Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de: João Márcio Rezende Queiroga
Entrevistado por: Rosana Miziara e José Carlos
Rio de Janeiro, 31 de julho de 2001
Entrevista número CVRD_HV081
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Como v...Continuar leitura
Projeto Memória Vale do Rio Doce
Depoimento de: João Márcio Rezende Queiroga
Entrevistado por: Rosana Miziara e José Carlos
Rio de Janeiro, 31 de julho de 2001
Entrevista número CVRD_HV081
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Jurema de Carvalho
Revisado por Gabriela Ramos
P/1 – Como você prefere que te chame?
R – João Márcio.
P/1- Vamos começar com você falando seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é João Márcio Rezende Queiroga, eu nasci em Belo Horizonte, em 24 de julho, dia de São João, por isso o nome, de 1939.
P/1 – Seus pais são de lá?
R – O meu pai é Omar Gonçalves Queiroga, nasceu em Ouro Preto. Minha mãe é Francisca Ofanda Rezende Queiroga, nasceu em Lavras, Minas Gerais também.
P/1 – E seus avós são de lá? Conta um pouquinho a origem da sua família.
R – Os meus avós paternos são de Ouro Preto, a família descende lá da Marília de Dirceu. E por parte da minha mãe, tem um lado Rezende, todo esse pessoal da zona da mata, de Juiz de Fora, Marquês de Valença e tudo, e o outro lado da minha avó materna é italiano, veio de Luca na Itália, imigrante, bastante pobre, fez a vida aqui em Minas Gerais.
P/1 – E a atividade de seus pais, como era, o que eles faziam?
R – Meu pai foi professor de línguas na UFMG, lecionou também em cursos de inglês e foi funcionário público do arquivo público mineiro, aqui em Minas Gerais.
P/1 – E sua mãe?
(Interrupção)
R – Então, voltando a falar dos meus pais, meu pai, eu já falei a profissão dele e tudo, mas também foi, na profissão, um vencedor. Ele deu uma vez, logo depois da guerra, em 1947, uma viagem de prêmio de melhor professor do Brasil, um concurso que teve. Foi para os Estados Unidos. Ele era também violinista, tocava na Orquestra Sinfônica de Belo Horizonte e também todo domingo na Igreja de Lurdes, na missa das nove horas, era uma tradição também. Minha mãe, por pouco, não foi a primeira médica do Brasil. Mulher naquela época não estudava. Mas a minha avó passou mal, naquela época morria-se de parto, então, no último filho dela, no leito de morte, ela definiu que minha mãe ia tomar conta da fazenda. A fazenda existe até hoje.
P/1 – Chamou a sua mãe e falou isso para ela?
R – Falou. Definiu o que cada um ia fazer e coube a ela gerenciar a fazenda junto com meu avô, que viajava muito. Ele era fiscal de rendas no Brasil e viajava muito para Manaus e tudo. Então ela ficou incumbida de tomar conta da fazenda. E ficou lá tomando conta da fazenda e depois conheceu meu pai e casou-se. Aí foram seis irmãos, somos em sete. E daí não deu tempo de ela exercer outra profissão se não a do lar mesmo.
P/2 – Ela já fazia curso de medicina?
R – Não chegou, ela foi a primeira aluna do Kemper(?) lá de Lavras, tinha o Gama, de homens. Naquele tempo era separado. Foi a primeira aluna, já encaminhada para o vestibular, tanto que os irmãos dela são todos formados, ela não formou. Ela casou-se.
P/2 – Você conheceu essa fazenda? Ela pertence à família ainda?
R – Pertence. Eram três fazendas: Santa Rosa, Santa Marta e Boa Vista. Hoje não é tão grande, mas pertence às pessoas, parentes.
P/1- Você chegou a conhecer essa fazenda, você brincava lá?
R – Ia direto para lá sempre, todas as férias a gente passava na fazenda. Tem um lado caipira.
P/1 – Como é que eram essas férias lá?
R – Eram excelentes, juntava uma quantidade muito grande de primos e primas, então era muito bom. A lembrança que a gente tem da fazenda realmente é muito boa. A gente aprende muito na fazenda, com a natureza, pé no chão.
P/1 – Que brincadeiras vocês tinham lá?
R – A gente mexia muito com animais, a gente costumava levar o leite para cidades vizinhas, no caso, Falcão, lindo o nome, é até da minha avó, da localidade, entre Falcão e Passa Vinte. Então a gente levava o leite para a cidade atrás da tropa de burros. Ia lá, jogava snooker, voltava, trazia. A gente ia muito à Cachoeira da Fumaça, lá em Mauá. Naquela época, Mauá era quase desconhecido. Era bem pertinho de Mauá, ali perto de Agulhas Negras, então a gente ia para lá, aquele bando de meninos, aquelas cachoeiras, era trilha de mato, não tinha caminho nenhum. A gente deixava os cavalos em cima, descia. Não sei como não morríamos, meninada. Como muita gente não morreu, não sei porquê até hoje, não compreendo. (risos)
P/1 – E vocês são em quantos irmãos?
R – Somos em sete.
P/1 – E vocês moravam em Ouro Preto?
R – Não, a gente morava em Belo Horizonte.
P/2 – O seu pai que muda, faz carreira em Belo Horizonte?
R – Ele que foi para Belo Horizonte, trabalhou no Arquivo Público Mineiro e conheceu minha mãe em Lavras e acabaram se casando.
P/2 – O senhor conhece um pouco esse encontro?
R – Como que foi? Não sei como foi isso. Agora se casaram na fazenda, mas se conheceram em Lavras de Minas, não sei como foi. Não me acudiu de perguntar, ambos já morreram. Minha mãe morreu recentemente, não sei como que foi isso, não.
P/1 – Como era a casa de vocês em Belo Horizonte?
R – Era uma casa que está sendo demolida agora, era uma casa no Santo Antônio. Era uma das poucas residências que ainda tem lá. Uma casa de três quartos, copa, cozinha, banheiro. Uma casa relativamente pequena. Nós éramos quatro irmãos mais um primo da fazenda que dormia no mesmo quarto, e as três irmãs, no outro quarto. E meu pai e minha mãe no outro. Então era assim, meio apertado. Primeiro tomava banho os quatro meninos, e tinha que chegar na hora certinha. Se chegasse cinco minutos atrasado, minha mãe botava pra quebrar, aquele jeito italiano dela. Era muito rígida a questão do horário. Então era assim.
P/1 – Quem exercia a autoridade na sua casa, seu pai ou sua mãe?
R – Era dividido. Talvez minha mãe, por estar mais presente. Meu pai trabalhava de manhã, de tarde, de noite. Minha mãe estava mais presente, ela levava na disciplina mesmo.
P/2 – Vocês tinham divisões de tarefas entre os irmãos?
R – Tinha, tinha. Cada um fazia uma coisa. Por exemplo, na hora do almoço um punha a mesa, outro tirava, outro ajudava a lavar. As irmãs também, era assim que era antigamente.
P/1 – Super divertido.
R – Tinha lugar certo na mesa, tinha o pedaço da galinha para cada um. (risos)
P/2 – Qual era o seu?
R – O meu era o encontro (risos). Você sabe da história da mãe que ficava sempre com o pé, por sacrifício. Não é o caso da minha, porque a minha comia a moela. Um dia, quando ela fez aniversário, deram dois quilos de pé de galinha, porque gostava muito. (risos)
P/2 – Sua mãe que cozinhava?
R – Lá em casa tinha sempre uma pessoa que ajudava, que era sempre muito amiga da gente. Era uma empregada que ficou lá, ficou anos lá em casa. Entrava nas brigas com a gente. Naquele tempo brigava-se muito. Qualquer coisinha, tinha briga de meninos. Então a empregada entrava na briga para o nosso lado.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Entrei com sete anos, direto no primeiro ano do primário.
P/1 – Que escola que era?
R – Colégio São Paulo, em Belo Horizonte.
P/1 – Era Colégio Católico?
R – Era Colégio bem católico, danado de católico, por isso, graças a Deus, eu sou agnóstico.
P/1 – Você teve uma formação religiosa?
R – Tinha, fui congregado da Mariana, essas coisas todas. Lá em casa, meu pai e minha mãe são católicos. Minha mãe era muito católica. O Colégio São Paulo era bem católico, era de irmãs de caridade, aquelas irmãs que davam aula lá pra gente. Depois eu fui para o Santo Agostinho, onde meu pai também dava aula. Fiz todo o ginásio lá. O curso científico também foi no Santo Agostinho.
P/2 – Você teve aula com o seu pai?
R – Tive, era muito complicado. Eu era o único que tinha que estudar inglês. Tinha um pavor de achar que estava me ajudando. Então era dureza.
P/1 – Como foi esse período da escola? Teve alguma lembrança que te marcou, uma professora, um curso?
R – Eu me lembro do primeiro dia de aula no primário, que eu não queria ficar lá de jeito nenhum. Eu era terrível, foi traumático ter que ficar lá. Não queria. Eu lembro também que no primeiro ano eu só fui aprender a ler porque descobriram que eu era analfabeto só no final do ano, porque eu tinha facilidade de decorar. Então a professora lia aqueles livros, o método antigamente... Tinha aqueles livros chamado Lalau, Lili e o Lobo. Então o menino se chama Lalau, a menina se chama Lili. Então eu decorava aquilo, fingia que estava lendo, mas estava... quando chegou o final do ano descobriram que eu era analfabeto (risos). E foi muito ruim aquilo, eu tive que aprender rapidinho para poder passar. Passei largando cabelo na cerca, mas passei no primeiro ano primário. (risos) De lembrança que eu tenho de primário era isso.
P/1 – E os amigos de Belo Horizonte?
R – Tinha muitos amigos. Naquela época tinha muita briga, tinha muita turminha de briga. Nossa família era muito brigona, não sei se é porque vinha lá da fazenda com esse espírito. Tinham ocasiões que não se podia sair de casa, tinha brigado com um aqui, outro acolá, turma de brigas. Tem o Teatro Minas, o Tênis Clube. Minas marcou muito minha vida, porque antes a gente não era sócio e entrava pela cerca, tinha um fixo na cerca, que era cerca viva. A gente entrava por ali, mudava de roupa e ia nadar na piscina. Volta e meia pegavam a gente lá, tinha que pegar a roupa com o gerente, era um inferno. Aí convenceram a gente a entrar para a equipe de natação, como militante de natação. Então cheguei lá na raia, fui nadar, mas não sabia nadar. Só aquele estilo da roça que se chamava ‘arrancão’. Eles começaram a rir como você está rindo de mim, a gente nadando. Mas aprendemos a nadar lá. Eu, meus irmãos e meus primos que moravam em frente. Acabamos fazendo parte da equipe, treinei, fui atleta do Minas. Foi lá que eu conheci minha mulher, que é campeã brasileira de natação.
P/1 – É mesmo, foi nessa época que vocês se conheceram?
R – Foi nessa época, eu competia. Então minha vida foi sempre muito ligada a esporte. Eu fui um nadador que já entrou velho para a natação, eu entrei com dezesseis anos. Antigamente você tinha que começar a nadar com dez, pra chegar a dezoito e estar despontando. Mas devido a fazenda, aqueles rios todos, eu me dei bem naquelas provas de estreantes, novos, novíssimos. Eu ganhava aquilo tudo. Eu não ligava pra tempo, eu queria chegar na frente, nem tinha ideia do que era isso. Uma vez tinha uma competição de inauguração da piscina do Vasco da Gama daqui e me levaram, como incentivo. Na minha cabeça, eu tinha que ganhar a prova. Então tinha duas séries, na primeira série nadaram os melhores nadadores e o Silvio Kelly (?) dos Santos, que era um nadador do Rio, bateu o recorde Sul-americano, que na época era quatro minutos, quarenta segundos e cinco décimos. Hoje as mulheres fazem isso de costas. E eu entrei na segunda bateria pensando: “Vai ser duro ganhar desse cara”. Bati os recordes dos novos, novíssimos. Nasa passagens, mas depois acabou o gás, tirei o último lugar, tirei vigésimo. Fui para debaixo de um banco e fiquei lá, lamentando.
P/1 – Você veio de Belo Horizonte para essa competição, para essa demonstração aqui no Rio?
R – Isso. Beatriz vinha e ganhava, minha mulher.
P/1 – Vocês já namoravam nessa época?
R – Não, não, nem sonhava nisso, ela era muito pequenininha.
P/1 – Quem foi sua primeira namorada?
R – Pra valer mesmo, foi ela. (risos)
P/2 – Na época da adolescência, que tipo de diversão você fazia em Belo Horizonte?
R – Lá em Belo Horizonte, o que a gente fazia, era esporte mesmo, ir ao cinema – Cinema Brasil, Cinema Metrópole. A vida era muito simples. Brigar era uma diversão, a gente vivia brigando com todo mundo.
P/2 – Conta um pouquinho dessas brigas, como elas aconteciam?
R – Acontecia à toa mesmo, a gente provocava, no colégio também. Qualquer coisa era motivo. Acho que era influência também de filme, sei lá o que era.
P/1 – Que filmes você assistia, você se lembra?
R – Faroeste, filmes com John Wayne, essas coisas todas. A gente assistia e saía doido para brigar, provocar uma briga.
P/1 – E bailes?
R – Tinha a Hora Dançante do Minas Tênis Clube, que a gente ia muito. De vez em quando íamos ao Automóvel Clube, raramente. Mas era isso mesmo. Fazia muito esporte mesmo, mexia muito com esporte. Tinha uma Vespa, gostava muito, naquela época gostava de sair pelas estradas aí.
P/1 – Vocês tinham algum tipo de formação política, de seu pai? Se discutia política na sua casa?
R – Meu pai pregava muito essa questão de verdade e não se acovardar com nada também. Essa questão de briga, a gente chegava lá em casa, acontecia muitas vezes, podia apanhar bastante, mas correr não podia. Isso ele ensinou pra gente, foi muito bom, eu achei isso legal. Tinha um camarada que se chamava Pedro Paulo. Se eu encontrar ele pela rua, vou provocar uma briga com ele, com sessenta anos, porque ele era um preto forte, comprido, e toda a vez que eu ia brigar com ele, ele me batia. A última vez que eu lembro eu falei: “É hoje!”, ele já estava cheio, sem paciência de tanto me dar pancada. Tive mais de quinze brigas com ele. Na última vez eu desci, tomei um soco no olho e acabou a briga. Então até hoje a minha grande frustração é de não ter levado vantagem nenhuma vez com Pedro Paulo. (risos) Se eu encontrar com ele, não devo conhecer, mas se eu lembrar dele, é hoje! Dependendo do tamanho e do jeito dele. Se ele estiver bem velho e pior do que eu, vou provocá-lo. Não ficava brigado com ele não, ficava amigo, depois queria ir a forra. “Ih, de novo”, ia lá e apanhava. (risos)
P/2 – Seus irmãos participavam.
R – Participavam. Minha família não tinha uma fama muito boa. A gente brigava muito mesmo.
P/1 – Família unida.
R – Engraçado isso, acho que todo mundo em Belo Horizonte. Carnaval.
P/1 – Você estudava e brincava?
R – No científico foi assim, depois eu fiz CPOR, cavalaria no CPOR. Foi muito bom também. Fui preso no primeiro dia, também por causa de briga. Não sei se tem que contar isso aqui.
P/1 – Pode contar.
R – Era bom de contar, porque é um caso engraçado. Era uma prova lá em Lagoa Santa, a travessia de Lagoa Santa. Eu fui me apresentar lá no décimo segundo RI, doze RI que chamava em Belo Horizonte, e aí colocaram a gente em um campo de futebol, eram umas dez mil pessoas que tinham que se apresentar para servir o Exército. Foi ficando a turma na parte de trás do campo, aí começaram a atender o pessoal pelo outro lado do campo, os últimos viraram os primeiros. Eu tinha que nadar. Eu comecei com um movimento lá de trás, acabando com a fila. Aí um sargento chegou lá e me deu um empurrão. Naquela época, não teve outro: eu plantei a mão na testa dele, só que naquela época eu nadava, eu estava forte, ele caiu lá desmaiado e foi um desastre, porque eu apanhei muito esse dia. Estava com uma camisa amarela e eles me colocaram no campo de futebol, tinha uma rampa e eu fiquei preso com os guardas, com o soldado do lado. Tentei entrar em uma turma que ia se apresentar, um grupo de vinte que estavam apresentando para o exame médico. Eu tentei entrar em um, me pegaram de novo pela gola, voltar lá. Estava uma fera, já tinha tomado muita surra, cacetada, chute, esse negócio todo. Aí chegou uma patente e eu falei: “Eu sou sobrinho do Coronel Bragança”, mentira não dá certo... Eu não queria falar isso, mas eu tinha uma irmã que era muito amiga da filha desse Coronel Bragança, mas explicar isso, até a filha de uma ter o nome da outra, falei que era sobrinho _____. “É?” “É.” “Sou o único irmão dele vivo que existe e você não é meu filho.” (risos) “É?” “Então o senhor vai...” Só que ele não foi, evidentemente, ele veio pra cima de mim, e veio quente com os soldados todos. Eu falei que civil não entrava em cadeia de militar, mas só que eu entrei na cacetada, na porrada, no chute. Entrei lá pra dentro da cadeia, fiquei preso lá na cela. Aliás, fui preso algumas vezes na minha vida. De todas elas, não me arrependo nenhuma. E lá dentro tinham uns dois soldados, já fui pra cima deles. Quando a gente toma chute de todo mundo, o capitão chuta o sargento, vai descendo. Eu chutei o que estava lá dentro. Aí pronto, fiquei lá. Foi muito ruim, porque eu perdi a competição, teve uma hora que começou a me dar... Antes eu estava achando até legal estar preso ali, a turma me vendo, nessa idade eu não estava ligando, não. Depois foi todo mundo embora, foi me dando fome, me deram uma comida de um lagarto que puseram lá. Eu joguei fora. Na hora que eu joguei a comida fora: “Vai ter que limpar!” E limpei mesmo a cela, e fiquei sentado, triste, lá em um canto, me jogaram água. Aí eu sentei lá na cela, fiquei lá me secando. Veio o camarada com a cara inchada, que eu tinha dado um murro nele, passou a baioneta na minha barriga, então foi muito ruim. Estou frito. Mas tinha um corredor entre uma cela e outra, eu subi, uns cinco metros de altura, tirei a telha, deixei tirada e voltei. Aí fiquei tranquilo. “Se me deixarem aqui, de noite eu vou embora e nunca mais. Eu vou lá para a fazenda e vou ser fazendeiro.” Acabou o papo. Aí me soltaram (risos). “Você vai fazer infantaria?” “Vou”. Na hora de assinar, evidentemente assinei cavalaria, eu queria fazer cavalaria. Foi assim que eu entrei para o Exército.
P/2 – Você foi preso algumas vezes na vida?
R – Uma vez, aquele deputado, o Waldomiro Lobo, teve uma briga de trânsito, nós saímos para as vias de fato, fomos para a Delegacia da Lagoinha, pessoal do Minas foi lá me tirar. Teve essas coisas, assim. Chato falar isso, né? Uma vez, também, pra fazer bonito para a namorada, no caso a minha mulher, peguei a égua, não era a égua do Comandante, o Comandante tinha uma égua, e saí no domingo do quartel – não podia, mas nós saímos assim mesmo – e andamos por aí, pelos colégios. Subimos aquela rampa do Estadual. O que eu estou contando aqui, não era pra contar. (risos) Subi a rampa do Colégio Estadual e fui para o segundo andar a cavalo, ali dentro. Pra fazer bonito pros outros. Passamos pela frente do Palácio da Liberdade, não tinha aquela grade. A gente fazia essas confusões e de vez em quando davam cadeia para a gente.
P/1 – E tinha alguma expectativa da sua família para que você seguisse alguma carreira?
R – Papai sempre falava, e mamãe também, que a gente deveria fazer o que a gente gostasse. Eu ia ser fazendeiro por influência da própria fazenda, a gente gostava daquilo lá. Hoje, de certa forma, sou fazendeiro, tenho minhas terras lá, no mesmo lugar. Acabei, até mesmo por influência de minha mulher, estudando Engenharia de Minas e Metalurgia, porque eu gostava também, e estudei Engenharia. Mas fui o único engenheiro entre os meus irmãos. Um é economista.
P/2 – O senhor já tinha uma imagem de Engenharia de Minas? O que o senhor imaginava que seria?
R – Gostava disso, achava interessante essa parte de geologia, então foi por isso que eu entrei.
P/1 – Como foi esse período da faculdade? Para qual faculdade você foi?
R – Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Antigamente era difícil, no concurso entravam dez mil, doze mil pessoas. Então era terrível porque... A primeira vez que eu entrei, a maior nota que eu tirei foi 1,5 em desenho. O resto, tudo zero. Então descobri que eu era inteiramente ignorante. Formei, mas não sabia nada. Tive que estudar do zero, tudo de novo. Aí passei, então foi difícil o início do curso, mas gostei muito de fazer. No segundo ano, comecei a trabalhar também, para ajudar em casa. Não que ajudasse em casa, mas aliviar a casa. Então eu comecei a trabalhar na _________, firma de Engenharia. Ali eu fazia de tudo, desde office boy, de tudo.
P/1 – Foi seu primeiro trabalho?
R – Foi. Depois, quando entrei para o serviço público, eu poderia ser tesoureiro, ganhava-se até bem, podia fazer carreira. Poderia ter ido para o IBGE, aí teria que largar Engenharia mesmo para arranjar um emprego no IBGE, na área de triangulação. Mas eu achei que tinha passado pela escola de Engenharia, tinha que aguentar isso, que seria melhor. Antigamente a gente formava, tinha cinco, seis empregos oferecidos. A Petrobras pagava o último ano desde que você se comprometesse a trabalhar três anos para ela. Então eu continuei na Engenharia pegando esse tipo de serviço assim. Trabalhei no IAPC como cobrador de seguro. Eu preferi. Eu comprei essa Vespa, essa motozinha, e, com ela, conseguia fazer o meu trabalho rapidamente, dava tempo de eu estudar. Eu tinha a mesma carga de cobrança de um colega que era um senhor mais velho lá e, como eu tinha a Vespa, eu ia até mais longe pra facilitar pra ele, mas eu ia bem mais rápido. Aí dava tempo de conciliar. Mas eu namorava, nadava, fazia escola de Engenharia, trabalhava, então nunca fiz tudo muito direito nessa ocasião. Fiz tudo um pouquinho. Era muito desconcentrado, muitas atividades. Tanto que eu nunca fui um brilhante estudante de Engenharia. Passava sempre ali, largando cabelo na cerca.
P/2 – Da época da faculdade, tem algum professor, alguma disciplina que lhe agradava mais? O que mais te atraía?
