Projeto Memórias da Companhia Vale do Rio Doce
Entrevista de José do Nascimento Ribeiro
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 09/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista: CVRD_HV103
Transcrito por Andréa Afonso
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Boa ta...Continuar leitura
Projeto Memórias da Companhia Vale do Rio Doce
Entrevista de José do Nascimento Ribeiro
Entrevistado por Paula Ribeiro e Eliane Barroso
Rio de Janeiro, 09/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista: CVRD_HV103
Transcrito por Andréa Afonso
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Boa tarde!
R – Boa tarde!
P/1 – Nós começamos a nossa entrevista sempre perguntando nome, local e data de nascimento do nosso entrevistado.
R – Nome: José do Nascimento Ribeiro. A segunda pergunta?
P/1 – Local de nascimento?
R – São João de Muqui, Espírito Santo.
P/1 – Data?
R – Três de julho de 1931. Há uma pequena... Eu, na realidade, nasci no dia quatro. É por isso que eu sou escuro assim, nasci de noite, dia quatro de julho.
P/1 – Nome dos pais?
R – João de Almeida Ribeiro e Brígida do Nascimento Ribeiro.
P/1 – Você conhece um pouco a história da sua família?
R – Pouca coisa.
P/1 – O que é que você se lembra? O que você conhece?
R – Lembro assim, vagamente... Porque saí cedo, eu saí... No ginásio eu mudei de cidade, então o pessoal da família… Aquilo vai apagando com o tempo, e praticamente eu nunca mais voltei. Voltei 25 anos depois, e aí as pessoas são outras.
P/1 – Mas seus pais são da mesma...
R – É, da mesma região. A minha mãe era professora, o meu pai, farmacêutico. Ele era mais velho que ela, e a família do meu pai é de tradição toda de fazendeiros de café, produtores de café dessa região. Porque a cidade que eu nasci era praticamente um pequeno núcleo, uma povoação pequena, rodeada de fazendas de café. Basicamente tinha uma estação de ferro, de estrada de ferro, onde era embarcado o café na época da produção. Não tenho assim muito mais lembranças de parentes, isso está muito vago na minha cabeça – são quase setenta anos, né?
P/1 – E os avós? O senhor conviveu com alguns dos avós?
R – Não, praticamente não. Tenho uma vaga lembrança, porque [quando] eles morreram eu era muito pequeno. Não tenho não.
P/1 – Mas alguma história de ouvir contarem do avô?
R – Não. Assim, que eu me lembre, não.
P/2 – E por parte de mãe?
R – Também não. Quer dizer, talvez isso seja um defeito que eu nunca... Isso de árvore genealógica, nunca me interessei muito por isso não. Quer dizer, eu me lembro, assim, de parentes por parte de meu pai, onde eu convivi mais. Da parte da minha mãe, tem uma descendência indígena assim… Também não sei, não tenho muita ideia não.
P/1 – A infância o senhor passou nesta cidade em que nasceu?
R – Isso eu me lembro bem!
P/1 – Então conta um pouquinho para a gente as suas memórias desse período.
R – Eu nasci numa casa que era situada em um terreno muito grande, um terreno de uns quatrocentos mil metros quadrados, mais ou menos. Era quase como uma quinta. Tinha até rio dentro, tinha animais – era um terreno grande; tinha plantação de laranja, horta, tinha tudo isso – isso me lembro bem. E ali eu vivia uma vida de liberdade, né? Tanto que no dia que me levaram para o colégio, para mim foi uma coisa estranha. Quer dizer, até seis anos e pouco eu vivia nesse paraíso, e um dia botaram… Minha tia morava conosco, e ela era professora, foi ela que me ensinou. Era a irmã mais nova de minha mãe, e ela começou a me ensinar a ler. E um dia compraram uma roupa, botaram em mim e quando percebi estavam me levando para a primeira aula. Aí, quando eu perdi a liberdade, pulei a (cena?) do muro e comecei a fugir, eu não queria isso. Porque a primeira grande mudança é quando você perde a sua liberdade de infância. A cidade era uma cidade bem limpa, bem organizada, bons projetos de arquitetura. Inclusive, uma das casas é tombada pelo Patrimônio Histórico do ________ Nacional.
P/2 – E a sua casa, você se lembra como era?
R – Lembro vagamente, mas lembro. Era no meio de um jardim... Quer dizer, tinha, na frente, um jardim; do lado tinha um pequeno riacho onde morava o avô do Roberto Assad e… Era jardim… Era uma casa assim, tipo colonial, telha colonial, e atrás tinha plantação de laranja, tinha galinheiro, curral com porco, com cavalo... Mais o quê? Tinha boi! Isso era mais ou menos no centro da cidade, porque numa cidade pequena isso é simples, não é?
P/2 – E quais as brincadeiras?
R – Arte o tempo todo, não é? Fazendo besteira o tempo todo, desde pequenininho. Não, era... Do que que a gente brincava? A coisa ficava restrita a essa área porque tinha muito terreno, não é? Era andar a cavalo, coisas desse tipo assim, e esses jogos normais: pião, bilboquê, coisa de criança, não é?
P/1 – Mas vocês tinham que ajudar em casa, ou com os animais, ou na horta, alguma coisa?
R – Não, não, tinha gente...
P/1 – Tinha empregado?
R – Tinha empregado para tomar conta, tinha jardineiro que cuidava da horta. Tinha um tipo de vida completamente... Não existe mais isso, não é? Isso há quase setenta anos. Isso não... Quer dizer, os meus filhos e os meus netos vão ter uma vida completamente diferente. Meu filho mais novo, um dia... Ele não conhecia um porco. Um dia eu levei ele ao Espírito Santo e disse assim: “Eu vou te mostrar um porco.” Ele disse assim: “Um porco?” – Ele ainda era pequenininho. “Porco, porquinho, ele já me conhece!” Quer dizer, eu nasci nesse meio, meio rural, e o meu filho conhecia um porco de retrato. Quer dizer, ele nunca tinha visto um porco.
P/2 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho mais dois irmãos, eu sou o do meio. Tem o mais velho, que é engenheiro químico, e tem o mais novo que, por ‘deformação profissional’, também é arquiteto (riso). O mais velho é um ano e um mês a mais do que eu, e o mais novo é oito anos mais novo do que eu. Somos três, no total.
P/2 – E como é que era em relação às exigências dos pais, por exemplo, em termos de educação? Vocês todos estudaram? Era uma meta estudar, fazer universidade? Como é que era isso na sua casa?
R – Não, nunca houve exigências por parte dos nossos pais: liberdade total para aquilo que você quisesse escolher. Inclusive no Senado; quer dizer, nunca houve pressão por parte dos meus pais para que eu fosse fazer alguma coisa. “O que você quiser escolher, eu apoio”. Acho bacana, isso. Quer dizer, terá todo o apoio financeiro, mas você é que terá que decidir o que você quer, porque isso é uma decisão que vai perdurar pela vida inteira. Meu irmão mais velho foi ser químico, engenheiro químico, e meu mais novo, acho que, talvez por uma influência… E conviver vendo eu desenhar, porque ele desenha... Quando eu falo que ele desenha muito melhor do que eu, ele fica todo encabulado. E realmente, desenha muito bem. E talvez a convivência comigo… Ele ia fazer, ele chegou a fazer vestibular para o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], em São Paulo. Mas o perfil dele não tem nada a ver, ele seria a última pessoa que eu acreditaria que fosse entrar no ITA. Um dia eu cheguei para ele: “Você não está com alguns escrúpulos? Você não gostaria de ser arquiteto?” O dia que eu falei isso, ele mudou, passou… Passou bem, sem problemas. Acho que ele é um bom arquiteto.
P/2 – E você foi para a escola com que idade? Você disse que aprendeu em casa...
R – Ah, eu tive problema, depois, para entrar no ginásio, problema de seis meses; parece que tinha um problema de data, parece que tinha uma idade mínima. Eu devo ter aprendido a ler com seis anos, por aí assim. Com sete [anos] eu estava fazendo caricaturas (riso).
P/2 – E como é que você...
R – Não, isso aqui... Sabe que eu não me lembro disso aqui, não? Quer dizer, foi por um acaso que eu fui pegar isso aqui.
P/2 – Você não se lembra de desenhar?
R – Ah, não! Isso não passa, desenhar não... Você tinha todo o tempo livre! Um terreno daquele tamanho para fazer bagunça, eu vou ficar dentro de casa, desenhando? Isso é para quem fica confinado em uma sala. Mas não, lá não. Era fazer armadilha para pegar bicho, era coisa desse tipo, assim . É um tipo de vida que não existe mais, trepar em árvores...
P/1 – Mas já gostava de construir aquelas armadilhas, aquelas coisas? Você já gostava?
R – Ah! Isso era comigo! Eu sempre fui um cara muito habilidoso. Até um dia desses eu estava almoçando com o Costa Bravo e disse assim: “Eu, minha grande frustração da vida foi não ter sido marceneiro. E por incompetência acabei sendo arquiteto.” Porque o Costa Bravo também é um bom marceneiro. Eu sempre gostei disso, eu tenho muita habilidade manual. Talvez tenha herdado da minha mãe. O meu pai era ruim em tudo, como o meu irmão mais velho. Meu irmão mais velho, a cada dez marteladas, oito ele acerta no dedo. Coisa de infância. Esse negócio é meio vago, mas eu tive uma infância fantástica. Talvez poucas crianças tenham tido a liberdade que eu tive. A convivência com meus pais, que eram duas pessoas fantásticas, eu acho, e que se davam maravilhosamente bem... Quer dizer, sempre assim, na base do conselho, nunca da pressão. Não houve isso. Eu não tenho essa lembrança de infância, nada.
P/2 – E você fica na sua cidade natal até que idade?
R – Olha, eu fiquei lá até 1945, porque eu estava estudando no ginásio. Mas em 1945... Depois nós nos mudamos para outra cidade, que é Cachoeiro – uma cidade perto. Isso foi em 1945. Eu fiquei interno, em 1945, no colégio que era uma espécie de presídio. O mal elemento era tudo... (riso) Depois _________ senador ________. Lá era assim: um depósito de mau elemento (riso). E eu fiquei lá uns seis meses depois que eu fui para Cachoeiro, fazer o científico lá.
P/2 – Por que razão você foi para um colégio interno?
R – Porque minha família mudou para Cachoeiro, e como já tinha começado... Eu devia estar no quarto ano do ginásio, mais ou menos isso. Aí minha família se mudou para Cachoeiro e eu fiquei lá, interno, com o meu irmão. Nós ficamos internos e depois nós fomos para Cachoeiro.
P/1 – Essa mudança para Cachoeiro foi por motivos profissionais do seu pai?
R – Meu pai, é.
P/1 – Trabalhar...
R – Ele tinha farmácia, e já era pequeno, o negócio. Realmente, a nossa cidade era muito pequena, um vilarejo que era quase uma espécie de um dormitório de uma série... Se você olhar no mapa – eu até trouxe o mapa do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] –, tem uma pequena ferrovia com uma rodovia ao lado, uma estação com algumas casas, com um bar pequeno, e o resto em volta eram fazendas de café. Eram sessenta fazendas de café, um grande centro produtor de café naquela região. Isso em quarenta e pouco, por aí, assim. Depois começou a declinar, virou pecuária. Hoje há uma dificuldade… Hoje eu já nem sei mais do que vive a cidade. Quer dizer, nunca se tornou industrial, não tem indústria nenhuma lá. Hoje acho que é uma região leiteira. Também não voltei mais lá. Eu não sou muito de sentimentalismo, não sou muito chegado a isso não,
voltar à terra... Aquilo que me interessaria, que são as pessoas, não existem mais: vai ver o quê? A casa onde nasci, nem sei se existe mais. Acho que _________ uma referência geográfica, né?
P/2 – E no colégio interno você ficou seis meses e depois foi para junto da sua família?
R – Fui para o presídio... (riso)
P/1 – Por que você diz que é um presídio? Como era o convívio?
