Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Joel Mendes Rennó
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos
Rio de Janeiro, 24/09/2001
Entrevista nº CVRD_HV108
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde. Eu gostaria de com...Continuar leitura
Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de Joel Mendes Rennó
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos
Rio de Janeiro, 24/09/2001
Entrevista nº CVRD_HV108
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Boa tarde. Eu gostaria de começar nosso depoimento pedindo que você nos fornecesse o seu nome completo, data e local de nascimento, por favor.
R – Joel Mendes Rennó, Belo Horizonte, Minas Gerais, 23 de fevereiro de 1938.
P/1 – Seus pais, o nome deles?
R – João Batista Cabral Rennó, por coincidência ex-engenheiro da Companhia Vale do Rio Doce; Elza Mendes Rennó, minha mãe. Três irmãs, hoje são duas. Essa é basicamente nossa família.
P/2 – Você conhece a origem da sua família?
R – Quando você me perguntou há pouco, antes da gravação dar início, quando vocês virem Rennó podem ter certeza que a origem é a mesma. Para simplificar muita coisa, quando encontro um Rennó no Estado do Pará, como existe, ou no Rio Grande do Sul também, e me perguntam eu digo “Sim, é primo de meu pai.” Facilita muito porque eu sei que a origem é a mesma, mas eu não sei exatamente em que ponto nos tocamos.
É uma família que veio de uma região que se chamava Prússia, no início do século XIX; [em] cerca de 1817, 1820 veio para Curitiba. O primeiro Rennó era um médico, Dr. Johann Rennow, tinha um W no fim. Ele foi para Curitiba e como médico europeu adquiriu uma fama importante. Verificou ele que naquela época no país, no Estado do Paraná, em Curitiba, a França como país tinha muito prestígio, então não teve dúvida, adotou o nome de João Rennó de França. Tratava-se já de um homem de marketing. Depois ele eliminou o w do nome e colocou o acento agudo - até hoje assim é que nós assinamos o nosso nome, Rennó.
Da cidade de Curitiba ele foi para o sul de Minas, para a região de Itajubá, em Santa Rita do Sapucaí, onde havia um padre muito progressista chamado Padre Lourenço que estava muito interessado em desenvolver aquela área, se necessário até distribuir certas terras, ou facilitando a aquisição das terras a um bom preço para que aquele ponto de Minas Gerais se desenvolvesse. Essa foi a oportunidade que o Dr. Johann Rennow verificou que poderia crescer e assim fez. Aí para frente, nos tempos futuros, nos tempos que se seguiram, os Rennós foram se casando com Pereira, com Cabral e com outras famílias e tornou-se uma família de fato numerosa em vários pontos do nosso país, mas fundamentalmente no sul de Minas Gerais. Cada Rennó que se vê tem esse parentesco graças a origem, ao pioneirismo do Dr. João Rennó.
(PAUSA)
P/2 – Eu queria perguntar a origem da sua família da parte materna.
R – Minha mãe é de Varginha, do sul de Minas, na época em que o grande curso que havia para moças era o curso de professora, algumas poucas se destacavam em outras atividades. Ela cursou tudo o que dizia a respeito de um dia se tornar uma professora, e assim o fez.
Ela era de uma família numerosa, a família do meu avô materno eram oito filhos. Minha mãe era a primeira desses oito filhos.
O bisavô de minha mãe chamava-se Eloi Mendes, pai do meu avô. Há uma cidade pequena, muito bem arrumada, muito bem distribuída; não é moderna porque é antiga, mas é muito bem preparada no sul de Minas, próxima à Varginha que se chama justamente Eloi Mendes, em homenagem a esse nosso parente, pai de meu bisavô. Era português, vindo da chamada Santa Terrinha, daí a origem do meu nome Mendes, meu avô era Mendes dos Reis e minha mãe, quando se casou, botou o Mendes da minha avó e o Rennó do meu pai. Todos nós [somos] Mendes Rennó por essa razão.
P/1 – E o nome Joel?
R – O nome Joel… Uma pequena curiosidade ainda se vê, mas é muito mais incomum. Antigamente procurava-se fazer combinações dos nomes do pai com a mãe para se batizar os filhos. No meu caso foi muito simples: o meu pai chamava-se João e minha mãe Elza e assim pra mim sobrou o Joel. Ficou simples.
Contava meu pai que na época que eu nasci - eu fui o primeiro dos netos do meu avô materno -, os meus tios e tias não gostaram muito à primeira vista do nome Joel; achavam o nome um pouco comum, já era um nome um pouco comum, havia uma dupla cantante chamada Joel e Gaúcho. Diziam que era uma dupla muito popular, equivalente hoje à dupla Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano e meus parentes… Não caberia bem para o primeiro neto, exatamente o nome de um dos que faziam parte do conjunto musical. Mas enfim, assim foi.
Acho que é um nome que dá sorte, vocês sabem, como religiosas que são. Eu sou Católico Apostólico Romano, eu aprendi isso há muito tempo. Joel é o nome de um profeta menor da nossa religião, então tem um significado religioso também. Eu creio que eles terem me batizado assim… Eles eram muito fiéis à doutrina que professavam.
P/2 – Conhece a história desse profeta?
R – Não me lembro. Não tinha nada de especial, era um profeta chamado menor. Teve o seu significado, certamente tem citações importantes na Bíblia, eu já vi algumas coisas, mas não era uma pessoa, não foi um santo de maior repercussão. Daí ser considerado um profeta menor, mas muito importante na escala da Igreja Católica, sem dúvida.
P/1 – Em relação aos avós, como era a convivência com eles?
R – No caso dos avós paternos, esses que estavam em Itajubá, meu avô João e minha avó Maria. Quando eu era muito pequeno eles faleceram. Eu devia ter… No caso de meu avô, pai do meu pai, talvez eu fosse completar dois anos, pouco convívio. Minha avó Maria, [quando morreu] eu tinha uns quatro ou cinco anos.
Convivi muito mais com meus avós maternos, especialmente meu avô materno. Eu considerava uma figura muito significativa. Por ser inclusive o neto mais velho ele tinha uma atenção especial atenção comigo. Era uma pessoa extremamente atenciosa, extremamente boa que faleceu com 87 anos. Viveu um pouquinho demais para a época, com poucos recursos de medicina, de alimentação, de vitaminas etc. Hoje a facilidade que se tem para uma pessoa ser mais longeva é incomparável àquele tempo antigo.
P/1 – Quais são as suas lembranças de infância com ele? Vocês se visitavam?
R – Esse meu avô era fazendeiro, tinha uma fazenda nessa região de Eloi Mendes, próximo à Varginha. Depois ele veio para o Rio de Janeiro, ficou alguns anos, morou num bairro que não sei se ainda existe, chamava-se Água Santa, perto de Piedade. Era uma chácara muito bonita que eu ia sempre quando vinha ao Rio de Janeiro. Essa propriedade, além da beleza natural muito intensa, era uma área muito bonita, tinha uma fonte de água mineral. Eu me lembro que a gente tinha uma espécie de galpão onde era engarrafada a água Santa Cruz - dizem que até hoje existe; tinha um rótulo muito bonito, esverdeado. Tinha um amigo que trabalhou comigo na Petrobrás, me dizia que às vezes via caminhões passando com garrafões e engradados da Água Mineral Santa Cruz, da área onde ele foi muito tempo proprietário.
Dali ele saiu e foi para Petrópolis, por qualquer razão da época. Eu, pequeno, não sabia qual era o interesse comercial desse meu avô, mas em Petrópolis [ele foi] continuando com o trabalho que fazia, de certo modo, com bebida; era uma bebida mais pura a água mineral. Ele passou a ser gerente geral da fábrica de cerveja Bohemia, tradicional cervejaria da cidade de Petrópolis - hoje pertence à Companhia Antarctica. Nessa época, eu [o] visitava com mais frequência.
Havia, por exemplo, a Estrada de Ferro Leopoldina. Tinha uma famosa subida do Rio de Janeiro até Petrópolis, com cremalheira. Era uma viagem extremamente pitoresca e para a gente, que era bem garoto, era uma aventura. A gente saía sexta-feira à noite para passar o fim de semana com meu avô em Petrópolis. Ele morava na Avenida Köeler, uma avenida muito boa, em frente à igreja. Umas facilidades que nós menores nunca mais nos esquecemos porque tinha uma condição muito boa, importante, de você se sentir um garoto importante também, por ter toda aquela facilidade. Ele, como pessoa, por ter bem mais idade do que eu, sempre muito generoso, muito carinhoso.
Essas coisas fazem com que... Veja que eu estou há quase cinco minutos falando disse, porque a gente não se esqueceu dessa figura mais que patriarcal.
P/1 – Como era o nome dele?
R – José. Vovô Zeca eu o chamava, José Carvalho dos Reis. Seu Zeca, Seu Carvalho, essas pequenas coisas que eu me lembro de passagem, muito importantes, que vão deixando uma marca sobretudo muito positiva na vida da gente.
Em se falando de parente, de avô, avó, quem de fato marcou profundamente minha vida sempre foi meu pai. Eu sempre eu o encarei como um verdadeiro exemplo para todos nós, porque a vida da época era muito dura. Eu me lembro que ele me contava, depois de moço, que um dos primeiros salários que ele recebeu como engenheiro… Tinha o título de engenheiro na década de 30. Ele trabalhava numa cidade chamada Piquete, no Vale do Paraíba, perto de Lorena, [em] fábrica de pólvora do Exército ou uma coisa semelhante, uma fábrica de explosivo. Não tinha na nomenclatura da indústria o cargo de engenheiro, então ele recebia o seu salário pela rubrica de óleo combustível, óleo diesel. A empresa comprava uma quantidade de óleo diesel para suas necessidades ou óleo combustível e separavam uma parte que era paga ao engenheiro Rennó, nessa ocasião.
P/1 – Seu pai é formado por onde?
R – Itajubá, no sul de Minas. É uma escola quase centenária, sempre especializada na área [de] eletricidade e mecânica. É lógico que com o passar do tempo passou a ter outras cadeiras como eletrônica, engenharia civil etc. Mas o início, o princípio do século XX, em 1913, foi como escola especializada em eletromecânica. Era uma escola [em] que se estudava dentro de um entendimento de que importante não era propriamente você ter um título de engenheiro, de uma escola superior apenas que fosse, mas que você aprendesse fazendo, desde o início, à semelhança do que se via em Minas, em outras cidades importantes, que era Ouro Preto. Ouro Preto formava desde o final de século XIX, até mais tempo que Itajubá, engenheiros metalúrgicos, metalurgistas e geólogos. Dentro desse mesmo entendimento: você vai estudar Engenharia, você vai ter conhecimento tecnológico, conhecimento técnico e os professores de uma ou de outra, eram quase todos vindos do exterior, para formar aquele núcleo de ensino, mas você vai aprender tudo isso fazendo.
Eu estudava em Itajubá, no meu período de universidade, os laboratórios de eletricidade, os laboratórios de mecânica, os equipamentos. Eram equipamentos que eu, visitando outras escolas de engenharia em São Paulo e no Rio de Janeiro... É claro que tinham as suas facilidades, mas não ficavam nada a dever para que esse entendimento de [que] se aprender fazendo fosse verdadeiro. Lá você aprendia fazendo.
Aqui era um pouco mais teórico, eu senti. Tinha amigos, colegas da mesma idade que estudavam aqui ou em São Paulo; já eram os dois maiores centros de Brasil, contando cada um deles a sua vantagem. Eu cantava minha vantagem dessa maneira. “Você sabe mexer num motor elétrico, no segundo ano de engenharia?” “Eu já fiz ligação trifásica, bifásica, eu sei o que é fio neutro.” Eles ficavam um pouquinho embaraçados, mas rebatiam falando de fórmulas espetaculares, da ciência, mas não sabiam, não tinham aprendido a colocar a mão num equipamento.
Tanto isso foi útil e oportuno que ainda quando estudante de Engenharia, quando fazia meus famosos estágios obrigatórios durante as férias para poder cumprir o que eu tinha que apresentar à escola, para poder receber meu título de engenheiro, visitava usinas hidrelétricas em construção, fazia parte de trabalhos outros em outros lugares. Raramente eu deixava de encontrar nesses lugares onde havia o que fazer, estava se fazendo coisas. Raramente eu deixava de encontrar algum ex-engenheiro formado em Itajubá. Sempre em vários pontos: por exemplo, em Três Marias, uma das primeiras usinas importantes que foram feitas no país no tempo da CEMIG, muito jovem, no governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Três Marias fica no Rio São Francisco, estava em construção [com] ex-engenheiros formados há muito mais tempo em Itajubá. Depois estágio em Belo Horizonte, na Cia Força e Luz de Minas Gerais, que era distribuidora de energia elétrica na capital mineira, semelhante ao que faz aqui a Light, e a Eletropaulo e a Bandeirante em São Paulo, também [com] vários engenheiros.
Teve uma época que eu fui para o Estado do Pará. havia um projeto da KM, tinha um americano muito famoso. Como é que se chamava? Um americano que tinha adquirido uma determinada… Estava lá desenvolvendo… Daniel Ludwig.
[Quando] fui fazer a primeira visita na minha vida no projeto Jari, [o] principal executivo do projeto era um engenheiro formado nessa Escola de Engenharia de Itajubá porque tinha muita coisa que fazer com eletricidade. Era uma área isolada, eles haviam até importado em certa ocasião uma verdadeira usina termoelétrica pronta; veio de longe, passando pelos nossos mares, até chegar e ser ancorada no projeto para começar a dar seus resultados elétricos. O nosso engenheiro Seara, que era o engenheiro chefe de tudo isso, era ex-aluno da Escola.
Essa iniciativa de professores da Europa que foram para Minas, para Itajubá no começo do século XX trouxe como resultado isso que estou acabando de dizer: “Vocês vão ter as suas aulas aqui, vão sair daqui pretensos doutores, mas sobretudo vocês vão aprender colocando a mão na massa, fazendo.” Isso me faz lembrar muito…
Você trabalhando no interior, vivendo numa cidade como Itajubá… Hoje é uma cidade com pouco mais de cem mil habitantes, creio; Ouro Preto, um pouquinho maior, até. Ouro Preto tem muita escarpa, é muito acidentada. Itajubá tem essa parte acidentada, mas é um pouco mais plana. Ela se desenvolveu ao longo do Rio Sapucaí, de um lado e de outro, é uma cidade comprida. Por causa desse tipo de vida, muito intenso em termos de estudo, eram trabalhos muito puxados. Você vivia para a escola e para a república, que era chamado o lugar que você morava. Aprendia, sobretudo, até uma certa humildade na vida, que eu achei muito importante. Achei e acho. Se você leu Cosmos do Carl Sagan, você vê como a gente é pequenininho em relação às coisas do mundo, mas na verdade você, vendo as experiências que Sagan fez… Então nada de nariz em pé, nada de arrogância, nada de achar que você sabe mais. Compenetre-se, caia em si, seja tanto quanto possível aquele humilde e sincero, não custa nada. E em uma cidade como Itajubá você aprendia a desenvolver muito, se é que você tinha alguma aptidão para isso; você desenvolvia mais porque era estudar, viver na república e lembrar-se muito de um comentário do Rui Barbosa: onde os meninos se camparem de doutores, os doutores não passarão de meninos. Você tem sempre que ter presente o que pode representar na vida. Nada de achar que você tem o direito de pretender se arrogar para uma coisa que efetivamente não é, e quando você for guarde aquela certa aura de modéstia, mesmo sendo um pouco falsa modéstia.
