Projeto Vale Memória
Depoimento de Claudiano Claudio Carneiro da Cunha Sobrinho
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos Vilardaga
Local da gravação: Rio de Janeiro
São Paulo, 03/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código do depoente CVRD_HV093
Transcrito por Thiago Rodrigues de Rezende
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Projeto Vale Memória
Depoimento de Claudiano Claudio Carneiro da Cunha Sobrinho
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos Vilardaga
Local da gravação: Rio de Janeiro
São Paulo, 03/08/2001
Realização Museu da Pessoa
Código do depoente CVRD_HV093
Transcrito por Thiago Rodrigues de Rezende
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Bom, eu gostaria de começar o nosso depoimento pedindo que o senhor nos forneça o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor.
R – Claudiano Claudio Carneiro da Cunha Sobrinho. Eu nasci aqui no Rio de Janeiro, 31 de julho de 1940. Eu fiz sessenta e um anos há três dias atrás, tô recebendo cumprimento terça-feira e tal.
P/2 – Parabéns!
P/1 – Parabéns, tá! (risos)
Bom, e os seus pais, o nome completo e a origem, por favor.
R – É, meu pai, o nome dele era Valmar Carneiro da Cunha. Ele nasceu em Fortaleza, no Ceará, embora a família fosse de Pernambuco, Paraíba, né. Mais Paraíba, o pessoal gosta de dizer que é Pernambuco, que é mais chique, né, nascer na Paraíba. Mas naquele tempo era tudo igual, não era estados como acho que é hoje não. Então, a família, antigamente, era vila de engenho lá de Pernambuco, em Paraíba. Aí com aquelas brigas depois, o meu avô, foi para o Ceará. Aí muitos, alguns tios mais velhos, né, nasceram em Paraíba Pernambuco, mas o meu pai, os mais novos, o meu pai era dos mais novos, né, nasceu em Fortaleza no Ceará. Ele estudou lá. Logo que o meu avô morre, a situação da família fica difícil. Então, ele estudava o ano inteiro e nas férias trabalhava no Denox, aquele negócio da obra acontecer. Depois ele serviu o exército, engajado, né, e veio para o Rio de Janeiro fazer o curso de (Triboxial?), né. Tinha uma turma grande naquela época, foi o meu pai, o Juracy Magalhães, o Mamedi, depois a história depois dele... Como?
P2 -
_________ do Flamengo, na escola do Flamengo?
R – Não, não. Era na Vila Militar. Antigo, e depois a formação dos oficiais. É, e Resende, Academia Militar de Agulhas Negras Resende. Mas naquela época, até hoje é chamada Vila Militar, né. E então, ele seguiu a carreira militar. Mas vocês, talvez, vocês já tenham outro depoimento dele, não sei, mas ele serviu aqui no Rio de Janeiro, serviu no Espírito Santo, ele foi secretário de Segurança Pública e secretário do Interior do Espírito Santo. Foi quando ele conheceu a minha mãe, né. Que a minha mãe era professora e acho que foi também da secretaria de Educação, alguma coisa disso, acho que era, não sei se era tudo junto ou não era. A minha mãe era do Espírito Santo, de Santa Leopoldina.
P/1 – O nome dela?
R – Alice Amarantes Carneiro da Cunha. E a origem dela, quer dizer, péra aí, o meu bisavô, tem um bisavô aí, uma coisa, que era alemão com uma portuguesa, né. E a minha mãe estudou lá, estudou em Vitória, no Colégio Carmo, que é um colégio de freiras. E conheceu o meu pai, casou muito nova, eu acho que a minha mãe casou com dezenove, vinte anos. E meu pai veio para o Rio, aqueles cursos que se faz do estado maior, aquele negócio _______, foi quando eu nasci, né. Depois ele, deixa eu ver, aqui no Rio de Janeiro, aí nós fomos para Bahia, ele foi servir na Bahia. Nesse meio tempo tinha nascido o meu segundo irmão. Nasceu no Espírito Santo, quando a minha foi fazer uma visita à mãe dela, e perto do parto, acabou nascendo lá. Naquele tempo, a viagem Rio-Vitória, era... E o meu outro irmão, o mais novo nasceu na Bahia quando o meu pai estava servindo na Bahia. Depois também, secretário de Segurança Pública em Salvador no estado da Bahia, né. Então, basicamente essa é a origem, entendeu, mais para trás, né.
P2 – Seu pai foi ex-secretário de Segurança Pública na Bahia?
R – Foi.
R2 – Ficaram na Bahia até quando?
R – Nós ficamos seis, sete anos na Bahia. e foi uma época muito boa, porque foi a época, justamente, da minha pré-adolescência, infância todinha lá. Nós morávamos numa área que tinha sido uma grande chácara que estava sendo loteada. Então tinha ruas, ainda, praticamente sem casa nenhuma, tinha poucas casas, tinha mangueiras, aquele negócio, foi uma coisa muito, como se tivesse vivendo numa chácara enorme.
P/1 – Qual era o nome do bairro? Você lembra?
R – Era chamado Brasil. Era ali na Barra Avenida. Atrás tinha um morro que hoje é (Chami-chami?). É na Barra ali, na região da Barra. É, a Rua Aracaju, Rua Recife, era chamado, não sei se era bairro Brasil ou alguma coisa desse tipo. E outra coisa interessante, na mesma rua, umas duas, três casas na frente, morava o Odorico Tavares, que era o diretor, naquela época, dos Diários Associados, que era a Globo de hoje, né. E ele era um intelectual e tudo, então na casa dele, o filho dele, o Jader, que depois foi um arquiteto muito famoso na Bahia, morreu infelizmente. E nós todos éramos amigos, ali na rua, e o Odorico recebia na casa dele: Dorival Caymmi, Jorge Amado, Carybé, né, você falou bem, outro que ia muito lá, Mário Cravo, ok. E faziam noitadas de Dorival Caymmi tocando e tudo. E nós éramos muito pequenos e não nos deixavam ficar lá, né. A gente pulava o muro da casa para ficar olhando e tudo. Então, o interessante é que há pouco tempo eu encontrei, tipo um coquetel, a mulher do Pancetti, e ela se lembrava de tudo, né. Quando ela falou, disse: “Não, mas, você se lembra da Bahia e tudo?”. Eu conhecia assim, ela se lembrava da história todinha. Outro também é aquele que, eu não sou muito bom de nome não, porque eu lembro da cara das pessoas, mas o nome de vez em quando eu não lembro não. Tinha outro pintor, também na Bahia, tenho até um quadro dele em casa, que também ia lá sempre e tudo. Então foi uma juventude, uma pré-adolescência, bem interessante na Bahia, né. Enquanto de lá…
P2 – Você lembra dessa casa da Bahia? Como é que era a casa e tudo, tal?
R – Olha, essa casa na Bahia, era dois andares. Tinha um jardim na frente que tinha uma árvore, uma árvore grande, aquela Acácia Amarela, que eu me lembro até hoje. Tinha uma garagem. A casa não era muito grande não, né. E naquela fileira ali tinha umas quatro casas: uma nós morávamos, outra era o Jader, Odorico Tavares, que era o pai do Jader, o outro era um outro amigo nosso, era o Rogério também, não me lembro o nome do pai, então aquela turma ficava lá. Mas hoje, aquele negócio, quando você era pequeno, realmente a rua não estava toda construída. Anos depois eu fui a Salvador, né, de novo, inclusive voltei a trabalhar lá pela Docegeo uma época, aí fui visitar, né. Mas aí você, tem coisa que você não deve revisitar não, sabe, porque aquilo estava tudo construído, a rua que parecia grande era pequena, uma casa colada na outra e dizia assim: “Pô, mas é a casa, é ali a casa, pô!”. Mas você olhava pra ela e dizia assim...
P/1 – ...Não é a minha casa!
R – Não é a minha casa, é, não é a minha casa. Era uma casa, né. O todo, Salvador parecia, estava entupido de carros, prédios, tudo, então não era a mesma coisa. Mas é interessante você ver essas comparações, né. E nós moramos na Bahia sete anos. Depois, o meu pai, quando o Juracy Magalhães, que era muito amigo dele, foi cuidar de ser o presidente da Vale do Rio Doce, ele convidou o meu pai para ser o superintendente da estrada de ferro, em Vitória, né. Aí nós fomos para Vitória em 1950. E nós moramos quatro anos lá em Vitória, eu tenho parentes em Vitória, porque a minha mãe é nascida no Espírito Santo, né. E essa época foi a época já de adolescente.
P/1 – Ainda em relação a Salvador, quer dizer, você teve uma educação assim religiosa? A presença da sua mãe era muito constante em casa? Seu pai tra... Como é que era?
R – É, o meu pai era uma pessoa que trabalhava muito e aquele negócio que quem cuida da casa é a mulher. E vida de militar naquela época – até hoje – era muito sofrida. Porque, inclusive, o meu pai ainda tinha que ajudar a avó, que tinha as irmãs e tudo pá, pá, pá, então era uma vida, né. Mas educação religiosa, olha, tive porque meus pais são católicos. Eu nunca tive a religião formal, quer dizer, uma formação religiosa formal, que é ________ escola de primeira comunhão. Na Bahia, eu estudava num colégio chamado Sofia Costa Pinto, mas era primário assim. Depois, no Espírito Santo, uma época eu estudei no colégio Salesiano lá, colégio de padre. Eu não me lembro muito bem não. É, uma vez nós estávamos, aquele negócio de padre muito..., nós estávamos na formação, a gente chegava lá tinha aquela missa, aquele negócio, né. E eu ficava atrás e estava falando, não podia falar, né, mas eu estava, sabe aquele negócio: psiu, psiu, psiu, cochichando com alguém eu estava ao meu lado. De repente, recebi uma pancada aqui no..., daquele negócio que eles faziam antigamente, não sei se fazem hoje: “Pom!”. E eu até usava óculos, o óculos caiu e eu virei e meti a mão, só que era o padre. Dei um porretão no padre, o padre chegou a cair, pô, né. Aí fui convidado a me retirar do colégio, o que eu fiz com muito prazer, né. Depois veio no colégio Americano de Vitória e depois no Colégio Estadual, que era um colégio do estado, né, um ginásio estadual, colégio estadual. Eu estudei no colégio estadual, depois eu vim para o Colégio Nova Friburgo, fica no colégio da fundação Getúlio Vargas, em Nova Friburgo. Naquele tempo era ginásio Nova Friburgo. Passei um ano interno lá. Depois os meus pais vieram para o Rio, né, o papai foi transferido para o Rio, para ele ser acho que diretor da Vale aqui. E nós viemos para cá em 1955, né, de Vitória para o Rio de Janeiro. E então, a partir daí, eu estudei aqui no Rio de Janeiro. Acabei o científico um ano _______, né, um colégio que fica aqui no Rio de Janeiro. E depois fiz vestibular para economia aqui na antiga Universidade do Brasil, hoje UFRJ, né, ali na Urca.
P/1 – Praia Vermelha.
R – Praia Vermelha, ali na _______.
P2 – Formação política? _______ alguma dentro de casa, alguma formação política, assim?
R – Olha, meu pai era muito tipo DN [UDN?], né, militar e tudo. Participou dessas guerras públicas brasileiras todas: Revolução de 30, Revolução de 50, tal. Então a minha formação era mais o DN, né. Mas depois disso, já mais com vinte anos e pouco, a minha mulher era muito de esquerda, né, a Raquel. Eu tinha muitos amigos e tudo e no tempo de sessenta e tantos, eu tinha muitos amigos e inclusive me envolvi em muita coisa aí, acabei quase sendo preso, né. Mas não era ser de esquerda, era uma revolta contra a situação que estava, ok. Tinha muitos ideais que eu compartilhava com eles, mas nunca fui, pertencia, eu ajudei amigos inclusive depois que a coisa ficou brava aí, ajudei a tirar muita gente daqui, escondi muita gente, arranjava lugar para ficar, levava gente para se exilar até na Nunciatura Apostólica, na secretaria do Rio de Janeiro, sendo que é lá em cima, lá em Santa Tereza, tal, ok.
P/1 – Lá em cima.
R – Ajudei muita gente mas nunca participei em grupos, mais uma coisa de amizade e uma revolta com a situação que estava, até 1968. Mas isso, nós já demos um pulo grande aí para frente, né? (risos) Vamos e voltas, né? Mas, então, voltando à universidade. Então, aí, em 1960, eu fiz o vestibular, em 1959, né? Foi. E fiz um concurso para Vale do Rio Doce. Então, entrei na Vale do Rio Doce em janeiro de 1960. E fui trabalhar na divisão comercial aqui no Rio de Janeiro, um prédio antigo da Vale que era na Presidente Wilson, em frente à embaixada americana que ________ Novo Mundo, comecei a estudar, depois que o NH, um negócio dele assim. E eu trabalhei lá uns dois anos, um ano e pouco, dois anos, no setor de serviço de exportação. Divisão Comercial Regional, Orlando Rangel era o diretor comercial da Vale e eu fui trabalhar no serviço de exportação. Fiz estágio lá em Vitória, naquele cais “Pela Macaco” como diziam, quem conhece Vitória, conhece lá aquele cais antigo dentro da cidade, ali. E fiquei trabalhando no setor comercial. Mas era uma coisa que, não era tudo aquilo que eu queria não, sabe, aquele negócio muito colocado, tal. E eu conheci um geólogo sul-africano chamado (Jonh Macarther?). Ele morava em Belo Horizonte. Indo aquelas coincidências, e ele era (Jonh Macarther?) e era casado com a (Angie Angelina?) que era irmã da mulher do general (Macarther?), esse (Macarther?) dos Estados Unidos, né. Eram as duas irmãs. Então ele era cunhado do... E porque ele começava falar mineração comigo e trabalhava numa empresa chamada Pato, Pato Consolidator, assim, na época. Eles trabalhavam ali na região de Adamantina, em Minas Gerais, iam pesquisando diamantes, né. E eu comecei a ficar fascinado. Depois, eu encontrei uma amiga minha, quer dizer, que eu vinha a conhecer aqui no Brasil, chama Pamela, é uma americana que geologia tinha ajudado também, né, quer dizer, parte de geologia dentro da formação dela. E nós ficamos muito amigos e resolvemos partir juntos para fazer garimpo, né. Aí eu tirei licença da Vale do Rio Doce, fechei, tranquei a matrícula na faculdade, né, e montamos um negócio, fomos para Minas Gerais num local que esse (Macarther?) achava que tinha, que era uma área boa para pesquisar diamante.
