Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de José Pitella Júnior
Entrevistado por José Carlos e Rosana
Rio de Janeiro, 30/03/2000
Realização Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV008
Transcrito por Paulo Esteban Viscaino Prata
Revisado por Ana Calderaro
P/1 – O senhor pode falar só um pouquinho, alguma coisinha, só pra gente regular aqui a voz do senhor?
R – O meu nome é José Pitella Junior, engenheiro civil, casado... (riso) Tá bom?
P/1 – Mais um pouquinho.
R -
Mais um pouquinho...
P/2 – Bom pra começar de verdade, agora. O senhor poderia falar seu nome completo, a data de nascimento e o local?
R – Meu nome é José Pitella Júnior, nasci em Ponta Grossa no Estado do Paraná, em 29 de novembro de 1923.
P/2 – Os pais do senhor são de lá também?
R – Os meus pais... A minha mãe é de Ponta Grossa, meu pai é de Tibagi, Estado do Paraná.
P/2 – Seus avós?
R – Meus avós, os pais de meu pai, o nome do pai de meu pai era Francisco Maria Pitella e o nome da minha avó era Maria Antonia Pitella. Aliás, tem até um sobrenome no meio que era Isquitini, eles vieram da Europa, Itália, eram originários de Lauria. Lauria fica ao sul da Itália, fica a 210 quilômetros, mais ou menos, de Roma, ao sul, próximo de Maratea, a quarenta quilômetros de
Maratea. Maratea é uma cidade balneária do Mediterrâneo na Itália, é muito conhecida, muito procurada pelos italianos. E meu avô veio para o Brasil, foi uma determinação, eram três primos: um veio para o Paraná; outro foi para Santos Dumont, em Minas Gerais; e o terceiro veio para São Paulo, pra Limeira. O meu avô foi prá Tibagi. Então, por que ele preferiu Tibagi? A preferência foi que, naquela época, o Rio Tibagi era muito conhecido por ser um rio diamantífero, então, esses estrangeiros que vinham para Brasil eram sempre atraídos por alguma coisa importante. Tibagi era um Município um pouco pobre e ele veio e instalou uma casa de comércio, o primeiro cinema de Tibagi, ainda com máquina manual naqueles rolos com parada por partes, recebiam os filmes que vinham através de Ponta Grossa. E um tio meu tinha o que chamavam naquela época de diligência, era um ônibus rústico que fazia o trajeto de Ponta Grossa à Tibagi, porque era uma estrada que não tinha revestimento nenhum, passava muitos rios, passava aval, levava cinco, seis horas para ir de Ponta Grossa e, quando chovia, às vezes era intransitável. Assim foi. Lá nasceu meu pai. Meu pai nasceu em oito de julho de 1900, ficou até a idade de oito anos em Tibagi. Depois meu avô transferiu-se para Ponta Grossa, se estabeleceu em Ponta Grossa com casa e comércio, e ficou um tio meu com aquele patrimônio de cinema, a casa de comércio. Em Ponta Grossa meu pai estudou e conheceu minha mãe na Escola Dante Alighieri, os dois estudavam lá quando se conheceram. Meu pai fez um bom curso e foi convidado com dezessete anos para ser procurador do Banco Francês Italiano para a América do Sul em Ponta Grossa, depois que tinha conhecido minha mãe. O nome do meu pai José Pitella é óbvio, porque eu sou José Pitella Júnior, e minha mãe é Helena Guzzoni Pitella, os pais dela também italianos. Fui fazer uma referência agora a parte, mas eu queria concluir essa questão dizendo que meu pai, aos dezessete anos, foi procurador do banco e se casou com dezenove anos, e minha mãe com dezessete anos.
P/1 – Novos...
R – Novo. Agora vou voltar ao meu avô materno. O nome dele era Luigi Guzzoni e minha avó era Virgínia Gugelmin Guzzoni, tanto assim que temos um certo parentesco com o menino aí da Fórmula 1.
P/1 – Da corrida?
R – Agora, parece que está na Indy. Mas esses à parte não tem problema que eu vá fazendo?
P/2 – São ótimos.
R - Eles vieram da Itália e foram se radicar no Município de Morretes, num local chamado Anhaia. Agora, não sei porque ele foi prá lá, sei que depois ele foi pra Ponta Grossa e, em Ponta Grossa, ele tinha um hotel bem em frente a estação de Ponta Grossa, que chamava-se Hotel Guzzoni. Eu já te falei que meu pai conheceu minha mãe no Dante Alighieri, casaram, tiveram três filhos... Quando meu pai tinha dezenove anos, casou, com vinte anos já era pai, e aos 39 anos era avô, muito cedo. E os três... Foi primeiro minha irmã, que se chama Enid Pitella, é lógico; eu, José Pitella Júnior, porque meu pai chamava José Pitella; e Antonieta era minha irmã mais moça.
P/1 – Ponta Grossa era um centro?
R – Ponta Grossa era o seguinte: sempre Ponta Grossa era, e é hoje, um centro rodoferroviário no Estado do Paraná. As estradas de ferro convergem para Ponta Grossa. Quer dizer, as estradas que vem, digamos, de Curitiba, estrada de ferro de Curitiba-Ponta Grossa; depois tem estrada que vai Ponta Grossa-Jacarezinho; Ponta Grossa, que vai a Itararé, que é São Paulo; a estrada de ferro que ia de Ponta Grossa a Porto União ou então Ponta Grossa-Mafra... E agora tem essa estrada que é a estrada do café, que ela vem de Apucarana-Ponta Grossa, e tem a que vai de Ponta Grossa-Guarapuava e vai pra Cascavel, esta estrada de rodagem segue o mesmo trajeto. Ponta Grossa, era a segunda cidade do Estado, mas depois Londrina e Maringá tomaram um desenvolvimento muito maior. Ponta Grossa fica situada num morro, dizem que era o ponto mais alto da região, soltaram um casal de pombos e eles foram pousar naquele ponto mais alto. Sei que é uma cidade também chamada de “Princesa dos Campos” e também chamada “Capital Cívica do Paraná”, porque na arrancada do Getúlio, na época da Revolução, em 1930, ele ficou três dias em Ponta Grossa como sede do Governo.
P/1 – Predominantemente italiana?
R – Não, é uma imigração bem mesclada: italianos, alemães, eslavos, russos... Inclusive, em Ponta Grossa tem um bairro que se chama Nova Rússia. Desenvolveu, não tenha dúvida, é uma cidade, agora tem impetuosidade, a capital mundial da soja. Quando você chegar na estrada de rodagem, chegando em Ponta Grossa, tem um cartaz lá: “Capital Mundial da Soja”. É uma ufonia, mas… Comecei meus estudos em Ponta Grossa, de irmãs, no Colégio Santana. Depois passei para o Liceu dos Campos e fiz a parte primária. Depois fiz o exame de admissão para o Colégio Regente Feijó, ginásio era chamado, estudei dois anos. Em 1934 meu pai foi transferido de Ponta Grossa para Paranaguá, por ser uma agência de um padrão mais alto, era no pôr de mar.
P/2 – O Senhor tinha mais irmãos?
R – Duas irmãs. Como Paranaguá naquele tempo não tinha ginásio, eu fui transferido para Curitiba, para o Ginásio Paranaense, onde fiz o terceiro, quarto e quinto anos de ginásio.
P/2 – Foi só o Senhor? A sua família ficou?
R – Minha família ficou em Paranaguá, eu passava as férias em casa e morava em pensão em Curitiba.
P/2 – Com quantos anos?
R – Eu entrei no ginásio eu tinha onze anos.
P/2 – O Senhor morava numa pensão com onze anos?
R – Com treze anos, porque fiquei dois anos em Ponta Grossa.
P/2 – Sozinho?
R – Sozinho. Aí aprendi fazer tudo, passar calça, lavar roupa. Há muito tempo, lá na Europa, qualquer garoto faz de tudo, meu neto há pouco tempo passou em Lausanne, na Suíça, um mês, em janeiro, fevereiro deste ano. Um dia, quando liguei o telefone para ele, ele disse: “Vô, me desculpa, estou passando minha roupa aqui, liga mais tarde.” Em outros países é muito comum isso.
P/2 – Como era na escola, lá?
R – Colégio, lá em Ponta Grossa, colégio afamado, bom colégio, nunca tive problema nenhum, passei por média nos dois anos, aí fui transferido para Curitiba. Fiz o terceiro, quarto e quinto, e o primeiro e segundo anos do curso complementar da classe C. A classe A era a ala de Direito, classe B de Medicina e classe C de Engenharia. Naquela época só tinha essas três principais, tive pretensões de entrar na Escola Naval. Mas eu era alto, magro e no chamado índice de pinheiro, fui reprovado, aí fui fazer engenharia e no primeiro vestibular que prestei, felizmente passei. Éramos 87 candidatos e sem estudar muito eu fui o décimo-quarto.
P/1 – Engenharia lá no Paraná mesmo?
R – Engenharia em Curitiba, na Faculdade de Engenharia do Paraná, que era lá no centro da cidade, em frente ao Correio, na Praça Santos Andrade.
P/2 – E essa escolha profissional?