R – Eu gostava da parte de minas mesmo, do professor Fonseca, que dava a parte mais prática de minas. Mas eu tenho muita lembrança e gratidão do professor Álvaro Lúcio, que dava termodinâmica. Ele ensinava bem a gente, tinha um sentido prático muito bom. Era uma matéria pesada, aquilo ficou gravado na memória da gente de tal forma, parece que está no sub cortical, quando você sonha, uma manifestação do _____ da censura, do superego. Eu, quando estou num aperto, sonho que eu estou devendo um trabalho de termodinâmica até hoje. E Álvaro Lúcio impedia de formar. Isso vem à tona porque era difícil mesmo. Não foi fácil formar, naquele tempo a escola era muito rígida, dava bomba mesmo. Se tomasse duas bombas, dependência que chamava, em duas matérias, você estava cortado da escola. Tinha muito suicídio na escola do pessoal que vinha do interior, às vezes não conseguia, tinha muita pressão de família em cima. Teve muita gente que pulou daquele oitavo andar da Escola de Engenharia, era muito pesado. Eu fiz dois cursos, de Minas e Metalurgia, que hoje são separados, então a carga era muito grande em cima da gente nessa época.
P/2 – E questões políticas na faculdade?
R – Tinha. Como todo bom mineiro, já fui da esquerda também.
P/1 – Era ligado a alguma organização?
R – Não, por conta própria mesmo desses movimentos, a gente se envolvia. Teve uma época que eu ia fazer uma grande besteira da minha vida, me juntar com a turma do Brizola. Estavam fazendo um movimento, eu estava querendo até... O movimento estava dentro do CPOR pra levar arma para juntar com as forças do Brizola. Eu tenho um arrependimento hoje total, se eu tivesse feito isso.
P/2 – Você chegou a articular?
R – Chegamos a movimentar, mas depois desistimos.
P/1 – E nesse período em Minas Gerais, em Belo Horizonte, que imagem você tinha da Vale? Já conhecia alguém que trabalhava na Vale?
R – Mais tarde eu fiquei conhecendo Elder Zenóbio, hoje meu concunhado, trabalhava lá. Eu tinha uma ideia de trabalhar na Vale, mas acabei formando e não indo pra Vale, não. Já tinha oito anos que eu estava namorando, precisava casar. Eu tinha ouvido falar muito bem da ICOMI, Indústria e Comércio de Minérios do Amapá. Apesar de ter tido muitas ofertas de emprego na ocasião, eu vou lá para o Amapá, porque lá tem casa, tem tudo. E fui lá para o Rio de Janeiro e conversei com o Doutor Eliezer, que era da UNDR, em uma ocasião que ele deixou a Vale por um tempo e ele estava no mesmo prédio da Vale do Rio Doce. Eu fui lá conversar...
(Interrupção)
R – Quem me levou a ele foi o Elder, mas eu não conhecia. O Elder conhecia um pouco por ser da Vale. “Eu sou conhecido do Elder Zenóbio, eu gostaria de trabalhar na ICOMI – Indústria e Comércio de Minérios.” “Por que você quer ir para lá?” “Eu quero ir para lá porque o emprego é bom e me possibilitará casar logo, tem casa lá, estou namorando há bastante tempo.” “Mas tem aqui Aços Anhanguera, que está inaugurando, tem isso, tem aquilo.” “Se o senhor puder me arrumar pra ir pra lá, eu prefiro.” Ele disse que era possível sim, anotou: “Como você chama?” E o tempo dessa entrevista é esse que está aqui, essa conversa aqui. Aí, depois de uns dois meses, chegou uma solicitação de teste psicotécnico. Porque na Vale não tinha isso, na ICOMI tinha. Então tinha que fazer um teste de três dias, e minha mulher, que era minha noiva na época, tinha que fazer de um dia inteiro.
P/1 – Pra ver se tinha condições de ficar morando lá?
R – É, porque tinha um ______ muito grande, a pessoa não aguentava ficar lá. Aí, passando, não descobriram nada. (risos) Fui pra lá, pra ICOMI. Mas chegando lá, no primeiro dia, tinha um ‘aeroportozinho’, daqueles de terra mesmo. O avião foi embora e eu fiquei sozinho lá, não apareceu ninguém. O avião manobrando na pista, eu fiquei olhando para aquele avião, falei: “Acho que eu vou pegar aquele avião de volta”. Fiquei abandonado, num lugar ermo. Que diabo! É que a caminhonete tinha quebrado e chegou um camarada pedindo desculpas. Fui pro Amapá. Três meses depois, voltei, casei e fui com minha mulher de lua de mel, foi muito bom. Dois anos, na Serra do Navio, interior do Amapá, lá no Amazonas. Foi muito bom, aprendemos bastante. Foi lá que eu recebi o convite, por parte do Elder, pra fazer parte de uma equipe nova para um projeto novo, que era pelotização. O Elder não pegou ninguém da Vale do Rio Doce, pegou o engenheiro Camarão, que já faleceu, da Belgo Mineira; o Roberto Pimentel, que era de um Instituto de Pesquisa de São Paulo, do IPT; eu, da ICOMI, e ele. Foram as quatro pessoas que começaram estudar e implantar as usinas de pelotização. Aquilo lá era um
______, não tinha nada. Foi muito bom, foi uma experiência espetacular. Mexemos com todas as partes da empresa, formamos aquilo lá e fiquei especialista em dar partida em planta, em botar pra operar. Isso que eu estou falando é depois que ela ficou pronta, porque antes teve a construção da usina, contratação, preparação do centro de custos, de apropriação. Tudo isso é coisa muito nova na Vale, o próprio uso de capacete de segurança, o teste psicotécnico foram introduzidos pelo Doutor Marcos Viana, na ocasião. Então a Vale foi um aprendizado enorme, porque ali a gente fez mesmo, a gente sente como partícipe da turma que fez. Inclusive a contratação das pessoas. Eu mesmo fui lá para a região do Vale do Aço, na Acesita, fiquei no hotel que um quarto era para recrutamento e seleção, e no outro eu dormia. Então eu ia pegar o pessoal melhor, que a gente sabia que tinha, e indicava outro na porta da fábrica. Teve até uma reclamação dessas empresas do
________, que era Presidente da Usiminas, para o Presidente da Vale, porque nós estávamos tirando pessoas boas de lá. “Estamos mesmo, não era pra recrutar gente boa, ele que segure.” E viemos com essa turma. Foi muito difícil. A usina um custou muito, o _______ dela teve de tudo: queda de refratário, duzentas toneladas caíram, um silo inteiro caiu. Foi muito penosa a partida da usina, mas foi a primeira usina, depois vieram a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta. Quando eu saí de lá, tinham dezoito milhões de toneladas por ano de instalação.
P/2 – A primeira usina, qual era o projeto?
R – Dois milhões de toneladas, cem por cento Vale do Rio Doce. A segunda também era cem por cento Vale, depois vieram as associações. Primeiro, com os italianos, a Itabrasco. Depois, a Hispanobrás. Com os japoneses, tinha começado antes, mas o japonês é mais lento na negociação. Posteriormente vieram mais duas usinas com os japoneses. Depois tivemos um período da vida que eram para ser construídas mais dezoito usinas de pelotização, passaram para quatro na Flora da Pêra (?), [depois] para uma, e acabou. Eu é que tomava conta disso, chegamos a comprar equipamento. Mas aí veio uma crise mundial muito forte e ficamos nos dezoito milhões de toneladas. Esse equipamento foi aproveitado lá no Rio do Norte, onde eu fui Diretor de operações por sete anos. Saí da pelotização para ir para lá.
P/2 – Quando você comentou do Zenóbio, trazendo a equipe, formando a equipe, por que foi essa opção de pegar pessoas fora da Vale?
R – Acho que queria pegar experiências de empresas privadas e teve essa visão de uma conotação mais empresarial não estatal. Acho que foi válido isso, porque houve uma somatória de experiências de Belgo, ICOMI, foi muito bom isso. A parte de segurança no trabalho, não se falava isso na Vale, o pessoal ia trabalhar de sandália, descalço às vezes, sem capacete. Não tinha nada disso. Nós levamos da ICOMI pra lá isso. Uniforme, eu lembro que eu vi uma vez, em um filme, um engenheiro de minas que tinha um uniforme. Eu estava assistindo o filme com Beatriz e falei: “Olha que legal, tinha um lugar para por régua de cálculo, cheio de bolso”. Queria um uniforme igual do Kirk Douglas, estava todo influenciado. Ela fez o uniforme. Um dia o Elder falou: “Vamos fazer o uniforme para o pessoal, copia esse daí do João”. Então isso virou o uniforme da Vale, tanto que até pouco tempo tinha o lugar de por régua de cálculo, isso foi invenção da gente.
P/1 – Não patenteou esse uniforme?
R- Tinha um monte de bolso. E, com a pelotização, começou com uniforme na Vale, foi desse jeito. Capacete de segurança. Para fazer os empregados usarem aquilo, primeiro, tentou na base da educação, não conseguimos. Demos treinamento, não conseguimos. Começamos a adestrar. Só entrava quem tivesse com equipamento de segurança. Muito difícil.
P/1 – Essa implantação começou a partir da pelotização?
R – Foi. Muitas coisas começaram na pelotização.
P/1 – É isso que eu ia perguntar. Na entrevista do Zenóbio, a gente discutiu isso, quer dizer, pelo menos na temática. Que outras coisas aconteceram a partir da pelotização? E para entrar um pouquinho na questão do patenteamento, você cria objetos, você acaba precisando pro próprio cotidiano e acaba virando uma patente?
R – Essa noção de custo, de centros de custos, de apropriação de materiais, de centro de custos de apropriação das horas de trabalho, começou lá, eu tenho a nítida lembrança disso. A parte de informática, firme mesmo no processo, começou lá, com barra sete, não sei se Zenóbio comentou isso aqui. Teve uma ocasião que nós ouvimos falar de informatização de processo. Ninguém podia imaginar aquilo. Então eu saí para viajar, o Elder me indicou para viajar e ir atrás disso. Eu fui junto com o Capezzuto, que já morreu, Francisco Ricchieri, Ademar, pessoal que já morreu. O negócio está ficando complicado. Morreu muita gente. Eu sei que nós saímos para os Estados Unidos, fomos à Nintec (?), fomos ao Canadá, fomos a vários locais para ver essa questão de automatização, digitação de processo. Em Nintec (?), gastaram mais de um milhão de dólares, na ocasião era muito dinheiro isso. Eu me lembro que eu perguntei para o engenheiro americano: “Como você vê a temperatura do ventilador, _________ do ventilador de resfriamento da secagem primária?” Estava lá escrito em graus Fahrenheit o quanto que estava, perguntei assim mesmo só para ver como o computador funcionava. Deu uma entrada naquelas máquinas antigas e nada de resposta, ficou nervoso. Foi lá em cima, tirou um manual preto lá de cima da prateleira, bateu e saiu aquela poeira. Falei: “Esse cara não olha isso nunca”. Foi lá, deu a mesma entrada, eu vi que ele bateu os mesmos números, aí apareceu a temperatura que coincidiu com o instrumento analógico, o digital com o analógico. “O senhor não usa muito isso?” “Não”. Aí tinha uma folha print. “O que o senhor faz com isso?” “Falando a verdade ______, joga isso no lixo”. (risos) Então a gente tinha muito cuidado em lançar algo que não fosse só para ter. Então o barra sete veio, eram 33 projetos de automatização. Nós tínhamos muito cuidado de só fazer aquilo que interessava mesmo. Desses 33 projetos, ficaram só dois funcionando, o da Rhodia e o nosso. Depois a Rhodia abandonou e o barra sete ficou até pouco tempo atrás. Acho que hoje ele faz parte do Museu da Vale, o barra sete da IBM. Ele fazia o relatório diário, te dava entrada analógica, tinha um transformador que transformava impulso analógico em digital, alimentava a memória e tinham alguns dados de laboratório que entravam digitalmente através de máquina de escrever. Só sei que o output dava um relatório que tinha tudo da pelotização. Ele ficou lá anos e anos. Ficou décadas esse relatório. Foi muito bom. Ficou um centro de controle novo. Isso começou lá também. Teve várias patentes na área de combustível, tinha até começado a falar. Teve uma ocasião que teve a crise do petróleo e a Vale de Rio Doce… A pelotização gastava três por cento do óleo combustível do país, então era um consumo violento, os maiores consumidores. Então tivemos várias patentes de redução, chegamos a zerar o consumo de óleo combustível em uma das usinas. Usamos moinha de carvão. Usava, misturado na pilha, moinha de carvão, fizemos a primeira moagem de carvão, que teoricamente, na ocasião... A teoria devia ter algum erro. Segundo os dados teóricos, não era possível moer e filtrar carvão vegetal, mas como a gente não sabia, nós fomos lá e fizemos. Não contaram pra gente que era impossível e nós fizemos lá a moagem e a filtragem e isso possibilitou misturar esse carvão em vários locais. Um deles era na própria pilha que até hoje usa. Depois nós fizemos o calvão (?), outra patente que até está em meu nome, esteve em meu nome. Demoraram lá, poderia ter me beneficiado se tivesse colocado meu nome mesmo, a gente cedia para a Vale. Ou cedia, ou saía da Vale.
P/1 – É isso que eu queria perguntar, como funcionava?
R – Você tinha que passar para a Vale ou tinha que pedir demissão. Eu cheguei até o último momento, eu não queria passar. “Agora, ou dá ou desce”, então eu dei o direito de patente.
P/1 – Você ganhava alguma coisa extra?
R – Nada, a gente nunca ganhou nada. Não tinha essa participação em resultado, nada disso, nunca teve. Não era comum isso.
P/2 – Ou passava ou era demitido?
R – Era. Era justo mesmo, deveria ter uma compensação, mas não tinha antigamente. Essa hidratação de cal com polpa de carvão foi usado na Samarco, não sei se usa hoje mais. Você tem que ______ colocar a mesma quantidade de água necessária para hidratar a cal. Como a água já ia ‘carreando’ um carvão finamente, o resultado era uma mistura cinza homogênea, que era misturada na pelota, e formava uma hematita sintética, auto fundente. Aquilo era muito bom, porque aumentava a porosidade, dava características boas à pelota. Economizava, basicamente, o objetivo era esse, o óleo combustível. Também colocamos óleo combustível nas ventaneiras, na câmara de resfriamento para aquecer o ar primário que ia para os queimadores. Tudo isso foi patente nossa.
Tinha o combuspel, que era a pelota de carvão. Servia até para churrasco. Eu sei que eu fiquei com duas patentes; o Marcelo Cota, com algumas; o Zé Maria, com outras. Nós dividimos as patentes, porque nós sempre trabalhamos em equipe lá. Então isso também foi na pelotização. Teve a questão toda da segurança no trabalho, essa nova cultura. Outra coisa era a limpeza de usina. Nossa usina, a gente não conhecia esses métodos japoneses de qualidade total de gestão de cinco S. A gente tinha uma convicção de que usina limpa produzia melhor. A gente tinha fobia de limpeza. O equipamento tinha que ter a cor dele, que era pra ver se tinha algum vazamento em alguma correia, em algum rolete, a gente detectava. E melhorava muito o ambiente de trabalho também. Então as usinas de pelotização já foram muito limpas. Eu visitei agora, recentemente, e não é mais assim, não. Era muito limpinha. Isso foi uma característica lá da usina, corrimões todos pintados com cor, uma motivação muito grande. Também foi na pelotização que nós começamos a olhar o meio ambiente: as florestas em volta da Vale, foi a pelotização que começou a plantar, até pra defender do vento, para não ter raste de pilhas, de pó de pilha. Foi nessa ocasião também essa preocupação com o meio ambiente e tudo.
P/1 – Qual era o reconhecimento... Vocês cediam a patente para a Vale, então era patenteado em nome da empresa, mas internamente isso significava alguma mudança de cargo?
R – O reconhecimento, sim. Eu não me queixo da Vale, não. Mas se fosse hoje, a gente tinha se beneficiado mais. Eu sei, porque hoje a gente reconhece mais essas coisas nas empresas. Tanto como participação em resultados, tudo. Mas, na Vale, o reconhecimento é o respeito de todo o mundo. Acabei sendo indicado para diretor de mineração do Rio do Norte, teve isso também. Mas a pelotização foi uma grande escola pra todo mundo que trabalhou lá.
P/2 – Essa primeira usina de pelotização, que tecnologia se usou?
R – Tecnologia Lug (?). Tinha uma turma que estava estudando isso havia uns dez anos, procurando sempre o melhor processo. ________________________- então ficaram naquele negócio de esperar o ótimo e nunca ia sair. O Elder teve mérito de pegar: “Qual que é o melhor hoje? Que tem mais rodando no mundo hoje com sucesso? É lug, então é essa”. A Lug foi uma empresa muito boa para a Vale do Rio Doce, teve uma parceria muito boa com eles, tinha muita briga, brigas engraçadas até, tinha uma desconfiança, como bons mineiros.
P/2 – Era alemã?
R – Alemã ____________ muito bom, muito competente. Tem umas historinhas, quer que eu conte uma?
P/1 – Ah, todas.
R – Sou mineiro e não aguento ficar sem contar um causo, mesmo porque, se não, o câmera vai dormir. Teve uma vez, no meio dessa brigaiada toda, brigas terríveis. Por exemplo, mandaram tirar os equipamentos de um piso lá de cima e a plataforma de dez metros não tirava, a gente passava a corrente, punha no guindaste e jogava tudo para baixo, com tudo que tivesse lá dentro, bicicleta, gente. Se não fizesse isso, a gente não conseguia por respeito naquilo lá, porque naquela época vinha o alemão de lá, estava tratando com índio aqui, você não podia esmorecer, não. Eu me lembro de uma vez que eu falei: “Tem um minuto aí, eu preciso de uma explicação.” “Não tem um minuto, não.” Eu fui lá no Elder, o Elder parou a planta e falou: “Toda vez que alguém pedir para parar a planta, tem que parar.” A gente conseguia as coisas no respeito, assim. Um dia, um alemão deu um empurrão num operador, num tal de Alfredo. Ele veio chorando na minha sala. Eu fui lá e parei a usina, só podia parar uns três minutos. Peguei um intérprete: Tem três minutos. Está dito aqui o seguinte... Reuni todo mundo, os alemães. “Olha, se algum brasileiro aqui for empurrado, a ordem é revidar violentamente. A reunião terminou aqui. Se vocês empurrarem ou tratarem um operador nosso aqui, eles vão revidar. A responsabilidade é de vocês”. Pra ter uma idéia de como era o negócio lá. Tinha partes boas, mas tinha isso também, pra você tomar conta do negócio. E viajamos nesse clima para aprender pelotização. Para você ter uma idéia da desconfiança que eles tinham uns dos outros, uma vez tinha um alemão que só se sentava em determinada posição da mesa, daqui pra lá. A gente já desconfiava, esse cara só senta nessa posição geométrica da mesa. Então eu corria e sentava na frente dele. Ele ficava num alvoroço total. Então lá pela quinta vez que eu sentei depressa na frente dele, ele falou comigo: “Você sabe porque eu sento aqui?” “Não, por que?” Ele tirou um olho de vidro do lado esquerdo (risos): “Porque eu só enxergo deste lado”. Eu nunca mais entrei na frente dele. Tem muitos casos assim.
(risos)
P/1 – Aqui no Brasil, vocês que começam com a pelotização?
R – Aqui no Brasil, foi a primeira usina de pelotização. E, na América do Sul, tinha no Peru, em Marcona. Nós fomos visitar, evidentemente. Nós tínhamos que visitar essas usinas todas. A gente sempre foi muito bom para copiar, hoje tem um nome: Benchmarking (?).
A gente ia ver o que era melhor e fazia.
P/1 – E em função disso, vocês foram chamados para outros lugares do país, outras empresas, para explicar o sistema?
R – Fomos. Eu mesmo viajei muitas vezes. A própria Wert me contratou para dar partida na usina da Venezuela, na Sidor – Siderúrgica do Orenoco. Fiquei lá, mas era difícil lá. O venezuelano achava que, por ter petróleo, ele tinha que ser rei, chefe. Então ninguém queria trabalhar. Eles diziam mesmo: “Nós não precisamos contratar mão de obra, por isso nós estamos te contratando”. Somos pobres orgulhosos, nem nada, então estamos aí. Mas era difícil fazer a turma trabalhar. Também essa questão do combustível, da substituição do óleo combustível para o carvão vegetal, carvão mineral, por moinha de carvão, por pó de madeira. Eu estou falando só do carvão, mas teve várias experiências. O próprio Doutor Aureliano Chaves e o Ministro César Campos estiveram o dia inteiro lá com a gente, várias vezes. O Aureliano [ficou] uma vez o dia inteiro, mas o César Campos vária vezes esteve lá, porque a Indústria cimenteira tem um processo parecido com o nosso e gastava vinte por cento do óleo combustível, e nós, três por cento. Então teve interesse nacional isso.
P/1 – Só pra completar, já te deixo falar...
R – Com isso, a gente ia fazer palestra lá na Lug. Eu falei em Frankfurt, eu falei em Dallas sobre isso.
P/1 – Mas como ficava na Vale...
R – Barren. Eles eram nossos clientes de minério de ferro, então...
P/1 – Pra Venezuela você foi pela Vale?
R – Autorizado pela Vale, eu fui a West, o processo é Lug. A gente tinha muita experiência em dar partida de usina. Eu lembro da partida da primeira usina, que a gente saiu lá do Centro de Controle para o escritório central e tinha o camarada, o engenheiro chefe da Lug, discutindo com o faxineiro da West (?) quem ia ser o responsável pelo start up (?) da usina. Eu estava junto com eles, ouvindo eles falarem. Fomos caminhando durante uns dez minutos até chegar lá, na hora da reunião. Quando chegou na reunião, eles não tinham chegado num acordo: “Quem vai ser o responsável pelo start up da usina?” Lug ou West. “Eu vou ser, Vale do Rio Doce.” “Vale? Ou é Lug ou é West.” “Nós é que compramos, vocês são pagos por nós, ninguém vai ser o responsável”. Acabou a reunião ali, eles ligaram para o Rio de Janeiro para decidir, mas a direção da Vale acompanhou e deixou a gente como responsável pelo start up. Com isso, a gente pegou muita experiência do start up. A gente aprende mesmo. Como disse Guimarães Rosa: o sapo pula, não por boniteza, mas por precisão.
P/2 – Você disse que teve um acidente com a primeira usina, o que aconteceu?