R – Porque eu era bagunceiro, né? Eu era meio... Não sei se era rebelde. O meu irmão mais velho sempre foi muito estudioso, sempre foi um dos melhores alunos da turma. Eu não, em matéria de bagunça eu era um dos melhores, tranquilamente, e sempre ficava de castigo. Lá tinha... A disciplina era um negócio meio duro. Você agiu mal, ‘pá’. Tinha lá um famoso ‘quartinho azul’, era uma coisa que só tinha uma porta e não tinha janela. Você ficava confinado ali, ficava de castigo lá dentro, ou, senão, ficava na sala fazendo cópia: “Não devo fazer bagunça em aula.” Coisa desse tipo. Foi aí que eu inventei – eu era um cara habilidoso... Peguei mil vezes copiar: “Não devo fazer bagunça em aula”. Aí peguei cinco lápis, cortei assim do lado, juntei, e fiz cinco linhas de cada vez (riso), aí acabava mais depressa, né? Eu era cliente tranquilo daquele famoso quartinho azul. Mas foi uma época boa, tanto que uma data que marcou muito, quando eu estava no colégio, foi o dia em que terminou a guerra: oito de maio de 1945. Nesse dia eu estava de castigo e todo mundo: “Acabou a guerra!” Então [iam] liberar todo mundo, os alunos internos voltar para casa. Mas aqueles que faziam bagunça, que estavam sendo castigados, ficavam presos. Eu estava preso e fugi, fugi do colégio. Nesse dia o trem virou, o trem que nós estávamos fugindo para Cachoeiro... Quase que eu morri. Tombou entre Muqui e Cachoeiro, o trem virou. Foi um negócio! Uma coisa que marca muito! É aquele momento em que você está... Poderia ter morrido! Depois o diretor do colégio começou... Quando soube que o trem tinha virado, [que] tinha uma porção de alunos – tinham ido para a casa, né –, aí é que o negócio complicou, porque tinha os que estavam autorizados e os que não estavam autorizados; muita gente fugiu, e eu estava entre esses que fugiu. E foi um negócio muito marcante.
P/1 – Mas em relação à guerra, alguma lembrança especial de notícias?
R – Não! A fuga, o trem ter virado… Eu podia ter morrido! Houve alguns feridos, mas não houve nenhuma morte. Mas eu podia ter morrido nesse negócio! Quer dizer, fugi do colégio… Agora, você imagine a responsabilidade de um diretor que tem a guarda de um aluno sob a responsabilidade dele e o cara foge! Quer dizer, não estavam autorizados, ele teria como... Mas é uma coisa que me marcou bem, assim. Me lembro do tempo de ginásio, isso eu me lembro bem. Inclusive, até de um detalhe, quando o trem... Aquela imagem que não apaga! Você leva um choque tão grande que essa imagem não apaga nunca! Uma coisa que fica tão marcada! Eu me lembro do trem fazendo uma curva, um sujeito abriu a porta e deu um berro, era de noite, ele deu um grito assim: “O trem vai virar!” O trem virando e você não sabia onde estava! Luz, quebrou tudo. Então aquela imagem do sujeito abrindo a porta eu tenho até hoje, uma coisa que me... Naquele momento o sujeito viu o trem atrás e ele estava tombando os vagões que vinham atrás – era o vagão de passageiro. Quer dizer, ele estava na plataforma quando viu os outros virando, e ele abriu a porta e falou: “Vai virar!”, e quando ele acabou de falar aquilo, foi todo mundo... E com isso eu bati com o rosto em uma quina, em uma coisa de madeira, e fiquei com isso aqui enorme, perdi um pedaço de... Mas felizmente... Ficou um buraco aqui (riso), tive que botar um... Para tapar. Fiquei com a dentadura um pouco deformada, mas felizmente estou vivo até hoje.
P/2 – E você vai para Cachoeiro com que idade? Com esses quinze anos?
R – Em 1945 eu terminei o ginásio – depois eu vou te mostrar como eu era em 1945, tenho retrato aqui. Em 1945 fui fazer o científico.
P/1 – Nessa época você já desenhava mais, já curtia, gostava? Qualquer momento que você parasse um pouquinho você já estava rabiscando?
R – Eu acho que isso foi... Desenhar para mim é um negócio assim: eu gosto de desenhar quando me dá vontade, não é que… Entendeu? É uma coisa assim, natural, impulsiva; você tem uma boa ideia, vai lá e faz a coisa. Não é nada, assim, orgânico, tipo Van Gogh, que pintava... Não é nada disso. Tem hora que dá vontade de fazer, eu sento na prancheta, vou lá e desenho. Acho que aí é que saem as melhores ideias, talvez, porque não tem compromisso com nada, só com você mesmo, de estar com vontade de fazer a coisa. Mas isso não... Quando eu fui para Cachoeiro, fui estudar em um colégio estadual, o Muniz Freire. Praticamente era o único colégio que tinha lá, grande. E lá passei os três anos também. Bem, eu sempre fui muito de festa, baile, namoro; estudar não era a minha praia (riso).
P/2 – E que tipo de baile?
R – Ah! Aquilo era… A gente não perdia um baile! Até depois de um tempo eu dizia: “Era Juscelino e eu” (riso).
P/2 – Ele gostava de dançar?
R – Pô! O Juscelino era um pé-de-valsa, tanto que o apelido dele era ‘pé-de-valsa’.
P/2 – E que tipo de ____________?
R – Ah, qualquer uma. Minha mulher sendo bonita, não tem esse negócio não. Eu gostava de dançar, nisso eu passei o tempo todo. Estudando, estudar mesmo… Quer dizer, eu desenhava... Esporte, eu nunca fiz esporte, nunca consegui nem ginástica, uma coisa estranha. Quer dizer, eu acumulei energia, porque eu nunca gastei energia fazendo nem ginástica. Eu arranjava sempre um jeito de não fazer ginástica, sempre fui contra esporte. Uma coisa estranha, não é? Não gosto mesmo, nunca pratiquei esporte nenhum. Eu tentei uma vez fazer remo, mas eu comecei a remar… Eu chegava, depois, ficava tremendo. Eu disse: “Eu tenho que escolher. Gosto de desenhar, não vou ficar com a mão muito pesada, então eu vou desistir disso.” E talvez a primeira incursão em um determinado esporte eu acabei desistindo, nunca mais fiz nenhum. Foi a primeira e única tentativa. Nada de futebol, basquete, nada disso. Sempre fui muito ruim nisso. Eu era muito bom em bola de gude, pião, essas coisas que não tem que fazer muita força era comigo. Tinha uma visão sempre muito boa, noção de profundidade, espaços, esse negócio. Tudo aquilo... Sinuca. Sinuca eu era muito craque, mas porque não tem que fazer esforço. Esse negócio de fazer esforço de graça não é comigo.
P/1 – E em relação a esses bailes, festas: vocês tinham uma turminha assim, de rua, ou de bairro? Que bairro você morava na cidade, se reuniam onde?
R – Sempre no bar (riso).
P/1 – Tinha algum barzinho? Qual era o nome do bar lá da sua época?
R – O bar, deixa eu ver… Tinha o Bar Central, uma coisa assim, era no centro da praça. Antes de ir para o baile, a gente sentava lá e já ia todo calibrado para o baile.
P/1 – Você bebia o quê?
R – O que a gente bebia? Na época existia um... Era rum, era rum. Existia um negócio que a gente bebia muito que era cinzano com... Porque uísque não era ainda, não chegava. Quer dizer, hoje, lá em Cachoeiro, é possível que você compre uísque com facilidade, mas na época não tinha facilidade assim, não. Então a bebida era rum, cachaça, cinzano, coisa desse tipo assim, bebida pesada, não é? E a gente, antes de ir para um baile, chegava lá e... Não sei se era para tomar coragem… A gente bebia bem, gostava de uma farra.
P/1 – Os bailes eram com banda ao vivo, tocando, ou era a disco?
R – Claro, orquestra, orquestra! Um negócio chique!
P/2 – E como vocês iam vestidos?
R – Nós íamos de terno, um negócio muito formal.
P/2 – E as moças?
R – O normal da época. Era uma das poucas coisas que você tinha para fazer numa cidade do interior. Não tem muito mais o que você fazer, não é? Porque nessa época, um pouco antes de 1950, ia fazer o que numa cidade do interior? Não existia televisão, não existia nada disso. A vida era isso mesmo: ir para baile, dançar, namorar, não tinha muita...
P/1 – E quando surgiu a ideia de fazer arquitetura?
R – Eu acho que com sete anos eu cheguei a essa conclusão. Não, é uma coisa inconsciente, porque que eu… É aquilo que eu falei. Tenho até uma fotografia de um amigo meu que é advogado, meu colega de científico, até; nós andávamos sempre no aterro, ele disse: “O que é que nós estamos fazendo aqui?” Porque ele nasceu em uma cidade perto, em Mimoso [do Sul]. Eu disse: “(Ricardo?) o que é que nós estamos fazendo aqui?” Realmente, você não tem uma explicação, não é? Quer dizer, são acontecimentos que vão se sucedendo e que você... Foge um pouco da sua... Até da compreensão, não é? O que é que eu vim fazer no Rio? Eu não sei. Talvez porque eu tenha vindo fazer arquitetura. Por que eu fiquei aqui? Eu também não sei. Eu nunca pensei em outra profissão. E é estranho para mim, às vezes eu fico analisando isso, porque eu acho que nunca ouvi ninguém da minha cidade... Depois eu fui saber que existem outros arquitetos, tem o meu irmão, tem uma que parece que foi sócia da Mônica, filha do
Eliezer Batista, que é arquiteta também, e mais uns dois ou três. Pelo número de habitantes, tem uma quantidade muito grande de arquitetos, eu não sei por qual razão. Mas eu nunca pensei em fazer outra coisa, medicina... Não, eu vim direto fazer arquitetura.
P/2 – Você veio para onde?
R – Vim aqui para o Rio. Saí de Cachoeiro, terminei o científico, vim fazer vestibular. Cheguei aqui, é evidente, reprovado, sem dúvida nenhuma. Quer dizer, eu terminei o científico em dezembro, vim fazer o vestibular em fevereiro, é pau tranquilo. O colégio que eu estudei era muito ruim. Hoje, olhando de longe, assim, era muito ruim. Tanto que tinha uma carreira que era eliminatória no vestibular, e eu cheguei aqui, nunca tinha ouvido falar. Quer dizer, peguei a prova, olhei, olhei – para não fazer muita vergonha – e em uma meia hora lá levantei, entreguei e fui embora. Quer dizer, eu nunca tinha ouvido falar naquela matéria, naquela geometria descritiva, nunca tinha ouvido falar na escola.
P/1 – E você tinha família aqui no Rio?
R – Não, vim para cá, botei uma mochila nas costas e só me lembro da minha mãe dizendo assim… Peguei um trem de manhã, cedinho, vim para cá e ela me disse assim… Me deu um abraço e disse assim: “Vá com Deus e seja feliz!” Só isso que ela falou. Isso deve ter sido em fevereiro de 1950.
P/1 – Mas por que o Rio de Janeiro? Por que você escolheu vir estudar no Rio?
R – Por causa da Faculdade de Arquitetura. Acho que... Tenho a impressão de que não existia, acho, que nem em São Paulo. Mas o Rio era muito mais perto e tinha muito mais charme, não é? (risos). Talvez, não sei.
P/1 – Vitória não tinha?
R – Não. Eu acho que até
hoje ainda não tem.
P/1 – Ah é?
R – Não. Porque você vê o tempo passar... O meu pai, quando foi estudar, era uma verdadeira odisséia, era uma verdadeira viagem à lua, uma coisa assim. Ele foi estudar em Leopoldina, levava dias para chegar lá. Era uma odisséia chegar lá. Quer dizer, primeiro tinha que ter recursos e, segundo, você não pegava em um aeroporto um avião e chegava em meia hora, uma hora – demorava dias para chegar lá. Ele ficava interno. Então, talvez por isso, no Rio... Vitória não tinha Faculdade de Arquitetura, São Paulo era muito longe... Nós estamos falando de quarenta anos atrás, cinquenta anos atrás, não é? Vocês nem pensavam em nascer (riso).
P/1 – E qual foi a sua primeira impressão quando chegou à cidade? Você se lembra desse ___________?
R – Não, eu já conhecia o Rio.
P/1 – Ah, você já conhecia.
R – Eu já conhecia, porque eu tinha o meu irmão mais velho que estudava aqui, estudava Química. E eu vim para cá, mas... Eu me lembro de ter feito a prova na Escola de Belas Artes, o vestibular de arquitetura lá, e peguei...
P/2 – E onde ficava?