Uma coisa que eu queria aproveitar essa deixa, nesse tempo de Escola de Engenharia, era estudar, levar a vida de república e conviver naquela atmosfera muito boa da cidade, da escola. Eu nunca tive dificuldade e me lembro dos meus amigos, nunca tinha dificuldade. Pessoal, gangues contra gangues, tóxicos, crimes, assaltos, roubos, absolutamente. Vivia-se uma vida normal com dificuldades. O dinheiro sobretudo era muito curto. Você conseguia se desenvolver, exatamente porque eu sentia… Embora eu tivesse sido um estudante profissional, eu nunca precisei trabalhar necessariamente, trabalhar para viver. Meu pai sempre conseguia me subvencionar. Mesmo assim eu gostava de ter um pouco mais, então no tempo de estudante de Engenharia eu fui locutor de rádio, [por] seis anos. Desde o curso científico - eu fui para lá no segundo ano científico, me formei no científico. Passei no vestibular, no primeiro, graças a Deus, então com cerca de 21 para 22 anos eu era engenheiro. Trabalhei o tempo todo como locutor de rádio, [numa] rádio local, a Rádio Itajubá ZY5.
P/2 – Você não consegue reproduzir um programinha, uma fala?
R – “ZY5, Rádio Itajubá para o Sul de Minas”, algo assim - e todo Vale do Paraíba. Itajubá fica a cerca de uns oitocentos metros de altitude na Serra da Mantiqueira. Um acesso fácil indicado para a cidade: você vai pelo Vale do Paraíba, sai do Rio de Janeiro em direção à São Paulo, à direita na cidade de Lorena; você sobe a Serra da Mantiqueira e está na cidade de Itajubá. De Lorena até lá eu creio que é cerca de noventa, cem quilômetros. O que é íngreme é a serra.
Nós fazíamos nossos programas de música e de certas curiosidades, era sempre à noite.
P/1 – Que músicas?
R – Eu era boêmio, sempre gostei da noite. E aprendi mais nessa época do jornalista. Eu tinha um programa das dez à meia noite. O último programa diário da rádio, encerrava a programação, chamava-se Durante Algum Tempo. Fazia um relativo sucesso porque estava todo mundo deitado, fazer o que na cidade? Então ouviam música, telefonavam, faziam umas brincadeiras interessantes. E te permitia ter algum prestígio com as moças.
Não era à toa. Naquele tempo você não tinha TV, a TV era precaríssima. O programa era chamado Para Ouvir e Gostar. Você fazia uma seleção musical com um contrarregra. Começaram naquela época os long plays grandes, você tinha os de dez polegadas e depois os de doze polegadas. CD nunca, DVD muito menos. Você se defendia com o que tinha, ainda tinha as gravações em 78 rotações. Grandes sucessos da
ngela Maria, Cauby e outros importados; tinha os de 78 rotações, os long plays de dez polegadas e os de doze polegadas, a gente fazia uma mistura danada, muito interessante.
Na ocasião, por volta de uns dois ou três anos antes de me formar, nós constituímos com os colegas da escola… Éramos oito, depois contratamos mais um de fora que tocava saxofone, o Márcio, já falecido. [Ele] era muito ligado aos companheiros de escola; não era estudante de Engenharia, mas os outros eram todos estudantes de Engenharia: bateria, violão - não era guitarra, era um violão estilizado, um violão elétrico, chamava-se - contrabaixo, instrumentos de ritmo, piano, um pianista muito bom, o Lúcio Libani. Nós criamos, constituímos um conjunto de ritmos, chamava-se “Os universitários”. Nós tocamos em bailes na cidade e em algumas cidades do Vale do Paraíba, São José dos Campos, Taubaté.
Eu era o apresentador e o crooner do conjunto, ganhava mil cruzeiros, na época,
por noite. Cada fim de semana, quando a gente saía, nós fazíamos tudo. Montávamos o conjunto, toda essa parafernália que aqui é até moderna e simples, mas lá era tudo quanto é fio. Fazíamos isso antes, saíamos, colocávamos roupa elegante; voltávamos, desempenhávamos nosso trabalho. Depois que todo mundo ia embora, às cinco horas da manhã estava todo mundo lá, desmontando para viajar de ônibus de volta à cidade, porque no outro dia tinha aula.
Era um tempo interessantíssimo onde eu fazia esse papel de apresentador do conjunto, tocava triângulo e maraca e cantava. Ganhava mil cruzeiros por performance. Na época, a república custava para dormir e alimentação pouco mais de dois e pouco por mês. Você pagava aluguel, morava em cinco ou seis companheiros, pagava a secretária que cozinhava, a D. Francisca, tinha uma comida razoável, modesta mas decente. Dois e quinhentos, dois e setecentos por mês, e eu ganhava mil por três performances seguidas e ainda sobrava dinheiro.
Essa época eu achava extremamente construtiva, que te mostrava esse caminho que eu comentei há pouco. Você tem que saber onde você está pisando, onde você pretende chegar. E leve sempre em conta a oportunidade, a necessidade de
guardar a sua humildade. Nunca se esqueça, mesmo tendo posição.
Veja na vida, ela me levou a posições importantes, pelas circunstâncias. Nessas posições você vai ter uma postura, uma maneira de desempenhar essa função, esse trabalho,. Mas mesmo aí, se você puder guardar essa distância que existe entre o arrogante e a pessoa integrada, eu acho muito mais oportuno do que não. Eu te dei exemplo do nosso país, hoje em dia, não via antes, não via ontem, não via tempos passados, é da natureza humana. Cada um é um, não é isso?
P/1 – Eu queria voltar um pouquinho e falar da trajetória profissional de seu pai. Seu pai foi empregado da Vale do Rio Doce, engenheiro da Vale. Eu queria que você contasse um pouco dessa trajetória. Quais as cidades que vocês viveram, o que ele contava da empresa?
R – Quando ele estava na Vale, nesse período, naturalmente, eu não tinha compreensão maior para acompanhá-lo ou ouvir as conversas que talvez ele tivesse gostado de ter tido comigo. Eu era muito garoto, era muito pequeno. Mas passado um tempo, eu segui a carreira que ele havia abraçado, a de engenheiro, então nos diversos lugares que trabalhava ele sempre… Cerca de vinte, vinte e poucos anos ele ficou no interior de São Paulo desempenhando seu trabalho nessa região de Ourinhos, Piraju, Ipauçu.
P/1 – Mas no Rio ele também trabalhava na Vale?
R – Eu vou chegar lá. Nessa oportunidade sim, nós começamos a conversar muito, até incluindo sobre o passado de Vale. Ele me dizia que quando ingressou na companhia o grande projeto de desenvolvimento da Vale na época era para que ela chegasse a exportação de 1,5 milhão de toneladas por ano. Ela tinha um determinado volume já trabalhado no mundo, já exportado.
Era meados para o final da década de 40. O projeto determinado pela diretoria, pela direção era esse. E efetivamente, depois que ele saiu em 1952, a Vale chegou pela primeira vez a exportar 1,5 milhão de toneladas/ano de minério de ferro. Não havia, na época, nenhum sonho das pellets, das pelotas. [Em] 52 ela fez essa exportação nesse volume, em 57 foram três milhões, depois foram seis milhões e assim por diante.
Hoje ela já está chegando, se não me engano, em 2001, talvez a oitenta milhões por ano. No meu tempo de presidente nós chegamos a exportar 42 e cerca de nove milhões no mercado interno. Foi a Vale, na época, dos cinquenta milhões em produção do minério de ferro, já incluindo aí uma parte de pellets, de pelotas de minério.
O projeto que meu pai estava envolvido na ocasião… A nossa família, morando no Rio, na época era só minha irmã e eu, um casal. Morávamos no Méier, na Rua Lucídio Lago, ao lado de um Corpo de Bombeiros. Interessante para a gente: garoto, toda hora estava confraternizando com os homens do fogo.
Foi onde eu comecei a estudar na minha vida, no Colégio Dois de Dezembro, com a professora Dirce no primeiro ano primário. Primeiro ano, segundo e terceiro com a Dona Dirce, nesse colégio o qual tenho muita recordação dele. Tenho amigos que depois eu soube, na própria Petrobrás, recentemente, que estiveram no colégio Dois de Dezembro, em outra época. Mas só o fato de lembrar o colégio, o professor ilustre que teve, durante muitos anos…
O Professor Marreca era uma marca no bairro do Méier, o colégio. O nome do Professor Marreca eu não me lembro, mas diziam que era uma fera. Uma fera domada, um professor interessadíssimo no Magistério e rigoroso. Isso que deu muita fama, segundo eu soube, ao colégio Dois de Dezembro.
Depois dessa ocasião, meu pai foi como engenheiro para a Companhia Siderúrgica Nacional, nós moramos em Volta Redonda por um período. De Volta Redonda ele foi em direção à São Paulo, onde ficou até o final de sua atividade profissional. Lá se aposentou e voltou para as origens, como dizem que certos animais ilustres fazem. Dizem que o elefante, quando está chegando nos últimos dias, pressentido que daqui a pouco ele venha morrer, ele vai procurar o lugar de onde ele saiu há muito tempo, andar por todo o trajeto que ele fez. É claro que, mal comparando, o mineiro tem muitas ligações com suas origens, da nossa índole, porque Minas Gerais é um estado interior, não tem mar como o Rio de Janeiro. Toda nossa família é apaixonada pelo Rio de Janeiro. Estou aqui há pouco mais de vinte anos, não quero sair do Rio de Janeiro, meus filhos são cariocas, minha mulher é paulista. Ninguém é perfeito, mas ela gosta demais do Rio de Janeiro.
Meu pai voltou pra Minas, mas ao invés de voltar para as origens foi para Poços de Caldas. É sul de Minas também, mas tem outro enfoque; é uma cidade mais de turismo, mais agradável de se viver, tem muitas escolas, é uma cidade bem desenvolvida. Por curiosidade ele decidiu, [ao] se aposentar, ir para Poços de Caldas ao invés de morar comigo em São Paulo, porque nós tínhamos em Poços um irmão de minha mãe, um Juiz de Direito muito amigo de meu pai. Um daqueles cunhados que de vez em quando se dão, como sogra. Na nossa família aconteceu. Tio Nilton era muito amigo de papai e ele foi levado por essa amizade, aposentado, em Poços de Caldas. Ele sempre gostou de terras, o pai dele foi, de certo modo, um pequeno fazendeiro, então ele começou a ter, comprar uma terra e outra, fazer negócio; comprava um pequeno imóvel, negociava também. Com isso enchia seu tempo e muito bem.
Acabou falecendo em Poços há vinte anos e minha mãe também, pouco tempo depois - dois, três anos depois, acho que pela intensa camaradagem que eles tiveram na vida ela também faleceu. Estamos assim, conversados na vida de pai.
Antes de ele acabar aqui no Rio de Janeiro, na Vale do Rio Doce, ele começou trabalhando nesse lugar que eu lhe falei, como curiosidade. Ele dizia que não era engenheiro, que era o óleo combustível. Ficou pouco tempo, depois foi pro Sul, trabalhar na cidade do Getúlio Vargas e do João Goulart, São Borja. É uma cidade onde havia uma pequena indústria, aliás era uma indústria que preparava um produto, uma massa que depois vinha para o Rio de Janeiro, no interior do Estado, numa localidade chamada Santanésia - perto de Barra do Piraí, onde tem a fábrica de papel fino de cigarro da Souza Cruz. Lá em São Borja era preparada a massa de celulose que daria origem a fabricação desse papel especial, aqui no interior do estado. Ele trabalhou lá uma época, veio depois por algum tempo para Santanésia - chamava Santana, na época -, às margens do rio Paraíba, e vem em seguida para a Vale. Aí sim, ficou mais tempo e tomou parte na época, desse projeto enorme de um milhão e meio de toneladas/ano de capacidade de exportação.
P/2 – Você estava comentando que nesse período que ele foi para o interior você estudou em um colégio interno, é isso? Conta essa epopeia.
R – Quando nós fomos para o interior de São Paulo, chegando na localidade não havia o chamado curso ginasial, a cidade só tinha o grupo escolar. Então eu tive que, por necessidade, ficar interno, participar de um internato, em uma outra cidade bem distante; na época, bem [à] distância porque a ferrovia era muito lenta e as rodovias eram todas de terra ainda, não tinha asfalto. Eram cinco horas de viagem até Botucatu, onde eu estudei quase cinco anos, fiz curso de admissão e os quatro anos do curso ginasial.
Terminado o curso ginasial, ainda sem ter decidido na época o que eu queria ser na vida… Era fácil na ocasião: médico, advogado ou engenheiro. Basicamente essas três opções.
P/1 – Seu pai teve alguma influência nessa decisão?
R – Nunca usou de influência forte para isso. É claro, porque a gente sentia que ele teria muita satisfação se eu me inclinasse pela carreira de engenheiro. Fui então deixando o internato e ficando numa cidade mais próxima de casa, chamada Avaré, também na região da Sorocabana, onde eu fiz o primeiro ano científico, morando numa pensão, também procurando me defender. Aprendi muito com isso.
Diz o Arnold Toynbee, bem comparando ou mal comparando: “Você só avança contra a tempestade.” Quando você tem alguma dificuldade, você acha maneiras de... Se você tiver força de vontade de vencer. A gente mocinho, garoto, quinze anos, e conseguiu sair. Aí sim, saiu a decisão de estudar Engenharia, por que quis. Mas eu tinha certamente duas opções na época: ou a capital de São Paulo, onde nós temos uma relação boa, amigos de meu pai, eu tinha alguns conhecidos moços, ou Minas Gerais, que era a terra de meu pai, onde tinha essa escola bem tradicional. Eu achei que valeria a pena, ao invés de São Paulo, que era um centro maior, muito mais complicado, ir para Itajubá, que na pior das hipóteses, se fosse necessário - e graças a Deus não foi necessário -, teria apoio dos parentes, pessoas de alta confiança no caso de uma necessidade maior. Não foi, mas gostei muito de ter tomado essa decisão e acho que meu pai ficou satisfeito também. Embora eu nunca me lembre de ter ouvido alguma cobrança de algum parente, por exemplo, em nome dele, ou por iniciativa do parente, o que seria natural.
Eu moço, com todas aquelas tentações da vida, sozinho, poderia falar: o Joel está namorando... Nunca, felizmente. É uma coisa que quando vem a lembrança, é uma certa gratidão até com esse pessoal que me acompanhou na época. Nenhum deles ficava com esses detalhes que eu acho absolutamente medíocres, de querer dar palpite ou conselho além do que deve, na sua vida. Eu [era] muito menos preparado do que hoje, mas eu sentia uma boa vontade tão grande de atender a satisfação de meu pai, de minha família. Uma família tão pequena - eu já tinha duas irmãs, nós somos em quatro. Porque eu vou fazer uma coisa que necessariamente vai repercutir na insatisfação dele.
