IDENTIFICAÇÃO
O meu nome é Camilo Flamarion Ferreira dos Santos. Eu nasci em 15/11/1943, no Rio de Janeiro.Camilo Flamarion é um nome como José Antônio, Manoel Pereira, sei lá, Manoel Joaquim. Esse nome vem de uma possível influência sobre a minha mãe, exercida por um filósof...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
O meu nome é Camilo Flamarion Ferreira dos Santos. Eu nasci em 15/11/1943, no Rio de Janeiro.Camilo Flamarion é um nome como José Antônio, Manoel Pereira, sei lá, Manoel Joaquim. Esse nome vem de uma possível influência sobre a minha mãe, exercida por um filósofo, astrônomo e espírita, francês famoso, chamado Camille Flamarion, que era contemporâneo do Alain Kardec que foi, digamos assim, o grande mestre do Espiritismo Científico. Meus pais eram cardecistas e eu acho que ela resolveu por afeição, por dedicação à causa me presentear com essa alcunha, com esse nome.
FAMÍLIA
Pais e avósO nome do meu pai é Antônio dos Santos. O nome da minha mãe é Teodora Ferreira dos Santos. Meu pai morreu em 1991, com 91 anos de idade e a minha mãe morreu em 1995. Agora, o nome dos meus avós? Eu sei de dois pelo menos: Antônia dos Santos e Manoel Silvestre dos Santos. O outro é Joaquim Ferreira e a minha vovó... Não, não lembro. Por incrível que pareça, eu não me lembro da minha avó.Atividades do pai: eletrotécnico e DJ à moda antigaO meu pai era eletrotécnico. A minha mãe era doméstica. O meu pai tinha uma oficina na Rua das Laranjeiras, número 17. Era uma loja de uns cinco metros de frente por uns 20 de fundo, onde fazia reparo de televisão, toca-disco, aparelho de som, ferro elétrico, enfim, tudo que fosse eletrodoméstico. E também trabalhava com instalações industriais de empresas. Uma coisa interessante é que, depois de muito tempo, eu descobri que ele, todas as sextas e sábados à noite não estava em casa. É que ele descobriu uma forma adicional de ganhar dinheiro. Ele era o discotecário do Clube Hebraica, com aqueles discos antigos. Isso me emociona muito, quando eu lembro disso. Eu descobri isso porque eu perguntei. Eu via ele durante a semana porque, nessa época, eu já era meninote, eu já ia ajudá-lo, então eu descobri que ele empilhava lá uns discos separados e tal, fazia uns pacotes. Aquilo já era uma seqüência que ele preparava para tocar. E tinha aqueles toca-discos antigos que você empilhava os discos, uns toca-discos ingleses, de boa qualidade! E ele então pegava aqueles pacotinhos e fazia... eu acho que eram sequências. Hoje os DJ's fazem de outro jeito, mas naquela época era à lusitana mesmo. Na época, o que tinha de forte eram esses antigos, cantores brasileiros antigos: Carlos Galhardo, aquele que tinha uma voz... o Francisco Celestino, tinha um outro, o Nelson Gonçalves. Esse era o lado brasileiro. Aí, do lado estrangeiro predominava essas músicas dançantes americanas, aqueles clássicos. E finalmente não podia deixar de faltar aquelas músicas que eu chamo de Canção de Lupanar, que são aquelas músicas bregas. Mas é brega latino, porque naquela época não tinha o brega brasileiro ainda. Então, eu acho que os três montinhos que ele fazia eram mais ou menos baseados nisso.IrmãosEu tenho seis irmãos. O meu pai foi casado duas vezes. Do primeiro casamento, ele teve uma filha, e o interessante é que ele casou com a irmã da mãe dessa moça que era, obviamente, tia dela. Então o casamento continuou em família. Então, ela é filha desse primeiro casamento. E com a minha mãe, que é a segunda esposa, ele teve mais seis, quatro mulheres e mais dois. Eu e o meu irmão somos os mais novos. Então, eu tenho mais quatro irmãs.O filhoBom, o meu filho é supervisor de vendas da Latasa, essa fábrica de latinhas de alumínio que tem aqui no Rio e tem no Brasil todo, tem no Chile, na Argentina. Ele está muito bem. Ele viaja muito também. Eu acho que isso foi um problema da família. Ele viaja muito também, mas está muito bem. Não sei se também sobrou de mim, eu conversei muito com ele. Ele tem um talento nato para a área de vendas. Ele enrola todo mundo, enrola no bom sentido. Que aquilo é reprogramação permanente, ele se dá bem com todos, mas viaja muito. Tem as longas para o nordeste, que eles têm unidades lá, e que já no sul é menos, mas é mais freqüente. Mas está muito bem, eu acho que ele está bem. Tem uma namorada mais firme, daqui a pouco acho que ele se casa, não sei. Vamos torcer aí. Eles são muito responsáveis com relação a essa questão de relacionamento. As coisas têm que ser sérias. Então, vamos ver aí, quando é que eu vou ser vovô.
CASA
Eu nasci no bairro da Tijuca, na Rua Uruguai. Lá nós morávamos numa casa alugada. Quando eu tinha seis anos nós mudamos para Laranjeiras, a gente conseguiu comprar a casa. Então, eu tinha seis anos, eu vim morar em Laranjeiras e lá eu fiquei a minha vida inteira, praticamente. Até me casar e sair de casa. A casa era muito bem localizada, porque ela era em frente a uma vila. Ainda existe até hoje, a casa. É uma avenida com 15 casas, e quase em frente é a Churrascaria Gaúcha. Então, tudo foi planejado para meu pai não ter que se transportar. Ele almoçava em casa para guardar um dinheirinho e trabalhava também nesse negócio da Hebraica. Tudo era muito próximo, entre o Largo do Machado e a Rua Alice. Eu acho que a vida dele era ali. Conseguia fazer tudo.Na vila as casas eram modestas. A frente da casa, isso eu me lembro bem, tinha sete metros e meio, e a profundidade, 16 metros. Era um retângulo, a casa. Então, aqui tinha uma sala, que era chamada sala de visita. Tinha um portão com um quadrado, com uma bandeira grande lá em cima. O teto era bem alto, tinha uns quatro metros, talvez. Ele era todo de madeira. Tinha uma parte que era de ventilação. E aqui do lado era um quarto, aqui deste lado era o outro. Lá atrás era uma varanda. Quer dizer, abrindo um segundo quarto tinha a varanda. Depois, cozinha e banheiro. Aqui, a continuação: mais um quarto, um quarto menor e um quintal. E lá no finalzinho tinha uma espécie de um telheiro, onde tinha um tanque e uma estante assim, para você guardar e fazer coisas. E aqui do lado, todo beirando a varanda, tinha uma espécie de uma jardineira grande e do outro lado também, onde a gente fazia plantação de flores e onde também o meu pai tinha uma videira muito bonita. A gente pegava uva mesmo, dava muita uva. Foi um amigo dele que trouxe a uva importada e mais uns temperinhos que a gente plantava e tal.Eu e o meu irmão ficávamos nesse quartinho lá dos fundos. O meu pai e a minha mãe no quarto da frente. As meninas, algumas, nessa época naquele quarto de trás. E, às vezes, quando vinha alguém, tinha que dormir no sofá da sala e tal. Mas sempre deu jeito.
INFÂNCIA
BrincadeirasAs brincadeiras... jogava pelada! Futebol era sempre na vila. Era uma vila que tinha umas árvores assim compridas. Um gol ficava de lá e um gol ficava de cá. Os pais só se responsabilizavam pelos vidros quebrados. Então, a gente chutava mais para lá do que para cá, para não quebrar vidro.A gente viva numa época mais segura. Tinha aquele parque Guinle, que era aberto, então, a gente tinha tudo para fazer ali. A gente pescava. Tinha uns peixinhos lá e pescávamos. O fiscal de vez em quando via e a gente devolvia. Tinha umas ladeiras assim, grandes, e a gente usava as folhas de palmeira para esquiar. Cortava aquela pontinha da palmeira, sentava ali e... Não era tipo esqui, era tipo um tobogã. E aquilo descia aquelas ladeiras! Tinha umas ladeiras grandes, bonitas, tudo gramadinho. E fazia aposta. Também tinha um tipo de brincadeira, que hoje em dia, chama paintball. A gente pegava umas bolinhas assim, de miolo de pão, com pano e tal, e a guerra começava. Quando acertava no outro, marcava, e o outro ficava de fora. A gente também fazia muito nessa ladeira, ali mesmo do parque do Guinle, aquele de carrinho de rolimã. A gente mesmo fazia e descia com aquilo. Depois subia com ele debaixo do braço e descia novamente.A gente soltava pipa. Naquela época, na Rua das Laranjeiras tinha bonde, era o Bonde Laranjeiras e o bonde Águas Férreas. Então a gente usava o trilho do bonde para picar, pulverizar o vidro para fazer cerol para botar na linha da pipa. Aí ficava ali esperando o bonde passar e tal. Na hora que o bonde passava, um ficava lá com a mão, saía correndo com a palheta para pegar. Enfim, era essa coisa de qualquer garoto daquela época.Chegava de noite, quando a mãe deixava, a gente ficava na porta de casa jogando placa de carro. Você era os pares e eu era os ímpares. Se tivesse mais que três, você dividia. No final, quem perdia tinha que dar um cigarro para o outro. Isso era coisa de moleque. Com nove, dez anos já fumava. Eram coisas geralmente de gente mais pobre, porque ninguém, pelo menos no meu grupo, era rico. A gente tentava fazer aquilo que podia. Inclusive, não era uma coisa assim, que fosse... Era comum. Tudo isso que eu fazia era comum, eram coisas que os outros moleques da minha época faziam também. Enfim, eu acho que era uma época em que não tínhamos muitas opções, digamos assim, de diversão, mas era tudo feito por você mesmo.