R – Fui eu que escolhi, ninguém me influenciou. Eu gostava muito da Escola da Marinha mas não deu, e depois, quando eu estava fazendo o curso complementar classe C, eu fiz o CPOR [Centro de Preparação de Oficiais da Reserva], arma de artilharia, porque só tinham três armas: artilharia, infantaria e cavalaria. Em 1941 terminei a escola de engenharia e o CPOR terminei em 1942, e no Brasil já tinha optado em entrar na guerra, tanto assim que em 25 dias que nós terminamos o CPOR, fomos convocados a fazer o estágio de preparação para Oficial. Fui promovido em quinze de abril para Oficial Segundo Tenente. Eu tenho a carta patente, eu ia até trazer para vocês, mas não sei se interessa, assinada pelo Getúlio Vargas. Quando estava fazendo a Escola de Engenharia, que eram cinco anos, era um tipo diferente do que é hoje, era seriado, cada ano tinha tantas matérias, umas matérias dependendo das outras, se não passasse não podia fazer. Mas felizmente eu passei em todas. Das 26 matérias que tinha, eu somente fiz seis exames na escola, o resto passei por média, na época eu fui considerado o melhor aluno em construções e concreto armado, e fui convidado a ser professor da escola. Entrei como professor assistente em 1950, mas antes disso eu fui convocado para o serviço ativo do exército na época da guerra. Em 23 de março de 1945 estava no quinto ano da Escola de Engenharia, e como eu já era auxiliar de engenharia de uma empresa lá em Curitiba, eu estava construindo obra de utilidade pública, que era o abastecimento de água da cidade de Curitiba. Vocês conhecem Curitiba? Tem aquela torre no Cajuru, tem adução, tem a estação de tratamento em frente a Tarumã, e tem a captação da água no Rio Piraquara. Também fui responsável pelas construções das novas oficinas locomotivas da rede ferroviária, que na época era em Pinhais. Quando fui convocado, me apresentei em Castro para onde fui classificado, me apresentei no dia dois de maio. A guerra terminou no dia oito de maio, então não cheguei ir, consegui ser licenciado no dia dois de julho, depois terminar o curso de engenharia naquele ano.
P/1 – O Senhor viveu de alguma forma a expectativa de ir para guerra?
R – Não, porque já havia uma tendência de preparação, as nossas forças já estavam na Itália.
P/2 – O Senhor tinha algum parente que tinha alguma ligação com o exército?
R – Um primo mais moço que eu, portanto não foi interferência, naquela época, como profissional, ser Oficial do exército era muito bom, queria engenharia, eu queria a Marinha, não consegui, então fui para escola de engenharia, me formei em 16 de dezembro de 1945. Trabalhava numa empresa cuja sede era aqui no Rio de Janeiro, Construtora Leo Ribeiro, fui contratado como engenheiro da empresa, então construí hospital no Cajuru, em Curitiba. Terminamos a construção das oficinas, construímos umas pontes na estrada que liga Curitiba à laje, na federal, construí muitas obra lá.
P/1 – O primeiro emprego do Senhor foi com engenharia?
R – Foi com engenharia, em 1950 já era o segundo ou terceiro convite para eu ser professor. Aceitei, fui ser assistente dele, a faculdade não era federalizada ainda, foi naquele ano, em 1950. Aí entrei como assistente da cadeira de estabilidade de construções, concreto armado e mecânica dos solos. Tinha um catedrático e eu era o primeiro assistente. Fiquei quinze anos, até final de 1963, e fui professor da Escola de Oficiais Especiais da Aeronáutica, escola que o candidato fazia o curso em Guaratinguetá de sargento, aí tinha direito depois de cinco anos a fazer o vestibular para a escola de oficiais especialista. Ele fazia dois anos, um de fundamental e o outro de matéria especializada, em várias especializadas da aeronáutica, motor de avião, meteorologia, fotografia, etc. E saía Oficial Aspirante, mas acesso só até Coronel, então era uma escola de nível superior. O meu cargo era de provimento efetivo e vitalício, garantido, não tinha problemas. E na Escola de Engenharia eu passei a ser professor adjunto, porque o meu professor catedrático em missão foi para a Europa e eu assumi a cadeira. Eu tinha cinco auxiliares trabalhando comigo, aí em vez de dar as aulas práticas como assistente, eu dava as aulas teóricas e distribuía tarefas para os outros. Porque nós tínhamos área de concreto armado, área de mecânica do solo e a área de estabilidade, e distribuía o restante da matéria para os outros assistentes, isto é, eram monitores. Prossegui até o ano de 1957, acompanhei uma turma de estudantes da escola de engenharia, a Paulo Afonso, então a Rede Ferroviária nos deu as passagens de trem gratuitas até São Paulo, ida e volta. Levava 26 horas naquela época, era um negócio de doido. Trem que andava trinta ou quarenta quilômetros por hora. Lá em São Paulo conhecemos uma série de coisas, inclusive, na passagem de São Paulo para o Rio, fomos conhecer Volta Redonda, que estava iniciando, aí fomos para Belo Horizonte onde conheci Juscelino Kubitschek, que era Governador. Fomos pedir ajuda para prosseguir viagem e conseguimos ir a Salvador. De Salvador fomos para Paulo Afonso, mas por terra, passando por Caldas de Cipó. Bem no meio do interior da Bahia tinha uma estação de água chamada Caldas de Cipó, era uma termal com um hotel de primeiríssima, mas tinha jogo, e de lá fomos para Paulo Afonso, passamos por Jeremoabo, a terra do Lampião. Em Paulo Afonso fomos muito bem atendido e na volta passamos em Vitória. Aí o Eliezer, que foi o meu contemporâneo, ele terminou em 1948 e foi me visitar, eu tinha um cunhado que era do IBC e morava em Vitória, ele foi me apanhar na casa desse meu cunhado e fomos dar uma volta pela estrada de ferro. Me levou até o fundão e na saída ele me convidou: “Que tal? Eu gostaria que você viesse trabalhar comigo aqui no Vale do Rio Doce.” Ele era chefe da via permanente. “Tem um projeto de alargamento da ferrovia, da bitola de um metro para um metro e sessenta, e precisaria fazer o alargamento da obra da arte. Então gostaria de saber se você não gostaria de vir trabalhar comigo.” Então, naquela época, nós estudamos as condições que ele tinha para me oferecer e o que eu tinha em Curitiba, e não tinha condições. Isso foi em 1957, aí uma nova investida.
P/2 – Você não aceitou?
R – Não dava, ele mesmo chegou à conclusão de que não dava. Eu sair de Curitiba e ir morar em Vitória nas condições que ele me oferecia era ruim, então vamos deixar para uma próxima oportunidade.
P/2 – Vamos parar um pouquinho para virar a fita?
R – Na minha viagem com os estudantes do Paraná para Paulo Afonso, em Paulo Afonso fomos muito bem recebidos por serem estudantes de engenharia, etc. E na volta viemos de avião. Eles chamavam de ataúde, era aquele avião de curtos comandos, ataúde voador. Descemos em Vitória.
P/1 – Gostaria que o Senhor nos contasse um pouquinho mais sobre esta viagem de ida, o Senhor passou em Volta Redonda?
R – Nosso projeto era o seguinte, quando chegamos em São Paulo, fomos fazer umas visitas técnicas. Fomos a Santos, aquelas visitas costumeiras de escola de engenharia porque era a USP lá, etc. Fomos de trem de São Paulo para Volta Redonda na Central do Brasil, ficamos hospedados no Hotel Bela Vista, hotel de primeiríssima qualidade, aquele hotel americano, caríssimo, mas nos hospedaram gratuitamente. Nos ensejaram uma visita à usina que era uma maravilha. De trem prosseguimos para Belo Horizonte. Chegando em Belo Horizonte, nossas reservas financeiras, a verba para a viagem estava meio curta, resolvemos procurar o governador. Eu e um dos alunos fomos lá, que era o Juscelino Kubitscheck, e o Juscelino deu uma pequena ajuda e me fez uma recomendação, me deu um cartão para me apresentar ao Antônio Balbino, que era o Governador da Bahia.
P/1 – E qual a impressão que o Senhor teve do Juscelino?
R – O Juscelino era um estadista, era um sujeito que todo mundo viu o que ele fez lá, uns criticam outros não, mas eu acho que ele fez um grande governo. Foi a indústria brasileira, essa coisa toda, pode ter um certo ufanismo, mas acho que não prejudicou, pelo contrário, uma nova era. Interessante que ele gravava muito a fisionomia das pessoas, e certa ocasião em Curitiba, eu estava com outro professor. Ele foi em Curitiba e foi visitar a universidade e quando ele descia pelo corredor numa rampa, eu e o outro professor recuamos para eles passarem. Ele chegou em mim e disse: “Oh! Como vai você?” E me abraçou. Quando passou, o outro chegou e: “Você conhece ele?” Olhei para ele: “Meu cupincha.” (riso) Tanto que recebia telegrama do Juscelino — tenho guardado em casa — para certos eventos, professores, cartões... Então foi uma das passagens da vida com JK, o que, aliás, o Brasil deu muito “jota” de Presidente da República: JQ [Jânio Quadros], JF [João Figueiredo], JK [Juscelino Kubitschek]... Só faltou JP. (riso)
P/2 – O Senhor já era casado nesse momento?
