamou para ser presidente
da Kaiser Engineering. Só por isso.” Rico, ganhando bem para burro, tinha uma Ferrari que uma vez que ele foi almoçar, jantar comigo em um restaurante em São Francisco ele chegou chateado. “Pô, eu levei três multas na ponte.” Passou naquela Golden Gate Bridge a 250 quilômetros por hora. (riso) Foi parado na entrada, foi parado no meio, foi parado na saída. Ele não pensava em nada: “Estou pra me divertir. Minha mulher que era rica me deu essa Ferrari e eu tenho que gastar essa Ferrari.” E dava gargalhada. Então fiquei conhecendo a Kaiser Steel. E a Kawasaki tinha interesse em botar um pé na Califórnia. Então propôs por carta...
P – Isso tudo era estratégico para entrar no mercado americano? Era isso...
R – Era.
P - ...ou não? A função era meio essa.
R – E eu não podia entrar lá diretamente. Ele disse: “Você quer fazer uma sociedade da Siderbrás com a Kawasaki? Comprar aquilo? ”Eu digo: “Não Kato, não posso. Não posso primeiro porque a Siderbrás não tem dinheiro. Está estourada. Segundo porque eu não tenho como entrar diretamente o meu nome de Siderbrás no mercado americano, que o Rodrick?, que era o presidente da U.S. Steel já estava, artilharia em cima da gente que não cessa. Agora eu posso fazer é a união da Kaiser Steel, da Kawasaki Steel?, com a Vale do Rio Doce. Eu me dou bem o Eliezer. Conversei com o Eliezer e fizemos a junção. Foi a Vale do Rio Doce que se associou com a Kawasaki para fazer a Califórnia Steel. Não foi Siderbrás. Eu entrei apenas como o esparro. Sabe o que é que é esparro? Sabe...
P – Mediando, né?
R – Não, esparro é aquele boi de raça ruim que fica arretando as vacas para o touro boi cobrir. Então eu arretei um e outro e... (riso)
P – (riso)
R – Então foi muito, esses 8 anos em, na Siderbrás forma muito bons de experiência também para mim.
P – Nesse, entre a Califórnia e a CST teve a Praia Mole, também?
R – Bom, a Praia Mole foi, tinha um oficial de Marinha que tinha uma empresa de consultoria. Nem me lembro o nome dele. Que tinha uma proposta de fazer um porto que era duas vezes o tamanho de um porto admissível lá. Iam ser os maiores molhos do mundo. A maior bacia do mundo e tal. O preço, o orçamento era mais da metade do projeto siderúrgico todo. E eu botei o polegar para baixo: “Não. Eu vou fazer Praia Mole.” Tirei o pão da boca dele. Ficou meu inimigo, né? Tirei o pão da boca dele e novamente com o Eliezer, com o França resolvi fazer sociedade. Aí sim. Foi uma sociedade de Siderbrás com Vale do Rio Doce. E fizemos o Proto de Praia Mole que é uma extensão do Porto de Tubarão. Ali ao lado, né? Foi bom.
P/1 – E depois desse tempo de Siderbrás? O senhor ficou na Siderbrás até quando?
R – Eu fiquei na Siderbrás até voltar para o Rio de Janeiro em, deixa eu ver quando foi... 85.
P – Hum.
R – 85 eu vim para o Rio de Janeiro e abri meu próprio escritório de consultoria. Funcionei uns 2 anos lá. Fiz algumas armações financeiras de outros projetos. Agora, eu não conseguia trabalhar. Eu caí na asneira, eu aluguei um escritório naquele edifício argentino. Sabe onde é, né?
P – Ahn, ahn.
R – É aquele ali no início da ____________. Aquele bonito. Onde era a embaixada da Argentina. Aluguei lá um andar. Aliás um andar não, um conjunto. Três salas com vista para a praia do Botafogo. Não conseguia trabalhar. Eu sentava e ficava me deliciando com aquela vista. O trabalho não rendia.
P – (riso)
R – Fechei e fui para a cidade onde eu tinha cinco salas que estavam fechadas há 8 anos. E ficaram fechadas com janela aberta. Então virou um chiqueiro de pombo.