EDUCAÇÃO
Escola públicaEu sempre estudei em escola pública. Estudei primeiro na José de Alencar. Foi o curso primário. O curso secundário foi na Amaro Cavalcanti, que era ali no Largo do Machado, e continua sendo. E o curso equivalente ao científico foram dois anos na escola de Barbacena. Aí, o último ano eu fiz num colégio no Grajaú, chamado Cruzeiro do Sul. Mas praticamente só esse ano é que foi diferente. Os outros todos foram corridos na mesma escola.Barbacena e o sonho de ser pilotoEu fui para Barbacena porque é aquela história - como muita gente, teve uma época que eu pensei em ser piloto. Era uma coisa assim, bastante chamativa e, claro, tinha a influência de alguns amigos que eu conhecia: "É isso mesmo. Isso é legal. É uma carreira e tal." Aí, decidi fazer o concurso e para isso tinha que estudar um pouquinho mais naquele final de ano. Eu tinha 16 anos. O meu pai me incentivava, porque ele achava que eu tinha que viver uma carreira solo, que tinha que ir sozinho, e quanto mais cedo fosse melhor, porque essa tinha sido a experiência dele, que com 14 anos tinha saído de casa. Mas a minha mãe, porque pensava muito mais na perda que ela ia ter do filho, não incentivava, não. Ela não dizia que não, mas também, com certeza, não diria que sim. Eu tinha certeza que ia conseguir porque sempre achei que a escola que eu estudei, a Amaro Cavalcanti, era uma escola muito boa. Eu não fiz o curso ginasial, eu fiz, o que na época - nem sei existe hoje ainda - era um curso profissionalizante chamado Curso Comercial Básico, onde você aprendia de tudo que se aprende no curso ginasial e com a carga horária um pouquinho mais elevada. Você aprende datilografia, estenografia, contabilidade: eu acho que eram quatro matérias. E com isso você fica bem preparado, acho que mais preparado do que fazendo o curso normal. Então, o resto, o que caísse no concurso achei que seria mole. Resolvi fazer. Aí, fui. Lá estou eu, com 17 anos, na escola militar.Amigos do Brasil inteiroAí é que está a minha recordação de adolescência mais interessante, porque é uma experiência muito rica. Você vai lá, e só na sua turma são 250 garotinhos. Aí tem outros 250 garotinhos com mais idade na outra turma, e outros 250. Isso, somando, são 750 homens metidos lá numa cidade diferente, mineira, que é Barbacena. E aí é uma experiência legal. Você conhece muita gente do Brasil inteiro, gente de todas as categorias e também compartilha um ambiente muito bom, muito bom. Bom, eu gostei muito dos amigos. Tinha tudo quanto é tipo de gente. Por exemplo, da minha turma, só para citar um, foi o Ronnie Von.SoldoO curso era gratuito. Ali é o seguinte: passados os três primeiros anos, você é um militar, você anda fardado, estuda. Depois, os outros quatro anos você vai para a Academia da Força Aérea. Tudo é absolutamente pago pelo contrário. Você recebe soldo. Eu, por exemplo, me aposentei com 35 anos, mas se vou olhar na minha carteira, eu tenho 36 anos, sete meses e não sei quantos, porque o tempo que eu servi lá conta para efeito de aposentadoria, eles computaram aquilo no meu tempo de serviço. Eu achei muito razoável, muito bom.Disciplina militarE tem a disciplina. Eu, particularmente, me adaptei à disciplina militar. Não em geral, mas no tipo de disciplina que eles tinham naquela época que, depois obviamente foi reformada. Era o seguinte: no meu caso específico, nos finais de semana, não podia sair da cidade. E olha que a minha vida era no Rio de Janeiro! Eu tinha namorada lá no Rio de Janeiro. Então, eu aprendi logo, rapidinho, como é que se fugia. Mas as fugas não são todas impunes. Na primeira você é punido, na segunda a pena é mais agravada, e na terceira... No final já estava por aqui. Quando eu resolvi sair, ou eu saía, ou eles "me saíam". Eu fiquei dois anos lá. No terceiro ano eu saí. Ele equivaleria ao terceiro ano científico. Aí, acabei no colégio Cruzeiro do Sul. E depois, logo no princípio do outro ano, em 1963, eu já comecei a trabalhar.Sonho frustradoO sonho de ser piloto, a gente descobre logo, logo... Primeiro, de 250 que entram, 125 saem por razões diversas. Dos outros 125, 75 vão ser da Intendência, da Engenharia ou dos Corpos Auxiliares, ou não sei o quê. Dos outros 50, 40 vão ser pilotos porque os outros 10 morrem, está entendendo? Então, essa que é a história. Mas, veja bem, o grupo é fantástico. Por exemplo, toda primeira sexta-feira do mês nós nos encontramos no Clube de Aeronáutica. Quem estiver no Rio de Janeiro, já sabe que toda primeira sexta-feira tem encontro. Da minha turma, hoje a grande maioria é Brigadeiro ou Coronel. Os coronéis praticamente todos já estão se aposentando, porque chega num determinado momento em que eles vêem que não tem mais alternativa, então eles saem. Mas os outros todos são brigadeiros. A minha turma, turma de 1961 lá em Barbacena, é reconhecida na Aeronáutica como a turma que mais brigadeiros formou. E todos estão agora no auge, pela idade. Mas, o sonho foi só isso. Depois que a gente chega lá, vê que não é bem assim não.Saída de BarbacenaQuando eu decidi sair, um grande amigo meu, Paulo Roberto, falou que também ia. Era tudo que faltava, era o incentivo que faltava para eu ir. Aí nós saímos juntos. Não foi assim, um negócio! Ah, saiu mais um. Saiu o Érico. Então, saem os três. Realmente um ajuda o outro. Mas cada um vai para o seu lado. Eu fui trabalhar. O Érico fez concurso para o Banco Central. Paulo Roberto foi estudar Engenharia, foi trabalhar no japonês, na Mitsubishi. O vôo soloTeve um outro do meu grupinho, José Mandarino, que saiu depois do vôo solo, mas ele não falou nada para ninguém. O vôo solo é o seguinte, você tem um instrutor, aí você sempre sai com o instrutor. No dia que ele considera você hábil para voar sozinho, ele te autoriza. Isso é o que eles chamam de vôo solo. E depois que você solou, você sempre pode voar sozinho. É como se fosse assim, é o sonho do pilotinho. Você não é piloto porque você não está graduado ainda, não acabou a academia. É o sonho do pilotinho. Então, ele, quando desceu do avião, tirou o macacão, foi direto na sala e pediu o desligamento dele. Quer dizer, realmente não tinha vocação para ser militar. Este é um exemplo. Só que ele foi mais adiante do que alguns, sacrificou-se um pouco mais, talvez, no sentido de dizer: "Eu sou pilotinho. Eu não sou piloto não, mas eu sou pilotinho."NamoradasNaquela época, para ser sincero, não era uma namorada: eram umas namoradas. Eu tinha duas namoradinhas aí, mas eram cariocas. Lá em Barbacena não. Tinha esse negócio... Conhecia uma menina ou outra, mas ou era de baixo nível, ou então, você já tinha que ir logo na casa da família, etc e tal. Aquele negócio! Aí já ficava difícil. Realmente, nunca me envolvi com ninguém do local, não. Na minha avaliação, não valia a pena.
PRIMEIRO TRABALHO
Conserto de ferro elétricoNa minha adolescência, a parte que me marcou mais foi quando eu estava em casa, antes de ir para a escola de Barbacena. Então, cheguei lá com 16 anos, e eu fiquei muito orgulhoso porque o meu pai me "deu" um conjunto de tarefas no que eu podia ajudá-lo. Eu ganhava o meu próprio dinheiro. Então, eu fazia os serviços mais simples. Nesse ano eu trabalhei nisso, na loja, com ele. A coisa que eu mais ganhava dinheiro era conserto de ferro elétrico. Era a maior barbada! Coisa mais simples do mundo! Ferro elétrico só tinha uma resistência. O erro podia ser resistência queimada, ou cabos, ou conexões erradas. O resto, tudo é absolutamente rígido: o cabo, cobertura, o ferro mesmo, debaixo. E eu já tinha tudo preparadinho, era muito rapidinho. Fazia aquilo e ganhava uma grana! E fazia caridade também. Chegava uma velhinha que não tinha dinheiro, eu pegava a resistência, cortava a parte que estava estragada, emendava a outra, soldava com uma solda especial e devolvia. Não custa nada, não cobrava nada. Ganhava uns presentinhos. Tinha uma que, uma vez, me deu um suflê de cebola. Muito engraçado.
ADOLESCÊNCIA
Dois meses sem fazer nadaQuando eu voltei de Barbacena para o Rio, eu não tinha absolutamente nada de trabalho. Foi até uma coisa estranha. Eu cheguei em casa e o meu pai falou: "Você estava tão encaminhado, não sei o quê, tal. Então, você vai ter que fazer alguma coisa na vida." "É, realmente eu vou ter que fazer alguma coisa na vida." Passou ali dois ou três dias, ele me perguntou: "Já escolheu o que você vai fazer?" Eu falei: "Muita pressão." Telefonei para a minha irmã, falei: "Tem um quartinho aí, na sua casa?" "Tem." Falei: "Já escolhi o que eu vou fazer sim. Eu vou morar com a minha irmã, com a Yara." A minha mãe começou a chorar, e dizia: "Eu não gosto. Por que vai sair de casa?" E o meu pai: "Não, pode sair mesmo! Vagabundo aqui, eu não quero!" Aí, tudo bem, eu fui numa boa. Nesse período, eu não fiz absolutamente nada. E isso foi uns dois meses. Eu não fazia nada. Acordava mais cedo para ficar com mais tempo para fazer nada. Mais ou menos, a idéia era assim, ia para a praia, encontrava as amigas e estava uma farra danada. A minha irmã me bancava. Eu tinha um dinheirinho ainda das minhas economias, mas ela me ajudava também.
TRABALHO
Estágio no bancoAí, falei com esse meu cunhado, que era o marido dela: "Eu estou procurando alternativas. Aonde tiver lugar para fazer concurso, eu vou fazer e tudo." Eu falei com um outro meu cunhado: "Vem cá, não dá para fazer estágio num banco?" "Claro que dá!" Eu sabia datilografia bem, eu sabia contabilidade. Então, isso para mim, já era uma vantagem. Fui fazer esse estágio no Banco Comercial de Minas Gerais. Era um banco da cadeia do Nacional. O Nacional tinha diversos bancos. Era na Sete de Setembro e o meu cunhado era gerente geral do Banco Nacional. Ele me arranjou uma "sopa". Era um horário ótimo. O meu horário era das 14:00 às 19:00, porque o banco, antigamente, trabalhava-se até às 17:00. Então, das 14:00 às 19:00, eu trabalhava em contas correntes. E era uma "sopa" pelo seguinte; a gente tinha que dar conta do recado, quer dizer, fechar todas as contas até esse horário, às 19:00. Mas, se fechasse antes, entregasse para o supervisor e ele aceitasse as contas como fechadas, podia ir embora. O teu trabalho estava feito. Então, acabei trabalhando das 14:00 às 18:00. Tinha dias que saía às 17:30. O meu parceiro de trabalho era muito experiente, muito experiente mesmo, e ele me ensinou alguns truques. "Olha, isso aqui é assim, isso aqui é assim, não sei o quê." Umas coisas bobas que a gente, aprendendo, a vida de trabalho fica mais fácil.
ENTRADA NA CVRD
ConcursoEu passei dois meses em estágio no Banco Comercial de Minas Gerais, achando que a vida ia ser uma maravilha. Aí, de repente, o meu cunhado disse: "Tem um concurso na Vale do Rio Doce." E foi daí que começou o meu caminho lá na Vale. Aí eu fui, fiz o concurso e me chamaram rapidamente. O cargo era de escriturário-datilógrafo. Isso foi em março de 1963. Foi quando eu comecei a trabalhar. Nessa época eu tinha 19 anos.Prova de seleçãoA prova de seleção era basicamente uma prova de conhecimentos de matemática, português. Tinha também conhecimentos gerais e, depois, um exame psicotécnico que era feito na PUC. A prova era bisonha. Eu fui primeiro colocado no exame. A minha prova foi absolutamente simples. O exame psicotécnico, como eu já tinha feito diversos, umas quatro avaliações no Instituto de Aeronáutica, eu vi que era bem parelho, era bem ajustado. Buscam, basicamente, ver o potencial. Pelo menos, eu, na ocasião, me lembro que era mais ou menos isso que eles buscavam.Convocação "boca a boca"A convocação eu acho que foi de boca a boca. Era seleção externa. Deve ter tido candidato interno, mas era boca a boca, porque o meu cunhado soube dessa forma. E, posteriormente, também, logo nos primeiros anos, eu vi que as seleções lá eram desse tipo; interno e externo. Alguém que conhecia alguém, sabia e já falava: "A Vale vai fazer uma seleção!" O meu cunhado não fez, ele acabou não fazendo. Eu acho que foram umas 10 ou 12 pessoas.De olho no concurso internoA sede da companhia era ali na Rua Presidente Wilson, 164, em frente à embaixada americana. É onde hoje, se eu não me engano, ainda é o BNDES. É bem na esquinazinha ali onde hoje tem um restaurante embaixo. Naquela época tinha também. Depois acabou e voltou outro restaurante. Então eu fui trabalhar nessa área financeira. Tinha facilidade porque eu sabia contabilidade, eu era bom de matemática, eu sabia datilografia, taquigrafia. Então, todos os serviços que eu tive que fazer naquele iniciozinho do meu trabalho eram bastante fáceis para mim. Eu conseguia fazer com desempenho bastante bom. Mas, logo, logo, também já fiquei de olho, pois eu sabia que tinha um concurso interno. Eu acho que podia melhorar e tal. Já abri o olho para outras coisas.