R – Era, eu me casei em quinze de janeiro de 1948, casei com uma paraibana de nascimento, muito embora, ela, com a idade de dez anos, tenha ido para Recife e ficado. Viveu muito tempo da vida dela em Recife porque o pai dela, Francisco Coutinho Filho, além de escritor, era agente fiscal do imposto de consumo, naquela época eram os marajás da nação. Então, como ela na Paraíba e eu no Paraná... Tem uma história de que no apartamento que eu morava, em Curitiba, de porta, tinha um casal. Ele da família Camargo e ela irmã da minha futura esposa. Esse da família Camargo, abastado, resolveu terminar o curso dele de Direito na Faculdade de Recife, onde era afamada a Faculdade e tinha lá o Afonso Cirne, que tem um busto dele em frente a Escola de Direito. Era o tio da minha esposa e conheceu minha cunhada, numa semana ficou noivo, meses depois casou, veio para o Paraná e era meu vizinho. Aí, quando a família veio no final de 1945 visitar a irmã, conheci minha esposa, namoramos e acabei casando com ela. Tivemos dois filhos homens, os dois engenheiros, formados aqui no Rio de Janeiro, porque quando eu vim para o Vale do Rio Doce, eles estavam ainda na idade de ginásio. Agora vamos voltar ao Eliezer. Infelizmente, as condições não eram muito favoráveis, eu não aceitei, mas mandei um rapaz que trabalhava comigo, o Deoclécio. Eu era assistente e ele era monitor da cadeira, aí eu indiquei o Deoclécio. Passados alguns anos, eu continuei como professor lá da escola, já estava há quinze anos como professor da Escola de Engenharia e dez anos como professor na Escola de Oficiais Especialistas. Quando o Eliezer, mais uma vez — ele já estava como Presidente no Vale do Rio Doce aqui no Rio de Janeiro —, em 1963, em outubro, mandou um emissário aqui, que também tinha sido uma pessoa indicada por mim, que foi o França. Foi meu aluno lá, para trabalhar no Vale do Rio Doce e me fez uma carta perguntando pelo Ditzel, que tinha sido meu aluno. Ele contratou o Ditzel. Eu disse que não poderia ir em outubro de 1963 pois estava na escola, para esperar que eu pediria uma licença e iria. Aí houve um episódio. Ele me mandou uma passagem para ir encontrá-lo lá em Vitória, mas ficou para o dia seis de janeiro eu encontrá-lo aqui no Rio de Janeiro. Encontrei ele na Presidente Wilson 164, onde era o escritório da Vale Rio Doce, e lá acabamos ajustando a minha vinda. Aí fui cuidar da minha licença, consegui de dois anos em cada uma das escolas e vim embora. Cheguei aqui no dia 29 de fevereiro de 1964, fui morar na Rua Barata Ribeiro, num lugar péssimo, em frente daquele edifício 200, hoje é 194. Mudaram até o número, que balança mas não cai, e sofremos eu e meus filhos. Um estava com o ginásio recém-feito lá, que foi aceito aqui no Colégio São Francisco na Praça da Paz, e o outro estava no terceiro ano. E eu vim para a Vale do Rio Doce, eu iria ser Superintendente Geral de Finanças da Vale do Rio Doce. No fim daquele mês, março de 1964, veio a Revolução, aí foi um impacto. Deixei minha casa montada, as licenças... Eu voltaria e assumia tudo de volta, não tinha prejuízo nenhum, e estava lá como responsável pela construção do Centro Politécnico, a nova Escola de Engenharia.
P/1 – Lá em Curitiba?
R – Lá em Curitiba, e já tinha mudado a escola lá do Centro da cidade para Capanema, onde é a Escola de Engenharia. Tinha me licenciado, vim e fiquei na expectativa. Aí, quem foi indicado para Presidente da Vale do Rio Doce foi
Doutor Paulo José Lima Vieira, por ter sido professor também da Escola de Engenharia de Minas Gerais. Referências do Eliezer, fui chamado por ele, que eu estava esperando, se ele não me confirmasse em julho, voltava embora, eu não poderia atrapalhar meus filhos. Aí eles: “Você vai fazer parte da minha equipe, espera um pouco.” Aí eu disse: “Olha, Doutor, eu só fico na Vale se for por um cargo idêntico em nível para o qual eu fui convidado. Do contrário eu prefiro volta.” Aí conversei com minha esposa, resolvemos ficar até o fim do ano e ver como as coisas vão para não atrapalhar os meninos. Você está adido lá na Vale. Nesse ínterim o Eliezer ainda tinha passado para o Grupo Antunes, de licença na Vale. Organizou a MBR e tinha acertado comigo: “Você não volta mais para o Paraná. Se você não acertar com a Vale, você vem trabalhar comigo.” Falei com o Doutor Antunes, acertamos a situação. O Doutor Oscar de Oliveira, que era Diretor da Vale, que também não tinha sido confirmado, foi ser Diretor da Escola de Engenharia aqui no Fundão e me convidou para ser professor lá. Estava com a vida mais ou menos arrumada, a única coisa ruim era o apartamento que eu morava, péssimo, um apartamentozinho. Eu tinha uma casa. Quer dizer, então, que você sente. Mudei para a Cinco de Julho, aí o problema era das secas, tinha dias que não entrava uma gota d’água. Depois passei para a Duvivier, comprei um apartamento na Rua Domingos Ferreira, onde morei dez anos. Mas, nesse ínterim, naquele ano de 1964, eu fui nomeado Superintendente Geral do Controle, engenheiro civil atuando na área de Contadoria Geral da Companhia, Auditoria Interna e Centro de Processamentos de Dados. Fiquei mais ou menos cinco anos no controle em 1966, o Ney Braga era o governador, já me conhecia do estágio que nós fizemos de aspirante para ser promovido para Segundo Tenente. Eu tinha sido o primeiro classificado, era o mais moço da turma, e me convidava para eu ser Diretor Financeiro da COPEL, no Paraná. Eu declinei do convite porque o Eliezer: “Não, Pitella. Você não sai mais do Rio de Janeiro.” E só faltavam dez meses para o Ney terminar o período dele, então deixou eu ficar na Vale. E foi bom. Ficando, fiquei 31 anos. Nesse intervalo meus filhos também se formaram, um se formou na PUC [Pontifícia Universidade Católica], em engenharia, e o outro se formou no Fundão, em engenharia também, e eu fiquei cinco anos. Depois passei a ser Assessor da Presidência, fui Diretor da Usina Siderúrgica na Bahia, USIBA, e em 1973 a Vale do Rio Doce recebeu do Estado Maior das Forças Armadas, um pedido de indicação de um candidato da Escola Superior de Guerras. Eu fui indicado, fiz o curso em 1973. Não me desliguei da Vale, mas fazia o curso o dia inteiro. Tem até umas passagens interessantes porque visitamos o Brasil todo, lá tem um período doutrinário, depois tem um período conjuntural, depois um trabalho que você entrega no final do ano.
P/2 – Trabalho de conclusão?
R – É, o meu foi comércio exterior, política cambial, e eu na viagem que fiz aos Estados Unidos, foi fantástica, que eu como civil não teria oportunidade de conhecer. Eles fizeram questão absoluta de mostrar a segurança dos Estados Unidos. Isso foi em 1973, a viagem toda paga pelo Exército Americano. Nós fomos em noventa estagiários, fomos diretamente à Miami para conhecer o Miami Herald, o maior jornal americano. De lá nos levaram para o Cabo Canaveral, fomos conhecer dentro da base de lançamentos dos foguetes, mas com todos os detalhes. Aí nos proporcionaram uma visita à Disney World de três dias, de lá fomos para a Atlanta. Com que objetivo? Conhecer a Lockheed, que fabrica o maior avião do mundo, que é o Galaxy C-5. Depois fomos para Fort Bragg, é o local que o governo americano faz a mobilização de pessoal para um estado, por exemplo, de guerra ou de ajudar alguém. Em questão de meia hora eles botam quinze, vinte mil soldados prontinhos para embarcar para qualquer lugar. Depois fomos para Norfolk, que é a maior base naval do mundo. Fantástico conhecer isso.
P/1 – E os Estados Unidos em guerra?
R – Isso foi em 1973, o que havia na época era um receio de um ataque do Norte, seria a Rússia, provavelmente. Então eles fizeram questão absoluta de nos mostrar o poderio americano, e com isso nós tivemos oportunidade de conhecer. Aliás, eles também fizeram questão porque, sempre no intervalo, eles faziam um turismozinho. Conhecer a cidade de Willisburg, uma cidade daquele faroeste antigo, tiro prá cá, tiro prá lá... Conhecemos o local, as casinhas... Eles conservam, americano é perfeito nisso, haja vista que hoje você vai no Epcot Center ou na Disney World é uma coisa impressionante, o que você vê de clareza de detalhes.
P/2 – Perfeccionista?
R – Exatamente. E de lá nós fomos a Washington, tivemos a oportunidade de conhecer a Casa Branca, o Pentágono e aquelas escolas todas. Lá ficamos seis dias e fizemos uma recepção na Embaixada Brasileira. De lá nós fomos para Omaha que é, onde tem o Aero Strategic Commander, onde tem aquele edifício enterrado com cinco andares, onde tem o telefone vermelho.
P/1 – Famoso telefone!
R – Telefone vermelho. Cada andar que você passa você é revistado com tudo que você seja. Então nós descemos até lá embaixo, tem um auditório fantástico. Você imagina hoje o que deve ser! Isso era 1973. Hoje, com a informática como desenvolveu, deve ser um negócio fantástico, não é? E ali, de doze em doze horas, subia um Boeing 707, ficava circulando em lugar não conhecido. Um general lá dentro se comunicando com cinco generais no território americano pra dar a palavra final para o Presidente: “Aciona o botão aí que é pra mandar bala.”
Fantástico isso, conhecer um negócio desse. de lá nós fomos para Tulsa pra conhecer o trabalho dos engenheiros militares americanos, para a ligação do Golfo com os grande lagos pelo Mississipi e Missouri de barcaças, e o Governador ficou tão entusiasmado com nossa presença, George Nigh, que nos deu um título de cidadão honorário. Eu tenho um título de cidadão honorário americano, dando todos direitos, etc, entendeu? Até eu ia trazer mas acho que eles podem ficar até meio feios, de pretensão, não sei.
P/2 – Imagina. (risos)
P/1 – Todos alunos ganharam?
R – Todos alunos ganharam. Noventa alunos ganharam o título, de lá voltamos para Miami e Miami-Rio.
P/2 – Uma experiência e tanto.
R – É, e aqui no Brasil também visitamos muita coisa. Visitamos, por exemplo, o complexo, hoje, de indústrias de São José dos Campos, Ericsson, etc. Fomos até àquela fábrica de calçados em Franca. Fomos muito presenteados, cada um escolheu um par de sapatos. (risos) Tivemos no Paraná, tivemos uma viagem também, foi uma das vezes que eu passei novamente em Paulo Afonso e cruzei a linha do Equador. Tirei uma foto com um pé no hemisfério norte e outro no sul e um diploma, porque nós fomos como Oficiais da Escola de Guerra, a sermos apresentados ao Presidente da República, em Brasília. De lá nós fomos a Manaus de DC6, da FAB [Força Aérea Brasileira]. Manaus, então, conhecemos a Zona Franca, essa coisa toda, e lá a unidade militar. E naquela época só se falava em comunismo, aquela coisa toda e tal, sempre a Segurança Brasileira. De Manaus nós fomos a Belém de búfalo, quatro horas de viagem. Um avião pequeno mas muito seguro. Em Belém também conhecemos uma série de coisas, aí fomos a Macapá lá, que nos levaram na linha do Equador que é feita de concreto. Então você bota o pé num e no outro e está nos dois hemisférios, tira fotografia, te dão um diploma...
