Museu da Pessoa

Engenharia mineral

autoria: Museu da Pessoa personagem: Bernardo Szpigel

Projeto: Memórias Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de: Bernardo Szpigel
Entrevistado por: José Carlos e Claudia Rezende
Rio de Janeiro, 29 de março de 2000
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: CVRD_HV005
Transcrito por: Rubens Martins e Nascimento
Revisado por: Grazielle Pellicel

P/1 - José Carlos

P/2 - Claudia Rezende

P/1 – A primeira pergunta a fazer para o senhor, é: nome completo, data de nascimento e local de nascimento?

R – Bernardo Szpigel, nasci em São Paulo em 27 de setembro de 1945.

P/1 – Final da Guerra...

R – Final da guerra, um pouquinho depois.

P/1 – Qual o nome dos seus pais, e a sua principal atividade durante a vida?

R – Meu pai, (Slama?) Szpigel e minha mãe Míriam Szpigel nasceram na Polônia. Vieram para o Brasil em 1932, e meu pai tinha, era sócio em uma pequena metalúrgica aqui em São Paulo.

P/1 – O senhor sabe o contexto da vinda deles para o Brasil, um pouco dessa história?

R – Bem, eles moravam numa pequena cidade na Polônia, agora me lembrei o nome, (Lagof?). O pai da minha mãe já tinha vindo para o Brasil alguns anos antes, e minha avó morreu lá. Minha mãe veio morar com o pai aqui, ela devia ter uns 16, 14 anos. E o meu pai já estava namorando com ela firme, então veio também junto, mais ou menos na mesma época, para se casarem depois.

P/2 – Se casaram aqui no Brasil?

R – Se casaram no Brasil em 1935, uns dois ou três anos depois de chegarem. Então ele tinha uns 19 anos e ela tinha uns 18, era assim que se fazia na época.

P/1 – E se instalaram em São Paulo mesmo?

R – Eles vieram para o Rio de Janeiro, porque meu avô materno tinha vindo para o Rio, né? E vieram morar no Rio. Ele trabalhava como um pequeno comerciante vendendo coisas de porta em porta, foi assim que ele começou. E era assim, um começo de vida bem difícil,

mas foram aprendendo a língua, foram se acostumando com o novo país, e acabaram se dando bastante bem, assim, gostaram muito. Completamente diferente do que eles tinham até então, mas era mais ou menos o que muitos imigrantes naquela época... Era a nova oportunidade da América, vamos dizer assim, porque a vida que eles tinham lá era muito miserável, assim de, dificuldades, né? Não de miséria e de pobreza, mas sim uma vida bem dura. Aqui não era tão mais abundante, né? Ou então afluente assim, mas com muito mais oportunidade de crescer. Então foi mais ou menos assim que a história começou na minha geração.

P/1 – Como é que ele conseguiu montar esse negócio de metalúrgica? Como é que isso surgiu?

R – Bom, ele, meu pai é uma pessoa, ele ainda é vivo, pai e mãe são vivos, e se vocês pudessem entrevistá-los, vocês iriam conhecê-los. É um tipo de pessoa muito positiva com relação às coisas da vida. É de um relacionamento muito fácil com todo mundo, muitas pessoas gostam dele e ele então foi conhecendo as pessoas. Ele trabalha, é uma pessoa muita trabalhadora, muito séria, muito honesta, essas coisas todas, e nesse relacionamento, ele acabou... E também com muita energia até empresarial, assim, forte, e ele acabou conhecendo outras pessoas. Aí já em São Paulo, porque entre o começo e a hora que ele acabou ficando sócio dessa metalúrgica, ele também quebrou a cara uma, algumas vezes. Eu estou encurtando a história, mas é, quebrou a cara feio, mas sempre tentando. Aí ele, num belo dia, chegou nessa metalúrgica, tinha lá uns três sócios e ele entrou. A ideia é que eles estavam precisando de alguém que cuidasse da parte comercial - isso é o que ele me conta, porque isso aí eu não presenciei. E segundo ele, quando ele entrou nessa metalúrgica e viu lá uma situação que era mais ou menos assim: tinha lá os donos da empresa, a família toda da empresa, dos donos da empresa, empregados, mas não estavam trabalhando, né? Aquela situação, e a empresa perdendo dinheiro. E ele sacou algumas coisas lá, que aqui ele poderia melhorar o desempenho da empresa. Aí ele fez uma proposta, eu não me lembro exatamente do ____ desta proposta, mas ele falou: “Se em tanto tempo eu não conseguir reverter...” Fez um contrato de risco, vamos dizer assim. (risos) “Se em tanto tempo eu não conseguir reverter essa situação, tudo bem, eu estou fora e vocês não me devem nada. Se eu conseguir, eu quero uma participação de não sei quanto.” Dito e feito, ele aumentou o faturamento e reduziu os custos. (risos)

P/1 – Mas e a família dos donos?

R -

Não, ele botou todo mundo pra fora ou pra trabalhar e as coisas começaram a andar bem, andaram muito bem. Então ele ficou sócio e cuidava dessa parte comercial, mas também era _____ pequena. Segundo o que ele conta, ele mudou um pouco a mentalidade da empresa e as coisas começaram a andar melhor. E aí ele realmente começou a melhorar de vida, né? Até aí ele não tinha casa para morar, isso foi mais ou menos em 1950 e pouco. Aí conseguiu comprar uma casa: a gente morava em Pinheiros, em São Paulo. Então as coisas começaram a melhorar e foi mais ou menos por aí que ele tirou o pé do lodo, vamos dizer assim.

P/1 – O senhor nasceu em que bairro de São Paulo?

R – Bom, eu nasci... A gente morava na, hoje é um lugar que é perto da Praça Marechal Deodoro, Rua das Palmeiras, né? Era uma área residencial em São Paulo. Isso aí eu me lembro, foi o primeiro apartamento de que eu me lembro. Eu nasci, eu morava numa outra casa que eu não me lembro dela, mas era ali perto também, e ficamos lá até eu ter uns cinco anos de idade. Depois a gente mudou para Pinheiros, nessa casa, e aí ficamos muitos anos lá.

P/1 – Ficaram vários anos?

R- Muitos anos.

P/1 -

O senhor passou toda a infância ali mesmo em Pinheiros?

R – Boa parte da infância foi em Pinheiros.

P/1 – Que lugar de Pinheiros?

R – Você sabe ali a Rua Francisco Iasi?

P/1 – Sei.

R – É entre a Rua Morato Coelho. Hoje é Vila Madalena ali, né? Ali começa a Vila Madalena, naquele tempo... É entre a Rua Francisco Iasi e a Simão Álvares, tem uma ruazinha que sobe a Rua Teodoro Sampaio até a Cardeal Arcoverde, e a gente morava ali.

P/1 – E como é que foi essa infância ali, nessa casa?

R -

Ah! Foi muito boa, né? Ali era uma rua pequenina, todo mundo se conhecia. A gente era amigo e brigava, e a rua nem era calçada quando a gente morava lá, de maneira que era quase como se fosse uma vila. Hoje, você pode fazer uma ideia das vilas que a gente tem na cidade, assim, que fica aquela coisa meio fechada. Não passava muito carro, né? Então a gente brincava na rua e tinha a maior liberdade mesmo, era muito bom.