P/1 – Só um minutinho. Então, antes da gente dar continuidade, quer dizer, essa tua primeira experiência na Vale do Rio Doce. Como é que era esse trabalho que você desenvolvia ali? Como é que funcionava esse teu setor?
R – Olha, é preciso ver que em 1960, 61, né, a Vale do Rio Doce não era nada do que é hoje, né.
P/1 – Pois é.
R – Era uma empresa que tinha uma exportação de minério de ferro pequena se comparada ao que é hoje. Explorava, mas tinha um minério muito bom, que era o lump, né, lump ore, que era um minério que tinha um teor muito grande de oxigênio. Você adicionava ao alto-forno oxigênio, né. E com a guerra da Coréia, por exemplo, houve um surto muito grande de exportação desse minério, porque era um minério muito rico. E a Vale do Rio Doce foi, na época de Juracy Magalhães, tal, ele começou a negociar contratos melhores, preços mais vantajosos e começou, então, a reestruturação da Vale do Rio Doce. Quer dizer, a melhoria da estrada de ferro, aí entra Eliezer Batista, todo esse pessoal, que eram engenheiros novos que foram reformando a Vale do Rio Doce, transformando ela no que é hoje. Então o serviço de exportação, que dizer, a nossa parte era receber toda a movimentação dos navios e fazer todo o faturamento da Vale do Rio Doce, ok. As faturas todinhas, os contatos no exterior, essa parte toda de exportação da Vale do Rio Doce, né. E é claro que eu aprendi muita coisa lá, mas não, sabe, eu queria alguma coisa diferente.
P2 – Depois que você morou, foi para Vitória, você passou a assumir as providências das exportações, que lembranças que você tem desse período, quer dizer, da Vale, por exemplo? Você vai comentar da _________, das instalações...
R – Não...
P/1 – ...das ferrovias.
R – Não, isso é interessante porque como o meu pai era superintendente, como nós mudamos para o escritório, havia uma casa, a casa que nós fomos morar, era junto às oficinas mecânicas da Vale, em Parcebá, ok. E você tinha que atravessar a ponte, era ponte antiga, não era ponte nova não, era ponte antiga e tudo. E a casa tinha sido um antigo convento ou umas religiosas que moravam lá e era muito interessante porque era em cima do morro e parte da casa era construída em cima de uma pedra. E era uma casa grande, inclusive o meu quarto, o pessoal dizia que tinha sido uma sacristia e que tinham muitos fantasmas lá, apareciam, né, ficava sempre bem de olho naquilo. Então, foi também uma época..., eu tive sorte disso porque morei na Bahia com aquela chácara enorme, né. Em Vitória, nós fomos para essa casa que era uma chácara enorme, né. Então foi uma infância, adolescência, e essas recordações de Vitória são muito boas porque eu tinha a minha avó, a mãe da minha mãe, morava em Vitória. Eu tenho, eu tinha tias e tudo. E desde criança, né, quando fui para lá, nessa casa, eu sempre me enfiava naquelas oficinas da Vale, ficava andando lá por dentro, vendo locomotiva, aquelas locomotivas antigas,Maria Fumaça e tal. Estavam começando a chegar as locomotivas diesel, né. Eu me lembro que tinha uma locomotiva, acho que a primeira locomotiva a diesel hidráulica era uma alemã, não sei, era Krauss Maffei, e era uma coisa imensa, e eu via a montagem dela todinha, né. Chegava do colégio, ia correndo lá para oficina, o pessoal montando para os alemães montando o enorme lá, parece que não deu certo porque não compraram mais. (risos) A Vale do Rio Doce para mim, ela é uma coisa muito familiar, né, porque quando eu fui para Vitória eu tinha dez anos. Depois de dez anos para cá, quer dizer, em diante, a minha vida sempre foi ligada à Vale do Rio Doce através do meu pai que era da Vale do Rio Doce. Depois que eu entrei para Vale do Rio Doce, aquilo para mim já não era novidade, já tinha vivido dentro da Vale do Rio Doce uma boa temporada, né.
P2 – Você conheceu o Juracy, o _________[Magalhães]?
R – Conheci, conheci. O Juracy é um dos melhores amigos do meu pai. Se lembra? Eu disse a vocês que eles vieram juntos, aquele Ita do Norte.
P/1 – É.
R – O Ita do Norte, né. eles vieram de Ita. E ele sempre foi amigo do meu pai, a vida inteira, tanto que eu chamava ele de tio Juracy, né, tia Lavínia e tudo. Os filhos dele, considerados, são todos mais novos que morreram, o Juracizinho, o Juracy, que era um pouquinho mais velho do que eu, né, talvez uns quatro, cinco anos mais velho do que eu. E já o mais velho não, o mais velho já não tive contato, porque quando eu estava em Friburgo, estudando em Friburgo, aqui, a gente saía de quinze em quinze dias. E como o meu pai morava em Espírito Santo, para ir de Friburgo para Vitória, né, a não ser nas férias. Então eu ficava na casa do Juracy aqui no Rio, né. Ali na Ladeira Saint Roman, que hoje deve ser bravo morar ali, ali naquela época não era tanto. Então eu ficava ou na casa do Juracy com o Juracizinho lá e tal ou na casa de uma outra tia que eu tinha que morava ali pertinho também, na Sá Ferreira, não sei se você conhece, você é paulista não conhece, mas ela conhece, né. Então tinha muito contato com eles, frequente, amigos de meu pai e a vida inteira nós tivemos contato. Não só com o Juracy mas com os outros irmãos também. Eram todos.
P/1 – Mas, quer dizer, você ouvia ou lembra, eles falavam muito, por exemplo, em casa, da empresa, da companhia? Eles discutiam, tinham...
R – Olha, o meu pai era uma pessoa muito reservada, né. Ele não comentava a vida dele, a atividade dele. Não, ele era, mas obviamente quando eles estavam, ia alguém jantar, da companhia lá, algum outro colega dele ou o próprio Juracy, eles conversavam e eu ficava lá, de ouvido, né. Meu pai foi sempre um apaixonado pela Vale do Rio Doce, ele continuou na Vale do Rio Doce até se aposentar, né, e morreu um pouco depois. Mesmo depois, eu me lembro dele aposentado ligar para as pessoas, queria saber da Vale do Rio Doce, o que estava acontecendo, que não sei o quê, que é isso pá, pá, pá. Sempre manteve contato, muito ligado à Vale do Rio Doce.
P/1 – E havia uma expectativa dele, por exemplo, para que os filhos fossem trabalhar na Vale?
R – Não. Tanto que só eu que fui, né. Os outros dois não. Meu pai queria negócio de engenheiro, quer dizer, nem eu fui engenheiro, nem o meu irmão do meio foi engenheiro. (risos) Então, ele tinha uma grande esperança que o menor, o nosso irmão menor, o Omar, fosse engenheiro, né. E ele, inclusive, fez, está fazendo aqueles cursinhos de preparação para engenheiro. Um dia ele chegou para minha mãe e disse assim: “Olha, eu não vou fazer Engenharia não. Eu vou fazer Economia que é isso que eu gosto!”. E o meu pai ficou muito decepcionado, ficou sem falar com ele um tempo, né. E ele fez Economia, depois ele entrou para Shell e acabou presidente da Shell. Aí, bom, isso quando ele já estava na Shell, na posição, mamãe brincando com meu pai disse assim: “Viu, você queria que ele fosse engenheiro, né, ele podia ser um engenheiro medíocre!”. E ele já era vice-presidente da Shell eu não sei se vice-presidente ou então na Alemanha como diretor de uma empresa da Shell alemã. E ele queria um filho engenheiro, sabe, tem profissões, né, tem épocas que tem profissão. Quer dizer, o Brasil, naquela época, década de que ele, Omar é de 1940, 46, seis anos mais ou menos, né. Naquela época de industrialização do Brasil, (Sabrigera?), a fábrica de carro, a fábrica disso, era hidroelétrica, não sei o quê, vou ser engenheiro elétrico, mecânico civil ou não sei o que pá, pá, pá, Ita... Depois foi a vez da Economia ________ depois fazer o que agora? Agora deve ser... Ah! Internet, né. E agora não sei por que a indústria do petróleo, dos petroleiros enormes. Onde é que nós estávamos?
P/1 – Se o seu pai tinha expectativas que os filhos fossem trabalhar na Vale.
R – Ele nunca estimulou nem Vale do Rio Doce, nem carreira militar. Eu nunca, porque tem pais que: “Não, porque o meu filho vai ser militar, ele vai ser militar”. Não, ele nunca... Ele desejava ter um filho engenheiro, né. Mas eu acho que nenhum dos três decepcionou ele não, sabe, nenhum dos três. (risos)
Todos nós, graças a Deus, ________ nossas áreas todos fomos. Pelo menos assim eu me sinto satisfeito, acho que os meus dois irmãos também.
P2 – Pra você, Claudio, pessoalmente o que representou a vinda para o Rio? Quer dizer, como é que foi essa adaptação, a chegada aqui?
R – Olha, como eu disse a você, eu já tinha, como eu estudava em Friburgo, eu vinha, eu tinha muito mais contato, por exemplo, com o Rio de Janeiro do que os meus irmãos, né. O difícil foi você sair de uma casa daquela, mas depois nós mudamos para uma outra casa em Vitória, que o meu alugou uma casa na beira da praia. Tinha uma praia lá que acabou, né. Chamava Santa Helena. Com aquele aterro que fizeram ali na frente acabou com a praia, não tem mais praia. Lá naquela ponte, construíram naquela ponte, ponte nova, né. Então a cerca da casa passava na praia. E o quintal enorme, cheio de árvores, caju, manga, aquele negócio. Eu sempre vivi, assim, em lugares amplos, aí viemos para um apartamento no Rio, né.
P/1 – Para que bairro vocês vieram?
R – Não lembro, né. O meu pai tinha comprado esse apartamento quando era militar. Tinha aquele negócio de sorteio de Caixa de pecúlio militar e tal, né. Então ele comprou aquele apartamento. E quando nós viemos para o Rio, obviamente ele já tinha pedido o apartamento, estava alugado. Então, nós viemos para esse apartamento no Leme, onde a minha mãe mora até hoje. Isso em 1950, mais ou menos, cinquenta anos, cinquenta e um já. Então, a vinda para o Rio é uma coisa que muda a sua vida, que os amigos são outros, você tem que começar a..., nós já tínhamos mudado se lembra? De Salvador para Vitória, de Vitória para o Rio. Mas para militar isso é muito comum, né. Aliás, o meu pai ficou muito mais tempo nos lugares do que muitos outros colegas dele. Tem lugares _______, já imaginou?
P/1 – Imaginei. Rio de Janeiro, Vitória, Salvador... (risos)
R – Corumbá, né, Corumbá. (risos) Não, se bem que...
P/1 – Sem desmerecer os...
R – ...Eu trabalhei em Corumbá depois, quer dizer, até gosto por outra razão, né. A entrada do pantanal, entendeu? É simpático. Mas, então, a vinda para o Rio foi uma outra mexida, um outro começo, descobrir o Rio de Janeiro, né. E naquela época, interessante, porque o Rio de Janeiro era muito mais leve, muito mais casual, né. O que era hoje não tinha, não tinha essa violência, não tinha bonde, a Avenida Atlântica era diferente, tinha leiteiro que deixava leite na porta e pão, né. E a gente fez amizade, tinha uma turma nossa, chamava a turma do murinho. Tinha um murinho na Avenida Atlântica, num prédio que tem até hoje, tiraram o murinho, mas o prédio tem até hoje. Era um murinho numa esquina, né, inclusive na rua que eu moro.
P/1 – Em que rua?
R – É Aurelino Leal. Aurelino Leal, você conhece o Leme, conhece, né? Se vem pela Avenida Atlântica e entra no Leme Palace Hotel, cruza a Gustavo Sampaio, e vai para rua de trás da igreja, a rua da igreja que é a dos conventos dos dominicanos e tal. Ficou famoso em 1964 porque esconderam muita gente dentro daquele convento, né. Então, no final dessa rua, da Ribeiro da Costa, começa a Aurelino Leal que é uma rua pequenininha, vai dali até a praia. E é muito bom porque ela é flanqueada de um lado pelo Sindicato do Chopp e o outro lado pela Fiorentina, quer dizer, ficou bem ancorado ali. (riso) Triângulo das Bermudas, ali, some aí no meio, né.
P/1 – O Fiorentina da sua época, não o de hoje.
R – Não. Reinauguraram, reinauguraram, mas da minha época.
P/1 – Reinauguraram agora, é, mas aquela era muito mais...
R – Era diferente, né. Mas a comida continua meio ruim.
P/1 – Horrível.
R – Mais é tomar chopp lá e tal, mas comida, nunca foi o forte, também não é o forte hoje, né. Mas enfim, Aurelino Leal é ali e a minha mãe mora a duas quadras de mim, quer dizer, nem, que, duas quadras! Um, dois, três, cinco prédios depois, na Gustavo Sampaio, mais para o fim, a mãe mora onde eu morei também.