Nunca fui santo. Mas de qualquer maneira, nessa falta de santidade, eu procurava ser aquilo que queria ser, com alta responsabilidade. Isso eu aprendi cedo, por essas circunstâncias que eu acabei confessando pra vocês - nem devia ter confessado, é a primeira vez que nos vimos. Mas é isso, aprendi muito cedo a ter essa responsabilidade. Eu vejo na minha casa, hoje em dia com meu filho - eu tenho um filho, Joel está com 22 anos, no quarto ano de Direito, absolutamente independente; claro, mora conosco, mas leva a vida dele. Trabalha há dois anos, num escritório de advocacia de um vizinho e amigo, Ronaldo Veirano, um escritório muito bem equipado, trabalha com empresas internacionais. O meu filho fez o high school, o científico, em Beverly, nos EUA. Como todo moço hoje em dia, tem muita oportunidade, tem um inglês muito bom, depois estudou por que quis o espanhol, se defende muito bem com a língua. Resolveu fazer um teste para alguns escritórios e conseguiu há dois anos. Hoje em dia trabalha o dia todo e estuda à noite. Vai indo muito bem.
Mas eu percebo, no nosso convívio quase diário, que o enfoque dos moços de hoje em dia é bem diferente do meu tempo. Eu sou bem mais velho do que ele, mas eu sentia outro tipo de preocupação do que eles têm hoje. Eu não sei se é porque eles sabem que nós somos pau pra toda obra, qualquer necessidade nós comparecemos, mas no meu tempo também, embora sempre longe dos meus pais, eu tinha a convicção. E quando você é moço você acha que é eterno, não vai te acontecer nada. Eu sabia que se tivesse qualquer premência, qualquer urgência, meu pai, mesmo longe, estaria a postos para me ajudar. Mas a compreensão hoje em dia é diferente.
[Da] minha filha não há o que falar porque é outro caso, é moça. Eu sempre gostei muito na minha vida de moças, então gosto muito da minha filha. Juliana tem dezenove para vinte anos. É uma moça formidável, está no segundo ano de Direito. É uma moça muito séria. É um temperamento mais parecido com o meu, de acordo com minha mulher, que é uma pessoa formidável, a Maria Rita; grande moça, além de muito bonita e atuante. Ela acha Juliana parecida com meu estilo, e o Joel parecido do que ela foi.
Acho que nós nos completamos, na verdade. Tudo que eu tenho passado… Pela minha carreira eu tive oportunidade de muito moço, com menos de quarenta anos de idade, ser presidente da Vale e depois recentemente, há sete anos, presidente da Petrobrás; o único brasileiro hoje vivo [que] foi presidente das duas companhias. Mas acho que o grande orgulho de minha vida, nunca deixo de confessar, eu fiz há dois anos e meio quando recebi o título de Engenheiro do Ano, em Minas Gerais. O grande orgulho é minha família, eu tenho um grande orgulho de minha mulher e meus dois filhos. Veja bem, até hoje… Ninguém é obrigado a casar, não tem mais sentido. Já foi o tempo do moço, filho de uma determinada família e a moça de outra família. As duas famílias se entendendo bem: está ótimo para meu filho e ótimo para minha filha. Quando você toma essa decisão, que foi o que eu fiz na minha época, é porque você quer mesmo fazer aquilo. Felizmente deu certo e eu tenho um grande orgulho. Daí pra frente, como diz um companheiro meu lá de Minas, uma pessoa muito modesta: “Doutor, daí pra frente tudo é lucro.” Tendo saúde e uma família unida, o que pode te acontecer na vida é resultado positivo.
P/1 – Você conheceu sua esposa onde?
R – Veja que coisa interessante, eu trabalhava na época em Brasília. Eu fiz minha carreira toda de engenheiro em São Paulo, engenheiro inicial trabalhei na AEG, depois passei a trabalhar para meu currículo, para o Estado de São Paulo, para o governo.
P/1 – Seu primeiro emprego qual foi?
R – AEG Telefunken, em São Paulo, capital. Depois eu vi um anúncio no jornal para o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo, precisando de engenheiros eletromecânicos para desenvolver um projeto de eletrificação no interior.
Meu pai [estava] morando no interior de São Paulo. Eu achei que valia a pena saber o que era aquilo; para ser sincero, eu não estava feliz com os alemães da AEG. Os alemães são pessoas que eu prezo muito, é um pessoal bastante competente, é um país notável, mas às vezes o estilo não combina muito com nós, latinos. Então eu resolvi achar que aquele anúncio tinha alguma capacidade de premonição.
Fui procurar os responsáveis pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. Conversamos, me apresentei, peguei os documentos que precisava para fazer um teste. Era uma espécie de seleção, e nessa seleção, para resumir, fui aprovado e fui convidado para trabalhar no Departamento. Pensava-se, na época, quando se via uma oferta de um emprego público que era uma sinecura: “Você vai ser funcionário público... Que mamata. Trabalha meio período, toma cafezinho o dia inteiro, deixa o paletó na cadeira e…” Nada disso, era um emprego sério, dia inteiro, pagava bem. Usava de fato o trabalho que você pudesse dar para o Departamento.
Gostei muito, fiquei um tempo. Nessa ocasião é que eu ganhei uma bolsa, também vendo um comentário de jornal. O consulado japonês de São Paulo estava oferecendo bolsa de estudos para passar uma temporada no Japão, para engenheiro com tais e tais qualificações.
P/1 – A sua especialidade, qual era?
R – Eletricidade e Mecânica. No nosso caso, havia o CREA [Conselho Regional de Engenharia e Agronomia] [que] na ocasião permitia, como eu tinha cadeiras ligadas à Engenharia Civil, no meu curso de Eletricidade e Mecânica… Eu poderia ser responsável por certas construções até determinado número de andares. Então eu tinha basicamente Eletricidade, Mecânica e uma parte de Engenharia Civil.
Eu li o oferecimento do consulado japonês; eu não preenchia todos os requisitos, eles são muito exigentes. Mas procurei o consulado em São Paulo, por iniciativa própria, e me candidatei. Conversei com o pessoal, inclusive o meu inglês na época era muito mais claudicante do que hoje; hoje, nós podemos sobreviver muito bem. Acabei, resumidamente, ganhando essa oportunidade de estar lá no Japão.
Fiquei muito tempo no Japão, visitando basicamente indústrias, fábrica de equipamentos e construções eletromecânicas do país, por exemplo, hidrelétricas. Hidrelétrica não é o forte no Japão. No Japão basicamente, em termos de eletricidade, tem fundamento na energia térmica e nuclear. 40%, mais ou menos, da capacidade de energia instalada do país são de usinas nucleares. Tem parte térmica, petróleo, gás natural e hidrelétrica, mas eu fui destinado a desenvolver a parte de - era o nome do curso - Planejamento de Usinas Hidrelétricas. Na verdade, eles queriam apresentar a você o que eles eram capazes de fazer, para quando você voltasse para cá fizesse a propaganda, autopromoção deles.
P/1 – A sua bolsa foi consentida por quem?
R – Pelo governo japonês. Havia uma agência do governo japonês chamada OTCA - Overseas Technical Cooperation Agency, ligada ao Ministério da Indústria e Comércio do Japão. Fui para lá, fiquei lá um bom tempo. Quando voltei havia ocorrido em São Paulo a mudança de governo estadual. Não sei se vocês se lembram, São Paulo teve um governador muito famoso, chamado Adhemar de Barros. Adhemar foi cassado pela revolução; Laudo Natel era o vice dele, passou a ser o governador.
Trabalhei um pouquinho nesse período, até o final do ano.
Num próximo governo veio uma pessoa que acabou mais tarde se tornando uma pessoa muito amiga, chamado Roberto Abreu Sodré. Ele escolheu para secretário de obras dele um filho de japonês chamado Eduardo Yasuda. O irmão de Eduardo [se] chama Fábio Yasuda, o Fábio chegou a ser Ministro de Indústria e Comércio do Presidente Médici numa certa época - 70-72, por aí.
Eu estava no meu departamento quando voltei do Japão, me apresentei, e o secretário novo, que era o Eduardo Yasuda, tinha pedido aos departamentos de sua secretaria, inclusive da elétrica, uma pessoa para ajudá-lo no gabinete, para ser o técnico. Eu fui indicado, foi quando eu conheci o Eduardo. Resumindo, fiz um trabalho com ele que acho que ele ficou satisfeito.
Em seguida, [em] menos de um ano, eu me tornei, com 27, 28 anos chefe do gabinete do Secretário. Aí começou minha atividade meio política, porque eu tinha que lidar com prefeitos, com deputados estaduais, com governador. Aprendi muito nesse tempo principalmente fazendo relacionamento humano, que é fundamental pra sua vida, é ter pessoas que confiem em você e vice-versa.
Fiquei esse período com o secretário Eduardo Yasuda. Quando terminou o governo do Sodré ele passou, por convite da Eletrobrás, a ser Presidente da Companhia Paulista de Força e Luz, hoje privatizada, do grupo VBC – Votorantim-Bradesco-Camargo Corrêa; está no mesmo lugar, em todo o interior do Estado de São Paulo, grande companhia. Fiquei com ele como Diretor de Planejamento Adjunto. Primeira vez na vida também - tinha trinta anos, imagine que sorte, as luzes da bondade divina brilhando pra mim.
Nessa ocasião, terminando o trabalho na Paulista, eu decidi ir para Brasília a convite de um amigo. Eu não conhecia o ministro, que era o Shigeaki Ueki, mas nós tínhamos um amigo comum em São Paulo que era um jornalista da Folha e da revista Visão, Hideo Onaga. O Onaga falou: ”Você é o tipo do sujeito que tem um perfil.” Eu era solteiro ainda, não tinha tempo de casar. “Você vai para Brasília, ajuda o ministro que ele está precisando de uma pessoa com sua disposição pra viajar, pra fazer trabalho.” “Se eu puder ser útil…”
Eu me apresentei em Brasília.
P/1 – O que te movia nessa época como engenheiro?
R – Eu achava que tendo trabalhado no Estado de São Paulo, que já era o estado líder da federação, tendo passado por empresa particular, governo, companhia de eletricidade importante, tinha que conhecer um pouco o que era governo federal - que bicho é esse, complicado, onde as coisas têm grande repercussão nacional. Eu estava habituado com repercussão estadual.
Havia um capítulo que eu não completei, vou comentar agora. Enquanto [trabalhava] no Departamento de Águas e Energia Elétrica, depois de algum tempo de trabalho, eu tinha tempo de manhã bem cedo, de sete e meia, oito da manhã até nove e meia, dez horas. Eu achei tempo para isso, para lecionar. Eu sempre gostei muito de lecionar para poder aprender, para ser obrigado a estudar. Na época, eu estava formado não tinha dez anos, então não queria perder aquele viço, aquele entusiasmo de falar: “Eu conheço de cor as fórmulas elétricas”. Orgulho de moço, legítimo.
Eu fui dar aula na Universidade Mackenzie, no quinto ano da Escola de Engenharia; eu dava aula numa cadeira chamada Estações Elétricas Geradoras. Era exatamente a minha especialidade enquanto universitário e enquanto engenheiro. Dei aula no Mackenzie.
P/2 – Em que período?
R – Em 67, 69.
P/2 – Pegou aquele tumulto todo na Maria Antônia?
R – Em frente, era em frente ao curso de Filosofia. Eu não entendia muito, não estava envolvido nisso, estava muito ocupado, mas tenho esse capítulo nessa minha história - antes de decidir, anos depois, de ir para Brasília, com essa finalidade. Puxa, já passei aqui em São Paulo bons períodos e o convite do Hideo, [que] até hoje é um bom amigo - por coincidência esta semana ele está completando oitenta anos de idade. Ele insistia: “Você vai ver o que é o Governo Federal. Passa lá um ano, dois anos, três anos, o tempo que você achar que vale a pena.”
Eu não tinha compromisso maior em São Paulo, minha vida estava toda feita, toda montada fisicamente e espiritualmente liberada. Fui para Brasília. Se eu não tivesse ido para Brasília nós não estaríamos aqui hoje. Eu fui de Brasília… No final de 77 o governo decidiu que eu deveria presidir a Vale, em seguida, na necessidade que o governo sentiu de eu substituir o Fernando, o diretor. Eu só vim substituir o diretor, fiquei tomando conta dessa área. Fiquei com todos os vice-presidentes, diretores, da época. Depois, é claro, dentro do meu estilo, fiz uma ou outra mudança que achava necessário. Mas três ou quatro meses depois, inicialmente fiquei só convocado para ficar no lugar do Fernando, por isso que eu fui para Brasília.
Outra coincidência importantíssima: estando lá, é claro que o pessoal de onde eu trabalhava aqui em São Paulo, tinha alguma relação. Sabia que havia no Ministério de Minas, no gabinete do ministro uma assessoria chamada Assessoria Técnica Especial. Tinha um engenheiro de cada companhia ligada ao ministério: Eletrobrás, Vale, Petrobrás. O Fausto fazia muita ligação na época pela Vale, e tinha um eclético que o ministro achava que eu podia ficar com ele, ele me nomeou para chefiar esse grupo. Não foi pedido, ele achou que eu merecia. Minha tarefa fundamental era cuidar dos assuntos gerais da Vale, assuntos minerais, mineral sólido – Vale, mineral líquido – Petrobrás. Então ficava mais ligado a essas duas companhias porque dizia o ministro que, sendo eu de formação eletromecânica de Eletrobrás, era uma covardia eu ficar cuidando só de assunto elétrico.
Eu tinha que estudar muito, para ele, assuntos de outra atividade. Comecei a trabalhar em assuntos ligados à Vale e à Petrobrás, mas com meu jeito, como sempre foi, de me dedicar muito. Eu me dedico muito. Esses resuminhos que eu trouxe para vocês, eu podia chegar aqui de mão abanando, mas como eu soube que vocês tinham pedido algumas fotos pessoais, fotos ligadas à Vale e alguns dados, eu trouxe esse resuminho, em dois dias apenas lendo relatórios antigos, porque eu acho que é importante dar de contribuição, saber o que estou fazendo.
Muito bem, vamos chegar à minha mulher.
P/1 – Você chega em Brasília em que ano?
R – Em 76. Estando no Ministério, eu recebo numa certa tarde um telefonema da Secretaria de Obras, onde eu trabalhei em São Paulo, no gabinete do secretário da época. Outras pessoas, mas as moças, os técnicos os mesmos. O estamento, como é chamado, era o mesmo, só mudaram as figuras de proa. [Ligaram] me dizendo que ia uma moça da secretaria, uma advogada me procurar, que ela tinha necessidade para ajudar o secretário de então, que eu pudesse dar algumas informações sobre a parte mineral. Esse secretário tinha assuntos minerais em São Paulo; era calcário, areia. Ela queria ter informações de como funcionava o Departamento Nacional da Produção Mineral. Então você vai ao ministério em Brasília, tem um engenheiro lá que trabalhou conosco anos atrás, talvez possa ser útil para abrir os caminhos para você.