R – Teve vários. Em uma ocasião, eu estava voltando da região do aço, tinha contratado gente pra burro, tirado do emprego já. Quando cheguei lá, o silo de minério tinha caído. O silo de oito mil toneladas tinha desabado, voou parafuso por todo lado, não sei como não morreu gente. Depois, na hora de aquecer as câmaras de queima, caiu refratário, tivemos que arrumar, aí foi todo o refratário da zona de resfriamento, duzentas toneladas desabadas. Para descobrir o que era aquilo, a corrente elétrica que tinha... Porque tinha um aço diferente na ancoragem soldado em um outro tipo mais barato pra fixar na estrutura. E como tinha metais diferentes em presença de temperatura, dava uma corrente elétrica e fragilizava a solda, então ruiu de uma vez. Até descobrir que era isso, foi difícil. O silo não permitia o minério descer lá dentro. O minério não descia de dentro do silo. Foi quando começou pela primeira vez colocar polietileno revestindo o silo, mas até chegar ao polietileno, tinha que bater, dar martelada em cima, essa coisa toda. Um trabalho de equipe. As barras de grelha. As barras de grelha não paravam, faziam uma figura tipo espinha de peixe e caíam todas. Barra de grelha era o seguinte: oitenta carros, cada carro tinha oito toneladas e 320 barras dessas, que expunham as pelotas de minério às várias etapas da queima, pré queima, pós queima, queima, resfriamento primário, resfriamento secundário. Eram cento e tantos metros de calor ali. Então ela expandia e formava uma determinada figura que chamava espinha de peixe e caía no retorno. Então, para descobrir que aquilo ali podia consertar... Eu mesmo desenhei uma barra que não fosse assim, que coubesse uma pelota entre uma e outra, porque a pelota dava uma resistência à compressão muito grande, 250 quilogramas cada uma, então era o suficiente para fazer esse movimento. Nós chanframos a barra e quando ela expandia, a pelota era levantada, aí nunca mais caiu. Experiências que foram incorporadas às outras usinas do Brasil afora, muita coisinha. No próprio desenho dos fornos, tinham seis ventiladores de quatro mil quilowatts cada um, foram reduzidos. Foi reduzido um prédio da usina um. Tinha um prédio de filtragem, outro... Foi reduzindo. Foi colocado pelotaria junto com filtragem. Foram feitas mais de quinhentas grandes modificações incorporadas ao know-how da Lug, é natural que isso aconteça mesmo. Mas foi uma turma muito boa, numa época muito boa de criação. O ser humano gosta de desafio e gosta de criar, então foi uma vida boa.
P/1 – Fala só um pouquinho, a grosso modo, do processo de pelotização. O processo em si, de transformação em ________
R – O minério vinha da mina. Abaixo de meia polegada, ia para um pátio de homogeneização. Esse pátio de homogeneização era recuperado por (bact will?) e mandado para a moagem. Tinham dois silos, depois ia para um moinho em circuito fechado com hidrociclone. Isso era reduzido de meia polegada para 95 por cento abaixo de 325 (mesh?). Isso era quase um talco. Saía isso carreado na água, ia para o espessador justamente para baixar a umidade. A principal função do homogeneizador era abaixar a umidade e esse material mais denso ia para um tanque de homogeneização, era medida a densidade com luz de césio 137, uma das primeira vezes que nós usamos elemento radioativo, o césio. Lá na Vale, foi a primeira vez. Esse material ia para a filtragem à vácuo. São filtros à vácuo que reduziam essa umidade, de trinta por cento para oito por cento de umidade. Aí já virava um sólido transportável, já em correia transportadora debaixo dos filtros, que recolhia todo o material, recebia uma adição de cal hidratada, depois cal hidratada com carvão. Na pelotização do Brasil, foi a primeira vez que se usou cal hidratada como aglomerante no mundo. Era bentonita só, o processo. Tinha um misturador, homogeneizava tudo, ia para os discos de pelotamento. Eram seis na usina um. Cada usina tinha uns cinco ou seis grandes discos de pelotamento de seis metros de diâmetro, com raspadores. E ali na pelota, por rotação, o minério se aglomera, cai numa correia, vai para o forno, tem uma correia móvel oscilatória que distribui em cima de uns rolos que dão acabamentos superficiais, rolos de
aço inoxidável, então aquilo vai para a zona de aquecimento primário de baixo para cima
______, depois passa para uma outra zona de secagem secundária de cima para baixo
_________. Depois entra numa zona de pré-queima para a pelota não sofrer um choque térmico, depois queima a 1350 graus. Tem cerca de trinta queimadores de cada lado, esses queimadores usavam óleo combustível, que depois nós fizemos adição de um tanto de carvão moído, como de madeira seca pulverizada, essa coisa toda. Depois de queimada, a pelota passa por uma zona de homogeneização, depois vai para um resfriamento primário, onde o calor é retirado da pelota e é reaproveitado lá na frente, na queima, de novo.
P/2 – O calor é reaproveitado?
R – É ali que a gente colocava mais carvão para além de reaproveitar, aquecer mais ainda e economizar óleo, controlado automaticamente.
P/1 – É nisso que você diminuía a utilização do óleo?
R – Também, um dos vários processos. Depois tinha a secagem secundária, a pelota caía numa correia e ia para os pátios de estocagem e assim terminava o processo de pelotização. Processo relativamente simples.
P/1 – E o transporte era simples?
R – O transporte era simples, mas tinha que esperar esfriar um pouquinho a pelota e tudo. O transporte era muito simples também, não tinha problema nenhum. A vantagem da pelota é que ela homogeneizava a carga do (alto forno?).
P/1 – Até em transporte, porque o minério de ferro, tal qual é transportado... Quer dizer, você passa ao longo da ferrovia BH-Vitória. É uma queixa das comunidades [a forma] como é feito o transporte?
R – Por causa do pó gerado, se fosse pelota só, não geraria pó.
P/1 – Mas vocês nunca pensaram no transporte do minério tal qual ele é feito ao longo das ferrovias?
R – Não, porque o mais indicado é fazer pelotização perto do porto mesmo, então por isso.
P/2 – O carregamento de fino para a usina de pelotização é isso? Ou o fino é o que se fica armazenado?
R – Antes era assim, né? Você tinha o (Boldast?), que acabou na mina. Depois, teve uma época que gerava fina e a gente aproveitava a fina gerada naturalmente. Depois começou a preponderar o itabirito, o minério de Cauê acabou, então a pelotização é quase um fim natural. E, lá em Carajás, estão fazendo uma para aproveitamento também.
P/2 – E a relação com os japoneses, quando entra esse processo de ajuntamento, das relações Itabrasco, Nibrasco, como foi essa relação?
R – Os japoneses nos ensinaram bastante, um (joinvest?). Os italianos primeiro, muito parecido com a gente, ganha-se no grito muita coisa. Depois nós tivemos com os japoneses, que pensam, pensam. Aquilo era engraçado. Tinham reuniões no Japão, ia eu, Elder, às vezes Pacheco, Osvaldo, quatro pessoas. Euclides, às vezes. Sempre eram quatro, cinco, três pessoas para o Japão.
P/1 – Quantas vezes você foi para o Japão?
R – Nessa época, três ou quatro vezes. Depois, voltei por outros motivos. Sei que é engraçado ver a ata dessas reuniões, tem quatro nomes brasileiros e – não estou exagerando – cento e poucos nomes japoneses. Tinham umas coisas engraçadas. O Elder foi falar, uma vez, sobre o coeficiente de ______, porque o grau de inchamento segue a curva de Gauss. Os japoneses: “Coeficiente de ______, curva de Gauss, amanhã, né, amanhã”. Deu uma confusão na reunião, ninguém entendeu nada. Continuamos a reunião, no outro dia tinha um japonês diferente sentado lá, com o cabelo assim, meio dormindo. Eles dormem quando o assunto não é com eles. A diferença é que a gente sabe um pouquinho de tudo e eles sabem tudo de um pouquinho. Então a desvantagem contra a gente é enorme. A hora que caiu esse assunto da curva de Gauss, o índice de inchamento, o japonês despertou de tal forma, sabia de tudo de curva de Gauss. Então era engraçada essa especialização do japonês.
P/1 – Você tem algumas atas dessas, você tem na sua casa?
R – Muitas atas. Na minha casa, não. Tem na Nibrasco, pode resgatar isso lá, é interessante de ver lá. As discussões técnicas varavam a noite lá.
P/1 – Deve ser interessantíssimo quatro brasileiros e milhares de japoneses. Teve algum terremoto lá?
R – O japonês é muito engraçado, é muito educado. Peguei. Eu fui até o apartamento do Elder dar uma notícia no (New Otoni?). Aquilo balançava, um barulho esquisito, o lustre balançando, uma sensação muito ruim. Para eles é normal. Mas as viagens para o Japão foram muito interessantes. O jeito deles trabalharem, a humildade do japonês é uma coisa fantástica. Uma ocasião lá, eu lembro do Elder estar no final de uma missão muito positiva. Estava aquele rasga seda, num tempurá muito chique, então tinham aqueles discursos. Num dado momento, o Elder: “E também, entre outra coisas, a gente quer agradecer o senhor Sanshiro Curosi – que é o intérprete que todo mundo conhece da Vale – pela sua brilhante atuação, que ajudou a chegarmos a bom termo”. E o Sanshiro ficou quieto. “Traduz, Sanshiro”. E o Sanshiro, quieto. “Eu não posso, eu não posso.” “Mas não pode por quê?” “Porque é meu favor”. Ah, se fosse eu... “Estão falando aí que se não fosse eu, a coisa...” (risos) Então a gente aprende. Eu aprendi muita coisa com japonês, principalmente depois, quando eu comecei a mexer com gestão de qualidade total, que eu percebi que eu tenho um ato de (contenção?) enorme, depois que você mexe com gestão de qualidade total. Esse é um grande negócio que teve na Vale do Rio Doce, que eu participei também. Pra mim, o que mudou a Vale radicalmente foi a Gestão de Qualidade Total no tempo do Wilson Brumer, que levou para lá. Quer que eu conte isso?
P/1 – Pode contar, depois volta.
P/2 – Quero perguntar um pouquinho da saída para Rio do Norte.
R – Eu estava muito satisfeito em Vitória, eu morava no paraíso sobre a terra, na Ilha do Frade.
P/1 – Foi com a mulher?
R – Fui com a mulher, a família. O lugar paradisíaco. Fui o segundo morador da ilha. A gente pegava, tinha mexilhão quase na frente de casa, na praia quase que particular, tinha lagosta, sabia onde pegar. Vida boa mesmo, tinha barco, baleeira, prancha à vela, windsurf, laser, esse barquinho. Tinha uma vida espetacular, tênis, esporte, natureza, água. A gente nadava em frente de casa direto. E tinha o lado profissional que eu gostava demais. A pelotização era minha vida, caramba. Nós começamos aquilo lá, era um campo verde. Até a área de Tubarão, nós trabalhamos naquilo, na época do loteamento, no plano diretor de ocupação de Tubarão. Eu participei com o Sassinelli. Vitória é lindo de morar, um lugar muito bom, tenho três filhas capixabas. Aí veio o convite da Mineração Rio do Norte, do Fúlvio, que é uma pessoa que vocês deviam conversar também, o Fúlvio Fonseca. E o Fúlvio era o Presidente da Mineração, me convidou para ir para lá e eu fui. Fizemos um conselho de família, teve três a favor e dois contra. Os contras fui eu e a mais nova. Nós não queríamos sair de Vitória. Já que todo mundo quer, vamos. Eu cheguei no Rio, fiquei três dias comendo no Villarino, que era o nosso restaurante.
P/1 – Tem que fazer a memória do Villarino.
R – Esse negócio não é pra mim não, eu arrepiei carreira, vou voltar pra lá, ficar na pelotização mesmo, ali está bom, chama outro. Voltei para casa, ficou um negócio esquisito de não ter ido. “Você me aceita ainda aí?” “Claro”. Peguei e fui para lá. Acho que fiz a escolha certa, quer dizer, fizeram para mim. A escolha do consenso vale mesmo, muita gente pensa melhor e mais certo que um só. Aí fui para a Mineração Rio do Norte, fiquei mais tempo lá do que no Rio. Eu fiz uma estatística, eu ia uma vez e meia por mês para Trombetas, porto Trombetas, Norte do Amazonas. Lá foi espetacular. No ano que eu cheguei em Trombetas… Eu tive a sorte de chegar no primeiro ano que começou a dar lucro lá na Mineração Rio do Norte, e aquilo foi crescendo e lá tem boas histórias, coisas incríveis. A mineração tinha vários sócios com interesses diferentes. Os _________, north hidro, tinham interesse de levar bauxita barata, embora fossem donos, e a Vale, que não produzia alumínio na época, não tinha ainda a Alunorte, tinha a Abrasco acabando, mas não tinha ainda a Alunorte, que processava alumínio de lá. Então interessava para a Vale preço alto, para ganhar dinheiro no preço, como deveria ser para os outros também. E tinha o Doutor Antônio Ermírio, que nos apoiou muito. Nesse particular, devemos tirar o chapéu para ele, foi sempre nacionalista. Então o que acontecia? Tinha uma pressão muito grande dos ______ querendo abaixar os preços e a gente não aceitava de jeito nenhum. Como companhia, tem que dar lucro. Dava brigas terríveis. Uma ocasião veio o Clark que era o (ser man?) da Alcan lá no Canadá, que a gente tratava de “Guana Clark”, muito assim, sem respeito, porque ele vinha aqui achando que estava tratando lá na África. Nós tínhamos um contrato, nós nos entrincheiramos nele, que dizia ______. Fulvio e os três diretores tiveram mérito muito grande, segurou muita barra. A barra era o seguinte: não deixar abaixar dos 28 dólares a tonelada para dezoito dólares. Ainda tinha um (flor place?) de 25 dólares e 23 centavos, que esse não
podia baixar de jeito nenhum. Então o Clark chegou dizendo que lá na Jamaica e na Guiné, que eram os grandes produtores de bauxita do mundo, o preço praticado já era de dezoito dólares e nós teríamos que abaixar, embora tivesse contrato e tudo. Aí deu aquela briga danada, não teve contrato, tiveram várias reuniões, inclusive nos Estados Unidos, das quais houve a participação da gente direto e, para encurtar um pouco, tivemos lá em Miami uma discussão e definimos as quantidades, os (takers?) de cada sócio. Quanto cada sócio ia levar de bauxita. Tivemos uma festa, fomos no restaurante comemorar e tudo, e, no segundo dia, a fixação de preço. O preço é o preço de contrato, 28 dólares e cinquenta centavos, e eles queriam baixar ainda. Aí deu uma briga danada que culminou com uma coisa inédita, isso eu acho fantástico, isso tem que ficar na memória da Vale. Os (traders?), os Diretores da Vale: Fúlvio, diretor-presidente; diretor-comercial, que é o Camilo; e o diretor de operações, que era eu. Os dois da Alcan, que eram o Mazzetti e o Siqueira, ficaram de lado por razões óbvias. Nós fomos para uma arbitragem internacional – nós, diretores, contra parte do conselho, dos donos, dos sócios. Primeiramente, nós tivemos que escolher os nossos advogados. Escolhemos o (Scuder e Freres?), que é um escritório de advocacia muito forte em Nova Iorque e em Paris, foram nossos advogados e, aqui no Brasil, a Lobo Ideias também, que é muito forte. Chegamos na frente deles, que eles iam pegar também, e já tinham contratado. E ficamos uns três ou quatro meses para escolher o juiz, não aceitavam, depois nós não aceitávamos e assim foi. Acabou sendo um juiz muito bom, um sueco. E imagina o que é:
“Tira a gente daqui!” Nós, diretores, indicados pelo conselho, brigando com outra parte do conselho. Nunca vi isso na minha vida. Hoje, como diretor, fico imaginando o que nós fizemos naquela ocasião. Não me arrependo nada, pelo contrário, está no meu currículo. Eu sei que ganhamos a arbitragem, lógico, não tinha motivo nenhum para baixar. Honrar esse contrato. Isso fazia parte, para mim, de uma estratégia global de aumentar a oferta de matéria prima, ofertar muita matéria prima, minério de ferro, manganês, papel, celulose, tudo. Depois que tiver muito ofertado, (ofert price market?) do ferro, disso, daquilo, não é mais esse, é lá em baixo. Foi o que eles queriam fazer com a bauxita, nós tínhamos contrato até o ano 2000, entrincheiramos neste contrato e não deixamos baixar. “Na Guiné está assim, assado”. Fomos na Guiné, fomos na Jamaica, não era verdade, eles falaram que nós é que tínhamos abaixado o preço, coisa de brincadeira, por isso que eu falo Guana Clark. Por isso. Acabou que nós ganhamos. Ganhamos assim, eles arremeteram para o Brasil dizendo que o Foro para se resolver deveria ser aqui no Brasil. Quando percebeu-se que a gente ia ganhar mesmo, houve um acordo, mas o preço ficou aí. E nós ficamos atravessados no gogó do lado de lá dos acionistas. Queriam ver o capeta, mas não queriam ver nós três lá. Ficamos lá mesmo assim. E quando ficava muito calmo, fazia como menino, ia lá e chutava a canela deles, porque tinha coisas que deveriam ser contadas. Teve uma ocasião em que todo o rejeito de bauxita era despejado no Lago Batata, e nós não queríamos, como brasileiros, como mineiros, como mineradores, até por jura minha de engenheiro. Então a gente queria um processo que não poluísse o Lago Batata, foi muito difícil, tinham onze projetos e a gente só queria um. Pioneiramente, era o que se fazia com o fosfato na Flórida, mas nunca com bauxita. Requeria um (Stunt Work?) enorme, fazer pontes, grandes reservatórios na área de mineração que não poluía, aproveitar, cobrir com terra vegetal, replantar em cima. Um negócio ecologicamente limpo. Mas ficou um pouco caro para a ocasião. E os _________ não queriam de jeito nenhum. Isso foi arrancado a fórceps. Isso, o Doutor Antônio Ermírio nos segurou bastante. E depois que a coisa aconteceu, se faturou em cima disso em termos internacionais. Eu lembro de uma vez, por exemplo, que o pessoal da (Billington?) queria fazer uma nova mina, concorrente nossa, a montante do rio Trombetas, chama-se Cruz Alta o lugar. Uma vez o presidente da Billington daqui levou uma missão de jornalistas europeus lá na Mineração Rio do Norte e eu estava lá falando para eles o que a gente estava fazendo ecologicamente para evitar a poluição. Estava entre os jornalistas o Doutor (Prance?), que era o grande líder do Greenpeace lá de Londres, o National Botanic Garden. Então ele estava fazendo uma apologia do projeto, dando a entender que aquilo era Cruz Alta, eu percebi na hora e intervi. Nesse momento, eu percebi que ele estava querendo dizer que Cruz Alta vai ser feito do jeito que é aqui, Trombetas, que os jornalistas já tinham filmado: “Não é bem assim, não”. O projeto já tinha caído na minha mão via Mendes Junior, achando que nós que íamos construir. Eu li o projeto e era poluidor. Não tinha tratamento de esgoto, de rejeito, de tratamento de superfície, numa lavra predatória. Eu chamei os jornalistas e falei: “Não é assim, não. As coisas são diferentes, o nosso projeto tem isso, isso, isso, mas lá não tem nada disso, a lavra é predatória, é assim, assado.” Aí ele disse pra mim, o (Broton?): “Você não poder dizer essas coisas.” “Ele está dizendo em português que eu não posso dizer essas coisas. Eu tenho obrigação de dizer.” Pra você ver como era o relacionamento lá, era isso aí, para segurar aquela barra. E o super fino que era jogado fora junto com o rejeito era feito da seguinte maneira: lembra da usina três que eu falei que nós não construímos? Pois é, o superfino era jogado na lama lá. Nós queríamos aproveitar esse super ino, mas precisava de dinheiro, investir cinco ou seis milhões de dólares na época, era um dinheiro razoável. E a gente não conseguia aprovação. Numa daquelas reuniões do conselho, ficou registrado que se a gente tivesse mercado para a venda do superfino, a gente poderia construir a planta de superfino. Conseguimos um (mimeógrafo?) do Antônio Ermírio de Moraes dizendo que compraria o superfino, um negócio daquele azul.
Em cima daquilo, e pelo fato da gente ter equipamento de filtragem, bombas de vácuos lá na pelotização. Nós compramos da Vale esse material a toque de caixa. A gente tinha quatro meses de conselho de administração e comitês técnicos entre cada conselho. Entre um comitê técnico, em posse do (mimeógrafo?), e o outro, nós construímos uma planta de superfino. Então, quando o presidente do comitê técnico que assessorava o
________ viu uma planta inteira construída, que não estava construída há quatro meses atrás, quando ele tinha ido lá, ele levou um susto. “Você vai ter que explicar isso ao conselho.” “Perfeitamente, temos aqui uma autorização de que se tivesse mercado a gente poderia construir, a autorização está aqui, está pronta a planta, em três meses ela está paga.” Um negócio espetacular, não sei como não aproveitaram. O superfino, quanto maior a superfície específica, melhor para o processo de aluminio. Então foi esse jeito, nós sofremos muito com isso também. Foi outra canelada, o conselho se sentiu muito mais por vaidade. E construímos a planta de superfino que não tinha em Cruz Alta.
P/2 – Vocês três eram os representantes da Vale no Conselho?
R – Nós três.
P/2 – Tinha mais alguém da Vale ou não?
R – Não. Tinha no Comitê técnico uma pessoa. Lá era o seguinte: tinha a diretoria e tinha reuniões quatro vezes por ano dos comitês – comitê técnico, comitê financeiro e comitê comercial. As pessoas ficavam um dia e trocavam ideias. Mas o pessoal da Vale era muito atarefado com outras coisas e ia lá na hora, não conhecia a Mineração Rio do Norte de jeito nenhum. Acabava que a gente influenciava. Como diretor, não podia pertencer ao comitê, mas podia sentar do lado e influenciava direto. “Se fizerem isso, eu vou levantar como diretor e vou dizer que não pode por isso.” Era desse jeito o negócio. Então foi uma luta de sete anos. Dado um momento de minha vida, chegou a notícia para mim: “Olha, você não é mais o diretor da Mineração Rio do Norte.”
“Por que? Quem é, então?” Se, na ocasião, o Schettino estava saindo, tinha sido Presidente da Vale, ficou um tempo lá na Mineração Rio do Norte, tinha o Camilo, que era diretor comercial e não ia lá, não tinha ninguém conhecido. “Que estranho!” Tem o Antônio João, nunca tinha ido lá. Agora eu entendo que isso só deve ter sido pressão, só pode. Pra mim foi muito bom. Na Mineração Rio do Norte, a coisa mais importante da minha vida aconteceu lá, profissional. Foi que uma ocasião ia viajar para Trombetas de tarde e, na véspera, o Schettino, que era então diretor, passou lá antes de virar Diretor da Vale do Rio Doce. “Amanhã vem aí o professor Falconi, que vai falar de Qualidade Total, nós vamos ficar o dia inteiro, são oito horas de palestras.” “De jeito nenhum, nem com relógio no peito, não vou ficar aqui. Oito horas de palestra, mas que isso? Já fiz isso, já fiz aquilo, pelo amor de Deus, não aguento mais teoria.” “É importante.” “Eu conheço Falconi, meu contemporâneo da Escola de Engenharia, gosto muito dele até, mas pelo amor de Deus, oito horas não dá não, alguém tem que trabalhar”, fui atrevido. “Vamos fazer em quatro horas esse negócio, depois eu vou para o aeroporto.” Falou com o Falconi e ele topou, quatro horas de palestra. Ele começou a falar de Qualidade Total, de Sistema de Gestão. Isso tem haver com tudo que eu penso. Foi colocando coisas óbvias com tal propriedade e lógica, cancelei a viagem para Trombetas e fiquei até, muito mais que as oito horas. Vou implantar esse sistema de Gestão de Qualidade Total na Mineração Rio do Norte.