EXPECTATIVAS CVRD
Eu não sabia exatamente o que era a Companhia Vale do Rio Doce quando eu entrei. Eu tinha conhecimento do nome da Companhia, mas eu não sabia a extensão da atividade dela, o que ela era, que era fruto de duas outras empresas, a Itabira Iron e a Estrada de Ferro. Isso eu não sabia. O que eu sabia é que a Vale do Rio Doce era muito visada em termos de ações na bolsa. Era a Vale do Rio Doce, Petrobras, Banco do Brasil, não sei o quê mais. Eram umas quatro ou cinco mais, que eram negociadas na bolsa. Então, sabia disso, mas exatamente a extensão da atividade não.A reação da família foi ótima. O meu pai bateu palma. Ele deve ter pensado: "Apertei o moleque, ele finalmente se mancou", uma coisa desse tipo. A minha mãe ficou satisfeita. Eu voltei para casa, sabe? Enfim, foi legal, foi legal! Esse princípio foi legal por isso também. Entrada no prumo direitinho. Todo mundo ficou satisfeito, inclusive, eu. Ah, também tem o seguinte; foi um período interessantíssimo, porque quando eu olho a minha carteira profissional eu vejo que quando comecei a trabalhar eu ganhava 12 mil cruzeiros. Aí, logo no mês seguinte, era o dissídio dos bancários, passei para 17 mil. "O que eu vou fazer com tanta grana?" Aí, saí, fui admitido na Vale. O salário inicial da Vale era 34 mil! Falei: "Se continuar nessa progressão? Eu vou criar cavalo de corrida." Não é, não. Aí, parou. Para mim, nesse aspecto de dinheiro não teve outra coisa melhor. Foi muito bom! A Vale já pagava melhor que o mercado, tanto é que você vê, o cargo era o mesmo no banco. No banco era 17, lá era 34. E o sindicato dos bancários era extremamente ativo naquela época. Simplesmente, é que banqueiro sempre foi mão fechada mesmo.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Carreira na ValeRealmente eu decidi que ia estudar e que ia fazer a minha carreira na Vale porque achava que tinha uma oportunidade lá dentro. Aliás, quando ainda estava no principiozinho, houve um concurso para o BNH, eu fiz, passei e fui chamado, mas aí eu olhei as duas alternativas, eu optei por continuar na Vale que era, para mim, uma alternativa melhor.É preciso estudarEu sempre pensei assim, se eu estou trabalhando em algum lugar, uma primeira visão que eu tenho, de progressão, é o seguinte: "Eu posso, eu tenho qualificação para ocupar o lugar do meu chefe?" A primeira coisa que você olha é isso, e também se o meu chefe tem uma formação acadêmica. Eu posso até ser mais esperto do que ele, mas eu não tenho a qualificação acadêmica que ele tem. Então, obviamente, se eu quero aspirar ocupar este cargo e, eventualmente, outros mais, eu tenho que me qualificar. Essa foi, digamos assim, a motivação lógica. Isto é, vamos dizer assim, uma análise mais cartesiana, mas também existiam outras. Por exemplo, na minha família todo mundo estudava, e eu não ia ser o único a não estudar. Os meus amigos todos estavam estudando. E tudo isso ligava-se ao fato de quanto maior a sua qualificação, maior a sua experiência, maior a sua remuneração. E quanto maior a sua remuneração, melhor o seu padrão de vida, o seu bem estar. Enfim, a coisa era mais ou menos assim. Eu não vou dizer que é lógico, mas é mais ou menos intuitivo. Eu acho que dá para perceber rapidamente isso.O curso de Administração de EmpresasNa época, quando eu comecei a estudar, tinha um curso que estava abrindo na Universidade do Brasil, era Administração de Empresas. Eu fui da primeira turma do curso de Administração de Empresas. Ele era vendido como o que tinha de mais atualizado, com uma formação mais ampla, mais eclética. Era menos específico do que outras áreas. Por exemplo, a parte de finanças, tem finança pura, contabilidade. Você tem a sua área, está certo? São esses calculistas de seguro. É um tipo de estudo bem específico. Contabilidade também é mais específica: finança específica, economia específica. Aí você novamente divide macroeconomia, microeconomia, economia empresarial, economia do Estado. A parte prática de contabilidade e finanças, isso eu já tinha. O que eu precisava era de um embasamento teórico melhor, e foi por isso que eu resolvi fazer este curso de Administração de Empresas. E, realmente, hoje eu não me arrependo não. Se eu tivesse que voltar, faria exatamente a mesma opção, porque eu acho que foi muito boa.ProfessoresO curso era muito bom porque eles escolheram os professores a dedo. O professor de matemática, por exemplo, chamava-se Rui Nogueira. Ele é a maior sumidade em matemática atuária. Quanto aos professores de economia, por exemplo, eu tinha o Simões Lopes, o Antônio Dias Leite, que foi até Presidente da Vale, tinha o Reis... O Porto Moutinho também era professor. Os professores da parte de Direito eram excelentes, como o Paulo Kastrup, presidente hoje da Texaco. Enfim, tinha gente muito boa, muito boa mesmo. O curso era muito bom.Aulas à noiteEu tinha que conciliar estudo com trabalho. Não tinha jeito. Eu estudava à noite. A faculdade começava às 18:45 e acabava às 22:45. E tinha muita gente que inclusive começou a fazer aquele sistema de você poder ter créditos. Eram os que vinham da turma da manhã, o pessoal que a gente chamava de "come-dorme", porque o pessoal que podia estudar de dia, a gente chamava de "come-dorme". O resto estudava à noite. Mas eles vinham fazer alguns semestres junto com a gente para cobrir as matérias que eles tinham perdido, tinham faltado. Enfim, estavam lá porque não tinham tido o nível de suficiência ou perigavam por falta. Mas, eu gostei. Eu achei o curso espetacular e fiz muitos amigos também.Sinuca no Iate ClubeO curso era onde é a UFRJ hoje, em frente ao Iate Clube, aquela portinha ali, ali na Urca. E o último ano era uma graça. Foi em 1968. E quando todo mundo já mais ou menos tinha passado e tal, então a gente atravessava a rua e ia para o Iate Clube jogar sinuca. Eu tinha amigos que eram sócios, já conhecia os porteiros todos e a gente, às vezes, já deixava o carro no estacionamento do Iate.BandejãoA faculdade era gratuita e ainda você tinha direito a pagar um tantinho assim para comer no bandejão, que era lá mesmo, só que era um pouquinho mais do outro lado, na Wenceslau Brás. Ali era o bandejão.Movimento estudantil: malhar em ferro frio?Eu fui ativo até antes de 1968. A gente ia fazer a parte do diretório acadêmico e eu era o representante da minha turma, mas depois eu vi que descambou. Quer dizer, uma coisa é você estar discutindo coisas que dizem respeito a sua vida estudantil: "Eu não quero pagar mensalidade, eu sou pobre, quero comida melhor, eu quero professor bom, eu quero que o currículo fique definido no dia primeiro de março e o professor venha e cumpra aquilo." Era nisso que eu estava interessado. Eu vou ficar interessado se Costa e Silva é General?! Não é comigo! Isso aí é outra coisa! No dia em que eu sair daqui e tiver que votar, eu vou pensar nesse safado aí, eu vou pensar no outro, mas o que adianta eu pegar aquelas pedrinhas portuguesas e jogar em cima da polícia? Só para ela me jogar aquelas bombas de efeito moral e eu sair de lá todo troncho? Não adianta! Eu logo, logo, percebi isso; eu e o grupo que andava comigo. E não vou dizer que eu era nem de direita, nem de esquerda. O meu pai era marxista profundo, comunista mesmo, daquele de carteira do partido. Os amigos dele eram todos comunistas: Orestes, o Graciliano Ramos... Eram os amigos dele. Então, não tinha nada para ser contra isso, mas eu acho que a metodologia era errada. Não dá para estudante fazer isso. Era um poder muito desigual. Vinha a polícia, o exército, todo mundo, e você estava ali com uma meia dúzia de gatos pingados falando mal do Governo e jogando pedra. Quando eu percebi que tinha descambado para isso... Porque em 1968 foi quando estourou, mas em 1965, 1966, 1967 já estava. E em 1968, quando houve aquela ebulição maior, eu já não estava mais, quer dizer, eu já estava bem ciente de que o caminho não era aquele. Pelo menos para mim e para o meu grupo era assim: "Não vamos nos meter nisso não que a gente vai malhar em ferro frio."
TRAJETÓRIA CVRD
Oficial administrativoHavia concursos regularmente. Depois de trabalhar como escriturário-datilógrafo o outro cargo que eu exerci era já uma graduação acima daquela que em que eu estava. Chamava oficial administrativo. É o que hoje se chama de assistente administrativo. Na época a Vale tinha muito disso ainda, por exemplo, "sociedade de economia mista". Ela usava muitos termos assim, de serviços públicos. Então, o cara falava: "O processo, o dossiê e despacho. O despacho é com o doutor Marinho." Quer dizer, parece um negócio que era totalmente diferente da empresa privada e do que é hoje. Com isso eu justifico esse nome de "oficial administrativo".Primeiros ofícios na diretoria financeiraEu comecei na diretoria financeira, e lá tinha o que eles chamam de uma secretaria. Então, toda o ingresso e saída de correspondência, recuperação de documentos de arquivos, reprodução de documentos, arquivamento, preparação de transferência de documentos para outras áreas, enfim, tudo isso era o meu trabalho.Eu trabalhava na diretoria financeira. Tinha a diretoria financeira, que era uma coisa, e tinha a tesouraria, que era outra coisa. Aí você tinha serviços de acionistas, era outra coisa. Aquilo ali era, especificamente, a diretoria financeira.Serviço Central de FinançasLogo, logo, houve um concurso interno, eu fiz e passei. Também fui o primeiro colocado neste concurso. Eu mudei. Eu mudei, fui trabalhar ao lado da sala onde eu trabalhava. Existia um outro departamento chamado Serviço Central de Finanças, onde a gente fazia basicamente o controle e o planejamento financeiro da empresa: aplicações de dinheiro, de correntes de caixa, orçamento e o controle do orçamento. Enfim, eu fui trabalhar nessa área.Controlador Financeiro ContábilLogo eu tive um outro cargo, mas isso aí já era o que eles chamam de cargo de confiança, você não faz concurso. Você continua no cargo e recebe um adicional por ser um cargo de confiança. Um cargo chamado Controlador Financeiro Contábil. Aí, nessa mesma área, eu já era responsável pelo controle do orçamento.Superintendência de VendasNo ano de 1968, quando estava cursando Administração de Empresas, eu fiz um concurso para a superintendência de vendas. Passei e fui transferido imediatamente. Foi até uma situação interessante porque, dos que fizeram o concurso, eu era o único que não era formado. No edital dizia: "Graduados ou cursando o último ano". E foi aberta uma exceção para mim. Quem fez essa exceção foi o Valdir Pereira, que era meu amigo, porque ele já me conhecia e também porque, como eu trabalhava na área financeira e fazia os orçamentos da companhia, eu também tinha conhecimento e tinha que consolidar os orçamentos de vendas. Então, pelo conhecimento deles daquilo que eu fazia, eles abriram essa exceção e eu passei no exame, no concurso e, então, fui logo chamado.Eu tinha muita interface com este grupo da área de vendas em relação aos orçamentos e ao acompanhamento. Eles tinham que cumprir as metas de vendas que estavam esquematizadas no orçamento e eu era o responsável pelas cobranças disso. Era assim: "Como é? Por que não vendeu? Por que não faturou este mês? Por que o orçamento não foi cumprido? Ah, porque houve cancelamento?".Vamos pensar um número razoável. 15 milhões de toneladas a 20 dólares por tonelada... 