Ela me procurou, essa que é hoje mãe de meu casal de filhos, me procurou com essa finalidade. Maria Rita se apresentou toda formal. Como se tratava de uma moça muito bonita, eu fui gentilíssimo, tratei-a bem. Maria Rita é muito séria, muito compenetrada, responsabilíssima. Depois da segunda ou terceira vez… Não sei porque ela voltou tantas vezes ao Ministério, bastava uma. Eu falo isso para ela, ela fica brava.
P/1 – Ou você não forneceu todos os dados.
R – Eu ia chegar nesse ponto, dei pela metade.
Na verdade, fizemos uma relação pessoal muito construtiva, muito boa, e como eu ia, naquele tempo… Eu passava poucos fins de semana em Brasília. O próprio ministro viajava com a família, ele era da capital de São Paulo; ele pedia para eu acompanhá-lo. Tinha lugar no avião, eu ia junto. Conversávamos muito, discutíamos. Eram três horas de viagem, era um avião muito lento. Eu me lembro que eu levava um catatau de trabalhos para fazer juntos, para deixar em dia. Nessa oportunidade aproveitava para contatar minha mulher e a coisa se desenvolveu de modo que quando eu fui para a Vale [eu estava] ainda solteiro.
Os amigos brincavam muito, lá da Câmara, deputados, [que] na época eu era um dos melhores partidos que tinha em Brasília, não era nem a Arena nem o MDB: solteiro, bem colocado. Faziam essa brincadeira. Mas esse fato aconteceu ainda na minha gestão como presidente, eu ter casado no princípio de dezembro de 78.
P/1 – Você conta do seu casamento, por favor?
R – Nós casamos… Uma curiosidade antes e logo depois do casamento foi a seguinte: eu tinha um programa de viajar para a China. Um dos aspectos positivos do nosso trabalho era abrir novos mercados para os minérios, para os produtos da Vale. E nesse esforço, a República Popular da China já estava despontando na ocasião, como um mercado espetacular. [Na] China tudo é grande, hoje tem um bilhão e duzentos milhões de pessoas vivendo lá. Na época devia ser seiscentos, setecentos [milhões], não sei quanto.
Iam construir uma grande siderúrgica. Enquanto os padrões do mundo diziam dois ou três milhões, lá era para quinze milhões de toneladas/ano, uma coisa assim. Um mercado espetacular pra você avançar, pra você trabalhar e tentar ser pioneiro nessa atividade porque bem próximo da China você tem a Austrália, quer dizer, bem mais próximo do que o Brasil. A Austrália é um grande país mineral também no mundo, 15 a 17% do produto bruto da Austrália ainda hoje é o minério, tem um significado importantíssimo. Pra gente desbancar de maneira construtiva a Austrália tínhamos que avançar no mercado da China, então quase no final de novembro eu tinha um programa de visita à China com essa finalidade e fui.
Nosso casamento foi marcado para o dia doze de dezembro. Eu estava na China até o dia sete de dezembro, então depois que passou se dizia na própria família de minha mulher: “Ele não volta, não vai voltar para casar com você.”
P/1 – Você casou onde, como foi a festa?
R – Casamos em São Paulo, no Jardim Morumbi, numa capela extremamente aconchegante, interessante; uma capela de madeira que faz muito nosso estilo de vida. Bom, não tem requinte exagerado, mas tem qualidade. Uma capela muito bonita, São Pedro e São Paulo. Relativamente pequena, mas tem um jardim que a circunda onde tradicionalmente, nessas cerimônias, as pessoas que não cabiam na nave principal ficavam no jardim olhando. Eram onze horas da manhã, um dia muito bonito. Então a pessoa ficava satisfeita também: “Não estou vendo trocar aliança, mas de qualquer maneira estou convivendo nesse jardim lindo e sabendo que o casal está fazendo isso porque quer e está muito feliz.” Assim foi.
Logo depois do casamento todo mundo pergunta da lua de mel, faz parte do ritual. Então marcamos de passarmos uns dias em Santa Catarina, um lugar muito bonito, em Laguna. Até hoje tem um hotel espetacular, Laguna Tourist Hotel. Era novíssimo, de uns amigos nossos. Sabendo que eu ia me casar, me convidou para ficar lá. Um lugar era espetacular. Só que o nosso programa… Eu não podia ir para um lugar mais longe, eu não podia tirar férias. Eu combinei que ficaria uma semana com o compromisso de, passada essa fase…
Eu sabia que na Vale tudo era passageiro, um dia eu deixaria de ser presidente e cumpriria um compromisso com Maria Rita de ter pequenas férias com uma segunda lua de mel, essa que nunca tivemos. Mas aconteceu nesse intervalo… É que eu recebi um convite urgente da Escola de Engenharia de Itajubá para ser paraninfo da turma de engenheiros no dia dezesseis de dezembro. Então o que aconteceu? Fomos para Laguna, passamos dois dias e meio, voltamos direto, pegamos um avião e descemos no Rio. Um carro já estava nos esperando no aeroporto, fomos para a serra, passamos a formatura, voltamos.
Ela fala que até hoje eu a enrolei nessa lua de mel e é verdade. 23 anos depois quase, nunca tivemos oportunidade. Claro, já estivemos em diversos lugares, graças a Deus, mas com aquele sentido, aquela marca, “agora vai ser um tempo para nós”, nunca. Mas foi bom porque acabamos nos entendendo bem por causa desses desencontros. O Vinícius tinha razão, os desencontros às vezes se tornam encontros definitivos.
P/1 – O senhor na época já ocupava um cargo importante e seu casamento foi relativamente pequeno, discreto. Como foi isso?
R – Nós decidimos na ocasião, acertadamente. [Para] um presidente da Vale se casar, mesmo você querendo guardar sua intimidade, você teria [que], a bem da verdade, convidar a República, Presidente da República, vice, ministros, autoridades, [com] os quais nos dávamos relativamente bem. Eu não diria que conheci todos a fundo, mas
conhecia bem as principais autoridades da época, com os quais me relacionava muito positivamente. No entanto decidimos, minha mulher e eu, que o casamento é uma cerimônia muito íntima, depende do desejo e da vontade de cada um. “Vamos convidar para o nosso casamento um grupo de pessoas que você escolher, da sua relação pessoal, do seu parentesco e eu vou fazer o mesmo.”
Contei para duas ou três autoridades, inclusive falei com o Presidente Geisel, comuniquei que ia me casar, e que me desculpava perante a ele e a D. Lucy, que foram pessoas distintíssimas comigo. Ele era Presidente da República e eu, presidente da Vale. Comuniquei ao ministro: “Quero que você seja um dos meus padrinhos, agora vamos fazer uma cerimônia muito restrita e reunimos cerca de cem, 120 pessoas nesse acontecimento.”
O máximo que aconteceu em termos de solenidade mais importante, de chamar a atenção foi que o ministro de Estado e a senhora dele foram nossos padrinhos na cerimônia religiosa. Mas foi uma coisa singela, eu acho que tem que ser. Não tem o menor sentido você exagerar na hora que tomou uma decisão, só pra chamar atenção ou então sair nas colunas sociais. Não é o que me interessava e não me interessa hoje, absolutamente. Você fica satisfeito. Todos gostam de um elogio, de um comentário positivo, mas isso não deve constituir um fato absolutamente necessário.
Quando o governo, enfim, tomou a decisão de me convidar para presidir a Vale, eu tinha até aquela altura, como chefe da assessoria do ministro, oportunidade de ir em solenidades públicas, por exemplo, do desvio de um rio para construção de uma hidrelétrica nós fomos juntos. Eu fui no avião com o presidente Geisel. Claro que no avião eu não tinha contato com o presidente, eu era o terceiro ou o quarto escalão, no mínimo, fiquei no meu lugar. Mas chegando no local tinha um palanque, nós conversamos. Ele era uma pessoa absolutamente decente, cordata, às vezes até jovial, ao contrário da imagem que vendia, uma pessoa seríssima, austera. Todas essas pessoas, eu tenho a melhor lembrança pela dignidade do cargo, quando eles exerciam o cargo e pelo tratamento que dispensavam, que eles sabiam que estavam ajudando o governo. Então quando eu fui ser levado ao presidente pelo ministro para agradecer e concordar finalmente com a nomeação, sentei na mesa com o presidente, o ministro do outro lado. O ministro falou: “Sr. Presidente, eu estou trazendo aqui então o Sr. Rennó. O senhor concordou, ele vai ser o presidente da Vale.” O ministro, sério: “Eu quero dizer para o senhor que o Joel tem dois defeitos, se é que o senhor pode chamar isso de defeito: o Joel é muito moço e solteiro.” Eu entendi depois que era uma brincadeira construtiva. Aí o presidente parou; ele estava com um papel na mão, ele assinou na minha presença. Eu não sabia, eu tenho até hoje guardado comigo. Ele falou: “Olha, Ueki, o fato do Joel ser muito moço pode não ser uma vantagem, é verdade. Pode não ter toda a experiência que se esperaria, mas vai depender dele. Se ele for um moço dedicado, trabalhar - quem faz política sobretudo procura trabalhar bem -, o resto é decorrência. Quanto ao fato de você falar que é defeito do Rennó ser solteiro, ao contrário, acho que ele é muito esperto.” É uma coisa muito simples, mas simpática.
(PAUSA)
P/2 - Queria que o senhor contasse um pouquinho dessa sua relação com os japoneses, construída ao longo do tempo.
R - Essa circunstância da relação muito positiva que eu creio que podia estabelecer com empresas, com dirigentes do Japão teve início, naturalmente, com a bolsa de estudos que eu ganhei naquele país, ainda no final da década de 60, e que me proporcionou o primeiro contato com um país tão distante - já àquela altura, um país em plena em reconstrução, logo depois do problema da Segunda Guerra Mundial, porque sofreram muito, um país que ficou praticamente arrasado. E [até] onde se sabia, não havia muitos, ou quase nenhum recurso propriamente importante pra que o país se soerguesse. Não tinha petróleo, não tinha gás natural, não tinha minério de qualquer natureza ou muito pouco.
Uma região que é composta por cerca de doze mil ilhas, o arquipélago japonês. Tem quatro ilhas maiores, onde se situam as principais cidades e os principais empreendimentos, mas é um país extremamente montanhoso, mesmo nessas quatro ilhas principais, então até terras para se fazer o aproveitamento agrícola é muito difícil. Mas o segredo do Japão, levando em conta todas essas dificuldades, o segredo local é ter japoneses com um esforço, uma dedicação, uma disciplina, um sentido muito grande de nacionalidade. Conseguiram fazer e todos foram testemunhas, eu fui testemunha, já nessa época em que lá estive, no final da década de 60, ver um país em efetiva reconstrução e em pouco tempo depois tornar-se a segunda maior potência mundial. Hoje em dia, por exemplo, se a gente considerar o PIB, o produto interno bruto das nações reunidas em torno da ONU - são cerca de 175, 180 nações, creio eu - nós vamos chegar um número pouco superior a 31, 32 bilhões de dólares.
Os Estados Unidos da América do Norte, país mais adiantado do mundo, o mais rico economicamente, tem cerca de 9600, 9700 trilhões de dólares de produto interno bruto, 30% do total mundial. O Japão é o segundo país em termos de condições econômicas pujantes e possantes, com 4,5 a 4600 trilhões de dólares de produto interno bruto, apesar das dificuldades presentes que a gente acompanha pelos jornais, revistas especializadas e contatos com empresários e dirigentes de empresas daquele país.
Ao regressar a São Paulo na época, vindo daquela bolsa de estudos que ganhei, houve uma coincidência importante: apresentando-me onde eu trabalhava, que era o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo, ligado à
Secretaria de Obras do Estado, o governo estadual, naquela época, estava passando por uma mudança política importante de governador, de dirigente estadual. O novo governador, Roberto Abreu Sodré, havia escolhido para titular dessa Secretaria de Obras do Estado um filho de japonês, Eduardo Yasuda, professor da Universidade de São Paulo, catedrático. Uma pessoa extremamente competente, trabalhadora, correta e tecnocrata, no bom sentido.
Pouco tempo depois do secretário Yasuda ter tomado posse, ele pediu a diversos departamentos ligados à sua secretaria que indicassem técnicos que pudessem ajudá-lo na tarefa que estava iniciando. O DAEE me indicou para fazer parte do gabinete técnico desse secretário, mais uma vez aproveitando a pequena experiência que eu havia adquirido no Japão.
Pude ser muito útil ao engenheiro Yasuda e em seguida passou ele, terminando seu trabalho no estado, a presidir uma das mais importantes companhias de energia elétrica do estado e do país, a Companhia Paulista de Força e Luz. Eu o acompanhei nessa oportunidade. Ao terminar o trabalho do professor Yasuda como presidente da Paulista eu decidi, a convite de um amigo em comum do então Ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, e desse amigo, Hideo Onaga, jornalista da Folha de S. Paulo e da Revista Visão… Foi-me oferecida a oportunidade de conhecer um pouco, já que eu havia trabalhado alguns anos para o Estado de São Paulo… Que tal conhecer as atividades do Governo Federal? Tomar conhecimento, tomar gosto por aquilo que se fazia no âmbito de Brasília, um pouco acima do âmbito estadual.
Para lá fui, para o Ministério de Minas e Energia. Conheci o ministro nessa oportunidade. Pouco tempo depois o ministro, confiando no trabalho que eu poderia ajudá-lo a desempenhar, nomeou-me chefe da assessoria técnica que havia constituído no ministério, com representantes de outras empresas, ligadas ao MME. Lá permaneci por cerca de dois anos, como representante do ministro nessa assessoria técnica especial, onde havia representantes da Eletrobrás, da Vale do Rio Doce e da Petrobrás. E a tarefa principal que o então ministro Ueki me atribuiu era estudar o máximo que eu pudesse, para tentar ajudá-lo em assuntos ligados à mineração. Mineração sólida: Companhia Vale do Rio Doce; mineração líquida: Petrobrás.
E não é que por coincidência de vida, mais tarde, começando pela Vale do Rio Doce, pude presidi-la e, anos mais tarde, ainda pude ser diretor na primeira etapa, na década de 80, da Petrobrás, e de 92 a 99 presidir a Petrobrás.
Em todo esse trajeto, desde a época em que retornei desse estágio no Japão, os contatos com empresas, com dirigentes do país foram se tornando mais frequentes. Hoje em dia eu já posso ter a satisfação, até, de comentar que já fui várias vezes àquele país, sempre a trabalho; pouquíssimas, acho que nunca fui por prazer, pra passar algum tempo desfrutando de coisas tão interessantes que existem lá no Japão. Mas isso me deu a oportunidade de… No conhecimento com as pessoas, no entendimento do esforço que aqueles dirigentes fazem e daqueles governantes também pra que o país progrida, pra permitir até melhores condições de vida aos seus habitantes [em] um arquipélago tão difícil. Isso me deu um exemplo que me serviu profundamente em atividades que vim a exercer não só na Vale ou na Petrobrás, mas até particularmente, quando entre uma empresa e outra eu decidi trabalhar de novo na iniciativa particular. Por sinal, um aspecto que me leva a comentar aqui com muita satisfação é que a minha vida profissional hoje é superior a 35 anos de atividades como engenheiro, grande parte desse período como administrador, que fui levado a ser. Trabalhei em estado, trabalhei em [âmbito] federal e em empresas particulares, em universidades, como a Universidade Mackenzie, onde lecionei por um certo tempo.
