Projeto Vale Memória
Entrevista de Marcus Roger Meireles Martins da Costa
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 03/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV092
Transcrito por Gabriel Siqueira
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Eliane Barroso
P/...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Entrevista de Marcus Roger Meireles Martins da Costa
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 03/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código: CVRD_HV092
Transcrito por Gabriel Siqueira
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Eliane Barroso
P/2 – José Carlos Vilardaga
R – Marcus Roger Meireles Martins da Costa
P/1 – Bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – A gente começa perguntando seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Marcus Roger Meireles Martins da Costa, nasci em Itabira em 13 de novembro de 1957.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai: Francisco Jacinto Martins da Costa, e minha mãe: Maria Meireles Martins da Costa.
P/1 – E eles são de Itabira?
R – Não, meu pai é de Nova Era, perto de Itabira, e minha mãe é de Belo Horizonte.
P/2 – Você conhece um pouquinho a história da sua família, seus avós, um pouco a origem familiar?
R – Bom, um pouco. Meu avô paterno era fazendeiro em Nova Era e tinha uma venda. No passado era muito comum.
Era uma parada da estrada onde as pessoas paravam para comprar ou até ficar, dormir e seguir viagem. Essa era a atividade do meu avô paterno. Meu avô materno trabalhava em Belo Horizonte, trabalhava na imprensa oficial, então, no fundo, era um funcionário público. Minhas duas avós eram, como na época, de casa, do lar, como se diz.
P/2 – Você os conheceu?
R – Conheci, conheci todos. Meu avô paterno eu conheci menos, também como minha avó materna. Minha avó materna morreu quando eu era muito novo e meu avô também quando eu era muito novo, mas eu lembro deles. Eu lembro da minha avó, ela era uma pessoa muito doce, muito calma, gostava muito da gente. Meu avô era uma pessoa muito séria, ele tinha problema de Parkinson e ficava muito sentado no canto dele, e quando a gente chegava tinha que ir lá tomar a benção. Chegava, tomava benção dele: “Benção avô.” – todo mundo, os netos todos. Chegava de viagem em Nova Era, a primeira coisa quando todo mundo chegava. Ia correndo, aí minha avó falava: “Não corre não menino!”.
A gente não corria, ia devagarinho, ia lá, tomava a benção: “Benção avô.”
Sentadinho na cadeira dele e depois ia fazer bagunça no quintal, mas antes tinha que ir lá tomar a benção do vovô. Me lembro muito dele. E, minha avó, ela morreu tem pouco tempo, morreu em 1996 com noventa e seis anos, ela nasceu em 1900. E meu avô morreu há uns dez anos atrás, então conheci bem, meu avô materno, né? Então meus avós eu conheci bem.
P/1 – E quantos irmãos?
R – Eu tenho?
P/1 – É, você tem.
R – Eu tenho dois irmãos. Os dois moram em Belo Horizonte e são médicos os dois. Como meu pai.
P/2 – Seu pai não é médico?
R – Foi médico, trabalhou na Vale muitos anos, como médico também. Ele trabalhou e aposentou na Vale como médico. Primeiro como pediatra em Itabira, na época que existia o hospital da Vale. Então ele foi muitos anos médico do hospital da Vale como pediatra. E depois, ele quando era adolescente,
praticamente fazendo faculdade, ele mudou para Belo Horizonte e trabalhou lá no quilômetro 14, por um período, como médico de trabalho lá também.
P/1 – Ele tinha clínica em Itabira?
R – Tinha, tinha clínica em Itabira, uma clínica grande. No fundo, o meu pai, ele, parte era por conta da Vale, quatro horas em geral, e à tarde ele tinha um horário de clínica. A gente morava na cidade e a clínica dele atendia muita gente pobre. Ele sempre fazia questão de atender, ele tinha um horário, entre meio dia e duas horas, que atendia dentro de casa e à tarde ele tinha Inps, na época, sindicato, mas de noite ele voltava e atendia também em casa, principalmente o pessoal mais pobre.
P/1 – E ele recebia muitos presentes?
R – Muitos, desde galinha, porco, peru, coelho, mas era ótimo porque ele gostava também.... cachaça, cachaça ele gostava, ele tomava uma cachacinha, então ganhava sempre, chegava aquele pessoal, dizia: “Ó Doutor Francisco, eu trouxe aqui para o senhor uma cachacinha”. “Ótimo!” Ele ganhava muita cachacinha também. Ele era uma pessoa muito interessante, certamente se ele tivesse vivo ainda, ele estaria dando depoimento aqui, porque ele conheceu uma geração inteira da Vale, quando a gente morou em Itabira. A maioria das pessoas que depois viraram dirigentes, presidentes, não sei o quê da companhia, eram muito amigos dele.
P/2 – E quando ele foi para Itabira, Roger, como é que foi a chegada dele?
R – Bom aí eu não vou lembrar, né? (risos). Porque quando eu nasci ele já trabalhava na Vale em Itabira. O que eu tenho de história é que quando ele formou, logo que ele formou, ele foi trabalhar, mas trabalhou só um ano, na Acesita. Aí, por algum motivo que eu não sei qual é, não sei se foi concurso, o que houve, ele veio para trabalhar na Vale. Aí sim para trabalhar no hospital da Vale como pediatra. E ficou lá durante vinte anos, por aí, até ir para Belo Horizonte já como médico de trabalho. Ele fez nesse período o curso de médico de trabalho. Eu morei aqui no Rio durante um ano, em 1965, ele fez uma especialização em Pediatria aqui. Isso eu lembro também. Mas ele era médico e, como tal, ele tinha um relacionamento muito grande com os engenheiros da Vale, na época engenheiros também... quer dizer, os filhos. Todo mundo quando vai para uma cidade pequena dessas acaba tendo muitos filhos e quem cuida é o pediatra. E tinha um relacionamento muito bom com o pessoal da cidade, porque ele era um médico da cidade também, e às vezes, no passado, principalmente no passado, sempre tinha uma separação muito forte entre empregado da Vale ou até engenheiro da Vale, pessoal da Vale e pessoal da cidade. Uma dicotomia muito forte. Hoje nem tanto. Na época você tinha um clube que era dos empregados da Vale, um clube que era dos engenheiros, uma vila de engenheiros ou de técnicos, que não se misturavam no fundo com o pessoal da cidade. Como meu pai era médico, e médico não discrimina quem vai atender, ele tinha uma clínica grande, praticamente no início, ele era o único pediatra da cidade, então ele atendia todo mundo. Então, ele tinha relacionamento muito bom na Vale com os engenheiros, técnicos, operários, e tinha um relacionamento muito bom com o pessoal da cidade porque era o pediatra e o pessoal gostava. Gosta até hoje, todo mundo que lembra dele continua falando: “O Chico isso, o Chico aquilo”. E muita gente que foi cliente dele hoje tá na Vale.