300 milhões de dólares seria um orçamento de receita da Vale, na ocasião. Nós estamos falando de 1968. Então, estou dando um certo acréscimo, pode ser que o número não seja preciso, mas em 1966, que foi a inauguração do Porto de Tubarão, nós festejamos uma meta de 10 milhões de toneladas. Quando eu estou falando de 1968, o exemplo pode ser 12, pode ser 13, ou pode ser 15, mas, com certeza, era um número entre 200 e 300 milhões de dólares. Este seria o orçamento de receita da Vale na ocasião.Controle de vendasE eu dei boas contribuições para a melhoria, para a transparência do formato dos orçamentos de vendas. Eles faziam um orçamento fechado, assim, deste tipo: "Este mês, 50 mil toneladas a tanto, a tanto." Falei: "Não, espera aí, vamos devagar! A gente tem que analisar isso! Você vai ter que subdividir isso aí por mercado, então, você faz o seguinte..." A explicação era a seguinte, você pode justificar para mim que não vendeu, você nem precisa justificar se eu souber que houve uma greve nas usinas japonesas; eu não vou te cobrar que aquele segmento do orçamento de vendas para o Japão seja cumprido, eu vou entender, vou perguntar para você que esforço você fez no sentido de recolocar essas calhas, esses volumes em outras áreas, mas fica mais ou menos auto-explicado, quer dizer, isso você mesmo depois pode dizer na sua explicação e dizer, mas a intenção é abrir. Eu estou falando na transparência no sentido de abrir. Aí, já existia diferenças, nuances entre diferentes tipos de minérios: estes aqui são os granulados, estes aqui são os finos, logo depois vieram pellets. Então, tinha que fazer essa divisão, teria que ser feita naturalmente, e eu forcei no sentido que ela fosse feita dessa maneira. Eles faziam sempre por trimestres, e trimestre para mim era uma unidade de tempo muito longa para você reagir. Então, vamos fazer mensal. Se puder fazer bimensal, melhor ainda. Mudança para a EuropaO que nós tínhamos que fazer era, nessa ocasião, conviver com os volumes que estavam disponíveis e buscar promover a comercialização dos produtos que estariam disponíveis no futuro. Isso, inclusive, no meu caso, mudou um pouco o meu rumo porque eu, em 1973, fui convidado para ir trabalhar na Europa. Eu fiquei de 1973 até março ou abril de 1978. Foram cinco anos, mais ou menos. Coordenação executiva de vendasQuando voltei da Europa o escritório já era naquele da Vale, ali mesmo, na Graça Aranha, onde é hoje. Teve um período que a gente saiu porque pegou fogo. Fomos lá para aquele prédio grande que tem ali na Presidente Wilson. Foi o único período que nós saímos, mas sempre foi ali naquele escritório da Vale, o atual. Graça Aranha, 26.Vim ocupar a coordenação de toda a parte executiva de vendas, que tinha sido ampliada. A experiência de vida na Europa repercutiu nos meus trabalhos daqui principalmente pela proximidade dos clientes. Aí, eu podia dizer: "Oh, você vai, fala com Fulano isso, isso, isso. Que não dá para fazer isso, mas dá para fazer isso, isso e isso." Então, nesse aspecto, eu levei até vantagem porque eu fui o primeiro. Eu tinha condição de orientar melhor, ou pelo menos contribuir com alguma coisa. Nesse aspecto foi bom, muito bom pela proximidade, porque você conhece todos os clientes, todo mundo, sabe? Pergunta como está a mulher, se o filho já aprendeu a nadar, aquelas coisas que você vai fazendo quando você adquire um certo grau de intimidade. Mas, valeu. Nesse aspecto foi muito bom.Gerência do departamento de comercializaçãoRetornei ao Brasil em 1978, e no período de 1978 até 1984, quer dizer, praticamente durante seis anos, eu estive lá na gerência do departamento de comercialização. Foram nesses anos que a gente estava realmente em um período de consolidação. Os planos de expansão já estavam praticamente efetuados, fora a parte da pelotização, que são associações individuais que você fez primeiro com um grupo, depois com outro, depois com outro. Primeiro fizemos com os italianos, depois, espanhóis, depois japoneses. Mas isso aí era mais fruto da disponibilidade que nós tínhamos desse produto, que era um produto mais fino da concentração, e também do interesse deles, obviamente. Divisão de riscos, aporte de capital. Uma coisa é você fazer uma planta sozinho, e quando o mercado está ruim, você tem que fechar a planta. Outra coisa é você fazer com o sócio, onde ele também tem interesse em que aquilo não fique fechado e continue operando. Então, eu acho que esse período foi o período da consolidação do mercado e também dessas associações. A área comercial lidava com todas as negociações relativas à construção, fora a parte técnica. A parte técnica, o cidadão é que vai construir a planta e vai gerenciar a planta operacionalmente. Mas toda a construção dos contratos de associação, dos contratos de venda, das condições de venda é administrada pela área comercial. Então, quando chegamos lá, convencemos lá o espanhol: "Você precisa desse produto. Você tem dinheiro aí no banco. O banco vai te emprestar esse dinheiro. Você vai ser sócio lá da gente. Vai comprar o seu minério. Vai ter uma produtividade melhor." Essa parte relativa à materialização do negócio, saindo do plano mental para o plano físico de assinar um contrato, isso era responsabilidade. Claro, vai ter a parte técnica, opinando. Você tem a parte jurídica, formata os contratos, mas a iniciativa da negociação sempre foi da área comercial.Mineração Rio do NorteA partir de 1984 a minha vida virou, porque eu já tinha sido chamado para ir para a Mineração Rio do Norte. Na hora que eu fui chamado não tinha ficado bem claro quais eram as condições. Aí eu falei: "Não, não. Eu estou bem aqui. Se não estiver atrapalhando, eu continuo." Aí, logo depois, novamente. "Você tem que ir, você é o cara." "Está bom. Eu vou. Quais são as condições?" "São essas, essas." "Está bom." Aí, fui eu para a Mineração Rio do Norte.
RELAÇÕES DE TRABALHO
Amizade e respeitoO diretor financeiro era o Lauro Pedrosa Marinho, uma figura fantástica. Os meus outros colegas de sala... tinha o Walter Oliveira, a Iracema Braconi, que tinha vindo transferida de Vitória. Ele era o supervisor e ela era assim, uma mais graduada em relação a mim. Eram bons colegas, sabe? A diferença é que, na realidade, logo, logo, ficou demonstrado que eu tinha potencial para ir estudar. E eles não, entendeu? Então, eles ficaram no lugar onde eles estavam e eu fui progredindo porque eu fui estudando. Fui fazendo concurso, fui estudando, fui me qualificando. Você, mesmo depois que chega lá, assume um cargo importante e passando pelo corredor encontra aquele teu colega que está lá fazendo a mesma coisa, você pensa: "A vida não é igual para todo mundo." Mas a amizade e o respeito continuam. Enfim, tudo que existiu está lá. Mas nós nos dávamos bem. Embora eu fosse um tipo não conformista, nunca tive atritos com companheiros de trabalho, não. Racionalidade sempre tendia a prevalecer acima de tudo.O doutor Marinho, que é o diretor, ele era advogado, mas os outros dois, o Jorge e o Zeno, eram economistas. O Faria era contador e o Abrahão era contador também. Eram dois economistas e dois contadores.O retorno da Europa Eu voltei da Europa em março de 1978. E foi gozado porque antes de eu ir meu cargo era de chefe do serviço central de vendas - depois, a própria nomenclatura mudou. Isso significava o seguinte, que toda a parte executiva de vendas era de minha responsabilidade. Executiva e serviços de pós-venda. Só a parte de marketing era separado. Quer dizer, prospecção de novos clientes, pesquisa de mercado, tudo isso era de um outro grupo, uma outra coordenação. Então, quando eu fui, um dos meus assistentes ficou no meu lugar. E aí, então, enquanto eu estava lá, eles fizeram uma reformulação e aquele que tinha sido meu ex-chefe, que tinha pedido licença da Vale, o Luiz Fernando Leitão, que já morreu, voltou para a Vale, e nessa reformulação passou a ser o coordenador de vendas. Então, quando eu voltei, a gente falava que era "rock grande", porque ele foi para o meu lugar e eu fui para o lugar dele. E a gente já se conhecia, desde o tempo que eu fui para o comercial. Meu primeiro gerente foi o Valdir e o segundo foi ele. Então, a gente tinha um relacionamento sensacional. E foi legal porque eu voltei, vim para o lugar dele e ele já sabia que tudo o que ele me disse como funcionava, eu também disse para ele. Ele passou uma semana lá comigo. Depois, eu vim, passei aqui uma semana com ele. Passávamos informações, um para o outro, sobre o que estava acontecendo, as dificuldades principais, o que era para fazer, o que não era. Então o meu retorno foi assim, foi uma reentrada na atmosfera sem atrito, sem nada. Foi muito razoável. Muito bom.De alguma maneira, quando voltei da Europa eles tinham feito aqui aquilo que já existia antes, mas bem mais estruturado, porque você tinha o grupo de comercialização e o grupo de administração e vendas, que passaram a ser divididos por áreas de atuação. Antigamente, você trabalhava em todas as áreas. Então, isso ficou bem dividido porque o grupo da Europa atendia e trabalhava diretamente com a Rio Doce; o grupo dos Estados Unidos, do México trabalhava diretamente com a Rio Doce America. Era bem organizadinho. E, além disso, todas as pessoas que trabalhavam nos grupos eram meus conhecidos, já tinham sido meus subordinados ou trabalhavam em áreas afins comigo. Então, não tive muita dificuldade. Foi bem fácil.Grupo unidoSe existia uma relação da minha primeira mulher com as esposas dos funcionários que estavam lá? Sim, sim, sem dúvida nenhuma. Sim, freqüentava. Nós mesmos saíamos juntos, tipo em aniversário. Fomos andar de bicicleta juntos, correr juntos. Era um grupo bem unido.Família na ValeDe alguma maneira eu continuo acompanhando as coisas da Vale, mas, veja bem, eu faço isso até porque a minha filha é secretária da Vale. Ela era secretária do Roger, que era o presidente do Conselho. Então, não pode ter um contato maior do que esse. As amigas da minha mulher continuam trabalhando, porque também é da Vale e se aposentou mais cedo. A minha primeira mulher também era também, mas parou de trabalhar. A segunda era da Vale, mas se aposentou um pouco mais cedo. Ela era bibliotecária da área comercial. Aí, então, de alguma forma eu tenho conhecimento.
PORTO DE TUBARÃO
Navios de muitas toneladasO Porto de Vitória já estava ficando saturado, e como já estavam sendo construídos os navios de maior porte, a Vale decidiu fazer o Porto de Tubarão. E na realidade não foi só ela: foi ela e um comprador nosso do estrangeiro. Era necessário fazer um porto de água mais profunda que pudesse acomodar os navios que estavam sendo construídos, ou estariam sendo construídos, na época. Na época, em Vitória, o maior navio que podia entrar era um de 35 mil toneladas. E o projeto inicial do Porto de Tubarão foi feito para acomodar um navio de 100 mil toneladas. Então, quer dizer, era alguma coisa muito grande. O Eliezer Batista foi um visionário nesse sentido. Ele percebeu que tinha que alavancar essa expansão rápida, porque transporte é uma questão de escala. E logo, logo as coisas se viram caminhando para aquilo. Logo, logo teve que fazer a expansão no Porto. Logo, logo teve que ter profundidade. Os navios foram crescendo muito rapidamente: 100, 120, 150, 170, 250. Hoje parece que os maiores lá de Carajás são na faixa de 350 mil toneladas. Então teve que ser uma coisa feita para acompanhar o desenvolvimento da tecnologia ali no tempo.
PELOTIZAÇÃO
Minério de ferro in naturaA Vale hoje é um pouco mais sofisticada, mas na época, a Vale produzia minério de ferro não elaborado, quer dizer, minério de ferro puro, natural, e fazia transporte. Mais nada, não fazia mais nada. O minério de ferro era aquele minério que Deus deu, você vai lá, quebra, tal, brita, separa por tamanho, e o que sobra, que é um fino, guarda. Só vendia praticamente minério granulado, fazia algum transporte na área de influência dela e mais nada. O ganha-pão era basicamente a venda de minério de ferro "in natura".Processo de concentraçãoA Vale passou uma fase de expansão rapidíssima. De 1969 até 1973, foi tudo uma corrida ao longo do tempo. É preciso abrir uma janelinha para dizer o seguinte: a Vale, até então, ela produzia o minério. O que era o minério? Minério era o minério bruto. Você tinha a hematita e utilizava essa hematita. Todo o minério que estivesse abaixo de um determinado teor era descartado. Isso fazia com que as reservas da Vale fossem se exaurindo muito rapidamente. Então, o grupo técnico da Vale estudou uma forma de poder aproveitar esses minérios que tinham o teor mais baixo. A esse processo chama-se "concentração". O que é concentração? Você pega um minério que tem 55%, por exemplo, de teor de ferro, retira dele as impurezas e ao final desse processo ele ficou concentrado. Por que concentrado? Porque ele saiu de um teor mais baixo para um teor mais alto. E foi nessa época, nesse período, que a Vale começou a construir as usinas de concentração. A partir daí, os volumes, com os quais ela podia se comprometer para vender, aumentaram. Aí, então, o crescimento dela nesse período foi muito grande através da utilização desse minério, dessa nova tecnologia. De 1969 até 1975, um período aí de cinco anos, ela teve uma expansão bastante significativa nos volumes, em função dessas incorporações, dessas tecnologias.