P – (risos)
R – Os pombos faziam moradia lá dentro. Tudo cagado. (riso)
P – (risos)
R – Arrumei tudo e me mudei para lá para a grande alegria da minha secretária. Ela disse o seguinte: “Ah Doutor Mário, aquele escritório lá do Botafogo era uma beleza, uma beleza. Mas era muito isolado. Muito isolado.” A gente saía na hora do almoço só podia ir ali no... tem um restaurante aí em baixo. Nem me lembro o nome. “Não tem uma loja, não dá para a gente passear. Aqui não. Treze de Maio, em frente ao Teatro Municipal. É animado. Hoje de manhã nós viemos para cá está tudo reformado limpinho. Ah, já me diverti. Saí na hora do almoço. Fui comer no Bob’s, vi vitrine, vi loja. Voltei para cá. Estão filmando uma novela ali na calçada do Municipal. Atores conhecidos e tal. Tinha um sujeito encarapitado em uma árvore aqui jogando castanhas em quem passava. Dizendo palavrões. Teve um assalto aqui em baixo no Bradesco. É muito divertido.” (riso)
P (riso)
R – Aí fui para lá. No fim de 3 anos, 2 anos e pouco eu queria ir fazer minha, gozar minha aposentadoria na serra. Mas eu tinha um filha que tinha vindo aqui para Arraial do Cabo. Ela se formou em Oceanologia no Rio Grande do Sul. Veio para cá para Arraial do Cabo, fez o mestrado dela aqui e foi morar em Arraial do Cabo onde ela mora até hoje. O marido dela também é oceanólogo. E minha mulher doida por praia. Então comprei uma casa lá. Comprei uma casa lá. É muito agradável. É uma casa que evidentemente não tem luxo nenhum. Mas uma casa muito confortável. Uma excelente piscina que agora eu não posso usar porque caí na asneira de botar um aquecedor elétrico. E o troço gasta, é uma, uma conta de 1200 reais por aí de energia elétrica. Não é pelo preço só. Risco de corte, né? Consumo energia para burro. Mas tinha piscina aquecida. E lá eu me dedico a quê? com 75 anos eu me divirto com computador de tarde, com as minhas marcenarias de manhã, com televisão a noite. Pronto, acabou. Não vou à praia. Não gosto muito de praia não. Apesar de ter sido veleiro a vida inteira eu não gosto muito de praia não. Minha mulher é doida por praia. Eu queria ir para Friburgo. Eu queria para a serra, mas ela não vai.
P – Prefere a praia.
R – “Não, serra é muito depressivo. Ver o pôr do sol na serra dá uma tristeza. Não quero não.” Então....
P – e a fotografia Costa Braga, como é que é isso?
R – Parei inteiramente. Parei inteiramente porque a minha fotografia começou a ficar muito inconveniente. Porque eu gostava de fazer ______ fotos. Sabe o que são?
P – Não.
R – São fotografias cândidas. Então eu tinha série de lentes, visores de ângulos. Eu apontava para lá estava tirando fotografia para cá. Tinha um visor angular que me permitia ver assim. Lente de aproximação, o diabo a quatro. E procurava pegar coisas ridículas das pessoas. Uma vez eu fui a um churrasco de um amigo meu, grande amigo meu em Itaipava. E ele é advogado então ele tinha convidado todos os juízes, sei lá, essa gente toda do escalão alto da Justiça aqui no Rio de Janeiro para ir lá. Era tudo gente velha. Talvez tão velha quanto eu sou hoje. Só que tinha um ar acabado. São sujeitos barrigudos ________. E eu estou sentado na varanda olhando as pessoas aí vejo o presidente do tribunal com essa (imita o gesto)
P – (risos)
R – Quando não tinha ninguém olhando ele puxou um fiapo de churrasco do dente. (riso)
P – (risos)
R – Páh. Bati, ele não viu. E a mulher dele estava numa outra poltrona ao lado dele ela se remexia toda, novamente. De repente (imita o gesto),
P - (risos)
R – e eu.(risos) Aí mandei para esse meu amigo: “Olha os seus convidados como se comportam.”