Toda essa possibilidade que eu tive, eu diria até privilégio, na minha vida profissional, contando com a operação e compreensão de tanta gente ilustre e correta, me fez cumprir uma trajetória profissional que eu acredito das mais importantes e que dá muita satisfação em lembrar, como tenho ocasião de lembrar nesta oportunidade.
Hoje, por exemplo, sem qualquer falsa modéstia, mas apenas confrontando a realidade, eu sou o único brasileiro que já presidiu a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, tudo dentro de uma linha de entendimento com as pessoas, com as autoridades que me levaram a essas posições. Sem qualquer concessão maior, apenas pelas circunstâncias de vida - aliás, dizem que o homem é resultado de seu estilo e das circunstâncias, dizia, se não me engano, Voltaire. Assim aconteceu na minha trajetória profissional, na minha vida.
P/2 - Quando o senhor vai para o cargo no ministério, havia uma política oficial do ministério em relação à Vale e à Petrobrás?
R - Ah, claro. A ênfase, eu me recordo muito… Eu procurei em seguida, quando eleito presidente da Vale, dar o melhor de mim e dinamizar. A ênfase era que a Vale enquanto empresa comercial, empresa do mundo deveria sobretudo dar uma grande ênfase à comercialização dos seus produtos e a uma diversificação a outros projetos que não fosse exclusivamente ligados à minério de ferro, mas com produtos - por exemplo, a bauxita, que tínhamos em quantidade no projeto Rio de Norte em Oriximiná, no estado do Pará; titânio, manganês, celulose. A Vale tinha empresas florestais bem desenvolvidas como parte bem anterior dos seus projetos de diversificação. Essas florestas, esses reflorestamento teriam condição, por exemplo, de ser matéria prima para uma indústria de celulose. Foi que a Vale fez com os sócios japoneses, um projeto chamado Cenibra. Manganês, outras empresas; titânio e assim por diante, procurando dar utilidade, procurando dinamizar a capacidade que a Vale do Rio Doce, já àquela altura, tinha condições de arregimentar graças ao trabalho dos seus técnicos, dos seus empregados e de seus dirigentes.
Um aspecto importante dessa diversificação é o seguinte: nós fizemos com muito empenho e intensidade o projeto dessa natureza; a companhia procurava desenvolver, na sua maior parte com países e com empresas de países compradores do nosso minério de ferro. Daí o fato de nós temos tido projetos importantes de diversificação, com sócios japoneses. Porque àquela altura o Japão já era o maior mercado para o minério de ferro da Vale, que era o chamado core business. Se a Vale já exportava bem para o Japão, já tinha um relacionamento importante com a Alemanha, com outros países, estava estabelecendo um relacionamento bom também com países novos como a República Popular da China - novos mercados, eu quero dizer. Por que não, tanto quanto possível, os seus projetos de diversificação atraírem empresas desses países para que vissem como trabalhávamos melhor ainda e comprassem mais o nosso minério de ferro? Essa era uma política que eu senti do Ministro Ueki, no Ministério de Minas e Energia e foi um aprendizado quando eu assumi algum tempo depois a presidência da Vale. Intensificar e dar ênfase a parte comercial, da comercialização. Era essa a Vale criada em 1942, com essa finalidade também: desenvolver-se, fazendo negócio com o mundo, de interesse do nosso país. Até aquela altura, o maior acionista da Vale do Rio Doce era o Governo Federal; passou a Vale em 1997, se não me engano, a ser uma empresa privada, foi privatizada.
P/2 – Havia uma política de enxergar as estatais como fundamentais no desenvolvimento brasileiro? Existia essa lógica?
R – Existia um empenho muito grande com a Petrobrás, por exemplo. Eu me lembro que na Petrobrás havia um interesse grande de procurar, naquela ocasião, quando o Brasil ainda tinha uma produção de petróleo e gás natural modestas e o consumo aumentando… Nós havíamos passado há pouco pelo chamado primeiro choque do petróleo. Não era choque de petróleo porque não havia petróleo, havia petróleo. A grande dificuldade para nós era quanto estava custando esse petróleo. Então não deveria ter se chamado “Crise do Petróleo”, mas crise financeira, em outras palavras.
Havia um empenho muito grande do ministério, através da Petrobrás, de dinamizar as ações da empresa para que ela pudesse ter capacidade de investir mais, descobrir petróleo e desenvolvê-lo. Daí o fato de [em] 1975, pouco antes de eu ir trabalhar em Brasília, o presidente ter decidido pela primeira vez [pela] realização dos chamados contratos de serviços, com cláusula de risco, para as empresas que aqui quisessem vir e junto com a Petrobrás ou separadamente, mas sob coordenação do governo brasileiro e da Petrobrás, trabalharem pesquisando, procurando ajudar a empresa no seu esforço exploratório e de desenvolvimento das descobertas que fossem feitas. Essas empresas viriam, como vieram, a custo zero para o Brasil. Lamentavelmente tiveram pouco tempo de trabalho, logo a Constituição de 88 veio a proibir a realização desses contratos de risco, então foi um período muito pequeno para que uma empresa tivesse tido todo esse trabalho de pesquisa etc para chegar ao sucesso, que nós esperamos mais modernamente [que] venha a ser alcançado.
Havia uma política elétrica. O investimento no setor elétrico brasileiro na ocasião, coordenado pela Eletrobrás, significava um investimento anual de cerca de cinco bilhões de dólares. Para um país como o Brasil, que tem tantos recursos, tem um povo extremamente competente, trabalhador, ordeiro e paciente, mas não tem recurso financeiro, esse era um esforço enorme que o governo fazia dentro do espírito do trabalho de dotar sempre o nosso país de mais energia do que a demanda estava requisitando. Eu me lembro da diferença que havia daquilo que necessitava como potência instalada do consumo que ocorria. Nós sempre estávamos na frente em termos de potência instalada.
Hoje, por outras razões, por uma dificuldade nós estamos passando por um racionamento - racionamento eu diria tecnológico de consumo de energia. Traz seus benefícios também porque ensina muita gente, inclusive nós, a ser um pouco mais econômicos, a ser um pouco mais cuidadosos com o consumo de eletricidade. Mas talvez pudéssemos já ter essa preocupação da nossa capacidade instalada estar sempre na frente da demanda efetiva. É um programa difícil de ser realizado especialmente por causa dos recursos financeiros, os quais a gente tinha que buscar com muito cuidado, mas foi um trabalho que eu acredito, muito grande e sobretudo muito patriótico, muito sério. Com seus defeitos naturais, mas um trabalho feito com grande… Muito empenho, com muita garra. E teve êxito, não tenho dúvida nenhuma.
Veja a Vale. Eu já comentei com vocês que quando meu pai foi engenheiro da companhia, no final da década de 40, década de 50, ele estava envolvido, como profissional, num trabalho dentro da companhia no seu primeiro projeto que ia cuidar da expansão, para que ela produzisse 1,5 milhões de toneladas/ano de minério de ferro. Ela veio produzir de fato essa quantidade em 1952, com um pequeno atraso de dois ou três anos. Depois passou a três, a seis milhões. No meu tempo de presidente, 78-79, nós chegamos a produzir mais de cinquenta milhões de toneladas anuais de minério de ferro.
Foi nessa ocasião também, em 78, que o Brasil pela primeira vez atingiu a marca de vender um bilhão de dólares em minério de ferro e pelotas para consumidores mundiais, e a contribuição da Vale foi de 70%, mais outras empresas que aqui havia, porque vocês são testemunhas também, desde que a Vale foi constituída em 42 ela nunca teve um ambiente exclusivo de trabalho. Ela foi criada, a Itabira Iron foi estatizada, criou-se a Vale, mas ela entrou no mercado, desde o início, altamente competitiva e concorrencial, ao contrário de que quando foi constituída, dez anos depois, a Petrobrás, em 1953, criada exclusivamente pelo governo, nesse início todo como empresa única autorizada a desenvolver importantes trabalhos no Brasil relativos ao setor de petróleo, menos na distribuição. A distribuição sempre foi concorrencial. A BR Distribuidora sempre concorreu, sempre competiu, mas nas outras atividades, na verticalização da cadeia do setor de petróleo, ela era exclusiva. Ela tinha, no início, durante algumas décadas, esse privilégio, que em 1997, por decisão do governo, seu maior acionista, foi modificado diante das circunstâncias de mundo, onde várias e várias empresas estavam passando por várias modificações importantes; a Petrobrás também, que era exclusiva, veio a passar por essas modificações.
Comparando de uma maneira muito sintética a atividade de uma e a atividade de outra, Vale e Petrobrás, a diferença fundamental creio que é essa. E tendo presidido as duas companhias, você pode imaginar como eu me senti numa e noutra. Eu diria até vantagem e oportunidade de presidir uma e outra, uma delas competindo intensamente desde o início, na outra com exclusividade, mas em seguida tendo colaborado muito - eu digo com toda franqueza, era desejo do maior acionista. Eu contribuí muito com isso, pessoalmente e por dever de ofício, para que houvesse essa abertura no setor de petróleo brasileiro a partir de agosto de 1997, com a sanção do presidente Fernando Henrique Cardoso do decreto 9478, que permitiu a flexibilização do monopólio do setor de petróleo do Brasil. Creio que com muitas vantagens. E por ser a Petrobrás uma empresa tão madura, tecnologicamente avançada, com um corpo técnico de empregados tão competentes, ela não tem nada que temer se outras empresas venham para cá e compitam com ela, querendo concorrer. Por sinal, enquanto presidente dessa última companhia, eu me lembro quando outras empresas me procuravam, empresas de fora; queriam sim ser parceiras da Petrobrás. Queriam fazer associações, por quê? “Estou chegando num país chamado Brasil pela primeira vez. Por que eu vou deixar de lado um conhecimento, uma capacidade tecnológica, competência do seu corpo de empregados, trabalhar sozinho? Eu quero buscar sim, a ajuda dessa empresa que conhece tão bem esse país e que está aqui há tantas décadas exclusivamente” - daqui a pouco elas se separarão, é claro. Mas nesse início eu sempre achei, e os Ministros de Estado com os quais trabalhei e o próprio Presidente da República, Presidente Itamar, Presidente Fernando Henrique, a Petrobrás não tem o que temer com essa abertura. Veja o exemplo da Vale, já nasceu absolutamente aberta para o país e para o mundo. Perdoe-me esse discurso de novo...
P/1 – Eu queria fazer uma pergunta do ponto de vista pessoal. Você era jovem quando assumiu a presidência da Vale. Como era isso para você como jovem, o que isso significava nessa idade chegar a esse cargo? Essa empresa já fazia parte da sua história familiar, seu pai já havia trabalhado como engenheiro. Que significava para você ter atingido esse gol?
R – Veja que são circunstâncias da vida. O homem é resultado do seu estilo e das circunstâncias. Então foi circunstância particularmente da minha vida, na época, eu ter tido esse privilégio, essa oportunidade. E ter contado com a confiança dos principais acionistas da companhia, pessoas significativas no governo, no caso o Presidente da República, que nomeava e destituía naquela época. Na Petrobrás era igual, o Presidente e seus diretores… Contar com a confiança do Presidente e do Ministro do Estado, que havia indicado meu nome para o Presidente naquela circunstância que o governo havia decidido fazer mudanças na presidência da companhia.
Uma oportunidade única, invulgar e um desafio sobretudo muito grande. A gente menos experiente, menos vivido numa circunstância tão difícil, enfrentar essa posição de tamanha responsabilidade numa companhia como a Vale - já àquela altura, a maior empresa produtora e exportadora de minério de ferro do mundo. Essa condição ela conquistou em 1975.
Ao assumir a presidência dessa empresa eu sentia que tinha também a responsabilidade depois de ter estudado bastante a companhia e tê-la ajudado um pouco, quem sabe na minha função anterior no Ministério de Minas e Energia. Eu sentia que tinha que manter no mínimo essa condição conquistada da empresa, com muito trabalho, durante os seus primeiros trinta anos de atividade. Desafio enorme, privilégio muito grande.
Quando eu mudei de Brasília para o Rio de Janeiro, tendo vivido muitos anos na capital do Estado de São Paulo, isso fazia com que eu chegasse toda manhã nos escritórios da Vale, como fiz anos mais tarde na Petrobrás, pouco depois da sete horas. É do meu temperamento, do meu estilo, talvez por causa da minha origem mineira, acordar cedo. E sair muito tarde da companhia. Eu me lembro que sentia tanta dificuldade, no final da tarde, em movimentar o meu pescoço. Uma tensão tão grande, hoje se chama stress, uma palavra que todo mundo usa para qualquer dificuldade. A gente aprendeu a ter esse estresse e a enfrentar porque não havia outra condição.
Eu nunca coloquei entre as minhas coisas de vida não dar certo por falta de meu esforço. Eu sentia essa condição, fiz o maior esforço que pude. É claro, talvez não tenha desempenhado tanto quanto a Vale merecesse, mas o melhor que eu tinha para dar, a minha melhor condição foi dada. Aprendi muito, fiz um relacionamento pessoal além do que eu já tinha com outras empresas, de outros países, com dirigentes. Isso me valeu até hoje na minha vida; apesar do tempo transcorrido, ainda encontro pessoas que se lembram daquele tempo. “Eu me lembro daquele tempo que você era muito moço. Você não mudou muito, está apenas com cabelo branco”; me dá muita satisfação, sinal de que eu não fiz tão feio assim enquanto presidi talvez a segunda maior empresa do nosso país, Vale e Petrobrás.
P/1 – Como o senhor recebeu a notícia da posse da presidência da Vale?
R – Eu me lembro que trabalhando no gabinete do ministro, algumas semanas antes, lendo reportagens até, o governo estava praticamente decidindo, e depois decidido a fazer essa substituição importante na CVRD. Em seguida eu ouvi um ou outro comentário no gabinete do ministro, com muita discrição. “Puxa, que tal o Rennó nos ajudar nessa tarefa?” Achei que não fosse o caso. Registrei o comentário que eu ouvi duas ou três vezes, até um pouquinho mais de uma ou outra pessoa de mais intimidade que me dizia: “Puxa, Rennó, eu soube que você está sendo cogitado, para no caso verdadeiro e efetivo de ser substituído o presidente da Vale, você chegar até lá.” “Não sei, não sei nada a respeito. Continuo trabalhando na minha tarefa.” Pelo contrário, procurava viajar e viajava muito. Esse é um grande país, 8.500.000 km²; em todos os pontos do país você tem interesse de uma ou de outra [empresa]. Não dei muita atenção. Mas com toda a sinceridade, comecei a ficar extremamente preocupado diante da eventual perspectiva de ter que ocupar esse cargo de presidente da CVRD.