P/2 – Você já saiu decidido?
R – E com arrogância danada. Ele falou: “Não pode, quem implanta Qualidade Total é o Presidente da Vale, é o Schettino.” “Então eu vou ser o coordenador.” “Também não pode, coordenador tem que ser uma pessoa que tenha tempo pra estudar. Um executivo não vai ter tempo para estudar, você tem que arranjar alguém que estude, que te passe conhecimento teórico.” “E o que eu vou fazer então?” “Você vai fazer parte do comitê de implantação.” Então está bom, vamos nessa. Mas acontece que quem ia para Trombetas era eu, não era o Schettino, não era o Diretor de operações, a operação toda era lá. O superintendente da mina era o Rubinho, depois o Zé Carlos, então ficou fácil para eu ser o Presidente do Comitê de Implantação do GQT lá na Mineração Rio do Norte, embora, de fato e de direito, era o Schettino. E aquilo foi dando um resultado surpreendente, um negócio legal. Corria por fora a reestruturação da Vale do Rio Doce, leia-se Redução de quadro. Foi feito com muita propriedade, porque quem fazia uma imagem muito boa disso, quem conduziu isso, foi Wilson Brumer. Estamos com uma tripulação muito grande e se continuar assim o navio vai afundar. É melhor que a gente reduza a tripulação e tenha mais navios. Eu sempre participei da Vale e a Vale sempre crescendo, crescendo, cada vez mais. Poderia não ter um ________ econômico ________ muito bom, mas tinha um (NVA?) muito bom. Essa é minha bronca atual. É muito fácil fazer resultado se você vender ativos. Criar ativos novos é diferente. A Vale é um monstro e eu vou dizer daqui a pouco.
P/1 – Vou pedir um minutinho só para ver se chegou o outro depoente.
(Interrupção – troca de fita)
R – ... o que é hoje em Qualidade Total. Ia fazer palestra com trezentas pessoas em um auditório: “Quem é que tem pelo menos um equipamento japonês na sua casa?” Todo mundo levanta a mão. Então falam que o Japão está quebrando, está isso, está aquilo, mas é uma superpotência, graças à Gestão de Qualidade Total, que foi implantado lá, num método homogêneo. Estou voltando para trás, Wilson topou isso, e a primeira coisa que nós fizemos foi um plano geral de implantação do GQT, tinha um plano na Vale e cada unidade tinha um: tinha Itabira, (Albrás?), que já tinha com a Mineração Rio do Norte começado, tem o grande mérito de ter lançado o cinco S no Brasil, começou na Albrás com Armando Freitas. A pessoa que trouxe isso para o Brasil foi o Professor Benatti de São Paulo, nós trouxemos ele de lá. A Vale tinha um poder muito grande, trazia especialistas do Japão e saía com eles dando aulas para todas as empresas da Vale, mais de cinquenta, na época. Aqui no Brasil e fora do Brasil. Fui lá na Califórnia Still, três dias, via a mesma palestra sessenta, setenta vezes. Porque geralmente, por exemplo, em Carajás tinha que falar três vezes. Então nem que eu não quisesse, eu tinha que aprender aquele negócio. E é uma coisa fantástica, porque todos eles são unânimes em dizer que Qualidade é praticar o simples, o óbvio. É muito baseado na verdade. A grande base da Qualidade Total é a verdade. A verdade é a coisa mais importante que tem. Não é à toa que Rui Barbosa diz aquela frase que o ACM repetiu no Senado agora, que deu até raiva: “Três
_____ deixou Deus ao mundo – o amor da pátria, o amor da liberdade e o amor da verdade. Cara nos é a pátria, liberdade mais cara, mas a verdade mais cara que tudo. Damos a vida pela pátria, deixamos a pátria pela liberdade, mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade, porque este é o mais santo de todos os amores. Os outros vêm da terra e do tempo, a verdade vem do céu e vai à eternidade.” _______ “Se a verdade fosse algo que pudesse a gente compreender, terminaria sendo uma verdade pequena do meu tamanho”, ela diz. E é mesmo, a verdade é a base da Gestão da Qualidade Total. Tem um tripé: saber separar causa de efeito, outro é saber girar o (PDCA?), e outro é a motivação humana. A motivação humana é um dos mais fortes tripés. Todos eles só podem acontecer se tiver uma base de verdade. Então foi isso que nós nos propusemos na Vale do Rio Doce na época do Wilson Brumer. A motivação muito grande: quem implanta é o número um, é o Wilson quem tinha que implantar, não era eu, não. Eu tinha que estudar e passar para ele. E, na ocasião, ele começou a fazer palestra e teve uma exposição muito grande, Wilson ia para todo lado e ia falar de Qualidade Total, tem casos engraçados que não vai dar tempo de contar.
P/1 – Conta um.
R – Uma vez nós fomos lá para o Rio Grande do Sul. Era para ir para o Rio Grande do Sul dar aula de Qualidade Total para atender o cliente, o empregado, acionista vizinho, as pessoas no tempo certo no local certo, aquela coisa toda. Estava no aeroporto e tinha lá os empresários do mundo financeiro esperando o Wilson Brumer para dar uma palestra e foi o Silveira, que era o jornalista, e eu. Nós éramos os carregadores de mala do Wilson direto, por esse Brasil afora, quando ele falava de Gestão de Qualidade Total. Então estava lá no aeroporto e cancelaram o voo, aí ele, chateado e tal, conseguiu um lugar de reserva no voo da Transbrasil, aí não tinha lugar na reserva surpreendentemente. Aí ele ligou para a secretária: “Tem que pedir desculpa lá, vai ser um transtorno, vai empresário de tudo quanto é lugar do Sul.” Falou com a Marília, que era a secretária. A Marília disse: “Não é no Rio Grande do Sul, não, a palestra é em Florianópolis”, e deu tempo. Cruz credo! Mas eu achei que ele fosse me demitir de cara, mas ele levou na brincadeira, achou muito engraçado, foi aquele jeito dele. Eu sei que foi muito bom para a Vale do Rio Doce, a Vale mudou completamente isso. Vou dizer uma pequena coisa: os banheiros dos empregados antigamente eram uma sujeira, Itabira era suja e ficou tudo limpo com o programa Cinco S, que era a base da verdade. O primeiro S era: “Tenha poucas coisas” ________ só a verdade, só as estatisticamente corretas, só poucas coisas. É fácil de ordenar, fácil de limpar _________, ordenação e limpeza. Estando tudo limpo, a melhor maneira de limpar é não sujar, e a auto disciplina.
P/1 – Deixa eu dar um gancho com esse Cinco S. Como você faz com essa coisa de papel? A memória guardada em papéis e muitos documentos... Ele trabalha com documentos também. Como fica no Cinco S, que você tem que dispensar?
R – No lugar certo, nos arquivos de memória, nos memoriais. Não precisa guardar isso nas suas gavetas. Pouca coisa, só o que interessa de arquivo em um lugar certo. Você não precisaria estar percorrendo essa via sacra de entrevistar uma porção de gente falante feito eu, você iria lá no arquivo e estaria tudo lá. Um arquivo só, com todas as coisas que interessam, num local certo, na quantidade certa.
P/1 – E quem determina isso? Quem escolhe os papéis, o que fica?
R – São doze planos que tem dentro da Qualidade Total e tem uma padronização. Dentro da padronização, com certeza, teria um padrão de procedimento operacional. Padrão de tudo aquilo que fosse interessante, deveria ser encaminhado para um determinado lugar. A Qualidade Total é isso: é a Gestão da Qualidade, nada escapa para a qualidade e você começa com a mobilização. Nos mobilizamos. Define crenças e o código ético de conduta que é praticado por todo mundo, chama-se valores, começa por aí. O credo são convicções íntimas que você adota com fé. Então a primeira coisa que você tem que fazer é isso, foi lançado na Vale o Código Ético de Conduta da Vale do Rio Doce, que não considera os valores da Vale hoje, que não é praticado por todo mundo. Na (Paraibuna?) de metais, são valores que todo mundo pratica. Depois de definir isso, que não leva a lugar nenhum, baliza seu comportamento, você estabelece a missão: para quê serve cada unidade da Vale. Fizemos uma reunião lá no Hotel Meridian com todas as pessoas da Vale do Rio Doce, todas as coligadas e controladas de empresas que não sabiam para quê serviam, qual era a missão delas. Hoje foi desativada. A Floresta Rio Doce, não sabia para quê servia. Pra quê eu existo, qual a minha razão social? Você precisa definir, mas ninguém faz. Qual é a visão de futuro da Vale, de cada empresa dessas? Na Paraibuna, onde eu estou, nós definimos visão de futuro e estamos prestes... Parte dela já está alcançada – melhor metalurgia e de menor custo de transformação do mundo, reconhecida como tal. Foi passado muito treinamento da importância da visão.
P/1 – Você traça qual é o futuro e aí a partir disso você traça as metas.
R – Normalmente você começa implantando a qualidade. São doze planos, você imobiliza para implantar, cria um sistema de informação, comunicação e informação. Depois, educação e treinamento gerencial, que, diferente do treinamento técnico, tem que saber diferenciar o conhecimento técnico gerencial, tem que saber diferenciar o perfil das pessoas, quem tem perfil técnico, quem tem o perfil gerencial; melhoramento da rotina diária, do dia-a-dia. Depois tem o gerenciamento pelas diretrizes, tem o Cinco S, tem o crescimento do ser humano, tem padronização, tem garantia da qualidade que eles confundem com Qualidade Total, a Iso 9000 e 9001; Gestão Ambiental, que é 14.001; Certificação e Prêmios. São doze planos, que é o grande planejamento estratégico de ter uma grande gestão. Muita gente fala planejamento estratégico como fim por si só. Planejamento estratégico para alcançar qual objetivo? Às vezes, muita gente não sabe o que é. Então qualidade garante que tudo que vai ser feito dentro de uma empresa tem um objetivo só, está caminhando para aquele objetivo. Coisas supérfluas não são colocadas ali. Essa questão do código ético garante, predispõe para o crescimento do ser humano para ter uma equipe motivada. A grande mola da Qualidade Total é a motivação. Por que você corre no futebol, por que você corre dentro do esporte e não corre dentro da Empresa? Você lê o livro do professor (Cont?) e está explicado lá. Você tem que fazer o mesmo dentro da Empresa. Paraibuna, por exemplo, não tem cartão de ponto. Você precisa de cartão de ponto para convocar o pessoal para uma pelada de futebol? Não precisa. Nós tiramos o cartão de ponto e demos para um operador:
“Leva isso aqui, porque é peça de museu.” Todo mundo sabe quem chega na hora e quem chega atrasado. Todo mundo quer chegar na hora. Tem técnicas motivacionais que fazem aquela empresa ser uma grande empresa, embora tenha uma escala quatro vezes menor do que as outras aí de fora e tem o menor custo do mundo de transformação, já na (Browkin Hut?), reconhecido. A qualidade é praticar o óbvio, o professor (Cont?) falava isso todas as vezes. Uma vez, o Wilson não pode ir numa palestra de oito horas com cano e eu fui no lugar dele, e ele começou a palestra desse jeito: “Tudo que eu vou dizer pra vocês aqui, vocês já sabiam e, para entender o que eu vou dizer, basta entender as quatro operações e ler e escrever, mas por favor, não saiam da sala agora. Depois de oito horas, vocês vão dar graças a mim por ter passado esse conhecimento para vocês, não porque eu quero ser pretensioso, mas pela oportunidade que eu estou tendo.” E não deu outra: depois de oito horas, todo mundo ficou feliz de ver que a Qualidade é praticar o óbvio, mas que ninguém pratica o óbvio, porque não sabe separar causa de efeito.
P/1 – É o direitinho.
P/2 – Como você mobiliza as pessoas, como você chega ao personagem mais operacional do dia-a-dia, do cotidiano, com esses princípios?
R – Mesmo através do estabelecimento de crenças, é tudo participativo, da missão, do Código Ético de Conduta e de (Maslo?).
P/1 – Tem gratificação?
R – A gratificação financeira faz parte do Plano de Cargos e Salários, mas não tem nada a ver com Plano de Gestão, não. O nosso plano de crescimento do ser humano da Gestão de Qualidade, da Vale era assim, era baseado nas premissas de Maslo. Primeiro, você satisfazia as necessidades fisiológicas, de segurança; depois as sociais, auto-estima e auto-realização. Então os planos de crescimento do ser humano são em cima dessas coisas. Você tem que ter, para as necessidades fisiológicas… Tem que ter o Plano de Cargos e Salários, casa própria, atividades fisiológicas, de segurança, de ter casa própria, segurança no emprego – quem tem segurança no emprego hoje, na empresa moderna? Qualquer coisa, perde o emprego. A pessoa fica com medo, não pode. A gente tem que pregar que só perde pênalti quem bate pênalti. Quem não erra é quem não está fazendo nada. Se não fizer nada, você não erra. Então estará mais exposto ao erro quem fizer mais. Tem que ter segurança. A parte social, festa, movimento, encontro de pessoas, a gente promove sempre. A Companhia é festeira, o feedback é como no futebol: se você faz uma boa jogada, todo mundo bate palma. Se fizer uma jogada ruim, todo mundo vaia. Na Paraibuna de Metais nós temos tomate de feltro. Se eu chegar atrasado, eu levo uma saraivada de tomates e tenho que pegar o tomate do chão. Tudo para criar um ambiente alegre, de criatividade, é o feedback. Então quando falam quatro de cada vez, tomam tomate por tudo quanto é lado, tem que apanhar, então as coisas vão. Não tem relógio de ponto. É igual no futebol, o uniforme é igualzinho. Meu uniforme é igual a um recém-admitido, na função mais simples de todas.
P/1 – Essas foram as principais transformações que você fez na Paraibuna?
R – Eu não, nossa equipe fez, todos eles fizeram juntos. Comemora-se tudo, é foguete. Batemos recorde de dias sem acidente de trabalho. O japonês foi comemorar, foi soltar um foguete, estourou o foguete perto dele, pum, ele desmaiou lá. Eu tinha acabado de jogar o relógio de ponto na mão do carcará. Eu vi que não tinha nada, ele tinha tomado um grande susto. Levamos ele para a enfermaria e eu falei: “Honório, abre esse olho, mexe com essa mão.” Eu lembrei da fazenda, de quando a gente caía. “Está ótimo, levanta aí, sai daí.” “Sai você.” E me tiraram da enfermaria. Resultado disso: nós substituímos o foguetório por sinos. Compramos um sino de um metro e meio de altura por um metro de largura. Quando acontece alguma coisa boa, a gente bate o sino, a gente quer fazer barulho, dar festa toda hora. Essas coisas motivam, sentimento de equipe, de pertencer ao grupo, de ser reconhecido. Os grupos de CCQ são formados lá. Eu fui um exterminador de CCQ quando era da pelotização, achava que aquilo era _______ . Hoje, não. Hoje, o CCQ é uma possibilidade de operador. São cinco funções na Qualidade: direção que olha para fora e para o futuro; gerente que atinge meta; staff que estuda; o supervisor que faz cumprir padrão e o operador como padrão. Pode chamar do que quiser os nomes de cargo, rei da oftulação, conde da eletrólise, mas o que interessa são as cinco funções. Quando o supervisor faz cumprir padrão, o operador cumpre padrão, ficaria muito monótona a vida deles. Por isso tem o CCQ, cinco de controle de qualidade, onde as pessoas se reúnem e criam quantidade de coisa patenteada que sai da cabeça dos operadores, que têm o mesmo número de neurônios da gente. Não são menos inteligentes que a gente, não. Ledo engano achar que o chefe sabe mais, bobagem. Uma coisa preocupante na empresa é esse sentimento. Então eles criam coisas novas, criam projetos novos, são patenteados, são reconhecidos. Eles vibram, choram. O CCQ na Vale foi muito forte. E quando o chefe percebe que tem três tipos de conhecimento, que o conhecimento gerencial não tem nada a ver com técnico, ele não se importa de receber treinamento. Antigamente na Vale, o sujeito tinha medo se expor no meio de uma turma de treinamento com medo de a pessoa perceber que você sabe menos que a outra. Hoje, eu tenho certeza que eu sei menos que um financeiro, então vamos lá para a aula da área financeira assistir um treinamento, com direito a pergunta idiota. Tem gente sabida, mais do que eu. Por isso, na hora de selecionar e recrutar, tem que ser olhado o perfil da pessoa, tem gente que tem o perfil do gerente, alta dominância, alta influência. Esse vai ser um bom gerente. Quem tem alta conformidade, alta estabilidade, vai ser um bom cientista. Tem que separar uma coisa da outra. Aí não vai ter briga, não vai ter nada. Isso, estou respondendo o que você me perguntou sobre como você consegue motivação. É desse jeito. Nós fizemos uma pesquisa de clima, tinha mais de 95 por cento de satisfação, feito por organismo de fora. Somos finalistas, não sei se finalistas, mas pelo menos visitados pela Revista Exame. Uma empresa que estava falida, que tinha o moral do pessoal lá embaixo. Dava uma festa, não ia ninguém; passeios ambientais trabalhistas, eram candidatos à esqueleto de beira de estrada. Motivação humana reverteu completamente Paraibuna, a melhor empresa de menor custo de transformação do mundo e vai repetir esse ano. A motivação é isso aí.
P/1 – Estou com dó, porque nós vamos ter que dar um abreviada, porque o estúdio fica até às seis e tem outro. Vamos só terminar. João Márcio, revendo sua trajetória de vida, se você tivesse que mudar alguma coisa, você mudaria?
R – Acho que não, de jeito nenhum. Não mudava, não. Está muito bom, graças a Deus. Só Pedro Paulo, preciso ir a forra com ele e depois fico amigo de novo.
P/1 – Quais são seus sonhos?
R – Futuro? Eu gostaria de ver o Brasil sem nenhum analfabeto. Pra mim, professora primária tem que ser bem remunerada. Todos os males, a causa pela qualidade total de todos os problemas do país, está no baixo salário, a baixa remuneração da professora primária.
P/1 – O que você está achando desse projeto Vale Memória e da experiência de ter dado esse depoimento?
R- Achei muito bom, fiquei honrado de ter vindo aqui, foi uma oportunidade de ter dado esse desabafo, de contar essas coisas. A gente vai ficando velho, gosta de contar história. Eu ficaria
muito mais tempo, mas como não dá mais tempo, vamos embora. Tem muitas coisas mais jocosas para contar. Pergunta para o Denis que ele sabe todas. (risos)
P/1 - Obrigada.
(Continuação)
Juiz de Fora,
15 de Agosto de 2001
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por: Thiago Rodrigues de Rezende
P/2 – Doutor Queiroga, a gente podia, então, retomar um pouquinho a nossa entrevista a partir desse contato do senhor com a Qualidade Total.
Como é que foi levar isso para a Vale, quer dizer, como é que foi apresentar isso internamente? Foi discutido um pouco essas colocações?
R – Então, eu conheci o Sistema de Gestão de Qualidade Total quando eu estava na Mineração Rio do Norte, fui levado lá pelo Falconi, conforme eu já contei a história. E em dado momento, na Mineração Rio do Norte, houve uma reestruturação de cargos, companhia que tinha sido diretores, passou a ter três diretores. Então tinha o diretor presidente, que era o Fulvio Fonseca; tinha um diretor comercial da Vale, indicado pela Vale, o Camilo. O diretor presidente, Fulvio, e eu, o diretor de operações. E tinham dois diretores da OCAN, que eram o (Walter Mazetti?) e o Siqueira, respectivamente diretor administrativo e financeiro. Então a Vale resolveu reduzir a três diretorias, só. E foi uma surpresa ruim que eu tive, na ocasião, a pior de todas. Acabou sendo boa no final, porque eu jamais podia imaginar que ia sair da Mineração Rio do Norte, já estava lá havia sete anos. E quem estava na diretoria como presidente na época dessa reestruturação já não era mais o Fulvio, era o Antônio João, e eu era o diretor de operações que vivia, eu vivia mesmo, a Mineração Rio do Norte o tempo todo, já que o diretor comercial pouco ia lá. Tinha lá aquele contato permanente na Mineração Rio do Norte, vivia aquilo, transpirava mineração, né? Aquilo ali… Eu fazia parte daquilo lá. E na reestruturação, a minha surpresa é que eu não fiquei, eu fui demitido e por pessoas que, na ocasião, não conheciam a Mineração Rio do Norte, nem os problemas da mineração, nem direito a arbitragem, não conheciam. E a gente se queixava muito que os sócios, os nossos sócios, conheciam muito mais a Mineração Rio do Norte que os próprios dirigentes da Vale do Rio Doce, que nem sequer iam lá, nunca foram lá nessa ocasião que houve essa reestruturação.
P/2 – No que você credita essa...
R – Falta de informação completa, né? Total falta de informação. Até falava isso depois com o Wilson Bruno, que a Vale não consegue ser sócia. Isso até virou um jargão. A Vale não sabia ser sócia mesmo. E eu saí. Saí e fiquei pensando na minha vida, o que eu ia fazer? Primeiro a Vale, naquela ocasião, tinha aquele PDV, um curso. E certamente eu ia ganhar muito mais saindo do que ficando. A Vale pagava muito mais para você sair do que para trabalhar. E eu tinha essa oferta de virar consultor, eu poderia ter sido consultor de qualidade, convidado pelo Falconi, já naquela época. E ganharia dinheiro, muito mais, ganharia ainda o PDV. O Wilson também me convidou para ser o presidente da (Cauli?)...
P/2 – Para-pigmentos.