P/2 – Quais as brincadeiras?

R – Puxa, ____! Eu estava lembrando de algumas, né? Mas eram aquelas tradicionais.

P/2 – Futebol?

R – Futebol, esconde-esconde - de um jogo que tem em São Paulo, e que você não vê em outros lugares que é o taco, que é uma forma de beisebol. Você sabe como é esse jogo, né? Você faz uma casinha com três pedacinhos de pau de cada lado, e você joga uma bola, um... Bom, bola não era, porque era feito de meia. Você pegava uma meia da sua mãe e fazia uma, para derrubar a casinha do outro, e o outro tinha que defender com o taco, né, rebater. É uma forma de, eu não sei se é bem parecido com o beisebol ou “cricket”, inglês também, que é mais ou menos o mesmo. É um jogo que deve ter vindo da Inglaterra ou coisa parecida. Enfim, tinham outras brincadeiras, às vezes, até brincadeiras de se fazer coletivamente com meninos e meninas, passa anel, - não sei se é assim que chama - amarelinha, e tinham as fases, né? Esses jogos eram por fases. Tinha uma época que todo mundo jogava pião, então todo mundo comprava pião e ficava jogando. Tinha época que era jogar bolinha de gude, então todo mundo ficava lá. Futebol, pipa, em agosto, principalmente, que o vento é bom e tal. Então jogava-se todos os jogos durante o ano todo, mas, mais ou menos, por onda.

P/2 – Sempre ali no bairro?

R – Sempre. Eu estudava numa escola... Sobre essa escola, eu até depois vou fazer uma ligação. Esta escola fica na Rua Pedroso de Moraes, chama-se Instituto de Educação Fernão Dias Paes. Ela está lá até hoje, e eu estudei do primeiro ano do primário até o último ano do colegial. Foram 11 anos direto na mesma escola.

P/2 – Entrou em que ano, Sr. Bernardo?

R – Entrei no primeiro ano do primário.

P/2 – Qual a data?

R – Bom, isso aí, nós estamos falando em... Bom, pega 1963 e tira 12 anos. (risos) Em 1951?

P/2 – 1951.

R – Mais ou menos, né? Porque tinha um ano de admissão. No meu tempo, você terminava o primário e para fazer o ginásio, precisava ter pelo menos 11 anos de idade. Agora são 8 anos do primeiro grau. Antigamente era assim: o primário, depois o ginásio e depois o colegial. Mas para você entrar no ginásio, você tinha que ter 11 anos e eu não tinha, então fiquei um ano estudando, fazendo um exame de admissão que também precisava fazer para entrar no ginásio, né? Não era automático. Em qualquer escola você tinha que fazer uma provinha. Então foi isso, entrei em 1951 e fui até 1963 nessa mesma escola. O engraçado nisso, é o seguinte: hoje eu trabalho exatamente a 3 quadras da escola onde eu estudei 11 anos. Eu trabalho ali perto da Rua Pedroso de Moraes, e é como se desse a volta, sei lá... A vida dá aquela volta toda e você volta exatamente no mesmo lugar.

P/1 – O Sr. passa ali? Passeia pelo bairro?

R – Todo dia eu passo em frente ali da escola. Nunca mais voltei, tenho que ir até lá ver a Dona Adelaide, que era diretora da escola. A coitada não deve estar por aí ainda, né?

P/1 – E como é que era a Dona Adelaide?

R – A Dona Adelaide... Eu tive um período que não queria ir para a escola, no segundo ano do primário eu abominava, não sei. Não gostei da professora, achava ela uma coisa horrorosa e não queria ir mais, queria abandonar a escola. Estava no segundo ano do primário, você vê que o negócio... (risos) Já tinha feito um, já estava muito bom. (risos) Aí minha mãe me levava para a escola e eu não conseguia, chorava, voltava. Sabe aquela história de criança que não quer...? Não é tão incomum, para mim era o fim do mundo ter que ir para a escola. Aí um dia, a dona Adelaide, nossa diretora, ela me pegou pela mão e falou assim: “Bernardo, nós vamos visitar agora todos os professores do segundo ano. Algum você vai ter que gostar.” Aí fomos visitando todos, ela abria a porta: “O que você achou desse?” “Não, não!” Choradeira, choradeira. No último, quando já não tinha mais nenhum, ela abriu a porta e era um professor, o Prof. Laércio. E o Prof. Laércio chegou para mim na maior, né? Foi ultra legal, ele falou: “Olha, você vai entrar aqui, mas a gente vai logo preparar... Lembra que sábado a gente tem um treino de futebol, você...” E já pegou por esse lado. Eu me encantei com o Prof. Laércio e fiquei. Então eu lembro desse lance da Dona Adelaide me levando pela mão de sala em sala.

P/2 – E como era a escola?

R – Olha, no meu tempo, a escola pública era melhor do que a escola particular, né? Assim, como, bons professores, metodologia de ensino. Era uma escola muito melhor do que é hoje, então a preferência de todo mundo era ir para a escola pública. Hoje não é assim, se você pode pagar uma escola particular, você vai preferir ir pra ela; se você não pode, vai para a escola pública. Então era muito boa essa escola do ponto de vista de ensino. E a gente tinha uma infraestrutura razoável, a área é mais ou menos grande, tinha campo de futebol... Campo não, mas se precisasse jogar basquete, futebol, tinha muito espaço no recreio. Então, eu me lembro que gostei muito dessa escola o tempo todo, dos professores bons e maus. E o mais divertido de tudo é você e seus amigos, né, isso aí é a coisa mais sensacional que tinha.

P/1 – O Sr. fez muitos amigos ali, né?

R – Muitos, muitos amigos. Eu era bem enturmado lá.

P/1 – Encontra eles ainda?

R – Olha, comigo aconteceu um negócio até meio raro... Hoje faz tempo que eu não encontro, mas eu tornei a encontrá-los uma vez. Eu já estava na Vale, já tinha feito faculdade, já tinha tempo de formado, e alguém teve a ideia de reunir a turma do terceiro colegial. Já tive algumas experiências de reencontros, mas foi muito divertido. Você olha as pessoas e leva um tempo para descobrir quem é, aquilo vem devagarinho e de repente você lembra exatamente as circunstâncias, as características, e parece que você nunca esqueceu como é que é aquela pessoa. Isso foi muito bom. Depois, nós prometemos que íamos repetir a dose, acabamos não repetindo, mas foi muito bom. De vez em quando, eu encontro um ou outro, tenho notícias e tal, é mais difícil, mas eu tenho alguma notícia.

P/1 – Eu fiquei curioso com relação a casa, o ambiente doméstico. Você manteve alguma tradição polonesa alguma coisa do gênero dentro da sua casa?