Talvez essa preocupação fosse uma maneira de eu retribuir e me fazer entender de que talvez não fosse chegado o momento ainda. Mas fui escolhido, assumi com muita satisfação e empenho e com essa responsabilidade à qual me referi à pouco. Estava nessa posição no gabinete do ministério quando o próprio ministro me chamou, deu-me a notícia que estava contando comigo pra essa missão e na tarde desse dia queria que eu o acompanhasse a uma audiência com o Presidente da República, o Presidente Ernesto Geisel, para a formalização.
Vocês verão quando aqui estiver ou quando forem ao seu encontro, como é o estilo muito interessante, positivo, no meu entender, do ministro Shigeaki Ueki. Um homem de realização, de empreender.
Então fomos e lá aconteceu, com o presidente, o tom afetuoso, construtivo, eu diria, do comentário do ministro e do presidente a nosso respeito. Daí pra frente, foi só responsabilidade, responsabilidade e stress.
P/1 – Como foi esse encontro?
R – Muito cordial, muito positivo. O presidente já estava com o decreto na sua frente para formalizar que iam me dar, me fazer essa gentileza. O Primeiro Ministro Ueki, dentro do seu estilo, comentou com o presidente. O Presidente Geisel havia concordado em [me] nomear presidente da Vale do Rio Doce, fez uns comentários a mais dos trabalhos que eu vinha fazendo no ministério. O presidente já me conhecia, já sabia daquilo tudo. O Presidente Geisel era muito objetivo também e extremamente cordial.
O ministro Ueki disse ao presidente que só podia, talvez, fazer duas restrições à minha pessoa. Primeira, que me achava muito moço pra essa nova missão, missão dura, complexa; e segunda, eu tinha outro defeito grave, era solteiro. O presidente disse: “Bom, Ueki, em relação a ele ser muito moço, vai depender inteiramente dele saber trabalhar bem e fazer uma boa política por onde vai. Se ele souber fazer uma boa política trabalhando bem, o resto é decorrência. Quanto ao fato de você achar que é defeito o Rennó ser solteiro, ao contrário. Chegar onde chegou e agora presidir a Vale…”
(PAUSA)
R - O presidente achou que não era defeito.
Só pra complementar: não foi por essa razão, mas como eu já tinha compromisso com uma moça, nesse ano mesmo, em dezembro de 78, eu me casei. Então esse defeito deixou de ocorrer, me tornei mais preparado pro cargo. Continuei moço, mas já casado.
Memória Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Joel Mendes Rennó
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos
Rio de Janeiro, 28/09/2001
Entrevista nº CVRD_HV108
Realização: Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Sr. Joel, nós queríamos que o senhor contasse um pouquinho como foi a negociação desse sexto contrato.
R – Só fazendo um pequeno prólogo: durante a década de 70 o mundo passou por uma série de transformações importantes de ordem econômica. Lembram-se da chamada “Primeira Crise do Petróleo”, em 73-74, e da crise seguinte, em 79-80, que na verdade foi até 82. Chamava-se de crise do petróleo, mas na verdade era uma crise financeira. Havia petróleo em abundância no mundo, quem tivesse recurso financeiro no mundo poderia comprá-lo em quantidades negociadas e adequadas ao seu consumo. O que houve é que o preço do petróleo, nessas duas oportunidades, entre 72-73, entre 79 e 80 aumentou significativamente de preço num período relativamente curto. O mundo passou, por essa razão, por dificuldades muito grandes, com preços tão altos de um produto da maior importância na área energética para qualquer país. Houve uma desaceleração em vários segmentos da economia, inclusive no setor siderúrgico. Experimentaram-se em seguida dificuldades muito grandes para a produção de aço, aumentar e até para manter os volumes já produzidos pelos grandes países, para as necessidades de construção civil e outras.
A gente nunca pode perder de vista, já naquela ocasião, o grande desenvolvimento da CVRD. Já em 75 já havia se tornado a maior produtora e exportadora mundial de minério de ferro, e daí se manteve até hoje essa liderança incontestável. Já era uma companhia bastante experimentada em termos de negócios internacionais, em termos de exportação; era uma verdadeira alavanca para o desenvolvimento brasileiro. Havia decidido e levou adiante uma série de projetos de diversificação de atividade básica que era minério de ferro, pelotas etc. Ela decidiu tomar iniciativa na área de bauxita, alumina, alumínio, celulose, manganês, titânio e assim por diante. Procurava fazer, procurava celebrar essas parcerias com empresas, sempre associada a outras companhias mundiais, nunca tomando essa iniciativa sozinha, apenas pelo fato de pretender se tornar a maior também em outros segmentos de atividade econômica industrial.
Ela fazia parceria com outras empresas de outros países e procurava-se associar com outras empresas de outros países que já eram nossos compradores de minério de ferro, no sentido de mostrar a esses países, a esses consumidores que ela tinha capacidade de desenvolver outros projetos e queria contar com o apoio das suas respectivas empresas, mostrando assim que ela poderia até, com esse bom funcionamento dessa diversificação, ser capaz de oferecer a confiança que se estabelecia, mais minérios para esses países que já eram seus clientes considerados tradicionais.
Assim ela fez, e para garantir uma quantidade de minério de ferro de qualidade e os pellets que vieram em seguida, chamadas pelotas, sempre a companhia estava um pouco na frente das necessidades que previa de demanda mundial em relação ao que ela podia oferecer, mesmo levando em conta essas dificuldades que aconteceram nesse período no mundo, em função principalmente do preço do petróleo e dos juros que subiram incrivelmente nesses dois períodos - particularmente nos EUA, agências multinacionais de financiamento e assim por diante. A companhia pensava sempre em desenvolver outros projetos de mineração porque em Itabira, onde se concentrava a sua principal atividade, na mina de Cauê, em seguida Conceição, Dois Córregos, via-se que à medida que o minério de ferro era produzido, era vendido, ou no mercado interno ou exportado, não dá duas safras, nem o minério de ferro, nem o petróleo. Não são bens renováveis, você tem que dispor sempre de novos projetos para sustentar os contratos que já tinham celebrado, os próprios contratos que negociava e assim por diante.
O desenvolvimento de uma mina, mesmo considerando uma ferrovia já pronta - era uma ferrovia muito bem equipada, bem administrada e duplicada na época, em 1978, a Estrada de Ferro Vitória-Minas, e o porto de Tubarão já [estava] oferecendo todas as condições para a exportação na época -, você precisava considerar outro segmento importante desse trio mina-ferrovia-porto, no Estado de Minas ou em outra área da nossa federação onde havia pesquisas também importantes e descobertas relativamente recentes de minério de ferro de qualidade, que podiam muito bem servir à nossa finalidade. Por essa razão é que em determinado período da década de 70 começou-se a se pensar seriamente em deslocar um pouco esse pólo de desenvolvimento mineral, minério de ferro, do Estado de Minas Gerais para outra unidade da federação, no caso o Estado do Pará, em vista de descobertas da maior importância que foram realizadas por uma empresa que se chamava Companhia Meridional de Mineração - na verdade era a U.S. Steel, uma grande produtora de aço nos EUA, a maior deles. A U.S. Steel tinha concessão para lavra do governo federal, dentro das regras estabelecidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, tinha condição para fazer o trabalho que estava fazendo.
As descobertas que estavam fazendo na Serra do Carajás, próximo à cidade de Marabá, no Estado do Pará, foram tão significativas e tão importantes que naturalmente o nosso governo, na época, entendeu que sozinha, a U.S. Steel desenvolver todo aquele potencial, aquele volume in place de minério de ferro, não poderia parecer uma coisa que seria muito oportuna e correta. Por que não juntar o interesse que a U.S. Steel tinha na área através da Companhia Meridional Mineração com a Companhia Vale do Rio Doce, que já era naquela época uma companhia extremamente desenvolvida, uma empresa mundial, já desempenhava o papel de uma multinacional brasileira em outras paragens?
Esses entendimentos demoraram algum tempo, mas foi celebrado alguns anos depois do início da década de 70 um acordo interessante, um acordo de acionistas entre a Companhia Meridional de Mineração e a CVRD, constituindo o que veio a se chamar AMZA, Amazônia Mineração, com a participação dessas duas companhias. Estabeleceu a AMZA desde o seu início uma série de responsabilidade para uma e outra companhia, que eram suas sócias. O trabalho correu, a coisa andou de certo modo com as dificuldades naturais de qualquer negócio entre duas empresas de dois países, países soberanos como o Brasil e os EUA; dificuldades técnicas naturais, diferenças técnicas, alguns pequenos conflitos até de natureza a solucionar, e foram solucionados, mas nunca houve de fato um entendimento muito pleno no âmbito da AMZA com relação ao desenvolvimento do projeto Carajás, levando em conta essas descobertas tão significativas e tão importantes [de] que se anunciava a existência na Serra do Carajás, de um volume de minério de ferro superior a 17 bilhões de minério de ferro com um conteúdo hematítico superior a 65%. Era um minério de altíssima qualidade. Além disso, nos anos seguintes, foram descobertos em Carajás outros minerais como o cobre. Anos depois, ainda na minha presidência, chegou-se a conclusão que Carajás detinha também a maior reserva brasileira de cobre, manganês, um ou outro mineral de menor significância em volume havia se descoberto naquela área, de modo que Carajás era, na verdade, uma grande e importante província mineral do nosso país.
Ainda por decorrência dessas dificuldades de ordem econômica que eu comentei, se se decidisse desenvolver um pouco mais ainda a capacidade brasileira representada pela Vale para produzir, vender mais minério de ferro, em relação a outros projetos que existiriam em outros países do mundo, havia que se tomar uma decisão não muito demorada. Se não se decidisse aumentar a capacidade da Vale nesse sentido, naturalmente outros países importantes mineradores, como a Austrália, que tem companhias da melhor qualidade cuidando desse assunto, poderiam, em certa ocasião, sentindo a timidez de países importantes em termos minerais como era o Brasil, partir na frente com um projeto e inibir com isso o desenvolvimento do que a gente poderia estar pensando em fazer no nosso país. Esse foi um aspecto muito importante que o governo brasileiro considerou naquela época, para decidir dinamizar efetivamente o projeto de aproveitamento de minério de ferro de Carajás.
Ao mesmo tempo, Minas Gerais já estava muito desenvolvida mineralmente e é um estado importante nesse aspecto no nosso país. Havia, naturalmente, opiniões divergentes se deveríamos desenvolver outras atividades em outras minas no Estado de Minas ou partir-se para outra unidade da Federação, desenvolvendo então a Serra do Carajás por aproveitamento do minério de ferro lá contido. Depois de uma série de discussões de pontos de vistas avaliados o governo, com muito empenho, decidiu efetivamente desenvolver o projeto de Carajás, não em detrimento de algum outro projeto que pudesse ser desenvolvido em Minas, mas para dar uma impressão importante e verdadeira para o nosso país e para o exterior que o Brasil era um país mineral e não tinha apenas uma província muito importante e grande somente no Estado de Minas com essa finalidade.
Com esse sentido, o projeto Carajás começou a ser dinamizado a partir de 77-78, com um entendimento formal feito em 77 entre a CVRD e a U.S. Steel para que na AMZA a Vale passasse a deter 100% do seu valor acionário. Assim foi feito; foi combinado um pagamento justo para o caso, foi um pagamento bastante satisfatório para o nosso país. A Vale passou a deter 100% das ações votantes da subsidiária da Companhia Amazônia Mineração; em seguida decidiu - por decisão do governo, na época presidido pelo presidente Geisel, fortemente empenhado em compreender, entender e dinamizar a ação da CVRD - autorizar a iniciar efetivamente o projeto Carajás, desenvolvendo a atividade da mina, construindo uma importante ferrovia da serra até a ponta do Madeira, no estado do Maranhão, próximo à capital São Luís, com cerca de 880 a 890 km de extensão. Pode-se comparar essa extensão com a extensão da estrada de ferro Vitória-Minas, que tem 550 km. Mais importante ainda essa estrada de ferro de Carajás e o porto da Ponta do Madeira. Tudo isso foi autorizado nessa ocasião e em 78 iniciou-se a construção de um primeiro trecho importante de cerca de noventa quilômetros da infraestrutura da estrada de ferro, que foi inaugurada formalmente em 1985. A Vale, na época presidida por Eliezer Batista e no governo de José Sarney.
Enfim, houve uma continuidade muito importante de todo aquele trabalho iniciado, dinamizado no final da década de 70, onde nós tínhamos o privilégio de presidir a CVRD. Houve uma continuidade, como exemplo inclusive para o nosso país, de projeto importante, de projeto que vai e volta ou segue devagar. Cumpriu um programa estabelecido pelo governo com a maior seriedade, dentro dos melhores parâmetros possíveis de orçamento e de custos.
Carajás é hoje é um verdadeiro êxito em termos de província mineral. Como disse, além do minério de ferro, você tem uma das maiores reservas de cobre do Brasil; estão sendo desenvolvidas também ultimamente, pelo que tenho lido, pelas administrações sucessivas da CVRD. E o Japão, em todo esse episódio, sempre representou, a partir da década de 60, um parceiro, um comprador, um importador muito importante para a CVRD, para o seu minério de ferro e em seguida para suas pelotas também. Na medida que íamos selando contratos com os consumidores japoneses, com as grandes empresas siderúrgicas japonesas, nós numerávamos esses contratos, e na época que eu estava na Vale, nós concluímos e dinamizamos o sexto contrato de fornecimento de minério de ferro às siderúrgicas japonesas com a finalização desses contratos. Os compromissos passaram à Vale do Rio Doce.
O Brasil tinha outras empresas mineradoras, como sabem, que ajudavam muito o mercado interno e a exportação. Com a conclusão e a dinamização desse sexto contrato com as siderúrgicas japonesas, a Vale passou a ter um compromisso por quinze anos, a partir de 79, de fornecer um bilhão de toneladas de minério de ferro por seus consumidores no mundo. Acho que é um marco da maior importância, ao qual estivemos presentes e carimbamos o compromisso assumido pela companhia e que certamente já foi cumprido a partir de 79, já foi encerrado. Outros contratos certamente devem tê-lo seguido. Mas o importante é registrar mais uma vez que a Vale começou com sua história em 1942 como uma empresa já no mercado, já competindo, e uma empresa com vistas à exportação, à comercialização; uma empresa que brigava com outras companhias, no bom sentido, para ser cada vez mais pujante e conseguiu sê-lo - em 75 passou a já ser a maior companhia produtora e exportadora de minério de ferro do mundo. Prosseguiu na sua trajetória; constituiu-se, nessa primeira ocasião… [Foi] chamada de multinacional brasileira, uma companhia feita com muito esforço, com muito sacrifício natural daqueles que lá estavam, técnicos, dirigentes, empregados.