R - Para-pigmentos. Na ocasião, eu tinha essa opção. E então podia aposentar, ser presidente da (Cauli?), ou então ser coordenador da qualidade. Isso aí me atraiu, falei: “Coordenador da qualidade. Isso me interessa”. E eu falei com o Wilson: “Até, Wilson, estava programado como dirigente, ir ao Japão. Mas especialmente para fazer um curso mais avançado de qualidade total como os japoneses. E eu tenho vontade de ir. Agora, eu não garanto que quando eu voltar, eu não possa me interessar em entrar pro PDV. E saí mesmo. Pode ser que eu vá para o Japão, eu saia, vou falar com toda a sinceridade. Não me interessa ir ao Japão, eu já fui lá muitas vezes, né? Até se tivesse um prêmio, uma viagem ao Japão; o segundo prêmio, para mim, bem que podia ser duas viagens para o Japão.” (risos) Falei: “Eu posso ir, eu só quero ver como é que é isso, de fato. E se eu gostar, eu gostaria, então, de tocar a Gestão de Qualidade Total na Vale”. Ele falou: “Não, tudo bem, vai embora, vai pro Japão, vê lá!”. E fui. Tive lá muito boa impressão do Sistema de Gestão, visitei empresas, tivemos cursos lá com (Meiaushi?) e voltei pra Vale do Rio Doce. De novo, falei: “Ó, Wilson, me interessou, gostaria de te ajudar a implantar o Sistema de Gestão. Mas é você que tem que implantar. É o número um que implanta a Qualidade Total. O coordenador tem a obrigação de estudar e passar o estandarte pro executivo. Aí é o executivo que implanta, vou ser coordenador. E não tô negociando nada, absolutamente, eu te deixo à vontade, mas outra coisa que eu gostaria é o seguinte: que fosse na Vale inteira, e o sistema adotado fosse esse, difundido pela Fundação Cristiano Antônio, na época, que é o modelo japonês, que é igualzinho ao americano, só que dá muita ênfase à motivação humana, a pessoa humana, né? Se for isso, eu tenho certeza que eu vou te ajudar, porque eu gosto disso, eu tenho entusiasmo com isso, eu acho que eu posso te ajudar.” Falou: “Não, mas é exatamente isso que eu quero, o meu objetivo é esse mesmo: difundir de uma forma homogênea, por todo o grupo”. E pronto. Então entrei lá, a primeira coisa que nós fizemos foi um grande plano geral de implantação de GQP, com doze itens. Primeiro, mobilizar para implantar; depois, comunicação, como seria Comunicação e
Sistema de Gestão; o Treinamento Gerencial, que era o número três. O quarto plano, Gerenciamento do Melhoramento da Rotina Diária. Depois tinha Cinco S, que foi pioneiramente iniciado na OBRAS e depois difundido pela Vale. Foi a Vale do Rio Doce, primeiro a OBRAS, depois a Vale do Rio Doce que trouxe o programa de Cinco S pro Brasil, na pessoa de um consultor chamado (Benati?), que estudou isso profundamente no Japão e passou isso cientificamente para nós. Nós difundimos por aí. Como a Vale é grande, acabou pegando no Brasil todo. Depois tinha um outro plano que era Padronização. O outro, Garantia da Qualidade. Tanto a Padronização como Garantia da Qualidade, a ISO cobria isso muito bem, mas as pessoas que estavam tocando a ISO na Vale achavam que a ISO era a Qualidade total, uma dificuldade muito grande, principalmente na área de minério de ferro, que entendia dessa forma, tinha que ter muita habilidade pra não ferir susceptibilidades, né? Também tinha o plano de Gestão Ambiental, Certificação e Prêmios, que verifica como é que esses planos iam ser avaliados, a implantação disso. Tinha também o Gerenciamento do Crescimento do Ser Humano, baseado em Maslo, que é o grande mentor, vamos dizer. É o conhecimento de Maslo que fez da Qualidade Total o que ela é hoje. A difusão dela no Japão e no Brasil é graças aos ensinamentos de Maslo, um psicólogo. Então, são doze planos que nós fizemos, um Plano Geral na Vale, e vários planos em cada unidade de negócio, eram umas cinquenta empresas.
P/1 – Administrativamente, você ficava vinculado ao RH?
R – Não.
P/1 – Diretamente ao presidente?
R – Diretamente ao presidente. O Wilson tinha dois assessores: um era o assessor de imprensa, que é o Silveira, vocês devem conhecer, e o outro é para ajudá-lo a implantar a Gestão de Qualidade Total. Só nós dois, tanto que nós viajávamos por esse Brasil todo aí, eu e o Silveira. Até tem um caso engraçado que a Marília... Eu acho que eu já contei esse caso, talvez, né? A Marília, secretária do Wilson, marcou pro Wilson fazer uma palestra lá no sul do país, para um grupo da área financeira, grupo grande, um negócio muito grande, lá no Rio Grande do Sul. O avião não saiu por algum motivo lá e acabou que nós tentamos entrar em uma lista de espera e garantiram pra nós que a gente ia nesse avião da TransBrasil, sobre o __________, não foi. E acabou que na hora de sair, o avião não tinha lugar na lista de espera. Então ele ligou pra Marília e falou: “Olha, avisa o pessoal lá em Porto Alegre que nós não vamos poder estar lá, lamentando profundamente. Gente pra burro, viajou gente pra todo o lado pra lá. É o inferno, mas não podemos ir”. Ela falou: “Não, mas não é em Porto Alegre, não, é Florianópolis!”. (risos) Então você imagina, nós da Qualidade Total, errarmos um negócio desse, né? E o Wilson é muito bonachão, eu achei que eu ia ser demitido no ato, eu acho que eu já contei isso outra vez, não? Não sei. Mas ele relevou e tudo, riu muito do negócio. Acabou que a gente conseguiu o avião e ele fez a palestra brilhantemente.
P/2 – Vocês se tornaram referência em termos de Importação de Qualidade?
R – Ah! Certamente. Por que isso? Porque a Vale é muito grande, a Vale tem muito poder de adquirir as coisas, principalmente conhecimento, que é barato, dá um retorno muito grande. Então tinha dinheiro de sobra. Eu lembro que eu estava acostumado a provar oficialmente lá na Mineração Rio do Norte, e aquilo demorava, ia noite adentro. Qualquer cinquenta mil dólares tinha que passar no conselho, aquele negócio todo. O pessoal da OCAN, da (Beili?), questionavam muito, né? Então foi a minha primeira reunião de oficiamento na Vale, o Hotel Glória, e estava vindo aquele negócio, aprovava cinquenta milhões de dólares de uma coisa, outros vinte para outra, com uma facilidade incrível. Eu estava com um orçamento de oitocentos mil dólares, com um medo danado lá, né? Na hora em que eu falei de oitocentos mil dólares:
“Não vem o ________, não, o outro, né?”
P/1 – Passa para o próximo! (risos)
R – “Mas eu quero botar o meu orçamento, caramba, são oitocentos mil dólares! É dinheiro! Como não quer ver?” (risos) Foi até engraçado que esse dia foi um dia meio complicado, porque estava a diretoria. E, então, eu sou ______, que era muito do jeito dele, muito participativa a administração dele. Falou: “Olha, alguém tem algum comentário a fazer dessa reunião de orçamento?”. Eu falei: “Eu tenho, orçamento de investimento, eu estou profundamente decepcionado, porque eu vinha das minhas reuniões da Mineração Rio do Norte, e a gente, pra aprovar qualquer cinquenta, cem mil dólares, tinha um relatório, tinha um estudo da taxa de retorno, a gente considerava premissas, com muito cuidado. E aqui eu não vi como é que são as premissas, quais são os critérios para aprovação. E me deu a impressão das pessoas estarem aprovando no grito, quem gritar mais é que… Né?” O Reinaldão, então, o Reinaldo Trovão, que tinha uma força pra falar, aprovou cinquenta milhões para a estrada lá, que eu falei: “Como? Que retorno é esse? Qual a previsão otimista, pessimista, de inflação, de dólar, de tudo?” Então eu falei: “Eu estou profundamente decepcionado com este negócio aqui.” Então isso foi uma surpresa que eu tive lá, uma surpresa. Mas aprovou. Aprovou oitocentos mil dólares. Dinheiro para a Qualidade, né? Então o que nós fizemos? Nós trouxemos os melhores especialistas do mundo, fora aqui da Fundação Cristiano Falconi, que ficava ali com a gente direto. Nós alugamos o Falconi, né? Teve um dia no avião que eu peguei a cadernetinha dele, porque ele não tinha tempo pra ir na OBRAS. Eu falei: “Como não tem tempo, Falconi? Espera aí.” Isso no corredor do avião. Eu peguei a caderneta dele, assim. Eu tinha uma certa intimidade com ele: “Deixa eu ver a sua caderneta, sua agenda.” Eu estava vendo lá, pá, pá. Sexta-feira: Marilda. Eu falei: “Que é isso? Marilda? Quem é Marilda, sexta-feira?” “Não, é minha mulher.” “Ah! Tá bom. A DERGE informa: sai Marilda, entra OBRAS”. Marilda, eu conheço ela hoje. A mãe dela ia ficar um pouco chateada comigo.
P/2 - ________ com a mulher na agenda.
R – É. Disse marquês, né? Então era assim, pelo fato da gente ter esse dinheiro todo, a gente trazia os melhores especialistas. Aqueles japoneses que, no pós-guerra, absorveram conhecimento dos americanos por razões óbvias. Era impossível americano ensinar japonês, naquela época, com rancor de guerra, né? Então o Matsuchita, o Toyota, o Toyota da Toyota, que faziam parte do grupo de empresários, pegando conhecimentos gerenciais, reerguendo a economia do Japão, que o Japão foi dizimado. Teve que ter um grupo, um mecanismo que absorvesse esse conhecimento de Maslo, de Joan, de Denim, Mcgregor e passasse para o preciso de industriais. Foi a JOSIN, Japanese Union Officiate Engineers, que nós contratamos. Contratamos especialistas, então veio o (Miyauchi?), do pós-guerra, o dinheiro militar era da aeronáutica, especialista, tornou-se especialista em Gestão de Qualidade. O (Meda?), fantástico, (Suyama?), e também outros especialistas aqui do Brasil, de Cinco S e tudo. Então foi uma turma da pesada. Eu tive a felicidade, por causa disso mesmo, de ter saído da Mineração Rio do Norte, não teve nada melhor do que ter saído. Como são as coisas, né? Porque eu fiquei exposto a esse treinamento todo. Como coordenador, eu tinha que acompanhar esse pessoal, agente importante, então tinha que ir o coordenador geral, tinha que ir junto. Então eu acompanhava o (Miyauchi?), sessenta, setenta palestras. Porque, por exemplo, ia pra Carajás, tinha que quebrar em duas, três palestras, então tinha que assistir as três, né? Então fui absorvendo aquilo. O (Meda?), a mesma coisa; o Falconi, a mesma coisa. Então foi muito conhecimento que eu fiquei exposto ao ir no Sistema de Gestão. E a gente fica, fica empolgado com aquilo, e, às vezes, ficava pensando: “Meu Deus, por que o número um não está aqui? Por que que o Wilson não está aqui? Por que a diretoria não está aqui ouvindo isso? Como é que a gente vai passar isso para os diretores? Como é que eu vou fazer com que eles acreditem que isso seja importante?” Para ter uma idéia, quando lançou o Cinco S, pioneiramente, a Vale até que difundiu isso pelo Brasil. Falei que foi o (Benati?) que trouxe, né? Começou na OBRAS com o Armando Carneiro, Armando Freitas, nós trouxemos pra Vale do Rio Doce, trouxemos (Benatti?), que espalhou por aí afora, pela Vale inteira, por essas cinquenta empresas. E teve um grande dia lá, que chama O dia do Seiri. O Seiri, o cesto de utilização. E, nesse dia do cesto de utilização, tem um ritual lá que a gente disponibiliza uma área enorme, chama área de Seiri. E todo o material que você não vai usar, você coloca naquela área pra alguém que precisar utilizar aquele material. O que não for reutilizável é vendido. Então a quantidade de material na Vale... Nós estimamos o valor desse material que foi disponibilizado nessas áreas dessas empresas inteiras, somaram mais de vinte milhões de dólares de material que foi pedido e não foi utilizado. Então tem muita reutilização de algumas coisas lá. Isso demonstra a quantidade de desperdício que havia antes do Sistema de Gestão, né? Então, falando um pouquinho mais do Cinco S, que foi aí que a gente começou basicamente na maioria das unidades a Gestão de Qualidade Total, ele mudou muito a Vale do Rio Doce. A Vale, as empresas eram muito sujas; em Itabira, a pelotização já era mais limpa, tinha um conceito diferente de limpeza, de instalação e tudo mais, mas de um modo geral, as instalações das empresas da Vale eram muito sujas. O banheiro dos empregados era uma vergonha. Tinha banheiro para gerente, tinha discriminação de banheiro: aqui é banheiro de funcionário, aqui é banheiro de chefe. E esse Cinco S acabou com isso. Então foram difundidos os cinco cestos. Tenha poucas coisas. O cesto de utilização, tendo pouca coisa, é fácil de ordenar. E, pra ter pouca coisa, foi feita essa disponibilização de material e área de serviço. Então só o que interessa. Então fica fácil de ordenar o segundo senso. Tendo pouca coisa ordenada, fica fácil de limpar. O terceiro senso, senso de limpeza, não é? Aí, o quarto senso, estando tudo limpo, você cria a lei do contraste, ninguém tem coragem de sujar. Razão pela qual o metrô é limpo, não é? Tem pouca coisa, é ordenado, é limpinho, ninguém joga o papel no chão porque contrasta, esse é o senso de asseio. E o último senso é o senso de
autodisciplina. Estando tudo limpinho, arrumado, tal, como é que você faz pra melhorar mais, pra enfeitar, né?
P/2 – A gente vai dar uma paradinha. Tem um encontro com o pessoal, tá falando muito alto...
R – Então, falando da autodisciplina: a autodisciplina é o último dos sensos, que fala: “Ó, está tudo... Você tem pouca coisa, ordenada, limpa, você criou a lei do contraste, você tem os quatro primeiros sensos: utilização, ordenação, limpeza, asseio.” A autodisciplina é melhorar, colocar um enfeite, flor, jardim, e tudo mais. Isso completa o Cinco S físico. E também foi passado, não tanto na Vale, mas, posteriormente, em outras empresas, e faltou... Foi interrompida a Gestão de Qualidade da Vale, mas muita coisa ficou. Então o Cinco S mental não foi passado. Tem o físico, mental, isso vale pra tudo, né? Por exemplo, o mental é o seguinte: tenha poucas coisas, só a verdade. Por isso que a base de tudo aí é a verdade. A verdade é a base da Qualidade Total. Até a Clarice Lispector fala que se a verdade fosse algo que eu pudesse compreender, terminaria sendo a verdade pequena do meu tamanho. Fala isso.
P/1 – É. Clarice Lispector.
R – E tem também do Ruy Barbosa, que o Antônio Carlos Magalhães tem falado, falou isso no senado aí, como se fosse um mérito dele, a verdade. Que Ruy Barbosa disse que três âncoras deixou Deus ao homem: o amor da pátria, o amor da liberdade, o amor da verdade. Cara nos é a pátria, liberdade mais cara, mas pátria e liberdade renunciamos pela verdade. Porque esse é o mais santo de todos os amores, os outros ainda ‘terrem’ no tempo. A verdade vem do céu e vai à eternidade. Ele estava muito inspirado, o Ruy Barbosa, quando disse isso, porque é a base da Gestão moderna hoje. A transparência, a verdade, que é a base. E tem o tripé, que é saber separar a causa e efeito. Saber gerar o PD certo, Plan do (Check Action?), que foi o ciclo Bening, né? E o outro é motivação humana. E o
Cinco S ajuda muito essa questão da motivação humana. E, então, o mental diz verdade, só verdade. Então a sua cabeça fica mais ordenada e você é uma pessoa limpa. Pessoa contrária, pessoa mentirosa…
(Interrupção)
R – E o outro senso, que é o último, é a disciplina. É óbvio o que se pode fazer pra melhorar: desenvolver a consciência. Eu tenho até uma palavra que chama (“assimdérise”?), que é o desenvolvimento da consciência. Isso também passou para as pessoas. Aqui na Paraibuna está assim. E isso vale pro corpo também, né? Tenha pouca coisa, como só o que interessa, fica com o corpo mais ordenado, saúde, você fica mais limpo, fica com mais saúde. E o que você pode fazer pra melhorar? Faz ginástica, faz um esporte e tudo. Isso vale pra tudo seu. Bom, e na Vale? Na Vale, então, esses conceitos foram passados. Não chegou ao fim, porque esse processo de Gestão de Qualidade praticamente parou quando Wilson Brumer saiu.
P/1 – Eles eram passados como?
De que maneira? Para quais pessoas?
R – Ah! Tem um ritual de passar planos pra cada um desses doze itens. Você começa lá com a mobilização, define crença, definindo código de ética e conduta para a Vale, que está lá, não sei se está lá até hoje, mas estava né? Isso passou com todas as empresas do Brasil, começou tudo na Vale. Definir a missão, para quê a Vale existe? Diz em uma palavra para quê a Vale existe, está definida a missão. Nós definimos a missão de todas as unidades da Vale lá no (Hotel Almeridian?) e tinha uma empresa que não conseguia definir a missão. Nós falamos: “Se não tem uma missão, tende a desaparecer”. Foi a Floresta Rio Doce, que hoje está sumindo, né? Não tinha missão. Pra quê que existe a Floresta? Ninguém sabia. Mas tem que saber a missão, e a missão tem que ser nobre. Se a missão não for nobre, também desaparece. Fábrica de cigarro e de arma, um dia vão desaparecer. Enquanto o cigarro fizer mal, tende a desaparecer, e arma faz mal de qualquer jeito, um dia desaparece também. Então já começa passando a limpo a empresa. Eu falei: “Fim da missão”. O código de ética e conduta define crenças, você extrai do código de ética e conduta aquela verdade que não vão mudar com o tempo. São os únicos padrões, talvez, que não mudam, não melhoram, só as crenças que já são a Deus, né? Eu trabalhei mesmo, foi definido com isso. O Brumer, as crenças da Vale, código de ética e conduta foi distribuído por toda por toda a Vale do Rio Doce, na mobilização. Estabeleceu-se um plano de Comunicação, plano de Treinamento Gerencial, aí tem o Cinco S.
P/1 – Mas tinha feito o quê? Um caderninho?
R – Tinha uma apostila grande.
P/1 – Que foi dada para cada empregado.
R – Para cada empregado, como começa os três, como implantar os três primeiros “ésses”. Como é que se prepara para o grande dia que teve na Vale inteira, que foi o Dia do Seiri, que se chamou o dia do cesto de utilização. Foram feitas várias áreas de Seiri, aquilo funciona como uma loja, tudo que você não...
P1 – Naquelas fotos que você trouxe, tinha essa?
R – Não. Mas você consegue isso na Vale, tenho certeza, fotos de áreas de Seiri repletas de material. No próprio escritório central ali, que é graças também a função da Luzia, que teve uma área de Seiri lá, onde todo mundo colocou material lá. Tem um ritual que o material que não pode ir pra área porque é muito grande, vai pelo menos a fotografia, os dados do material. Quem se interessar, tem um mapa lá, que você coloca o seu nome. Eu tô interessado nesse material que tá aqui na área pra enviar pra um lugar, para outro. Tem todo um ritual pra isso. Esse negócio é cientificamente instalado. Todos os dias, a gente começou isso, então “sensou”. Senso de utilização, ordenação, limpeza, depois passa pros outros dois “S” pra melhorar. Então teve um reflexo fantástico.
P/1 – Deixa só eu voltar um pouquinho atrás. Essa ordenação, por exemplo, a empresa toda, a área, já era um fluxo de informação, papel, materialmente falando. E aí tinha um programa de como conduzir isso? Como guardar? Como passar? O que jogar?
R – Tinha. Exatamente. O Cinco S tem um ritual pra cada coisa. Você vê também no Cinco S uma limpeza de papel. E cada dia, você disponibiliza... Cada mês, na Vale, era destinado a disponibilizar um tipo de material. Por exemplo, só papel. Teve um dia lá, no escritório central que o Wilson capitaneou, uma distribuição de papel, não sei se ele falou com vocês. Enormes, saíram toneladas de papel da Vale, até para desburocratizar. E tem o Cinco S eletrônico também, eliminar o supérfluo da memória do computador, o que ajudou muito a Vale, evitou de comprar equipamento. Disponibilização de equipamento, de material elétrico, de armário, móveis, tudo isso foi disponibilizado. Aí ficou pouca coisa, ficou fácil de ordenar, aí ficou fácil de limpar os escritórios, ficaram mais bonitos os locais, o trabalho ficou melhor. Os banheiros ficaram muito mais limpos. E ver o senso de asseio, de enfeitar e tudo, de quadros e tudo mais. E aquilo era acompanhado pelo gráfico de radar. Tinha um gráfico de radar, cada “S” representa... É um pentágono, né? Cada “S” numa ponta e, à medida que ia melhorando, aquilo ia expandindo. E tinha a auto-avaliação, a gente avaliava, tinha premiação ouro, prata e bronze pras áreas melhores. A gente checava, todo lugar que a gente ia, a gente entrava no mesmo banheiro, via como é que estava o banheiro, restaurante, refeitório, Itabira brilhou nisso. Refeitório de Itabira era uma sujeira em quase todo o lugar. Hoje já não se aceita mais isso. Você pode ir no Brasil inteiro, isso é a nossa pergunta, tudo limpinho e arrumado, né? E é checado. Eu li uma vez que nós fomos em Carajás, tava o professor (Miyauchi?), o Falconi, não sei se o (De Cashi?), não lembro do (De Cashi?), mas foram os gerentes. Era o Marconi nessa ocasião. Estava o gerente do almoxarifado, foi mostrar o almoxarifado, estava uma beleza, sabe? E nós levamos o (Miyauchi?) pra ver, né? Fomos lá no almoxarifado, ele olhou aquilo, mas impecável. Pouca gente, limpo, arrumado, uma limpeza assim de dar inveja. Aí o (Miyauchi?) ficou olhando, assim, pro teto lá e o gerente falando. E o (Miyauchi?) sem prestar atenção no gerente, olhando para um lado, olhando para o outro. Eu falei com o Falconi: “Falconi, esse japonesinho olhando aí, ele não vem mais aqui, não. Esse cara está esclerosado? Porque ele tá regiamente pago pra vir aqui e o gerente tá falando com ele e ele tá olhando pro teto aí! Ele não vem mais aqui, não.” Falei em português. Falou: “O que é isso, João? Esse é professor (Miyauchi?)” “(Miyauchi?) não me interessa. Ele não tá ouvindo o cara falar!” (risos) Aí: “Você quer me danar?” Ele falou: “Releva isso” “Tá bom. Deixa pra lá.” Aí, de tarde, está programado, logo no início do expediente, depois do almoço, uma palestra com (Miyauchi?), para Carajá inteiro, inclusive para mulheres e tal, os familiares, né? Aí esse gerente do almoxarifado não aguentou e perguntou: “Professor, deixa eu começar? Eu queria saber o que você achou do almoxarifado?” (risos) Acho que ele estava doido pra ter um elogio. Ele falou: “Ah! Pois é. Não tá muito bom o Cinco S não, né?” O tradutor traduzindo, o (Sachiro?), né? Falou: “Não tá bom por quê?” “Porque no pórtico de saída de minério, tinha pó em cima e tinha umas três lâmpadas no teto queimadas.” Então nós falamos: “Caramba!” E depois eu comecei a entender, eu viajei com o (Miyauchi?) pra tudo quanto é lado aí, até pro exterior, lá pra Califórnia Still, tal. E o (Miyauchi?) não estava entendendo porque levaram ele lá no almoxarifado, e estava tão bom e que ajuda ele poderia dar, ele ficou em pânico, porque tava tudo bom, né? E a Qualidade prega que notícia ruim é que é notícia boa neste caso, né? Se abre a temporada de caça para poder melhorar. Então não tinha problema e ele ficava em pânico, ele estava assim, sem saber como ele poderia ajudar ali, porque ele estava regiamente, como eu disse, pago pra ajudar e estava difícil. Então a cultura que a gente tem que pregar na Qualidade é essa: abrir a temporada de caça ao problema e não aprovar nada que não seja para resolver, eliminar causa de problema, e resolver com método, perder esse hábito. Eu sei que isso melhorou muito a Vale. Por exemplo, você ia lá em Itabira, na mina da Serra Geral, num banheiro, e ver o Cinco S, a prática do
Cinco S, ou a prática do PDCA, a rotina diária, depois de ser lá em Fazenda Brasileira, na Bahia, lá no subterrâneo da mina, é a mesma coisa. A homogeneidade de Gestão, uma coisa fantástica, né? Aí, um belo dia, o Wilson saiu, foi pra Vale do Rio Doce, foi a maior decepção pra mim. Porque ele tinha pego aquilo, né. Ele, quase comprometido, queria estar comprometido, mas o comprometimento demanda um estudo muito grande do assunto para entender a visão holística, como todos os planos estão interconectados. Isso aí, só estudando muito, e eu acho muito difícil um dirigente ter tempo pra estudar isso a ponto de se comprometer. Eu sou muito comprometido com ele, até hoje na minha função de diretor superintendente, jamais teria sido se não tivesse sido assessor e depois consultor mais tarde, e tivesse sido exposto a esse treinamento. Porque não ia ter tempo, eu vejo que aqui não ia ter tempo a estudar isso. Então, isso não era me comprometer, mas da turma que tinha, que dava apoio, pra mim, foi o executivo que mais deu apoio nesse Brasil em Gestão de Qualidade, sabe? E ele, então, passou isso pra Vale. Aquilo tinha a cara do Wilson Brumer. O CCQ foram criados, ele era fã dos Círculo de Controle de Qualidade, né? Que a gente separava a empresa em cinco funções. Tem que chamar o rei de Itabira, o conde de Carajás, era assim mesmo, o camarada que era, os meus colegas, o Wilson tinha lá em Comitê de Superintendência, todas as pessoas muito amigas. Era muito engraçado, porque tinha muita amizade e, ao mesmo tempo, cada um daqueles era um senhor poderoso de cada lugar daquele. Era o rei de Itabira, vice-conde de Carajás, vice...