R – Na escola de Belas Artes, ali ao lado do Municipal. E eu peguei aquele negócio assim, olhei para aquilo e não sabia nem o que era aquilo. Para não passar vergonha – como eu tinha dito –, fiquei um bocadinho assim, depois fui lá e entreguei a... E era um apartamento grande, era uma república de estudantes, tinha dois estudantes de Engenharia, dois de Medicina, e eu fiquei no lugar dele. Quando o meu irmão estava estudando, ele voltava para Cachoeiro, coincidia as férias dele com o vestibular aqui, e tinha lá um... O primeiro contato que eu tive com o C.P.ºR. Quando me falaram aquele negócio, eu disse: “Mas o que é isso aí, C.P.ºR?” “Você faz o serviço militar… Você, depois que entra em um curso superior, vai fazer e sai como oficial da reserva.” Eu disse: “Eu como oficial da reserva? Para que isso, se eu posso ficar na minha casa, tendo baile toda semana? [Ficar] fazendo Tiro de Guerra?” Quer dizer que duas vezes por semana você fica em casa. Aqui não, aqui o negócio... Você tinha que passar as férias, domingo, um negócio meio absurdo para mim. Aquilo, na minha cabeça, não dava, aí acabei ficando lá até fazer um Tiro de Guerra. Fiz o Tiro de Guerra lá porque era muito mais cômodo, muito mais simples do que vir para cá e ficar... Quer dizer, perdi as férias, porque durante as férias parece que era todos os dias. Saía segundo tenente, mas para quê? O meu negócio era ser arquiteto, não era ser militar.
P/1 – Mas a sua profissão… Quer dizer, você tinha isso muito firme em você? A Arquitetura já era, para você, uma meta, uma opção?
R – Eu não sei se eu tinha a visão do que era a Arquitetura, o meu negócio tinha que ser alguma coisa com desenho, alguma coisa com habilidade, porque eu tenho muita habilidade. Quer dizer, habilidade com a mão, fazer coisas com a mão. Então eu disse assim: “Qual é a profissão...”. Eu poderia, talvez, ter sido um cirurgião, desde que eu gostasse de ver sangue, não é? O que não é o meu caso. E por falar nisso, tem uma história muito triste, um negócio muito desagradável, que até hoje eu tenho, que é... Talvez por isso, entre ser cirurgião… De ver sangue. Eu participei de um negócio que talvez pouca gente saiba, que foi o caso do Roberto Carlos.
P/1 – E Cachoeiro que o senhor fala é Cachoeiro do Itapemirim?
R – É.
P/1 – Que é a cidade onde ele nasceu?
R – Eu tenho uma lembrança muito... Toda vez que eu olho ele na televisão, em qualquer lugar, isso me dá uma tristeza muito... Porque eu segurei ele para cortar a perna dele, um negócio que para mim, até hoje… É muito duro ter participado daquilo, segurar a perna dele, com o médico cortando. Foi na farmácia do meu pai. Mas é um negócio assim... Inclusive eu tenho uma casa aqui em Recreio que a mesa de manipulação da farmácia está lá até hoje, onde ele foi sentado para cortar a perna. Como aquele negócio do trem marcou muito… Quer dizer, eu não posso ver sangue, isso me dá uma... É um trauma que eu tenho. Tanto que… A minha mulher também é lá de Cachoeiro, e toda vez que aparece o Roberto Carlos eu... É uma coisa estranha, vem na minha cabeça aquela imagem, uma coisa horrível. Ele era pequenininho, devia ter uns nove anos, mais ou menos. Você segurando ele, a perna toda esmagada… O trem passou em cima da perna dele. Tivemos que cortar e depois botar aquilo dentro de uma caixa, para depois mandar para o pai [dele]. É muito desagradável isso, muito triste.
P/1 – Qual era o nome da farmácia do seu pai?
R – Lealdade.
P/1 – Lealdade.
R – Ele comprou já com esse nome. Engraçado, esses pequenos detalhes, a hora que se levantou a porta com o menino no braço, aquilo não apaga. É uma coisa estranha, não é? Você tem a vida, tem coisas tão bonitas e, de repente, você tem um negócio triste.
P/1 – Mas vocês conheciam ele anteriormente?
R – Eu era muito amigo do irmão dele. O irmão dele, mais velho, desenhava muito bem. Não sei nem se ainda é vivo, o Lauro. Mas eu tenho isso muito marcado, não sei. Engraçado, eu não sabia que ele era cantor, porque… Eu estava uma vez em São Paulo, estava almoçando na casa do Marcos Viana, que foi da Vale – eu não sei se foi presidente do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], e na época ele era diretor da Aços Anhanguera, em São Paulo. Eu estava almoçando na casa dele. Depois do almoço nós estávamos vendo televisão, tinha lá um sujeito cantando, sacolejando todo. Aí ele disse: “Juca, sabe quem é esse cara aí?” Eu disse: “Não, não tenho a menor ideia.” Aí ele disse assim: “Você se lembra de um menino que perdeu a perna lá em Cachoeiro, em um trem?” Aí, pô, aquilo... Quer dizer, como eu vim embora para o Rio, nunca mais tive contato, eu não sabia, eu não sabia nem que ele cantava. Eu não sabia que aquele cidadão da televisão era o que eu havia... Fui saber disso depois, na casa do Marcos, muito anos, muitos anos depois que ele já estava cantando em São Paulo. Mas isso é uma coisa que marcou muito, sabe? Vamos falar de coisa boa...
P/2 – A faculdade de arquitetura, como é que você entrou?
R – Bom, houve um hiato entre eu ter vindo para cá... A primeira vez eu sabia que não ia passar, não é? Terminado o científico num colégio muito ruim, em fevereiro venho: ‘pau’! Depois eu tive... Em 1952 eu vim fazer um curso pré-vestibular, se chamava (C.O.S.?). Aí fiz o curso… Isso foi em 1952. Em 1952 eu comecei fazer o curso e eu tinha um problema de visão, eu tinha uma infecção na vista, e tive que parar o curso. Depois eu fui para Cachoeiro, nas férias de julho, a minha mãe faleceu – um negócio meio complicado. Mas depois eu voltei ao normal e fiz o vestibular em 1953, quando eu passei. Passei bem, acho que dessa vez eu criei vergonha.
P/1 – Estudou aquela geometria (risos).
R – Eu tenho uma história… Agora, você conversando, você vai lembrando. Existe um famoso advogado aqui no Rio, Sérgio Bermudes; o pai dele foi meu professor de francês. Eu era muito bagunceiro. Uma vez tinha um prova mensal de francês – e eu, claro, não estudava –, fiz a prova e entreguei. Ele medeu zero vírgula cinco ebotou em vermelho assim: “_________________” (riso). Ele me deu meio porque eu tive o trabalho de dobrar o papel e escrever o cabeçalho, entreguei em branco… Copiar as questões. Quer dizer, deu meio para não dar zero. Aí, quando eu peguei aquele negócio, olhei assim “___________________”. Aí, tinha um amigo meu que era muito bom aluno. Ele disse: “Deixa, não fica triste não, vai estudar comigo.” Mas aquilo me abalou mesmo, aquilo... Problema de amor próprio. Você tem que ter amor próprio, o mínimo, autoestima. Aí comecei a estudar. Uma coisa curiosa: na prova seguinte, eu ganhei nove e meio. Aí ele começou com o maior elogio: “Olha, esse aqui é que é um aluno brilhante!” Quer dizer, é uma coisa curiosa. Como é que a gente, ao mesmo tempo… Uma repreensão pode mudar a vida de uma pessoa. A forma de você… E um elogio também pode te levar para um outro caminho. Moral da história: Com esse nove e meio e com esse elogio, passei a gostar de francês, inclusive cheguei a falar francês. Porque esse meu amigo falava muito bem francês, então só conversava com ele em francês. Isso foi em 1949, quando me formei – tem mais de cinquenta anos. Depois você não fala mais. Mas cheguei a falar francês por isso, por _________ próprio (riso).
P/2 – Em 1953 você faz, então, o vestibular e...
R – Faço o vestibular e o critério... Hoje parece que deve ser tudo diferente. O critério era o seguinte: você tinha... Existiam, basicamente, quatro cadeiras: desenho ________, desenho à mão livre, descritiva, matemática e física. Nessas quatro provas você tinha que fazer vinte pontos no total – quer dizer, só não passava quem fosse analfabeto. Porque duas eram eliminatórias, se você passasse nessas duas, você ainda tinha quatro chances de fazer os vinte pontos. Quer dizer, acho que era muito fácil passar, e… Mesmo nessa época o número de candidatos já era grande. Quando eu fiz vestibular, tinha quatrocentos [candidatos], mais ou menos, e o negócio estreitava para setenta, que era o número de vagas. A primeira prova era descritiva, por ser eliminatória. Porque realmente, é a cadeira mais importante que tem [na] arquitetura. Quem não souber descritiva, não pode projetar, não sabe projetar. E desenho à mão livre, porque desenho é um engano, acho… “Depois de tantos anos o arquiteto tem que saber desenhar”. Não é isso não. Arquiteto tem que ser criativo, é a primeira condição. O desenho é apenas um instrumento para ele transmitir à outra pessoa aquilo o que ele pensa. Como ele organiza o espaço, aquele negócio todo. O desenho, essa concepção que eles têm de desenho... Inclusive eu tive isso muito cedo, porque no curso (EOS?) existia um professor de Belas Artes chamado Armando Pacheco, se não me engano. Ele era pintor, e quis me encaminhar, dizia que eu não deveria fazer arquitetura, deveria fazer Belas Artes. Eu desenhava muito bem, até tem esses desenhos do tempo de vestibular, dei para minha filha de presente. “Você deve fazer Belas Artes, e não arquitetura.” Aí eu comecei a olhar para o desenho dele e não... Comecei a analisar o desenho que eu fazia, e: “Eu acho que não é isso não. Tenho a impressão que, para mim, o desenho é uma coisa um pouco diferente”. Para mim, o cara que melhor desenha, até hoje, chama-se Oscar Niemeyer. O desenho é como a sua caligrafia, como a minha: cada um tem uma letra diferente. Quer dizer, o que é o desenho? Você tem que passar para o papel uma ideia, você tem que exprimir. Você podia fazer aquilo descrevendo. Um romancista faz escrevendo, um arquiteto faz desenhando! É uma forma mais rápida de você se expressar, é uma forma de expressão, tem que ser caligráfico. Eu fazia aquele negócio todo... Tanto é que a prova, quando você fazia no vestibular, você fazia prova de figurado, e eram quatro horas. Mas o desenho que você fazia lá não precisava de mais de uma hora. Você ia lá, acabou; aquilo em uma hora você vai embora, vai para a praia – também era eliminatória. Depois tinha matemática escrita e prova oral de matemática, e prova escrita e oral de física. Então, nesse bolo todo, você tinha que fazer vinte pontos. Uma coisa que eu me lembro bem foi que eu já estava namorando minha atual esposa, e estava na praia [quando] saiu o resultado do vestibular. Não passei, não estava o meu nome. “Não é possível! Tirei zero em alguma coisa”. Mas não, depois houve uma correção, eu fui chamado para fazer prova oral. Nessa época tinha o (Melli Souza?) o (Balbazar?), que era catedrático de matemática. Mas era uma figura curiosa, porque ele, apesar de ser catedrático de matemática, ele achava que arquiteto não tinha que saber matemática. “Vai saber matemática para quê? Você tem que saber somar, dividir, multiplicar, saber cálculo integral, tensorial? Isso é besteira”. Quer dizer, ele tinha consciência disso, tanto que, no vestibular, quando eu sentei para fazer prova oral, ele sentou e puxou um papel – nunca me esqueci disso –, olhou e disse: “Você acha possível uma viagem à lua?” Eu achei aquilo muito esquisito. E uma das coisas que eu gostava de ler muito era sobre astronáutica, aí aquilo foi um passeio. E ele não perguntou absolutamente nada de matemática. Eu tinha passado num outro que era o Chafic Haddad, que foi até presidente do Conselho Deliberativo do Fluminense. Você conhece ele?
P/2 – Não, só de nome.
R – Então, o Chafic era o outro professor, um era catedrático, e o outro... Sei lá, ele mandou: “Você pega e faz uma equação.” Eu cheguei lá e evidente não sabia nada daquilo. Aí o (Balbazar?) perguntou assim: “E esse moço, como é que ele foi?” “Aqui ele foi muito mal, ele não é do ramo.” Realmente, eu não sabia. “Engraçado, porque aqui ele foi maravilhosamente bem.” Ele puxou assim e – eu me lembro bem disso – “Meu filho, eu não sei o que você está fazendo sentado aqui.” “Por que, professor?” “Porque você tirou dez em figurado e oito e meio em descritivo.” Eu tinha feito… Em duas provas já tinha feito 18,5. “Eu não sei o que você está fazendo aqui, já vi que você não é do ramo. Você não sabe nada disso!” Tanto que no primeiro ano em matemática eu fui para a dependência (riso). Isso é uma coisa que marcou no vestibular. Eu passei, fui um dos primeiros a passar, fui o primeiro da turma. E o curso fiz bem, mas tudo o que se relacionasse com desenho. Cadeiras como concreto armado, matemática, isso não é o meu negócio.