P/1 – E vocês moravam onde?
R – Na cidade, no Pará, bairro do Pará. Perto da sede do Valério, pertinho ali. A gente morou ali muitos anos, durante, imagino, uns quinze anos.
P/1 – Como era a casa?
R – A casa? Era uma casa de três quartos, uma casa normal de empregado da Vale. A casa existe até hoje, ela foi reconstruída praticamente, na Rua Minervino Betônico. Quem morou lá depois da gente foi outro engenheiro, o Darcio Bragança, que é filho do seu Sinval, que era o vizinho de lado. A casa continua lá, do seu Sinval. Então nós moramos ali uns quinze, dezesseis anos e depois meu pai trocou de casa e foi morar na Rua Nossa Senhora do Carmo. Eu já tenho uma recordação menor, porque aí eu já estava morando e estudando em Belo Horizonte. Era onde antes tinha morado o Antônio (Chamberlain?), que era também médico e engenheiro da Vale, e depois saiu e tal, aposentou, não sei se na época ele aposentou. Mudou para Belo Horizonte e meu pai foi para essa casa que depois ele vendeu quando já tinha saído da Vale, aposentado.
P/2 – Esse bairro do Pará era um bairro onde a maioria das pessoas eram da Vale?
R – A maioria, mas não todo mundo. Era um bairro dentro da cidade, normal, mas a Vale tinha várias casas ali. Inicialmente as casas eram da Vale, e depois as casas foram vendidas aos proprietários, quem morava nas casas. Como filho de empregado da Vale, eu passei por uma época muito grande de mudanças e alterações na própria Vale em termos de tratamento, de formas de tratar o empregado. Nesta época a Vale dava casa para todo mundo. Eu lembro que, acho que a cada uma semana, chegava lá em casa um caixote de verdura e às vezes frutas também que vinham da chácara da Vale. Então era ótimo porque uma vez por semana chegavam aquelas frutas, aquelas verduras novinhas e tal. Isso era uma outra época. Tinha o armazém da Vale... a Vale, no fundo, tinha quase que uma... Supria todas as necessidades de todo mundo, o tempo todo. Então era outra época.
P/1 – E você costuma ir na companhia? Visitar mina?
R – Não, pouco.
P/1 – Visitar seu pai?
R – Meu pai sim, no hospital, né? Meu pai era médico, então, em geral, o médico não tem muito horário. Então, várias vezes ele ia para o hospital e depois a gente falava assim: “Ah, passa lá e me pega para gente ir em algum outro lugar”, ou mesmo ir lá para passear no hospital. Hospital para menino é muito interessante. Vai lá ver um monte de gente, um monte de engenheiro, um monte daqueles negócio lá, aqueles aparelhos, você fica mexendo.
P/1 – E como era esse ambiente de trabalho no hospital, você lembra?
R – Lembro, era um ambiente muito saudável. O pessoal era muito amigo, até hoje são, os que estão vivos ainda. Você deve ter ouvido, Doutor Barros, também era médico lá, Doutor Antônio Camilo que faleceu, Doutor Eduardo que também faleceu. Então era um ambiente muito... pessoas muito próximas, né? E os empregados da Vale iam todos lá em qualquer situação que ocorresse de doença.
P/1 – E as brincadeiras de infância? Quais eram?
R – Olha, jogar futebol na rua. Na época, esse bairro do Pará era um bairro que tinha uma parte que tinha um pessoal de classe média, que era o meu caso, e tinha também, do lado, um pessoal mais pobre. Muitos eram, inclusive, operários da Vale, bem na fronteira. Eu era bem próximo, que era o famoso Capim Cheiroso. Do lado tinha o bairro do Capim Cheiroso, e no fundo eu sempre gostei muito de jogar bola. Eu jogava futebol o dia inteiro, e eu era o dono da bola porque meu pai era médico (risos). Eu levava a bola, a bola era por minha conta, e eu gostava muito, eu era goleiro, mas era aquele negócio, o jogo que o pessoal começasse a roubar eu pegava a bola e levava para casa. Entrava, era em frente da minha casa. Na época era pedra e a gente jogava ali mesmo. Eu era goleiro, meu joelho é todo escalavrado por conta disso. Mas o negócio era que o pessoal começa a brigar e eu pegava a bola e na hora falava: “Acabou o jogo”. Ia embora para casa: “Amanhã a gente joga de novo, vocês estão muito ruim hoje, não dá não, vamos embora”. Pegava a bola e ia embora. A gente punha duas pedras para marcar o gol, duas pedras de um lado, duas do outro, marcava o gol, jogava bola. Aí se o negócio complicasse, em geral era queda de dez, quem chegasse dez na frente ganhava, mas às vezes estava seis a cinco, aquele jogo apertado, todo mundo brigando, eu pegava a bola e falava: “Vamos embora. Tchau para vocês, até amanhã”.
P/1 – E quem eram seus companheiros, você lembra os nomes?
R – Lembro. Tinha exatamente os filhos do Seu Sinval que era em frente: Tonico, Darcio, Décio, Danilo. Tinha o pessoal filho do Seu Fernando, Fernado Gonçalves, que era o Paulinho… (PAUSA) o (Quequel?), Nandinho. Tinha o filho de Seu Zé Mário que era o Rogério Lote, Roberto, Ronaldo. Tinha o pessoal do Capim Cheiroso que era o pessoal mais pobre: o Joca, o Lau Lagartixa, Jarbas, o Ronald. Então tinha uma turma bem misturada, era bem misturada mesmo. Tinha os filhos de empregados da Vale que eram muito bons de bola, que eram os filhos do Seu Bebé que era o Milton, Patuca, Zé Maria, os melhores do jogo que estavam sempre jogando, eles moravam pertinho ali. Tinha os filhos do Seu Artur Penido que era o Zé Luís, Minhocão, o Henrique. Muita gente e a gente juntava todo dia e jogava bola. Punha as duas pedrinhas de um lado e do outro. Na pedra mesmo ali, todo mundo saía escalavrado, todo arrebentado. Eu tenho um dedo que não tem unha de tanto arrancar, que eu jogava descalço e de tanto arrancar, todo dia arrancava e não dava tempo de sarar porque não podia parar de jogar bola. Acabou que um dia parou de nascer.