P2 – Essa turma do murinho que o senhor estava contando, como é que, vocês ficavam no murinho?
R – A gente se encontrava ali de noite. O Leme era um bairro tranquilo, você podia sair, não tinha problema, não tinha violência, não tinha, até hoje não tem muito não, comparativamente. Mas a gente se encontrava ali, as meninas, os meninos, os namoradinhos, as coisas começavam naquele papo, né. E fim de semana você ia para..., arranjava uma festa na casa de um, uma festa na casa de outro, namoricos. E tem amigos meus, até hoje, que foram ali do murinho, que continuam. A gente, alguns a gente se vê menos outros mais, porque uns já se mudaram, outros, mas a gente ficou com uma turma mais ou menos básica: Luiz Reis, que hoje é general, tá em Brasília, o João Paulo Machado, que também já se aposentou, tá morando em Petrópolis. Começa a dispersar, a coisa começa a rolar, de filhos, começa a bater papo de neto, então é uma coisa... (risos)
P/1 – Mas em relação, assim, à vida social e de lazer, por exemplo, em Copacabana, lá, cinemas, sorveterias, lugares de encontro...
R – Olha, o interessante ali no Leme, que o Leme é um bairro pequeno, tipo Urca assim. Aliás, apesar disso que Urca é o único bairro que não é de passagem no Rio, porque quase todos eles são, né. Hoje não tem. Copacabana é de passagem, Ipanema, Botafogo, Leblon, Jardim Botânico, até Laranjeiras, hoje, que se é para pegar o túnel você vem para Laranjeiras, usa Laranjeiras de passagem. Os dois únicos bairros são Urca e Leme porque do Leme você não vai para lugar nenhum, porque tem a pedra lá. Quiseram, inclusive, fazer um túnel lá, graças a Deus o Exército não queria, porque era uma área se segurança nacional, não sei por quê, né. Deve ser área de segurança para eles.
R – Segurança nacional... (risos)
P/1 – Que é a ponta. (risos)
R – Segurança nacional, aquele molhe em cima, com os obus alemães de mil oitocentos, fazendo “Pul, Pul”. (risos) Mas graças a Deus, eles disseram: “Não, não, isso aqui é área militar, segurança nacional”. Porque queriam fazer um túnel para ligar o Aterro do Flamengo. Passava por ali, já ia dar na Urca também e jogava direto no Aterro do Flamengo. Graças a Deus, isso eles não deixaram, né. Antigamente, onde hoje é o Mário’s, aquele restaurante, tinha um cinema, chamava Cinema Leninhos, _______ Leme, né. Então a gente ia para lá ver a sessão de cinema, que foi um cineminha. Hoje, eu diria até que é um cinema de arte, porque era pequenininho, salinha pequena, cabem cinquenta pessoas, acho, no máximo. Então, a gente ia para lá, fim de semana, e tinha um outro. Tinha um antigo bar, chamado Bar Danúbio, era um bar alemão, entre a Gustavo Sampaio – hoje é um prédio – e a Avenida Atlântica. E era um bar de alemão, acho que durante a guerra mudaram o nome dele, não me lembro o nome original, era o Bar Danúbio. Que era um dos melhores chopps do Rio porque o porão era refrigerado e as decorações eram interessantes. Outro dia eu vi uma fotografia dele num desses livros antigos, né. As colunas imitavam árvores, aquelas mesinhas de botequim mesmo, de ferro e tal, e tinha uma varanda que dava para Avenida Atlântica, ok. E tinha dentro do bar todo com um coreto no meio onde tocava um violino e um piano, uns velhinhos que estavam toda a noite lá tocando, né. E em cima tinha um cinema que eu não me lembro o nome, não sei se era Cine Danúbio e tal, então a gente brincava que foi o primeiro cinema chopp do Rio de Janeiro, cinema (Scoup?), naquela época era Cinema (Scoup?), então era o primeiro cinema chopp do Rio de Janeiro. Quando chegaram os outros, lá já tinha muito tempo. Você descia, pegava o chopp, ia, subia, ou descia para pegar um chopp, né. E era um cinema bem, bem fuleirinho mas bem gostoso, bom para namorar também, ficava atrás da coluna, ótimo, né. E tinha de você ir para o primeiro Bob’s que teve no Rio, que nem era Domingos Ferreira, se encontravam no Bob’s para comer um cachorro-quente. É interessante, que o meu irmão, é o mais novo, ele é o Chairman do Bob’s da rede, né. (risos) Ele é um executivo dele, o mais novo. O Bob’s, inclusive, é uma rede Fast Food que é negociada na Nasdaq dos Estados Unidos, investidores institucionais. Nada que se compara com o Mc Donald’s que na _______ também. Então, era ir ao Bob’s, ir ao Roxy, aquele cinema, o Rian da Avenida Atlântica, o Rian, um bom cinema e praia né. A grande coisa do Rio de Janeiro e naquela época não tinha sido duplicada a Avenida Atlântica, né. E eu me lembro que a gente chegava do colégio à tarde e...
P/1 – Você estudava no Andrews?
R – Estudava no Andrews. Nós chegávamos, esse grupo: eu, João Paulo, quem mais, tinha João Paulo, eu o Luiz, não, o Luiz Reis, ele estava na Academia Militar de Agulhas Negras, é um pouco mais velho do que eu, só que vez em quando, tinha o (Del Querto?), também era da academia, tínhamos um grupo, que a gente ia pegar onda no Leme. E onde antigamente era muito melhor, porque quando eles duplicaram, me contaram isso anos depois, o projeto original previa que você fizesse uma espécie de quebra-mar ali na ponta do Leme para preservar as condições do mar, né. E o que não fizeram. E tanto que a onda lá em Copacabana quebrava de você pegar, naquele tempo não tinha, pegava jacaré mesmo, né. Não tinha negócio de prancha, pegava jacaré. E a gente pegava lá até escurecer, aí você via a Avenida Atlântica acender as luzinhas todinhas, que eram aquelas amarelas, era bonito e tal, né. Aquilo sim parecia um Colar de Pérolas, porque você ficava dentro da águas e você via acender as luzes todinhas ali na Avenida Atlântica, né.
P/1 – É, ficou conhecida com Colar de Pérolas, né. Sempre se referiu como se fosse um Colar de Pérolas.
R – É, um Colar de Pérolas. Mas era muito mais porque também eram lâmpadas amarelas, aqueles lampiões da Light que tinha, né. Você é muito nova, você é novinha, não se lembra disso. Mas tinha aqueles lampiões, aqueles postes da Light, é um globo branco e a luz lá dentro. Então você via, dava para você ver aqueles pontinhos. Hoje são aquelas lâmpadas grandes, tal, não é a mesma coisa. E enfim, fomos vivendo essa época boa no Rio. De quinze anos até, você já aí em 40, continuei lá no Andrews. Aí depois começa a universidade, faculdade, aí começa cada um a tomar o rumo, né. O meu irmão do meio, depois, foi fazer Economia. E quando eu comecei a ir para o mato e tudo, a gente vai começando a perder um pouco, a vida vai direcionando cada um para um lado, né. E agora me perdi.
P2 – Você estava comentando que cada um toma um rumo...
R – É, cada um para um lado. Voltando, você quer fazer alguma pergunta do Rio, mais alguma coisa?
P/1 – Não, só em termos de cinema. O que você via nessa época? O que passava no cinema quando vocês eram jovens? Você consegue lembrar disso?
R – Olha, primeiro passava muito daqueles seriados do Batman, Flash Gordon, aqueles filmes de Cowboy que até hoje continuam, né. Eu gostava muito de ficção científica, gosto até hoje de ficção científica, mas naquele tempo eram aqueles foguetes Flash Gordon, né, não queimava direito. (risos) Eu vejo aquilo como quase um conto, porque é muito gozado você ver aquelas trucagens que se faziam antigamente para o foguete subir, o foguete ia assim, né. E com toda a tecnologia conseguiram fazer Guerra nas Estrelas e Planeta dos Macacos ______ e tal. Mas você via esses filmes, Doris Day, lembra? Algumas comédias de Hollywood, mas aquela coisa que a gente ia um fim de semana de vez em quando. Que tinha o negócio da mesada também que não dava para tudo não. Então, você era “ou”. Era o “ou”, fazer isso “ou” aquilo, “ou”, né.
P/1 – E música? A tua turma era da música?
R – Tinha. Eu tenho um irmão que hoje, até, toca violão bem e toca harmônica, né. Antigamente o cara chamava gaita, mas ele fica furioso, diz que não é gaita não, é harmônica. E eu tocava violão, um pouquinho. Então, tinha umas meninas que tocavam violão. Então, a gente se reunia para tocar violão e naquele começo estava começando a surgir a Bossa Nova também, né. E a gente se reunia para tocar, eles tocavam melhor do que outros, cantavam e tudo, aquelas músicas da época. E a outra coisa foi que eu, aí eu já era mais velho, eu sempre fui alto, quer dizer, eu tinha catorze anos, podia parecer dezessete, dezoito. Então, eu entrava em todos esses lugares aí. E naquele tempo não tinha aquele controle, se você tinha cara de maior tudo bem. Acompanhar o Beco das Garrafas, quer dizer, a bossa nova todinha. Leninha Andrade que eu conheci, até o Tom eu me lembro de ter visto lá, o Vinícius, esse pessoal todinho que não eram consagrados como vieram a ser depois, né, eram jovens também. Então, o Beco da Garrafa frequentava muito aquilo ali, né. E você via surgir toda a parte da bossa nova ali. Isso foi uma boa experiência de você ter podido se lembrar daquilo e ver que foi ali que pôs todo esse movimento da bossa nova. O Tom veio a ser, o Vinícius, o Vinha, João Carlos Vinhas, o pessoal da bossa todinho, né. Bom. (risos)
P/1 – Boas lembranças.
P2 – Depois de você ir na Vale é que você estava cursando Ciências Econômicas. Aí você vai para Vitória, isso, trabalhar lá?
R – Não, não. Nas férias, péra aí, foi nas férias? Acho que foi. Eu fui fazer um estágio em Vitória. Eu não fui trabalhar, eu trabalhei por lá. Eu fiz um estágio, quis que eu conhecesse todo o processo ligado à exportação. Aí eu fui para os navios, todo o procedimento que acompanhava e depois fazia parte de um documento que depois nós íamos processar lá ________.
Todo o embarque, a distribuição de minério do navio, conversar com o comandante, manifestado, aquela papelada todinha. E que aquilo tudo, depois, eu ia pegar no Rio para preparar toda a parte de exportação, as faturas, os cálculos de – porque você fazia cálculos do teor do minério, depois que vinha as análises do teor do minério, a umidade, ok. E então você faturava noventa por cento, depois você tinha que, quando vinha as análises feitas por laboratórios independentes, ainda tinha que fechar os dois resultados ou você ainda tinha que cobrar deles, para não dar a diferença, ou então pagar a eles se fosse o caso, né. E tinha o que eles chamam até hoje, o (The Murch?), quer dizer, você tem tanto tempo para carregar o navio, né. Se você carrega antes do prazo, você tem um prêmio, se você passa, você tem uma penalidade. Então, esses cálculos todos que a gente tinha que fazer para a parte de faturamento da Vale do Rio Doce. Aquilo, naquele tempo era feito em maquininha facit, sabe aquela que volta para trás, para frente, para trás, para frente? Hoje já deve ter um programa que calcula esse negócio todinho. O cara nem bota a mão mais no negócio, né. Já deve estar tudo informatizado. Naquele tempo era maquininha facit. O Omero que era chefe da sessão, então ele fazia e tinha sempre que refazer o cálculo. Se eu fizesse, era eu, o Henrique Nestal e o Omero, serviço de exportação da Vale do Rio Doce naquele tempo. As três pessoas: eu, o Omero e o Henrique Nestal. Então, cada um que fazia um cálculo, algum outro tinha que rechecar, calcular de novo. Porque às vezes, sabe, tem aquele erro repetitivo que você está fazendo e não consegue ver, o outro pega, né. Se o Henrique fazia eu conferia ou o Omero conferia, ou eu conferia do Omero, mas sempre passava por dois, para depois ir para frente. E eu fiquei lá o quê? Dois anos.
P/1 – Como é que era esse ambiente de trabalho?
R – Ah! Muito bom, muito descontraído. Eu sempre achei, e depois na Docegeo mais ainda, muito assim, uma coisa muito familiar. Talvez para mim fosse até mais fácil porque a Vale para mim já era família, você entendeu? Aos dez anos de idade eu fui para Vitória e eu morava praticamente dentro da Vale, oficina, na casa dos engenheiros, Doutor Euzélio, Doutor Abelha, Doutor Vidal e todos ali. Aquela ________, até hoje, hoje também. Mas, a Vale, eu achei uma coisa, para mim foi sempre muito familiar. E pelo fato de ir trabalhar na Vale logo depois, né. E o ambiente era um ambiente muito, depois eu trabalhei em outras empresas, eu já fiz outras coisas, e vi como a concorrência aquele negocio todinho que faz realmente deixar você o tal tenso, o tal estressado, né. Não era um ambiente estressado. Então foi o quê? Eu passei basicamente dois anos. Depois tirei licença.
P2 – Conta um pouquinho dessa sua história do garimpo, dessa sua trajetória.