Eu creio que a Vale pode ser dada ao nosso país, em qualquer tempo, como um grande exemplo de iniciativa do Estado que deu certo. Hoje a Vale privatizada - por decisão de seu maior acionista na época, por volta de 1997 - também continua cumprindo, creio eu, o seu papel na economia brasileira no setor de exportação, mas seu início, como sendo uma companhia de Estado, desmente muitas vezes aquela impressão que se tinha no país, que tudo que é relativo ao Estado não é muito bom. A Vale desmente completamente esse aspecto, [é] uma empresa primorosa, eu posso dizer com muito orgulho, ao lado da Petrobrás também, que anos mais tarde eu vim a presidir; outra estatal de muito êxito em nosso país, com todas as suas dificuldades os seus defeitos. Mas o importante é você corrigir na trajetória das companhias as coisas que você julga que podem ser melhoradas e melhorá-las, não criticá-las a priori, isso não é justo.
Essas duas empresas têm ajudado, creio eu, muito a dinamizar a economia nacional, inclusive para projetar externamente o nome até tecnológico do pessoal que lá trabalha. A Vale, mineral sólido; a Petrobrás, mineral líquido e assim por diante. Todas elas têm tecnologias, [em] várias etapas de seu processo tecnologias vitoriosas, muitas delas desenvolvidas inicialmente com apoio externo e depois 100% brasileiro.
P/2 – Nesse período que você estava na presidência foi possível reconhecer uma cultura Vale, uma cultura específica da empresa?
R – Não tenha dúvida. Havia, naturalmente, pelo desenvolvimento, naquela altura com 35, 36 anos depois da sua constituição, quando lá estive, uma convicção muito justa e legítima do pessoal que lá trabalhava da importância da companhia. Não se tratava do chamado pejorativamente corporativismo, absolutamente. Os técnicos, seus dirigentes, seus empregados, à medida que conheciam mais o que era a empresa, como havia sido formada, quanto custou chegar a esse ponto, tinha que se dar valor a tudo aquilo que estava na empresa, que era tudo feito na maior parte por brasileiros. Era uma empresa brasileira, feita por brasileiros para o mundo, se pudesse se estabelecer um slogan, uma marca para a companhia, então o pessoal técnico da casa, os seus empregados tinham uma satisfação muito grande de trabalhar na empresa.
Eu viajava muito, toda semana eu destacava dois dias, quinta e sexta; um dia anterior eu fazia visitas à parte técnica da empresa, suas atividades industriais. Eu não me lembro nunca de ter encontrado qualquer empregado, por mais modesto que seja ou mais graduado - o superintendente de mina em Itabira, era o centro na época -, nunca vi um empregado querendo esconder o seu crachá de identificação como funcionário da Vale, com seu nome de guerra. Ao contrário, ele sempre se apresentava a mim ou procurava para se apresentar, exibindo com todo entusiasmo o crachá da CVRD. É uma coisa simples, mas mostra a satisfação que o empregado trabalhava. E é claro que ele procurava defender a companhia em alguns foros, que criticavam a empresa estatal; ele procurava mostrar as qualidades sem desconhecer os defeitos que tinha. Nunca ela seria perfeita, mas aqueles defeitos que eram apontados - e muitas vezes eram apontados por desconhecimento, por desinformação ou por um pouco de preconceito contra a companhia de Estado - ele procurava mostrar com muita satisfação, isso era confundido com corporativismo. O empregado da companhia acha que ela é perfeita, não achava não, ele a defendia porque tinha elementos para fazer essa defesa nas coisas que eram ditas equivocadas.
Era uma companhia de valor, continua sendo e foi constituída com muito empenho e praticamente de um projeto pequeno, que era na ocasião o trabalho da Itabira Iron, que antecedeu a Vale. O espírito da casa é um espírito muito construtivo, muito interessado e sobretudo um espírito muito preocupado com as coisas do país.
A gente sabe que na própria Vale havia um contato intenso com os americanos, com companhias da Europa, companhias do Oriente, Japão. No meu tempo, nós dinamizamos bastante a nossa relação e fizemos um contrato muito importante, o primeiro, com a República Popular da China, Filipinas e outros lugares. Em todos esses contatos, você notava que o que deixava o empregado mais satisfeito é que essas empresas internacionais entendiam muito bem o espírito com que se trabalhava na CVRD, então não havia nenhum tipo de complexo com companhias que poderiam ser consideradas mais desenvolvidas. Não havia, todas poderiam e sombreavam muito bem sem qualquer tipo de dificuldade técnica, comercial e assim por diante. Eu quero registrar com muita satisfação e por critério de justiça: a Vale, há muito tempo, é uma das empresas mais primorosas do nosso país. Quero crer que continue agora, sendo uma empresa privada.
P/1 – A história da Valefértil, você pode contar um pouco?
R – A Valefértil… O que eu me lembro é na época que lá estive nós concluímos e inauguramos o projeto da Valep [Vale do Paraíba S/A] em Itapira, perto de Araxá - aproveitamento de fosfato, fosfatados. Essa empresa fazia parte do grupo da Valefértil. Nessa ocasião, nós concluímos e levamos uma sugestão para o governo de, tanto quanto possível, tratando-se os projetos industriais da Valefértil desenvolvidos na parte do triângulo mineiro também... Tinha muita semelhança com uma refinaria, então pensamos em transferir esses projetos e aproveitar os recursos possíveis de serem obtidos dessa transferência para se juntar aos recursos para o desenvolvimento do projeto de Carajás; não precisava mais de recursos financeiros. Então negociamos com a Petrobrás, que já tinha uma subsidiária específica para a parte de fertilizantes, que era a Petrofértil, que assumisse a administração dos projetos da Valefértil.
Esse entendimento acabou sendo concluído com muito êxito. Foi uma troca, enfim, entre empresas de governo, da atividade de uma para a outra - com benefício para a CVRD que, tendo entregue a administração dos seus projetos de fertilizantes para a Petrofértil, ficou liberada e pode ocupar-se mais de desenvolver o projeto que passou a ser praticamente prioritário na Companhia Vale do Rio Doce.
A partir de 79, eu tinha acabado de deixar a presidência da CVRD.
O governo do presidente Figueiredo, foi o último governo do chamado ciclo militar, ele encetou,
em termos de Vale, o projeto número um o projeto Carajás. Tudo que pudesse ser levado, canalizado em termos de recursos financeiros, inclusive para Carajás, a Vale cuidou de fazer e acho que o fez muito bem.
P/1 – Que outros eventos na sua gestão?
R – Um projeto bastante interessante, foi bastante dinamizado e chegamos a inaugurá-la com muito êxito foi o chamado transbordo do minério de ferro entre as composições que traziam o minério de Itabira até um determinado ponto no Estado de Minas Gerais, numa chamada bitola métrica.
A estrada de ferro Vitória-Minas acabou sendo concluída na sua duplicação na época. Duas estradas, uma do lado da outra, praticamente; em alguns trechos separavam por causa de aspectos topográficos, mas basicamente eram duas estradas lado a lado, mas com bitola métrica, um metro. E na rede ferroviária federal a bitola da rede era de 1,60 metros em certo pontos.
Chegava o minério pela estrada de ferro Vitória-Minas e para atender alguma siderúrgica de determinada área era transportado por caminhões. Uma perda de tempo, um esforço muito grande exercido sobre as estradas de rodagem, as rodovias e queima de combustível para esse fim. Então fizemos, dinamizamos esse projeto, ele foi inaugurado naquele tempo. Chegava uma composição na Estrada de Ferro Vitória-Minas com um metro de bitola, era transbordada para a rede de 1,60 metros sem muita perda de tempo, com uma ecomonia muito grande de combustível e depois entregava na siderúrgica da área, como a Usiminas, por exemplo. Esse foi um projeto muito interessante.
Outro projeto foi a Nibrasco, fábrica de pellets, em associação a siderúrgicas japonesas, com duas unidades grandes. Foi concluída naquela época, funcionou tecnicamente sem qualquer dificuldade e até hoje na área do Porto de Tubarão temos essas duas unidades da Nibrasco funcionando como outras da Vale, como outra da Espanha – Hispanobrás, e outra do grupo Fincider, na época, que era a Itabrasco [Companhia Ítalo-Brasileira de Pelotização].
P/1 – Como se constituía sua equipe direta de trabalho, qual era o espírito dessa equipe?
R – Quando nós fomos designados para presidir a Vale, e pelo fato de estarmos no ministério por cerca de dois anos trabalhando muito assuntos da Vale e por coincidência da Petrobrás também, nós ficamos conhecendo e mantendo uma intimidade muito construtiva com altos técnicos da CVRD. Quando assumimos a presidência, lembrei-me deles e pedi que me auxiliassem na administração. Isso foi feito sem a menor dificuldade, dado a esse espírito que eu falei a pouco, então esses técnicos foram me ajudar na presidência. O Secretário Geral, se não me engano, era o Tito, uma das pessoas mais importantes lá, um ou outro diretor que o tempo precisamos substituir pelos anteriores dentro de um processo administrativo normal, visando o maior desenvolvimento da companhia. Alguns técnicos que nos eram sugeridos mudaram de posição para que fossem dinamizadas as suas respectivas áreas.
Havia o mesmo espírito de corpo importante, mesmo entusiasmo pela casa. Nós procuramos com muito empenho não deixar que houvesse qualquer solução de continuidade no período que lá estivemos. Nós estávamos substituindo um presidente, numa mesma administração federal. Não queríamos dar a impressão que essa mudança de presidente deveria significar uma mudança radical na empresa, uma mudança que pudesse atrapalhar seus programas. Procuramos dentro da missão trabalhar na companhia para que a CVRD continuasse no seu grande empenho de comercializar mais produtos - minério de ferro e pelotas, principalmente - e que não se perdesse todo conhecimento, toda a tecnologia, toda a capacidade de trabalho do seu pessoal.
Desenvolvemos projetos de parceria mais ainda, procurando melhores entendimentos com os sócios desses projetos, principalmente os sócios japoneses. O mercado do Japão representava 35 a 40%, não havia como deixar de ter um entendimento e um entrosamento amplo e quase que íntimo com esses compradores, com esses consumidores. Procuramos também abrir novos mercados de venda dos produtos da Vale - República Popular da China, Filipinas, México, Argentina, outros mercados do Oriente Médio para fazer uma propaganda legítima da nossa capacidade.
[Foi] um período de realizações importantes para a companhia, sobretudo nessa linha uma continuidade necessária possível. Foram feitos ajustes administrativos mais dentro de um processo para que a Vale do Rio Doce não perdesse a sua identidade, grande empresa do nosso país voltada para o mundo comercializando seu produto. Uma grande empresa de exportação e muito treinada para fazer esse papel para o nosso país.
P/2 - Rennó, já no seu período na Petrobrás, continua a ter algum vínculo com a Vale, mesmo comercial, transporte?
R - Na época em que estivemos na companhia, eu me lembro dos entendimentos muito positivos que a Petrobrás já mantinha com a Vale de longa data, especialmente através da Docenave. É uma subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce, incumbida do transporte marítimo. E a Petrobrás tinha também a sua frota nacional de petroleiros, a Fronape. Havia um entendimento importante entre a alta administração das duas companhias para que essas duas subsidiárias funcionassem dentro do melhor possível, intercambiando os conhecimentos, as experiências, e combinando a exportação de minério de ferro, tanto quanto possível, com a importação brasileira de petróleo, os chamados navios ore/oil, ore/ bulk/oil - OBO. Eles navios levavam, por exemplo, pro Japão o minério de ferro, e na volta passavam em países onde nós comprávamos um grande volume de petróleo cru. Eram abastecidos com esse petróleo e chegavam até os portos de entrada de petróleo aqui no Brasil para refino.
Essa combinação, já mantida há algum tempo, nós procuramos dinamizar na nossa administração na Petrobrás. Esse entendimento sempre existiu, é claro que com poucas diferenças de o que pagar pra um e pra outro. Isso é natural, faz parte do negócio. Mas sobretudo havia esse entendimento e esse entendimento nunca deixou de progredir, pra que essa combinação entre as nossas empresas de navegação se entendessem sempre da forma mais correta possível. E foi isso, de certa forma também, que economicamente viabilizou a nossa exportação para áreas tão longas no tempo de Vale. Minério de ferro como, se havia países mais próximos, importantes produtores e fornecedores? Por que comprar do Brasil?
Essa combinação ore/oil foi significativa pra baratear os nossos custos e creio que até hoje deva existir esse entendimento, porque é a favor do nosso país. Sendo assim, não pode ser deixada de lado.
P/1 - A sua gestão Petrobrás foi em que período?
R - Eu assumi a presidência da Petrobrás em novembro de 92 e decidi, por minha vontade, deixar a empresa em março de 99 - quase seis anos e meio na presidência da nossa maior companhia.
P/1 – Por que você decidiu?
R – Veja bem, nós assumimos a presidência da companhia no tempo da administração do Presidente Itamar Franco. Era um período chamado de transição, o Presidente da República então havia sido dispensado da sua atividade. O Congresso Nacional decidiu pelo seu impeachment e o vice-presidente, que era o Itamar, assumiu a presidência até o final de 94, dentro da nossa legislação. Em 94 haveria, em qualquer circunstância, uma nova eleição presidencial, em 95 um novo presidente.
Assumimos em 92, pouco meses depois da assunção do presidente Itamar Franco, ficamos até o final de 94, quando já estava eleito o ex-chanceler brasileiro, ex-Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, com quem, na época, exatamente em função do trabalho nosso na Petrobrás, tanto na chancelaria como no Ministério da Fazenda fizemos uma relação muito construtiva em termos de entendimento.
Eu me recordo [que] em final de 92, inicio de 93, quando o presidente Fernando Henrique ainda era chanceler, o Mercosul estava em atividade importante para se consolidar ou não. E entre Brasil e Argentina [os] produtos da maior importância para serem intercambiados era o petróleo da Argentina, trigo da Argentina, que nós importávamos, produtos brasileiros que poderiam ser importados pela Argentina, como o foram. Mas na ocasião, em termos de petróleo, sabia o então ministro Fernando Henrique que nossa importação de petróleo argentino, embora fosse um país como é… Você não muda a geografia nem geologia até o final dos tempos. Geograficamente a Argentina é do nosso lado e a companhia, por razões anteriores, comprando petróleo de países mais distantes.
Uma indagação que fez, na época, o chanceler é de que se na companhia não poderíamos estudar tecnicamente - inclusive considerávamos preço, qualidade do produto - um pouco mais de petróleo da Argentina para o Brasil, ajudando de certo modo, desde que essas condições técnicas e econômicas indicassem… Ajudando o fortalecimento desse intercâmbio, desse comércio do Mercosul.
Para te dar uma ideia de número, nessa época que nós conversamos sobre isso o Brasil importava de quatro a cinco mil barris por dia de petróleo argentino; menos de um ano depois, a nossa importação era de 130 mil barris por dia. Então a Petrobrás deu uma grande colaboração, na medida em que ela tinha necessidade e os preços foram combinados. Não foi para o Mercosul em função do que o chanceler tinha comentado; fez-se esse trabalho todo, viu-se que era possível e a Argentina passou a ser o nosso primeiro fornecedor de petróleo. Dinamizou muito a atividade do Mercosul.
Em seguida, o Ministro da Fazenda passou a ser candidato à presidência e presidente eleito em outubro de 94. Vamos completar agora sete anos. Continuamos a presidir a Petrobrás na administração de Fernando Henrique no seu primeiro mandato.