P/1 – Teve algum professor na universidade que tenha te marcado muito?
R – _________ foi um deles, (Balbazar?). A expressão: “Eu não sei o que você está fazendo sentado aqui nessa cadeira, porque você já passou há muito tempo.” (riso) Porque as provas que eram eliminatórias no vestibular foram as que eu passei bem, porque era o que eu sabia fazer bem, que era a descritiva e figurado, desenho à mão livre. Agora, o resto não. Se fosse eliminatória eu não teria sido arquiteto, não tem nada a ver comigo. E outros foram dois professores que indicaram meu nome para trabalhar em um determinado lugar. Um é o professor de Artes Decorativas, que era o (Azambuja?), e o outro (My Hoffer?), que era professor de História da Arte, uma coisa assim, que depois veio a ser diretor da faculdade. Tinha o professor de Modelagem… Coisa assim. Nessas coisas eu ia relativamente bem, [só] não podia ter número (riso). A incompatibilidade com número é muito grande.
P/1 – E assim, algum arquiteto, alguma escola de arquitetura que fosse… Que tenha marcado e que você se mirava um pouco?
R – _________ .Tinha um grupinho que era muito metido a besta, inclusive eu participava dele (riso). Nós queríamos renovar a arquitetura mundial! Um deles vocês conhecem de nome, que é o Cazé, foi meu colega de turma. O (Musa?) também, tem até um retrato que aparece os dois aqui. Nós éramos um grupo muito fechado, porque a gente gostava realmente disso, entendeu! Naquele pátio interno – que você conhece bem –, a gente sentava e ficava horas! A gente não era muito de ir à aula. A gente achava a aula uma besteira: “Vai lá ficar ouvindo aquela baboseira e tal”. Então a gente fazia o nosso curso, a gente fazia um curso paralelo.
P/2 – Onde era mesmo, a faculdade?
R – Lá na Praia Vermelha, onde é a Reitoria. Substituíram os loucos por outros loucos, porque lá era um asilo, né? Tinha a Reitoria e depois, ao lado, tinha a Arquitetura. Era um tempo muito bom, porque você, bem brasileiro… Isso molda você para o futuro que é a virada, a famosa virada. A gente tinha projeto, assim, de levar um mês para fazer. A gente começava a discutir teorias e deixava a coisa para o último momento. Depois, chegava no final, ficava dois, três dias direto, tomando café e virando a noite inteira para entregar o projeto. E isso acaba viciando. Eu fiquei viciado em trabalhar de noite. Eu durmo pouco e gosto de trabalhar de noite, quando tem um silêncio absoluto, [quando] está todo mundo dormindo, e eu trabalhando, igual coruja. Mas isso é um hábito adquirido na faculdade, nós fazíamos isso.
P/2 – Era época de concursos?
R – Ah, fiz, fiz alguns concursos. O último foi para a Assembléia Legislativa de São Paulo, com um colega de turma. Nós ficamos 48 horas sem comer, sem dormir, sem nada, em cima de uma prancheta. Nós tínhamos feito já uma boa parte do projeto, e o tempo foi encurtando, e nós poderíamos... Se não gastássemos essas 48 horas, direto, nós não teríamos terminado o projeto. É um negócio meio... Isso não é uma profissão, isso é uma diversão. Eu não considero Arquitetura uma profissão, porque você se diverte com aquilo que você está fazendo. Não é diversão no sentido da irresponsabilidade... Não é uma obrigação naquele negócio que te pesa! É uma espécie de doença, sei lá, um negócio assim, estranho. Você fica envolvido com aquilo e não quer parar. É uma coisa… É o processo, é aquele momento da criação que você está criando alguma coisa, porque depois é um serviço braçal. Desenhar, isso não tem expressão nenhuma. Mas você estava falando sobre Escolas de Arquitetura?
P/1 – É.
R – Nós líamos muito sobre teoria da arquitetura, e gostávamos, tanto que na turma nós éramos discriminados. É uma coisa curiosa, eles achavam que nós fazíamos um grupinho muito fechado e que discriminava o resto – eram cento e pouco, e entraram setenta. É uma coisa curiosa! É um problema cultural, você vai se afinando com certas pessoas e faz aquele grupinho, porque você fala a mesma coisa, o gosto é mais ou menos parecido. Mas basicamente os arquitetos que influenciaram todo arquiteto brasileiro foram o Le Corbusier, Frank Lloyd Wright e Mies van der Rohe. Aquilo que na sua cabeça são os grandes mestres da arquitetura. Como dizia o Le Corbusier sobre Frank Lloyd Wright: “Foi o maior arquiteto do século passado!” “Do século passado?” “Estava me referindo ao século XIX.” Não é mais no século XX, quer dizer, é no terceiro século para trás. Mas a gente estudava muito isso, debatia muito. A gente fazia verdadeiros cursos paralelos!
P/1 – ‘A gente’ quem?
R – Basicamente era o Cazé… Musa não tanto, depois ele enveredou para o outro lado; Bernardo (Tunga?), Bernardo Figueiredo, Almir Fernandes – tinha uma série deles –, Virgílio (Petrochi?)... Quem mais? O Milanês também. Tinha mais ou menos uns dez que faziaaquele grupinho que estava sempre discutindo arquitetura. E uma característica de todos eles é que eram ruins em Matemática. Porque realmente, você desviava o tempo, você não gastava tempo com aquilo, você gastava com arquitetura.
P/1 – E havia algum prédio ou alguma obra no Rio de Janeiro que vocês discutiam, em especial, naquele momento de estudante?
R – Não, nós éramos muito ambiciosos, era o mundo inteiro (riso). O mundo, para a gente, era um negócio pequeno. Nós éramos muito bestas! (riso).
P/2 – Qual era a época de faculdade, os anos?
R – De 1953 até o começo de 1957. Nós éramos bestas mesmo.
P/2 – E Brasília já...
R – Alguns colegas de turma foram trabalhar em Brasília. Eu quase fui trabalhar em Brasília, quando era aqui na Novacap [Companhia Urbanizadora da Nova Capital]. Hoje é uma... Naquela história que eu te contei do tio Fernando, que foi o primeiro que foi trabalhar. Ele tinha um primo que era da Novacap, quase que eu fui para lá. Mas isso ia atrapalhar um pouco, porque ainda era no tempo de estudante. Talvez eu tivesse que trancar a matrícula, ir para Brasília... Isso foi quase no final do curso, por isso que eu não... Mas se eu tivesse me empenhado um pouco mais, eu teria ido. Tanto que dois ou três colegas foram para lá, ou mais. Foram trabalhar com o Lúcio Costa, que os entrevistou. Lúcio Costa e o Oscar. O (Jaques Jazan?), o (Acioly?)... O (Acioly?) é um outro desses, que é o atual sócio do Cazé. Mas quem... Sérgio Porto é que era do SPHAN [Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] e que trabalhava diretamente ligado ao Lúcio Costa, ainda mais na parte de urbanismo. Os outros eram da parte de arquitetura, que era com o Oscar. Porque a parte de urbanismo era em Brasília, e a parte de arquitetura era aqui, a Novacap. O Oscar não saía daqui para ir a Brasília, só de automóvel, então ele não ia (riso). Não ia de jeito nenhum, não tinha jeito.
P/1 – E qual foi o seu primeiro emprego?
R – Foi aquele ligado à construtora Nacional, que era o tio do (Burniê?) que foi o arquiteto que me disse um dia: “Eu sei que você não sabe fazer nada, mas eu te protejo!” (riso) E foi muito importante, porque foi o primeiro contato que eu tive com o trabalho, assim, sério. E aquilo para mim foi muito estranho, porque também é a segunda etapa da sua vida em que você perde a liberdade. Você passa a ter uma responsabilidade, você cresce, porque você tem que ter uma responsabilidade. Então eu ia para lá e saía às sete horas da noite. Aquilo para mim era uma prisão.
P/2 – E o que você fazia?
R – Desenhava. Primeira coisa que me deram: “Detalhe esse prédio”. Claro que eu não sabia! Mas quem me convidou foi um colega de turma – fez o vestibular comigo, passou, mas acabou não se formando –, chamado Marcelo Marco (Peluzi?). Hoje ele mora em Brasília. Ele me viu desenhando e disse: “Você não quer ir trabalhar comigo?” Foi quando ele me apresentou ao Fernando. Então ele disse: “Eu faço o croqui e você fica de noite lá no cantinho passando aquilo a limpo, puxa a cola lá embaixo”. E foi assim. Mas eu tive que aprender muito depressa, eu acho que era um lugar bom de se trabalhar, e tive que aprender, não tinha outra saída.
P/1 – Mas foi difícil esse começo?
R – Um desafio grande, mas acho que na vida toda você só faz bem quando é um desafio. Porque o que é coisa de rotina, acho que não tem muita...
P/2 – De quantos projetos você participou nesse escritório, nessa construtora?
R – Ah, eram prédios comerciais, não tem, assim, nada importante. Era uma firma, uma imobiliária.[...] Mas foi ali que eu aprendi a ter certa disciplina em termos de trabalho. Na formação acho que isso foi muito importante.
P/2 – E depois que você deixou essa construtora, você foi trabalhar...
R – Depois eu fui trabalhar num lugar… Era indicação do professor de Arte Decorativa, ele me indicou para trabalhar numa loja de... Fazia decoração, e eu fazia perspectivas. Eu trabalhava com um arquiteto que, na época, era famoso, era jogador de futebol, Octávio Moraes – tem tantos anos que você não sabe. E tem uma história muito engraçada, em que nós fizemos a decoração de um apartamento. Decorava e detalhava os móveis, tudo aquilo. Na época se fazia isso, e estava sempre lá um senador – eu não vou citar o nome dele, ele tem um filho que é governador hoje, mas você vai identificar logo. Ele era um senador, na época. Aí fizemos o projeto e tal – aquele entusiasmo –, mandamos entregar os móveis lá no apartamento. Só que era da amante dele. Deu um rolo! (riso) Deu um bode do tamanho de um bonde. Bom, o filho ainda é vivo, e é governador. Se fizer um esforçozinho de memória, você vai saber quem é (riso).
P/2 – E você trabalhava em decoração de interiores?
R – É, em decoração de interiores. Quer dizer, o que nós fazíamos era o planejamento, fazia as perspectivas, a gente detalhava os móveis – que eram móveis exclusivos. Na época se fazia assim. A história que marcou mesmo foi essa do Senador. Não sei o que aconteceu depois.
P/2 – E você já era formado ou continuava...
R – Não, não, eu não, eu estava na faculdade.
P/2 – E como é que você conciliava a faculdade de manhã?
R – De tarde, eu sempre trabalhava de tarde. Era uma maratona. Eu morava sozinho, morava numa república de estudantes, eu tinha que sair correndo de manhã cedinho para a faculdade. Saia de lá por volta do meio-dia, comia alguma coisa e ia lá trabalhar. Quer dizer, era o entusiasmo. Eu achava, na época, que 25 horas por dia era muito pouco tempo, tinha que arranjar mais tempo. É, quando você faz a coisa com entusiasmo, é muito mais fácil. Você esquece do tempo, o tempo não é fundamental.
P/2 – Quando você saiu da faculdade, você...
R – Não, antes daí… Depois eu saí, e por indicação de um professor, que mais tarde veio ser o diretor da faculdade, o (Meinhof?). Eu fui trabalhar em uma empresa chamada Severo Villares, que era uma empresa grande, de construção. Também fui lá para... Ele precisava de alguém que fizesse perspectiva bem, então eu fui para lá, e acabei ficando muito tempo lá. Fiz alguns projetos, coisas interessantes e depois saí. Depois é que fui para a Vale. Tinha escritório particular.
P/2 – _____________ chegou, você tinha escritório?
R – Cheguei a ter escritório com um arquiteto, o Mário Torquato Pinheiro, que é o pai da estilista de moda Márcia Pinheiro, conhece? Era o pai dela.
P/1 – Que projetos vocês faziam? Casas, apartamentos, interiores?