R – Olha, como eu já tinha dito antes, eu tinha alguns amigos aqui que inclusive, se não me engano eram dois americanos. Moravam no Leme também. Um deles namorou, inclusive, uma amiga minha do Leme. Daí que nós viemos a conhecê-lo. E eles fundaram a primeira empresa de helicóptero do Brasil, chamada Helitec. Eu que sempre me interessei nisso, não só fiquei amigo, mas ajudei eles a fazer várias coisas: negócio de helicóptero, de conseguir contrato, de pá, pá, pá, pá. E inclusive, quando a Vale do Rio Doce se interessou pela Amazônia, na parte da Amazônia Mineração, que hoje ________ Carajás. Você já tiveram vários depoimentos aí, inclusive do Breno, do pessoal todo, você conhecem bem a história, não vou repetir a história. Mas a Vale do Rio Doce, quando estava negociando, ela precisou fazer uma vistoria, que aliás, não foi nem a Vale do Rio Doce, foi se não me engano foi em nome do DNPM (Ministério das Minas de Energia). E isso eu já estava na Vale do Rio Doce, já tinha voltado, nós estamos falando aí de 1968, 1967, talvez, 1969, por aí. E eles precisavam de um helicóptero. Onde é que arranjar um helicóptero? Não tinha muito helicóptero no Brasil. Foi até o Machado, foi o Machado, vocês entrevistaram o Eduardo Machado? Pois é, foi o Machado, quem mais?
P2 – (Forman?).
R – Acho que o (Forman?) também. Foi o (Forman?), Machado, (Forman?) e não sei mais. Bom, mas enfim, onde é que vai arrumar um helicóptero? Aí eu falei: “Eu sei onde arranjar”. Porque tinha um helicóptero que eu sabia, da Helitec, que estava em Rondônia, mas estava vindo para o Rio. Eu digo: “Ah bom, bota o bicho, vou trazer”. E foi justamente a primeira visita que eles fizeram em Carajás, na Vale do Rio Doce, que não foi em nome da Vale, foi em nome do DNPM (Ministério das Minas de Energia) e tal, com Machado. E foi esse helicóptero da Helitec que eu fiz a coisa toda e que era desse amigo meu, desse (Louis Knols), que foi um os primeiros pilotos, primeira empresa de helicóptero privada no Brasil foi a Helitec, não a Votec. E essa amiga, eles tinham uma amiga deles, ________ da Califórnia, (Luy Know?), e queriam visitá-lo aqui. Que foi a Pamela, que foi essa americana que eu disse que tinha estudado geologia e tudo. E que aí, como é que foi a história. Nós fomos a Minas Gerais para falar com esse (Jonh Macarther?). Daí nos entusiasmamos com a coisa e resolvemos trabalhar com diamantes naquele local. E montamos o equipamento todinho, trouxemos o equipamento dos Estados Unidos. Eu fui aos Estados Unidos, fiz um curso de mergulho, de mergulho mas pra mineração, na (Gold Diver’s?), na Califórnia. E compramos o equipamento e levamos para Minas Gerais. Montamos o acampamento na margem do Jequitinhonha, Maçaratiba.
P/1 – Nossa!
R – Um depois de diamantina. E começamos a dragar o rio, né. Draga portátil dos americanos, tal. Começamos a dragar o rio.
P2 – Já tinha gente garimpando ali? Como é que era?
R – Aquele local, era um local que o pessoal não conseguia dragar porque o Rio Jequitinhonha entrava todinho em uma garganta de pedra, né. E o que nós queríamos fazer era entrar naquela garganta e trabalhar nas áreas mais prováveis de concentração de diamantes, que são as panelas, que eles usam no rio porque aquilo cava aquela pedra cavada, aquilo cria um movimento quando a água passa, de circulação, então você puxa os diamantes que concentram ali nessas panelas, sombras, curvas. Nós estamos lá trabalhando e tudo, quando, à noite, fomos dormir, começou a chover. Nós sempre levávamos o equipamento para cima, assim, uns quatro, cinco metros numa plataforma que tinha. O que aconteceu foi o seguinte: estava chovendo um pouco lá mas estava nas cabeceiras do rio. Já estava chovendo há bastante tempo. Então, em uma noite, o rio subiu seis, oito metros ali, carregou todo o nosso equipamento, foi tudo embora. Descia o rio, danou-se tudo, acabou a brincadeira, né. Mas aí já tinha, a febre do garimpo já tinha pego, né. Aí nós, nesse meio tempo, quer dizer, na outra estação, nós montamos um outro equipamento e fizemos uma associação com a família Guimarães, não a família Guimarães, mas da família Guimarães que tinha, quer dizer, a mina de ouro de Mariana, ok. E tinha o Flávio que era o engenheiro de minas. E gostou muito da gente, gostou muito das ideias e resolveu fazer um Joint Venture, né. Nós íamos montar o equipamento, levar na mina de Mariana para testar o equipamento, montar, que eles tinham uma oficina mecânica tudo lá. Mas, era Marcílio ele, Marcílio. O Marcílio não estava diretamente ligado à empresa e mais o outro primo dele que tomava conta disse que não gostava da gente, a coisa acabou não saindo, né. Porque eu vivi com a Pamela, vivemos juntos. Era aquele negócio de mineiro, né, não estava casado, como é que eu ia dormir com ela, pô, não podia. E o cara sabotou, sabotou, acabou nós desistindo de fazer o negócio com ele. E juntamos recurso, pedimos dinheiro emprestado, ela pediu dinheiro emprestado lá nos Estados Unidos e montamos um outro equipamento por nossa conta, sem ninguém. Um compressor que nós alugamos, um (Ócide?) enorme, montamos as coisa nós mesmos e fomos para lá trabalhar de novo. Não, e dessa vez, nós tiramos, achamos alguns diamantes, algumas joias interessantes e tal. Mas para nossa grande surpresa, quando nós chegamos, entramos nessa garganta, que para nós era território virgem, ninguém tinha tocado lá. Depois que a gente desceu uns dois metros, ali, o que que nós vimos? Ferramenta de garimpeiro antigo, aquelas ferramentas, quer dizer, os portugueses já tinham passado por lá ó... E nós achando que estávamos em um território virgem.
P/1 – Pioneiros.
R – Porque o problema ali é que a força da água era tão grande que eu tinha que mergulhar com cinquenta quilos na cintura, de chumbo, senão me levava. Eu tinha que trabalhar, mergulhar amarrado em corda. Eu tenho umas fotos, depois eu te mostro aí, agarrado em corda. Embaixo, a corda, era um saco enorme com bigorna, com tudo para poder ficar no fundo do rio e eu subir e voltar com corda, né. E amarrado com cabo em cima me segurando. Então, eram paredes, um Canyon. O rio inteiro entrava em um Canyon que na ponta da entrada se eu esticasse o meu pé e minha mão, quase batia nas paredes. Quer dizer, um rio do tamanho do Jequitinhonha entrando naquele negócio. Só que atrás tinha uma praia enorme. Foi justamente esse gargalo que me tirou todo o equipamento anterior porque vinha aquele volume de água, entrava em três, então para trás subia, né. Mas na segunda vez a gente aprende, né. Aí já era diferente. Mas quando nós vimos que ali já tinha sido trabalhado, quer dizer, nós íamos pegar o que sobrou talvez ou talvez não pegar nada. Então disse: “Não. Aqui não é o local ideal”. Aí: “Então o que nós vamos fazer?”. “Vamos para o Amazônia, que lá (...)”.
P2 – Como dessa ida, como desse jeito à Amazônia. Queria que você contasse um pouquinho que momento foi esse, com foi essa ida.
R – É. Depois que nós chegamos e vimos que naquele local, que era um local que a gente achava mais favorável, os antigos já tinham estado lá, né. Então, obviamente, o que nós íamos conseguir ali é o que sobrou que não conseguiram tirar de alguma maneira. O que tornava muito menos atraente você ficar ali. Então, aonde é que nós vamos agora? Nós vamos para Amazonas, né. E para chegar no Amazonas, nós montamos uma operação, nós conseguimos com a Willys Overland do Brasil – na época não era fora a Willis – através do Euclydes Aranha e do Mauro Salles que era a área de propaganda, projeto, tal, né. Então, nós pegamos um aerolineas que estava sendo lançado naquela época, já era um modelo mais abrasileirado, não era aquela cópia do americano _______. Nós subimos a Belém-Brasília, que não estava nem aberta nos trechos ainda, estavam em picadões ainda. Nós fomos filmando aquilo tudinho e chegando a Belém. E ainda filmamos um pouco em Belém do carro. Mas o problema é que Belém é a porta de entrada. Nós queríamos ir para dentro. E chegamos a Santarém, para encurtar a história, conseguimos ir de jatinho até Santarém. Nisso, antes, filmando também, nós fizemos uma viagem com a FAB. Quer dizer, o avião da FAB que abastecia aqueles poços indígenas Tireóis, perto da Guiana Francesa. Depois o capitão Vasconcelos, até hoje, a reserva do Xingu, Parque Nacional do Xingu, né. E um fato interessante, nós fomos em Tireóis, tinha umas freiras, né. E nós chegamos na aldeia, o que me chocou, os índios estavam vestidos. Parecendo em andrajos, com a roupa toda rasgada, aquilo, né. E depois estava filmando ali e uma das freiras falou: “Olha, uma das nossas conquistas aqui, foi nós vestirmos todos eles”. Os indígenas estavam todos vestidos. Aí eu peguei e disse assim: “Olha, eles andavam nus, vocês é tinham que ficar nus aqui, não vestindo esse ________. (Parece que você, andando na floresta, rasgando roupa e tudo. Eles não estão acostumados com aquilo. Aquilo é uma coisa antinatural para eles). Se vocês quisessem viver entre eles, vocês que tinham que tirar a roupas e não vestiam eles”. E fomos comer cozidos ainda, nem comer com os oficiais da FAB: “Ah! Subversivo, sai daí pô!”. Aí conseguimos chegar em Santarém, conhecemos um garimpeiro chamado Nilçon Pinheiro, Nilçon com “c” cedilha. E que ele tinha achado muito ouro na frente do Tapajós. Estava montando uma outra base num outro garimpo recém aberto chamado cuiú-cuiú. Então nós fomos de barco, eles tinham um barco enorme, aquele barcos, aquelas gaiolas e nós subimos, fomos – e também filmando tudo – até o tal do cuiú-cuiú e ficamos lá um pouco e resolvemos: “Não. É por aqui que nós vamos trabalhar”. Aí voltamos para Belém, o barco virou em uma tempestade no rio, e nós estávamos numa canoa, né. E “pluft!”, virou tudo, perdemos tudo e ficamos lá dois dias esperando o garimpeiro que conhecia o rio, que nos deixou na aldeia dos Tireóis, quase na confluência do Crepori, rio Crepori com o Tapajós. Aí ficamos dois dias lá com os índios. E o cacique lá muito pressionando porque a Pamela era loura, branca loura, bem loura, americana. E os índios passavam a mão no cabelo dela e dizia assim: “Já ofereceram uma três galinhas para trocar por você!”. “Vamos melhorar a troca, minha filha, o senhor cacique tá de olho, o cacique tá de olho.” (risos)
Passamos dois dias lá. E passou um garimpeiro japonês que estava indo para Jacareacanga, né, que eu queria chegar em alguma base para pegar, depois, uma carona, que eu sempre conseguia, o pessoal da aeronáutica, tudo. Queria uma carona para ir a algum lugar: Belém, Manaus e tal, né. subimos o rio, dois dias também com esse garimpeiro japonês, que tinha trabalhado numa base aérea americana, depois na guerra. Então falava um pouco de inglês, tal, ficou muito contente de falar inglês com a Pamela. Disse o nome dele em inglês para ela, né. E chegamos a Jacareacanga. Em Jacareacanga, nós ficamos quase uma semana lá. Mas aí tinha vantagem. Quando o meu pai era militar, tinha um amigo dele que era o Brigadeiro Pratinha, né. E como nós tínhamos sumido no mapa, mamãe apavorada. Já tinha falado com Pratinha para saber se tinha alguma notícia, porque eu estava há quinze dias sem dar notícia e tudo, o que que tinha acontecido. E o Pratinha tinha passado um rádio, se tinha notícia. E quando nós chegamos lá e identificamos, o sargento, comandante da base, me olhava assim, para nós dois. Quando viu que era nós, porra, aí arrumou alojamento. Comia no alojamento dos oficiais, quarto telado, na boa, depois de dormir naquela barraca de rio. Aí nós fomos para Manaus, porque o único vôo que tinha era Manaus. E de lá voltamos para o Rio e aí resolvemos realmente montar uma expedição para sair para o Amazonas. Trouxemos de novo o equipamento dos Estados Unidos, o equipamento mais moderno, inclusive, eu fiz associação com aquele grupo Sabbá da Amazônia, do _______ Isaac Sabbá, que tinha petróleo Sabbá. A única refinaria de Manaus, depois a Petrobras comprou a refinaria e a Shell, coisa estranha, comprou a parte de distribuição de petróleo, chamada Petróleo Sabbá. Não sei se mantém o mesmo nome hoje, Petróleo Sabbá. Que anos mais tarde, o meu irmão mais novo conheceu o presidente da Petróleo Sabbá, quando ele voltou, acho que a Holanda ou Alemanha, né. Morou em Manaus, onde ele conheceu a esposa dele, a primeira esposa que faleceu recentemente. E, só que, anteriormente, já tinha feito uma associação com o senhor Isaac, que depois vinha a encontrar de novo, os filhos todos batendo papo daquela época, tudo. Mas aí fomos com o no equipamento, a nossa base era Santarém, eu fui para Santarém e voltamos para o mesmo lugar, o cuiú-cuiú. Aí já éramos dois barcos, mais organizados, com equipamento, levava comida para seis meses, uma temporada mais ou menos da seca, né. Se trabalhava no rio, na seca, né. E...
P2 – Existia, nessa época, quer dizer, um certo movimento de garimpo ali, ou era...