P – (risos)
R – A mulher coçando dentro do ____________, e esse porcalhão aí tirando fiapo dos dentes. (riso)
P – (risos)
R – Não por isso não. Mas é tanta coisa para fazer...
P - (risos)
R -...e eu gosto de fazer as minhas marcenarias, sabe?
P – Hum, que é o que o senhor aprendeu desde a época da oficina com o seu pai?
R – É. eu tenho muita habilidade manual. Agora menos. Depois que eu tive o meu AVC, o negócio ficou ruim. Eu não fiquei tão ruim quanto o Deoclécio não. Mas tive lapso de esquecimento, falta de equilíbrio no andar. Houve um período aí atrás que eu desandei a cair na rua. E eu fui atravessar a Avenida Rio Branco, caí sentado no meio da Avenida Rio Branco quando o sinal abriu. Aí: uuuuuu. Ventaram em cima de mim. Ouço montanha de palavrões e acabo de atravessar a rua de quatro, né, engatinhando. Então a mão também perdeu e mobilidade e a habilidade que tinha. Mas é assim. Tem que levar na esportiva, né? Achar engraçado e pronto.
P – Você tem quantos filhos?
R – Cinco.
P – Cinco. O que é que eles fazem?
R – O mais velho tem 50 anos. Fez agora no dia 1/7, 50 anos. Está em São Paulo, é administrador de empresas. Trabalhando em uma firma exportadora grande. Mas anteontem no telefone ele me disse que está voltando para o Rio. Está formando a sua própria Companhia de exportação. Ele é especialista em América do Sul, costa oeste. Vive batendo Venezuela, Equador, Chile, Peru. É amigo desses cucarachas todos aí. Tem conhecimentos e vende. A última venda dele foram 300 ônibus para o Equador. Nisso ele ganha bastante dinheiro. O segundo é um aposentado de 46 anos. Aposentou-se quando tinha 34.
Levou um catiripapo de um ônibus, ele de motocicleta. Arrancou a tampa da cabeça, botou um crânio artificial de plástico. Puxou o cabelo para cima. Mas parece um fusca mal lanternado.
P – (riso)
R – Está com a cabeça toda torta. (riso) Eu me preparei para ter um filho inválido nessa vida. Na minha casa ele ficou 30 dias em coma aqui no Silvestre. E eu pensando: “meu filho não sai dessa.” No dia que ele teve alta eu trouxe ele para casa de carro, onde eu já tinha preparado tudo: tirei degraus, transformei uma garagem. Eu tinha duas garagens ali, transformei uma garagem numa suíte com um banheiro. Pensando sempre que meu filho ia andar de cadeirinha de roda com um enfermeiro atrás o resto da vida. Quando eu vim de volta com ele, desceu do carro,
quando eu dou por mim ele já tinha subido para o segundo andar para o carro dele, para o quarto dele. Recuperou-se. Ficou discretamente hemiplégico. Mas teve que se aposentar. E aposentado ele não pode ter nenhuma fonte de rendimento e emprego. Então ele está lá também em Arraial do Cabo fazendo, como autônomo, fazendo reforma de casa. Uma reforminha aqui, uma reforminha ali. Bom de cabeça. Ele era engenheiro. Hoje não, é um engenheiro medíocre. E o terceiro também é gerente de privatizações no BNDES. Hoje de manhã esteve aqui em casa. Está bem de vida. Já é avô e eu já sou bisavô. 15 dias atrás o meu neto, filho desse terceiro, que é um galalau. Tem 1,97m de altura. Foi jogador de basquete, calça 46, um homenzarrão musculoso. Já largou o basquete e está no Box. Engravidou a namorada e a namorada teve uma filha. Ele com 19, ela com 18. Aí os pais de parte a parte disseram; casar não. Vocês vão acabar a faculdade, porque ambos são colegas de turma, né? Depois que acabarem a faculdade se vocês quiserem casar, tudo bem. Mas não vão interromper os estudos não. Então passa uma semana com os pais dela, uma semana com meu filho. Estudou nos Estados Unidos. O outro continua a ser jogador de basquete. É parte da seleção juvenil. Seleção Carioca Juvenil. Diz o meu filho que ele está jogando muito