R – Não, pelo lado do meu pai, veio ele sozinho, e a família toda eram 7 ou 8 irmãos, ou 9 irmãos, uma coisa assim. Ele veio para casar com a minha mãe e a família toda ficou lá - e na guerra foram todos mortos. Então, as memórias, principalmente para o meu pai, eram muito doloridas. Então ele não quis mais pensar no assunto. E também aqui, a gente tinha uma vida que não se cultivava os costumes da época, ou que eles tinham tido. Se adaptaram à vida aqui no Brasil, como brasileiros. Algumas coisas, certamente tem em toda a parte de minha formação pessoal, nessas coisas se vem, né? Tudo vem, assim. Mais alguma coisa de comida... Até hoje a melhor comida que tem é a da minha mãe. Se vocês quiserem, a gente vai lá ver pra vocês comprovarem. (risos)

P/2 – Eram 4 irmãos?

R – Nós somos 4 irmãos, tem mais um irmão mais velho e 2 irmãs. Eu sou o terceiro. É um irmão, uma irmã, eu e mais uma irmã.

P/1 – E esse ambiente doméstico, como é que é?

R – Bom, é assim: o meu irmão e a minha irmã são mais velhos do que eu, com alguma diferença. Meu irmão, acho que é quase dez anos mais velho, 9 ou 10 anos mais velho que eu. Depois, a minha segunda irmã é 3 anos mais nova do que ele. Aí venho eu e depois tem uma irmã 3 anos mais nova. Uma irmã que nasceu no mesmo dia que eu, com 3 anos de diferença. Eu nasci no dia 27 de setembro de 1945, sei lá, às 16 horas, e ela em 27 de setembro de 1948 às 16 horas e 30 minutos. Perguntei para a minha mãe se tinha havido algum planejamento e ela falou que não, que foi acaso. Então, relacionei-me muito com essa irmã... E muita briga meu! Era pau direto. Porque ela era muito chata, e ela deve achar a mesma coisa. (risos)

P/2 – Mas tinham programas que a família fazia junta?

R – Tinha. Por exemplo, tem um programa sensacional que é ir à praia de Santos, no Gonzaga, comer frango com farofa, que era das coisas mais gostosas que eu me lembro de fazer Domingo. Pegava todo mundo, enchia um carro lá. E não íamos só nós, porque iam amigos e aquela coisa toda num carrinho desse tamanho. E que muitas vezes ia e não voltava direito pra subir a serra, - esquentava e fervia - mas chegando lá, era o máximo. Chegava, levava o seu farnel, minha mãe preparava o frango no Sábado, aquele frango que eu falei para vocês que é muito bom, e a gente descia, passava o dia inteiro lá. Antigamente, você ia à praia e alugava umas cabines nos balneários. Você vê nos filmes hoje, esse negócio. Então você alugava a cabine, trocava a roupa toda, deixava lá e ia para a praia. Na volta, você trocava de tudo, tomava um banho, botava a roupa e ia embora. Passava o dia inteiro lá. Então, isso é uma coisa que a gente fazia com uma certa regularidade. Meu pai viajava muito, ele ficava fora cuidando da parte comercial dessa empresa e acaba ficando boa parte do tempo fora toda semana, mas todo fim de semana ele estava em casa. E aí, no fim de semana, era o passeio, sei lá, a gente ia comer pizza. Você vê que é tudo igual, né? Mas era uma pizza boa. No Gigetto, que mudou de lugar, antes era ali em frente ao Teatro Cultura Artística e agora mudou lá para a Rua Avanhandava, era uma casa. A gente não comia lá - a gente comia aquela pizza encomendada - comprava ali e ficava esperando. Eu conhecia todos os garçons, e era o programa de todo domingo, com guaraná. Então era isso, a gente tinha muito isso de programa de domingo. Também no domingo de manhã, tinha uma rotina: era o almoço de domingo que minha mãe preparava com aquele macarrão, o frango, e a gente começava a se preparar para esse almoço já umas 10 horas da manhã fazendo várias coisas. Almoçava e depois, no final da tarde, dava um passeio, comprava a pizza e enfim, esse era o ponto alto da semana. Então, as relações com os irmãos, eram um pouco mais distantes com os irmãos mais velhos. Com essa irmã muita __ fazia... Estou falando que a gente brigava o tempo todo, mas não era... Tinha hora que a gente não brigava não. O pai não era presente o tempo todo, mas muito caloroso nesse apoio que ele dava pra gente com amor e tal. E minha mãe, supermãe judaica, cuidava dos filhos o tempo todo com muita dedicação.

P/1 – Na sua casa, por parte do pai ou da mãe, havia alguma expectativa quanto a profissão que vocês fossem seguir?

R – Olha, meus pais, eles foram até o meio do ginásio equivalente, eles não foram além disso na escola. Já era bastante para a época lá na Polônia. Então para eles, era muito a ideia de que os filhos fossem, que os filhos se formassem. Essa era a expectativa, mas nunca fizeram assim, pelo menos comigo, nunca fizeram nenhuma... Era mais ou menos o dia a dia de você ir estudando, então foi mais ou menos por aí. Eu fui fazendo meus estudos, fora aquele evento do segundo ano do primário, porque aí eu me emendei: fui fazendo as coisas eu mesmo, ninguém ficava me cobrando nada, nem tampouco me ajudavam. Eu ia tocando as coisas. Isso é o que eu me lembro, né? Teve anos que eu fui muito bem na escola, mas chegou um certo ponto que eu me divertia muito mais com meus amigos que sentavam no fundo da sala, que era muito mais divertido. E aí eu passei raspando em algumas matérias horrorosas, mas foram os anos mais divertidos. Dependendo do que acontecia com você, nessa escola, você ficava nas turmas... A turma “A” era a melhor turma, né? Quem tinha as melhores notas. Depois vinha a “B”, a “C”, a “D”. No terceiro ginasial, só tinha duas turmas, porque também iam diminuindo as turmas. O pessoal ia saindo da escola. Então no terceiro ano ginasial, tinha o terceiro ano “A” e o “B”. Eu fui muito mal no segundo ano, fui para a turma “B” e foi o ano mais divertido da minha vida, o que tinha de coisa engraçada lá era...

P/2

- No fundo da sala?

R – No fundo da sala. A turma era da pesada lá, mas é bom, porque no fundo, a vida é isso também. Você tem que combinar as coisas, trabalho e diversão também, senão...

P/1 – Nesse período de adolescência, que tipo de programas o senhor fazia em São Paulo?

R – Bom, eu tinha medo das mulheres, então as coisas eram mais... Esportes, eu comecei a me interessar por basquete, apesar de não ter altura. Ainda mais hoje, né? Eu gostava de basquete e treinava violentamente na escola e ______ mais ou menos. Nosso time de juvenis, conseguiu, um ano, ficar em penúltimo lugar. No ano anterior, a gente tinha ficado em último lugar no campeonato paulista, aí nós melhoramos e eu ficamos em penúltimo. (risos) Era muito divertido, eu tinha alguns amigos que eram desses amigões, que você saía para fazer absolutamente nada, mas ficava junto conversando, papeando. As coisas mais perigosas para mim, é que eu tinha uma vizinha que era mais ou menos da mesma idade e, de vez em quando, ela fazia aniversário e me convidava para o aniversário dela. Aquilo, eu suava frio, porque era um negócio... Ela tinha várias amigas. Eu e um primo dela éramos os únicos homens da festa, e elas queriam que a gente dançasse, ainda por cima. (risos)

P/1 – Com todas?