R – Não, não existia. Mas não o garimpo que veio a ser feito depois no Tapajós. O Tapajós, alguns anos atrás, ele chegou a ter trezentas balsas trabalhando nele. E é o que eu queria ter feito. Mas aí já é dar um pulo para frente. Nós levamos o equipamento, montamos para trabalhar lá. Só que esse equipamento, ele foi feito para trabalhar com ouro mais grosso, com a granulometria maior um pouco e mais livre na areia. Que é o ouro que tem na Califórnia, que tem na Guiana Inglesa, porque eu cheguei até ir lá também, trabalhar na Guiana Inglesa, trabalhei em Roraima, trabalhei em muitas cidades. E o ouro que o Tapajós tinha é um ouro muito fino e ele vem agregado no barro, que eles chamam de Alagraje, ok. É um barro meio branco. Você tem que desagregar aquele barro para poder tirar o ouro dele. E o equipamento que eu tinha era fazer a concentração embaixo d’água. Era uma espécie de draga, que não parte traseira dela, tinha o que eles chamavam (Aganrey Ryflous?), eram palhetas de madeira colocadas em intervalos para fazer remoinho, e a hora que fazia redemoinho, o ouro, aquele peso específico muito alto, a areia passa e o ouro fica. Quer dizer, a ideia é essa, que o material mais leve, o ouro, aquele negócio passava todinho e o ouro e alguns outros minerais associados ao ouro ficavam concentrados ali e depois você tiraria aqui e lavava, pegava o ouro. Funcionava bem na Califórnia, lá não funcionou. Aí nós resolvemos fazer uma série de modificações no equipamento, fazer a concentração fora d’água e enfim. Mas nessa época também, eu peguei uma malária brava, né.
P/1 – Que época que você está falando? Qual é o ano?
R – Falando de 1964, 1965, ok. Eu peguei uma malária e tive que ir para Santarém, né. Passei uns dias lá no hospital de Santarém, de saúde pública lá, né. E eles dão, até hoje deve ser, eles dão um coquetel, né. Te dão, bota um soro e enchem aquele negócio, de remédio no soro e você fica naquele soro e tal. Aí disseram: “Não, tudo bem”. Aí eu voltei para lá, voltei lá por acampamento. Cinco dias depois, de novo, né. Aí eu voltei para Santarém, fiz outro tratamento, voltei para lá. Uma semana depois, “pá!”, de novo.
P2 – Qual é a reação física? Que tipo...
R – Você começa a sentir um frio na hora, tarde, né. Você começa a bater o queixo de frio, né. Aí daqui a pouco você começa a sentir um calor e sua, geralmente é no final da tarde. Sabe, o finalzinho da tarde, o comecinho da noite que os mosquitos estão lá, “fluc, fluc, fluc” no seu sangue, né.
P/1 – É nessa hora.
R – E aquilo dá uma reação que nem mosquito falcívaro, né. E com isso, você vai intoxicando o seu baço, o seu fígado. Aí chega uma hora que você diz assim: “Não. Eu não”. Eu já estava com sessenta e poucos quilos, magro, né. O que que eu fazia? Eu trabalhava de manhã, que era de mergulho, você trabalhava uma hora debaixo d’água, subia, aí descia e trabalhava uma hora, descia e trabalhava uma hora, descansava uma hora, descia e trabalhava uma hora. Aí final de tarde, tomava banho, comia alguma coisa, deitava na rede e esperava o ataque. Quando acabava o ataque você estava morto, você queria só dormir, né. Mas no outro dia você acordava bem. Só que a malária vai te minando, vai te minando as forças, vai tirando a resistência, vai tomando conta do seu corpo. Aí eu não aguentei mais, vim para o Rio. E por sorte minha, um médico, que é o médico da família, que morava no mesmo prédio, até hoje mora, a minha mãe e o namorado Jenar Nobrega, que é primo longe do meu pai, também é de Pernambuco, Paraíba. E ele sempre nos atendeu, médico de família, amigo, qualquer coisa: “Ah! Vai lá no Jenar. Fala com o Jenar”. E aí mamãe chamou o Jernã. E eu não sabia disso, ele era o diretor do Hospital Evandro Chagas, aqui da Fiocruz, em Manguinhos. Terceirizado em doenças tropicais, né. Quando ele viu o quadro me mandou direto para o hospital. E fiz todos os exames lá e tal. Aí começaram a me dar os remédios, né. Eu vinha para casa: “pum!”. Uma semana, quatro dias depois começava os ataques todinhos. E eles mandaram até trazer remédios, como a Fiocruz é uma instituição de pesquisa, então ele tem acesso a esse centro de pesquisa todinho. Mandaram trazer um remédio da Inglaterra que estava sendo testado ainda. E eu vou lá, interno e tomo o diabo do remédio: “Ah! Não fez exame, tá bom, agora não tem nada”. Uma semana depois: “pum!” de novo. Aí fizeram junta médica e me internaram lá. E eu fui tratado, quem conseguiu me tratar. Eles chegaram a conclusão que teria três tipos de mosquitos classificados na África, e uma no Brasil que estava imune a todos os remédios. Já tinha desenvolvido resistência a todos os remédios modernos. Resultado: eu fui tratado e me curei tomando quinino, e a tebrina, que eram os remédios da Primeira Guerra Mundial, né. Quinina é tebrina. A tebrina deixa você amarelo, assim, de você tomar sol. O branco do olho fica amarelo, assim. E eu, imagina, esse tratamento durou quase um ano, né. Não só o tratamento mas a recuperação depois, cuidando do parente homeopático, né. Aí, depois, eu achei que já estava de bom tamanho, a parte do garimpo. E que me valeu muito na Docegeo, né. Aí...
P2 – Só uma perguntinha, você contou da febre do garimpo. O que que é isso exatamente? O que é essa sensação?
R – Olha, a experiência de você achar um diamante é uma coisa muito emocionante porque você tá trabalhando, você trabalhou fisicamente, investiu de você, de dinheiro até, mas de você. E você, quando você acaba de peneirar, que você tira aquele cascalho, quer dizer, quando você vira a peneira, você vai, busca e lá tá o diamante ali dentro. Essa é a febre que você vai achar, você vai achar o diamante, você vai curtir aquilo, vai lhe trazer riqueza, vai lhe trazer tudo, né. Mas o momento de você, o ouro também, de você ser o ouro, quando você bater, que você ver, que você vai separando o ouro ou você vê um diamante quando você vira a peneira ou quando você vai batinhando que você vai vendo, ficando um pouquinho, quando você vai limpando, vai ficando o finzinho, o cone, aquele conezinho, vai vendo o amarelo que fica ali. Depois você joga o mercúrio para você capturar o ouro, né. É uma experiência, é uma coisa emocionante, acho que é como quase ter um filho, ver um filho pela primeira vez. Sabe, quando você olha lá, esperou nove meses, aí você vê aquela carinha lá olhando para você. A experiência é mais ou menos, a sensação que dá de você virar e ver aquele diamante ou ver o ouro é maravilhosa. Por isso que dessa febre, né. Você...
P/1 – Mas o que te movia? Quer dizer, que é uma coisa meio... pela sua narrativa é bem aventureira, né? Quer dizer, te movia...
R – Pois é. Eu queria fazer alguma coisa mais dinâmica, sabe. Eu estava achando a minha vida, estava burocrática demais, ok. E eu não estava muito contente. Eu queria abrir a porta para outras coisas. E por uma série de coincidências, de ter conhecido o (Jonh Macarther?), dele ter falado dessa área. De eu ter conhecido a Pamela, que já tinha experiência na área mineral. Que na realidade, eu não tinha o menor _______ de ir para lá, nenhuma experiência mineral, que eu trabalhava em uma empresa de mineração que era a Vale do Rio Doce. A minha formação, eu tinha começado a fazer Economia. (pausa) Onde é que eu estava? Passou outra ideia na cabeça.
P/1 – A pergunta: O que te moveu a essa experiência?
R – Foi essa série de circunstâncias, de fatos que se juntaram. E realmente de você ir fazer, planejar, desenvolver, montar e ir para o interior de Minas Gerais, isso foi uma coisa que eu gostei muito, ok. E obviamente se juntasse alguma atividade produtiva ali, melhor ainda, né. Mas tem um pouco de aventura também. Sabe, sempre tem esse lado meu, meio aventureiro, aventuresco, né. De você se enfiar em um negócio novo, ver coisa que você nunca viu antes e ver coisas lindas no rio. De você andar naqueles igarapés e ver uma parede de orquídeas todinha, crescendo no rio, né. Eu até filmei isso, de você passar com o barco e as orquídeas vêm caindo e o rio atrás fica coberto de orquídeas, que é barco a remo, né. Mas tinha que passar no meio delas Então, são imagens, são fatos, são coisas que eram muito bonitas na época. Também me chamava muito esse lado. Aí depois desse negócio de garimpo, depois dessa malária toda, que eu quase fiquei um ano, aí eu disse: “Não. Aí tá bom”. Aí eu voltei para Vale do Rio Doce, que eu estava de licença antes, tirei licença. Voltei para Vale do Rio Doce, licença são investimentos, eu me lembro bem, né. Não é licença... Licença são investimentos. E voltei para Vale, acho que em 1966. Aí fui trabalhar na presidência da Vale, na secretaria técnica, que era o Mascarenhas ainda que, que depois foi o presidente da Vale, era o secretário técnico. Montamos centro de informações técnicas da Vale. E ao mesmo tempo, eu conheci Raquel e rapidamente nos casamos e 1968 nasceu a Ananda. Aí eu voltei para faculdade, que eu já tinha voltado. Logo que eu voltei para Vale, 1966, 65, 66. Aí tive que pegar a minha carteira profissional e depois é que eu só _______ _______ _________ se pega.
P/1 – Não, tudo bem.
R –
Mas foi por aí. Aí voltei para fazer Administração. Porque Administração, a faculdade de economia era de manhã. E a administração na Candes Mendes era à noite. Então eu fiz Candes Mendes à noite. Acabei o curso. Depois fiz Fundação Getúlio Vargas. E em 1970, surgiu a Docegeo. Que dentro desse movimento todinho que você viu que várias pessoas fizeram depoimentos aqui, a grande exploração que estava começando na Amazônia, as grandes empresas internacionais, a descoberta de Carajás, a OCAN [Alcan?]pesquisando bauxita. E a Vale do Rio Doce que, naquela época, até naquela época, na realidade, talvez um pouco anterior a isso, a Vale do Rio Doce, na realidade, ela era uma grande transportadora de minério de ferro. Ela tinha mina de cauê, aquelas outras minas ali ao redor. E eu me lembro que a muito tempo, isso, não em 1960 e pouco, antes disso. Nos anos 50 mais ou menos, a Vale não tinha muitos geólogos não, só alguns engenheiros de minas, tudo. Ela não conhecia a constância da jazida que ela tinha. Porque ________ aquela sondagem de medição de jazida. Tinha a bruta daquela montanha de minério de ferro, estava comendo aquela montanha, transportando território e jogando nada, né. Quer dizer, quando viram que aquela montanha estava acabando, aí começaram a pesquisa mesmo e entraram geólogos na Vale do Rio Doce tudo, mas não é assim no começo da empresa não, depois. Basicamente uma empresa de minério de ferro que tirava minério de ferro lá com a maior tecnologia possível, tinha uma ótima estrada de ferro e logo depois comprou o Tubarão, um porto moderno, né. Mas a nível de empresa de mineração, de um grupo mineral, pesquisa como a US Steel e outros que estavam pesquisando manganês no Brasil. A busca da descoberta de Carajás, isso a década _______, o pessoal deve ter falado tudo aí. Eles estavam procurando manganês para siderurgia, né. Estavam procurando manganês, a US Steel, qual era a outra que tinha?
P2 – Rodim.
R – É, Rodim. Tudo procurando, a OCAN, outras procurando bauxita, né. E a Vale do Rio Doce com a descoberta de Carajás, que acabou sendo negociada, a compressão do governo brasileiro transformou-se na Amazônia Mineração. Depois, a Vale do Rio Doce comprou a parte da US Steel. Patrimônio da Vale por aquela província mineral que é Carajás, né. Mas na realidade, a Vale do Rio Doce transformou-se numa empresa de mineração no sentido de pesquisa e tudo com a criação da Docegeo, né. E isso foi 1970. Por quê? Porque tinha uma área em Paragominas, que depois, pedi tarde, trabalhei lá. O primeiro que foi lá, o primeiro geólogo que foi comigo na mina, eu fui o primeiro a ir para Belém. Me convidaram por conta da Docegeo, eu fui formado, o Emmanuel Magalhães foi o primeiro presidente da Docegeo, me convidou para abrir o escritório de Belém.
P2 – Por que ele te convidou?
R – Você sabe, você tinha que perguntar a ele, né. (conversa cruzada)
Ah! É. Ai que bom, então pergunta a ele. Eu devia estar enchendo o saco dele também para ir, né. E não é só isso, eu era um dos poucos que tinha experiência na Amazônia. A Vale do Rio Doce era uma empresa mineira. Mineira de Minas Gerais. Você não tinha experiência logística de Amazonas dentro dos quadros da Vale, né. Eu te contei que quem arrumou o primeiro helicóptero para ir levar a primeira expedição da Vale do Rio Doce, que foi sobre o nome de DNPM (Ministério da Minas de Energia), que foi o Machado, o (Forman?), fui eu. Que tinha a Helitec, que era daquele amigo meu americano, tal. E que eu sabia que tinha um helicóptero em Rondônia vindo para o Rio. Telefonei para o Louis, disse: “Louis, olha, tenho um trabalho para você”. E ele levou o helicóptero lá e foi o helicóptero da Helitec que levou o pessoal para sobrevoar a área todinha, para ver a história todinha. Então, por talvez eu ter mais conhecimento da Amazônia, inclusive de ter pego malária e tudo, né. E ter operado logisticamente na Amazônia, obviamente, quase pessoal, não empresarial. Mas eu operei, vivi, sobrevivi no mato, né. Eu fui para lá, eu e Ubirajara, dar apoio a parte de administração, contabilidade, tudo. E você também, aquele, da Vale, você precisa dois para assinar, não pode assinar sozinho, né. E fomos para lá, montamos o primeiro escritoriozinho num edifício lá, era uma sala, né. E que a gente fazia café, varria e tudo.