R – Interior, qualquer coisa. Uma coisa, na época, que marcou, foi uma… Parece uma bobagem, mas em termos de marketing, era um negócio interessante. Nós fizemos o escritório da
Lusitana, que na época era uma empresa grande de transporte. Detalhamos um móvel que tinha uns seis metros de comprimento, eu nunca me esqueci disso, porque na época era uma coisa... Hoje seria uma besteira. Aí explicamos – era um sujeito novo ainda, era o filho do dono –, nós dissemos: “Olha, nós fizemos esse balcão aqui, tem seis metros; nós vamos fazer ele por partes, porque ele tem que entrar no elevador, tem que subir a escada para chegar no andar”. Ele: “Não, não, eu quero ele com seis metros!” “Mas por que você quer ele assim?” “É porque eu vou paralisar a Presidente Vargas, eu vou subir ele pela fachada!” (riso) Ele pediu permissão, bloqueou a rua e subiu com aquele monstrengo pela fachada para enfiar. Quer dizer, era o marketing deles, o que eles poderiam fazer? Engraçado, né? Depois nós fomos fazer, na Avenida Brasil, a sede deles, e houve um problema com um genro e a coisa não deu certo. Mas nós fizemos muitos projetos para cooperativas, conjuntos nacionais, coisas desse tipo. Quer dizer, é um negócio que dá um certo prazer, porque você está contribuindo para uma arquitetura melhor, para uma classe que de um modo geral é desprotegida. Porque você… Conjunto habitacional, em geral, é uma coisa muito mal feita, muito mal estudada. Nós chegamos fazer bastante conjuntos, e também fazíamos agências do Banco do Brasil. Nós tínhamos… Chegamos a fazer umas oito, talvez.
P/2 – Todas no Rio?
R
– Não, no Brasil inteiro. Porque a necessidade do Banco do Brasil na época da expansão era muito grande, em termos de agência, você tinha que botar agência pelo Brasil inteiro. Era quase como uma exigência, era quase como um banco de fomento, na época o Banco do Brasil. A equipe interna de arquitetos do Banco do Brasil era insuficiente para projetar aquele número, então eles davam para escritórios. E nós fizemos uns oito… Até no Ceará, no Rio Grande do Sul, São Paulo.
P/1 – Tem algum concurso que vocês tenham participado?
R – Bom, concurso eu fiz uns quatro, acho. Tem um da Associação Atlética do Banco do Brasil, em Porto Alegre... Fomos premiados. Engraçado, nessa época eu tinha medo, pavor de avião. Na hora de ir lá receber o prêmio, o cara que fez comigo foi e eu fiquei (riso). Quando eu olhei para o avião, assim, entreguei a passagem no balcão e voltei para a casa.
P/1 – Você acompanhava as obras?
R – Não, não. Depois tinha mais o quê... Banco do Brasil, Iate Clube de Londrina, Assembléia Legislativa de São Paulo… Tem outros. Acho que são quatro, não sei. Concurso nacional acho que são esses.
P/2 – E a Vale, como é que surgiu e quando?
R – A Vale foi em 1963, eles estavam... Compraram, onde atualmente é o prédio da Vale, dois pavimentos, e depois compraram mais quatro. Aí estavam precisando de arquiteto para organizar aquele negócio, montar o escritório para a Vale ir para lá. Comecei, fui para lá com o contrato terminado, fui cuidar da vida. Mas acabei ficando muito tempo lá. Porque aí foi aparecendo uma série... Quer dizer, eu peguei a Vale em uma época que ela estava começando. Quer dizer, de uma empresa provinciana, em Vitória... Tanto que, na época, você falava: “Onde você trabalha?” “Na Vale.” “Na Varig?” O sujeito achava que era companhia de aviação, ninguém conhecia a Vale. Foi quando começou Tubarão. Tem uma série de projetos, né? Para ir fazer, instalar a Vale em um prédio. Aí começou: Casa de Hóspedes, um monte de projetos! A Vale começou a expandir. Depois o Eliezer inventou uma feira de Gênova, até italiano eu tive que aprender (riso).
P/2 – Mas fala um pouquinho dessa primeira obra. Tinha alguma recomendação especial? Você tinha liberdade para o projeto, para a coordenação?
R – Aqui dentro eu sempre fui um profissional meio de... Porque eu fui trabalhar com a Deise; na época, era do Marcos Viana, e aquele grupinho de arquiteto que estava lá. Tinha a Lurdinha, que já deu depoimento, a Maria de Lourdes – acho que já deu... O arquiteto sempre foi olhado como uma figura meio folclórica. Sempre foi e acho que não vai deixar de ser nunca. É uma fauna diferente, não é isso? (risos) Quem olha para um arquiteto não o leva muito a sério, pelo próprio exercício da profissão. E o pessoal engajado em um projeto grande, um negócio sério, diziam assim: “Esses caras estão cuidando desse prédio, deixa eles para lá.” Então a gente tinha liberdade total de fazer, sem restrição nenhuma. Talvez o grande mérito... A Vale é o produto do entusiasmo de um grupo de pessoas, nada mais do que isso. Porque sem entusiasmo você não faz nada. Na vida, se você fizer de má vontade, não sai nada que preste. E foi isso. Esse grupo que vocês estão entrevistando é isso! E o próprio entusiasmo.
P/1 – E vocês tinham esse entusiasmo?
R – Ah, tinha, tinha! Isso era todo mundo. Era uma coisa meio contagiante, acho.
P/1 – E como surgiu esse convite para ir para Vitória?
R – Não, era aqui.
P/1 – Era aqui? Vocês faziam os projetos aqui mesmo?
R – Porque a sede da Companhia era aqui no Rio… Até hoje, sempre foi aqui. Houve algumas tentativas de mudar para Itabira. Cada presidente da República queria mudar para algum lugar. Mas sendo a sede aqui, os projetos eram desenvolvidos aqui. Também as empresas que davam assessoria à Companhia, todas eram aqui no Rio. E começou um projeto que nós pegamos no início, praticamente na estaca zero. Fomos fazer tudo com aquele desvairado entusiasmo. E a coisa foi… A Companhia foi crescendo, os programas foram aumentando, ela foi se expandindo em outros setores… Então, cada vez mais... E você não vê o tempo passar, a verdade é essa. Quer dizer, do ponto de vista pessoal, talvez... É aquilo: você não pode fazer uma avaliação depois de passado o tempo, se você fez um bom negócio ou... Acho que fiz um bom negócio! Fiz bons amigos, grandes amigos, e fiz tudo na Vale, tudo o que era possível um arquiteto fazer – arte gráfica, tudo. Até ficar lá: “Mete a tesoura e corta o filme…”, até isso eu fiz.
P/1 – O quê? Um filme?
R – É. Foi feito ________ em Tubarão. Eu, como sempre fui escalado: “Vai lá e o que você decidir...” (riso) Porque você convive com as pessoas e as pessoas vão conhecendo sua maneira de ser. Então, começa... A Vale tinha esse grande... Dá um problema qualquer e: “Se vira!” Você tem que sair bem! Eu acho que isso é fundamental.
P/1 – Você se tornou parte da Vale, quer dizer, empregado; você manteve o escritório particular?
R – Não, depois acabei dissolvendo, porque era difícil conciliar as duas coisas, era muito complicado, e eu já estava casado, ficava um desgaste muito grande trabalhar demais. Trabalho é um pecado que não é tão... Trabalho é o seu meio de vida. Eu trabalhava demais. Eu acho que você tem que fazer uma opção, né? Entre um grande projeto que você está envolvido e outro que não é a mesma coisa… Você ter um escritório de arquitetura em que você, para manter aquilo, tem que estar fazendo qualquer coisa... Você não pode se dar ao luxo: “Isso eu não quero fazer.” Você não pode ser um INP – que eu considero um dos maiores arquitetos vivos: “Isso aí eu olhei e não gostei, isso aí eu não faço, não quero nem saber o que ele quer que eu faça para ele. Olhei para ele e não gostei, não faço!” Mas não é o caso, você tem que ser realista, tem que manter o escritório. Mas você está num projeto que é uma coisa, muitas vezes, mais interessante do ponto de vista cultural, não concorda? Do aprendizado, coisa que você não vai ter uma chance igual na vida. Mas independente disso, sempre fiz projetos. Ah! Outro foi o Rio Sul, concurso do Rio Sul! Agora que eu me lembrei. No Rio Sul eu tirei o segundo, felizmente eu tirei o segundo. Se eu tivesse tirado o primeiro eu estava de cabelo branco e careca. Quem venceu tem problema de juízo, até hoje pendentes... Isso foi profissionalmente o maior desafio que eu tive até hoje. Eu tinha um amigo que era dono de uma construtora... O problema do Rio Sul era o seguinte: era um pacote. Desde o projeto, construção e financiamento. Era um pacote enorme, era de cem milhões de dólares. Isso, na época, era dinheiro. Nem sei quando foi esse negócio, não tenho ideia, só vendo.
P/2 – Acho que tem aqui, vou dar uma olhada… Década de setenta, né?
R – Eu recebi o telefonema de um amigo que tinha trabalhado comigo na ___________, e ele criou uma empresa depois chamada (Colaci?). Aí um dia ele me chamou e disse: “Ó, eu queria que você desse um pulo aqui no escritório porque eu tenho um negócio muito sério para falar com você.” Fui lá, ele botou um papel em cima da mesa e disse: “Eu vou entrar nisso! Vou obter financiamento...” – ele era uma construtora – “o que interessa é construir”. Isso, na época, era uma obra muito grande, e acho que continua sendo o maior conjunto do Rio, deve ser – 260 mil metros quadrados. Aí ele disse: “Você quer fazer um
joint-venture comigo? Eu boto à sua disposição o que você precisar, eu só quero a sua massa cinzenta. Maquetista, calculista, instalador: o que você precisar eu boto à sua disposição. Nós entramos nesse negócio, se nós ganharmos você vai ficar rico, vou pagar um vírgula, qualquer coisa por cento de…” Na época dava um milhão e pouco de dólares – ainda dava para ser milionário em dólares. Eu falei: “Tudo bem!” Olhei para aquilo assim e disse: “Qual é o prazo?” “Nós temos um mês. Um mês para fazer esse projeto.” “Um mês! É um negócio assim meio brabo, né?” Aí que foi um negócio engraçado, porque eu disse: “Zé Carlos, eu gosto de raciocinar andando, eu penso melhor andando. Vou para o escritório e te dou uma resposta de lá.” Ele disse: “Tsc, tsc tsc! Tem que decidir agora! Tem trinta segundos para decidir, senão vou arranjar outro.” Aí eu pensei assim: “Bom, o que eu vou perder, não vou botar dinheiro nesse negócio. Topo! Quando você quer começar?” “Agora! Se é para topar, é agora!” Um mês depois entregamos e tiramos o segundo [lugar], e para ele foi muito bom. E era um contrato de risco: “Se nós ganharmos, você vai ganhar…. Vai cobrar pela tabela do Instituto”. Aí um dia ele me chama e fala assim: “Olha aqui, para nós foi muito bom...” Eu tenho horror de multidão, para falar. Eu não tenho esse... Foi no auditório da ________, aquele monte de empresários, aquele monte de gente para ouvir a explicação do projeto. “Eu subir no palco para falar? Negativo.” Como ele tem facilidade, então: “Eu sento na primeira fila e você, lá de cima, explica o projeto, faz as projeções que tem que fazer e eu vou te dando a cola aqui de baixo, viro o ponto aqui de baixo.” Aí tudo bem, fomos para lá. Ele assim: “Foi muito bom para a empresa do ponto de vista do marketing. Então, nós resolvemos te dar um prêmio.” Quer dizer, eu não tinha que receber nada, perdi, perdi, acabou, é um assunto morto. Na época era um dinheirão! Fiz umas duas viagens para o exterior – ou mais – com esse dinheiro (riso). Na hora ele chegou e falou: “Eu vou te dar um prêmio de tanto.” Eu cheguei a fazer um muxoxo: “Mas só isso!” Quer dizer, foi uma experiência boa, mas o Ulisses Burlamaqui, que ganhou, parece que ele teve problemas sérios depois com o desenvolvimento do projeto, parece que a coisa complicou. Acho que está até hoje devendo na justiça. A justiça no Brasil… O negócio espicha, né? Mas é isso, me lembrei do concurso.
P/2 – Mas voltando um pouquinho para a sua passagem pela Vale, tem algum projeto especial que tenha chamado a sua atenção, que você tenha gostado [mais] de fazer?
R – Todos eles.
P/2 – Todos eles. Você poderia comentar um pouco como era essa dinâmica? Se pediam para você, encomendavam, se o prazo era justo?