P/1 – O que era Macapá nesse momento?
R – Macapá era pequeno, Belém já era uma cidade boa. Sempre foi um clima difícil, muito úmido. De lá nós fomos para Paulo Afonso pela segunda vez, pela Escola Superior de Guerra. De Paulo Afonso fomos a Salvador, naquela época eu era diretor da USIBA [Usina Siderúrgica da Bahia], em 1973. Depois viemos a Vitória, e de Vitória viemos para o Rio. Isso foi uma viagem muito interessante.
P/1 – Essas regras obedeciam o quê, dentro da Escola Superior de Guerra?
R – É o interesse de você conhecer o problema conjuntural, quer dizer o aspecto de regiões, as necessidades que o povo passa.
P/2 – Conhecer a comunidade, quem são os agentes sociais...?
R – Exato, conhecer tudo, escolas...
P/2 – Forças políticas?
R – Forças políticas pra verificar o estado de vivência do povo.
P/2 – Caçar uma cartografia.
R – Habitação, dificuldade de água, saneamento... Negócio é ali. Depois temos que fazer um relatório sobre isso pra depois ser discutido em auditório, e vai um trabalho para o Estado Maior das Forças Armadas. E a finalidade toda é você pegar uma classe de gente. Tinha oficiais, tinha engenheiros, professores, tinha advogados, médicos... Então cada um na sua especialidade fazia um trabalho de volta, entregava, fazia um trabalho com todo mundo, uma pesquisa… Assim como vocês estão fazendo, e entregava para o Estado Maior das Forças Armadas, pra saber o que estava acontecendo nesse Brasil, essa variedade. Que o Brasil, infelizmente, é um país de distância muito grande e muito diferente de clima, vivência... Hoje está bem melhor, mas antigamente você não tinha condições. No Nordeste só era de navios, hoje já tem estradas. Avião naquela época era DC-3 e olhe lá. Hoje, não. Hoje você tem uma facilidade tremenda.
P/1 – O trabalho que o senhor entregou era sobre...?
R – Não, aí é o seguinte... Quer dizer, nós entregamos o trabalho e relatórios sobre o que nós vimos em grupos. Era formado em grupos, e nós fazíamos um trabalho em conjunto e entregávamos pra direção da escola.
P/1 – O senhor lembra das conclusões a que o grupo do senhor chegou?
R – Não. Aí é difícil porque...
P/2 – É um diagnóstico de cada cidade?
R – E da região.
P/2 – Da região!
R – Manaus, Belém, Recife...
P/2 – E se pensava em alguma aplicabilidade para esses...?
R – Não. Justamente o Estado Maior das Forças Armadas, onde eles lá faziam estudo sobre aquilo que estava acontecendo. Era uma pesquisa que nós fizemos pra eles gratuitamente, um diagnóstico.
P/2 – Que ano isso?
R – Em 1973.
P/2 – Em 1973...
R – É. Depois, no final do curso, você escolhia um tema dado por eles, uma relação. Você escolhia e fazia uma tese, uma monografia do que você sabia, daí eles te davam um conceito e um diploma da escola. Aí você fazia a cada cinco anos uma renovação por correspondência. Eles mandavam uma série de perguntas e uma série de fascículos para você ler, etc, e você dava as conclusões. Então fazia uma realimentação daquelas coisas que você viu.
P/2 – Tinha alguma recomendação específica para olhar determinado aspecto da realidade?
R -
Não.
P/2 – Pensando nesse momento que era ditadura militar...
R – Aliás, essa questão eles tomavam muito cuidado pra não influenciar.
P/2 – Não passava por essa instância…
R – Não.
P/2 – É, fiquei curiosa!
P/1 – Já tinha ligação com os grandes projetos do norte do Brasil?
R – Tinha.
P/2 – Transamazônica?
R – Transamazônica, Tucuruí, que foi um grande projeto. Suape, em Pernambuco, o Porto, as estradas... Quando nós fizemos no Rio Tocantins para a passagem da estrada de ferro, ela era só ferroviária, depois foi pedido para a Vale do Rio Doce. A Vale teve um gasto de mandar reestudar o projeto, fazer dois balanços laterais, tem duas pistas, transpor Tocantins por estrada de rodagem... E a Transamazônica. É o benefício que a Vale fez, a Vale se integrou muito, ajudou muito.
P/1 – Esse cargo, Superintendência de Controle, que cargo era exatamente?
R – A Vale do Rio Doce antigamente era assim: tinha uma diretoria política, um Presidente nomeado pelo Presidente da República, era o caso do Eliezer; depois vinham os Superintendentes Gerais, que fazia parte de uma junta, então eram os máximos da empresa. Então tinha Superintendente do Controle, era parte da contabilidade, auditoria interna e a parte de centro de processamento de dados; Superintendência Jurídica; tinha a Financeira, mercado interno e externo; tinha a Comercial, o minério de ferro e outros minerais; tinha de Operações, que cuidava das estradas de ferro. Naquela época era só estrada de ferro Vitória-Minas, porque o Carajás só veio a partir de 1985. Fui nomeado o Superintendente do Controle em 1964, fiquei até 1969, depois passei para a Assessoria da Presidência. Depois fui Gerente da subsidiária de mineração, porque a Vale do Rio Doce tinha um amplo programa de pesquisas geológicas, e pelo código de mineração é limitado as áreas e os tipos de minerais, então ela criou pequenas empresas de mineração e eu era o gerente de todas elas. Vinte e oito empresas, para dar um aspecto maior de poder, naquela época nós tínhamos dez milhões de hectares em pesquisas, vários minerais, quarenta tipos de minerais. Assim é que se chega a uma Serra Pelada.
P/1 – Carajás?
R – Carajás... Carajás foi uma dádiva da natureza. Carajás é uma província mineral que no raio de sessenta quilômetros você tem o ferro, manganês, cobre, cassiterita, níquel, ouro... Que foi a Serra Pelada, e isto tudo estava nas mãos de uma empresa que era subsidiária da United States Steel, que era a Companhia Meridional de Mineração. Foi quando a Vale do Rio Doce se associou e criaram a AMZA, Amazônia Mineração, e depois, quando a Vale do Rio Doce comprou as ações da AMZA, aí incorporou. Hoje ela tem aí um potencial de exportação, exporta mais de cem milhões de toneladas por ano em minério de ferro, ainda é o carro chefe, além das outras áreas que ela possui.
P/1 – O Senhor chega de Curitiba e assume um cargo de porte, isso dentro da Vale. Como o Senhor entendeu a “cultura Vale”?
R – O problema é o seguinte: eu fui escolhido e convidado pelo Eliezer Batista. Eliezer era um homem consagrado dentro da Vale do Rio Doce, deu sua vida praticamente toda para Vale do Rio Doce, ficou mais de quarenta anos. Ele é quem nomeava os Superintendentes. Agora, o pessoal debaixo, naturalmente, dependia todo do relacionamento. Se o sujeito tiver alguma versatilidade, conversa. Eu já tinha prática de ser professor. Na minha vida de professor, segui sempre a seguinte orientação: dentro da aula, senhor. Senhor eu pra eles, eles pra mim, os alunos. Fora das aulas a gente ia contar anedotas. Se você começa a dar uma liberdade ao aluno, ele automaticamente quer o braço, a mão e toma conta. Mas sempre fui assim, sempre gostei de ser muito positivo. Embora tenha professor que pensa assim: “Eu sou professor, eu sei mais que eles.” Não, tem que ser humilde também, nem sempre o sujeito é máximo em tudo.
P/2 – O que representava naquele momento trabalhar na Vale do Rio Doce?
R – Vale do Rio Doce era um orgulho, eu sou da Vale do Rio Doce. Porque, embora fosse uma empresa estatal, era administrada como uma empresa privada, não tinha favorecimento e não havia em gerência política dentro da Vale do Rio Doce. Ela sempre trabalhou numa área de muita concorrência, porque ela vendia minério para o exterior. E tinha uns australianos que são os maiores produtores de minério de ferro no mundo, e o maior comprador de minério da Vale é o Japão, fica a um quinto da distância do Brasil, então nós tínhamos que trabalhar bem, nos aperfeiçoar, produzir bem o minério, botar no porto a preço competitivo, transportar por mar a preços competitivos. Naquela época eram navios pequenos, de 25, trinta, quarenta, cinquenta mil toneladas. Aí houve a visão: se eu posso transportar em um navio de 350, que são sete vezes cinquenta, e os custos praticamente não aumentam, a tripulação é quase a mesma, só vai gastar um pouco mais de combustível. O relógio é um pouco mais caro, mas compensa. Então vamos ser competitivos nos transportes, porque no minério nós somos, eles pagam um quinto, mas era navio de cinquenta mil toneladas, eles não tem porte para os navios que temos. Eis a vantagem, uma delas.
P/1 – O sua Superintendência pega como se fosse final de mobilização no Porto de Tubarão?
R – Não, é de âmbito de toda companhia, muito embora cada área tivesse seu serviço de contadoria. Mas ela toda era canalizada aqui para o Rio de Janeiro que era a sede.
P/1 – E de que forma a sua Superintendência se mobilizou para Tubarão, terminar a construção do porto?
R – Ali, cada área na parte de desenvolvimento, projetos novos, todos tinham sua área específica. Nós só executávamos a tarefa de fazer a contabilidade geral da companhia, auditoria interna e o centro de processamento de dados. Que foi considerado, na época, pelo Mister Gaister, da Mineral Service, como uma das melhores equipes em processamento de dados. Ele veio aqui para fazer um diagnóstico e chegou a essa conclusão, que era uma honra para nós. Ser empregado da Vale era um orgulho, porque era uma empresa muito bem administrada, que dava lucro, uma empresa estatal que não dependia do governo, tinha receita própria. A única coisa que o governo fazia é que ele investia os seus próprios dividendos, porque não dava o dinheiro para a Vale, mas investia para ela ser maior, era um grupo bastante unido em torno dele e que vestia a camisa.