P/1 – Aonde que era? Que lugar da cidade que era?
R – Em Belém, bem no centro, bem ali perto da Praça da Paz, tem um teatro, aquele centro de Belém. Tem uma salinha na esquina, que tinha sido uma empresa de táxi aéreo, né. Que eles tinham saído dali, então sublocaram, locaram a sala até nós encontrarmos uma casa, que foi o primeiro escritório da Docegeo em Belém, que era um casarão daqueles antigos que nós reformamos, tal. E aí depois começou, o primeiro geólogo que foi fazer essa pesquisa, foi o Otávio que foi para lá. Nós trouxemos o nosso rural (Wilis?), cedidas pela Vale do Rio Doce em Belo Horizonte. Um dos motoristas que vieram, também, ficou lá e nunca mais voltou.
P2 – Ficou por Belém?
R – Ficou por Belém, ficou lá o tempo todo. E viemos a fazer aquela primeira pesquisa em Paragominas. Descobriu-se depois a bauxita. Foi o primeiro projeto que o Otávio que veio. Aí depois que a coisa foi engrossando, né. Aí chegou o Prema, aí chegou a turma toda. Passei cinco anos lá em Belém. E realmente foi, talvez, o penúltimo grande projeto de exploração regional, quer dizer, de ambientes geológicos que se fez no Brasil, né. Aí você tinha toda uma estrutura e uma equipe que não tinha hora para nada, era uma equipe que trabalhava com entusiasmo, com garra, todos os geólogos que passavam por lá. E vinham muitos de todo o Brasil porque a faculdade de Geologia de Belém era muito recente, né. Então tinha mineiro, tinha gaúcho, pernambucano, tinha tudo lá, gringos, tinha gringos também. E foi uma experiência muito boa porque era uma equipe, também uma coisa família, me sentia numa grande família. Eu aluguei uma casa em Belém, que o pessoal ficou horrorizado, pessoal da terra, né. Porque era na Belém-Brasília, né. Era um outro município perto de Belém, quer dizer, antiga Belém, mas era o final da Belém-Brasília, né. E era uma casa de madeira enorme, tinha piscina de água natural, campo de futebol, campo de vôlei, né. Aí mandei pelar a casa todinha. E o pessoal ia lá e fazia churrasco no fim de semana, descia helicóptero lá, “Raaaaaa!”, descia o helicóptero lá, né. Nesse tempo não era nem nosso, o helicóptero, que nós não tínhamos. Era o pessoal do Radam, que era muito amigo nosso, então chegavam às vezes de helicóptero lá para jogar futebol, tomar banho de piscina, fim de ano a gente fazia festa de fim de ano lá em casa.
P/1 – Sua família foi?
R – Ela foi. Mas a Raquel, ela tinha a profissão dela, né. Ela fazia dança moderna, expressão corporal. Tinha estúdio, academia dela, né. E lá em Belém ela trabalhou, deu aula para Fafá de Belém, por exemplo, que naquela casa era pequenininho, né. Fafá de Belém foi aluna dela e muita gente lá. Mas depois ele ressentiu, né. E então ela morou dois anos lá, foi um ano depois que eu fui. Passou dois anos, voltou e eu fiquei mais uns cinco anos no total lá. Fui em 1970, saí em 1975. E era fim de ano, a gente enchia a piscina com aquelas ervas cheirosas da Amazônia, dar banhos de cheiro. Enchia aquilo, ficava o cheiro, caía na piscina e tal. Então morei em Belém mais um ano e pouco, dois anos.
P/1 – Mas assim, para tentar entender, o que essa equipe, o que movia, quer dizer, vocês estavam, praticamente iniciando um projetão, né, de grande porte. Vocês tinham consciência disso? Da dimensão desse trabalho? Das expectativas? Quais eram as expectativas?
R – Não. Não, nós tínhamos consciência do que nós estávamos fazendo. Porque a Docegeo, ela atuou na região do Brasil inteiro. Você tinha o distrito da Amazônia, você tinha o distrito Salvador que pegava a parte do Nordeste todinha. Você tinha em Goiânia, o distrito de Goiás ou Centro-oeste e o distrito Sul. Mas pelo tamanho, porque o distrito Amazônia, que a saída era Belém, ele pegava toda a região amazônica, incluindo parte do Mato Grosso, era enorme. E não só isso, como toda a dificuldade logística que tinha para se operar na área. Você, quando vai fazer uma exploração no meio do mato mesmo, que seja Carajás, perto de Carajás, você tem que levar tudo. Muitas vezes, o abastecimento tem que ser aéreo, você tem que jogar, o pessoal lá fabricava pára-quedas. E o avião tem que passar em cima do local e o cara tem que saber a hora que ele vai jogar, tem que saber embalar aquilo porque senão quebra tudo, né. Rio, subir rio e tudo. Às vezes tem corredeiras, quer dizer, eu acho que o mais fácil era o geólogo chegar lá e trabalhar num certo sentido. Porque para ele chegar lá e trabalhar, você já teve uma infra-estrutura que foi toda mobilizada para colocar ele lá. Não só colocar ele lá, mas toda a infraestrutura necessária. Desde enfermeiro com todos os medicamentos, desde rádio, pendas ou construir acampamento foi o caso, né. Mais tarde, você abrir clareira pra helicópteros, já tínhamos helicópteros, preparar infraestrutura para helicóptero, preparar transporte de querosene para abastecer os helicópteros. Então, o grande problema da Amazônia com relação às outras áreas é que o nível de dificuldade logística era bem maior. Eu trabalhei em outras áreas também. Eu ia de carro para o trabalho também. Dirigia um dia, dois dias, era bem mais fácil. Muitas vezes você estava em lugares que não tinha cidade próxima, quer dizer, o abastecimento, ali, tinha tubo que vinha de Belém, né. Quer dizer, vai por rios muitas vezes ou vai até de caminhão, depois tem que ir por rio, depois de um determinado local aquilo vai de barco ou vai de avião ou vai de helicópteros quando ia, né. Você tinha que trazer o pessoal, quer dizer, chega da (FAL?), a pessoa tinha que trazer tudo quando revezamento. Então, a parte logística da Amazônia, e a gente tinha consciência disso. Mais o entusiasmo, quer dizer, o potencial da região, o entusiasmo que o pessoal tinha para trabalhar era... Tinha um alemão, o Décio Maia, que infelizmente não está mais com a gente, era uma dificuldade para tirar ele do mato. Ele não queria sair do meio do mato. Tinha que dizer assim: “Não, Zé, você já passou, pô, você já tem mulher e filho, rapaz. Daqui a pouco a sua mulher passa aqui e te larga! Não é possível! Vamos embora, pô. Vamo sair daqui!”. O cara, um mês, dois meses dentro do mato e o Brasil para cá: “Ah! Vou ter que ir para o Rio. Vou para Belém para fazer relatório!”. (risos)
Mas, então, tinha o Breno, toda aquela equipe, não vou falar individualmente, mas toda a equipe era altamente motivada. Já estava todo mundo engajado naquilo. Quer dizer, não tinha diferença se fulano era sênior, se o outro era chefe ou não era chefe. Não. Havia um entusiasmo muito grande de participar daquilo. Da outra vez, que a gente se sentia quase como se fosse uma família, né. E depois, sempre havia competição com as outras empresas que estavam lá também. Quem chega primeiro, quem tem o melhor desempenho, quem consegue, né. E todo esse esforço, por exemplo, toda essa atividade que hoje a Docegeo tem, outros lugares, mas tem absolutamente na Amazônia, porque em Carajás, ali nasceu o minério de ferro. O resto foi descoberto lá, muito foi a Docegeo que descobriu. O fato de Carajás estar aí, obviamente, você tinha baseado em Carajás, você tinha uma estrutura muito melhor para pesquisar áreas. Mas tem projetos que são cinquenta quilômetros, quarenta quilômetros. No mato, é quarenta quilômetros, né. Que lá é assim, a gente pensa que é planície amazônica, mas vai na planície amazônica para você ver como é que é! Ainda de helicóptero é fácil. Eu andei a pé e muitos geólogos. No meu tempo de garimpo eu andava a pé. Depois de helicóptero, aquilo é maravilha, você vira e “plum!”, desce, né. Eu para chegar de Santarém, que era a base, quando eu era garimpeiro, até o rio cuiú-cuiú eram dez, doze dias de barco. Subindo corredeira, puxando o barco em corredeira, tirando tudo, botando tudo, subindo não sei o que lá, dormindo em beira de rio, né. Então, realmente, quando você tem um operação que conta com um apoio aéreo bom, helicópteros e tudo é bem melhor, né.
P/1 – E essas outras pessoas, né? Esse motorista que você contou que foi para lá, ou piloto, quer dizer, essas pessoas talvez até da região, como é que era a relação de vocês? Quem vocês empregavam?
R – Olha, você tinha um corpo técnico que você recrutava. O que nós conseguíamos. O perfil que se precisava para aquele projeto, a experiência dele, ok. O Background dele também. Então, tanto podia ser do Rio Grande do Sul como da Bahia, de onde fosse. Às vezes tirava de outra empresa, inclusive, né. O pessoal de nível, por exemplo, você tinha os técnicos de mineração. Os técnicos de mineração basicamente eram formados no Rio Grande do Norte, acho que Rio Grande do Norte naquela época, talvez, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, depois fizeram uma escola no Pará, uma escola de Geologia. Não me lembro onde é que tinha outra escola técnica em Mineração. Então você tinha, recrutava desses lugares, ok. Ou eles estavam trabalhando em outros lugares, não sei, alguns contratavam, né. É, você ia nas escolas, às vezes, você está precisando pegar os melhores alunos, fazer entrevista, pegar os melhores alunos, coisa que se faz muito hoje, né. Essas grandes companhias estão todas na porta dessas escolas melhores, maiores, né. E o pessoal, tipo braçal, a nível mesmo de capataz, esse pessoal, a gente procurava muito contratar na região, né. Quando tinha, por exemplo, o Décio, ele trabalhava numa área Almeirim. É a cidade sede dele, do Décio Maia (Meyer). Então, todo o pessoal dele, de uma certa região era de Almeirim. Ele contratava pessoal, gente com experiência de Marketing, gente que já tinha trabalhado para ele anteriormente, já conhecia o esquema dele, né. A gente procurava contratar na região por várias razões. Primeiro, porque eles conheciam a região, né. No Brasil, você chega com o mapa na mão, o mapa não é apurado como deveria ser, né. Descobre-se riozinhos, tem um igarapé e tudo, vivem descobrindo novo lá, né. Ou às vezes está com nome no mapa e eles lá conhecem por outro nome, né. Então, você procura contratar o pessoal na região. Nós tínhamos alguns capatazes muito bons que treinavam o pessoal, quer dizer, esse, a gente ficava o tempo todo, dependendo do tamanho do projeto. Esses capatazes, por exemplo, treinavam geólogos mais novos, os recém-formados. Colava um bom capataz junto dele pra, que dá experiência de campo, né. E pelo fato também, de você contratar um pessoal do projeto, na hora que você der folga, fica muito mais fácil para você transportá-los para uma cidade perto dali do que indo todo mundo para Belém, né. Então Belém, quer dizer, Amazônia, você tem muitos nordestinos na Amazônia, tem muito pessoal que migra na Amazônia em função de problemas no Nordeste, tudo, vem do Maranhão, mais do Nordeste, ok. A gente contratava, como eu falei para você, dependendo do tipo de projeto, dependendo do nível técnico que você precisava da pessoa, né. E alguns braçais que eram muito bons, ficavam conosco o tempo todo. Quando acabava o projeto..., trabalhei na Amazônia, na época de seca, muitas vezes encerrava o projeto, os melhores você dava férias e o pessoal mais baixo você dispensava, quer dizer, acabou o projeto, desprendeu o projeto, né. Outros ficavam geralmente, nas escalas de férias e tudo, eram esses meses em que você não podia operar máquina na Amazônia. E que eram os meses todos de planejamento, para você fazer o planejamento da próxima estação, para próxima temporada.
P/1 – Qual era o período que vocês paravam, em meses?
R – Olha, depende, né. Basicamente, você começava a trabalhar, quer dizer, ir para campo, março, abril. Dependendo da estação chuvosa. Tinha umas que prolongavam mais, outras menos, né. Mas começava março, abril até novembro, às vezes avançava um pouco. Tinha projetos, por exemplo, que eles te chamavam, tinha projeto que tipo, o projeto cidade, projeto asfalto. Paragominas, você ia de carro, de asfalto até lá. Esse, não precisava ter, ele podia trabalhar até mais cedo. Mas é que não tinha a quantidade de chuva que tem num projeto no meio do mato, no meio da Asa Norte ou no meio do Amazonas ou, entendeu? Eram duas situações diferentes. Mas normalmente é de março a dezembro, vamos dizer. Podia ser abril e podia vim e cortar até novembro. Que a gente também juntava com festa de fim de ano, de colégio, ________ me tiraram, me visitaram. É, muitos dos geólogos vieram de outros estados, então, tiraram férias, iam visitar as famílias, né. As crianças estavam de férias também, né. Antigamente eram três meses, agora é um mês, né. Então, dava tempo para todo mundo recarregar as baterias para voltar para o trabalho.