P/2 – Os clubes da Vale eram abertos?
R – Não. No meu caso o clube da Vale era aberto para mim, porque o meu pai é médico e tal. Mas o clube da Vale não era aberto não, era clube fechado. Vocês conheceram lá a Vila Conceição lá, o clube, o clubinho? Na época quando eu era menino, só podia ir lá médico, engenheiro... Então era fechado. E na cidade você tinha o Atlético Itabirano, e o Valério, que era o clube, eu diria, da Vale para os demais empregados. No fundo eu convivi com esses três clubes e participei de todos eles. Primeiro porque eu jogava muito futebol, então eu fui goleiro do Atlético Itabirano. Fui goleiro do Valério. Futebol de salão, fui goleiro do Atlético Itabirano. Futebol de campo, fui goleiro do dente de leite do Valério. E, no clubinho, eu ia lá todo domingo, a gente ia lá todo domingo. Todo final de semana a gente ia para lá, e domingo, em geral, a gente almoçava lá, que tinha churrasco. Tinha uma churrasqueira e meu pai sempre levava os negócios dele, churrasco e tal, com os engenheiros, com os outros médicos, e todo domingo tinha churrasco. Mas eu passei uma época um pouco mais... um pouquinho antes, quando não tinha nem o clubinho ainda, em que a gente ia na piscina da fazendinha. Vocês conheceram a fazendinha, não conheceram a fazendinha? Do lado ali na Vila Conceição mesmo tem uma fazendinha que está até em reforma agora e que só tinha ali. Lá tinha uma piscina, então, de vez em quando, a gente ia para a fazendinha.
P/1 – E a escola?
R – Eu estudei no Grupo Escolar Major Laje. Aí com todos os meus colegas de grupo, que hoje, muitos até trabalham na Vale. Tem o Eduardo Barros que vocês conhecem da fundação, meu colega de grupo, o José Maciel Paiva que trabalha na área de energia, você tem o João Pessoa que trabalha em Timbopeba.
P/1 – E sobrava tempo para estudar, com o futebol?
R – Uai, minha mãe dizia que eu tinha que fazer tarefa antes de jogar futebol. Enquanto eu não tomasse o ponto, não soubesse tudo, não ia jogar futebol. Então naquela época eu fui o melhor aluno porque não tinha jeito, se eu não tivesse tudo na ponta da língua eu não ia jogar bola. Então eu aprendia rapidinho, e a turma ficava gritando “Oh Roger!” e falava: “Calma, tá quase!”. Os caras lá na porta esperando, porque a bola era minha, então eles gritavam: “Oh Roger!!”. “Calma, estou estudando ainda.” E minha mãe ficava tomando meus pontos. Eu lá: “Já sei mãe, já sei!”. E ela: “Não, tem que saber isto aqui... Geografia ainda, vamos lá!”. E eu: “Puta Merda!”. Nesta época eu não falava “Puta Merda” porque eu era menino, essas coisas a gente não fala, hoje... a gente lembrando... um saco! Mas eu era disciplinado, esperava. Minha mãe, enquanto não terminasse... tinha que estudar mesmo, fazia tarefa, e quando acabava a tarefa: “Não, agora vou fazer uns problemas para você”. E os meninos lá fora esperando a bola. Então eu terminava e ia lá jogar bola. Dava tempo mas ela controlava.
P/2 – Conta um pouquinho da sua mãe? Um pouco da trajetória dela.
R – Bom, minha mãe nessa época só cuidava de casa mesmo, da gente, dos três meninos. Mas ela sempre foi preocupada com... preocupada não, sempre gostou desse negócio de moda, beleza. Ela, quando a gente morou aqui no Rio, ela fez aquele curso do Socila que era famoso, tinha aquele negócio de concurso de miss, tinha lá: “Socila treinou as meninas”. Aí ela fez esse curso. Então quando voltou para Itabira fez curso para todas as mulheres de médicos, de engenheiros. Então tinha aquele negócio, tinha turma, ela chegava e fazia como é que senta, como põe os talheres...
P/1 – Era um curso de etiqueta do Socila?
R – De etiqueta, isso.
P/1 – Com o livro na cabeça, caminhava...
R – É, caminhava, ficava aquele negócio, aquela confusão lá em casa, as mulheres tudo aprendendo. Eu olhava e falava: “Nossa, que trem complicado gente! Para que isto?”. A vida já é tão difícil, complicando mais ainda... Tem que andar desse jeito, senta desse jeito, por o talher assim, comer assado. Esse negócio lá em casa foi um inferno, tinha que pegar o talher desse jeito, não podia não sei o quê, levanta...
P/1 – Vocês eram as cobaias...
R – É, uai: “Cabeça firme! Cabeça para cima! Leva o garfo à boca! Não leva a boca ao garfo!”. Era um inferno. Mas foi, passou. Mas aí ela sempre foi muito determinada. Você já viu, né? Os meninos com a bola, todo mundo gritando lá para gente ir jogar bola e eu tinha que saber o ponto na ponta da língua, e se não soubesse, não ia jogar bola não. Então ela era muito determinada e gostava... gostou desse negócio. Então fez. Aí depois, antes dela mudar para Belo Horizonte, ela fez um curso de esteticista. Na época quando ela fez eu falei: “Ah mãe, não precisa disso nada!”. Na época ela já tinha seus quarenta anos, por aí, eu dizia: “Não precisa disso não, para que você vai mexer com isso?”. “Não, eu vou sim. Vou trabalhar como esteticista.” Eu dizia: “Isso é conversa fiada sua, você vai arrumar só uns cremes para você pôr na cara, e tal. Isso aí é só para você se divertir e arrumar uns cremes”. “Não, eu vou trabalhar com isso.” “Então tá bom, se você trabalhar com isso, eu te dou uma agenda todo ano, para o resto de sua vida.” “Vai ver, você vai ter que me dar uma agenda.” Todo ano eu vou lá entregar a agenda para ela: “Toma a agenda deste ano mãe”. Porque até hoje ela está lá com esteticista e trabalha...