NEGÓCIOS NO EXTERIOR
Negociações na EuropaEra o ano em que nós íamos começar a vender todos esses produtos novos. Quer dizer, o período de construção tinha acabado; nós estávamos em fase de operação e você tinha que administrar. Só na Europa iam ser por volta de 15 milhões de toneladas. Aí, então, eu fui convidado a ir. Não pensei duas vezes e fui. Mas mudou neste sentido porque eu era uma pessoa que tinha experiência no tratamento dessa parte de administração das vendas, vamos dizer assim, no controle, desembarques, aceitação dos navios, enfim. Por isso eu acho que eu fui chamado porque eu era, talvez, o que estivesse mais disponível, tivesse mais experiência nessa área, então ia fazer isso lá, em interface com o nosso grupo daqui.Alemanha e BélgicaEu fui para Düsseldorf, que era o nosso escritório, mas acontece é que a Companhia estava fazendo as últimas solicitações ao governo da Alemanha no sentido de reduzir a taxação. A gente pagava um imposto muito alto na Alemanha e não fomos bem sucedidos. Aí, já tinha um plano, um plano B, que era mudar o escritório para a Bélgica. Na realidade eu fui para a Alemanha, fiquei três meses lá, com a minha mulher, aí ela veio para o Brasil, pegou as nossas crianças e fomos morar na Bélgica. Durante os outros nove, dez meses, eu trabalhava na Alemanha, mas morava na Bélgica.A Alemanha era o nosso mais importante cliente desde que a Companhia estava engatinhando aí, nos anos 60. Por isso, em 1968, se eu não me engano, foi instalada lá uma subsidiária nossa, quer dizer, uma empresa do grupo Vale chamada Itabira Eisenerz. E ela começou, talvez, juridicamente, de uma maneira errada. Ela comprava minério da Vale, revendia para os clientes e tinha um lucro, tinha uma comissão nessa operação, que com o tempo, com o aumento da quantidade, esse lucro passou a ser exorbitante em relação ao capital dela. Por exemplo, ela tinha um capital de, vamos dizer, 100 mil marcos, tinha 15 empregados e pagava imposto de 400 mil. Aí, então, por sucessivas vezes, a Vale foi ao fisco e disse: "Olha, essa comissão é absurda e tal". Isso foi dito de uma forma muito hábil, mas chegou uma hora que o alemão falou: "Não, tudo bem, então quando vocês quiserem sair daqui, saiam." Foi nesse exato momento que eu estava chegando. E aí tivemos que tomar a decisão de ir para a Bélgica. A decisão de ir para a Bélgica foi pura e exclusivamente baseada em critérios, vamos dizer, fiscais.E por que a Bélgica? Porque Bruxelas aí já era um pouquinho mais inteligente, porque Bruxelas ficava próximo da Alemanha, portanto não está longe dos nossos clientes. Em uma hora e pouco de carro a gente já estava lá, as estradas são excelentes. A Bélgica, inclusive, é um dos países do mundo com faculdades... As estradas da Bélgica são todas iluminadas, todas as auto-estradas da Bélgica são iluminadas. Então, você pode viajar o tempo todo, até com tempo médio para ruim você pode ir com segurança. E a Holanda é pertinho, a Alemanha. Enfim, a Bélgica era um lugar assim, tipo um ponto central. Essa é uma das razões. A outra das razões é que já para não cometer o mesmo erro da Alemanha, nós tínhamos feito uma consulta ao governo da Bélgica e pré-estabelecido um formato de vida onde, dependendo do volume que nós trabalhávamos, que nós fazíamos, nós pagávamos um formato "x", uma comissão "x", ou, dependendo daquilo que fosse maior ou menor, uma contribuição fixa por empregado mantido. Então, foi uma coisa estudada e combinada com eles. Daí ficou mais seguro por esse lado, e, obviamente, os nossos advogados, eu não me lembro bem, mas devem ter feito consultas em relação a outras alternativas. Mas as outras alternativas passavam a ser distantes. A Holanda seria uma alternativa razoável, mas em relação à língua é complicadíssimo. A língua é bastante difícil, embora todo mundo lá fale inglês e alemão à vontade, mas... E talvez a questão do fisco. Eu não me lembro se foram feitas outras consultas, mas com certeza houve.LínguasEu falo só inglês, francês e espanhol, mas alemão não. Só assim, coisa do trivial para não morrer de fome, pedir um sapato, trocar de roupa, mas nunca me interessei... Quer dizer, não que não fosse de meu interesse, mas eu achava que realmente o alemão era uma língua muito restrita e que era melhor eu ser mais fluente em inglês. Pensava que era melhor dedicar o meu tempo para aperfeiçoar a minha fluência nas línguas que ia precisar usar mais, como o inglês, por exemplo, que é internacional, e o francês, que era da Bélgica, o lugar em que eu estava morando, em Bruxelas, do que eu dedicar o meu tempo para estudar alemão. Nada contra alemão. Moradia em BruxelasPrimeiro eu morei num lugar chamado Ukle, que era bem pertinho do nosso escritório. Depois eu morei em um outro lugar, para onde eu me mudei, um lugar chamado Rue de Saint Genève.Todos são ao sul. O nosso escritório ficava na Avenue Louise. Essas localizações são ao sul. O centro de Bruxelas está aqui, você tem a parte norte da Bélgica, a parte sul da Bélgica. Na parte norte da Bélgica fala-se basicamente o flamengo e a parte sul é mais francesa. Então, tendia a se localizar mais para o sul por questão da escola das crianças. Os meus filhos estudavam em escola francesa, e essas localizações são mais ao sul, no caminho para Waterloo. Alguns dos meus colegas, depois que vieram, moraram em Waterloo. Luís Edmundo, por exemplo, morava em Waterloo.Pessoal do escritório em BruxelasO escritório era composto pelo diretor presidente, que era Eliezer Batista, que viajava muito; o diretor superintendente era o Ditzel; eu era da área comercial; o Manoel do Vale era da área financeira e administrativo; e o Figueiredo, da parte de transportes. Cada um tinha sob a sua responsabilidade o grupo local. O meu grupo da área comercial era o grupo que tinha vindo da Alemanha. Eram gerentes antigos, três gerentes e mais os empregados. Quer dizer, eram as peças assim, de supervisores, ainda mais os outros da área e as moças que faziam as faturas, as que faziam a troca de correspondência com relação à qualidade de análise.Mudanças no escritório da EuropaEu diria o seguinte; não havia muita diferença de tecnologia não. O que havia, no meu entender, era o fato de não existir essa camada de gerência intermediária. O Eliezer normalmente não se envolvia em assuntos da área administrativa, o Ditzel ficava muito sobrecarregado, portanto não tinha como supervisionar de forma mais efetiva cada uma das áreas. Claro, depois que a área de shipping passou a ser bastante ativa, a área comercial passou a discutir mais com os clientes, porque a tendência era que eles engolissem mais os pedidos e não negociassem. A área financeira passou a ter um camarada lá que olhava todo dia as aplicações financeiras, fazia negócio, negociava empréstimos. Enfim, houve uma mudança qualitativa junto com o aumento do tamanho do negócio também. Uma coisa é você gerenciar um escritório que vende cinco milhões de toneladas, outra coisa é o que vende 25. Realmente, a mudança foi muito expressiva porque a maior expansão que a Vale teve quando entrou com esses produtos novos foi na Europa. Houve um aumento muito grande no Japão, mas não tão expressiva quanto na Europa. A mudança foi muito grande e nós tivemos realmente muito trabalho, mas não houve uma mudança no sentido de dizer: "Não, é tecnologia de carioca, que é mais malandro do que de alemão!" Não é por aí. É por outro lado. Nós passamos a ter um controle mais efetivo do nosso negócio, sabendo exatamente onde estava cada peça e o que se podia fazer. Inclusive, passamos a incentivar o intercâmbio, mandando esses nossos supervisores visitar o Brasil, mandando os nossos gerentes de nível médio daqui visitar e fazer estágio, enfim, azeitando a máquina de tal forma que não houvesse mais atrito, de forma que todo mundo soubesse exatamente para onde estava apontando a espingarda e a hora que tinha que atirar. Isso foi realmente fruto dessa maior exposição nossa. Sem contar que a partir dali - porque nós fomos praticamente os primeiros - virou rotina você mandar gerente para o exterior para passar três, quatro, cinco anos lá e trazer de volta treinadão.Uma rotina de viagensAs coisas ocorriam de forma tão rápida, tão rápida que não dava muito tempo para você pensar. Tinha época que a gente viajava cinco dias por semana, só não viajava sábado e domingo, e às vezes também tinha que viajar sábado e domingo. Tinha época em que a gente saía da Europa e ia para o Japão. Por que? Porque era a equipe mais treinada. O Ditzel sempre foi o nosso negociador chefe e, claro, quem está com ele, aprende rapidamente. Então, não sei se havia muito tempo para pensar, mas uma coisa a gente tinha certeza, que nós, pela nossa idade, estávamos tendo uma experiência única, que nenhuma outra geração tinha tido. E digo com a nossa idade porque, quando esses escritórios foram estabelecidos, as pessoas que foram já eram mais maduras, mas nós não, nós éramos os mais jovens, então, tínhamos a noção de que, realmente, essa experiência que nós estávamos tendo eram excelentes neste aspecto. Também tínhamos a noção de que não era peixada, não, de que nós estávamos lá porque nós éramos os melhores mesmo. E sabíamos que iam tirar o nosso couro também, porque foi para isso que chamaram a gente. Então, nesse aspecto, a gente é muito, muito orgulhoso. A gente tinha a noção exata da nossa contribuição, e isso envolvia muito sacrifício pessoal. Suponhamos que você passe a trabalhar em um lugar e morar em outro. Sua mulher, que não sabe falar uma gota da língua, está lá sozinha de segunda a sexta, com dois moleques desse tamaninho. Quer dizer, é uma coisa que, no princípio, você pensa que não vai dar, mas depois você vê que deu. Foi uma época boa, uma época muito boa, de muito trabalho. Não dava muito tempo para pensar não. De vez em quando, depois de uma negociação a gente sentava em um bar de hotel para tomar uns drinques e falava: "Está complicado, mas vai dar certo!"Barganha italiana, sistematicidade alemãEu gostava dos italianos. Gostava dos italianos porque era uma coisa fantástica, eles barganhavam de tudo quanto é jeito. Diziam que não podiam, que eram mais pobres. A justificativa deles era de que eles eram mais pobres do que os alemães, e que os ingleses tinham mais tradição, e não sei o que mais. Era muito engraçado. Nós tínhamos ótimos amigos. Às vezes a gente fazia um negócio, fechava o acordo na estação do trem e eles iam nos levar na estação do trem: "Vamos ficar assim, desse jeito? Sem nenhum acordo?" "Então vai! Que seja pela última vez." Os alemães não. Eram mais sistemáticos, era tudo calculado: o preço da concorrência, qual era o nosso preço equivalente. Mas, também, todos muito corretos! Era uma comunidade.Interdependência É uma coisa interessante que as pessoas, às vezes, não compreendem. É uma relação de interdependência. Nós dependíamos deles e eles dependiam de nós. Então, não existe essa coisa: "Ah, eu posso prescindir desses clientes ou daqueles." Não, sempre tinha que buscar uma posição comum. Vou dar um exemplo; o Japão compra 25% do Brasil. Não pode da noite para o dia, substituir os 25%, mas também não podemos viver só dos 25% que nós vendemos para eles. E também não adianta chegar e dizer que vai vender 50% porque não vai aceitar, porque não vai querer ficar dependente. Esse modelito que está aí é um modelito que foi aprimorado e depois, em um determinado momento, chegou aonde está. Então, a gente tinha muito essa noção.Negociações durasAs negociações eram sempre duras, muito duras, muito duras. A gente tinha, praticamente, na época que ia de novembro a março, que visitar cada cliente pelo menos umas três vezes, porque também não ia chegar e justificar para o boss dele lá que no primeiro encontro ele fez negócio. Não, não pode ser assim. Você tem que ter um mis-en-scène. Na realidade, é mais para cada uma das partes perceber até onde a outra pode ir, e quais são as restrições. "O que está nos afastando para chegar nesse ponto aqui, comum?" Isso leva tempo, obviamente. As três sessões eram para isso. Você vai lá, conversa e explica. Aí, nesse meio tempo, você faz acordo com um. Aí chega lá para o outro: "Oh, tudo bem, eu sei que está difícil para você, mas já fechei acordo com fulano." Aí, um outro concorrente já fechou acordo com outro fulano. Vão se estabelecendo determinadas marcas assim, no mercado, até que no final, ele fica mais ou menos definido. Mas você tem, vamos supor, 15 clientes, que são 45 visitas, isso em um período de 90 dias. E tem gente que é de longe. Só para dar uma idéia, na Iugoslávia nós tínhamos dois clientes. Um era na Eslovênia, o outro era em Belgrado. Aí, um belo dia, o cara chega para você e fala: "Não, não, não. Dessa vez você vai ter que visitar a nossa usina." A usina é lá no cafundó do Judas, você tem que ir lá porque senão está desprestigiando o cara. Aí, você chega lá, pensa que é para visitar a usina e não, é para levar uma bronca dos técnicos: "O seu minério está muito caro, o seu minério não sei o quê."Fronteiras européiasO único caso em que nós tínhamos dificuldades com a política local era na Alemanha Oriental. Na Iugoslávia não, porque naquela época era unida, ainda era a antiga Iugoslávia. O único caso especial que nós tínhamos era com a Alemanha Oriental. Aliás, para todo não alemão, eu acho que era assim: você tinha que passar por aquela entradinha, que separa Berlim Ocidental de Berlim Oriental, e onde tinham as autoridades dos Aliados. A gente passava lá, abriam o carro, revistavam tudo, colocavam cachorro, espelho debaixo do carro. Então, era o único lugar mais complicado. Os outros eu não me lembro. Até mesmo na Romênia era simples. Em termos políticos, nunca vi nada. E era uma formalidade mesmo, você chegava, entregava o visto lá, um cartão, depois recebia e tal. Não tinha problema. Podia entrar com o carro, ou você alugava um carro e depois saía com o carro também, numa boa.Negociação com os países comunistasÉ gozado. As negociações com eles eu diria que eram até mais simplificadas, porque eles tinham um tipo de minério específico que era mais raro e também não era muito discutido o preço dele, porque a qualificação era boa, não tinha muitos substitutos no mercado e eles simplesmente tinham um orgulhosinho que era o seguinte: eles não queriam pagar mais do que o alemão ocidental estava pagando. Isso para eles era uma referência! E muitas vezes nós aproveitávamos isso como vantagem, porque nós negociamos um bom preço para uma pequena quantidade com os alemães ocidentais e usávamos aquele preço como referência para vender uma quantidade maior para eles.Imagem do Brasil no exteriorEu acho que ao longo dos anos isso pode ter mudado um pouco, mas eles sempre acharam que o Brasil é um país extraordinário, é um país que tem tudo para dar certo, que tem língua homogênea, extensão territorial. É o país do futuro! E, aliás, fazem, como nós fazemos, piadas. Eu já vi venezuelano brincando que a Venezuela é igual ao Brasil porque tem isso, tem aquilo, mas botaram lá o venezuelano. O Brasil tem isso, tem aquilo, mas botaram aqui os brasileiros. Os políticos brasileiros, os políticos venezuelanos. Mas nunca vi nada de ostensivo. Pelo contrário, sempre uma coisa muito positiva. Volta e meia se sabia por lá de um vexame, alguma coisa, uma besteira qualquer que acontecia aqui. Isso repercutia na imprensa, e o cara lê jornal também. Não é exclusividade nossa também. E se fôssemos enumerar as bobagens que aconteceram nos Estados Unidos nos últimos cinco anos, também dá para escrever um livro. E isso na Alemanha, no Japão. Quer dizer, então nunca foi colocado assim também: "O brasileiro é um bicho safado, o brasileiro não presta." Não, pelo contrário. Sempre uma visão muito positiva, muito positiva, e principalmente da parte dos europeus, que diziam: "Poxa, vai dar certo, hein?" Interessante é que a cada governo novo que entrava afirmava: "Não, agora vai dar certo!" Eu acho que no fundo, no fundo, isso é coisa de ser humano. O mesmo tipo de esperança que a gente tem quando ocorre aqui na nossa terra uma mudança, eles, como espectadores, têm mais ou menos a mesma perspectiva: "Então, vai melhorar!" É uma renovação, enfim.