P3 – Você não teve _______, assim, no escritório de Belém? Quer dizer, sua _______ pedir emprego ou colocação nesse projeto, não?
R – Não, tinha. A gente tinha sempre gente que, e a gente sempre recrutava porque sempre tem uma rotatividade, né. Tinha, o escritório não era um escritório enorme, entendeu? Nós tínhamos a parte técnica, tinha a parte administrativa e a parte logística todinha, né. O escritório em si, de Belém, naquela época, não sei agora. Agora acho que nem tem isso, porque agora tudo é concentrado em Belo Horizonte e Carajás, quer dizer, não tem mais Belém. Mas depois cresceu muito, depois que eu tinha saído de lá, tanto que eles construíram uma sede nova lá em Belém para Docegeo. Porque você tinha que você também toda a parte de laboratório. Você tinha os laboratórios todinhos, você processava, fazia as análises todinhas, né. Mas você sempre tinha um ______. Mas a gente recrutava, basicamente, na mesma, né. A não ser, por exemplo, um químico. Você precisa de um químico especialista em absorção atômica: então você tem que correr atrás de onde tem, né. Lá, inclusive, era um escocês, um bom químico. E nós tínhamos consultores estrangeiros, né. Que eram pessoas que tinha experiência em determinados tipos de ambientes, porque nós estávamos querendo achar aqui no Brasil. Então nós tínhamos australianos, nós tínhamos sul-africanos. Inclusive, um que morreu há pouco tempo, assassinado aqui no Rio, na praia de Copacabana, você que mora aqui se lembra: o (Militon?). trabalhou conosco, é da Docegeo, né. E então, era uma mistura, sabe, muito, era uma mistura que dava um bom coquetel, né. Tem uns que não dão, né.
P3 – Você ficou na Amazônia até 1975?
R – Fiquei. E fiquei na Amazônia até 1975. Depois eu vim para o Rio de Janeiro, né. Porque aí começou um problema familiar, né. Porque Belém e Rio não é, quer dizer, eu vinha no Rio a cada quarenta dias, né. De vez em quando o pessoal até me chamava aqui. Não tinha, precisava vir mas não, vinha fazer uma reunião aqui. Não precisava estar aqui. Mas eles me chamaram por quê, né. E eu acabei me separando, né. Aí eu vim para o Rio. E eles tinham criado nessa época uma Superintendência de Projetos Especiais. E essa Superintendência de Projetos Especiais foi organizada, basicamente, para atender a dois projetos iniciais, que foi Caraíba e Camacuã. O Bndes tinha assumido as empresas do (Baby Pignatari?), Caraíba e Camaquã. Porque a coisa estava indo para o espaço. E contratou a Docegeo para fazer a pesquisa desses dois locais. Camaquã já era uma mina de cobre. E Caraíba, na Bahia, era um projeto que já tinha tido muita pesquisa, mas não tinha saído do papel. Então, eu vim para o Rio, para ser o coordenador desse projeto. E eu operei durante dois, dois anos e pouco, entre Bahia e Rio Grande do Sul, né. Porque uma vez por mês duas... Então, nós tínhamos uma sede na Bahia, diferente da cidade, do distrito. Havia o distrito da Docegeo em Salvador e havia o Projeto Caraíba que era outra, completamente separadas as duas coisas. E nós operávamos perto de Petrolina e Juazeiro, não, Juazeiro não. Mas Minas de Caraíba, que é lá no interior mesmo da Bahia. E no Rio Grande do Sul, era em Camaquã, no Rio, na Mina de Camaquã, na cidade chamada de Camaquã, também no interior do Rio Grande do Sul. Isso foi o quê? Foram uns dois anos e pouco. Depois entrou um outro projeto, que era a Mina de Corumbá, aquela mina de manganês, que existe lá em Corumbá, né, Urucum, que era Urucum Mineração. E que nós também, trabalhando lá, nós tínhamos esses três projetos. Depois o quê? Aí nós estamos falando de 1968, 69, não, que, 1970, ok.
P/1 – Não, 1970.
R – Não. Isso foi em 1968. Aí esse projeto estava basicamente acabando, o projeto já tinha sido feito. A própria estrutura que havia sido montada e que para fazer o projeto, continua tocando o projeto lá, que é a própria Caraíba Metais, ok. Já tinham uma equipe própria, mais organizada. E foi uma época que houve um corte de investimentos na Docegeo. E aí resolvemos, eu, quer dizer, estava na época de fazer uma outra coisa. Então eu tirei licença, pedi licença para Vale do Rio Doce, da Docegeo, da Vale do Rio Doce, porque na realidade eu era cedido para a Docegeo. Eu era da Vale do Rio Doce, não era do quadro da Docegeo. Montamos uma empresa chamada Austral Mineração e Serviço. O Axel, que era o geólogo, o não sei nem como é que se chamava, o Superintende de Projetos Especiais. Acabou os Projeto Especiais, resolvemos sair, ele saiu da Docegeo, eu pedi licença e fomos montar uma empresa que se chamava Austral Mineração e Serviço.
P/1 – Esse nome Austral tem um porquê?
R – É porque nós estávamos trabalhando no Hemisfério Austral, né. Não é “Austraulia” não, não, aquele Austral sul, né. (risos)
P/1 – “Austraulia”. (risos)
R – E a ideia que nós tínhamos era fazer pesquisa própria. E tinha um outro sócio, naquela época, era sócio, que também foi da Docegeo, mas ele não saiu, continuou, foi o Aranha. Não sei se vocês já entrevistaram, ele que está na Paranapanema. E a nossa ideia era achar uma boa jazida de barro, quer dizer, para fazer uma cerâmica entre Rio e Búzios, que a ideia era todo mundo morar em Búzios. Maravilha, né. Aí começamos a pesquisar, pô, imagina que a coisa era mais complicada. Aí eu consegui, o Bndes, ele precisava aumentar a reserva de cobre desse projeto Caraíba Metais. Ele precisava adicionar reservas para tornar o projeto mais viável, ter mais reserva natural. E o superintendente do Bndes e da Caraíba, nesse tempo, o (Ariudes Ozanéli?)..., eu já tinha trabalhado para ele nos Projetos Especiais da Docegeo. E tinham montado essa empresa e eles estavam precisando também de uma empresa para fazer a pesquisa para eles. Então ele nos contratou, contratou a Austral e nós fomos fazer a pesquisa no Ceará, estudar minério no Ceará. O que deu uma vida própria a Austral e com o lucro que nós estávamos tendo lá, nós aplicávamos em pesquisa própria. Então, fomos pesquisar de novo diamante, mas aí de uma maneira diferente, em Minas Gerais. E começamos, a pedido de uma empresa, e procurar um material, a cerâmica, para fazer isoladores elétricos de um material que tinha certas características. Porque senão o isolamento não funciona, né. E ao fazer isso, nós achamos uma outra jazida de uma coisa chamada Nefelina Sienito, que é um Feldspato, quer dizer, é um substituto de Feldspato, né. E foi a primeira jazida economicamente explorada de Nefelina Sienito, que está aí até hoje. Aí depois nós íamos botar essa usina para funcionar, mas deu uma briga com os sócios, nós éramos sócios, porque nós não tínhamos capital, né. Tinha a ideia mas não tinha o dinheiro, né. Então fizemos sociedade com um grupo Modiano, assim do Rio, Humberto Modiano. O filho dele, depois, foi presidente da BMPM, Eduardo. Mas a coisa não deu certo, deu uma briga, aí a coisa parou. Nesse tempo, enquanto a Austral, eu já dava uma consultoria para ABP Mineração, que tinha fundado no Brasil, né. E em 1980, 1981, eles me convidaram para ir para ABP. Como a coisa da Austral estava meio ruim, estava uma briga de sócio, aquela coisa, eu não tinha como ficar mais lá. Fui para abrir esse petróleo e que estava começando um outro, acho que esse foi o penúltimo grande projeto de exploração mineral, foi a Docegeo, a Vale do Rio Doce, Docegeo. Acho que o último foi ABP. Que também tinha um projeto grande, a nível regional, de trabalhar em todas as áreas do Brasil e não num local mundo, aquele _________ no local, né. E eu fiquei lá quanto tempo? Fiquei lá... Olha, você me interrompa, faça perguntas, sim. Porque de vez em quando, né... (risos)
P/1 – Estamos, estamos indo. Tá certo. (risos)
R – Então, eu fiquei até 1987, 1988 lá na ABP.
P/1 – Que tinha como grande projeto, qual era o maior projeto deles?
R – Olha, você tinha desse projeto de exploração em muitas regiões do Brasil. Projeto que foram a frente, lá. Um foi a mina de ouro de Cabaçal, no Mato Grosso, que era uma associação com a Monteiro Aranha, com o grupo Monteiro Aranha, com a Globo e o Bradesco. Associação que foi desenvolvida, foi uma mina subterrânea de ouro que foi feita, que foi explorada, acabou. Acabou porque acabou o ouro, né. Acabou a jazida. E o outro foi um projeto de Fortaleza de Minas, que está sendo levado hoje pela Rio Tintos Zinc. Porque a parte mineral da ABP, ABP é empresa de petróleo, né. Sabe que durante uma época, todos achavam, quando houve aquela crise de petróleo há anos atrás, todos acharam que eles criaram empresas voltadas para o setor mineral. Que aparentemente é a mesma coisa, são quase gêmeas, né. Quer dizer, se você for pensar teoricamente, é uma grande risco, você investe muito tempo. Para você levar uma jazida ao mercado, leva, então tem que ser empresas grandes que têm a possibilidade de financiar alguma coisa dessa, que tenham fôlego para financiar um projeto grande. Trabalha com geólogos e com engenheiros, vão para o mato e não sei o quê. Mas você vê que todas elas saíram. Todas as empresas de petróleo voltaram a sua origem. E algumas empresas de mineração que tinham investido em petróleo venderam a sua parte e voltaram a sua origem mineral. Apesar da similaridade, as culturas são diferentes. A cultura petroleira é diferente da cultura mineradora, ok. Então a empresa de petróleo vendeu a área toda mineral para Rio Tintos Zinc, também empresa inglesa, a (Hard Zed?), né, e que tá desenvolvendo, então, esse projeto de Fortaleza de Minas, níquel, cobalto, níquel com alguma coisa a mais. Agora preciso de uma pausa!
P/1 – Claro. (risos)
R – Bom, eu saí da ABP. Eu continuava de licença da Vale, eu tive que ir para Vale sem investimento, né. O que é interessante, só voltando um pouco. Quando eu saí pela primeira vez, para fazer Austral, eu falei: “Eu vou pedir demissão da Vale”. Aí o Mascarenhas, naquele tempo já era o presidente, não sei se ele era presidente e tal, fui falar com ele, que eu tinha trabalhado com ele, pô. Ele disse assim: “Pô, Claudinho, você vai tirar, pedir demissão depois de tanto tempo na Vale. Faz o seguinte, pô: pega licença sem investimento”. Eu digo: “Ah! Tudo bem”. Peguei licença sem investimento e a coisa foi indo, né. Porque eu fiquei onze anos fora da Vale. Bom, saí da ABP. Montei uma empresa chamada Capo e tudo, também nessa área mineral, mas ligada a pedras ornamentais, mármores, granitos e tudo, né. Tinha um sócio meu que era italiano, da África do Sul, mas italiano, (Frank Aguerri?). E nós fizemos uma associação com a empresa da Itália para dar assessoria, as empresas brasileiras estavam trabalhando todas nessa parte de granitos, aqui no Espírito Santo, Minas Gerais e tal. Montamos alguns projetos, fizemos alguns projetos interessantes nessa área e muita associação com eles. Mas coisa tinha que atingir uma massa crítica que não atingiu. Porque muito pessoal que trabalha nessa parte de granito, tudo, eles não gostam de fazer muita pesquisa para frente. Alguns grupos já estão fazendo, né. Eles trabalham, ali, de olho na pedra, ali, sem saber o que que está lá na frente, se ali era o melhor de tirar, se eles estão fazendo a coisa economicamente certa, ok, e geologicamente certa também, se esses blocos estavam sendo cortados com um melhor aproveitamento da área e tudo. Quer dizer, fizemos dois, três projetos nas empresas médias e uma, inclusive, grande. E depois, houve o fato de que, eles levam uns dois anos, dois anos e pouco fazendo isso, entrando também nessa parte de comércio exterior e vender também granito para fora, tentando montar uma Joint Venture para o pessoal de Portugal com um grupo brasileiro que queria comprar uma mini em Portugal. Nós tivemos esse contato, mas a coisa não caminhou muito bem. E, mas nesse tempo, aquilo que eu falei para você, eu estava de licença, né. Aí recebi uma carta da Vale dizendo que não ia mais me conceder licença. Eu digo: “Bom, não vou mais conseguir licença. Eu tenho duas opções: me desligar da Vale e continuar a fazer aquele negócio”. Mas eu senti que o campo ali, nessa parte de granito e tudo estava meio limitado, ok. Estava limitado. Os próprios italianos que queriam investir no Brasil, e iriam dentro do acordo inicial, iam investir no Brasil em uma fábrica de processamento, tudo, comprar. Estavam reticentes e tudo, disse: “Não. Se é para voltar, eu vou voltar para Vale”. Voltei para Vale numa época que o Doutor Eliezer tinha sido convidado para ser pro Secretaria de Assuntos Estratégicos. E ele tinha um plano, aquele mapeamento ecológico, econômico do Brasil que era uma coisa excepcional para se fazer. E, inclusive, não só isso, mas todos os grandes troncos de influência do Brasil e depois até para América do Sul que ele, acho que está fazendo até hoje, né. E então eu fui de novo revisitado, quer dizer, fui trabalhar na Secretaria de Assuntos Estratégicos e eu passei o quê? Dois anos lá.