P/2 – Esse grupo que era mais próximo a Eliezer pensava nessa estratégia da companhia, o Senhor participava disso de uma maneira geral?
R – A minha sequência dentro da Vale foi a seguinte: quando o Eliezer assumiu em 1979. O Figueiredo assumiu o governo. O Eliezer foi escolhido novo como Presidente. Aí já estava dividindo o sistema, já não era como antigamente, Superintendente. Era o seguinte: era um Conselho de Administração pela nova Lei 6.404, da sociedade anônima, uma Diretoria Executiva. E depois, abaixo, vem o Superintendente que passou para o terceiro escalão. E nós, como Diretores, cada um tinha seus Superintendentes nas suas áreas. Eu fui Diretor Administrativo, então estava sob a minha a Superintendência Jurídico, o Administrativo e o de Controle. Quer dizer, a organização foi outra.
P/1 – Isto foi feito?
R – Isto foi feito já em 1979.
P/1 – Foi uma readequação?
R – Foi uma readequação.
P/1 – Qual foi a intenção dela?
R – A intenção foi a seguinte, a diretoria executiva é que... O que acontecia era o seguinte: o Conselho, como era um Conselho Deliberativo, ele não tinha funções executivas, ele delibera, aprova e quem executa são os diretores executivos. Isso não faz o diretor executivo ficar envolvido em políticas, o sujeito vai trabalhar para a empresa para executar aquele plano aprovado. E nós chegamos a ser dez diretores com o Presidente, além do Conselho Administrativo, de seis membros. Agora, o Presidente pertencia ao Conselho e pertencia à Diretoria. Quando o Eliezer assumiu a Presidência em 1979, no começo não tinha lugar para a diretoria, só cinco vagas de diretores. Eu fui ser secretário geral, era um cargo de confiança do Presidente, e o secretário geral tinha o mesmo nível de superintendente. Fui secretário dele até o final do ano de 1979. Aumentaram as vagas de diretores, eu fui diretor administrativo e acumulando a secretaria geral porque o Eliezer, por questão de confiança, queria que eu continuasse.
P/1 – E a secretaria geral estava intimamente ligada aos projetos?
R – Passava tudo nas minhas mãos. Eu tomava conhecimento de tudo, acompanhava as reuniões do Conselho de Administração e acompanhava as reuniões da diretoria. Quer dizer, você, ali, tem uma ampla visão da companhia.
P/2 – E a fazer todo um diagnóstico?
R – Fazer um diagnóstico. Você era um dos caras que tinha mais conhecimento de tudo, não é só o setor de minério. Não é só o setor comercial que envolve outros minérios também, o setor de madeira, celulose, de tudo que passa ali. Todo documento que passa pelo Presidente, tem que tomar conhecimento. O Eliezer tinha uma confiança ilimitada em mim, ele deixava papéis assinados para preencher. Nesta grande amizade nossa, ele viu que, graças a Deus, neste período todo não houve deslize nenhum, a gente se sente orgulhoso de ter pertencido à Vale do Rio Doce.
P/1 – O Senhor poderia contar um pouco dessa passagem, essa vinda da engenharia?
R – A minha principal formação foi de engenharia, mas sempre familiarizado, lendo em casa. Meu pai sempre militou essa área financeira, foi de banco, etc. Então você adquire um certo gosto pela coisa. E eu nunca tive dificuldades. É lógico que não era um técnico na época, mas não tive dificuldades de enfrentar, inclusive, as disposições que fazia para o Conselho sobre os números da empresa. Sempre baseado, bem fundamentado, não eram aleatórios. Tinha certa facilidade, talvez, por ter a formação de engenheiro, técnico, a facilidade de aprender os números. Então fica parecendo um engenheiro civil com a função de controller, a mesma coisa. Um engenheiro civil assumindo as funções administrativas. Administrativas todo mundo conhece um pouco, quais são seus direitos. Agora, é óbvio que a Vale do Rio Doce teve uma vantagem. Logo no começo, quando implantou o centro de processamento de dados, já implantou a folha de pagamento toda processada eletronicamente, todos os dados afluíram ao centro dos empregados, dos seus direitos, etc. Porque anteriormente era ainda do tipo de holerites, contracheque. Na Vale ficou tudo automatizado. Mesma coisa, foi implantada contabilidade. Lembro-me que houve no começo levávamos sessenta dias para ter os resultados da companhia, para fechar os balanços. Depois de implantado um plano de contas próprio para o computador, ainda com alguma dificuldade, porque existia o plano de conta da Vale e tinha o plano de contas das estradas de ferro que tinha que seguir uma regulamentação própria para as estradas.
P/1 – Eram separadas?
R – Era, então nós tínhamos que fazer um plano comum compatível com os dois. Tanto você podia ter um balancete no seu novo plano, como podia ter dentro desse plano exigido pelas estradas.
P/1 – Os planos de investimentos também eram separados?
R – De investimento, não. Somente planos de gastos. Mas tinha, naturalmente, cada um alocado ao seu plano. Nós tínhamos uma compatibilidade entre os dois planos e com isso nós chegamos no seguinte: a ter o resultado da companhia no quinto, sexto dia útil do mês seguinte, do mês anterior. Isto foi uma beleza, porque nós apurávamos resultados. Muito embora uma grande responsabilidade por causa do ensaio de information, informações privilegiadas dos resultados da companhia, porque isso aí, sabe que na bolsa muita gente pode ficar rico do dia prá noite com uma informação privilegiada do resultado de uma empresa, de uma empresa que é lucrativa. Então nós tínhamos esse cuidado. No dia que tínhamos que fechar, eles não fechavam sem vir ao meu gabinete como diretor. Acertávamos tudo e dávamos imediatamente o resultado para a imprensa, mas depois do pregão fechado, os nossos auxiliares telefonavam aos informantes dos jornais dando toda a situação. No dia seguinte estava lá, “Vale do Rio Doce deu lucro”, isto é o cuidado de ter as pessoas de confiança, porque com uma informação privilegiada para alguém, o cara estourava de ganhar dinheiro, é um negócio muito sério.
P/1 – E o lucro da companhia nesse período, quer dizer, de 1964 até...?
R – Sempre, a companhia nunca deu prejuízo. Pelo menos no nosso tempo, sempre foi superavitária. A companhia sempre militou numa área de concorrência internacional, mas a questão é a seguinte: nosso trabalho, nosso serviços e as nossas operações eram muito controladas. Baixar custos... Cada área realizava a operação que fosse rentável para a companhia. E, depois, a companhia sempre teve um tripé no qual ela sempre se baseou, que foi decisivo na sua performance. Era justamente ter este sistema integrado: mina, ferrovia e porto. Ela não dependia de ninguém, era dela mesmo. Não como outras empresas, tem a sua mina, depende da estrada de ferro de outro, depende de um porto de um terceiro para coordenar tudo isso. Então é um grande êxito da companhia.
P/1 – E foi um conceito implantado aos poucos?
R – Foi um conceito implantado pelo Doutor Eliezer Batista, o grande proporcionador desses resultados da Vale do Rio Doce e da sua pujança. Isso pra gente, empregado, já viu. A gente quando via as coisas apertadas, a gente sofria, mas ia procurar onde estava o furo pra poder descobrir. Tanto, assim, um exemplo é o Projeto Carajás: estava orçado em quatro bilhões e duzentos milhões de dólares, e foi feito por dois e oitocentos, um terço a menos de economia.
P/1 – Como é que foi feito isto?
R – Tudo racionalizado pelas ações, muito cuidado nas concorrências, na escolha do pessoal que fazia, fiscalização em cima, compra de material. Nós tivemos um pique de 28 mil empregados no Projeto Carajás, digo entre empreiteiros e empregados próprios na construção do projeto, na execução da estrada de ferro.
P/1 – O Senhor comentou da Diretoria Política e a Superintendência. Quem mandava mesmo era a Superintendência, essa Diretoria Política fazia o quê?
R – É o seguinte, Diretoria Política... Porque normalmente os elementos indicados eram ligados aos governadores dos estados na área de influência da Vale do Rio Doce: Minas, Espírito Santo, etc. Então eles tinham presença garantida nessa Diretoria, pra cada um defender seus interesses.
P/1 – Era uma saída também para eles não interferirem na administração?
R – Não facilitava, não. Tinha essa reserva da regulamentação do Rio Doce que foi aprovada em Estatutos, era 8% do lucro líquido da companhia que é destinado todo ano. Nisto aí tinha uma parcela para o Espírito Santo e outra para Minas Gerais. Era 70% para Minas Gerais, 30% para o Espírito Santo. E dentro disso tinha 20% a fundo perdido e 80% empréstimo em condições humilhantes. Eu digo, juros baixos, prazos grandes. Eu fiquei alguns anos com essa reserva na minha responsabilidade.
P/1 – E como era administrar?
R – Era difícil porque todo mundo entendia que devia estudar um projeto, mas é difícil, politicamente, você fazer um negócio desse. Porque tinha um determinado Município que não tinha colégio, precisava de um colégio lá, outro queria fazer um abastecimento de água, outro queria fazer a fonte luminosa que dava prestígio... Como é que você vai sair de uma dessa? Então você tem que reunir o útil ao agradável e, graças a Deus, sempre andou tudo bem.
P/1 – Tem algum projeto que o Senhor se lembra que tenha ficado?
R – Não, vinham os projetos de cada região, cada estado, os governadores apresentavam. Então ia para a diretoria, aquilo era bem estudado, filtrado, etc. Aí eles escolhiam os projetos sempre combinados com o Doutor Eliezer, fazia um contrato de empréstimo e assinava em solenidade pública.
P/1 – Tinha solenidade.
R – Tinha, para mostrar o Vale do Rio Doce, era chamado Reserva (___________) do Vale Rio Doce. E era naturalmente uma coisa que a Vale, se explorava a região e ganhava, estava devolvendo alguma coisa. Além de ter a operação e ter a mão de obra paga pela Vale na região, os empregados que moravam em Vitória, o comércio, todos eram beneficiados. O fato de ela estar na região, ela já está produzindo desenvolvimento, ela está produzindo impostos, está pagando impostos, ela está pagando mão de obra, o pessoal compra, o mercado...