MINERAÇÃO RIO DO NORTE
"Não conhecia nada de bauxita"Não conhecia nada do minério bauxita. Obviamente é um minério que produz alumina, que se produz depois o alumínio, mas todo o resto, que é a estrutura de mineração, que é estrutura de comercialização, enfim, o resto todo... É tipo assim, estava saindo de um Boeing 707, mas entrava num jatinho da Embraer. Quer dizer, o tamanho do negócio era diferente. Talvez algumas peculiaridades, mas o resto era tudo absolutamente igual. E também com uma característica que para mim foi interessante, pois eu já tinha bastante experiência de lidar com clientes estrangeiros, e a Mineração Rio do Norte tem quatro, cinco sócios estrangeiros. Digamos, um consórcio no qual a Vale, ela tem a maior quantidade de ações, mas ela não é majoritária no sentido de ter comando. É tudo dividido.Minério de ferro e bauxitaO minério de ferro, para ser utilizado na siderurgia, ele tem que passar por um processo que é ou de sinterização ou de pelotização. Depois, ele tem que se transformar de minério, seja minério simples ou minério elaborado, em um outro produto chamado gusa, que é o ferro gusa. E depois esse ferro gusa é que se transforma no aço. Então, você tem um produto primário, um secundário e um intermediário. Na bauxita é exatamente a mesma coisa. Você tem a bauxita, você tam a alumina, depois você tem o alumínio. Um produto primário, um produto secundário e um produto final. Quer dizer, os métodos de mineração são exatamente os mesmos. 99% das minas são de mineração a céu aberto. O sistema de bancada é de caminhões, escavadeiras de grande porte. O sistema de tratamento do minério é exatamente o mesmo. O minério é lavado para poder ser concentrado e o rejeito é separado para uma barragem ou para tanque. Eu estou falando do processo. A parte de embarque, a parte, por exemplo, de transporte, de vagões, a parte de empilhamento é exatamente a mesma coisa, pilhas semi-cônicas, processo Chevron. Recuperação é a mesma coisa, o mesmo tipo de máquina. Navios graneleiros, só que tem que ser um de menor porte para poder entrar no rio, na margem do Rio Trombetas. Então, a comercialização é exatamente a mesma coisa. Contratos de longo prazo, com cláusulas definidas, tudo certinho. A parte de administração é a mesma coisa. A programação dos navios, as análises químicas... Enfim, tudo, tudo é igual. Muda a cor do minério. Um é preto, o outro é marrom. Características do mercadoO mercado é exatamente o mesmo: o mercado mundial. Da mesma forma, igualzinho, só que ele tem... No caso da bauxita, como os portos que exportam bauxita são portos de pequeno porte, comparativamente, ao minério de ferro, você não tem, por exemplo, um cliente como o Japão. Já teve no passado. Mas aí, o que os japoneses descobriram? O óbvio. É longe demais. O Japão é longe demais das fontes de fornecimento. Então deixaram de produzir alumina e, depois, posteriormente, deixaram até de produzir alumínio. Investiram no exterior. Eles compram alumínio, que passou a ser a outra matéria-prima, e produzem só os produtos do alumínio. Então, basicamente, o mercado de alumina e de bauxita fica circunscrito aqui na Bacia Atlântica. Então você tem Estados Unidos, Canadá, Noruega, França. Enfim, mas o mercado é mais da Bacia Atlântica e, no caso específico da Mineração do Norte, ele está mais restrito ainda. Por que? Porque foram os sócios da Mineração Rio do Norte... Quer dizer, a produção dela é basicamente destinada para os sócios dela. Somente os excedentes de produção são vendidos no mercado. E, normalmente, nos anos bons, de alta demanda, você tem inclusive de fazer o contrário. Você tem que chegar e acomodar a disponibilidade do excedente entre os interessados. Quer dizer, você tem assim, oito milhões de toneladas vendidos sobre contrato, tem dois disponível. Tem um que quer um, um quer um e meio. "Vamos lá. Vamos discutir primeiro, vamos ver." Se não chegar a acordo, vai na proporção que cada um tem no capital ou como proporção dos contratos assinados. Aí é por negociação mesmo. A responsabilidade das comprasDo ponto de vista da transição, é como eu falei: é sair de um avião grande para um avião pequeno. Mas não significa que seja pior, que seja diferente, porque aí você tem toda a responsabilidade. E, no caso da Mineração, eu ainda era responsável também pela parte de suprimentos; a área de compras da Companhia também era da minha responsabilidade, e isso não é muito simples porque é você manter uma comunidade e sete, oito mil pessoas no meio da selva, onde você só entra de avião ou de navio. Não tem jeito. E aquilo ali não pode faltar. Jornal não pode faltar, comida não pode faltar, óleo diesel não pode faltar. Não pode faltar nada.Do bi-motor ao vôo de carreiraLogo que eu fui para a Mineração Rio do Norte, a gente não tinha ainda uma estrutura de vôo de carreira para lá. Então a gente ia até Belém ou Manaus e de lá pegava um táxi aéreo e ia. Pista de terra e aviãozinho bi-motor, que não é para ter problema: se falhar um, o outro ainda funciona. Cai no mato, mas cai inteiro. Mas depois, de alguma forma, isso foi se elaborando. A pista foi melhorando, até que finalmente nós conseguimos alguns investimentos para fazer uma pista que pudesse receber até Boeing 707. Aí tivemos condições de negociar com as empresas vôos de carreira normais. Então a vida passou a ser melhor.A administração de uma comunidade fechadaEm toda comunidade fechada você tem responsabilidades. O supermercado é nosso, o restaurante é nosso, a casa de óleos é nossa. Enfim, você tem que administrar. O superintendente passa a ser o superintendente da operação, mas também o prefeito. Aquilo é uma cidade que tem que andar lá direitinho e tudo que tiver de errado é contra nós. Obviamente que, por exemplo, Carajás é uma comunidade fechada também, mas Carajás tem acesso terrestre. Trombetas também não tem acesso. Eu falei: "Ou vai de navio ou vai por avião." E durante esse tempo, a gente sempre buscava o tempo todo as alternativas. Uma das alternativas que em um determinado momento ocorreu foi o abastecimento aéreo, principalmente das cargas perecíveis. Elas chegavam normalmente com uma barcaça, saindo de Belém, que levava cerca de cinco a sete dias para chegar em Trombetas, e muitas vezes com problemas. Nós tínhamos um problema, que os camaradas desligavam os geradores durante a viagem e retiravam o equivalente de combustível ao consumo. Era uma fraude que eles faziam, mas quem perdia éramos nós, porque o material chegava lá em condições já praticamente ruins. Mas então nós estudamos alternativas e uma das alternativas, que em um determinado momento apareceu, foi o transporte aéreo. E esse transporte aéreo era feito três vezes por semana, mas tinha uma carga maior que chegava aos domingos para, na segunda-feira, ter todos os produtos fresquinhos no supermercado. E um subproduto que apareceu desse transporte foi o jornal do dia na sua casa. O jornal vinha de Brasília no avião. Chegava no aeroporto, o gerente de suprimentos, que trabalhava comigo, recolhia aquele jornal todo, já arranjou um grupo de meninos para entregar ali direto nas casas das pessoas. Então o pessoal se sentia no primeiro mundo. Isso demorou mais do que um ano, um ano e pouco. Aí a Varig resolveu desistir, achou que os custos não justificavam os vôos e nós voltamos à nossa alternativa fluvial, que é obviamente a menos custosa, aquela mais econômica.ExcelênciaA empresa é excelente, tem resultados excepcionais hoje. Diria que hoje é uma das três maiores, mas com certeza entre as três acho que é a melhor em termos de qualidade de produto, em termos de organização, em termos de ser enxuta, em termos até mesmo de benefícios que oferece aos empregados. Tudo tem um plano muito moderno. Eles têm um plano de premiação dos empregados que eu considero um negócio bem bolado e muito democrático, incentivador mesmo. Tem plano de aposentadoria, tem plano de saúde. A gente sempre dizia o seguinte: "Nas virtudes a gente tem que se espelhar nos sócios, porque se algum sócio tem alguma coisa boa, traz para cá e a nossa acabou tendo os benefícios de quase todas." E os sócios também são bastante progressistas. Quer dizer, eles procuram entender. Eu sou sócio dessa empresa. Então, se na minha terra eu tenho um padrão, aqui eu tenho que ter um padrão similar. É uma das empresas onde eu vi, por exemplo, a questão de segurança ser colocada em primeiro lugar. Muito interessante. Hoje todo mundo está abrindo o olho para isso: segurança e meio ambiente. Só se fala nisso, ou pelo menos tem muita mídia, mas eles lá praticam. É uma coisa bastante sólida, com fundamento, com valor muito sólido.
RECURSOS HUMANOS
Programa de traineeHoje em dia a competição na Vale é grande. Em 1970, por exemplo, eles introduziram um programa, um programa de você pegar gente de fora, treinar: programa de trainee. Eles circulavam nos diversos departamentos da Vale, e aqueles melhores, com mais talentos, você retinha. Chamava de "Programa de Formação de Executivos." Agora tem um outro nome. Mas saíam excelentes executivos, e executivos que você tem que olhar, eles são formados nas melhores escolas.