R – Olha, você não sabe o que é isso. (risos)

P/2 – Isso com que idade mais ou menos?

R – Isso aí nós estamos falando já bem até quase... Bom, depois que eu entrei na faculdade, acho que eu criei mais coragem, mas até o último ano foi essa história. Até 16, 17 anos era isso mesmo. Até que eu gostava de dançar né? Bom, faltou um detalhe importante: quando foi a minha formatura de ginásio, - tinha um baile formatura - comprei um terno e tinha que dançar a valsa com a minha mãe, e aí eu tive que aprender a dançar. Então eu fui, tive umas aulas de dança e gostei daquele negócio. Acho que eu minha mãe fizemos um belo par, mas ficou por aí só. Bom, o que mais? Eu acho que foi muito forte nessa época as amizades, o interesse, muito interesse pelo basquete, era minha principal... E eu combinava também, porque gostava sempre de ler, de música, de cinema. Eu sempre fazia essas coisas também, né? Mas era mais de conversar com os amigos.

P/1 – Pinheiros ainda não era um bairro boêmio?

R – Não. Hoje a Vila Madalena é um lugar bem interessante, você passa de noite e está cheio. A garotada está toda lá. Vila Madalena, eu nem ia lá. Tinha um bonde, - a gente pegava, era na época do bonde - que subia pela Rua Fradique Coutinho, que ia lá para a Vila Madalena. Eu nunca fui naquele, porque eram casas e não tinha nada lá. Nada, nada. A localização dos cinemas em São Paulo era diferente, São Paulo era muito diferente, lembre que nós estamos falando em 1960. É duro de lembrar dessa época, é tão lá atrás.

P/1 – Então eu vou fazer uma pergunta ainda mais difícil. A primeira namorada do senhor, lembra como é que foi?

R – Deixa eu lembrar como é que foi a primeira namorada. Então, tinha uma colega de escola que eu

sempre achava ela linda, lindíssima, mas eu nunca tinha coragem de conversar com ela. Até que um dia, eu já tinha entrado na faculdade e estava me sentindo um pouco mais dono do pedaço. Aí eu resolvi, assim por sondagens indiretas, perguntar a alguém conhecido se ela gostaria de sair comigo, da gente ir ao cinema, alguma coisa assim, e a resposta foi: “Muito.” Aí eu quase caí de costas e fui na casa dela, a mãe queria conhecer quem era o cara. Aí saímos uma vez só e... Sabe que não deu química nenhuma? Foi um negócio horroroso. Peguei um pouca assim nela, mas ela... Sabe? Aí nunca mais voltei lá. Uns 3 meses depois, a mesma sondagem foi feita: “Escuta, por que você não voltou mais lá? Porque ela está esperando até hoje.” (risos) Foi mais ou menos assim, um desastre total. Aí, rapaz, as coisas começaram, né? Dando cabeçada nessa parte, mas é muito gostoso. É correspondido ou não é? Se interessa e tal, aí descobre que é e gosta, mas aí já não foi com essa primeira, não, essa minha deusa. (risos) Não foi com ela não. Não deu química na deusa lá.

P/2 – E a faculdade?

R – Bom, deixa eu dizer mais ou menos como é que foi quando chegou a época - você tinha que fazer cursinho, e o meu negócio era assim: “Acho que eu gosto disso... engenharia”, mas a verdade é que eu mais desgostava das outra coisas, eu não queria fazer as outras coisas, e aí eu enfiei a cara no cursinho e, realmente, até fiquei surpreso comigo mesmo. Eu tinha um exemplo de um amigo meu, esse sujeito era um CDF: ele se desligou do mundo durante um ano, se concentrou no cursinho e passou - mas ele sempre foi assim, primeiro aluno e tudo. Eu meio impressionado com esse negócio, também falei: “Acho que eu vou ter que fazer a mesma coisa.” Me concentrei o ano inteiro, fiz o meu cursinho junto com o terceiro ano do científico, e estudei muito. Aí quando chegou na época, você tinha que fazer, como hoje , vários vestibulares em várias escolas, e eu fiz em três escolas. A primeira que eu fiz foi o Ita, né? O Ita. Era uma escola muito difícil de entrar, e eu, na realidade, não acreditava que eu pudesse entrar, e aí fiz as provas todas no Ita. Era mais cedo, aí depois vieram as outras provas. Eu estava fazendo nas outras escolas quando saiu o resultado do Ita, e eu tinha passado. A sensação foi um negócio espetacular, um negócio inacreditável mesmo, aí fui pra lá e eu não ia fazer mais prova de vestibular, chegava aquelas que eu já tinha feito.

P/1 – Passou no topo, né?

R – E fui, né? Aí eu tinha que mudar para São José. Quem queria ir pra lá já sabia como é que era, muitas pessoas até passavam e não queriam ir, porque significava você sair de casa, ou morar num lugar... Né? Eu fui com muito entusiasmo e gostei muito. Gostei da escola, gostei da profissão. E aí eu realmente me encontrei mais.

P/2 – Qual o curso?

R – Eu fiz Engenharia Mecânica - tinha lá uma especialidade de produção, então eu fui mais ou menos por aí. O Ita tinha 3 especialidades: Eletrônica, Mecânica e Aeronáutica, eram as três na época. Mecânica era recente e eu fui fazer essa, que tinha essa área de produção. Foram 5 anos de escola, - você morava dentro da faculdade - fica lá em São José dos Campos. Eu não sei se vocês quando passam por lá pela Rodovia Presidente Dutra, você olhando a sua direita, indo para o Rio de Janeiro, vê o Centro Técnico da Aeronáutica e o Ita. Fica lá dentro. E é uma escola muito, muito boa com o tipo de coisas que você tinha na época, eram bem até.... Hoje você já tem em muitas escolas, mas na época a diferença era grande, porque ela já era meio concebida como as escolas americanas em termos de currículo. Tinha uma biblioteca com tudo o que você precisava; você fazia o curso Mecânica de Materiais, sei lá, tinha um livro para cada aluno ____________ lia o livro, o texto muito bom e você nem comprava o livro, pegava o livro por um semestre inteiro pra estudar e depois devolvia para as outras turmas. Revistas, bons professores em tempo integral, bons laboratórios, uma coisa meio, na época era bem diferenciada. E ___________________ o que se ensinava lá era bastante e o estado da arte. Inclusive, até hoje alguns dos meus colegas e professores. Nas áreas de desenvolvimento científico e tecnológico você vê essas pessoas, na Unicamp, em várias dessas universidades, eu vejo nomes de pessoas que ou foram meus professores ou foram meus colegas desse período. O ambiente era muito bom e a vida estudantil era muito boa também. Aí você imagina, ficar o tempo todo com os seus colegas, cada turma tinha uns 100 alunos, tinham alunos civis e militares. Era mais ou menos 100 civis e uns 25 militares da Aeronáutica. O pessoal da Aeronáutica vivia um pouco mais separado, já eram casados, mais velhos que os civis. E aí eu lembro muito como uma boa diversão aí, os cinco anos. E aí voltam as coisas, né? Eu jogava no time de basquete, e natação. O Ita era bom em atletismo, então a parte de esportes era muito boa, infraestrutura completa com ginásio, piscina - tudo dentro da escola - e atividade de centro acadêmico, muita atividade de centro acadêmico. Foram anos bem ativos. Entrei em 1964 e saí em 1968, então peguei bem aí, um período da história do Brasil bem movimentado.