bem. E só pensa em basquetebol. É só isso. É a vibração dele. A terceira virou oceanóloga. Estudou no Rio Grande do Sul para onde ela foi com 16 anos. Ela vivia falando em Oceanografia. No ano que antecedeu o vestibular lá em Brasília, ela disse: “Ô pai, eu não queria ficar em Brasília não. Para fazer esses cursos de encher linguiça aí.” E realmente, as meninas lá iam estudar Letras ou Literatura. Qualquer coisa só para marcar passo, esperar um casamento bom. “Estamos conversados, né? Eu quero fazer Oceanologia. Você concorda?” Oceanografia. Eu disse: “Concordo.” Eu nunca disse a um filho meu o que é que deveria fazer ou não fazer. “Você quer, vai.” “É, as Rio de Janeiro tem um curso que não presta. Eu já sei que não presta. São Paulo tem um bom mas é muito dispersivo. Tem aula em Santos, aula em Campinas, aula em São Paulo. E morar sozinha em São Paulo eu não quero lá não. É muito bravo. E tem no Rio Grande do Sul, Rio Grande tem a melhor faculdade de Oceanografia do Brasil e uma das 10 melhores do mundo. Eu posso ir?” “Pode.” Ela foi para lá com 16 anos. Minha mulher ficou impressionada e tudo, tal. Disse: “Essa menina ir sozinha par o Rio Grande?” eu fui com ela na época do vestibular, quando ela fez. Eu digo, mas ela sempre foi muito responsável, eu digo: “Adriana, você certamente vai passar nesse vestibular. Agora você não sabe a cidade em que você vai morar. Eu conheço o Rio Grande do Sul todinho.” Eu estava até dizendo à essa menina, como é o nome dela?
P – É a Márcia.
R – Márcia. Eu conheço 91 cidades no Rio Grande do Sul. Eu fiz um trabalho de consultoria lá que me fez bater o estado inteiro. E antes na CAEB eu já tinha ido lá várias vezes. À Rio Grande. Lá nós tínhamos uma usina. E é o clima mais mortal do mundo. Chove o ano inteiro, inverno ou verão. Só que no inverno faz abaixo de 0, às vezes. É úmido, é uma cidade feia. É uma cidade de açorianos. Não tem nada de notável em arquitetura. Tem o segundo maior porto do Brasil. E o dinheiro não fica lá. O dinheiro trafega por lá. É uma cidade pobre. “Você vai lá conhecer antes. Porque se você passar, eu tenho certeza que você passa, se você gostar do lugar tudo bem. E se você tiver um caso de ódio à primeira vista eu sei que você não vai querer queimar o seu vestibular. E vai ser infeliz. Vai lá antes, vai com a mãe e vai tomar uma noção da distância geográfica de Rio Grande de Brasília. São 2300 quilômetros. Não dá para vir todo fim de semana de jato, do Rio Grande do Sul passar o fim de semana com o pai não. Vai para lá com a intenção de ficar.” “Não, eu vou.” Foi lá com a minha mulher. “Você vai de ônibus que vai ser o seu...
P – Batismo.
R - ...meio mais provável de transporte. Vai gramar 102 horas de ônibus e vai conhecer a cidade.” Ela foi no inverno e voltou: “É para lá que eu vou. A faculdade é ótima. Tem professores do mundo inteiro. Tem chineses, coreanos, americanos, brasileiros. Gostei muito de lá.” E foi. E ficou lá. Minha mulher apavorada. Eu digo: “Aos 16 anos o caráter está formado.”
(fim da fita 02)
R - ...veio, nas férias vinha ao Rio. Mas primeiras férias foi para Brasília, depois vinha para o Rio. E o dia que ela foi desmontou o quarto dela em Brasília e eu fui levá-la ao aeroporto. Digo: “Olha, para ir eu vou te dar uma passagem de Varig para lá. Mas ó, não tem mais não. Seu pai não ganha para pagar uma passagem semanal para cá.” E foram umas meninas e meninos que estavam com ela no colégio, assim muito admirados que a Adriana ia para lá. Ela conversando no grupo de repente o alto-falante chama: passageiros da Varig do voo número tal para Porto Alegre. Descia em Porto Alegre e ainda tinha que tomar um ônibus e viajar 400 quilômetros até...