MINÉRIO DE FERRO
Flutuações de preço O preço do minério sempre oscilou, mas numa faixa muito reduzida. Quer dizer, houve anos em que, vamos dizer, houve um aumento ou uma redução de 20%. Depois, com o tempo, houve uma faixa de oscilação que passou a ser bastante baixa. Houve anos, por exemplo, depois que ocorreram as crises do petróleo, quando você tem um produto, um pellet em que você gasta energia intensivamente, você tem obviamente que repassar aquele acréscimo de custos relativo à parcela de energia direta e indireta para o produto. Mas eu não chamo isso de aumento de preço. As flutuações maiores se deram sempre com base basicamente em repasse de custo, em aumento de custo, em função de tecnologia nova. Nunca por uma questão do tipo: "O ferro está diminuindo drasticamente ou a demanda aumentou drasticamente." Nunca foi assim, pelo menos, essa não é a minha percepção.
PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS
Mudança de diretoriaDepois que voltei da Europa cheguei a passar um período de certa turbulência porque houve mudanças de diretoria na Vale. Pela primeira vez, veio um presidente com uma diretoria totalmente de fora, que era o Fernando Reis e o grupo dele. Houve até um certo mal estar no grupo porque a gente não sabia quem vinha, como vinha. Houve também uma época em que o Ditzel foi chamado para ser diretor comercial e então ele passou a acumular a diretoria com a superintendência, mas não saiu de Bruxelas. Para mim foi um período também difícil porque ele se ausentava muito e eu ficava muito sobrecarregado, inclusive de matérias que tecnicamente não seriam da minha competência, quer dizer, alguma coisa que eu tinha que dividir com ele. Mas deu tudo certo, acabou dando certo. Depois, formalizou-se uma nova estrutura, certinha e ele continuou lá no exterior. Esse período também foi bom porque deu para a gente ver que, não só o "santo da casa" faz milagre. O "santo de fora" também faz milagre! Embora a mudança tenha ocorrido antes desse período, foi durante esse período que deu para a gente perceber que havia uma vontade realmente de acertar, tanto é que o Presidente da Vale, o Fernando Reis, saiu porque se atritou com o ministro Ueki, defendendo a Vale do Rio Doce. Quer dizer, é uma coisa que a gente tem que entender. E alguns dos colaboradores que vieram naquela época estão até hoje na Vale, se transformaram em funcionários antigos de carreira. Então, confesso que a gente tinha tido um pouco de receio do que... Ah, eu acho que do que é novo, do que não é da casa, do que não é "prata da casa". Isso foi lá naqueles dias, porque hoje em dia isso aí é a coisa mais normal do mundo. Você abre um jornal e lá diz assim: "Sai Zico, entra Tita." Aí ninguém reclama de nada, está tudo bem. "Rei morto, rei posto." Então, o novo chefe vai ser melhor do que o último e aí vai.Para alguns, a vinda de alguém de fora, que não fosse da casa, era uma usurpação do poder de forma indevida. O que, como eu falei, depois comprovou-se que não: isso era totalmente inverídico na medida em que eles também tinham os seus ideais, queriam dar a sua contribuição e como efetivamente deram.
COTIDIANO DE TRABALHO
Curtindo a família na EuropaEu me casei em 1967, fiquei lá na Europa de 1973 até 1978. E, em 1980, eu me separei da minha primeira mulher. O meu primeiro casamento, no tempo em que eu estava lá, a gente tinha uma vida muito corrida. Para ela também era corrido, pois tinha que tomar conta da casa, aprender a língua, botar os meninos no colégio. Encontrar comigo era quando podia, porque eu viajava muito, era só no fim de semana. Recebíamos a família, porque as famílias visitavam e tudo. Então, era uma vida muito corrida, mas eu tenho ótimas lembranças: meus meninos aprendendo a esquiar pela primeira vez, a primeira vez que pegaram na neve, o primeiro fim de ano que nevava e a casa toda lá iluminada, bonita! Enfim, via a piscina: "Oh, meu Deus, a piscina endureceu!" Quer dizer, coisas assim. São fragmentos, mas é muito bom, entendeu? E pescando a primeira vez...
Eu adoro pescar, sempre pesquei em mar. Eu me via lá em um riozinho junto com aqueles senhores velhinhos, pescando lá, num laguinho. Uns peixinhos desse tamaninho assim. São imagens boas. Você visitando lugares que nunca tinha conhecido com os meninos: "Vamos para Madri! Vamos a Paris! Vamos a Londres!" Conhecendo, aproveitando. Não lugares distantes e que também não tivessem muito interesse, mas aqueles principais, até porque eles não eram muito grandes de maneira que pudessem curtir um passeio como um circuito histórico em Roma. Não dava. Criança de sete anos de idade não tem essa percepção. O outro de quatro, menos ainda. Mas nós aproveitamos muito bem a nossa permanência lá. Não tenho assim, aquilo que muitas pessoas têm como sonho, por exemplo: "O meu sonho é ir para tal lugar." Isso aí eu já conheço bem.Visita às instalações da CVRDNo iniciozinho, durante o período em que eu estive na área financeira, não visitei nenhuma das instalações da Vale. Comecei a visitar depois que eu fui para a área comercial.
IMAGENS DA CVRD
Quanto vale a Vale?Quando eu fui trabalhar como Controlador Financeiro Contábil, eu já tinha dimensão do que era a Vale. Conheci duas pessoas, o Zeno Mila e o Jorge Paulino, que vinham de empresa privada, quer dizer, que já tinham tido experiência na empresa privada. Então, a nossa visão era sempre de buscar uma comparação, um espelho com a empresa privada, porque o fato da Vale ser mais ou menos estatal não significava que você não devesse ter padrões de excelência da empresa privada. A gente comparava. Então, obviamente nessa época, você já via que a Vale, em termos de faturamento, era uma empresa enorme, com faturamento bastante grande, comparativamente com outras empresas. Fazíamos comparações desse tipo: "Pô, a Souza Cruz não é uma empresa grande?" "É, mas a Vale tem quatro Souza Cruz." "E a Brahma?" "A Vale, seis Brahmas." Claro que o ramo é diferente, o produto é diferente, mas não interessa, o que vale é, no final, quanto você fatura. Isso era - e ainda é - uma das medidas de dimensão. Então, nessa época, obviamente, já tinha uma visão bastante clara.
PESSOAS
Raymundo MascarenhasEu tenho uma peça histórica aqui. É o discurso de saída do Raimundo Mascarenhas. Isso em 31/03/1974, quando o Fernando Reis entrou. Ele mandou em 31/03/1974, mas ele aqui fala muito bem do que era a Vale, do programa de expansão. É uma coisa muito interessante, mas o que valeu para mim, quer dizer, foi talvez uma das únicas coisas que eu guardei, é que ele saiu em 1974 e, para todos efeitos, estava, vamos dizer, quase que terminada a carreira dele na Vale. Pois bem, ele voltou depois para ser Presidente da Vale em 1985, 1986, 1987, se eu não me engano o ano, e só saiu de lá porque morreu, porque senão talvez estivesse lá até hoje. Aí, ele falou assim: "Camilo, um grande abraço, agradecimentos pela colaboração e esforços em prol da CVRD. Mascarenhas. 31/03/1974." Então, ele, o Mascarenhas - agora me permito falar um pouquinho dele - era um camarada que era um visionário também. Todas essas avaliações aí, da expansão, ele contribuiu de forma muito expressiva porque também já estava vendo que a companhia ia explodir nesse sentido de expansão. Então, todos esses planos de expansão foram feitos a partir daquela data, que aquele plano de expansão foi de 1972, foi quando praticamente quando eu fui para a Europa. E eles já tinham etapas: primeira etapa, segunda etapa, terceira etapa. Então, a gente já sabia a que patamares nós podíamos chegar. E na realidade, sempre fomos surpreendidos porque nós tivemos que ultrapassar essas metas com planos novos. E a Vale recentemente atingiu uma meta que ninguém pensava que fosse possível atingir: 100 milhões de toneladas. Vamos pensar que em 1966, eram 10 milhões. Quer dizer, você fica realmente bastante... Sei lá, você tem que contemplar isso aí e, ao mesmo tempo se perguntar: "Esse negócio não tem um fim, não?" Claro que tem, porque as reservas são finitas, o mercado é finito, mas para que a Vale tivesse essa expansão assim, tão grande... Agora, ela está tendo mais porque ela acabou de adquirir outras empresas. Enfim, foi uma coisa que realmente... Não vou dizer que espantou, porque eu sabia do potencial, mas eu fiquei bastante convencido de que quando você tem um rumo e tem determinação, tudo é possível. Não julgava que nós pudéssemos, mas nós tínhamos a capacidade interna, como grupo, como empresa de chegar, de alcançar essas metas assim, de forma tão rápida.
SAÍDA DA CVRD
AposentadoriaEu fico na Mineração Rio do Norte até a data em que eu saio da Companhia. Porque eu saí em março de 1998. Veja bem, aí tem que explicar um pouquinho a saída. Eu tinha tempo de serviço. Primeiro porque eu podia sair com tempo proporcional porque ia somar o tempo que eu tinha da escola militar. Então, a minha perda em termos de aposentadoria seria mínima, praticamente nada. E desde 1995, 1996, eu já estava nessa situação. Então, quando entrou a administração nova da Vale, eles resolveram que para quem exercia um cargo de direção, a Vale faria diversos planos de incentivo à aposentadoria. Mas as pessoas que exerciam cargo de direção não precisavam optar dentro do período definido, que era um período de 90 ou 120 dias. Reservava-se o direito para optar em uma data que fosse mais conveniente. Então a nova administração da Vale resolveu, acredito porque gostaria de ver definidas as suas responsabilidades econômicas em relação a isso. Quando você fala assim: "Todo mundo pode optar", você não sabe se todo mundo vai optar ou se não vai. Quanto isso custa, quanto vai custar para você. Eu acredito que tenha sido basicamente por esse motivo. Resolveram estabelecer uma data limite para você optar e essa data limite eu acho que foi 30 de setembro de 1997. Então, eu, como já tinha tempo, julguei que seria a hora boa, que o incentivo era razoável. Já tinha a minha vida estruturada em termos de tudo que eu precisava: casa, carro, filhos criados. Enfim, ainda podia, se eu quisesse, estudar a alternativa de ter uma outra carreira. Muitas vezes as pessoas têm possibilidades de ter um negócio próprio. Aí, então, naquela ocasião, resolvi optar. E eles pediram que eu ficasse. A gente optou em um dia, no dia seguinte recebi um contrato que permanecia até eu ser substituído e eu fiquei mais seis meses. Eu fiquei de setembro até março. Com a minha opção e a opção do meu colega Antônio João, eles julgaram que seria conveniente não ter mais escritório aqui do Rio e transferir a operação diretamente para o Norte, já que a Companhia estava totalmente estruturada, estabilizada. O diretor da Alcan decidiu que poderia ir morar em Trombetas. Ele foi. O outro nosso colega foi nomeado presidente e nós dois resolvemos optar pela saída. Eu acho que foi uma experiência muito boa na Mineração. Se for contar assim, trabalhei praticamente 35 anos. Então, se eu contar tempo, eu passei cinco na área financeira, passei 15 na área comercial e 15 na Mineração do Norte. Que dizer, inclusive, foi o tempo onde eu fiquei mais tempo de forma contínua. Na área comercial eu fiquei uma parte no Rio, depois fui para Bruxelas, mas depois voltei. Quer dizer, não foi contínua no sentido de uma mesma cadeira e no mesmo lugar. Mas, é um grupo muito bom, é o grupo da Vale que trabalha lá, um pessoal que a Vale indica, é da primeira qualidade. Só boas recordaçõesEu sou daquele tipo de pessoa que viveu a vida profissional plena, do principio até o fim. Então, tem que desencarnar da Vale do Rio Doce, está certo? Eu não reprovo aqueles caras que querem ser conselheiros de não sei o que. Não, eu não reprovo se as pessoas precisam existir, mas com certeza eu não tenho perfil para fazer isso, de voltar no tempo. Para ver o que? O que isso vai me somar? Eu quero ver os amigos. De dois em dois meses tem uma reunião, vou lá, encho a cara com eles, a gente conta um monte de besteira, relembra dos velhos tempos e bingo. É uma coisa que eu faço com meus amigos da aeronáutica, a mesma coisa eu faço com meus amigos da faculdade. Tem pessoas que custam a soltar aquela matéria... Soltar do espírito leva tempo. Eu não. O dia que eu saí, saí ótimo, fiquei felicíssimo, ganhei presente, fizeram um vídeo de despedida para mim, ouvi tudo o que tinha direito, entrei numa farra danada, guardo só boas recordações, mas acho que acabou.