P/1 – Chamava assim mesmo?
R – Não, não chamava, não. Eu que brincava, porque o cara tinha o poder total em cada unidade de um negócio desse, né? Então tinha muito poder e essa pessoa, com muito poder, quando tem muita amizade, junta, aí o pau quebrava. Era direto essas Reuniões de Comitê de Superintendentes.
P/2 – A Vale era uma empresa muito hierarquizada?
R – Na época do Wilson, ele tinha a diretoria; depois, ele ouvia muito o Comitê de superintendentes, né? Até engraçado, o pessoal falava, às vezes eu marcava um Treinamento de Qualidade: “Ah, não tenho tempo, não tenho isso, não tenho aquilo”. Então passou-se, né? Teve uns dias lá que, no programa de treinamento, tinha uma viagem marcada de vinte dias para cada superintendente ir ao Japão, porque a alta direção ia treinar no Japão. Então tinha que ir em períodos diferentes, mas tinha. Aí todo mundo teve vinte dias pra ir pro Japão. Aí eu fiquei muito danado, falei: “Olha, quando eu pedi agora uma hora de Qualidade, vocês falaram que não tem, eu não vou acreditar de jeito nenhum”. Então as cinco funções são essas, como eu estava falando. A primeira é de direção, que tem que olhar pra fora e pro futuro, pode chamar conde, rei, tudo. Daí que eu me derivei por essa ladeira aí, né? Perigoso, a gente pega uma ladeira dessa, embala, depois o caminho de volta é tortuoso, aí o fio da meada era esse mesmo. Tem as cinco funções: direção tem que olhar pra fora e pro futuro da empresa, o gerente atinge a meta, acessor tem que estudar muito. Eu, na minha época, eliminava todo o meu cargo de assessoria, achava que não deveria existir. Hoje eu pago esse pecado, as melhores pessoas tem que trabalhar na área e tem que ter o perfil pra assessor, né? E, depois, tem duas outras funções que é de supervisor e operador. Supervisor faz cumprir padrão e operador cumpre. Mas isso poderia robotizar muitas pessoas. Já pensou só ficar cumprindo padrão? Seria igualzinho naquele filme do Carlito, “Tempos Modernos”, né? Cumprindo padrão, desmotivadora. Por isso que no CCQ foram criados, que não só possibilita a pessoa ficar girando, o que a gente chama de SDCA, cumprindo padrão, “S” de Standard, e passar a fazer o giro do PDCA; planejar em vez de cumprir padrão. Então a criatividade dessas pessoas que passam ali, em um determinado local, aflorou. E se eles passam mais tempo ali do que o engenheiro, claro que eles tem que saber mais do que o engenheiro de determinados equipamentos. Então ideias fantásticas surgiram na Vale, de grupos de CCQ, algumas delas patenteadas. Isso aí resgatou muito a moral do supervisor e do operador. Você vê naqueles certames de CCQ o pessoal chorar de emoção, de estar podendo apresentar em solenidades, às vezes, lá no Hotel Glória, com muita gente, seiscentas pessoas, né? E nesse aspecto, o Wilson deu muita força.
P/1 – Eu não entendi direito. É, você podia voltar um pouquinho? Quer dizer, no desenvolvimento da criatividade. Porque se você tem metas para cumprir e você tem um padrão para agir, quer dizer, qual é o espaço para produção da criatividade, do desenvolvimento da criatividade? Eu não entendi direito.
R – É o seguinte, a gente sabe que se o supervisor no Sistema de Gestão da Qualidade... Nós pregávamos e pregamos até hoje. A função supervisor, para fazer cumprir padrão, e operador cumpre padrão, não tem que criar, tem que fazer cumprir o padrão ali. Agora, o que muda o padrão é a criatividade. Se você cria um novo Sistema, você tem um novo padrão. Então isso, precisão, não gera o “S”, DCA, que é o “S” de Standard, né? Estabelece um padrão, age de acordo com o padrão, verifica se está de acordo com o padrão e corrige, arruma, mas sempre em cima de um padrão. Isso é o que supervisor de operador faz. Mas isso robotiza, você tem que seguir o padrão. Agora, quando você gira o PDCA, você cria um novo padrão. E é tolhida essas duas funções, isso. Por isso que o CCQ veio para possibilitar que eles também criassem. São grupos de voluntariado, de voluntários que se unem, têm nomes, cada grupo tem um nomezinho, cada um batiza o grupo, dê o nome que quer, e essas pessoas, na área deles, criam novos procedimentos, novos equipamentos, novos sistemas, e apresentam isso em conjunto. Isso é fantástico, no Brasil tem muito disso agora. Isso eleva muito a moral. E a criatividade tem muito a ver com o Sistema de Gestão também, que é a base da Qualidade Total. Ou você usa o conhecimento. São três tipos de conhecimento: o geral, o conhecimento técnico e o gerencial. O técnico é pra eliminar causa de problema. Tem problema de saúde, vem um médico; de mecânica, pode ser de um torneiro, um soldador ou de um engenheiro. Conhecimento técnico, conhecimento de eliminar causa de problema. O geral vem de casa, a companhia ajuda, como a nossa aqui, com campanhas anti-tabagismo, direção defensiva, mas isso vem com a pessoa, vem no currículo da pessoa, vem no curso que ele fez. O gerencial não, o gerencial é o que ele estava passando ali. Isso vai pras pessoas e, de acordo com a empresa, de acordo com a maneira de gerenciar a empresa, ela toma duas vertentes; com base na hierarquia, na adrenalina, tem um chefe, tem a ordem. Tem ordem, tem chefe e tem culpa. Esse é um sistema antigo, né? O moderno de Gestão de Qualidade que o Wilson adotava, e nós também adotamos aqui na _________, não tem nem ordem, nem chefe, nem culpa. A ordem é substituindo procedimentos padrões. O chefe é substituído pela causa-efeito de responsabilidade e autoridade, todo mundo conhece, sempre trabalha em equipe. Tem causas. Às vezes, a causa é complicada. Quando o sujeito é mentiroso, por exemplo, ele tem uma causa complexa. A gente manda embora, não porque é culpado, mas ele tem uma patologia que é a causa dele falar mentira; fica caro pra empresa mudar essa patologia, então eles mandam embora, combinado antes. Por isso que aqui na Paraibuna de Metais, eu entrevistei todos que já estavam e todos os que entram, e passo esses conceitos pra eles, dou Código de Ética e Conduta, uniforme, tudo, que é igualzinho o meu, idêntico, por causa dessa coisas todas, desses conceitos aí. Então não tem culpa, nem chefe, nem nada. E o nosso Sistema de Gestão de Qualidade é na base de motivação, porque o conhecimento inovador só vem se o ambiente for alegre, motivado e tudo mais. Você sabe disso, né? Empresas que trabalham com motivação, aquele pessoal do Vale do Silício, trabalha com equipe alegre. Não tem esse negócio de horário, acabamos com relógio, ponto, aqui na Paraibuna de Metais. Não bate ponto pra ir numa pelada de futebol, nunca vi na várzea eu chegar e bater ponto pra entrar numa pelada de futebol. E lá ele não ganha um centavo, pô. Então, quando se entende de Qualidade, você vê que você trás a mesma motivação que a pessoa leva para um campo de futebol, está trabalhando na empresa que ainda remunera ele. Ele ganha o bicho, né? No futebol de várzea, nem o bicho você ganha. Então, por pressuposto, ele deveria correr muito mais aqui do que na várzea. Então já tiramos relógio de ponto aqui na Paraibuna. Quer dizer, é peça de museu, tirei ela e dei pro Carcará, o operador: “Toma pra você!” Isso eu vi, percebi lá na Imperatriz do Maranhão, na (Céu-mar?), Imperatriz do Maranhão. O pessoal meio lento; eles falam que o pessoal lá do Norte é preguiçoso. É nada. É desmotivado. Porque tinha um dia ensolarado, acabamos de almoçar, aquele sono, aquele negócio, e eu olhei do outro lado da rua, onde a (Céu-mar?) está instalada, tinha um campo de futebol. O pessoal estava correndo lá no sol que nem calango aguenta, dando “carrinho”, levantando poeira, então cadê a preguiça? Não tinha preguiça,
não tinha desmotivação. Volta pra dentro da fábrica com aquele andar, moleza. Eu peguei, estava voltando do avião, lendo um livro do (Conder?), ele estava exatamente falando, fazendo um paralelismo entre o GQT, Sistema de Gestão dessa forma motivacional e visaria o esporte. Por que a pessoa pode correr dentro de um esporte e não pode correr dentro da empresa? Se entender isso, eliminar as causas disso, você tem uma equipe que ninguém segura, ninguém segura uma equipe motivada. Isso, como um dos tripés da Gestão da Qualidade Total. Mas aqui em Paraibuna, o candidato é esqueleto, também era estrada, pré-falimentar. O que mudou agora em Paraibuna? A motivação humana, vontade, o pessoal dar a vida por uma empresa.
P/2 – Por que, em termos de implantação da Qualidade, Queiroga, existe uma hierarquia de implantação? Quer dizer, comentou do número um, que é o executivo máximo da empresa. Isso vai migrando de cima pra baixo? Como que é essa colocação até chegar ao operador, digamos, ou um nível mais baixo da empresa? Essa... Mudando o grau hierárquico da empresa, dificulta esse processo? Os graus de...
R – Às vezes ocorrem coisas assim, né? No caso da Vale, tinha uma área de minério de ferro e o Mozart tinha levado pra lá já a ISO 9002, né? E a ISO estava sendo confundida com Gestão de Qualidade Total, não é. A ISO pega dois pontos da qualidade e pega o Plano de Garantia da Qualidade, fazer Qualidade de Conformidade, e pega também a Padronização. Aqui também, em Paraibuna, fizemos isso para garantir a Qualidade. Para a Padronização, nós pegamos a ISO, somos certificados aí. E estava em processo de certificação da Vale quando entrou o Sistema de Gestão. Então aquilo foi confundido, houve muita reação, foi muito difícil de implantar a Gestão de Qualidade na área de minério de ferro, por um lado. Mas por outro, a ISO ajudava também. Quando terminou a certificação da ISO, foi mais fácil. Mas é preciso ter o comprometimento do número um. Então vem de cima pra baixo, vem a questão da mobilização, definição de missão, de visão. É importante definir a visão da empresa, definimos a visão, estabeleceu o Código de Ética e Conduta. Isso tudo vem de um período de mobilização da empresa toda. E depois, tem o Gerenciamento do Melhoramento da Rotina Diária, estabelecer procedimentos padrões com todas as unidades: Padrão POP, Padrão de Operacional Padrão; Padrão Técnico de Processo; Padrão de Sistemas. A gente começa a implantar em tudo que é lugar. O Cinco S, o crescimento do ser humano baseado em Maslo, como é que a gente atende dos empregados a necessidades fisiológicas, de segurança, de sociais, auto-estima e auto-realização. Tudo isso tem um plano e o plano é detalhado, vai ao detalhe. Pra você ter uma ideia, na parede ali...
P/1 – Aqueles gráficos aqui.
R - ...tem aqueles gráficos, ali. Ali, ainda é de forma sucinta, porque aquilo ali é aberto em subplanos e subplanos.
P1 – Dá pra pegar uma imagem depois, quando a gente for embora?
R – Só que não dá pra pregar na parede todas essas coisas. Só que tem uma coisa: quando a gente estabelece visão de futuro e método de sobrevivência, todos os esforços são direcionados para um objetivo comum. Que é a visão? Nada mais é do que estabelecer um objetivo comum. Na Vale, nós passamos quase todos... Na época, as pessoas da Vale, empregados da Vale sabiam, conheceram aquele filme “The Power of the Vision”, não sei se vocês já viram. Aquilo ali, a Vale começou a difundir aquilo, acabou o Brasil todo vendo esse filmezinho. Ele mostra o poder da visão, que ela tem que ser iniciada pela liderança, compartilhada por todos, ser abrangente, detalhada. Isso nós passamos, o final. Tem um porta andando na praia e vê um rapaz jogando uma estrela no mar, chega perto dele e pergunta: “Mas o que você tá fazendo aí?” “Ah, eu tô salvando uma estrela.” Ele fala: “Mas tem milhões de estrelas. Não adianta nada você estar jogando essa estrela no mar.” Ele fala: “Não, mas não vai fazer diferença alguma.” Ele pega uma estrela, joga e vira pro poeta e fala assim: “Olha, pra essa aqui, fez diferença.” Então esse filme é passado e mostra a importância da visão. Mostra na Grécia, mostra em (Auschwitz?), mostra nas empresas para direcionar a vontade individual e coletiva para alcançar o objetivo. Aí, isso acontecendo, ninguém segura. Basta a Qualidade e a motivação. Puxar todo mundo pra um objetivo. Isso aí... Infelizmente o Wilson saiu e entrou o (Schettino?) no lugar. O (Schettino?) foi a pessoa que me convidou pra assistir a primeira palestra do Falconi quando ele era presidente da Mineração Rio do Norte. E eu fiquei totalmente vidrado com a Qualidade Total, foi o (Schettino?) que me deu essa chance, apesar dele ter trazido isso para a Mineração Rio do Norte, tudo, e aí, de certa forma, pra Vale, porque ele alertou para isso, passou por isso. Quando ele entrou no lugar do Wilson Brumer, quando o Wilson saiu, ele não deu a mesma importância à Qualidade. Aí foi quando eu pedi pra sair. Desusei o PVV.
P/1 – Quantos anos você tinha de Vale?
R – Tinha uns 28, trinta, sei lá. Entrei em 1968, saí em 1992, acho. Noventa e quatro.
P/2 – O ano em que (Schettino?) assumiu mesmo?
R – Foi no ano. Eu vi que não ia pra frente aquele negócio. Depois, aí que o (Schettino?) saiu, aí que não foi mesmo pra frente. Alguns lugares ainda tem, né? Você vê que Itabira é muito limpinho, é muito arrumado. Pelotização tá muito suja, eu visitei outro dia lá, aquela sujeira que, pra mim, não tem mais cor. Antigamente, tinha cor o equipamento, o corrimão era amarelo; as tubulações de água, verdes; os de ar comprimido, azuis. Era limpinho, se tivesse algum vazamento na correia, você via na mesma hora, hoje está tudo marrom, sujo, feio, sem alma.
P/1 – Você, aí, então...
R – Pedi pra sair. Aí o Falconi estava sempre dizendo: “Ah, vamos para lá, vamos mexer com consultoria”. Aí, nessa, eu fui mexer com consultoria. Aí, pessoalmente, remunerava muitas vezes melhor do que na Vale, eu sabia disso, mas eu estava doido pra implantar na Vale esse negócio. É que era o projeto da minha vida, eu sofri muito com isso, viu? Quando o Wilson saiu da Vale, que vi que com o Wilson ia mesmo pra frente aquele negócio e via também que (Schettino?) não ia levar pra frente por falta de comprometimento, de filosofia dele. Cada um tem a maneira de gerenciar, né? Eu falei: “Eu vou ajudar melhor sendo consultor de empresa”. Aí eu fui ser consultor. No início, dei muita palestra. Falconi me indicava, porque ele não dava conta de dar as palestras dele, também de gato. Então fiz palestra de Metrô de São Paulo, palestra nessas Tele todas que tinha antigamente, era o sistema Telebrás, das Eletrobras, do Irbe, caramba, quantidade enorme de empresas que eu fui e dei palestras e tudo.
P/1 – Mas você tinha alguma empresa de consultoria, não?
R – Não, não, não. Era Fundação Cristiano Antônio.
P/1 - Era pessoa física.
R - Fundação Cristiano Antônio.
P/1 – Ah! Pela fundação. Tá.
R – É. Da universidade Federal de Minas Gerais. E isso me obrigou a estudar muito, né? E trabalhei com isso durante muito tempo, como consultor, em inúmeras empresas. Muitas da própria Vale e outras fora da Vale: Lojas Americanas, Ponto Frio, Asberi, Termolite, Globo Sat, por aí a fora. Empresas diversificadas e várias áreas aí, serviço público. Na própria Vale tinha a Vale Sul, a Minas da Serra Geral, (Céu-mar?), enfim.
P/2 – Mas algumas e outras empresas da Vale já não era novidade.
R – Eu tinha umas cem empresas. Eu trabalhava todo o dia. Uma demanda enorme de consultoria. E foi um período muito cansativo, quer dizer, muito motivador, e, ao mesmo tempo, muito desgastante fisicamente, porque é pesado esse negócio da consultoria. Te obriga a estudar muito, a estar apresentando, chegar junto com o pessoal como consultor. Eu pegava junto com eles pra treinar no under job training, né? Porque a parte de educação é esquecida em 72 horas. O recall é de 72 horas, o pessoal que mexe com propaganda sabe disso. Por isso que a propaganda tem que ser constante, que é pra botar no subcortical, pra pessoa acabar fazendo. Como a empresa não tem dinheiro, ela tem que dar educação e sair com um treinamento logo em seguida, porque senão ela perde esse dinheiro gasto na educação, que é o tal do under job training. Então é isso que a gente dá na consultoria aí pelo Brasil. E acabou que teve uma época que eu dei muita consultoria pra (Céu-mar?) e pro grupo Paranapanema. Foi nisso que eu voltei a ser executivo de novo aqui da Paraibuna de Metais. Eu falei: “Olha, se a Qualidade Total não der certo em Paraibuna, pode rasgar esses livros todos, porque pode ter alguém tão comprometido com o método quanto eu, mas mais comprometido do que eu, não tem, não.” Pode ter gente que sabe mais, tudo isso, mas...
P/1 – Mas o convite pra Paraibuna veio exatamente em função disso?
R – Eu estava aqui trabalhando muitos dias por mês na Paraibuna, no grupo Paranapanema, com o Denis. E então surgiu a vaga do...
P/1 – Paraibuna.
R – ...diretor superintendente. Eu falei com o Denis: “Me deixa pegar isso aí que eu vou mostrar que Qualidade Total funciona mesmo”. Realmente isso aqui era esqueleto na beira da estrada, né? Considerando Paraibuna como sistema, como tudo é, tem gente, tem Rio Noroer, tem o hardware, que são os equipamentos, e tem os procedimentos, que são os softwares dela aqui, né? Os equipamentos, nós estávamos numa situação terrível: os cabos todos canibalizados, bandejamento, tirava cabo do lugar pra por no outro. Já que o dono sabia que ia vender, já não ia comprar mais nada, era parte elétrica. As colunas de sustentação de alguns transportadores estavam penduradas. Em vez de estarem sustentando, estavam penduradas, corroídas de ácido em baixo. Uma célula de diretório tinha caído no chão, várias outras; as lajes escoradas com eucalipto; a sujeira total; uma desmotivação. Então, nessa parte de hardware, foi gasto muito dinheiro só para passivos ambientais, potenciais horríveis de poder acontecer a tragédia que aconteceu aqui no passado, antes do grupo assumir de poluir aí o rio, matar peixe pra todo o lado, serpentina que ia romper e tudo. Gastamos catorze milhões de dólares só para eliminar problema de potencial de poluição aqui nessa empresa. Investimos 65 milhões de dólares para ter energia. A gente sabia que, sendo nós como eletro-intensivos, podiam ter problemas com energia. Investimos 65 milhões aí, três anos atrás. Então esse foi o esforço no hardware. Como a gente não pode atuar no software, não podemos comprar procedimentos de produzir, nós damos educação e treinamento para as pessoas. E pra dar educação e treinamento, a pessoa precisa, primeiro, ter um treinamento efetivo, eficiente, eficaz, para eliminar causa de problema. E as pessoas que absorvem esse treinamento serão motivadas se esse treinamento for efetivo para eliminar a causa de problema. E tem que estar motivado, senão ela bloqueia. Isso foi feito. Investimos muito em educação e treinamento, principalmente em GQT e Gestão, definindo o perfil das pessoas de uma firma especializada, ver se a pessoa tinha auto-dominância, auto-influência, auto-estabilidade, alta conformidade. De acordo com o perfil, a pessoa vai ser especialista ou vai ser gerente. Trocar essas duas funções é um erro fatal que é cometido, e foi muitas vezes, na Vale. Tem pessoal que tem temperamento para ser cientista, não adianta botar ele pra gerente, que ele vai ser um péssimo gerente, como...