P2 – Dois anos aqui.
R – Não, não. Fiquei aqui no Rio. Porque, a secretaria era em Brasília, mas tinha o escritório maior aqui no Rio. Porque a grande parte de universidades ou é aqui no Rio ou é em Minas Gerais ou a própria universidade de Brasília, mas o Rio era um ponto mais central, mais fácil de você..., né. Então nós tínhamos uma equipe aqui que..., mas infelizmente você sabe o que que aconteceu, quer dizer, o Eliezer acabou saindo de lá do negócio, o Collor, aquele negócio todinho, né. Eu continuei lá porque ia, disseram: “Não, mas o programa vai continuar, o programa vai continuar, o programa vai continuar”, e continuou, né. Aí me pediram para ficar lá mais um pouco. Eu fiquei lá dando apoio na área de inteligência. Tinha a área de inteligência lá também, lá dentro, atualmente não é ali não. E aí isso foi até 1995 mais ou menos quando me aposentei da Vale, né. Aí já tinha sido trinta e cinco, que aí a Vale já estava sendo a parte de privatização, e eu já estava com trinta e cinco anos de trabalho, né. E perguntaram se eu queria fazer um acordo: “É comigo mesmo”. (risos) E me aposentei em 1995.
P/1 – E como é que é hoje? Quer dizer, quais são as suas atividades? Como é que é um dia seu hoje?
R – Olha, uma coisa interessante: eu tenho uma filha de oito anos. Eu tinha cinquenta e três anos quando ela nasceu. Que a minha esposa, a Suzi, quando nós conversamos eu já disse: “Olha, eu já tenho duas filhas, tudo. (E ela não era muito chegada a criança também não) Então, pôxa! Vamos levar a nossa vida e tal”. E durante muito tempo foi bom porque a gente tinha um apartamento, era só nós, nós fechávamos a casa. Quando, o aniversário, quando ela fez quarenta anos, minha mulher completou os quarenta anos! Quarenta anos! (Balsaque?), não sei o quê. “Vamos dar uma festa?” “Não, não quero festa, eu quero jantar com você.” Eu digo: “Tudo bem. Então, eu posso escolher aonde nós vamos jantar?”.” Aí no dia anterior ao jantar, disse assim: “Eu já escolhi o restaurante”. Não. Dois dias, é dois dias: “Eu já escolhi o restaurante que nós vamos jantar, e já marquei, inclusive, já fiz as reservas. É no (Washent Hull?), em Nova Iorque. As passagens estão aqui, pega a roupa”. Quer dizer, isto é gostoso, né. Porque é só você fechar a porta de casa e se mandar, né. Mas, então, com a criança, acidentes de percurso, mas que para ela hoje é maravilha, adora, né. Quer dizer, você tem um filho, imagina. Isto em 1993, que ela nasceu. Em 1995 me aposentei. Então eu tive a oportunidade de acompanhar uma criança porque, por exemplo, aquele tempo de Belém, quer dizer, perdi muito da idade das meninas também, né. E essa não, essa eu estou tendo a oportunidade de acompanhar o crescimento todinho. Bom, eu procuro fazer esportes. Eu tenho uma casa em Búzios e eu vou muito para lá de fim de semana, né. Eu fiz muito ultraleve, voei muito de ultraleve. Além disso, eu era piloto, também, não piloto de helicóptero, piloto de avião. E depois avião ficou muito caro e eu descobri o ultraleve, né. E voava muito tempo, né. Depois que a Verônica nasceu, a mãe que era piloto também, que tirou o curso, eu fiz ela fazer o curso de piloto, né. Não aguenta nem Boeing, primeiro, quanto mais ultraleve. Aí eu levei o meu ultraleve para Búzios, botei flutuadores nele e ficava voando lá por Búzios, descendo aquelas praias, onde o meu irmão tinha um Saveiro, né. Então, ele atracava o Saveiro e eu pegava o ultraleve e pousava do lado do Saveiro dele, amarrava, tomava uma cervejinha, ficava batendo papo. Ele ia para outra praia eu levantava voo e descia na outra praia. Tudo no mar, porque, né. Mas a corrosão... Ele ficava no jardim da minha casa que é em frente da praia, né. A corrosão comeu o bicho todinho, né. Desmontei, estava todo corroído, né. Eu tô sempre pra comprar um, tal, um dia eu vou comprar outro, um dia eu vou comprar um outro. Mas talvez vá passando, né. Quando eu quero voar eu vou lá no clube aqui do Céu. Você conhece o Céu, ali? Você também é chegada nessa área, não? Que é o Clube Esportivo de Ultraleve, né. E faço os meus voos por lá. Fora isso, eu tenho uma mina, que é aquela famosa mina de Nefelina Sienito, que eu falei com você que eu tinha descoberto no começo da Austral. E que nós estamos tentando negociar, vender, e então eu estou envolvido nisso, né. E estou envolvido em curtir, agora, o meu tempo, né. Eu disponibilidade do meu tempo. Aquele negócio do consultor que a gente falou, que todo mundo é consultor, né. Ainda bem, ainda fiz algumas consultorias, alguns grupos que eu conhecia do meu tempo que estava mais na ADP, né. E que de vez em quando me consultavam, queriam saber como é que estava o panorama, como é que estava a parte política, como é que estava, o que que ia acontecer, taranã, taranã, taranã. Mas está muito explorado esse programa, está muito explorado, né. O setor mineral do tempo da Docegeo tinha ampliado, os grandes projetos de exploração, regional, não estão acontecendo mais. Não no tamanho que foi tanto o da Docegeo, quanto o da ADP, um na década de 1970, o outro na década de 1980. Então, eu entrei no negócio da Internet também, nesse “.com”. Eles tinham umas empresas que tinha, inclusive na Nasdaq, naquele negócio, né. Não precisava fazer “Aipi Ôa”, era só... Mas estourou tudo, né. Essa empresa tinha setecentos mil dólares destinados, não que fossem meum setecentos mil dólares, gostaria que fossem, lógico, né. E da noite para o dia, porque é aquele negócio, você vivi, os caras, os investidores vendem. Aí você faz um novo (Icho?) de ações. Aí aqueles grupos fundo de pensão, aquele negócio, comprava cinquenta mil dólares de um ou duzentos mil dólares de outro. De repente secou. Que não tinha se levantado ainda, caiu, né. (Ray Toff?) setecentos mil dólares, assim e ponto, né. Aí eu resolvi parar, né. Continuei brincando com computador, atender os contatos lá fora e tudo e me chama para entrar, se eu quero entrar de sócio, eu não. (risos)
P2 – Sai fora!
P/1 – E em relação aos antigos amigos da Vale do Rio Doce? Você mantém contato? Você, com algum deles?
R – Olha, a gente mantém contato esporado. Por exemplo, essas reuniões que existem no Sindicato do Chopp, são geólogos, alguns geólogos da Vale, tinha os outros da ADP, outros de outras empresas e tudo. Quer dizer, se reúnem uma vez por mês, na última quinta-feira, né. O Otávio, o Breno, o Assad, o Fernando, tem vezes que é um grupo de oito e às vezes tem um grupo de catorze, às vezes tem grupo de nove, às vezes tem quatro. Quer dizer, é uma maneira da gente manter o contato, né. Da Vale do Rio Doce tradicional, não, porque eu fui muito para essa área mineral da Docegeo. Na realidade, eu diria que a minha vida profissional foi mais na Docegeo do que na Vale do Rio Doce. Conheço vários. Todos eles se aposentando, eu aposentado, o __________ ficou, quem mais que era do grupo da Vale? O (Burnier?) que não está mais na Vale, né. Alguns deles eu tenho contato. Por exemplo, em Búzios, eles se encontram em Búzios, um encontra aqui, um encontra em ocasiões, mas não, assim, contato direto, entendeu? O próprio Breno, a gente se encontra de vez em quando, se fala e tal, se encontra, né. O Magalhães, né. Mas eu não tenho, assim, não que fossem (báreis?), né. Quer dizer, colegas, assim, junto com eles assim. A gente se encontra em várias ocasiões, situações.
P2 – Sonhos, por exemplo, você tem sonhos? No futuro, sonhos...
R – Eu tenho. Eu tenho que botar essa mina para funcionar ou vender para alguém, né. (risos) Nós estamos desenvolvendo. Nós estamos desenvolvendo no sentido em que há dois grupos que nós estamos negociando há mais de um ano. Mas toda a situação, cada vez que ocorre um problema, o ano passado foi a Turquia. O problema da Turquia atingindo o Brasil, né. Nossos compadres aí com todo esse problema.
P/1 – Vizinhos.
R – E são empresas que elas não estão aqui no Brasil. Elas viriam para esse projeto. Quer dizer, elas não têm uma experiência de Brasil. Porque se você pega os jornais lá fora e começa a ler, não jornal porque você não lê jornal, você entra na Internet e tecla seus jornais, a situação aqui é catastrófica. Quer dizer, a Argentina já está em (Their Foul?), vai quebrar, isso, o Brasil vai submergir na onda. Por mais que você converse com eles, tente dar alguns relatórios aqui que tem em inglês para mostrar que nós não estamos, podemos estar ou mesmo estamos na mesma situação da Argentina, quer dizer, os nossos Fundamentals, estão mais ou menos sob controle, ainda assusta o pessoal lá fora. Quer dizer, vai fazer um investimento, daqui a pouco não posso reverter, sabe como é? O dinheiro é a coisa mais medrosa que tem, né. Ele é o primeiro a fugir, né, “Zip!”, some de lá. Então o que que acontece no (Their Foul?): suspende o pagamento, não paga a dívida, restringe, o que já aconteceu várias vezes aqui na história do nosso país, não pode mandar dividendo, restringe ou taxa sobre taxa de cinquenta por cento, aquele negócio, então o pessoal fica com medo. São duas companhias: uma francesa e uma americana. Mas eles não têm experiência no Brasil. Quer dizer, eles viriam para esse projeto, eles ficam tateando, com medo, tal. E a gente sabe que projetos na área de mineração levam tempo, maturar, né. Se bem que esse projeto já está pronto para ser implantado, precisava um pouco mais de pesquisa, um pouco mais de geologia de detalhe e sondagem de detalhe, porque precisa ver se é uma mina subterrânea. Mas o projeto, acabou-se o projeto, as licenças e tudo. Então, o meu sonho é colocar isso em funcionamento e voltar a voar de ultraleve. (risos)
P/1 – Bom, então para encerrar, a gente sempre faz a perguntinha do que achou de ter participado do Projeto Vale Memória e de ter dado o teu depoimento.
R – Eu acho uma coisa muito interessante, a Vale... Eu já tinha ouvido falar de vocês, porque vários outros colegas meus já estiveram aqui. Eu acho uma coisa, porque na realidade, a empresa são as pessoas. Então, a empresa em si, ela não existe. O que faz uma empresa são as pessoas nos diferentes momentos daquela empresa, como na vida da gente. A gente exerce coisas, têm funções diferentes durante a vida da gente, né. Então a Vale do Rio Doce, ela se preocupar ou ter esse interesse de ter história da companhia contada pelos seus atores de diferentes áreas no período da gente é muito importante porque é uma memória da empresa. Você tá entendendo? É um resgate de um tempo dessa empresa, quer dizer, como essa empresa foi sendo formada? Que tipo de cabeças entraram nela? Que ideias tinham? Por que ela foi para aqui em vez de ir para ali? Por que ela fez isso em vez de fazer aquilo, né? E a Vale do Rio Doce, ela sempre foi uma empresa muito, ela era uma estatal mas era uma empresa muito ligada. Quer dizer, foi uma das primeiras empresas a ter um fundo de desenvolvimento da Zona do Rio Doce. Quer dizer, era o reinvestir muitas vezes no social, na sua área de influência, quer dizer, basicamente, naquela época, era Minas Gerais e Espírito Santo. Hoje, a área de influência é praticamente o Brasil inteiro, né. Projetos que ela têm não só na área mineral, na parte logística todinha, que tinha um foco muito grande na logística, hoje na Vale, né. Nas outras área de alumínio, área florestal, área de papel, área... Então, ela sempre foi uma empresa muito ligada nessa área social. Quando nem se falava em resgate do nosso lado social que obviamente, hoje, a coisa é imprescindível que se faça. Senão nós vamos chegar à famosa ruptura de princípio social e tal. Isso que pode acontecer, né. Então empresas que invistam também nisso, quer dizer, no lado social, é muito importante. Vai ser cada vez mais importante, isso vai ser cada vez mais cobrado pelos organismos internacionais. Quer dizer, esse movimentos ________ que vocês estavam vendo, todos aí, que é o que está acontecendo na Itália, aconteceu em Detroit. O que é essa mobilização mundial que não pode mais haver essa separação brutal que está havendo em dois mundos, nos três mundos, né. Não dá, a tragédia que está acontecendo África, de raiz, de tudo. Um dia, eu li um artigo num jornal da África do Sul, faz um apanhado da situação lá. Olha, é uma tragédia que está acontecendo por lá, né. Morte, tudo, corrupção e educação, saneamento, tudo, tudo, tudo, né. E isso, nós vamos chegar a um movimento de ruptura. Esses movimentos que estão acontecendo todinhos, que estão acontecendo, não são feitos pelos africanos que vão lá não. São os europeus, são os americanos, todo mundo participando e mostrando para os oito: “Olha, minha gente, é muito bonito vocês ficarem resolvendo o problema de vocês. E o resto do mundo todinho?”, você sabe... (risos)
P/1 – Então muito obrigada pela participação.Recolher