P/1 – Me descreve sua mãe fisicamente nesta época?
R – Minha mãe? Minha mãe é de estatura média mesmo, um metro e sessenta e cinco… um metro e sessenta e seis, por aí, magra, loura, pintado o cabelo, pele muito clara. Eles falam que ela era muito bonita.
P/1 – O que você acha?
R – Eu acho que tem muito creme (risos). Porque tem esse negócio de passar rímel, passar sombra, passar... Não tem jeito. Então capricha, e ela sempre foi muito vaidosa. Sempre se vestiu muito bem, tem bom gosto, não é? E nessa época era muito colorido, sempre tinha aqueles negócios tudo muito colorido, aquela sombra colorida... Mas ela sempre foi muito cuidadosa com isso. Até hoje ela é muito vaidosa. Tanto que ele me perguntou, quando ela nasceu... se eu falar aqui eu apanho! Até hoje (risos). Mas ela está viva até hoje, mora em Belo Horizonte, continua esteticista... Mas ela sempre foi muito determinada no que diz respeito a ensinar tudo para gente em fazer a gente ser pessoas muito... determinadas mesmo, ser muito sério em tudo que faz, ter muita seriedade em tudo que faz. Então isso a gente aprendeu muito com ela e com o meu pai também. Meu pai tinha uma consciência social muito forte, politicamente. Ele lia muito, meu pai sempre leu demais da conta e sempre teve uma atuação política, apesar de nunca ser político. Ele nunca foi candidato a nada, não tinha o menor cacoete para ser candidato a nada, mas ele sempre influiu na política da cidade, sempre trabalhou. Desde ter origem, na época, ele fala, que a origem dele era PSB, na época do PSB antes da revolução, depois MDB, depois PMDB e depois sei lá o quê, depois complica, fica mais difícil. Mas pelo menos nesse período, enquanto teve a ditadura, regime de recessão ele sempre trabalhou muito. Depois ele sempre continuou gostando e tal. Mas ele sempre teve esta atuação muito social, porque ele era médico, pediatra, e tinha muita consciência de democracia. Vou contar uma dele aqui, só para você ter um exemplo. Teve uma vez que na época, um governador ___________ lá em Itabira. E meu pai era médico, muito amigo do Schettino. Na época o Schettino era presidente da Vale, e meu pai nunca teve papa na língua para nada. Nunca deveu nada a ninguém. Então o Schettino apresentou: “Esse aqui é médico pediatra, meu amigo” e tal... E meu pai falou: “Governador, eu admiro muito a carreira do senhor, o senhor foi deputado aqui, deputado ali, deputado cá, mas agora tem um negócio que eu não entendo. Como é que um homem com uma biografia desta aceita ser governador biônico”. Na lata. Diz que o Schettino saiu puxando, o (Aureliano Chaves?) saiu correndo. Sempre foi muito sincero, nunca deixou para depois não. Então politicamente ele tinha uma posição muito firme e sempre passou isto para gente: “Você tem que ter sua posição. Você pode ser o que você quiser, pensar, mas naquilo que você for tem que ser firme, não pode transigir”.
P/2 – Como que isto refletia dentro de casa, na educação de vocês?
R – Uai, no fundo nós sempre tivemos um relacionamento muito bom na família, né? Meus dois irmãos... E a gente sempre... meu pai sempre, durante o dia, muito preocupado com os cliente dele, e ele com esse negócio de ficar cuidando de menino o dia inteiro, quando a gente chegava: “Pai estou doendo aqui”. Ele dizia: “Procura um médico, menino! Não perturba não!”. Ele gostava muito de ler, então ele lia no mínimo dois jornais por dia neste tempo todo. Era médico e ainda lia dois jornais por dia. Na época, lá em casa, era o Jornal do Brasil e o Estado de Minas. Depois, em Belo Horizonte, era Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Gazeta, quando morou em Belo Horizonte. Mas, quando ele chegava em casa, ele tinha muito pouco tempo para gente, talvez a gente também tenha pouco tempo para os filhos da gente. Gostava muito de futebol também, então o contato que a gente tinha com ele era por causa de futebol ou algum jogo que ele gostava de jogar, tipo totó, a gente jogava totó. Mas eu sempre tive um relacionamento muito próximo com ele, muito próximo, a gente foi amigo a vida inteira. Sinto muita falta dele, exatamente com algum acontecimento político, ou mesmo de futebol, continuo com o reflexo de tentar ligar para ele para conversar. Ele morava em Belo Horizonte e eu aqui, então acontecia qualquer coisa e eu ligava: “E aí pai, o que você acha...”.
P/1 – E, o bom humor, ele tinha?
R – Tinha, mas era felino, era muito mais felino do que eu. A língua de trapo, danado. Então se ele quisesse falar com você, ele falava. Num tinha esse negócio. Todo mundo achava ele muito engraçado e tal. Ele soltava uma dessas do Aureliano, assim na lata, sem se preocupar. Tem várias dele. Ele era uma pessoa meio esquecida em algumas coisas, então, às vezes, ele saía com uma meia de uma cor, outra meia de outra, um sapato de um pé, outro de outro. Não tinha desse negócio não. Ele não podia ter caneta ou termômetro. Ele pegava uma caneta sua e ali ele deixava a que você emprestou para ele, e no outro lugar ele pegava outra. Então ele não tinha caneta nem termômetro. Onde ele fosse ele pegava a caneta que tinha e o termômetro que tinha. E pente... mas pente ele tinha lá em casa. Depois de um tempo, minha mãe cansou tanto, que lá em casa tinha no mínimo duas caixas de pente, aqueles pentes Flamengo, sabe qual? Porque não tinha jeito! Então tinha lá, todo dia ele pegava na caixa, porque aquele pente ia sumir. Ele punha no bolso, tirava para pentear e tal, mas em algum lugar ia ficar aquele pente. Então... tinha uma Rural que dirigia mal que era uma desgraça. Esquecia às vezes que tinha esse negócio de contramão... era uma confusão. Todo mundo sabia na cidade.
P/2 – Era famoso isto? (risos)
R – Era. O que vai fazer, cada um tem sua habilidade, né?
P/2 – Vocês tinham programas familiares?