P/1 – Vice-versa.
R – ... e vice-versa. Um excelente gerente pode ser um péssimo cientista, né? Então, com isso, nós definimos o perfil, a motivação, educamos e imediatamente demos treinamento. E o retorno foi aí de trinta, quarenta mil por cento, medido, enquanto que lá na hidrelétrica, foi da ordem de quinze por cento de taxa de retorno. Porque é assim que é, vinte por cento quando se investe em um e hardware. Então é por isso que a gente dá ênfase na coisa mais importante que tem, o ativo mais importante, que é gente. Gente é interessante, com gente é diferente, como diz numa disparada, né? Porque o gado, a gente tange ferro, engorda e mata, mas com gente é diferente. E é gente que conduz, viu? Então nós temos uma equipe extremamente motivada. Estamos aí, candidatos na Izânia, na melhor empresa pra trabalhar. Medida em reconhecimento na sociedade como uma empresa de excelência para trabalhar. Medida como uma empresa cidadã pelo Instituto de Pesquisa, né? Isso tudo por quê? Porque as pessoas são assim. Então o raio do Hélio foi desse jeito. Também havia uma desmotivação enorme. Você imagina um grupo de pessoas sabendo que isso aqui ia ser...
P/1 - Ia terminar.
R - ...ia terminar, né? Como é que estava a moral das pessoas? Na hora que começamos a reerguer a empresa de novo, as pessoas gostam do lugar que trabalham, né? Mais do que a gente pensa, muitas vezes. A pessoa tem amor à camisa da operadora. Então eles pegaram aquilo pra valer, pegaram mesmo. Festa que não ia ninguém, hoje enche. O pessoal adora Paraibuna. Exatamente quando ia fechar Paraibuna por questão ambiental, juntou mais gente aqui, nós temos 450 empregados. Tinha mais de seiscentas pessoas. Deram um abraço a Paraibuna, gritando palavras de ordem em baixo, né? Tem um grau de motivação fantástico, o pessoal. Assim que é passivo trabalhista acabado e também os ambientais. E hoje a empresa é a primeira do mundo em menor custo de transformação pela (Bruck Hand?).
P/1 – É mesmo?
R – Eu estou cumprindo a visão de futuro. Quatro anos atrás, a melhor metalurgia do zinco e reconhecida como tal. O que é a melhor metalurgia do zinco? Nós estabelecemos. Ser a melhor na (Bruck Hand?), que é o mais severo e rigoroso instrumento de aferição disto do mundo, Londres. Sou o primeiro hoje. Ano passado, esse ano, talvez sejamos bicampeões. Melhor, menor custo de transformação do mundo. Reconhecida como tal é a PNQ 2002 da visão. A gente esperava tirar esse ano. Nós ficamos com aí com uns 450 pontos, pertinho. E o ano que vem, nós vamos ganhar, tenho certeza. Já estamos com a visão 2008 sendo elaborada.
P/1 – Márcio, pensando um pouco nesses princípios de Qualidade e trabalhando tanto com isso, quer dizer, é uma pergunta mais de cunho pessoal. Em que medida você também acaba se transformando enquanto ser humano, acaba trazendo isso como princípios pessoais pra vida, relação familiar?
R – Quando você começa a mexer com Cinco S, você muda muito, porque você começa a dar muita atenção à questão da verdade. E se você só praticar a verdade, que não é fácil, não é fácil mesmo, a sua vida muda muito pra melhor. Você tem um compromisso muito grande com a verdade. Em todo o momento, franqueza. Não é fácil, não. Os problemas ambientais aqui, nós colocamos ponto pra fora todos os encobertos que tinham. A companhia está assim, assim, assim, assado, vamos resolver. Pena um pouco no início? Claro, mas depois tem o benefício imediato na volta, né? Hoje é uma empresa de credibilidade total por causa disso, transparência. Sindicato. O que a gente prega no sindicato? Nós queremos todo mundo politizado e sindicalizado. Quanto mais politizado e sindicalizado, melhor. Quanto mais inconformado, melhor. Te prego o inconformismo aqui dentro. O sindicato senta nessa mesa aqui de negociação, senta junto com a gente pra resolver as coisas. Quer coisa melhor do que isso? Se todo mundo estiver politizado, estiver votando, escolhendo bem os representantes, quer coisa melhor do que ter uma representatividade legal de seus empregados? Você sentar com eles na mesa? Isso faz parte da verdade, não é? Então fica tudo mais fácil agora, nessa parada, nessa crise de energia aí. Contornamos a crise, pô. Com todas as cinco partes interessadas. Qualidades Símeis também, são cinco partes interessadas. Então, pra não fugir disso, eu pego as ladeiras dessa, é difícil de retornar. Então, pessoalmente, essa questão da verdade, pra mim, é fundamental. Ter compromisso com a verdade. Isso aí muda as pessoas. E o Cinco S mudou até o biótipo médio da nossa empresa. Tinha uma quantidade de gente gorda, com a camisa pra fora da calça. Hoje não é assim. Tão toda desmantelada: quanto mais sujo, mais trabalhador; acabou esse negócio. Você tem que entrar na usina até de terno se quiser, tem que estar tudo limpinho, as pessoas, também, né? Antigamente, quanto mais sujo, mais trabalhador. Que palhaçada é essa? Que bobagem. Hoje você vai no refeitório, está todo mundo, né? Muitos gerentes ali pesavam 110, 120, 130 quilos. Hoje estão aí jogando futebol, correndo. A vida deles, a qualidade de vida melhorou. A quantidade de gente que deixou de fumar, tinha mais de setenta por cento de fumantes. Hoje tem uns cinco por cento, talvez, de fumantes aqui dentro. Campanhas de tabagismo, sem proibir nada, né?
P/1 – Alcoolismo tinha também?
R – Tem aqui campanha anti-alcoolismo, direção defensiva, a prática alimentar, aula de etiqueta, tudo tem aqui. Porque essa companhia é um pouco doida, mas tem tudo isso.
P/2 – Tem aula de etiqueta?
R – Tem.
P/1 – O que é dado nessa aula de etiqueta?
R – É como comer, os talheres, como é que usa, os copos, como é que usa na mesa, evitar de cumprimentar na mesa, coisa básicas, assim, não é frescura não. A pessoa fica mais confiante em se empregar, nós mesmos, né? Todo mundo aprende, é isso. Tem uma especialista aí...
(Interrupção)
R – ...tem umas coisas, essa aula de etiqueta costuma ser muito engraçada.
P/2 – Pausa.
P/1 – Vamos dar uma pausa?
R – Mas costuma ser gozada essa aula de etiqueta.
P/1 – Mas em relação a educação com os filhos, família. Gravando...
P/3 – Ok. Gravando.
R – Em Paraibuna, eu vim do grupo Paranapanema, como consultor. Vim com o Denis, que era o meu amigo lá da Vale do Rio Doce e da Mineração Rio do Norte também. Conhecia o Denis de longa data. Até saiu na gazeta: “Poxa, o Denis, criticado, colocou amigo aqui dentro.” Vieram falar comigo: “Você é amigo do Denis?” Eu falei: “Há mais de trinta anos. Qual é o problema?” Lembrei do Tancredo Neves quando o Sarney era da Arena, na primeira vez que estava havendo abertura política e teve o discurso do Tancredo Neves no senado. O Sarney, que era da Arena, botou o dedo pra cima, isso televisionado, do Tancredo: “O senhor é um político profissional.” O Tancredo virou pra ele com uma cara de sonso, falou: “Há mais de 50 anos.” (risos) E foi o que eu disse também: “Eu vim pra cá porque eu sou amigo dele, pô. Ele tem confiança em mim. Qual é o problema? Tem algo de errado? Vai botar um inimigo? É
isso?” E então eu vim, né? E a primeira coisa que eu falei com _________, foi: “_________, eu quero conhecer a empresa.” Conhecer, pra mim, é conversar com os operários, conversar com as pessoas e tudo, ver como é que estão as coisas. Aí viajei. Paranapanema. Fui lá pra Pitinga, lá para o Norte do Amazonas. Fui e visitei as instalações da antiga Paranapanema, que agora chama Mamoré São Paulo. E, lá em Pitinga, uma coisa monstruosa, enorme escritório e muito pouco aluvião de cassiterita, da matéria-prima do estanho. E enormes as instalações, caramba, né? Também, ao contrário, quando chegando em São Paulo, vi aquelas pequenas metalúrgicas. Acostumado com o gigantismo da Vale do Rio Doce, falei: “Que é isso? Isso é uma oficina! Que é esse negócio aí, pô?” Vim aqui na Paraibuna, estava desmantelada, falei pra você, escorada de eucalipto, essa coisa toda, canibalizada e tudo muito ruim, o moral baixo de todo mundo. Fizemos uma avaliação tipo PNQ, eu era avaliador de PNQ. Tiramos 186 pontos em mil de excelência. Depois fomos lá na Eluma. A Eluma, então, terrível, né? Tudo meio sucateado, uma bagunça, uma sujeira. E, mais ou menos, estava a Caraíba de Metais, estava equilibrando. Até porque ela tinha o Sistema de Gestão de Qualidade Total lá, levado pelo Normélio, anteriormente. Então tinha três empresas que eram uma catástrofe. Falei com ________: “Olha, passaram a manta no fundo de pensão. Os fundos compraram mico preto. Minha avaliação é essa, mas já compraram, pô. Fiquei como gestor, tenho que ir em frente. Então vamos tocar pra frente.” E assim foi feito, né? Pegamos esse negócio pra valer mesmo. Eu, consultor, botando Qualidade direto aí, até que saiu, por razões aqui que não cabe explicar. Saiu daqui o Celaro, que estava ocupando esse meu cargo, e eu ocupei o cargo dele aqui. E então começamos a implantar o Sistema de Gestão. Primeira coisa que nós fizemos foi mobilizar pra implantar. Pra quê a Paraibuna existe? Qual é a nossa visão de futuro? Vamos definir as nossas crenças, nosso Código de Ética e Conduta, que um dia vão virar valores. A diferença entre valores e o Código de Ética e Conduta, é que
o Código de Ética e Conduta é apenas um ‘bookzinho’, um papel impresso. Quando aquilo é praticado, passa a ter valor, enfim, os valores da empresa. Hoje são valores, você pode perguntar pra qualquer um aqui. Sai daqui e pergunta, escolhe um aí na fábrica, pergunta o que é missão, qual é a missão. Eles vão falar: “Vida melhor através dos _______”. A vida é melhor para quem? Eles vão falar para as pessoas? Pode perguntar, faz esse teste. Pergunta quem são as pessoas, eles vão falar: “Clientes, empregados, acionistas, vizinhos.” Pode ir mais longe, porque eles vão ser mais satisfeitos, vai perguntando. Pergunta qual é a visão, pergunta das crenças, eles vão saber. Então isso foi feito, a primeira coisa. Depois estabelecemos um Plano de Comunicação com acionista, Comunicação com empregado, Comunicação com a comunidade e Comunicação com o cliente. Cliente, empregado, acionista, cada uma das partes, né? Como é que a gente comunica também com as pessoas e com os fornecedores, aí completam as cinco partes interessadas. Pessoas são quatro, e as partes interessadas, Plano de Comunicação. E é plano pra valer, né? Com os empregados, eu tenho um café da manhã. Cada mês com uma turma. Está repetindo a turma, né? Nesse café da manhã, o que eu digo é o seguinte: “Olha, não aceitamos qualquer tipo de elogio. O que a gente quer saber é o que está ruim e o que está bom.” Vai embora, massageia o ego. Vai demorar, né? Vai ficar perdendo tempo com esse negócio aqui. O que está ruim? Se eu estivesse sentado aqui na cadeira, vocês iam lutar pra que fosse feito. Então isso é muito rico, que tem muita coisa pra melhorar. E a gente melhora, reponde, tudo isso é feito dentro de um ritual do GQT. Tem um método pra fazer isso. Então tem comunicação, é assim, né? Então tem comunicação, como a comunidade faz aqui na porta. Um café da manhã, convida todo mundo, vem prefeito. Cada ano, são duas vezes por ano. Cada semestre está mais concorrido, sabe? Os outros anseios, a mesma coisa, né? Os anseios da sociedade vêm pra cá, a gente vê o que a gente pode atender, combina estratégia, tudo mais. Com o cliente também, a gente trás os clientes aqui, promove a vinda dos clientes, junta eles aqui, promove almoço, a gente fica sabendo das coisas, formamos parcerias. E com o acionista no dia-a-dia, nas reuniões, né? Então esse é o Plano de Comunicação. Depois tem o Conhecimento Gerencial. Olha, lembra que eu não estou nem falando do Geral e nem do Técnico. Conhecimento Gerencial, a gente passa pra cada público alvo. Então o supervisor e o operador, o que eles recebem: mais treinamento e Procedimento Operacional, Padrão Técnico de Processo, folha de... né? Lição, essas coisas também, eles recebem. Os padrões ideológicos, também, eles recebem treinamento disso. Depois, para gerente, como gira o PDCA, como é que implanta um Procedimento Padrão, a missão dessa unidade, como é que ele leva isso. Toda a parte gerencial de Cinco S, conceitos de GQT passados para o gerente. E a alta direção também, que também participa do Planejamento Estratégico, que tá aí dentro também. Então é desse jeito que a gente envolve esses públicos aí no Sistema de Gestão, né? Esse é o treinamento, no que concerne o Treinamento Gerencial, que é o terceiro Plano. Ainda tenho que falar de mais oito, que são doze. O outro é o Gerenciamento e Melhoramento da Rotina Diária. Estabelecer cada um, cada gerência, quais são os produtos que ele utiliza, quais são os fornecedores dele, qual é missão dele, quais são os produtos que ele gera e quais são os clientes internos dele. O cliente interno também é o rei, né? Isso chama Folha de Negócio, todo mundo tem isso. Todo mundo aprende a gerar PDCA, estabelecer padrão e manter padrão, essa que é a rotina diária. Melhorar padrão, a trilogia de Juran. Depois tem o Cinco S, que eu já falei. São treinados no Cinco S. Depois, tem o Crescimento do Ser Humano, Gerenciamento do Crescimento do Ser Humano, baseado em Maslo. Aí dentro estão os programas participativos. Tem também o Plano de Sugestões, ex-CCQ, aí dentro do Crescimento do Ser Humano. Depois vem a Padronização, que é outro plano. E cada um desses planos tem gente, um comitê que estuda com o coordenador, com os facilitadores que estudam e tem a linha que implanta. É linha sempre que implanta, sempre é um comitê. Ou de primeiro nível, que sou eu, ou de segundo, que é um dos membros do colegiado, mas eu também participo. Tem que ser uma turma que implanta, uma turma que estuda. Quem estuda não tem tempo de implantar e quem implanta não tem tempo de estudar, né? E o perfil também é diferente. O implantador tem que ter mais entusiasmo. O outro tem que ser mais frio, mais calculista, gostar mais de ficar sentado, estudando. Então não pode misturar essas duas coisas. Também tem uma filosofia em cada um desses planos. Para quê você está implantando? Por exemplo, a Padronização, a gente implanta a Padronização para ter pouco padrão, em benefício de todos. A gente não dá conta disso, né? Às vezes a gente fala assim, a pessoa não compreende, mas imagina se só tivesse uma língua no mundo. Um padrão de língua. Seria mais fácil. Imagine se, por exemplo, cada tomada tivesse um plug diferente, seria um inferno. A Padronização existe para diminuir o número. A gente padroniza pra ter poucos procedimentos, para facilitar. E as empresas não entendem isso, às vezes. Então é preciso definir, ser definida essa política. Nesses doze planos tem política, tem gente e tem o plano. Cinco “W” e dois “H”. Quê, quem, quando, onde, como vai fazer. Então os policitados, os empregados por aí a fora, né? Então eu falei da Padronização, da Rotina Diária, do Cinco S, da Padronização, da Garantia da Qualidade, que é muito em cima de ISO 9000. Tem, além disso, a Gestão Ambiental, que é ISO 14001, cobre perfeitamente. Tem o Diagnóstico do Presidente, de todo o mundo, que faz chama a isso, né? Os gerentes gerais fazem e eu faço também. Todo o mês eu vou na área, chama o Diagnóstico do Presidente, vou a nossa visita, chega lá tipo gaivota, que faz um barulho danado, surge os de baixo e volta, né? Não é isso. É esquematizado, de manhã a gente vem pra cá, checa esses padrões ideológicos, Procedimentos Padrões, como que os SDCA’s, o relatórios de anomalia, estão sendo gerenciados, como os PDCA’s estão sendo rodados, como é que está toda essa parte de Gestão, a gente checa. Vai pra área, checa banheiro, entra lá dentro do banheiro, vê os Procedimentos Padrões, vê se é útil, vê se a disponibilização está legal para o operador, se ele está entendendo, como que é o diagnóstico do operador, se ele toma lição do operador, se aquele padrão é o último mesmo, se não tem ponto de papel que não tá dentro do Sistema de Padronização do nosso todo informatizado. A gente checa tudo isso. Depois a gente vai pro restaurante. Pode beber a vontade. Pinga, tudo, vale tudo, pode encher a cara. Só não vale fugir do Código de Ética e Conduta, mesmo bêbado. E a pessoa… Ninguém exagera na bebida não, fica todo mundo alegre, aí solta mesmo a língua, né? E é usado em benefício deles esse entusiasmo. Eles ficam, todos eles, com mais confiança. E cada vez mais as portas são abertas aí, direto, né? O pessoal fala assim: “Ó, pergunta pra secretária que pode empatar. Vai ver que tem alguém aí me entrevistando. Às vezes tá aí o pessoal da história da Vale que tá...” (risos) Fora isso, aberta a porta ali. Então chama Diagnóstico do Presidente, que é um dos maiores planos. O outro é Certificação e Prêmio, que não é bem um plano, mas é uma verificação de como é que a gente está. É a certificação ISO, já somos certificados. E também agora, na visão 2002, falta a gente pegar o PNQ, né? Fundação Prêmio Nacional da Qualidade, que é o maior cumbal dos brasileiros. Então é assim que implanta o GQT. Nós já estamos terminando a implantação e vai cair num grande SDCA, um grande Sistema Padronizado de Gestão. Se você olhar ali nos quadros dos planos todos, você vai ver que tem a maior parte concluída já. A maior parte dos planos já foram terminados e têm que ser absorvidos num padrão de sistema, um padrão grande, já tá aí. Dentro desse padrão, tem no longo prazo, esse SDCA... Dentro desse grande SDCA tem PDCA’s, inúmeros PDCA’s. Um deles, o Planejamento Estratégico, tem o longo prazo, tem o Tático; tem no médio prazo, tem o Tático, que é operacional mesmo, né? Tem o orçamento, cumprir, tudo mais. Tudo dentro de uma Gestão de Melhoramento da Rotina Diária já padronizada. Esse é o estágio que nós estamos aqui, terminando a fase de implantação e caindo dentro de um grande SDCA. Lembra que eu falei que o SDCA, quem usa o SDCA é supervisor de operador? E supervisor, está acabando essa função, vão ficar só quatro, porque não tem que ninguém fazer padrão. Quando a conscientização é grande, não precisa ficar ninguém ficar mandando. Então eles tão virando (staff?) e tá todo mundo virando operador. Inclusive eu, né, que virei um operador de Sistema de Gestão. Este, quando tiver acontecido, nós estamos com o GQT implantado, tá faltando pouquinho. Aí eu já tô com a missão cumprida aqui. Se quiserem que eu fique mais um tempo aqui, gosto muito, fico. Se quiser me tirar, pode me tirar que não vai me fazer a menor falta. Tenho já um Sistema funcionando aqui com gente pra tocar, motivada, com perfil definido, sem problema. É isto. (risos)
P/1 – Me fala agora um pouco da relação da Paranapanema com a comunidade.
R – Ah! Pois é. Este aí, tudo isso a gente mede. Eu falei que tem um Sistema de Informação, não tem? Então, informação com quem? Com o cliente que faz aquela festa, com os acionistas, porque a gente tem reuniões com os acionistas quatro vezes por ano. E tem reuniões com a comunidade e tem com os empregados. Nós definimos isso através de institutos próprios. Tem um que desligou-se da Vox-populi, como é que ele chama? O Guilhermino falou ali fora, eu esqueci.
P/1 – Ah, O Instituto de Pesquisa, é um nome americano. Separou da Vox-populi e é uma outra empresa de pesquisa, é um nome americano.
R – É, até que ele faz pesquisa no Brasil.
P/2 – Eu não lembro o nome.
R – Faz pesquisa para a Veja. E é um instituto muito sério. A gente procura sempre o melhor que puder, né? E ele fez uma pesquisa de opinião aí na cidade. Tá disponível pra vocês. A gente não participa. E nós temos resultados fantásticos aí
de aceitação, de conhecimento. Mais do que a Mercedes aqui dentro. Mais conhecidos até, né? Mas não tô falando só de conhecimento, não. É de reconhecimento. Conhecidos e reconhecidos como empresa cidadã. Tanto que, olha, eu não sou nada. Agora, como eu, pessoalmente, mas como diretor superintendente da Paraibuna, eu sou cidadão no horário de Juiz de Fora, presidente da UBQ Regional, sou presidente da Agência de Desenvolvimento de Juiz de Fora, Região e Campo da Vertentes. E volta e meia a gente é agraciado aí com um monte de títulos de tudo quanto é coisa da cidade. A cidade é muito reconhecida com a gente, tem uma atuação muito grande aqui no Distrito de Virginha. No esporte, música, teatro, Projeto Catarata, trabalho voluntariado, estudo. Nós temos tudo isso documentado, tem um museu de fotografia desses seis anos, com tudo isso que eu estou falando, fotografado. Nos últimos dois anos, tem aqui, nessa sala mesmo. E lá atrás, tem toda essa história. Quero dar um abraço em Paraibuna. Tudo a gente documenta. Tudo o que a gente faz, a gente documenta com fotografia. Então, com relação a sociedade, tem um reconhecimento muito grande. Com relação ao quadro pessoal, nós contatamos a universidade que faz muito bem feito a pesquisa de clima. Fizeram uma pesquisa de clima que era péssima. Mediam quando entramos aqui. Péssima. Hoje, mais de 95 por cento, muito satisfeitos. Deve ter umas cinquenta tortas de gráficos que você vê lá. Tá sempre mais de 95 por cento satisfeito com a empresa, satisfeito com tudo, né? Comida, assistência médica e tudo. A gente dá medicina preventiva aqui dentro. A gente gasta com prevenção. Economiza com o que é caro, o que é correção, e o equipamento, né? Então a empresa tá desse jeito. Deu um nó nessa crise, muito bem dado, por causa dessas pessoas, né? Estamos sobrevivendo, apesar de eletro-intensivos.