P – Rio Grande.
R – ...Rio Grande, né? Aí ela se destacou do grupo chegou para mim assim: “Adeus pai.”Eu digo: “Adriana, deixa de dramaticidade. Adeus por quê?” “Não, é adeus pai.” “Já, já você está de férias aqui.” “Pois é pai, é adeus. Eu vou para o Rio Grande e daqui por diante eu vou ser visita na minha própria casa. Onde eu só irei de férias. O curso é de 5 anos. Daqui a 5 anos onde é que eu vou estar e aonde é que você vai estar? Adeus pai.” Meu deu um beijo assim e: “Olha, muito obrigada pela vida que você está me dando.” Foi para lá, concluiu o curso, veio fazer mestrado no Rio de Janeiro. E hoje é docente da Unirio. Professora da Unirio. E o marido também é professor. Mora em Arraial do Cabo também.
P – Hum.
R – E vem uma vez por semana ao Rio dar aulas aqui na Unirio. Então os cinco filhos estão aí. Todos bem.
P – Seu Costa, eu queria pedir para o senhor contar aquele caso também, então.
R – Qual?
P – O do Eliezer. Do Barão. O senhor conta esse caso ou não?
R – Não sei.
P – (riso)
R – Eu conto o caso para divertir vocês mas não...
P – Não vai gravar não.
(pausa)
P – Seu Costa, então eu vou fazer a última pergunta para o senhor que a gente tem que, procurar encerrar que é o que é que o senhor achou de ter prestado esse depoimento? O que o senhor acha desse projeto?
R – Olha, eu fiquei muito impressionado com o que eu vi naquela reunião da Vale. Lamentei o Mascarenhas não pudesse estar lá. Lamentei que o Dias Leite não tivesse ido. Mas foi muito rica a apresentação ali, né? As pessoas que eu vi. Foi bem feito. Agora como entrevista aqui, está diferente da minha primeira. Hoje eu falei muito de mim, da minha pessoa. Eu não botei em relevo a coisa mais importante da Vale do Rio Doce para mim, que foi uma realização profissional plena. De todas as variedades curricular que eu tive foi o melhor lugar que eu já passei. Melhor até do que Siderbrás. Embora as experiências tenham sido muito boas na Siderbrás também. Lá tem sempre aquele embate regional.
Mineiro com capixaba, carioca e tal. É um melê. Baianos, riograndenses. Tinha de tudo lá. E a Vale do Rio Doce, não. A Vale do Rio Doce era muito coesa tinha lá uma...
(Pausa)
P – Pode continuar ________. O senhor estava na parte do, quer dizer, do clima, da relação que tinham as brigas e tal mas era um corpo coeso na verdade.
R – Um corpo muito coeso. Muito tolerante. As pessoas não eram, colegas de administração não eram nem vingativas, nem mesquinhas. Na época todo mundo estava associado num esforço de fazer. Quando eu entrei para a Vale a meta de exportação da Vale naquele ano era um milhão e meio de toneladas. Um milhão e meio. A Vale hoje está com 120 ou 130 milhões, entre
Carajás e o sul. Então esse milhão e meio, para multiplicar isso. E tudo era garotada. Por isso que me chamavam de vovô. Porque eu tinha o quê? eu tinha 40 anos. Romeu tinha 31. o Marcos tinha 29. era tudo gente muito mais jovem. O próprio Eliezer tinha na época 36 anos se não me engano. Então era um grupo jovem, disposto, entusiasmado com a Vale. E essa condição de, não era patota não, a nossa grande rivalidade era com a Petrobrás. Porque a gente tinha a