P/1 – O fato de ser da Aeronáutica, a presença militar lá dentro, como é que era isso?

R – Tinha muita influência, a dificuldade de ajustar. Nós éramos civis, tá certo, dentro de uma organização dirigida por militares, então eles tinham dificuldade de entender a nossa e nós tínhamos a impossibilidade de entender a deles, era mais ou menos essa a situação. Eu estou falando na média, porque você tinha espectros ali de atividade maior ou menor, política ou, por parte dos alunos do Ita, eram bastante dedicados a estudar, não ____ não. Mas o centro acadêmico tinha, havia questões que tinham que ser tratadas lá, dentro do centro acadêmico, que eram quentíssima. Eu entrei em 1964 só pra contar um detalhe, e no dia 31 de março, né? Primeiro de abril foi a data oficial da... Então eu lembro que aí os militares, eles estavam informados sobre os movimentos de tropas e o segundo exército subindo, enfim, coisas desse tipo. Então todos os civis foram dispensados, porque havia a possibilidade entre São José dos Campos e Caçapava haver algum confronto entre o segundo exército, que eu acho que era o General Amaury Kruel, e o pessoal do Rio que vinha vindo que era, não me lembro quem é que era, os nomes eu já não me lembro. Então nós fomos dispensados. A gente estava indo, pegando ônibus para São Paulo, descendo a Dutra, e o segundo exército subindo, pegando a pista toda da subida com carros blindados. Bom, não houve nada ali naquele momento, mas depois, uns 30 ou 60 dias depois, começaram as detenções de alunos que eram mais politicamente ativos, de esquerda. Não que o Ita fosse um centro tão ativo, até pela distância. Todo dia chegava uma kombi do Ministério da Aeronáutica, e vinha aquela lista, o pessoal entrava em sala de aula e pegava tudo, dizia: “Fulano, fulano e fulano.” Pegava a turma e levava pra lá.

P/2 – E depois? Tem notícias deles?

R – Não, eu nem sei te dizer se houve caso de tortura, porque acho que tortura é um caso mais tarde na história, mas o pessoal ficou detido, alguns ficaram detidos meses até e perderam o ano. Então, essa situação ficou muito pesada e isso afetou muito os professores, bons professores, que até nem por razões políticas, mas ______ assim não há liberdade, porque alguns desses alunos eram muito bons alunos e era uma injustiça. E alguns professores meio que se iludiram da escola e foram embora, foram embora do Brasil, tinham convites para lecionar fora. O departamento inteiro acabou fechando e foi. Então toda a atividade que havia, a atividade normal estudantil, que tem todo tipo de coisa... A gente tinha lá, por exemplo, um departamento artístico que trazia filmes e montava peças de teatro. Tinha um show, o Show do Bicho - era um dos mais sensacionais que tinha - era escrito pelos alunos e interpretado por eles mesmos com textos muito engraçados e eram censurados, e você não consegue reprimir isso. Então alguns colegas nossos, bons de escrever... Eles escreviam fábulas, né? Então escreviam e tinha a moral da fábula, e aí os militares ficavam lendo pra saber: “O que é? Qual é a coisa que está aqui, que eu não entendi. Que tem, tem, mas eu não sei o que é.”(risos)

P/1 – Virava paranoia no ar?

R – Virava paranoia total. E as formas de protesto, por exemplo, a minha turma tinha uma forma de protesto que era o seguinte: a gente tinha o Dia da Elegância. Uma vez por ano, a gente entrava no guarda-roupa de casa e o quanto mais velha ou mais antiga fosse a roupa, ou mais esquisita, melhor para o dia da elegância. Então você pegava aqueles paletós, fraques, cartolas e simplesmente vestia isso e ia para a escola. Você imagina o choque do militar que tem que estar lá com uniforme dele bonitinho, passadinho, uniforme número 3, e aqueles filhas da mãe na nossa escola andando com sandálias de dedo. Era a forma de protestar, e também não podia dizer nada. Então o reitor chamava a turma e dizia: “Escuta, não dá para vocês maneirarem um pouquinho? Aquela gravata ali está exagerada, não dá para pelo menos aquele cara tomar um banho antes de vir.” (risos) Então tinha esse tipo de coisa. Enfim, não dá para encurtar a história, mas no fundo houve dentro desse período todo, muitos eventos de... Alguns terminaram mal, no sentido de que teve aluno que perdeu mesmo, foi desligado. No ano seguinte, nós tivemos uma situação complicada... A administração do centro técnico era um pessoal muito sem visão nenhuma, e se criou um conflito tão grande, que eles acabaram sendo desligados. Para você ter ideia do que era, acho que essa turma era a de 1965, a minha turma era de 1968, eu me formei nesse ano. A turma de 1965 convidou para o paraninfo o Alceu de Amoroso Lima, que era um pensador ultra-respeitado e era uma das vozes contra. Então, não tinha nada de extraordinário, mas o que representava isso para ele, ser o paraninfo de uma escola de militares, eles não tinham como explicar aquilo. Era um pouco de: “Como é que eu me explico?” E justamente nesse período, a direção da escola era das mais retrógradas em termos de aceitar essas ideias e o troço virou um embate tremendo, 4 alunos da turma de 1965 foram presos e desligados. E aí começou um movimento nacional que envolveu muita gente para que eles pudessem voltar, porque foi uma coisa injusta, foram escolhidos 4 caras.

P/1 – Como bode expiatório, né?

R – Nem tinham, eles estavam mais noutra já. Estavam querendo se formar, mas não houve jeito, esses caras não voltaram para a escola. Eu não quero também dar a ideia de que era o tempo todo assim, porque não era. Em seguida, veio uma nova direção pra escola, um sujeito muito mais aberto. Nesse período, a escola e o centro técnico tiveram um crescimento tremendo, inclusive, a Embraer já é dessa administração. Tenho que dizer também que o primeiro fundador do CTA era uma pessoa extraordinária, que inclusive faleceu esse ano, e tem uma série de homenagens. O Brigadeiro Casimiro Montenegro é considerado uma das pessoas mais visionárias, né? Eu acho que boa parte do que a gente tem, quando eu falo de indústria aeronáutica e Embraer. Você tem que começar a ver-se dessa pessoa, que é um sujeito do maior respeito, pelo que ele trouxe em termos de tecnologia, da formação da escola, da indústria aeronáutica no Brasil e da postura. E nesses períodos de dificuldades, era com ele que a turma ia pedir ajuda e ele se envolvia. Então são coisas, não vale generalizar, tá certo? Porque tem gente muito séria e que deu muita contribuição, o Ita é um CTA, é um negócio muito importante para o Brasil.