R – Não, não, é diferente. São projetos num contexto maior. Um projeto que eu acho interessante foi… O Marcos era superintendente de desenvolvimento, se não me engano – ou diretor – quando a Vale resolveu fazer a primeira usina de pellets. Então o escritório da coisa tem que ser feito em um prazo muito curto, um negócio assim, de três meses. Aí o Marcos disse: “Vamos fazer um barracão de obras!” Eu disse assim: “Não, vamos bolar um negócio que possa… Se no futuro a Vale expandir as usinas, [algo que] a gente possa ter como expandir também o escritório.” E foi um prediozinho bem... Existe até hoje. Ele foi feito em três meses, um processo que, na época, já era bem avançado, pela área construída e no tempo que foi construído.
P/1 – E se priorizava alguma coisa nesses projetos? Quer dizer, existe alguma questão...
R – Sempre tinha data marcada, lá não tinha esse negócio (riso).
P/2 – Não, eu digo até em questão estética, ou em praticidade. Existia alguma...
R – Não, liberdade sempre.
P/2 – Liberdade.
R – Nunca ninguém chegou e disse: “Olha...” Só teve uma vez um que... Hoje é meu amigo. Eu fiz um projeto lá um dia e chamei: “Manuel, como é que está?” Ele olhou assim e disse: “Está uma merda.” (riso) E realmente acho que estava. Era um negócio tão espontâneo... Você sempre tem que pensar nas opiniões mesmo que não seja a seu favor, a maneira como o sujeito fala, a espontaneidade, ele pode ter razão. Aí eu passei a tomar um pouco mais de cuidado (riso). Mas nunca houve.
P/2 – Você tinha uma sala com prancheta...
R – Não, tinha um departamento. A Divisão de Desenvolvimento tinha um local onde a gente tinha as pranchetas, porque não só a gente fazia isso… A gente não fazia só isso?), como todas as modificações das instalações da Companhia – a gente fazia tudo isso.
P/1 – E tinha outros arquitetos trabalhando com você?
R – No começo tinha, mas depois cada um foi fazer outra coisa. Um foi mexer com patrimônio, a Lurdinha foi mexer com Carajás, e coisas desse tipo, assim. Outro foi para Belo Horizonte, que fazia parte das coisas que faziam parte da região de Itabira...
P/2 – E a convivência com os engenheiros, como é que se dava? O pessoal que trabalhava no Espírito Santo vinha com frequência à Itabira?
R – Vinha, vinha sempre. Eu acho que a convivência com... Apesar de ter formação diferente, de arquiteto, eu acho que a convivência com os engenheiros da Vale foi muito proveitosa, porque lá você bota um pouco mais o pé no chão e deixa de fazer muita fantasia. Quer dizer, são coisas que são reais, que você está projetando e que vão ser construídas. Não adianta você ficar fazendo muita poesia, muita teoria, porque isso não vai funcionar. E, de certa forma, nós éramos bastante respeitados profissionalmente.
P/1 – Era um setor que tinha recursos?
R – A Vale sempre teve (riso).
P/1 – Eu sei. Mas para isso, para os projetos?
R – Não, tinha! O que era bom também é que arquitetura só tem uma... Aquilo que o Oscar [Niemeyer] faz – de uma forma fantástica – é a concepção. O que vale em arquitetura é a concepção, só. O resto é igual tratar cárie de dente, uma rotina que... Quem aqui está a fim de ficar detalhando esquadria? Isso não existe. Quer dizer, cada cabeça vai fazer um projeto diferente, está certo? É a concepção. Daí para a frente, você desenvolver aquilo... A gente contratava gente para desenvolver, porque é um serviço meio braçal, eu acho. Pode parecer, voltando àquele tempo da faculdade, uma coisa meio arrogante, mas não é isso não. Mas é meio chato, meio monótono! Porque o bom da arquitetura é quando você está sentado na frente daquele papel branco e começa a surgir as ideias. Aí, para mim, morreu o projeto, porque ele pode ser bom ou pode ser mal... Eu acho que esta fase é que é fundamental: a parte da criação – como tudo, né? Não é saber desenhar. Saber desenhar é um detalhe. Você tem que saber expressar aquilo que você está pensando. Como eu não vejo… Entre duas pessoas, você transmitir o que você pensa... Nem a maquete dá isso. Porque nós estamos acostumados a ver a maquete numa escala pequenininha, mas você mostra para uma outra pessoa que está vendo aquilo, ela não está tendo a ideia real da coisa. É muito difícil você transmitir essa informação. Então o projeto pode ser bom quando ele nasce – bom ou ruim. Eu prefiro um bom projeto mal desenhado do que um excelente desenho de um projeto ruim. Para mim não faz sentido isso. Se você pegar os livros de Le Corbusier – que foi, talvez, a maior contribuição do século passado em arquitetura e teve uma influência muito grande no Brasil –, se você pegar um desenho dele, você vai rir. Tem gente que acha o desenho do Oscar horrível, mas é o cara mais _______ que eu vi desenhando. Quando ele pega o papel e sai desenhando, é como se ele estivesse escrevendo, é a caligrafia dele. É um absurdo você fazer um concurso anônimo e fechado para o Oscar. O primeiro desenho que ele fizer, dois riscos que ele fizer, não precisa assinar embaixo, é besteira, porque ele tem a assinatura dele que é o próprio desenho. É uma discussão que eu tive uma vez… Eu conheci o Ziraldo, uma vez. Falei: “Era o Henfil falando sobre desenho”. Eu acho que desenho é caligrafia, é a caligrafia da pessoa. O Henfil tinha uma coisa fantástica: ele não fazia croqui, ele pegava caneta e saía desenhando – é como se estivesse escrevendo, é o João Ubaldo escrevendo, é a caligrafia. Para mim desenho é isso, não é desenho rebuscado, com sombreado que parece fotografia… Então tira a fotografia logo de uma vez.
P/2 – E as caricaturas, você gostava de fazer de seus colegas?
R – Ah! Passou na minha frente e eu ‘paf’! Eu cometi um erro... Ah! Me lembrei de um negócio! Eu estava, ainda… Eu já tinha terminado o científico e fiz uma exposição em Cachoeiro: tinha umas quatrocentas caricaturas. Mas você acaba perdendo, porque: “Ah! Deixa eu ver...” Você empresta e... Quer dizer, eu fiquei com pouca coisa. Isso aqui foi o que salvou, salvou do incêndio da Vale e salvou o que eu fiquei. Você vai dando e se esquece para quem deu, aí perde. Mas a caricatura tem um negócio que é a irreverência. Eu sempre fui um cara muito irreverente e brincalhão. Não sei ser sério, para mim é muito difícil. Se eu estiver sério, pode dizer: “Está fingindo”. Não sou assim, e a caricatura eu nunca faço no sentido de menosprezar ou atingir a pessoa. A última caricatura que eu fiz, e acho que é uma das melhores – pena que eu não trouxe aqui –, é do meu irmão mais novo, que é arquiteto. Outro dia fui almoçar com ele num restaurante e ele disse: “Pô, até hoje você não fez uma caricatura minha!” Peguei um guardanapo e fiz, e essa realmente ficou muito engraçada. Porque eu acho que a caricatura tem de ser engraçada para que a pessoa, quando olhe, ela mesmo ria. Não é você fazer um cara todo deformado e ele diz: “Será que eu sou isso?” Aquilo que o Costa Braga na época disse: “Pô, eu sou assim?” Não é. No tempo da faculdade eu fazia dois, três, quatro por dia – isso é um treino. O Costa Braga: “Por que você faz isso?” “Não sei.” Por que eu faço, por que eu desenho? Não sei. Eu não sei porque as pessoas também não desenham. Todo mundo não escreve? Acho que há uma certa inibição, porque o sujeito acha… É uma concepção que eu acho errada do desenho. Que o desenho tem que ser certinho, tem que ser bonitinho. Não é isso. Um cara que eu acho fantástico é o Millôr Fernandes… O Jaguar: o Jaguar não adianta, nem precisa assinar. O Jaguar é o Jaguar. O desenho é aquilo lá. O Millôr é aquilo que está lá. Eu conheci há pouco tempo, ele foi muito famoso, desenhava no O Cruzeiro, chama-se ‘Appe’. Primeiro ele colocou ‘App’, mas depois ele descobriu que isso era macaco, acho que [em] inglês, depois acrescentou um ‘E’. Eu ganhei um livro dele, e ele falou: “É um absurdo que você tenha feito arquitetura.” (riso) Era uma tendência que eu tinha. Quer dizer, posso fazer uma coisa que é mais séria do ponto de vista profissional, aquilo para mim é diversão.
P/1 – Você nunca cobrou por caricatura?
R – Não, nunca fiz isso profissionalmente. Uma vez, quando conheci o Ziraldo, na casa do Marcos Viana – que na época era presidente do BNDES –, ele me chamou para trabalhar no Pasquim. Aquilo, por obrigação, não é... Aquilo não é atividade principal, minha atividade principal é como arquiteto. Eu faço isso como faço cerâmica: por diversão, nada mais que isso.
P/2 – Como é que era? Você olhava o colega...
R – Não, sempre de memória.
P/2 – Ah, sempre de memória.
R – Porque tem um problema... É uma imagem. Você reconstitui aquilo que te marca, porque se você for olhar pelo retrato, você tem uma tendência a fazer quase que um retrato. Agora, aquilo que fica na tua memória quando você olha para uma pessoa... Quer dizer, eu ficava olhando, olhando, saía e ia fazer. Então a imagem continua gravada, você passa para o papel o gesto da pessoa. Uma vez um cara me disse assim: “Você não faz a caricatura, você faz o retrato psicológico da pessoa, como ela é.” Inclusive você vai ver isso aqui. Como outro dia eu estava fazendo uma caricatura e minha esposa disse: “Você não está mais deformando como você deformava as pessoas, um nariz maior...” Eu respondi: “É que eu estou ficando mais sério.” (riso)
P/1 – E alguém, em particular, ficou chateado ou contente, ou se reconheceu, por exemplo, na Vale?
R – Não, sempre foi motivo de muita gargalhada, porque eu faço isso assim... “Mas você não gostaria de trabalhar em um jornal?” “Não, não faço isso por dinheiro, senão vira uma obrigação, que eu acho que não é...” Eu ganho a vida até hoje de outra maneira, mantive um padrão de vida razoável, e aquilo, para mim… Não é um hobby porque eu levo a sério, mas não é para ganhar dinheiro. Então eu só faço quando me dá vontade, porque se você faz isso para um jornal... Se tivesse mantido uma continuidade... Outro dia, até num almoço com o Costa Braga, eu disse: “Eu já fui muito bom nisso!” “Já foi muito bom?” Ele achou esquisito, mas isso tem que treinar. Se você fizer todo dia, eu acho que é muito mais fácil do que se você... Você me fez uma pergunta e eu me lembrei: só teve uma pessoa que realmente reclamou; eu fiz de um professor da faculdade… Não me lembro do nome. Ainda é vivo, ele quase foi prefeito aqui no Rio. Não estou lembrando do nome dele, mas numa prova ele disse: “Foi você que fez isso?” Eu fiz uma caricatura dele e não sei como foi parar na mão dele. Ele olhou: “Foi você que fez isso?” “Foi.” “Sabe que eu podia te reprovar por causa disso?” Isso foi uma decepção enorme. Quer dizer, como eu levava tudo na brincadeira, e todo mundo que eu fazia estava rindo... Quer dizer, o próprio caricaturado ria. Ele não, ele se ofendeu com aquilo e quis me reprovar. Quer dizer, é um troço tão chato que me deu um bloqueio, não me lembro do nome dele.
P/2 – E passada, por exemplo, a fase de construção de Tubarão, de que outro projeto você participou que tenha ficado guardado, que você tenha...
R – Na Vale? Coisas na Vale têm uma... Eu coordenei dois projetos, um de (atracadouro?)... Isso não tem nada a ver, foi uma questão de curiosidade. É que na Vale tinha: “Posso fazer isso aí?” “Pode.” Era uma coisa assim: coordenação de um projeto de atracadura de petroleiro – era uma curiosidade, quem ia projetar era um pessoal da Dinamarca. Vieram especialistas… Bom, isso, do ponto de vista da curiosidade: “Eu quero participar desse negócio”. E acabou dando certo também a (tracagem?) de petróleo. A melhor definição do arquiteto que eu já ví até hoje foi: “Um especialista em generalidade”. (riso) Acho que é do Jô Soares. Quer dizer, você tem… Pela sua formação, tem que ser bem informado de tudo, você tem que ser um cara curioso.
P/1 – Você trabalhou muito em reforma de interior de escritório, de prédios, na Vale?