LAZER
PescariaA minha principal atividade hoje é a pesca. Eu gosto de pescar e tudo aquilo que eu gosto de fazer em termos de esportes está relacionado com o mar. Então, o que eu faço como lazer é isso. Eu pesco duas vezes por semana. Meu objetivo era pescar três, mas perdi o meu parceiro. Agora pesco duas, às vezes, até uma vez. CulináriaMas eu também gosto muito de culinária. Modéstia à parte, eu sou um bom cozinheiro. Fora a comida de pobre que eu faço lá na minha pescaria, essas comidas de botequim, eu gosto de fazer comida japonesa e comida italiana. Desde a primeira vez que eu fui ao Japão, em 1969, 1970, que eu aprendi a gostar de comida japonesa. Quer dizer, eu não tinha nada contra, mas aqui no Brasil não tinha experiência. Aí fui, gostei. Aí, passamos ao grupo japonês da principal Trading Camp, que é coordenadora da Vale. Nós criamos... Fui eu que criei a tradição de uma festinha no final do ano que eles oferecem para o grupo da Vale. Ainda hoje tem. E eu sempre sou convidado, mas depois que eu saí, eu preferi evitar ir, porque me parece um pouco de interferência. Mas enquanto eu estava na Mineração, os 15 anos que eu estive na Mineração, eu ia todos os anos. Eu me lembro que a primeira vez eles chamavam aquilo de banquetinha. Chamavam de banquetinha, era um jantarzinho com um grupo, depois foi ampliando, foi ampliando, com secretárias. Na última vez que eu fui tinha um grupo com mais de 30 pessoas ou 40 pessoas. Agora tem que ser em um restaurante e tal. Antes era no Akasaka, que até já não existe mais. É um restaurante japonês. Mas enfim, veio a propósito de eu gostar da comida japonesa. E aí eu comecei a estudar, fiz cursos. Eu fiz curso em um Instituto Cultural Brasil-Japão sobre comida japonesa. Toda vez que eu viajava, em qualquer lugar que eu estivesse, eu já entrava em uma livraria grande, ia na seção de culinária para ver livros de comida japonesa e italiana. E agora tem também o meu lado brega. Que é fazer comida de pobre. Comida de pobre, eu sei fazer mocotó, sei fazer feijão de pobre, sei fazer rabada de pobre. Rabada de pobre é o seguinte: em vez do rabo de boi, que é caro, você compra costela grande assim e manda o açougueiro cortar em pequenos pedacinhos e faz-se exatamente do mesmo jeito que a rabada. Não tem a sopa Leão Veloso? A nossa é João e Cardoso. Leva siri, camarão, polvo. Enfim, peixe e aí essas comidinhas de pobre. Então, essas também são minhas especialidades. LeituraMas outra coisa que eu gosto de praticar também hoje em dia é a leitura. Eu nunca tive muito tempo para a leitura e hoje eu gosto bastante de ler. Leio, obviamente, mais aquilo que está ligado aos meus hobbies. Outra coisa que eu gosto demais é arquitetura naval em madeira. Existem livros e revistas especializadas sobre isso, que é uma coisa que você não pode imaginar. Os Estados Unidos, então, são um pólo desenvolvidíssimo nisso. Até de um navio que afundou há 30 anos atrás, eles vão lá, tiram do fundo, refazem, pegam dinheiro de uma fundação, pintam o navio, botam bonitinho trabalhando em seguro. Como é que se diz? Em turismo, para gerar renda e emprego para pagar o dinheiro que ele pegou na fundação. Nossa! Você não pode imaginar. É muito bacana isso. É uma coisa que eu gosto também bastante. Não tenho muitas habilidades não, mas alguma coisa de carpintaria naval eu sei fazer. Ajudo meus amigos lá a fazer barcos, esses barcos mais simples. Enfim, a leitura também é uma coisa. Viagem pela televisãoE agora, a praga desse século é a televisão. Você pega na televisão daquela cheia de canais com dois controles, você vê uma coisa e vê outra ao mesmo tempo. Mas eu gosto muito desses noticiários que tem hoje na televisão, esses canais específicos: canal de natureza, canal de viagem. Têm outros canais aí, um é o Discovery Channel, o outro é People and Arts, que você vai para um lugar, conhece. É como se você estivesse viajando, fazendo uma viagem de turismo com gastronomia embutida ali. É muito interessante.
COTIDIANO ATUAL
Sem sentir falta de atividadeO meu tempo... Não tenho sentido falta, digamos assim, de atividade, não. Acho que o meu tempo está bem preenchido. Já recebi propostas de trabalho, mas eu acho que... A última que eu recebi, eu vou tentar me livrar dela numa boa. Faço uma consultoria por um tempo aí, gratuita, porque o cara é meu amigo do peito. Mas trabalhar formalmente, novamente, chegar tipo às 9:00 e sair às 18:00, eu não sei se isso vai ser uma boa para mim, não.Motorista da mulherNo meu tempo vago eu também viro motorista de mulher, porque a mulher diz: "Me leva em tal lugar, me leva em tal lugar, vamos comigo comprar planta, vamos comigo comprar terra." E eu: "Vamos lá."
OPINIÃO
Roma, Madri e ParisTem tanta cidade bonita nesse mundo. Mas eu gosto especialmente de Roma e Madri. São duas cidades fantásticas. Eu esqueci, obviamente, de Paris, que também é uma cidade fantástica. Roma pelo que ela encerra do antigo. Roma é uma cidade que foi muito bem preservada em relação ao que ela tem de antigo. Madri pelo clima da cidade. Gosto de sair para jantar, entrar numa fila do restaurante às 23:30, estar na fila do restaurante, saber que vou ficar lá até às 3:00, fazer a siesta, dormir das 2:00 até às 5:00 e começar a trabalhar depois. É uma coisa realmente diferente. Os espanhóis, pelo menos os que nós conhecíamos, dos nossos contatos, eram gente finíssima. Gostei muito! E em Paris eu tinha que ir muito, muitas vezes tinha que ir até lá. Os franceses sempre perguntavam sobre o meu nome, e eu sempre explicava. Aí, vinha aquele que dizia: "Ah, sabia que tinha uma origem francesa." Paris, aquela cidade linda, maravilhosa, que também foi preservada e tem tudo de interessante. Mas ainda a coloco em terceiro lugar. Educação e oportunidades de trabalho no BrasilNo Brasil existe uma deformação muito grande na educação, em que as pessoas ricas podem estudar nas melhores escolas durante o dia. Na parte da manhã fazem curso de inglês, à noite de francês. Estudam uma horinha no finalzinho da tarde, vão para a boate dançar, voltam no dia seguinte e se formam nas melhores escolas. E aquele que não tem esses recursos? Ele fica em situação de desvantagem. Quando ele vai competir no mercado de trabalho, ele precisa fazer um esforço extraordinário para suplantar aquele que está mais preparado do que ele. Está mais preparado por que? Porque teve mais berço. Isso é uma deformação que até hoje eu não compreendi porque que não foi corrigida. Eu não fui atingido por ela, mas poderia ter sido de alguma forma. Não fui atingido porque, no meu tempo, inclusive, as oportunidades eram maiores. Eu, quando acabei a faculdade, estava trabalhando na Vale. Como eu falei, recebi convites para trabalhar em empresas e já estava passado no BNH. Então as oportunidades eram muito grandes. Eu converso com meus amigos, eu falo: "Quando eu saí da faculdade eu tinha duas, três oportunidades de emprego." Hoje, o camarada sai e mesmo que saia de uma faculdade boa, não são todos os da faculdade boa que estão colocados. Então, eu acho que essa deformação é ruim. Eu sempre falava: "Você tem que trabalhar, tem que estudar." Quem está dentro já tem uma vantagem. Mas, você não pode... Essa vantagem, em um determinado momento vai ser compensada por qualificação do outro, se o outro for mais jovem. E eu acho correto. Se não derem oportunidade aos jovens, qual vai ser o seu primeiro emprego. Ninguém vai ter? Então, é importante que vocês façam esse esforço.
AVALIAÇÃO
"O cara que deu certo"Eu não sei se tem outros, mas eu fui um dos poucos que entrou no cargo que eu entrei e saiu no cargo que eu saí, e também que tenha trabalhado 35 anos ininterruptos na empresa. Eu acho que eu sou um dos poucos. Não sei se tem muitos, mas acho que eu sou um dos poucos. Quer dizer, foi pelo concurso. Eu não tive padrinho. Busquei as alternativas, saí numa boa. Um cargo de topo, muito bem remunerado em termos de aposentadoria, eu não tenho nada a reclamar. A aposentadoria, se o Collor estivesse aqui, ia dizer que era de marajá. Mas, então, acho que fui "o cara que deu certo". Se eu pudesse definir, diria: "Eu estou na Companhia certa, na hora certa, acabou dando certo." Claro que eu fiz a minha parte, me esforcei, mas isso também não significa que as oportunidades não tenham ocorrido, aparecido. Eu sempre brincava. Tem um gerente meu, o Renato Lopes - ele hoje trabalha na Sul-Ferro ainda; ele foi gerente nosso no escritório no Japão duas vezes -, então eu dizia para ele e para os outros gerentes que trabalhavam comigo: "Olha, esse negócio é o seguinte, o cipó passa na tua frente uma vez e às vezes ele passa até mais do que uma. Tem sortudo que deixa passar mais de uma vez. Você tem estar todo dia fazendo exercício, que é para quando o cipó passar, você pular nele e ir junto com ele." Quer dizer, é a tua parte que você tem que fazer. Não vai esperar que alguém vá fazer por você. Pelo contrário, você vai ter concorrentes aqui para pegar o cipó. Você vai ter que dar o pulo maior e segurar firme, que outros também vão querer segurar. Então, a minha filosofia sempre foi essa, de fazer a minha parte. Eu tenho que estudar, eu tenho que me dedicar, eu tenho que procurar saber qual vai ser o próximo passo. O que eu vou precisar? Que tipo de valores vão ser requeridos, por exemplo, de um gerente daqui a 10 anos? Temos que saber de agora. Por que? Porque eu já vou me encaminhar para estabelecer aquelas qualificações para um determinado momento. Vão procurar e dizer: "Olha, já tem um cara aqui prontinho, esse cara aqui já sabe fazer isso, isso e isso. É só dar mais um retoque, um empurrão, ele já está lá." Então esta sempre foi a minha prática e a minha recomendação para quem trabalhava comigo. Sempre foi, sempre: "Ajuda-te e o céu te ajudará." Se você ficar esperando as situações ocorrerem, elas não vão ocorrer. Eu e todos os que trabalharam comigo, graças a Deus, todos estão bem. Alguns estão na Vale ainda, outros já saíram, se aposentaram. Mas foi uma equipe muito boa, muito boa mesmo.
DEPOIMENTO
Eu acho a idéia excepcional, muito boa. Por que? Porque, hoje em dia, de uma maneira geral, as pessoas tendem a esquecer aquilo que aconteceu. Isso é normal, faz parte da tua vida e se você não tiver um registro, um registro sistematizado, dificilmente você consegue guardar. Não agora, num curto prazo, porque ainda existe a transmissão boca a boca, mas isso eu acho que vai ficar mais importante na medida que o tempo for passando. Principalmente porque alguns desses depoimentos relativos a, por exemplo, alguém que foi um superintendente das Minas de Itabira, daqui a 20 anos, esse cara não vai poder falar nada porque as Minas de Itabira desapareceram, elas foram exauridas. E a Vale do Rio Doce, ao longo do tempo, vai ter que se transformar. Ela vai ter que ter novas reservas. Assim como ela saiu do Estado de Minas e foi para o Estado do Pará, assim como ela incorporou novas áreas de trabalho. Isso para que ela tenha, vamos dizer assim, uma vantagem comparativa, como é a logística. Então, daqui a algum tempo, eu vejo que alguns desses depoimentos vão ser história mesmo, no sentido de história, tipo dinossauro que acabou. E que você vai ter que ver o outro animal que nasceu lá na frente. Então, sobre esse aspecto, eu acho isso excelente. Eu não conheço a abrangência que isso vai ter, quantas pessoas vão ser entrevistadas, mas pelo que eu pude ver daquela relação, ela está bastante representativa, porque são grupos de todas as áreas que estão ali representadas: áreas operacionais, comerciais, as áreas de apoio. Então, eu vejo que vai dar uma história realmente representativa daquilo tudo que ocorreu, da experiência das pessoas. Bom, isso com relação ao que eu acho do projeto. Com relação à minha participação, eu acho que só pode ter sido fruto de algum amigo que viu em mim virtudes que eu talvez não tenha visto. E eu me sinto muito honrado de ter sido um dos escolhidos.Recolher