R – Tinha. Como eu falei com você, todo domingo a gente ia para o clubinho almoçar e passava o domingo lá, a gente, em geral, quando tinha jogo do Valério a gente ia. A gente de vez em quando, no sábado à tarde, ia pescar ali nos rios próximos. A gente pescava sábado à tarde. Isso não era religioso não, mas eventualmente a gente ia. E durante a semana eu sei que ele gostava de visitar os amigos dele à noite. Então ia na casa de um amigo, de outro... ele levava a
gente. Tinham primos em Itabira, a gente estava sempre se encontrando, meus primos sempre foram muito amigos meus, até hoje continuam sendo. Então a gente estava sempre junto.
P/1 – Você ficou até que idade em Itabira?
R – Fiquei até quinze anos. Aí quando eu fui fazer científico, eu mudei para Belo Horizonte. Morei um ano com um tio meu, em Belo Horizonte, e depois morei numa pensão por mais dois anos. Esse era o _________ em Itabira. Você vai até o científico e do científico em diante você ia a Belo Horizonte para fazer científico e depois fazer faculdade. Eu estudei durante três anos no Colégio Santo Antônio. Era um colégio apertado para danar. Estudei para burro! Mas foi muito bom ter morado também numa pensão por um período, porque aí você aprende a ter uma convivência social mais próxima com as pessoas e consegue identificar e viver melhor com as diferenças. Diferenças de cultura, de famílias...
P/1 – Mas era para você uma mudança grande Itabira - Belo Horizonte, ou essa passagem pelo Rio já tinha minimizado isto? O fato de você ter ido sozinho....
R –
Não. Não. Quando eu vim para o Rio, veio a família, e foi um ano. Eu diria o seguinte: eu tenho pouca lembrança. O que eu lembro do Rio é o colégio... Sagrado Coração de Jesus que tinha aqui na praia de Botafogo e eu ia para lá, estudei um ano lá. Aliás, lembro que fui muito bem recebido, os meninos lá sempre me trataram bem. Lembro pouco dos colegas, mas...
P/1 – Você tinha que idade?
R – Sete anos. Lembro da professora Dona Lúcia... então, gostava muito daqui, mas tenho pouca lembrança. Lembro que eu tinha poucos amigos. Lembro que tinha um lugar que a gente jogava bola. Eu lembro que eu tinha tão poucos amigos que eu jogava bola com a empregada. O negócio era jogar bola. Eu lembro que eu punha ela lá e dizia: “Agora você vai chutar para mim”. E ficava chutando bola. Alguns de vez em quando e tal... Então tenho poucas lembranças. A gente
morou em cima do Cine Paissandu, todo mundo conhece o Cine Paissandu. Nosso prédio era exatamente o prédio do Cine Paissandu, ali no Flamengo. Mas eu recordo pouco, tenho pouca recordação.
P/1 – E Belo Horizonte, como foi?
R – Belo Horizonte foi ótimo. Foi uma época... olha este período de adolescência, de quinze a dezoito anos, é um período muito rico na vida de cada um. Foi uma mudança, mas uma mudança, para mim, ótima. Primeiro que você saí daquela proteção da família, que afinal de contas, tudo, quando você mora no interior, tudo caí na sua mão. Em casa tinha uma empregada, tem até hoje, que ela está com minha mãe até hoje, e você queria comer um omelete e ela batia o omelete, aquela delícia de omelete. Queria filé com ovo, batia um filé com ovo, ou então: “Faz um doce de leite para nós...”. Então tudo acontecia, e ela até hoje é assim, você quer um pão de queijo, vai sair um pão de queijo.
P/1 – É a mesma com quem você jogava futebol?
R – Não, essa é a cozinheira, a outra é a babá.
Essa cozinheira está até hoje lá em casa, mas ela cozinha maravilhosamente bem. Mas menino nessa idade de catorze, treze, doze anos é cheio de frescura para comer. E tendo alguém para atender as frescuras... Então, quando eu mudei para esta pensão, eu tive que aprender a comer o que tinha. Eu comia o que tinha lá. Então você chega lá e está lá aquela comida ruim... Tinha dia... o que eu fazia... dizia: “Hoje estou danado...”. Eu pegava arroz, feijão... o arroz e feijão deles era gostoso. Punha farinha em cima, aquela farinha branca, e enchia de pimenta e comia porque aí também.. tudo temperado. Porque tinha uma carne, que se olhava para carne e a carne estava azul, eu pensava: “Essa não vai dar...”.(risos). De vez em quando tinha lá no canto aquelas verduras mais danadas: “Não vai dar não, hoje vai ser arroz, feijão, farinha e pimenta”. E eu enchia aquele trem de pimenta. Ficava quase pegando fogo e comia. Então eu aprendi a comer. Porque eu era muito chato. Em casa só faziam aquela comida gostosa: “Hoje eu não quero suflê de queijo, não! Eu quero ovo. Dois ovos!”. E o pior é que o ovo não podia nem estourar, estourava o ovo eu falava: “Não que esse ovo não, estourou”. Porque você quer estourar, passar o garfo em cima do arroz, aí você “tum” estoura e cai aquela... Estourava, né? “Não quero isto aqui não, faz outro!” E ela fazia. Passou o tempo depois eu vi que bobagem, desperdiçando e tal. Mas na época a gente conseguia... menino, treze, doze anos consegue tudo com empregada que praticamente viu você nascer.
P/2 – Você tinha amigos em Belo Horizonte?
R – Tinha, basicamente o pessoal de Itabira. Como eu falei com você, a maioria das pessoas ia para lá para estudar. Então, a gente, de quinze em quinze dias, voltava para Itabira e se encontrava em Itabira. De quinze em quinze dias ficava lá. Aí, quando ficava lá no final de semana, se já tivesse namorada ia dar uma namorada primeiro e depois encontrava com a turma. Ou, se não tivesse ainda, saía com a turma e tal. Ia fazer bagunça na cidade. Em geral a gente fazia mais bagunça do que tudo. Coisa de adolescente bobo. A gente, em geral, quinze, dezesseis anos não podia beber ainda, então o que a gente fazia? Chegava no sábado de manhã, ia para o supermercado, comprava uma pinga. Porque todo mundo estudante é duro, não adianta. A gente comprava pinga e marcava de ir para um lugar, ou numa república, ou na pensão onde eu morava, ou numa outra república. Levava uns limões, ou, às vezes, nem limão nada. Limãozinho, açúcar e tomava com a garrafa de pinga. Enquanto não acabasse, tivesse... menino de quinze, dezesseis anos... então tinha que acabar com a garrafa de pinga. Saía tudo tonto e fazendo bobagem. Menino de quinze, dezesseis anos tonto não tem raciocínio. Já não tem raciocínio normalmente. Bêbado é pior ainda, então fazia confusão pela cidade inteira e ia para casa dormir, no sábado. Acordava tarde no domingo e tal, mas era bagunça o tempo todo. É uma turma que até hoje a gente continua encontrando, tem amizade...