P/1 – Essa construtora de desenvolvimento sempre marcou a Vale do Rio Doce em âmbito nacional, regional?
R – A Vale do Rio Doce, o carro chefe dela sempre foi o minério de ferro, por causa dos volumes. Outra coisa, a Vale tinha como grande comprador o Japão, depois a Alemanha, e depois outros países mais. Ela sempre procurou tornar sua operação compatível para poder ser concorrente. O Japão, por exemplo, preferia comprar também do Brasil, apesar de cinco vezes mais, como segurança. Porque as compras que faziam na Austrália não eram muito confiáveis, por causa dos constantes estados de greves lá. A confiabilidade que eles tinham no Brasil, qualidade, transporte, não havia greve... Eu, como fui quatro anos diretor administrativo da Vale, nunca tivemos uma greve, vencemos aquele período difícil de salário, sempre tivemos entendimentos, sempre fomos bem recebidos, e tem uns sindicatos fortes, né?
P/1 – Sindicatos...
R – Ferroviários, Sindicato de Extração de Minério, sindicatos pesados... Ferroviários principalmente, que não era só nosso, tem outras também. Muito embora na Vale as estradas de ferro sempre foram suas e eram de utilidade pública para utilização de serviço, nós transportávamos passageiros, cargas, muito embora deficitário. Mas cumpríamos e rigorosamente no horário. Você podia chegar ao ponto de ter a tabelinha de horário sem olhar para o relógio. “Estamos nessa estação aqui, então o horário é esse.”Mas era rigoroso.
P/2 – Era só calcular a cidade que você estava?
R – Onde você estava. Na estação era só olhar a tabelinha e sabia que horas são, condições técnicas fabulosas. Acho que a estrada de ferro Vitória-Minas é considerada, talvez, senão a mundial, pelo menos uma das melhores do mundo em bitola métrica; e a de Carajás, que é um metro e sessenta, também.
P/2 – E para a de Carajás, se pegar a geografia ela é bem diferente do sistema sul?
R – Porque são distintas. Aqui enfrenta muito problemas de serras, etc. Tudo sentido descendente...
P/2 – Mas, de qualquer maneira, a tecnologia utilizada na Vitória-Minas, ela foi...
R – Foi aplicada lá.
P/2 – Aquele trabalhos de calcular...
R – O que aconteceu foi o seguinte: lá em cima, a favorabilidade no plano, lá é muito mais plano, lá temos uma elevação máxima de trezentos metros, praticamente nada. Lá, a nossa estrada de ferro é de 890 quilômetros, em que o raio mínimo de curva é 850 metros, espetacular, é uma curva bem leve. Lá tem bitola de um metro e sessenta, a inclinação no sentido de exportação, saindo do porto indo para o porto, é 0.5%, bem leve. No sentido contrário, o trem vem vazio, 1%, não tem problema nenhum. Outra coisa, não tem túnel nenhum de Carajás à Ponta Madeira, o único ponto difícil era a transposição do Rio Tocantins, que nós temos aquela ponte de 2310 metros. Ela tem uma altura livre do nível d’água embaixo da ponte de mais ou menos trinta, 35 metros. Livre por quê? E tem um vão, tem aquele arcozinho em cima, que é maior, tem setenta metros para passar a embarcação. Passa embarcação ali, mas não de porte, são embarcações de rio. A estrada de ferro tem condições excelentes. Nós chegamos, numa experiência, a rodar com locomotiva a 120 por hora em cima dessa linha, sem problemas.
P/2 – É mesmo?
R – Loucura nossa. (riso) Estava com o Schetino, ele era o chefe da operação. Para provar que nós sabemos fazer a linha totalmente soldada como é Vitória-Minas, nós recebíamos barra de oitenta metros, levávamos para assentar quatrocentos metros, soldávamos cinco... Nós tínhamos um banco de solda em São Luís, nós soldávamos as barras, ficavam barras de quatrocentos. Depois, no local, nós soldávamos, aí vocês vão dizer: e a dilatação? A linha era elástica, ela não recebia o parafuso, recebia grampos, então tinha mobilidade. Depois nós tínhamos equipamentos que rodavam na linha, dizia se tinha problemas na linha, defeitos no aro da roda, todo equipamento era muito bom, e sempre nós tivemos o melhor.
P/1 – E tudo nacional?
R – Alguns equipamentos tinham que ser importados, não tinham fabricação nacional. Agora, os trailers se comprava muitos de siderúrgicas. Compramos poloneses, romenos, tudo questão de countertrade. Quer dizer, troca de minério por vagões. Tem dois vagões na administração lá que vieram da Romênia, em troca por minério.
P/1 – Foi um procedimento.
R – É foi um procedimento todo assim countertrade. Uma troca. Eles não tinham dinheiro pra pagar o minério e nos davam equipamento que fabricavam lá. A história é muita bonita, viu?
P/1 – Vamos contar um pouquinho a história. O que levou a decisão de Carajás?
R – Levou a decisão de Carajás, é o seguinte: nós tínhamos uma reserva de minério lá em Minas Gerais e Itabira, naquela região lá toda. Se nós continuássemos a extrair da maneira na qual nós estávamos vendendo, passaram de cinquenta a sessenta milhões de toneladas para cem milhões de toneladas, nós íamos exaurir
isso aí. Daqui a pouco nós não tínhamos mais minério, o que ia acontecer? Itabira acabava em função quase que exclusiva da Vale do Rio Doce. Então o que aconteceu foi o seguinte: quando houve aquela associação da Vale do Rio Doce com a Meridional de Mineração para construir a AMZA, foi porque foi descoberto aquele razimento imenso lá. Aí que entra a história do Breno, que desceu de helicóptero, descobriu, tal, etc. E quando a Vale era, eles ficaram doidos, os americanos estavam conosco nisso mas eles chegaram até um certo ponto que. não quiseram arriscar com investimento. E nós fizemos porque o projeto estava. Põe a mão quando eles fazem, gastam mesmo e nós fizemos o projeto, tá uma beleza. A capacidade nominal do projeto eram 35 milhões de toneladas anuais mas nós exportamos cinquenta. O que aconteceu? Um pouco mais de extensão dos desvios, locomotiva, equipamentos, comprar um pouco mais equipamento de mina. Minério tem! São dezoito bilhões de toneladas de minério de alto teor, 67% de hematita. Quer dizer, a hematita tem 67% de ferro, desculpe.
P/1 – Mas houve opositor no Movimento Carajás, ou não?
R – Tinha. Principalmente tinha uns que eram opositores, tinha uns que eram ao contrário, sair por São Luís. Mas estava dizendo pra vocês, era humanamente impossível.
P/2 – Aquela discussão do Porto São Luís e Belém?
R – É, Belém. Belém não tinha condições assim pra poder fazer um projeto dessa natureza. Tanto assim que nós fizemos aquele trajeto da serra ao porto muito mais barato do que se fizesse passa pra cá, passa pra lá e vai lá fora. Com condições muito precárias de carregamento. Agora, por exemplo, a Baía de São Marcos você viu. A setenta metros da costa tem 26 metros de profundidade, naquele local tivemos problemas sérios, porque foram construídos dois moles. Acorrentada era de sete nós na frente do pier. Arrancava cabos de cinco polegadas. Arrebentava de tanta força do navio. Então, o que tinha que acontecer? Tinha que pegar cinco rebocadores e ficar como se fosse assim: porquinhos ou uma porca e ficar segurando o navio lá. (risos) Uma massa daquelas! Outra coisa, a Baía de São Marcos também, elas são cem quilômetros de extensão e o leito muito movediço, por causa das correntes, parecendo maré de sete metros. Você vai lá em São Luís e vê os barcos, quando chegam de manhã, depois baixa a maré, fica todo o lodo. (risos) Em cima do lodo tem que esperar encher pra poder sair, então vários problemas. Nós tivemos que fazer janelas no píer, no quebra-mar, uma série de coisas, tudo isso testado no IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas], em São Paulo, com modelo reduzido. Foi uma história bonita, deu pra aprender. Então, como eu estava dizendo pra vocês, eu tinha esse diretório administrativo durante quatro anos. Aí, em dezembro de 1983, houve a decisão do Presidente da República, do General Figueiredo, em terminar um projeto do Porto de Praia Mole também já estava em obras. Houve a ideia de criar a diretoria de engenharia, eu fui eleito, aí começamos a batalha. Mas era só pra ultrapassar o Rio Tocantins e nós tivemos a ousadia de chegar na serra. Com mais um reforço de orçamento, aumentamos a turma, chegamos a assentar três quilômetros de linha por dia, assentar por uma via permanente pronta. Agora, outra coisa: pedra britada só tinha em São Luís e em Marabá. Nós tínhamos que transportar tudo isso já na linha construída, os trilhos... Tinha um banco que levava os trilhos todos em barras de quatrocentos metros, solda no local depois essas barras. Agora, tivemos problema sério, o problema dos índios. Esse episódio vale a pena contar pra vocês. Quando nós íamos passar, ocorre o seguinte: o Getat [Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins] demarcou uma área indígena, pegando bem quase no final da área, pegando a nossa estrada de ferro, uma área que já havia sido comprada deles, que é uma área de domínio. Nós pagamos 53 milhões da moeda da época pra eles e eles contrataram um arquiteto que fez um projeto de tabas de malocas, tudo de alvenaria, com antenas, televisão a cores, antena dessa parabólica. Eles tinham uma linha 007, maquininha de calcular e não eram culturados. É ruim que disvirtua a origem, mas eles entenderam de não devia passar o trem, que não passava a linha porque o índio podia se assustar, algum índio podia morrer, via o trem e acabava se empolgando. Que o barulho da locomotiva afastava a caça, era o meio de vida deles... Só sei que tivemos um problema sério, aí tivemos que entrar com um novo acordo com eles, fazer um depósito para desenvolvimento retro-agrícola pra eles, só deixando eles sacarem o juros. Porque eles queriam um royalty de um salário mínimo por índio e descendentes pelo resto da vida, querendo cobrar uma aposentadoria.