P/2 – Como é que foi a estratégia?
R – A estratégia foi o seguinte: nós tínhamos feito uma expansão. Tínhamos construído, três anos atrás, picada. Gastamos 65 milhões de dólares. Não tivemos, devido a falta de credibilidade, o grupo Paranapanema. Nós herdamos isso, né? No mercado, não tinha um tostão de empréstimo. Eu acho um absurdo isso. De um organismo de financiamento do governo. Nem BNDS, nem BDMG. Fizemos cache sobre agir. Honramos todos os compromissos, ficando, assim, evidenciados. Se honramos todos os compromissos cache, poderíamos ter honrado as prestações, que são menores. Também investimos mais doze milhões de dólares para eliminar passivos ambientais sem acrescer um tostão, uma grama de zinco a mais. Só pra conter problemas potenciais de poluição. E gastamos mais dezesseis milhões de dólares, aí sim, pra “desengargalar” a planta. Quer dizer, uma expansão. E essa expansão ia nos permitir passar de oitenta mil toneladas por ano para 94 mil toneladas por ano. Quer dizer, catorze mil toneladas a mais. Aí vem a crise. Como é que a gente ia pagar esse dinheiro? Através de operações de pré-pagamento. Pegar esse excedente de produção que a gente ganharia em escala, vender lá fora, receber o dinheiro à vista e entregar o zinco parcelado. Veio a crise e tornou inóculo todo esse esforço. Você vai ter que reduzir 25 por cento do seu consumo. E, colocando tudo que é geração e consumo, resultou numa redução de quinze por cento da nossa produção de zinco, o que corresponderia a treze mil toneladas, que bateriam com as catorze mil a mais que nós deveríamos ter como sacrifício de ter investido cache. Foi perverso pra cima da gente essa crise. Nós fomos lá na Câmara de Gestão da Crise de Energia. Conseguimos parecer favorável, desde que aprovado pelo Banco Central e pelo Ministério de Desenvolvimento de Indústria e Comércio. Conseguimos lá também a aprovação. Compramos o zinco lá fora e entregamos lá fora pra pagar as nossas ações de pré-pagamento. O que significa isso? Deixamos de exportar energia contida no zinco, comprando e pagando lá fora. Compramos o zinco lá fora e internamos esse zinco para podermos atender os nossos clientes, para eles não ficarem na mão. Fizemos isso. Significa que nós trouxemos, dentro deste zinco, a energia contida para que ele fosse fabricado. Então reduzimos a metade da nossa produção. E disponibilizamos essa energia que não foi gasta para a sociedade. Primeiro, o cliente que não ficou desabastecido. Nem dizer que nem endossou produtos ou co-produtos, né? Nós fornecemos cem por cento de dióxido de enxofre consumido no Brasil.
P/1 – Quantos por cento?
R – Cem. Como a gente tinha reduzido a produção, o que a gente ia fazer pra atender? Os clientes, a produção é proporcional a produção de zinco. Como é que a gente ia fazer pra atender os clientes que demandavam essa... Nós compramos ineditamente enxofre natural, enxofre metálico, enxofre em pó amarelo e transformamos em dióxido de enxofre e ácido sulfúrico. E vendemos o ácido sulfúrico e vendemos o dióxido de enxofre. Deixamos todos os clientes abastecidos. Fora sulfato de cobre e outras coisas que tivemos que comprar aí. Cádmio, né? Fornecemos. Todos os nossos clientes foram atendidos. Os empregados, reunião aqui com o Sindicato do Trabalhadores. Nessa mesa, três reuniões. Nos comprometemos a não demitir ninguém, antecipamos algumas férias, fizemos manutenção preventiva, adiantamos muitas coisas de manutenção comparada com o que ia ter, e mantivemos o emprego. Então, cliente e empregado. O acionista deve minimizar o prejuízo, porque vendemos o zinco lá fora, o faturamento é menor, mas nós não gastamos tanto, né, pra vender energia, como gastamos para produzir o zinco que vai ser vendido lá fora. No final, ficou ali balanceado o resultado final para o acionista. E a sociedade? Se beneficiou. Com o quê? Com a energia que nós disponibilizamos em um momento de crise. Uma energia suficiente para abastecer por uns três meses uma cidade do tamanho de Juiz de Fora, que tem seiscentos mil habitantes na parte domiciliar. Então ganhou todo o mundo. E os fornecedores? Então ganharam as pessoas, que são essas quatro e mais os fornecedores, completando as cinco partes interessadas. Os fornecedores, nós mantivemos o fornecimento. Até aumentou o serviço, porque estamos fazendo contratações para manutenção, para serviços preventivos, né? Então saímos bem da crise. Tá até dando hoje aí na Gazeta Mercantil, né, que é o caso. Hoje saiu.
P/2 – E os acionistas, hoje, da...
R – São os fundos de pensão. E o maior deles é... Isso da Paranapanema, a maior deles é a Previ.
P/1 – É a Previ.
R – Previ, é. E daqui, em Paraibuna, a maior é a Paranapanema mesmo, né? É indiretamente a...
P/1 – No próprio grupo.
R – No próprio grupo, é. Tem uns dez por cento de capital privado aí.
P/1 – E a relação com Juiz de Fora, a gente estava falando um pouco lá fora, e a relação com o entorno de desenvolvimento da região, urbanização em torno da empresa. Porque ela vai atraindo pessoas para morarem próximas, em função do próprio desenvolvimento da empresa.
R – É. A gente tem esse espírito. Tá tendo a Gestão da Qualidade e de empresa cidadã. Então, nessa questão de empresa cidadã, a gente dá prioridade para comunidades mais próximas da gente. Primeiro, Igrejinha, depois Juiz de Fora, depois Minas Gerais, Brasil, América do Sul, Américas, mundo, Terra, Sistema Solar, Via Láctea... (risos) Então a gente tá melhorando a vida de Igrejinha aqui, né? Nós temos ações sociais aqui na comunidade, nós atendemos atividade do tipo assim: ajuda escola, manutenção da escola, construção de escola, curso de qualidade e gestão de escola para professor, estreando uma quantidade muito grande, voluntariado, parte de medicina, de atender criança em vista de patologias infantis, ajudando eles bastante nisso que tá aí. Do lado direito, nós temos uma área de lazer do funcionários, que é muito boa e tudo. A gente tá crescendo cada vez mais e temos lá projetos para futebol, coral é do lado de lá, mas lá tem futebol, tem até um menino que foi jogar no Vasco. E a Viviane Anderson, no atletismo, é a nossa patrocinada e também ela tem um contrato de treinamento de meninada de Igrejinha que corre aí. Estão tentando formar um atleta para 2008, porque tem uma quantidade muito grande de menino já treinando atletismo. Estamos com um plano de diretor para criar um clube, uma pista de atletismo, é muito caro. Nós estamos definindo áreas aí. E já fazendo uma pista de corrida, pra correr a pé e tudo mais. No voleibol, nós contratamos o treinador, foi o treinador do… Como é que chama? O galho, os dois. Dois da seleção: o Giovani e o André, que vêm até aqui, já se comprometeram a vir aqui incentivar a meninada, foi legal da parte deles, né? E eles estão começando agora, junto com o Sesi. E já tem um grupo formado para começar o voleibol. Então estão formando os meninos nisso. Aqui na frente, tem uma área que tem vocação, vamos chamar assim, se é que é, área de vocação para agricultura e tudo. E os meninos já receberam cabritos, para criar cabritos. Aquilo é muito bom, porque dá leite e o leite é muito rico e esse leite ajuda na nutrição na família e tal. E vai aumentando aquela criação, a gente tá destinando a área da frente pra esse projeto agropecuária, de piscicultura e tal. Bom, então fica muito bom de morar aqui em Igrejinha, né? Então tem tratado com o prefeito pra ele fazer uma plano de urbanização. Porque se não tiver urbanização, vai inchar aqui desordenadamente, já tá acontecendo. Eu tô pedindo uma reunião com ele pra justamente tratar desse assunto. Que se não tiver uma ordenação de área, um diretor de ocupação com rua, com urbanização, a gente fica desestimulado em ajudar. Porque nós vamos criar aqui um bolsão de... Quer dizer,
já há favelas em torno aí. De pessoas com expectativa de serem ajudadas desse jeito. Isso não é uma ajuda permanente. Permanente é quando cresce ordenadamente, né?
P/2 – E nesse vínculo teu com a Agência de Desenvolvimento de Juiz de Fora, quer dizer, qual é o trabalho que se desenvolve nessa agência?
R – A agência ajuda nesses projetos. A gente estabelece planos, né? Por exemplo, aqui fazem parte da Agência de Desenvolvimento... Os parceiros são: Mercedes, a (Belg Mineira?), Paraibuna de Metais, MRS Logísticas, Cemig, TV Panorama, Banco do Brasil. Tem um grupo de empresas que participam da Agência de Desenvolvimento. E o objetivo é exatamente esse: criar riqueza na região. Então, junto com o Reginaldo (Arcuri?), que é do Ministério do Desenvolvimento, e faz parte de uma das câmaras de Desenvolvimento da Agência, nós criamos uma forma de fazer com que essas empresas da região regionalizem as compras também. E pra começar e pra dar o exemplo e puxar as outras coisas, nós começamos com uniforme. Pra aprender como é que faz isso. Como é que as empresas compram uniforme fora de Juiz de Fora, tem a tradição de têxtil, aqui. Começamos por aí. Foi uma brigaiada danada. A gente vê os _____, quais são. Às vezes, uma simples especificação: tem que ser Santista. Não é nada contra o Santista, é muito bom. Mas por que tem que ser ele, né? Porque não encolhe. E vai por aí afora. A cabeça das pessoas, a falta de Gestão, acham que por a pessoa estar aqui, tem a obrigação de comprar lá. Então são promovidos grandes encontros e reuniões com essas pessoas. E acabou por a gente conseguir comprar já o uniforme na região aqui. A Paraibuna, em si, compra de uma cooperativa de pessoas desassistidas, isso faz parte do exército dos deserdados, né? Eles formaram uma cooperativa com a ajuda do SENAI e SEBRAE, estão fabricando uniforme. Mas a primeira fabricação foi um desastre, sabe, em termos de qualidade. Então nós demos uma outra chance pra tentar fazer. Estamos fazendo piloto aqui, mas é que o objetivo é que eles concorram. Nada de paternalismo. Tem que ser maior e mais barato, senão, não compro eu. Mas nós estamos ajudando. Então essa é uma outra forma de ajuda que a gente dá, aqui, pra Juiz de Fora. E outras, equipamento e tudo, outras frentes estão sendo agora tratadas, da Mercedes e tudo. Mas tem dificuldades, não é fácil, não. O mercado tá globalizado e é difícil.
P/1 – É. posso fazer a partes Caras? (risos) E seu cotidiano de trabalho, assim, aqui um pouco fora da Paranapanema, atividade de lazer? Você mora aqui com a sua esposa? Como é que é um pouco a sua vida?
R – Eu e minha mulher, nós nos conhecemos no esporte, né? Ela foi campeã brasileira de natação. Eu fui medíocre, eu fui campeão mineiro, no máximo que eu consegui. Mas nos conhecemos em raia de natação, viajando por aí, pelo Brasil afora, e nadando, esse negócio todo, jogando pólo aquático. Sempre gostei muito de esporte. Então até hoje eu gosto de esporte e de fazenda também. Fui criado em fazenda. Então, a minha atividade... Tênis, gosto de jogar tênis. Ela também. Ela também foi campeã mineira de tênis, joga bem. E eu gosto de jogar tênis, teve uma época da minha vida lá em Vitória que eu velejei muito, muito tempo mesmo. Dezoito anos, fui capitão da flotilha, depois fui diretor de velas. Mas eu... Sempre alguém tinha que ser, né? Mas eu gostava mesmo é de velejar lá e tal. Agora aqui, de fato, é um pouco difícil de velejar. (risos) Tenho jogado tênis e vivido na fazenda, eu gosto dessas coisas. E a gente participa muito, em Juiz de Fora, na UBQ, na União Brasileira da Qualidade, aumentando esse programa de Qualidade, da Agência de Desenvolvimento, procurando desenvolver. E a gente faz, tem algumas atividades aí de ajuda, dando palestra por aí afora. Ontem mesmo, numa aí. Quase que semanalmente a gente vai em algum lugar ensinar a Gestão de Qualidade. E ando meio chateado, assim, vendo a Paraibuna, né? A Paraibuna, ano passado, teve cinco milhões, depois de décadas, de prejuízo. Teve a primeira vez, cinco milhões, pouca coisa de reais de lucro líquido, mas é emblemático, foi, poxa, resultado positivo depois de anos de prejuízo. E pagou 29 milhões de reais de impostos. Agora, sem considerar além do que já está embutido em cima de nove milhões, que são os encargos sociais, que é mais um salário, né, ainda tem que dar mais uns dois salários para compensar a parte de assistência odontológica, e a saúde, transporte, aposentadoria, essas coisa todas que o governo não supre, né? Então a gente fica pensando assim: “Poxa, se pega essa fatia gorda do bolo, devia ter isso de graça. O empresário devia ter isso de graça”. E a gente ainda vai até mais longe disso. Sem considerar que o Brasil é uma economia forte. Um dia, eu aprendi que era a nona, depois passou para décima primeira, outro dia eu vi que era nona de novo, depende de quem fala e de que medida que usa, né? Mas vamos supor que esteja perto das dez primeiras economias do mundo. Então o faturamento, o PIB, violento, bárbaro de alto, né? Nós sabemos também que nós somos campeões de pagamento de impostos. Olha, se temos um PIB altíssimo, a décima economia do mundo, e tem um imposto altíssimo, devia ter dinheiro demais pra tudo: pra educação, pra saúde, no entanto é uma pobreza, graças... Isso chateia muito, né? E, por isso, tem que politizar o pessoal, ensinar a votar, né? A gente tem que entrar nisso mesmo. Não assinando um partido político, mas pelo menos ensinando as pessoas a votar e a resgatar a ética, senão nós não vamos sobreviver, não. Essa é a minha visão nesse aspecto. E eu vejo que, por exemplo, hoje nós estamos prontos para construir uma hidrelétrica de picada, nós temos gente capaz. Tanto que construíram Sobragi, temos um know how. Tem um rio passando ali. Mercado não se fala, né? Todo mundo carente de energia. O rio tá lá. O rio do peixe passando e não conseguimos o financiamento. Porque fica um bando de burocrata. O bom, o monetarista, que é o bom que tá tomando conta do país, é aquele que descobre: “Aqui você não vai ter garantia. Nós corremos o risco de emprestar isso ou aquilo”. As coisas mais absurdas, né? Porque o bom é o que consegue o entrave. E não tem desenvolvimentista em Banco de Desenvolvimento. É preciso que haja esse espírito desenvolvimentista de cumprir a missão. Qual é a missão do Banco de Desenvolvimento? É desenvolver, né? No entanto, o dinheiro é difícil. E eu fico pensando: “Bom, se eles emprestassem o dinheiro pra picada, e pra todos esses projetos que estão rolando por aí, se um deles falhasse, que eu acredito que nenhum falhe, é tudo empresa séria, não falha; se um deles falhasse, ainda estariam ganhando muito dinheiro nos impostos que são cobrados, né?” É uma coisa burra alegar isso. a gente faria picado, faria campinho, duplicaria isso aqui rapidinho. Quer dizer, aquecia a economia, o governo ia arrecadar muito mais, ia gerar muito mais emprego. A gente vê aqui a vergonha nacional. O que eu recebo de pedido de emprego... A pessoa tá pedindo dignidade, pô. Isso que eles tão pedindo: “Eu quero trabalhar, pô”. E você tem que negar, porque não tem. Montanhas de pedido de emprego aqui. Deus os livre, os mais baixos tem os mais altos, pô. E não gera emprego porque tem um raio de um burocrata que pede sempre um papel a mais. E pede com urgência, a gente faz das tripas coração, igual a semana passada. Entregamos o papel do fundo de garantia de Sobragi da energia que está pronta, aí: “Tá, tá bom, então quer energia, você vai ter como garantia da lâmpada, né? Tenho certeza que vamos fazer lâmpada aqui. Tá, tem que ser urgente, tem que entregar amanhã”. Entregamos lá. Tem uma semana. Entrou de férias em julho. Ficou na mesa dele. E é impune.
P/1 – No BNDES?
R – É. Impune. Tá lá. É o maior do mundo. E com a arrogância e com a certeza que nada o atinge, não é? Então esse é o retrato nosso, aqui do nosso país. E tá aí a turma querendo trabalhar. Porque essas coisas não são cobradas pela sociedade com mais veemência, não é? Então isso é aflitivo, essa coisa, essa falta de percepção de que se emprestava, gerava, financiava e vai gerar riqueza, vai gerar emprego, né? Essa é a bronca do empresário, hoje.
P/1 – Marcio, se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que você mudaria?
R – Na minha trajetória de vida? Se eu voltasse para trás completamente?
P/1 – É. E quisesse mudar.
R – Caramba, será que eu queria? Eu acho que eu não ia mudar muita coisa, não. Não ia mudar nada, não, viu? Não é que eu não tenha sido grandes coisas, não, mas eu acho que foram muito boas as minha experiências, todas. (risos) Eu acho que eu não mudava nada. De jeito nenhum. Nada.
P/1 – É, quais são os seus sonhos hoje?
R – Eu, meu? Eu queria ver um país melhor, viu? Eu queria ver um país em que as pessoas estivessem estudando e, na hora de formar, tivesse emprego, todo mundo tivesse dignidade de trabalhar. Queria ver a desfavelização. Queria ver a cidade bonita, limpa, com contorno, mais bonita. Que a ética e a estética predominassem, né? Que a gente tivesse orgulho de novo. Restabelecesse o orgulho de ser brasileiro outra vez. E o que chateia é essa desigualdade, né? Saber que um salário alto aqui é seiscentas vezes maior do que o menor salário, que a desigualdade é enorme. E que isso só se consegue através de desenvolvimento. E esse desenvolvimento não chega. Tá sempre sendo postergado. O que eu gostaria de ver é isso: um país melhor para as nossas gerações. Isso é o sonho de todo o brasileiro. Isso é alcançável, nós temos muita riqueza. Tem gente muito boa capaz de trabalhar em equipe. Um pessoal danado, com potencial mental elevadíssimo, sem oportunidade. Então é preciso resgatar a ética, a moral, que tem melhorado um pouco. Vimos na televisão caírem as pessoas, as vezes de alto escalão, por mau comportamento ético. Mas tem muita gente ainda que precisa de pagar exemplarmente, não que seja culpado, mas ter essa patologia doentia de ser ladrão, né? Eu nem acredito que sejam culpados, né? Mas não serve. É preciso mudar isso.
P/1 – Bom, para encerrar, quer dizer, tem alguma coisa que você queira falar, que a gente não tenha perguntado? Quer dizer, deve teve ter milhares. (risos)
R – Caramba, passaram a limpo a minha vida toda, não sobrou nada, não!
P/1 – O que você acha da iniciativa da Vale de estar fazendo um projeto como esse e a sua experiência de ter dado esse depoimento pra nós?
R – Foi fantástico. Eu não esperava isso, não, né? Eu achei que a Vale, agora, era uma outra empresa, né, porque muito voltada só para o dinheiro mesmo e tudo mais. Tinha um temor muito grande de que a Vale não reconhecesse o (MVA?), o valor de mercado do empreendimento como um todo, que cresceu muito na minha geração de Vale, nesses trinta anos. Era uma mina, ferrovia e um porto que viraram um mundo aí. Eu achei muito pouco os doze bilhões de dólares que ela foi avaliada, porque eu conheço a Vale por causa Qualidade Total de cabo a rabo e acho que ela valia muito mais do que isso. Eu acho que esse (MVA?) não foi muito bem, a impressão que eu tenho é que não foi bem calculado. Não basta olhar só pro EVA, o (Economic Vale Ader?) ou Rossi, né? É preciso olhar em conjunto, continuar a crescer igual cresceu no nosso tempo, para gerar emprego, gerar oportunidade para os nossos filhos e nossos netos. E o lucro imediato dá resultados muito importantes no exercício, no ano. Dá a impressão de que quem estava no passado, não estava fazendo nada, porque não é adicionado nisso aí o esforço de crescimento, esforço de melhorar o negócio como um todo, de crescimento do negócio Vale do Rio Doce, que às vezes não aparece na imprensa, né? Eu participei com muito orgulho desse crescimento da Vale ao longo desse tempo todo aí. E ela é muito maior do que pareceu quando foi vendida e estava em contínuo crescimento. E hoje continua crescendo, mas em um ritmo muito menor, na minha avaliação. Talvez aí encolhendo, não sei o que tá sendo vendido aí, né? Não sei, por exemplo, se a Docegeo, com toda a riqueza que tem ali, que é incomensurável, está sendo vendida. Se estiver sendo vendida a Docegeo, estão sendo vendidas riquezas do nosso subsolo aí incalculáveis, né? Não sei como é que tá a Docenave, por exemplo. Não sei quais são os planos para a área de papel e celulose. Não sei como é que vai ficar a área de alumínio, de ouro. Cadê os investimentos em manganês? Em cobre? Então, na nossa época, a gente sabia onde crescer, né? Onde buscar recursos. Vivíamos num crescimento, gerando emprego, gerando oportunidades, contribuindo para o país. E tínhamos a pecha de sermos estatais incompetentes e pessoas que deixavam desejar em termos de Gestão. Isso aí eu acho que foi uma injustiça muito grande
que a mídia jogou pra cima da Vale do Rio Doce. Tenho essa bronca, né? (risos) Vai consciência tranquila. Eu vou pra casa, quando eu chego ali na encruzilhada, eu já tô dormindo dentro do carro. Tranquilidade de consciência, graças a Deus. Bom?
P/1 – Obrigada, foi ótimo o depoimento. Bom, fez foto no Rio? Fernando, sabe o que eu ia falar? Se você conseguiu filmar esses gráficos aqui ó.
R – Obrigado gente, essa paciência, vocês devem estar de saco cheio de ouvir essas coisas todas, falou.
P/2 – Que é isso.
R – Caramba. Sabe que se eu fosse você, eu ia encomendar uma cama e punha ali uma rede, rede e corta aqui...
P/2 – Que é isso. Foi ótimo ouvir você.Recolher