P/1 – Quais as opções de trabalho que se tinha nesse período da faculdade? Quais as perspectivas profissionais que se via?

R – A gente falou das especialidades: Eletrônica, Aeronáutica e Mecânica. O pessoal da aeronáutica já meio que saía... Tinham duas especialidades: A área de infraestrutura, aeroportos e sistemas de controle de tráfego; e aeronáutica mesmo, aviação. Então muita gente ia para a Varig, para a Vasp, para as empresas de transporte aéreo. O pessoal de eletrônica, a tecnologia de eletrônica naquela época. Bom, você vê o que é hoje, o negócio está, e estava já nessa velocidade com o desenvolvimento incrível das telecomunicações, então você via muitas das pessoas lá já trabalhando com física do estado sólido, com “laser” quando não se ouvia falar sobre nada disso. Então muita gente foi para as universidades, para os centros de pesquisas, eu não sei te dizer o porcentual, mas era um porcentual bastante grande. Depois, as empresas de processamento de dados, informática, na época era processamento de dados, o cérebro eletrônico, então IBM, e empresas que hoje já nem existem mais, (Browse?) que depois virou Unisys, essa turma também, ia muita gente para lá. Na parte de Mecânica, o pessoal de produção, muita gente foi para a produção industrial mesmo, manufatura, e muitas empresas estatais. É bom lembrar isso, porque o grande empregador na época, os grandes empregadores para esse tipo, eram as empresas estatais e aí é que a gente vai chegar na Vale do Rio Doce. Nessa época que nós estamos falando aqui, que era a época que a minha turma estava saindo para o mercado de trabalho, nós estamos entrando no famoso “milagre brasileiro”, o início dos anos 70 com o país crescendo, e boa parte disso com investimento estatal, então o mercado de trabalho era muito forte por aí.

P/1 -

O senhor chegou a fazer algum estágio durante a faculdade?

R – Eu fiz um estágio no Serpro, - Serviço Federal de Processamento de Dados - só faltava chamar de cérebro eletrônico, né? (risos) Que até hoje existe, né, e que foi criado pelo Ministério da Fazenda. Vamos lembrar também que nos anos 60 houve um período grande de modernização de algumas coisas da infraestrutura no Brasil, inclusive da administração Roberto Campos, o Bulhões, essa turma aí e na modernização do aparelho de governo. Uma das áreas era Processamento de Dados e foi criado isso certo, porque empregava muita gente. E eu fiz um estágio lá, porque havia... Bom, quando eu fui procurando estágio, saí procurando de porta em porta pedindo pelo amor de Deus, porque a gente precisava fazer um estágio para terminar o trabalho de fim de ano precisava terminar, fazer um... Nessa altura, eu estava procurando estágio e não estava conseguindo e saia todo dia com a listinha, chegava lá e era aquela história.

P/1 – Em que lugar que o senhor ia?

R – Eu estava no Rio de Janeiro procurando lá, e um belo dia - não me lembro exatamente porquê - eu fui parar no Serpro e o cara perguntou: “Ah, o senhor quer estágio, é?” O cara me perguntou: “O senhor é de que escola?” E eu: “Eu sou do Ita.” “Ah, tem o Dr. Ripper aqui, o Mário Ripper. Vamos falar com ele.” E o Mário é uma das pessoas também, que me ajudou e me influenciou muito. O Mário falou: “Ô, mas você caiu do céu!” E eu falei: “Quem caiu do céu foi você, pô!” (risos). Então eu fiz um estágio com ele que foi muito bom, muito interessante. Eu fiz um trabalho em um negócio que todo mundo hoje vê quando você fala do seu CIC, tem os números todos e tem depois um dígito de controle, né? Então o meu trabalho com ele era o seguinte: qual é o sistema de dígito de controle que melhor detecta os erros nos dígitos anteriores? Porque essa é a função dos dígitos de controle. Você pega o seu número, faz umas continhas com ele e calcula aqueles dois dígitos. Quando alguém preenche aqueles dados, o computador refaz aquelas contas, ele pega aqueles primeiros dígitos e vê se o cálculo faz a mesma continha e vê se bate com aqueles dois últimos lá. Se não bater, é porque foi cometido algum erro aqui, então aquilo é rejeitado para entender que erro foi esse. Hoje qualquer código tem aquilo, conta de banco, não sei o que lá, dígito tal. Mas naquela época, principalmente para números como CGC ou CIC, não tinha isso. Então o nosso trabalho foi; que sistema melhor detecta esse tipo de erro? Tinha um bocado de matemática para chegar nisso, e tinha um bocado também de; que tipo de erro as pessoa cometem ao digitar os números? Inverte, troca? Então se fazia lá uma estatística e... E o trabalho foi muito bom, acabou sendo muito gostoso de fazer. Foi assim que eu fiz o meu estágio, mas eu não fiquei no Serpro, porque nessa altura eu estava muito interessado em engenharia eletrônica, essas coisas têm umas ondas, umas modas, vamos dizer assim. Qual é a fase?

P/1 – Como o jogo?

R – Que nem no jogo do taco e do futebol. Quando a gente estava indo para o mercado de trabalho, a onda era usar um pouco mais de ciência ou de conhecimento na administração, administração científica - na minha época, era chamado de pesquisa operacional. Em vez de você fazer as decisões meio sem saber, - porque você estava decidindo ou intuitivamente - tentava construir algum tipo de modelo e decidir com base nisso a pesquisa operacional. E aí fazia a utilização de coisas, né? Então foi o que eu me interessei por fazer. Aí um amigo que tinha conhecimento tinha uma empresa, uma consultoria que queria criar um grupo de pesquisa operacional: contratou 3 caras “saidinhos” do Ita pra trabalhar e eu era um deles. Então nós - nem tínhamos terminado o curso - estávamos saindo formados com um belo emprego e um bom salário: 1800 não sei se é Cruzeiros, Cruzados Novos, eu não me lembro qual era. Fomos contratados, trabalhamos 3 meses, não recebemos 1 tostão e a empresa nos mandou embora. Foi assim o começo da carreira. (risos). Depois acabou pagando o que devia.

P/1 – Isso foi no Rio também?

R – Foi no Rio.

P/1 – Por que essa ida para o Rio?

R – Bom, eu já estava... Você lembra daquela primeira namorada? Não é ela, mas aí eu já estava... (risos) Aí eu já estava muito... Que depois acabei me casando com ela, então ficou mesmo a... Foi por aí... Aí eu estava desempregado há 3 anos, todo mundo já tinha se empregado. Você ia procurar emprego, era só: “Estamos... não tem mais emprego.” Aí o que nós fizemos, eu e mais um amigo desses três, continuamos a estudar e fomos para a PUC fazer um mestrado em engenharia elétrica, nessa mesma área. A gente dava aula como auxiliar de ensino e fazia os cursos lá. Bom, lembra que eu te falei que a gente estava interessado nesse negócio chamado pesquisa operacional? No Brasil, tinham 3 grupos que faziam pesquisa operacional em empresas pra valer, além disso, era uma matéria de escola, não era muito aplicada. Essas três empresas eram: Petrobrás, Souza Cruz e Vale do Rio Doce. Então, para quem queria atuar nessa área, o seu sonho era ver se entrava em algum desses três grupos, o que não era uma coisa assim tão fácil de fazer.