R – É, um deles tem uma história também engraçada, que foi um dia que recebi, às sete da manhã, um telefonema: “Você vai para o escritório?” “Vou, às oito e pouco estou indo para o escritório.” “Não precisa ir não.” “Mas por quê?” “Porque o prédio pegou fogo.” (riso) Aí eu fui correndo para lá, e o prédio estava pegando fogo. Porque uma coisa curiosa na história desse prédio… Porque eu fui para lá para ajudar a fazer, instalar a Vale nesses seis andares que tinha lá. Isso foi em 1963. Em 1982 – acho que foi em 1982 – o prédio pegou fogo. Aí, mais tarde, me escolheram: “Você vai tomar conta desse negócio.” A Vale comprou. Porque tinha a Caemi, do Grupo Antunes, e a Vale: [eles] praticamente eram os majoritários do prédio – tinha algumas outras empresas pequenas. “Você vai tomar conta desse negócio.” “ Mas eu? Eu sou arquiteto.” “Isso não tem importância” “Mas isso é negócio para engenheiro calculista.” E tinha um outro... “Quem deveria fazer isso é o Abdala, Abdala que é professor de cálculo, ele é bom nesse troço.” “Não, é você que vai fazer.” E realmente, foi um negócio bastante complicado, profissionalmente bastante complicado. Porque a Vale chegou numa posição curiosa: comprou o terreno – porque praticamente só sobrou a estrutura –, então disse assim: “Bota no chão”. Aí tinha um outro problema: se botou no chão, se demoliu o prédio; o patrimônio não vai deixar construir outro prédio. Então foi uma reforma de 23 mil metros quadrados. O estado que ficou a estrutura foi muito sério.
P/2 – A extensão do incêndio foi o prédio inteiro?
R – Ah, o prédio praticamente queimou todo. Aquilo foi totalmente... Bom, cautela e caldo de galinha nunca fez mal a ninguém. Porque o primeiro projeto foi do Oscar, do Oscar e do Sabino Barroso, então ficou aquela dúvida: problema de direito autoral. Ele ainda tem direito autoral sobre o prédio? É um caso único. Nunca ninguém tinha visto, um prédio pegou fogo você vai restaurar. O Oscar tem direito autoral sobre... A gente vai fazer qualquer coisa ou ele pode pôr na justiça. Aí fui conversei com o João Cláudio Campos, que na época era Superintendente, e ele disse, como bom mineiro: “Eu faria uma coisa. Vai lá e conversa com ele para ver se ele está interessado em fazer.” Coisa de mineiro. Aí fomos lá conversar com o Oscar e ele: “Não, tudo bem, faço” Ele chamou o Sabino: “Topa fazer esse negócio?” “Topo, vamos fazer.” Então eles praticamente só assinaram o projeto. Montamos uma estrutura no prédio para fazer... Porque não dava tempo de você ficar... Era tudo feito na base do croqui. Tem que desmanchar aquele negócio todo e praticamente sobrar estrutura. [Estava] muito danificada e foi totalmente reformada a estrutura, foi feito tudo de novo. Tanto que uma vez teve uma... E tudo sob controle. Hoje, a estrutura, acredito que esteja mais segura do que a solução anterior, porque nós descobrimos coisas fantásticas na época da construção. Inclusive o acompanhamento era feito pelo (Falcom Balson?), de São Paulo. ___________, armação, tudo, jatear a estrutura toda. Houve, assim, 69 painéis, tudo laje deformada, um estrago muito grande. Agora me lembrei uma negócio engraçado. Um dia foi uma repórter do Jornal do Brasil pedir uma entrevista, eu fui entrevistado, e eu brincando. Depois, no final, falando de problemas técnicos, como é que a coisa foi resolvida… E no final ela perguntou: “Última pergunta: afinal de contas, o que é que sobrou desse prédio?” Eu respondi: “O endereço.” Sabe que ela botou no jornal! Aí um dia um diretor da Vale disse: “Você não tem jeito!” Saiu assim: “Segundo o arquiteto, a única coisa que sobrou do prédio foi o endereço”. Como é que vai botar um negócio desse, né?
P/1 – As caricaturas que você perdeu nesse incêndio, você comentou alguma coisa?
R – Não, perdi pouca coisa. Isso aqui foi o que sobrou. Molhou muita [coisa]
porque o corpo de bombeiro chegou lá e começou a jogar água, e
eu nunca tinha visto corpo de bombeiro jogando pedra no vidro. Quer dizer, o pessoal era tão despreparado... Prédio está pegando fogo e tinha uns painéis de vidro, peitoris, e os bombeiros jogando pedra para quebrar o vidro para poder jogar água dentro. Dá tiro, sei lá, faz o que quiser, mas menos pedra.
P/2 – E esse prédio tinha uma recomendação especial em termos de segurança, já que havia tido um incêndio?
R – Bom, nós começamos o prédio de novo, aí fui lá com o Oscar – tenho até hoje o original. Sentamos lá com o Oscar e falei: “Olha Oscar, esse prédio, o anterior, tem alguns problemas sérios que o pessoal reclama; problema de insolação...” E aquilo que eu falei. O Oscar é uma figura curiosa, porque se ele gostar de você, ele te ouve. Você pode ser o cara mais humilde do mundo, se ele simpatizar com você, você pode falar o que quiser. Aí eu disse: “Tem uns problemas aqui, é meio complicado.” Então ele disse: “Por que que não fecha o prédio aqui?” Porque essa fachada tem um problema sério de insolação, porque nem o ar condicionado, nem o ventilador... Porque o prédio anterior era todo de vidro branco, e quem estava virado para a Graça Aranha e para o Ministério, aquilo era uma estufa mesmo com o ar condicionado ligado a toda potência. Por isso que ele hoje é todo fechado assim”. E esse prédio dá para escrever um livro. Tem lances fantásticos, eu acho, coisa ligada à prefeitura. Mas ele tinha feito uma solução, era um brise [soleil] parecia um “S”, e um brise de concreto. Eu disse: “Mas Oscar, isso tem um problema, o terreno: esse prédio ocupa praticamente o terreno todo. Você não pode pôr um brise, isso não tem estrutura, o que sobrou da estrutura não permite você botar um brise desses de concreto, não vai suportar. Isso teria que sair na rua, teria que fazer uma fundação lá embaixo para subir 75 metros.” E ele disse: “E por que não pode sair da rua?” (rindo) “Porque o terreno não é da Vale!” Depois deu umas sugestões: “Por que não coloca brise de alumínio, que é levinho? Já mandamos refazer o cálculo, permite sem problema.” E é aquilo que está lá hoje, aquele troço branco. Mas dá um movimento na fachada, ficou um negócio limpo. Eu acho que o prédio hoje atende mais às questões de meio ambiente, e acho que ficou um prédio até mais bonito do que o outro. Deve ter ficado, porque copiaram do outro lado, um negócio que botaram brise também, que não tem o menor sentido aquilo (riso). Acho que botaram porque acharam bonito, porque é um negócio que cada dia que você passa o prédio tem uma feição um pouco diferente, basta alguém lá dentro... Tem um comando... São brises de asa de avião, grande, assim, de alumínio, que você mexe um painel daquele inteiro. Então cada dia ele tem uma configuração um pouco diferente. Outra coisa curiosa nesse prédio também foi ... Eu sempre achei que você nunca deve, se você conscientemente sabe que no futuro você vai ter um problema, você tem que evitar – é uma questão de bom senso. E teve um problema que você tinha dois pavimentos no subsolo que se você furasse o segundo subsolo, minha solda... A água era muito embaixo, então ia ser difícil você vedar. E para botar duas paredes de alvenaria de 75 metros você precisa de uma fundação bem razoável. Aí fomos para a prefeitura... Eu acho que é o atual secretário, o Luiz Paulo, [que] foi candidato a governador.
P/1 – Conde ou Rocha...
R – Conde não... Ah! Tinha uma revista na escola que o Conde, o prefeito, ele escrevia e eu ilustrava. Mas esse outro Luiz Paulo dizia: “Mas por que você não faz isso no peito?” A história é a seguinte: Tem o limite do terreno. Você, para fazer uma fundação, tem que subir uma parede, e teria que ser cravada estaca do lado de fora – e esse terreno não era mais da Vale. Então a proposta do secretário: “Faz do lado de fora, ninguém vai ver isso, se faz ou se não. Porque se alguém souber, vão embargar a obra, e isso vai dar problema. Para você resolver isso depois vai ser um problema complicado.” Então fomos comprar o terreno. Aí é que a história… É coisa do Brasil. Fomos ao Patrimônio da União, fizemos uma carta oficial querendo comprar uma faixa de vinte centímetros por vinte metros para fazer coisa desse lado de cá. Aí tudo bem. Três ou quatro meses depois, o cara disse assim: “Lamentavelmente o terreno não é nosso.” De quem é ninguém sabe. Aí, disse assim: “Então, vamos à prefeitura.” Se você, no Brasil, bateu um carimbo e pagou uma taxa, é porque o assunto está resolvido. Então paga na prefeitura... Até hoje eu não sei de quem é aquilo. Eu sei que ficou condicionado. Nós tocamos a obra e na aceitação final da obra, você fica, então, pendente isso aqui, a legalização da propriedade dessa faixinha, um negócio desse tamanho assim para você botar uma viga metálica de vinte centímetros. Isso levou o prazo da obra, para você legalizar esses vinte centímetros. A obra já estava pronta e ainda estava se discutindo de quem era. Mandamos pagar: “Paga aí”, e está tudo bem até hoje, nunca mais ninguém mexeu com aquilo.
P/1 – E nessa expansão posterior da Vale o senhor acompanhou algum projeto de instalação?
R – Não, eu fiz o escritório da Vale, ajudei a fazer aqui, fiz o de Brasília e fiz os estudos para Tóquio... E mais o quê? Não, e fiz exposições. Uma vez eu fui à Milão para fazer uma exposição, a Feira (Campeonara?) de Milão, isso em 1968. A Vale é um negócio bom: eu fui para lá, fiz o projeto aqui, despachamos o que tinha que despachar, e fui para a Itália. Cheguei lá… Como sempre, na Itália é sciopero. Sabe o que é sciopero? Greve, no porto de Gênova. O navio atracado e o material não saía. Aí tudo bem. Depois eles sumiram com o ... Como é que eles chamam o documento? É o documento que você está exportando e sobra, você vai e depois tem que retornar ao Brasil de novo. E o negócio não saía e o tempo correndo. A exposição ia inaugurar em abril, uma coisa assim. “E agora?” Eu tive que ir à Roma para arranjar... Eu liguei para a Dulce _______ no meu escritório: “Eu preciso de uma pessoa para me ajudar aqui! Fazer esse troço sozinho não dá, pô.” Aí disseram: “Se vira!” (riso) “Problema é seu!” Eu tive que ir à Roma... Mas eu tinha, na época, um conhecido que trabalhava na embaixada, em Roma, o Romaneio: “O que que tem nesse contêiner para você ir até a feira de Milão?” Porque o carreto saía de Gênova para chegar lá... Um negócio muito em cima. Trabalhava de noite, um negócio! Porque o porto estava em greve, depois atrasou e depois sumiu o documento, e o negócio foi... Mas saiu tudo direitinho no final.
P/1 – E em relação ao projeto em Fazenda Brasileiro?
R – Isso foi um _________ de casa, nem me lembro mais. Isso era, na época, do Dioclécio – negócio de ouro, né? Eu andei fazendo uma série de estudos... Acho que nem foi feito, acho que eles contrataram depois... Isso aí eu sinceramente não me lembro.
P/2 – Você falou, antes da entrevista, que era botafoguense e que tinha participado...