P/2 – Era exigência deles?
R – Era exigência, meio instigada.
P/2 – É tinha um locutor pra negociar?
R – Tinha, eram as antropólogas.
P/2 – Era a Lux?
R – Ela era a chefe delas.
P/2 – A Lux Vidal?
R – É a Lux Vidal, mas ela foi contratada, porque nosso contrato com o Banco Mundial exigia que nós expendecemos uma parcela de dólares para ajuda os índios e para as áreas influenciadas.
P/1 – Isso já estava no contrato, no convite?
R – No contrato. E pra isso nós tínhamos que contratar as antropólogas e elas, então, em vez de nos ajudar: “Exige, a companhia é rica, exige.” (risos) Com data marcada pra poder inaugurar dia 28 de fevereiro de 1975. Então não podia perder. Eu tinha o meu plano de avançamento de obra seguindo cada dia, chovia, não chovia, e o Eliezer todo dia me interpelando: “Olha a, responsabilidade é sua.” A cada quinze dias eu ia à serra.
P/1 – A cada quinze dias?
R – Quer dizer, eu pegava um avião aqui, ia para Brasília. De Brasília pegava um voo da Varig e ia até Imperatriz. Lá, o helicóptero estava me esperando. Numa quinzena, ia de Imperatriz a São Luís em cima da diretriz, subindo, descendo, conversando com o pessoal. Da outra vez, eu ia em direção à Serra de Carajás, a cada quinze dias voando em cima da serra, mas só em tempo bom. Seguindo lá eu dizia: “Estou em tal lugar, Eliezer. Estamos em dia. Estamos com folga.” Era de perto o acompanhamento, também não faltava dinheiro, é uma grande vantagem. Empréstimos foram feitos, nós tínhamos um determinado valor para emprestar, não precisamos de tudo.
P/1 - Esse dinheiro foi conseguido com quê?
R - Conseguido com contratos com os japoneses. Fizemos uma compra antecipada e, pelo poder da Vale do Rio Doce, os empréstimos nem precisavam do aval do governo, era só a própria Vale do Rio Doce. O Eliezer foi grande, ninguém dizia que ia comprar da Vale, falavam que iam comprar do Eliezer.
P/2 – Aconteceu algum caso pitoresco que tenha marcado o Senhor nesta história de Carajás?
R – Foi ser diretor de engenharia, o único diretor de engenharia da Vale, até hoje, para fazer aquele projetão com tecnologia toda brasileira, pessoal brasileiro. Acreditar que nós podíamos fazer e fizemos. Teve o problema dos garimpeiros. Um dia o Doutor Mozart me telefona, ele era Superintendente das Minas: “Doutor Pitella, os garimpeiros, por causa do negócio da Serra Pelada, porque o governo não prorrogou o contrato com eles, vão invadir a Serra. Como é que ficamos aqui?” Vou eu, o Renato Moredson e o general Cardoso... Não lembro o nome dele. E fomos para lá, teve uma reunião lá, saímos de madrugada de helicóptero em cima da linha, não tinha trilho assentado ainda, e descemos em Marabá. De lá do Aeroporto de Marabá, fomos seguidos até o Comando da Brigada com um carro atrás de nós, não sabíamos se era segurança ou alguém querendo... Correu o boato de que seríamos sequestrados. Chegando lá fui falar com o General, que disse: “Olha, eu não posso fazer nada, porque qualquer coisa de reforço no Estado tem que ser pedido pelo governador, senão é intervenção federal.” Aí dei um telefonema ao Jader Barbalho governador: “Você vem aqui para nós conversarmos.” Mandei vir o Lavajo, para me esperar em Imperatriz. Saí de helicóptero do quartel de Brigada de Marabá e fui a Imperatriz. Cheguei sete horas da noite em Belém, estavam me esperando no palácio, o Comandante da Polícia Militar e o Jader: “Olha, eu te ajudo com duzentos homens, mas não tenho transporte e nem comida para dar para esta gente.” “Pode deixar comigo” Fui na Taba, o Brigadeiro era conhecido meu, Gibson, disse: “Eu te alugo um Focker para quarentas passageiros.” Ele fazia aquela linha, você vai fazer uma ponte aérea, vai fazer cinco viagens, uma hora e meia para ir, e uma hora e meia para voltar. E fizemos isso. Botamos duzentos homens dentro da serra, ainda contratei um avião da Transbrasil, um trimotor para ficar próximo de lá, para tirar as famílias que não ficassem. Isso aí foi uma aventura, isto é uma história.
P/2 – É uma estratégia, né?
R – É, tudo isso ocorreu mas, graças a Deus, vencemos. Porque diziam que queriam atacar, botaram fogo naquele núcleo habitacional que nós fizemos, na Prefeitura, na cadeira.
P/1 – Uma guerra mesmo?
R – Uma guerra, troço de doido, no entanto implantamos lá o núcleo habitacional para onze mil habitantes, com um teatro para quinhentas pessoas com ar condicionado, que muita capital brasileira não tem; botamos hospital, o que, aliás, o equipamento foi dado pelo Ikeda Tanaka; fizemos lá um campo de esporte, clube, demos todas as qualidades para o sujeito morar bem, super bem, e ainda fizemos um aeroporto com pista de dois quilômetros e 45 metros de largura, desceu lá na inauguração, um Boeing 707 da Varig, com os japoneses que nós levamos.
P/2 – E Parauapebas?
R – Parauapebas, ali é um beiradão, como nós chamamos, aquilo lá é para selecionar um pouco os habitantes, o sujeito mora lá vai de ônibus lá pra cima, pronto, aquilo é um risco danado de segurança.
P/2 – Porque tem uma entrada de segurança? A pessoa passa, tem que abrir o porta-malas?
R -
Como você entra num edifício, tem que mostrar a carteira de identidade, saber quem é, quem não é. Não pode qualquer um estar entrando, aquilo é um negócio de segurança. A casa de hóspede fizemos lá com o material de toda região, uma bela casa, confortável, não tem nada de luxo. Tudo isso você tem que prever, mas tudo já vinha no projeto e nós executamos, então prosseguimos. Quando chegou dia doze de fevereiro, nós fechamos a beira ferroviária em Carajás, tivemos problemas com placa de apoio, faltou, mas tivemos solução.
P/1 – A questão ambiental em Carajás?
R – Tem empresa que monitora, que fez o projeto. Temos lá o orquidário, só de orquídeas. Temos uma preservação porque o Doutor Eliezer gostava muito desse negócio de plantas, tudo preservado. Não se vê a margem da estrada que vai para o aeroporto, pra cidade, pro centro. Meios de vida, água tratada, você tem lá as melhores condições de vida.
P/1 – Aí chegou dia 28 de fevereiro?
R – Dia doze nós fechamos a pêra ferroviária e dia 28 de fevereiro inauguramos. E saiu o primeiro trem de minério no dia 28 de fevereiro. No dia seguinte nós fomos esperar. Eu e o Schettino, ele era diretor também da área, fomos esperar o trem lá em São Luís. Abriram os vagões, chegou o minério de Carajás. No começo nós usamos uma gambiarra para carregar, porque não estava pronto o shiploader ainda. Carregamos os navios, isso aí.
P/1 – O Doutor Eliezer estava até o último dia?
R – Claro, o Doutor Eliezer estava em cima. E no dia da inauguração a gente não sabia se ria ou chorava, a emoção era fantástica. E lá tem um curso para os alunos, foi ensinado a eles a cantar o Hino Nacional. Quando o Ikeda foi inaugurar o hospital, os alunos cantaram o Hino Japonês, e ele não sabia se ria ou chorava. Tudo que o pessoal lá da comunicação bolou, pediu para fazer, ensinar o Hino Nacional todo o dia antes de começar as aula de manhã. Terminado esse negócio, em maio de 1985, eu fui eleito Diretor de Planejamento e Controle da Vale, que era para fazer o planejamento estratégico da companhia e o contrato de gestão. O contrato de gestão? Era dar facilidades para a Vale do Rio Doce operar. Quer dizer, não ficar muito restrito a essas coisas todas, desde que cumprisse um programa com determinado índices. Foi assinado esse contrato de gestão depois que eu saí. E o planejamento estratégico, que era confidencial para saber as metas da Vale do rio Doce. Daí para frente, aí o Sarney diminuiu os diretores da Vale, de dez passou para seis, aí nós, quatro diretores, fomos alocados para outras áreas. Eu fui para Diretoria de Controle e Financeira da Docenave.
P/1 – Esse contrato de gestão foi todo pensado a partir de 1986?
R – Foi.
P/1 – O que depois foi assinado lá em 1992.
R – Foi, foi mais ou menos isso, eu já estava fora.
P/1 – Ele já estava, de qualquer forma, todo mapeado.
R – Tudo teve início ali, e o planejamento estratégico, que era justamente as metas a cumprir, os obstáculos, o que se poderia encontrar pela frente.
P/1 – E qual era a perspectiva daquele momento?
R – Perspectiva é o seguinte: a companhia era segurar a sua subsistência, dar meios para a companhia atingir o número do projeto e outras áreas mais a desenvolver; cobre, madeira, celulose, alumínio.
P/1 – O ouro entrou nesse momento também?
R – Entrou, porque nós temos Mina de Igarapé Bahia. Nós temos lá em Salvador, próximo a Fazenda Brasileiro, nós temos uma extração de ouro.
P/2 – Quanto tempo o Senhor ficou na Docenave?