P/1 – E o futebol, você continuava?
R – Continuei. Enquanto eu estive em Belo Horizonte tinha o meu colégio, colégio Santo Antônio. Ele estava ligado ao Arsenal, que é um clube de Belo Horizonte de futebol de salão, que disputa campeonato e tal. Então, eu disputei o Campeonato Mineiro pelo Arsenal como goleiro, não era titular. A gente disputou o Campeonato Mineiro durante dois anos. Quando eu fui para o terceiro científico aí eu parei mesmo, porque aquele ano eu tinha que me dedicar para passar no vestibular.
P/2 – Torcia para que time? Torce?
R – Claro que eu torço! Eu sou Atlético Mineiro.
P/2 – Seu pai também?
R – Não, meu pai é América. E meu irmão Cruzeiro. Então, lá em casa, tinha todos os gostos.
P/1– Democrático.
R – Muito.
P/2 – Muita briga?
R – Acho que até demais sabe. Lá em casa não tem esse negócio não. Em casa o menino pode ser qualquer time, desde que seja Atlético Mineiro... (risos)
P/1 – E você ia ao estádio, ao Mineirão?
R – Ia sim. Principalmente no meio de semana, porque tinha aquele jogo no meio de semana bem... que vai pouca gente. Então a gente ia. Chegava numa quarta-feira e a gente ia de geral, porque este negócio de estudante duro... então a gente ia sempre de geral. Ia lá, às vezes tomava uma cerveja, às vezes não tomava nada, tomava coca-cola. Mas o negócio era ir para ver o jogo. A gente ia muito ao Mineirão sim, e quando o meu pai ia lá no final de semana, a gente ia também.
P/1 – Algum em particular te marcou? Algum jogo? Alguma decisão?
R – Não, eu diria o seguinte: futebol, para mim, o que me marcou até hoje, é um jogador. É o meu ídolo para o resto da vida. É o Reinaldo. Ele jogava demais da conta. Eu joguei contra ele quando eu jogava no Valério e ele jogava muito mesmo. Era muito diferente de qualquer destes outros jogadores que eu vi jogar. Foi o meu ídolo no Atlético Mineiro, nesta época, exatamente, que o Atlético Mineiro tinha um grande time e ele era o grande jogador do time. Ele e o Toninho Cerezo. Então, essa época, foi muito feliz ser atleticano. Foi muito bom, apesar do Flamengo ter roubado algumas vezes da gente. Tem flamenguista aí? (risos)
R – Mas o Atlético... meu menino é atleticano mesmo. É engraçado, quando ele nasceu, ele nasceu aqui no Rio, os coleguinhas dele eram a maioria Flamengo. Ele começou sendo flamenguista. Eu falei assim: “Olha filho, você pode ser o que você quiser, esse negócio de time de futebol é cada um mesmo...”. Ele falou: “Não... eu sou Atlético em Minas tá pai?”. Eu falei: “Tá legal. Não tem problema, esse negócio não tem problema”. Passou um tempo, e o Flamengo começou a perder muito. Uma época que ele andou perdendo, perdendo, perdendo... Nós fomos no Maracanã uma vez e ele falou: “Pai, eu acho que eu vou mudar de time, não vou ser Flamengo mais não”. Eu falei: “Olha, você sabe que eu não gosto do Flamengo, né?”. Ele falou: “Sei”. Eu falei: “Eu não gosto do Flamengo, mas lá em casa não tem vira folha não. Esse negócio de escolher time é uma vez só na vida. Esse negócio de ficar mudando...”.
“Então pai, eu vou fazer um negócio: eu não sou mais Flamengo, mas sou só Atlético.” Eu falei: “Então agora perfeito!”. (risos). Sem forçar.
P/2 – E a trajetória do Valério, você acompanhou?
R – Acompanhei. Acompanho até hoje, é que agora tá meio difícil que segunda divisão não sai nem no jornal. Mas enquanto estava na primeira divisão... Sempre acompanho, sempre pergunto. Quando tem jogo do Valério eu sempre ligo na segunda-feira: “Como é que é? O time jogou alguma coisa? Jogou bem?”. Eu sou valeriano. Fui atleta do Valério como goleiro. Depois, sempre acompanhei e torço para que o Valério volte a.... Eu acho difícil, é outros tempos, a companhia é outra, as prioridade na cidade são outras também. Não pode também você separar... tem que saber separar a paixão da razão. Não sei se seria tão importante para Itabira ter um clube como Valério disputando o Campeonato Mineiro de futebol. Acho que as prioridades na cidade são outras mesmo. Não necessariamente o sucesso do Valério é o sucesso da cidade e das pessoas que moram lá. Mas para mim na época da infância e da adolescência, e até agora, eu sempre acompanho. O que der para acompanhar eu acompanho.
P/2 – Você lembra grandes times, grandes jogadores do Valério?
R – Tem. Tem um jogador que jogou no Valério e está até hoje jogando no Palmeiras. Aquele Alexandre, zagueiro, foi do Valério, começou a carreira dele no Valério. Tem o Saulo que jogou no Atlético Mineiro, jogou no Paraná, Palmeiras. Ele foi do Valério. Você tem o Milton, centroavante, talvez um dos melhores jogadores que o Valério já teve. Ele jogou no Flamengo, no Palmeiras, depois jogou no México muitos anos... o Miltão. Tem um meia que foi bom e depois jogou no Atlético, o Luís Alberto, que foi um bom meia. Teve um zagueiro, chama Zé Borges, também foi muito tempo zagueiro do Valério depois foi para o América e fez sucesso. Na época tinha campeonato de seleção e ele sempre jogava na seleção mineira. O Valério teve bons jogadores. Era um time, eu diria, tradicional em Minas. Foi várias vezes campeão do interior, mas lá em Minas não tinha muito jeito não. O campeonato Mineiro era Atlético, Cruzeiro e eventualmente América. Mas dava para divertir bem.