DoceNave, que veio a ser uma das maiores graneleiras do mundo, né? O comandante Marcos Dias, o filho do Hélio Bento, o André. E a gente tinha rivalidade com a Petrobrás que na época era muito mais rica, em termos salariais melhor do que a gente. Mas nem por isso a gente desanimou não. Cada um fazia a sua coisa. Procurava fazer bem e prestar contas do recado. Então essa realização da, isso é uma reação em cadeia. Um negócio meio nuclear nesse sentido. Hoje a Vale está com, compra essa marca, compra outra empresa. Compra isso, compra aquilo e vai se tornando um gigante, né? Na época não era assim. A gente estava estabelecendo as bases para que ela ficasse assim. De grão em grão. Iniciativa por iniciativa, sem muito alarde. E mesmo hoje a Vale não faz muito alarde ________. Crescimento manso. Manso mas positivo. Eu me lembro que um dos grandes presidentes que a Vale teve foi o Mascarenhas. Quando ele assumiu a presidência da Vale ele assumiu duas vezes. Foi repetente também. mas ele ajudou a transformar a cara da Vale. Porque o Eliezer foi a centelha inicial. O Eliezer é genial. Mas é um genial assim que está lá na frente e o pessoal está cá atrás. A capacidade de tracionar um grupo de gente, do Mascarenhas foi muito maior. Em que pese as conotações caricatas que você quer que eu reconte aí do Eliezer. O Eliezer foi jovem. Aquela situação do Barão. Eu fui vizinho em Brasília de um diplomata que na época era o secretário geral do Ministério do Exterior e foi contemporâneo do Eliezer no Paraná. E ele endossou tudo o que eu sabia. Era o Barão Bacana. E uma vez houve uma festa lá em Curitiba ou Florianópolis, eu não sei muito bem onde foi. Em que alguém, o próprio Eliezer mandou propalar que tinha um barão russo na cidade. E apareceu vestido de russo. Botas compridas, um casaco de urso, gorro na cabeça, tal. Na entrada deu um beijo no anfitrião à moda russa, né? Um em cada face. Depois pegou a anfitriã, a dona Karen e tá! Tascou-lhe um beijo latino. Aí alguém disse para o anfitrião: “Esse cara não tem nada de russo não. Esse aí é um estudante de engenharia gozador. Veio aqui só para gozar, dizer que é barão russo.” E levou uma surra. Uma surra da qual ele ficou meio troncho uns dias. (risos) Depois teve uma outra festa, e disseram: “Eliezer vê lá, não vai fantasiado de russo não. Vai de gravata. Vá de gravata. Não vem com essa história de russo.” E o Eliezer apareceu na festa nu e de gravata.
(riso)
P – (risos)
R – Pelo menos foi isso que o Orlando Carbonar contou. Mas é uma figura indescritível, né? E aí que ele sofreu muito com a morte da mulher, né? Tem, eu encontrei com ele a pouco tempo, aliás foi naquela reunião. Ele disse: “Ô Mario, você precisa aparecer.” E eu nunca mais telefonei para ele. Tenho que telefonar. Mas ultimamente tem acontecido umas coisas chatas. Anteontem por exemplo um ex-colega meu de CAEB, você talvez conheça ele de nome: Manuel Fernando Thompson Mota. Ele é vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. É engenheiro. Foi meu contemporâneo de escola embora seja abaixo de mim. Ele é bem uns 5 anos abaixo de mim. Teve um problema de aneurisma da aorta abdominal. Foi para São Paulo se operar no Sírio Libanês. Que é considerado um hospital e tanto, né? E uma operação que deveria durar 2 horas durou 10. perfuraram a aorta dele. Ele teve uma hemorragia brutal, uma infecção hospitalar na CTI. Voltou ao hospital, refizeram tudo. Veio para o Rio está no Samaritano e anteontem o pé direito. Que essa operação mexe com a circulação dos membros inferiores. O pé começou a ficar frio, frio. Começo de gangrena e amputaram-lhe a perna. Então é um homem de 65 anos, relativamente jovem, uma posição importante. Ele foi uma das molas mestras do Geia. O Geia era Grupo Executivo da Indústria Automobilística. Da implantação das montadoras no Brasil. Na época ele era muito badalado. Com aquele, não me lembro o nome. Era o general, que era o chefão do Geia. Na época ele era diretor da Mercedes. Eu estou para ir visitá-lo eu não sei se posso. Ele ainda não sabe que perdeu a perna. E o médico disse: “Ele não sabe. Ele vai sentir dor na perna que não tem mais. Vai acordar e vai apalpar, ver que não tem perna.”
P – Bom seu Costa, obrigado.Recolher