Quando o primeiro mandato do presidente estava para ser concluído em 98, eu já estava como presidente da casa há seis anos, eu entendia que naturalmente outras pessoas, alguns outros projetos poderiam ser desenvolvidos na companhia e achei que estava chegando o momento, depois de todo esse período de trabalho de combinar com o meu chefe imediato, que era o Ministro de Minas e Energia - antes do presidente me relacionava sempre com o ministro, embora o relacionamento com o presidente sempre fosse muito intenso e pessoal quando necessário. Combinei, então, achando que deveria pouco a pouco me afastar da casa, cuidar de outros assuntos de meu interesse pessoal, partir de novo para a minha iniciativa privada, onde eu trabalhei anos - trabalhei em governo e voltava. E fiz então esse entendimento, entendendo que nossa missão na companhia tinha sido praticamente concluída e que devíamos abrir a oportunidade para que o presidente decidisse no seu segundo mandato… Ele havia sido reeleito em outubro de 98; deveria ficar, pela nossa lei, até 2002, como ficará. Deveria dar oportunidade a outros técnicos, ou quem o presidente decidisse nomear, fossem dirigentes da companhia. E assim fiz, mas aguardei um pouco porque o ministro pediu para eu aguardar a oportunidade em que eu tomaria essa iniciativa, como tomei em março de 99.
Aguardei a inauguração formal e o primeiro enchimento de gás natural do gasoduto Bolívia-Brasil, que era uma obra há muito tempo discutida, comentada, quase chegando ao finalmente mas não chegava. Nós tivemos a oportunidade em 93 celebramos o primeiro contrato comercial de compra de gás da Bolívia, em fevereiro de 93. Com esse acordo, foi o primeiro contrato entre empresa, porque anteriormente havia muito entendimento diplomático e de governo, mas faltava talvez a decisão empresarial. Depois dessa decisão empresarial, o assunto tomou forma. O governo nos deu a incumbência de dinamizar esse projeto e concluí-lo e nós, como sempre, levamos a sério nossas responsabilidades, chegamos a concluir essa primeira etapa do gasoduto até São Paulo.
Nessa época, inauguramos com todas autoridades esse primeiro trecho do gasoduto da Bolívia a São Paulo. Deixamos pronto todo o contrato e continuou a construção até o Rio Grande do Sul, concluída pouco mais de um ano depois.
Hoje você tem toda essa alça de gás, irrigando assim nossa área industrial, comercial e futuramente residencial, com gás natural importado da Bolívia. Pelas notícias, vê-se que há um grande interesse e até entusiasmo geral, dada a necessidade de termoelétricas funcionando a gás natural e que se aumentem muito o volume de gás que negociamos na ocasião.
Hoje podemos considerar esse projeto do gasoduto da Bolívia, celebrado o contrato comercial em 93, concluída a primeira etapa em 98-99, um vitorioso projeto no setor de energia do Brasil. Uma efetiva integração de povos e de países na América do Sul. Eu me lembro que das primeiras vezes em que fui falar com o então ministro, ele, no comentário que fez de procurarmos aumentar o nosso comércio, a nossa importação de petróleo argentino, e Venezuela também, disse que um dos projetos que ele estava dinamizando no Ministério das Relações Exteriores era a maior integração dos países da América do Sul. Falava-se sempre, em termos de entusiasmo oratório, mas faltava a coisa concreta.
Ele achava, o presidente Fernando Henrique… Imagine se eu iria discordar. Ele perguntou: “Rennó, o que você acha? Para uma integração maior entre os países da América Latina - somos tão próximos -, fazer essa integração sobretudo no que diz respeito ao aspecto energético?” Essa integração energética que você faz, nunca mais você desarma; se você compra produto de um e de outro você fica negociando, você faz essa integração naquele momento, mas quando você constrói um gasoduto, como foi feito, quando você faz uma linha de transmissão de energia elétrica, como o da Venezuela até Roraima, com possibilidade de chegar até Manaus, isso não se desfaz mais. É uma maneira muito mais forte e objetiva de integrar esses países. Nessa linha é que procuramos seguir na empresa e por isso, antes de eu pedir demissão do meu cargo de presidente da Petrobrás, eu aguardei um pouquinho a inauguração para ter a satisfação e a honra, como técnico e brasileiro, de assistir à inauguração desse grande gasoduto, que agora fica para a história da empresa como sendo coisa realizada com o início do governo do presidente Itamar Franco e com conclusão no governo do presidente Fernando Henrique.
Eu acho que o setor de energia fica devendo muito ao presidente a decisão de incentivar e concluir essa obra pioneira no nosso país. É uma obra que custou cerca de 2,2 bilhões de dólares, financiados pelo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, pela CAF - Corporación Andina de Fomento, pelo BNDES do nosso país, pela BEI – Banca Europea de Investimentos. Uma série de agências de apoio multilateral ajudaram a construção dessa obra, apoiaram a construção desse projeto. Recebeu o apoio de todas essas entidades sérias, reconhecidas no mundo. Tem 3.500 quilômetros de extensão de Santa Cruz de la Sierra até Porto Alegre, passa por Mato Grosso do Sul todo, São Paulo, desce para o Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.
Deixamos também na empresa pronto o contrato de negociação da obra de ligação para importar gás da Argentina através de Corrientes. Já existe um fornecimento da Argentina com a Central termoelétrica de Uruguaiana, lá do RGS. Será construída uma linha de seiscentos a 650 quilômetros de gasoduto. E nessa linha de gasoduto da Argentina, que já é rica em gás e que tem uma ligação de Bolívia, já existe uma ligação do sul da Bolívia até Buenos Aires por um gasoduto. Você já tem essa linha pronta, vai ter essa da Argentina até Porto Alegre, que vai se interligar com a que deixamos pronta. Você vai ter nessa região do cone sul da América do Sul, um loop, uma alça importantíssima de gás para atender qualquer necessidade industrial, comercial e assim por diante. É um combustível limpo que queima na sua totalidade, no bico dos injetores. É o combustível verde, não polui. Nós deixamos tudo isso, felizmente a primeira etapa pronta e a segunda etapa em construção, contratada.
P/1 – Como foi para você ser um dos únicos brasileiros a assumir esses dois cargos? Que significou isso profissionalmente?
R – Sou o único. No caso da Vale, o finado Juracy Magalhães foi presidente de Vale por um certo período e foi o primeiro presidente da Petrobrás quando o Presidente Getúlio sancionou a lei 2004 que criou em outubro de 53 - vai fazer agora 48 anos de criação, 3 de outubro de 1953. A Vale é de junho de 1942. Homenagearam o Juracy Magalhães pela importância que tinha na época, pela sua competência, é claro, foi presidente das duas empresas. E o segundo brasileiro que teve o privilégio de ocupar essas duas presidências está conversando com vocês. Hoje em dia, com o falecimento do General Juracy, passo a ser o único brasileiro que com muito orgulho e humildade… O fato de ter presidido as duas maiores empresas do país não significa de forma alguma que eu seja o maior engenheiro que existe no Brasil, absolutamente. As circunstâncias, como já disse, como o homem é resultado do seu estilo e circunstâncias, as circunstâncias que me levaram a essa condição, mas eu quero dizer que exerci esses cargos com o maior empenho, o maior entusiasmo. Um desafio muito grande na minha vida profissional, na minha carreira, onde posso dizer que tive muita sorte, mas essa sorte é antecedida de muito trabalho, de muita humildade para entender as coisas, para compreendê-las e procurar dinamizá-las no que me cabia.
Tudo isso me faz entender que esse nosso país é um grande país. Você imagina a oportunidade que dá para quem como eu, que nasci no estado de Minas Gerais, embora filho de engenheiro e felizmente toda minha vida sem ter passado por nenhum tipo de dificuldade maior de ordem financeira… Era uma família normal, chamada classe média brasileira. Meu pai trabalhava, minha mãe exercia suas atividades também.
Fui estudar Engenharia em Minas Gerais, onde concluí meu curso em Itajubá, fui um estudante profissional. Não tinha necessidade de trabalhar para poder ter condições de estudar. Eu era pago para isso - modestamente pago porque as coisas não eram tão fartas. Se eu trabalhei e trabalhei sempre é porque eu sentia necessidade de ter uma atividade pra me ocupar e também para aprender cedo a ganhar o que era meu, trabalhando. Se você não faz isso cedo, dificilmente você aprende mais tarde.
Daí para frente, galgando posições nas empresas onde trabalhei em São Paulo inicialmente, depois decidindo conhecer como era o Governo Federal, e daí para frente houve essa guinada importantíssima na minha vida funcional, quando vim para CVRD, quando ingressei em seguida pela primeira vez no sistema Petrobrás, através da subsidiária internacional, que é a Braspetro. Saí do Sistema Petrobrás, fiquei ausente por cinco anos, de 87 a 92, trabalhando em empresas particulares num grupo de distribuidores de aço - Minas, um aqui do Rio e dois de São Paulo - que estudavam o que poderia ser feito em termos de privatização do setor siderúrgico brasileiro. A essa altura, com alguma experiência administrativa, algum conhecimento técnico como engenheiro, pensei em poder ser útil para esse grupo e aprendendo, fazendo parte dessa atividade que era nova no Brasil, no começo da década de 90. Foi nessa época que se pensou seriamente em privatizar todas as siderúrgicas nacionais.
Em 92 passei então a presidir a Petrobrás e de lá para cá, depois que decidi sair, cuido mais uma vez da minha atividade privada, trabalhando na área de gestão empresarial na área de administração, ajudando algumas empresas que precisam e pedem a nossa colaboração, usando meu conhecimento e alguma experiência que eu tenha amealhado na vida, que é uma relação pessoal intensa que eu estabeleci em todas essas minhas funções, em todas essas minhas atividades.
Para concluir, por esse breve comentário da vida pessoal, vejam vocês as oportunidades que se pode ter em nosso país para você trabalhar, para você evoluir. É claro que você não tem hoje algumas facilidades que você tinha em épocas passadas em termos de variedade de empregos, em fazer propriamente aquilo que você gostaria. As coisas mudaram muito em nosso país, e mudaram no mundo, especialmente nesses últimos quinze, vinte dias por causa dos últimos acontecimentos inacreditáveis. O mundo passa por transformações incríveis de uma hora para outra. Mas como resumo, como síntese, este é um grande país, onde a gente confia muito e sobretudo admira o povo. O povo é de uma paciência, de um quase estoicismo e de uma crença nas coisas nacionais comovente.
Eu não tenho dúvida, apesar de todo esse relacionamento que fiz na vida e que as empresas brasileiras fazem com outras empresas de outros países, apesar do
apoio que muita gente de fora dá ao Brasil, quem será efetivamente responsável pelo desenvolvimento do Brasil, de sair de emergente e passar a país do primeiro mundo, seremos nós, brasileiros. Tudo vai depender de cada um de nós, cidadão, trabalhando com seriedade; aqueles que trabalharem bem estarão fazendo uma grande política, que é trabalhar bem, o resto é decorrência. Quem será responsável sempre pelo nosso país chegar o mais breve possível a grande, sonhada potência seremos nós brasileiros. No que eu pude, de maneira modesta, sempre procurei trabalhar dessa forma, aprendendo, entendendo, ouvindo, procurando fazer, com muita responsabilidade das tarefas que me davam e as coisas andaram muito positivamente.
P/1 – Algum sonho ainda não realizado?
R – Eu creio que em termos de sonho, eu tenho um grande orgulho daquilo que eu procurei fazer, do que eu aprendi, dos amigos que fiz, das minhas dificuldades. Dificuldades vai se ter até o fim dos tempos, de cada um. Essa passagem pela vida é muito breve, mas vivendo o tempo que for você vai ter dificuldades. O importante é o resumo daquilo que você pode fazer, separando essas dificuldades, construindo e fazendo coisas boas.
Hoje eu tenho um grande orgulho. Desde que resolvi constituir família, tenho um grande orgulho de minha mulher e do meu casal de filhos. Se eu tenho algum sonho, já na casa dos sessenta anos de idade, é procurar ter oportunidade de concluir, vendo, sentindo o êxito de meu filho e da minha filha. O que eu puder deixar para eles de algum exemplo que eu possa dar na vida… Eu fiz muita força para dar esse exemplo, como eu tive do meu pai. Meu sonho será ver meu filho e minha filha trabalhando bem, como cidadãos corretos, contribuindo para o desenvolvimento desse nosso país. O meu sonho maior, se eu puder viver até lá, é ver o Brasil em muito melhores condições do que hoje nós vemos. Tem dificuldades, tem mazelas, impropriedades, mas se tivemos um pouco de paciência e não fomos tão críticos, a gente vai ver que nosso país tem muitas qualidades e tem tudo para chegar a essa potência importante da qual eu sonho.
P/1 – Para finalizar, gostaria de saber o que achou de conceder esse depoimento para o Vale Memória.
R – Eu achei que cometi alguma inconfidências que não deveria e não faria em condições normais. Aquelas brincadeira do tempo da Engenharia, isso a gente guarda mais para a intimidade da família ou para algum amigo de muitos e muito anos. Vocês já se tornaram meus amigos, embora conheço há pouco, mas não tínhamos o tempo de conhecimento anterior para eu ter a franqueza que eu tive durante todo esse depoimento. E se fui franco, com coração aberto é porque eu confiei que o trabalho que vocês estão fazendo aqui, no meu entender, é da maior importância, inclusive para resgatar muitos aspectos que são esquecidos de grandes empresas do nosso país.
Eu, como li a história da Vale… Eu tenho dois livros, um quando a Vale completou quarenta anos e outro quando a Vale fez cinquenta anos. O de cinquenta anos, com um pouco mais de substância, foi editado em 92, o outro editado em 82. O de 92 já se vão oito, nove anos, então agora vocês serão os responsáveis por resgatar tudo aquilo que deixou de ser dito ou escrito nesses últimos nove anos, no mínimo. Mas ouvindo tantas pessoas, se puderem colher depoimentos de alta confiança, essa franqueza que eu procurei transmitir a vocês, acho que vocês terão feito um grande trabalho não só para a CVRD, para a história da economia de nosso país.
Veja bem, uma empresa que tem cinquenta, sessenta anos é muito pouco. A Shell, empresa de petróleo, a Exxson são empresas seculares. O Brasil é um país moço, uma grande empresa que tem cinquenta, sessenta anos não é muito não.
O papel de vocês, resgatando todos esses aspectos, lembrando essas histórias, colhendo informações de quem pode ser útil àquilo que vocês estão dispostos e foram contratados para fazer... A responsabilidade de vocês é muito grande. Por isso que eu fiz esse depoimento com muita franqueza, com muita abertura, sobretudo confiando na capacidade de todos vocês. Vai ser um trabalho muito bom.
Lembrem-se disso: essa história de praticamente sessenta anos da Vale tem muita coisa a mais que pode ser dita e mostrada para essas novas gerações brasileiras que ficam um pouquinho desanimadas, mas que não devem desanimar. Tem muito Brasil, e o exemplo de uma Vale e uma Petrobrás [é] para nunca se perder a crença nesse país.
P/1 – Muito obrigada.Recolher