R – Fiquei de fevereiro de 1989 até junho de 1990. Uma missão difícil. Nós tínhamos dois navios em construção de 150 mil toneladas na Verolme, que estava num estado financeiro muito difícil e os navios já estavam pagos, então tivemos que financiar os acabamentos dos navios e retirar. Houve muita insistência deles em vender os navios e dividir os lucros. Eu disse: “Não, os navios foram feitos para nós usarmos e não para nossos concorrentes.” Aí conseguimos terminar os navios, tirar os navios de lá. Eles eram a garantia de uma fazenda que hoje a Vale está vendendo. E depois, em junho de 1990, eu fui eleito Presidente da Urucum. Então essa foi a minha vida na Vale do Rio Doce. Então foi dureza lá na Urucum, uma situação muito deficitária. Nós dependíamos do Rio Paraguai para poder exportar o minério. Ele saia de Ladário e ia até Nova Palmira, no Uruguai, para ser exportado. Eram 2700 quilômetros de rio, levava vinte a 25 dias. Hoje, com a empresa americana que está operando no rio por satélite, navega de noite, estão fazendo em quinze, catorze dias. O frete diminui de 24 dólares e hoje está custando quinze. Quando nós descobrimos um minério de ferro muito bom nas minas lá, e está vendendo hoje para a Argentina setecentas a oitocentas mil toneladas por ano, lá de Urucum, em Corumbá.
P/1 – Urucum, a Vale...?
R – Urucum é totalmente da Vale do Rio Doce, era 46% do governo, 46% da Vale e mais uma empresa particular, a Convap, aí a Vale do Rio Doce interessou-se. O governo não punha dinheiro nenhum, a situação de plano era muito difícil, aí botou em leilão, tudo certinho, governo concordando, entraram lá, fizeram a licitação em bolsa, tudo direitinho, e a Vale arrematou totalmente.
P/1 – Privatizou, depois vai dar rolo lá, o governo...
R – Privatizou, mas houve, de qualquer maneira, na hora da venda, um problema lá com o Estado. Um pessoal que insurgiu, entrou com processo e, no fim, não deu nada, porque foi tudo feito certinho. Eu fui responder lá em Cuiabá, eu disse pra eles: “Se coloquem na minha posição, eu sou representante da Presidência da Vale do Rio Doce na Urucum.” “Não, o senhor deveria se opor.” “Se opor por quê? Se a situação da empresa é difícil, o governo do Estado não bota nada, só a Vale do Rio Doce. Então é direito que seja dela. Se ela comprou ou não comprou, isso foi interesse da companhia. Agora, eu, Presidente, se eu me insurgisse contra a venda para o Vale do Rio Doce, acho que o Presidente da Vale do Rio Doce teria me demitido na hora, e vocês, como Deputados não fariam o mesmo.” Acabou, não precisei falar mais nada. Lógico, você é dono de uma empresa como a Vale do Rio Doce. Tem aquele razimento lá, aquela operação, foi posta em leilão, a Vale do Rio Doce se interessou em comprar, o governo se interessou em vender. Agora, você, como Presidente, diz “não vende”. “Fulano sai daí que não é o teu lugar.”
P/2 – O senhor acompanhou o processo de privatização da Vale?
R – Não, eu apenas fiz um trabalho da empresa que ganhou o processo de avaliação da Vale do Rio Doce. Uma delas que pertencia ao grupo, foi a Engevix. Contratou-me para prestar uma consultoria com relação a parte ambiental, a reserva de desenvolvimento e a parte social da companhia. Eu trabalhei seis meses para eles aqui na Vale mesmo, mas não participei de nada.
P/2 – O que o senhor achou da privatização da Vale?
R – Depois de contar toda essa história, me jogar de corpo e alma numa empresa dessas, jamais gostaria que ela tivesse sido, assim... Pode ser que tenha sido um bem, pode ser um mal, mas eu acredito que para o governo não foi um bom negócio, isso eu digo. Porque em três anos ela está paga, praticamente, com os lucros que a companhia deu. Se desfazer de um negócio desses, eles quem sabem, são os donos. Dizem que quem mandam quem pode, obedecem quem tem juízo. Eu, lógico, intimamente não entrava nessa.
P/2 – Que ano o senhor saiu da Vale?
R – Foi em novembro de 1994 que me aposentei, e eu tenho prestado algumas consultorias. Agora estou com uma consultoria da Alstom do Brasil, para projetos ferroviários.
P/2 – Fazendo um balanço da sua trajetória de vida, se o senhor tivesse que mudar alguma coisa, o senhor mudaria?
R – Eu repetia tudo de novo. Eu já disse isso num dos discursos que fiz por aí. Foi uma aventura na minha vida, fantástica, um exemplo para os meus filhos. Um deles, inclusive, Francisco Carlos, ele foi contratado pela Vale do Rio Doce, depois assumiu o cargo de Diretor Comercial da Aluvale e depois saiu. O outro trabalhava para a Christiani-Nielsen quando construiu o Píer de Praia Mole para minério de carvão e aquele caso de placas. Depois fez outras obras para Vale e hoje ele trabalha para uma firma em São Paulo que fica perto de vocês, mais ou menos, na Panamericana, Máxima Engenharia. Tem obras em vários pontos aí do Brasil: Paranaguá, São Francisco...
P/1 – Qual é o cotidiano do senhor hoje?
R – Uma coisa que eu nunca tinha pensado era em organizar minha vida. Todos nós somos assim, damos tudo de nós para uma empresa que gostamos e esquecemos de nós. Agora reorganizei todos os meus arquivos. Antigamente, para eu achar um papel, perdia um tempão. Agora, não. Controlo meus contracheques, meus recibos para imposto de renda... Tem que controlar tudo, porque senão você está frito. E mantive um pouco mais de contato com minhas bases, porque esqueci de falar um negócio para vocês. Como professor da Escola de Engenharia eu tive alunos como Jaime Lerner que é o governador do Estado do Paraná, Karlos Rischbieter, ele e a esposa, Maurício Schulmann,
Denis Schwartz, que foi Ministro, Osíris Stenghel Guimarães, que é o Presidente da Ferroeste e do Porto Paranaguá. Tive gente que hoje, cada vez que me encontra... Certo dia desci no Porto de Imperatriz, aí o sujeito foi chegando e: “Professor, na Escola de Oficiais Especialistas... Eu sou Comandante da Base aqui.” Volta e meia você encontra isso. Eu me dediquei também à Escola de Engenharia, tive um período bom, marquei época. Gosto de fazer as coisas certinhas, direitinhas. Imprimo isto nos meus filhos, meus netos... Tenho cinco netos dos quais um está estudando propaganda e marketing; outro no quarto ano de engenharia no Fundão; minha neta quer entrar na faculdade em julho; a outra ainda esta fazendo o curso de ciclo, ela e o mais moço; o mais moço tem quinze anos é mais alto do que eu.
P/2 – O senhor tem um grande sonho de vida?
R – Um sonho grande da minha vida foi ter uma certa posição na vida por ser empregado da Vale do Rio Doce. Por ter sido empregado da Vale tantos anos que a gente aprendeu tal, etc. E constituir a família que constituí eu, minha esposa, meus dois filhos, minhas duas noras e meus cinco netos. Aliás, completei cinquenta anos de casado, que é uma marca que hoje em dia, pouca gente consegue atingir. Até se vocês quiserem, posso trazer a fotografia.
P/2 – Gostaríamos muito.
R – Agora, nesta altura da vida, gosto de viajar, exterior... Quero ver se tiro agora um passaporte italiano. Posso ter facilidade, descobri onde meus avós nasceram. Vou lá de trem na próxima viagem à Europa, pegar um trem em Roma. Vou até Maratea, me hospedo lá e vou subir quarenta quilômetros da serra para ir à Lauria. Os pais de minha mãe eram de Torino, já é mais fácil mas precisa dos documentos do pai.
P/2 – São paternos?
R – É.
P/2 – Pra encerrar a gente gostaria de saber o que o senhor achou da experiência de ter dado um depoimento pra um projeto memória da companhia.
R – Eu achei excelente porque existe uma publicação de cinquenta anos da Vale do Rio Doce com que eu me decepcionei, com toda sinceridade. Porque eu nunca fui ouvido, nunca fui “cheirado”, como se diz na gíria. Eu acho que quem deu de sua vida tanto tempo, arriscou sua vida para o bem da companhia e fez pela companhia, diz: “Você tem uma situação boa hoje porque você foi empregado.”
Sim, mas eu dei de mim, não foi de graça. Se a companhia me pagou é porque eu dei da minha vida por ela. Agora, chega, vai fazer um relato da Vale do Rio Doce desse tamanho, não vale quanto pesa, sem fazer uma referência de um cara que andou de helicóptero em cima da selva para ver problemas da Vale do Rio Doce. Eu terminantemente sempre falei, só uns apaniguados que tiveram referências. Por quê? Isso era minha pergunta. E agora, quando soube desse projeto e sabendo que vocês queriam entrar no âmago das pessoas, coisas pessoais que surgiram com você, o que você fez pela empresa, o que você deu pra empresa... Porque não vai ficar em vão esse tempo que eu fiquei na Vale do Rio Doce. Trinta e um anos, agora vai ser dito o que eu fiz, o que ninguém disse, que às vezes por modéstia você não conta, não fala, ou talvez não chegue ao interesse de certas pessoas, então fica apagada. É lógico, que gostei muito, estou à disposição, quero ver se acho as fotografias que eu falei pra vocês que tenho da Serra Pelada, que estive lá com os garimpeiros, vendo lá eles carregarem os sacos nas costas, subindo aquela, parece, Babilônia.
P/2 – Impressionante, as imagens são impressionantes.
R - Entendeu? Tenho as fotografias disso, tenho fotografia da ponte, tenho algumas fotografias de reuniões que tivemos com japoneses, etc. Quero ver se acho pra trazer pra vocês. Agora, é aquela história. Houve uma reforma lá em casa e você guarda papel pra cá, aquela história, tô chegando lá, tô organizando… (risos) Não chegou ao ponto que eu queria. Agora instalei, há pouco, a internet, vou começar a navegar. (risos)
P/2 – Gostaria de agradecer imensamente ao senhor.
R – Olha o dia que vocês precisarem, se quiserem mais alguma coisa, estou a dispor de vocês.
P/2 – Claro, uma história de amor.
R – Uma história de amor, sem dúvida, e de suor. (risos)