[Troca de fita]

Então tinha esse interesse. A Petrobrás, acho que até hoje, faz uma seleção de um programa de “trainee”. Então nós já tínhamos perdido o processo, né? Não dava para entrar nesse ano e estávamos lá na PUC. E aí um dia esse meu outro amigo, disse: “Olha, um conhecido meu pode fazer uma apresentação para a gente lá na Vale, vamos ver o que é.” E eu disse: “Ah, vamos lá ver.” Isso, nós estamos falando em 1969, abril ou maio. Ocorre que a Vale, naquele período, estava por uma série de razões querendo trazer mais gente com essa visão na área de produção, e ela já tinha esse grupo de pesquisa operacional, que era um grupo muito pequeno. Ela estava querendo criar grupos de engenharia industrial na mina, e o que era na época? Era Itabira, a ferrovia e o porto, que eram as grandes áreas. Então eles precisavam de gente e o diretor de operações, naquela época, o João Carlos Linhares, ele estava aberto para esse tipo de coisa, então Deus ouviu as nossas preces. (risos) Aí ele falou: “Escuta, vamos fazer o seguinte, vocês vão fazer um estágio em julho lá em Vitória para vocês conhecerem a turma e ver se vocês se interessam mesmo por isso.” E nós fomos. Adoramos, gostamos muito. A Vale é um negócio que impressiona, o pessoal nos recebeu muito bem. Aí a gente ficou ainda mais uns 6 meses na PUC, porque a coisa era para começar em dezembro. Quando chegou dezembro, a gente ia e esse meu amigo não quis ir, a Vale estava convidando a mim e a ele, que não quis ir. Aí eu fui, de armas e bagagens, casei e fui no meio... Já fui fazendo dívida.

P/1 – Para Vitória, né?

R – Para Vitória. Comecei no dia 1º de janeiro de 1970. É o meu dia.

P/1 – Esses departamentos de engenharia que eles estavam tentando estruturar ali eram novidade?

R – Veja bem, eram departamentos que estavam sendo criados, em cada lugar, em Itabira, na ferrovia e no porto, em cada um estava sendo estruturado um departamento chamado de engenharia industrial que ia fazer coisas do tipo; ajudar o pessoal da produção, racionalizar as operações, construir, ajudar na avaliação de projetos de melhoria, fazer estudos de viabilidade econômica, ver questões de produtividade, combinar um pouco de uma engenharia econômica junto com a atividade de produção e fazer, enfim, estudos de utilização de racionalização. Essa que era a ideia, porque o pessoal tinha a ideia de que as coisas estavam andando bem, mas faltava, tinham técnicas novas que não tinham sido incorporadas. A Vale tem muito disso, vocês vão ouvir ao longo das histórias dela que tem, assim, o pessoal percebe, e foi introduzindo coisas novas. Na nossa fase, o que estava sendo de novo era isso, era a pesquisa operacional e engenharia industrial nas áreas de operação, para realmente poder atuar. Não que faltasse antes, mas isso é uma especialização maior nessas áreas. Agora, por que existia esse grupo de pesquisa operacional? Porque lá em 1961, 1962 a Vale também teve vários desses movimentos de crescimento, de mudança de tecnologia e uma nova fase, um novo patamar na vida da empresa, né? A Vale tinha uma política de periodicamente ir buscar gente nova que pudesse vir reforçar coisas que eram, do ponto de vista tecnológico, de operação, que eram importantes. Vocês estão entrevistando o Dr. Eliezer, então vocês vão ver isso aí nele, que foi um dos introdutores de várias dessas coisas. E até ele participando, tecnologia nova na área de via permanente, um dos trabalhos dele durante anos ficaram sendo, novidade para a...

[Pausa]

P/1 – O senhor estava comentando que desde a década de 60, a Vale tinha uma espécie de política de contratar e trazer gente nova. Isso era uma tendência da Vale de sempre estar absorvendo novas tecnologias e estar se atualizando?