R – Ah, isso é outra história. Eu participei desde o começo. Um dia, tomou posse o Fernando Roquete Reis como presidente da Vale. Então ele chegou com aquele gás todo, e queria fazer uma nova sede para a Vale. Então eu andei estudando uma série… A embaixada da Itália aqui, que era perto _________, um terreno lá... Esses estudos todos, porque eu conhecia mais ou menos o programa da Vale, o que a Vale necessitava. Então foram feito estudos... Era um terreno ali ao lado do Viaduto Santa Bárbara, tinha um terreno ali mas era da embaixada da Itália. Tinha um terreno da embaixada americana, que era na São Clemente, tinha um outro na São Clemente também. Fiz tudo para... E era onde tinha a embaixada da Argentina. Chegamos a sentar lá com o cônsul, mas era um negócio meio complicado, porque você não pode ter interferência em nenhum terreno de embaixada, porque é território de outro país, não é? Então nós chegamos até quase… Ou fomos à Brasília, nem me lembro mais. Fomos à Brasília para negociar a compra do terreno da embaixada da Argentina, para fazer a sede da Vale, que era um negócio... E o que eu propunha… Têm estudos, acho que até hoje, que era manter aquela casa… Existe um palacete ali que era da família Guinle. Então tinha, do lado, dois terrenos que pertenciam à Previdência Social e atrás tinha uma praça. Era tudo questão de você reurbanizar aquilo, e a proposta que eu tinha feito era assim: “Mantém esse ________ de palmeiras e o prédio fica sendo a parte nobre da Companhia, da diretoria, superintendência”. E a parte de escritórios poderia ser atrás, num bloco, em que você negociaria o gabarito. Eu achei melhor preservar uma casa com um valor que essa tem e construir uma lâmina atrás. Pode ser que, [ao] construir doze, faça vinte e mais um pedaço aqui do lado, dentro de um mesmo terreno. Eu sei que o negócio enguiçou e acabou. O João Fortes foi lá e jogou a casa no chão, e foi uma pena.
P/1 – Era bonita?
R – Um coisa fantástica! Tinha mosaicos venezianos, umas coisas fantásticas; tinha colunas de mármore ________, inteira, uma coisa fantástica. Passaram o trator em cima, acabaram com aquilo, mas isso seria o início. Aí surgiu… Tinha um diretor da Vale que até eu brincava com ele, que se eu tivesse esse nome eu seria o maior arquiteto do Brasil; o nome dele era Heinz Werner Herbert Von Uslar – baiano legítimo. E era botafoguense, jogava basquete pelo fluminense, era grandão; esse é que foi indicado para ver esse negócio da sede da Vale. E o Botafogo começou a entrar em uma situação difícil e tal. Então ele conhecia lá o pessoal, o (Charles Boré?), na época. E eu participei desde o dia que sentamos na mesa para negociar a compra do terreno. Até que eu peguei a escritura e olhei aquele negócio e disse assim: “Tem algum negócio aqui que está...” Eu pegava levantamento aerofotogramétrico e a coisa não fechava. Eu disse assim: “Tem uma diferença muito grande aqui.” Não é um negócio assim… Porque quando você está errando por um metro em escala de um para mil, não tem problema, apesar de [não] ser muito preciso. Mas era um negócio gritante a diferença. Aí eu disse assim: “Tem alguma coisa aqui que está errada.” Mandei correndo lá, peguei um topógrafo que foi lá e mediu. Na hora que sentaram na mesa para negociar, eu fiz um croqui e disse assim: “Isso aqui, o que é isso aqui?” Aí o Herbert disse: “Nós estamos vendendo tudo.” Eu disse: “Mas tudo o quê? Porque pela escritura é outra coisa.” Aí é coisa do Brasil. Tinha um pedaço da arquibancada que tinha sido construída em cima do terreno do outro (riso). Um negócio assim: dezenove metros – não é pouca coisa, não. Eram dezenove metros em cima de um terreno que não é... Se a Vale comprasse, na hora de identificar o terreno, ia perder dezenove metros. Então eu disse assim: “Então para”. O negócio foi suspenso, e uma coisa que eu acho que tem que fazer uma correção histórica: porque todo mundo, até hoje, bota a culpa no (Charles Boré?). Ele não tem culpa nenhuma disso, da venda do...
Porque foi uma transição de diretoria. Existia o Rivadavia, se não me engano, que foi na gestão dele é que foi negociada a venda. Chegaram lá e “blá, blá, blá e blá…” o Botafogo estava devendo à Previdência, à Caixa Econômica, andava no fundo do poço, então tinha que vender aquele negócio, tinha que vender. E na transição, o (Charles Boré?) tinha ganhado a eleição, e ele simplesmente assinou, assinou o papel. A negociação, a ideia não foi dele. E daí para a frente foram dezessete anos de briga. A Vale levou dezessete anos para acertar isso, e eu participei do primeiro ao último dia, mesmo já aposentado. Me chamaram de novo: “Você é a memória viva.” Esse negócio de memória histórica… Como é que é? Memória viva, é? “Você quer ajudar nesse negócio todo?” “Claro que eu vou!” Quer dizer, a minha única frustração profissional é não ter concluído isso, comecei a coisa e não terminei. Mas houve um concurso, eu fiz... Tinha um grupo, era o Ernestino, que era a parte redacional. O Programa de __________ eu fiz. Nós fizemos um concurso fechado, convidamos sete escritórios, depois julgamos. Houve um vencedor e um pouco depois o Roquete Reis fez uma consulta. Na época era o Ministro das Minas e Energia, o Shigeaki Ueki, e me lembro dos passos dele, aconselhando: “Nós vamos fazer.” Porque ele tinha ido à Furnas e viu… Quer dizer, uma besteira, porque qualquer condomínio hoje tem um motorzinho na porta que empurra o portão de um lado para outro, não é? Provavelmente onde vocês moram deve ter isso. Ele viu aquilo e achou aquilo um abuso de estatal, coisa absurda de autorizar. Não era nada disso. Então ele começou a ter certa implicância com... O Fernando achou que um dia que... Foi suspenso. E me lembro que, na época, pelo concurso, nós tínhamos estabelecido o limite de construção que era o ATE – Área Total Edificada –, de 156 mil metros quadrados, um negócio grande. E quando houve essa paralisação, em seguida… Foi o Marcos Tamoio, que foi prefeito. Ele baixou o ATE para quarenta mil, quer dizer um quarto. Então um terreno que a Vale tinha pago dez milhões de dólares, na época, passou a valer quase nada. E a Vale teve um azar muito grande, que todos os prefeitos, governadores e arquitetos famosos eram botafoguenses. Era o Oscar Sérgio Bernardes, botafoguense doente; o Marcelo Alencar, o atual prefeito – esse é roxo, se pudesse, saía igual a uma zebra pintada de preto e branco (riso). Então ele disse assim: “Não passa.” Disse assim: “Aqui, nesse terreno...” É um negócio engraçado, eu nunca... Depois, vou... Dá tempo para falar disso, ou não? Ou estou estendendo demais?
P/1 – Tem mais uns dez minutinhos.
P/2 – Tem uns dez minutinhos.
R – Então, isso era um negócio que qualquer prefeito dizia: “Aqui não vai construir, nesse terreno.” Então houve, depois, uma negociação curiosa, que era você trocar um terreno pelo outro. A Vale fazia um projeto no terreno de cá... Eu fiz um, fui contratado e fiz o estudo. Levamos dois anos e meio discutindo com a prefeitura. É o único projeto no Rio de Janeiro que houve um consenso, que tinha Vale, Brascan, Prefeitura, cinco associações de bairro. Era a reunião mais curiosa; tinha vinte, trinta pessoas para não resolver nada. Reunião com trinta pessoas, ninguém resolve nada. O primeiro prédio que eu fiz era um prédio do tamanho do Rio-Sul, tinha 45, 46 _______ metros. Foi aquela gritaria: “Não, isso de jeito nenhum!” Porque tinha que passar, tinha que modificar uma lei municipal. Então o que que foi feito? Foi feito o seguinte: senta todo mundo na mesa, os cinco – associações de bairro Lauro Müller, Botafogo, Urca, não sei mais quem, todo mundo… Tinha gente de Copacabana, tinha sempre um representante lá. Até que se chegou a um acordo. Depois de dois anos e meio, chegou-se a um acordo. “Esse prédio é aceitável? A câmara aprova isso?” “Aprova”. Muito bem, um prédio de sete pavimentos, ________ gabarito, aquele negócio todo. Foi o único prédio que foi feito ao contrário. Foi feito o projeto primeiro, depois entrei na prefeitura… Isso tem uma história complicada. Mas, com o projeto pronto, foi feita a lei. Aí eu sentei… Ajudei, inclusive, a redigir o decreto que o prefeito depois... Quer dizer assim: “Eu tenho um botão e vou fazer um paletó igualzinho”. E eu acho que foi um solução inteligente, porque o Oscar, que um dia tinha uma estrutura, tinha uma piscina embaixo, quando eu disse: “Ó, vai demolir aquele negócio assim alí.” Ele disse assim: “Graças a Deus, só _________ eu jogo aquilo no chão!” (riso) Ele tinha horror àquilo. Agora, é discutível, também, o que tem lá hoje. Não sei.
P/2 – E você se aposentou quando?
R – Em 1968. Aí eu passei a viajar, passear. Estou passeando pelo mundo inteiro.
P/1 – Mas você trabalhava em projetos particulares. Aí você refez, você recriou um escritório?
R – Não, depois eu cheguei à conclusão que vagabundagem é muito melhor. Trabalhei muito, trabalhei quarenta anos. Estou com setenta e… Você tem que usufruir disso, não é? Não, o que eu fazia agora... A minha esposa nada, compete internacionalmente, e eu vou atrás, eu sou... Até fiz um combinado. Nós tivemos um problema uma vez em Aruba, não sei, em um lugar desses aí, pegaram... Quer dizer: “Toda vez que você…” Porque ela é loura, então é assim, eu tenho cara de... Eu já tive problema no Japão, eu não sou japonês: “Você é um terrorista”, um negócio assim. Aí – acho que foi em Aruba –, me pegaram, a alfândega me pegou para me revistar. E ela: “Ê, cadê meu marido, não sei o quê!” Aí eu disse assim: “Da próxima vez vamos fazer o seguinte, você vai na frente com o passaporte, entrega no balcão e diz assim…” “E o resto?” Você diz: “Olha o meu chofer aí atrás!” (riso)
P/1 – Como é o nome dela?
R – Márcia.
P/1 – O nome todo?
R – Márcia (Borelli?) Ribeiro.
P/2 – E qual é o estilo que ela nada? Todos?
R – Todos. Treina todo dia. Você chegou a ver o retrato dela?
P/1 – Cheguei, você me mostrou. Tem filhos?
R – Tenho três.
P/1 – E o que eles fizeram, seus filhos?
R – Um necessita ganhar dinheiro... Isso aqui é uma festa no Fluminense. Ah! Posso mostrar aí?
P/1 – Pode mostrar para ele, se quiser.
R – Aparece aí? Então, espera aí eu vou fazer uma brincadeira. Claro que vai, né? Vocês vão escanear isso depois?
P/1 – Vamos. Tem algum filho arquiteto?
R – Não, tem um que teve juízo e parou no meio de caminho, porque realmente, a escola... Eu fui lá uma vez, não é a mesma coisa. Eu era assim e fiquei assim (riso).
P/1 – Essa foto é de um estúdio aqui no Rio?
R – Não, sabe que não sei onde é isso. Isso aqui foi em Muqui.
P/2 – E hoje em dia, como é o seu dia-a-dia? O que você faz?
R – Desenho, ando muito, ando ‘para burro’, gosto de andar, sou um andarilho natural. E viajo muito. Mês que vem estou indo para a Turquia. Vou para lugares assim: “Vai para onde?” “Vou para a Capadócia” (riso).
P/1 – A gente, então, está chegando ao final de nossa entrevista, e a gente costuma perguntar aos nossos entrevistados o que é que eles acham do projeto Vale Memória e o que eles acham, em particular, de ter dado seu depoimento.
R – O que eu acho? _________ Porque todo mundo que tem amnésia está errado, amnésia é questão de doença; você tem um trauma qualquer: “Tem amnésia”. Mas amnésia o cara não pode ter, conscientemente não pode ter. Eu acho isso fantástico! Aliás, é uma coisa que o Romilson sempre brigou por isso. O Romilson queria escrever um livro, porque tem muita história paralela, muita coisa interessante. O Romilson já foi entrevistado? É uma figura, figuraço! Ele diz que é o meu primo (riso), porque ele é ‘Nascimento’ também. Mas eu acho uma ideia fantástica, sinceramente. As pessoas passam mas a história fica, né? E hoje você tem todos os recursos para ter uma maneira muito real de você gravar isso. Essas mirabolantes maquininhas. Antigamente, na Idade Média, você tinha que pintar quadro, ou fazer caricatura! (riso)
P/1 – Exatamente! (riso)
R – Mas eu acho, sinceramente, uma ideia muito boa. O pessoal está de parabéns. Não é porque eu esteja aqui dando depoimento, não é nada disso, isso para mim... Vou continuar sendo delirante, vou morrer delirante. Apenas vou plagiar aquele que disse: “Vou estar aqui a contragosto.”
P/1 e P/2 – Então muito obrigada pela sua participação.Recolher