P/1 – E na época de juventude, as festas, namoradas?
R – Olha, eu diria que todos nós temos este período. Em Itabira muito. A gente tinha aquelas festinhas de todo final de semana e nas férias era quase todo dia mesmo, com aquelas luzes vermelhas, verdes e tal, que ficavam piscando...
P/1 – Que tipo de música tocava?
R – Tocava esses rock, mas o bom era quando tinha alguma música lenta. Esse negócio de ficar muito rock, que ficava muito longe não dá não. Bom era quando tinha uma música lenta que dava para ficar mais pertinho e tal, dançar. Porque a menina gosta de você ficar dançando assim. Então o que a gente gostava era da música lenta. A gente ficava: “Ô fulano! Põe música lenta aí sô!”. Aí tinha baile, depois mais... Quinze, dezesseis anos tinha os bailes em que a gente ia. Mas eu comecei a namorar minha esposa muito cedo. Quando eu ia fazer dezessete anos eu comecei a namorar. Era o seguinte: estava tendo um baile lá em Itabira. Um baile bom sô... não, o baile estava mais ou menos. Aquele negócio estava meio morno e tal, e aí eu fiquei sabendo que tinha uma menina que estava interessada. Eu pensei assim: “Sabe como que é o negócio, o baile tá mais ou menos e tal, tem um menina interessada... vou lá hoje... meu aniversário está chegando e vou ganhar presente” (risos). Fui lá e comecei a namorar. Aí quando eu comecei a namorar um amigo meu me disse: “Ih! Você vai encanar aí”. Eu falei: “Que nada rapaz, no Réveillon eu termino esse negócio. Até o Réveillon isso já acabou”. Era final de outubro, início de novembro. Meu aniversário é em 13, então acho que foi dia 6: “Assim ganho presente de aniversário e ainda dou uma namorada neste baile... tá ótimo!”. Aí eu disse para o amigo meu: “Até o Réveillon isso já acabou”. Ele disse: “Que nada! Ela vai agarrar em você!”. “Que nada!” “Então vamos apostar?” E eu respondi: “Está apostado! Uma garrafa de vodka!”. Tive que pagar a garrafa de vodka.
P/2 – Você não é bom para apostas, hein? (risos)
R – Não!
P/1 – Você agarrou nela, foi isso, né? (risos)
R – É, certamente, e estou até hoje. Aí casei com ela. Ela tinha na época catorze anos. É lógico que neste intervalo tem briga, né? Até casar teve muita...
P/1 – E você ia de Belo Horizonte para Itabira nos finais de semana?
R – É, ia. Mas aí logo ela... na época eu já morava em Belo Horizonte, e ela também foi estudar em Belo Horizonte, então a gente... quase tem uma vida em comum juntos. Ela já tinha quinze anos, então também foi estudar em Belo Horizonte. Depois, quando eu vim para o Rio, um ano e meio a gente casou. Então, esse negócio de muita namorada, não tenho muita história disso não.
P/2 – Mas você lembra da primeira namorada?
R – É muito difícil você falar “primeira namorada”, porque você tem meninas que você... aquele negócio de menino, de grupo, que não é bem namorada. Aquele interessezinho tem, isso eu sei quem é e tal. Era a Jane (Cotto?), mas não é, assim, namorada mesmo. Tem lá umas coisas assim, mas nada...
P/1 – E você chegou no vestibular, e você...
R – É, eu fiz vestibular para economia. Tem um negócio interessante. Quando eu resolvi o que eu queria fazer, eu fui falar em casa. Eu lembro que estava um almoço lá em casa, eu cheguei de Belo Horizonte... “Ó pai, resolvi o que eu vou fazer vestibular”. “O quê?” “Economia.” Ele quase caiu da cadeira. Porque ele imaginava que o filho mais velho... a gente sempre foi muito próximo a ele... que eu fosse fazer Medicina. Ele perguntou: “Você não vai fazer Medicina?”. “Não.” “Nem Engenharia?” Eu falei assim: “Oh pai, eu não dou para engenheiro. Eu não sei riscar um lápis, uma reta. Como você quer que vou fazer Engenharia? Eu gosto é de ler. Então, eu gosto de História, eu gosto de... Matemática eu sou bom, então eu acho que Economia é mais adequado”. Ele ficou uns três meses para acostumar com a ideia de eu fazer Economia. Então ligava para todo mundo, perguntava o que era Economia, o que estudava, e não sei o quê. Até que ele se conformou. E é engraçado porque no fundo depois quando... E também nunca passou pela minha cabeça trabalhar na Vale do Rio Doce enquanto eu fiz Economia. Eu fazia Economia com outra cabeça. O sujeito com dezesseis, dezessete anos pensa diferente. Eu acabei na Vale e ele tinha um orgulho danado. É um negócio interessante. Mas quando eu falei com ele que ia fazer Economia, eu lembro, ele quase caiu da cadeira. Ele estava almoçando e levou um susto!
P/1 – Mas na sua geração era uma carreira em ascensão, não? Nessa época.
R – Eu diria que talvez sim, mas para nós lá do Interior, de Itabira, a carreira importante era médico e engenheiro. Principalmente para Vale. Vocês que estão acompanhando aí... a trajetória da Vale é muito de engenheiro. E economista muito menos. Então Economia ele levou um susto sim. Primeiro, ele esperava mesmo que fosse médico, quando eu falei que não era médico...
P/1 – Algum dos filhos seguiu a carreira médica?
R – Os dois. Todos os dois são médicos lá em Belo Horizonte.
P/2 – E não passava mesmo pela sua cabeça trabalhar na Vale, mesmo numa época...
R – Não, eu diria o seguinte: eu comecei a pensar em trabalhar na vale no dia em que eu formei. No que dia que eu formei que uma pessoa me convidou para ir trabalhar na Albrás. Eu pensei: “Acho que vai ser bom”. Eu ia morar aqui no Rio, mudar para cá, eu achei que ia ser uma boa.
P/1 – E o curso de Economia, qual era o formato deste curso? Ele tendia mais para uma economia política, uma economia matemática?
R – Política. Eu diria que a faculdade na época, e não sei como é que está hoje, tinha uma grande falha. Ela tinha muito uma tendência de preparar você muito para a vida acadêmica. É lógico, é importante, você precisa ter um conhecimento acadêmico, mas você tinha que ter uma visão e um aprendizado maior nas coisas mais práticas. E a faculdade naquela época de 1976 a 1980, que é um período efervescente no país, de redemocratização do país, a gente ia para as ruas para correr da polícia, para falar “Democracia!” e tal. A gente participou, lógico, nesta época todo mundo participou deste tipo de evento. Então, o ensino tendia muito para isto, para um lado muito acadêmico e no meu caso também. Então, quando eu comecei minha vida profissional, eu ressenti muito disso. Eu tive que me reciclar por mim mesmo e procurar saídas no que diz respeito a uma economia mais ligada para empresa. Isso não existia na faculdade. É lógico que a faculdade te dá aquele senso crítico necessário para você entender as coisas, mas podia te dar uma formação mais rica, mais embasada. Eu senti muito isso. Não sei em outras atividades, mas eu senti isto na Economia. Tive que, ao longo do tempo, procurar mudar isto.
P/1 – E você participava do movimento estudantil dessa época?
R – Claro! Quem não participou nesta época? Tinha que ser muito alienado para não participar. Então de D.A... escrevia no jornalzinho da escola. Mas, eu diria que eu era mais moderado. Tinha um pessoal mais... aquela turma da Libelu – Liberdade e luta, que era meio porra louca demais. Então tinha Centelha, Libelu... então a gente era mais moderado, mexia um pouquinho também no cineclube. Tinha o cineclube da Face que era um cineclube importante, que passava aqueles filmes... todos que não passavam no circuito.
P/1 – Qual, por exemplo?
R – Esses filmes de Fellini, todos eles passavam no Cineclube da Face, a gente conseguia, aqueles negócios. Então enchia! Ficava aquela fila e tal, e a gente pensava: “Será que a polícia vai aparece?”. Mas eu diria que tinha uma certa... a polícia também tinha... não preocupava tanto com isto. Então aqueles filmes todos, na época proibidos, a gente assistia no Cineclube da Face. Esses filmes, às vezes, complicados rapaz! Hoje eu fico pensando que a gente entrava no filme, saía e ficava discutindo a noite inteira depois. Cada um falando uma coisa, e ninguém entendia nada (risos). Ou a gente não entendia... porque os filmes eram complicados demais! Nossa senhora! Hoje eu fico pensando: “Que isso gente?”. Como é que a gente naquela época achava ótimo. Não sei se vocês passaram por isto também? (risos)
P/2 – Um pouquinho.
R – Saía, discutia a noite inteira, tomava cerveja, discutia aquele filme, cada um achava uma coisa completamente diferente. E aí quando convergia com você era uma alegria: “Oh! É isso mesmo!”. E ia dormir com aquele negócio. E hoje acho que passou essa época, mas, passando o tempo, na época, a gente achava tão importante assistir aqueles filmes, procurar interpretar e tal. Foi uma época que a gente não pode deixar de viver.
P/2 – Você foi para congresso estudantis, assembleia, chegou a frequentar isto?
R – Sim, cheguei a ir em alguns congressos. Até lembro de um congresso que eu fui em São Paulo, em que um dos oradores era o Suplicy, quando ele não era nem famoso, era só professor.
P/1 – E nesta época, por exemplo, quem poderia ser considerado um bom economista, na sua visão?
R – Na época era o Celso Furtado, você tinha o Celso Furtado como ícone. Você tinha uma admiração muito grande pela aquela turma... o próprio Fernando Henrique na época era ícone para gente. Você tinha o José Serra, era um economista respeitado. Você tinha um time grande de economistas vindos da USP e vindos da Unicamp que eram muito... João Manuel de Mello, que depois trabalhou no governo também. Eram economistas muito conceituados na época.
P/1 – E quando você terminou a faculdade como é que foi, você encontrou logo emprego?
R – Encontrei. Como eu falei com você, na minha formatura, uma das pessoas que trabalhava, era amigo do meu pai, trabalhou lá em Itabira muitos anos, que vocês entrevistaram, que é o Renato (Moretzsohn?). Ele virou assim: “Oh Roger, você está formando...” – foi na minha formatura – “você não quer trabalhar comigo não?”. Eu falei assim: “Uai, eu tenho que arrumar emprego mesmo...”. Ele falou: “Não, nós estamos lá na Albrás e você pode começar na área de orçamento. A gente está recrutando pessoas para começar a implantação lá da Albrás”. “Está bom, topo sim.” Nem perguntei quanto que eu ganhar. Este negócio era detalhe. O importante era começar a trabalhar, ainda mais naquela época de 1980... esta crise que é permanente de emprego. Na época de 1980 já existia isso. Então ele me chamou e eu falei: “Então vamos. Vamos sim”.
P/2 – E tinha economistas na Vale?
R – Tinha. Já tinha tido um presidente economista! Era o Fernando Roquete Reis. Fernando Reis era economista. E ele fez um trabalho... é engraçado que o Fernando Reis foi um presidente de uma época muito diferente. Ele mudou muita coisa na Vale. A gente vê várias mudanças. Eu vejo, a Vale, sempre teve muitas mudanças. O Roquete Reis, quando entrou como presidente, ele trouxe muita gente de fora, e fez muitas mudanças na companhia. E que na época, eu como adolescente, menino, eu escutava meus pais comentando, os engenheiros e tal, e não tinha dimensão do que era uma mudança numa empresa. Então ele fez muita mudança. Ele diversificou, criou a diversificação, fez muitas mudanças no que diz respeito à forma de tratar o empregado, retirou algumas, aí eu diria mesmo “mordomias” que existiam na companhia, enxugou a estrutura um pouquinho. Então ele foi um presidente, que às vezes muito poucas pessoas falam dele e tal, mas ele, lembro disso. É engraçado que a gente acompanhou a trajetória destes vários dirigentes, desde engenheiros, lá em Itabira, que depois foram chegar até diretor ou presidente da companhia. E no caso do Renato, na época: “Você quer?”. Eu falei: “Quero”. E vim trabalhar aqui na Albrás, na rua da quitanda, depois na rua do mercado. Aí eu trabalhei durante seis meses, porque ele foi convidado para trabalhar na implantação que era o superintendente.... não. Presidente da Amza primeiro. Aí, quando ele foi, eu pensei: “Não vai dar nada, esse cara me chama para cá com quatro meses, eu estou começando a vida ele vai para outro lugar... Não sei não, eu aqui no Rio perdido...”.Recolher