R – Olha, eu vou contar uma história que eu não presenciei, mas eu ouvi de quem era um protagonista da história, o General Juracy Magalhães foi presidente da Vale e, inclusive, acho que foi o primeiro presidente da Petrobras também. Ele já é velhinho. Eu estava na Vale já e não o conhecia, fui convidado para contar um pouco da vida dele em relação à Vale. Eu estava nessa reunião, acho que diretoria, o conselho ouvindo ele já bem velhinho contando essa história, e da história que ele contou, duas coisas me chamaram a atenção, que eu acho que tem um pouco a ver com o que é a história da Vale nesse período que eu vivi, do que eu entendo que ele era, dos fatos. A primeira história foi em relação a o que era a ferrovia da Vale, a via permanente, pelo que ele contava, e a gente ouvia essa história também. Quando a Vale foi formada em 1942, a ferrovia que existia era assim, até você ainda vê algumas ferrovias, assim, é o trilho lançado diretamente na terra e é por ali que o trem corria. Ali, qualquer coisa os trilhos se afastavam e os trens tombavam, então tombamento de trens era uma coisa corriqueira. Não tem nada a ver com as composições que hoje a Vale tem. Então, na viagem de Itabira até o porto, o trem, não sei se toda vez tombava, mas era muito frequente. E o Juracy Magalhães era uma pessoa que já tinha viajado pelo mundo, hoje todo mundo viaja e com internet, não é nenhuma novidade, mas naquele tempo, não era uma coisa assim. Então algumas pessoas já tinham uma visão do que era... Isso nós estamos falando em 1950 e poucos, - a data eu não vou também colocar precisamente, porque eu não sei - e já tinha visto ferrovias nos Estados Unidos, onde a via permanente era completamente diferente, mas muito parecida com a que a gente vê hoje. Você prepara toda a base, a sub-base, lastros, os dormentes e os trilhos. Então era muito mais estável, a via era realmente permanente nesse caso. Ele tinha visto isso nos Estados Unidos e aqui era uma desgraça, segundo ele. Então eles tomaram uma decisão na época, de que tinha que melhorar as coisas, e aí pegaram um jovem engenheiro e mandaram esse jovem lá para conhecer, fez essa visita e estagiou. E aí, ele trouxe e começou a introduzir a tecnologia. Esse jovem engenheiro se chamava-se Eliezer Batista. Eu não sei se ele contou essa história, também não sei se ele vai confirmar exatamente, mas eu ouvi dele... Então eu achei bem interessante que era isso, você trazer uma tecnologia atualizada para uma coisa onde a tecnologia era insuficiente e com isso dar um novo patamar. E a parte ferroviária da Vale do Rio Doce, é uma das tecnologias bem básica para todo o negócio da Vale. É na parte de ferrovias onde ela é uma das melhores do mundo e isso virou uma marca registrada da empresa, toda essa parte de tecnologia ferroviária. Algumas das novidades ou coisas todas que foram introduzidas, a Vale sempre esteve na fronteira e conhecendo, avaliando e introduzindo essas tecnologias, então eu acho que essa história reflete uma das componentes do que é ser Vale do Rio Doce. A outra história que me contou, é que eu posso não me lembrar exatamente dos detalhes como foi essa estória, mas na venda do minério de ferro havia um intermediário, uma pessoa que fazia as viagens, acho que era um francês ou sei lá qual era a nacionalidade, um europeu, e esse era o comprador de minério de ferro. Então ele vinha e dizia: “Olha, o preço que vocês tem que vender aqui é este.” E o general contava que ele teve, digamos que o preço fosse de 11, 12 dólares por tonelada, alguma coisa assim, e ele teve uma informação por alguém que estava lá que este mesmo produto, nas mesmas condições, era vendido a 16, 17, 18 dólares, uma diferença substancial. Quer dizer, essa intermediação ficava com uma diferença grande do preço. Ele teve essa informação conhecendo o mercado, estando na ponta do mercado, para isso. E aí a empresa tomou uma decisão de não vender por aquele preço, achava que podia vender por 18, e estava vendendo por 11. Não me lembro exatamente dos números, mas eram mais ou menos esses. Aí ficou uma queda de braço que durou uns três meses e a companhia não vendeu uma tonelada, os caras não compraram uma tonelada. Até que finalmente na queda de braços, a Vale ganhou. Eu acho que isso aí marca um outro aspecto em que a Vale também foi mais ou menos pioneira, que é procurar conhecer o seu mercado e ter uma posição de liderança, presença e informação do que está se passando. Isso também foi uma mudança importante para a companhia. Então eu acho que essas duas coisas são... Agora, no caso dessa da tecnologia que nós voltamos, a gente vê essa ideia de pegar um jovem engenheiro e mandar, essa coisa de trazer e conhecer, buscar e trazer gente. Ter gente boa na empresa sempre foi uma preocupação pelo o que eu pude viver lá, de procurar. Então, de vez em quando, a Vale fazia uns programas de capacitação, e procurava, abria para algum tipo de concurso de seleção para trazer pessoas que tivessem condições de formar esses quadros da empresa. Esse grupo que eu trabalhava, quando eu fui trabalhar lá, tinha um chefe desse grupo, que era o Eliezer Arantes da Costa, que era uma pessoa que tinha ido para a Vale em 1962, 61, 62, ele é que tinha criado esse grupo de pesquisa operacional. Era um sujeito, uma personalidade, muito interessante, bom profissional tecnicamente e com uma inteligência muito brilhante, e também uma pessoa de um relacionamento absolutamente fantástico com todo mundo. Todo mundo gostava dele, nunca ouvi ninguém dizer que não gostava, e ele, então, começou a criar esse grupo e quando nós fomos trabalhar, já fomos dentro desse ambiente que era para ter gente para criar essas coisas que eram mais ou menos novidades do ponto de vista de administração ou de tecnologia. A Vale sempre vinha incorporando essas coisas, os computadores entraram na companhia muito cedo, então era uma tônica da empresa, assim, ávida e aberta para novas tecnologias, novas formas de administração e procurar trazer gente.

P/1 – O senhor quando foi para Vitória trabalhava com engenharia de processos do porto especificamente ou não?

R – Esse departamento que a gente trabalhava atendia todo mundo, tinha o superintendente de operações, João Carlos Linhares. Essa pessoa que eu falei que estava procurando gente e que, nessa época, era uma das pessoas de maior influência dentro da empresa. Na área de produção, ele era muito, muito influente. E ali havia acho que três, depois haviam quatro departamentos ou superintendências: a mina, a ferrovia, o porto e depois veio a pelotização também, e havia um quarto, aliás, um quinto órgão dentro dessa _____ que se reportava diretamente ao João Carlos, que era esse grupo que fazia a coordenação entre todos eles, e também a condenação com parte comercial, das vendas. E tinha esse grupo técnico que lhe _____ uma assessoria, que dava apoio a toda a área de operações, e também foram criados esses departamentos de engenharia industrial. Então a ligação era ____ esse departamento de engenharia industrial, e tinha mais esse grupo de pesquisa operacional dentro dessa área de coordenação de produção.

P/1 – Fazia a ponte entre os localizados e o setor de diretoria?

R – Exatamente. Para mim é uma coisa interessante na minha vida profissional: como é que eu entrei na Vale, como é que foi meu primeiro dia de trabalho. Foi um negócio muito interessante. A Vale ia negociar - eu acho que era o chamado quarto contrato de minério de ferro - com o Japão. Então, o presidente da empresa na época, o Raimundo Mascarenhas, estava se preparando para ir para o Japão negociar este contrato e havia uma cláusula no contrato, que quando os navios de minério chegam para carregar, eles têm um período do momento em que eles chegam para serem carregados, tem um tempo, um período de tempo para eles carregarem. Se eles demorarem mais do que esse período de tempo, a Vale pagava uma multa. Se demorasse menos, a Vale receberia um prêmio. Isso se chama condições de carregamento. Se informa que se o navio chegar até às tantas horas em qualquer dia... Isso faz parte dos contratos do seu porto e das condições de frete, e tinha que se discutir essa coisa. Estavam entrando navios novos, porque muita coisa da história da Vale, nessa parte de tecnologia, são portos cada vez maiores, navios cada vez maiores para reduzir o custos de transporte, essa também é outra coisa importantíssima na história da companhia e do que é a Vale do Rio Doce, essa melhoria das condições de transporte marítimo. E precisava-se das condições que iam ser negociadas no Japão e aquilo ali era feito de uma maneira tradicional. Faz uma conta, será que dá? Não tinha uma abordagem mais científica ou mais quantitativa, mais elaborada. Então o trabalho que me foi dado pelo Eliezer Arantes da Costa, foi assim: “Dá para a gente fazer uma análise um pouco mais...” E eu tinha acabado de fazer um curso meio vagabundo de simulação em computadores, tinha aprendido os rudimentos na PUC, onde eu estava fazendo o meu mestrado. “Bom, vamos tentar, né?” E aí, eu sei que a gente enfiou a cara, ele ajudou, modelou-se o negócio e conseguimos fazer um trabalho, um trabalho simples, mas que ficou muito bom. Tanto que depois acabou sendo usado, virou meio uma metodologia padrão para se discutir isso aí no futuro, depois disso. E a gente em período, assim, recorde que eu trabalhei, sei lá. Fui para lá umas duas... Fui no natal, voltava, ia. A gente acabou fazendo em três semanas, porque ninguém... Fizemos o trabalho e apresentamos. E essa reunião de apresentação, para também foi um negócio assim, todo mundo sentado, inclusive o presidente da companhia, e eu lá, um moleque ainda meio de calça curta explicando as conclusões, o Eliezer me dando a maior força, e o trabalho foi usado, virou aquilo. Então essa informalidade também, essa flexibilidade, disponibilidade para... Eu entrei com o maior fogo depois dessa, entusiasmadíssimo. Isso era mais ou menos um tipo de coisa que agente fazia, quando se estudava, por exemplo: o porto tem capacidade ou não tem capacidade? Vamos aumentar o nível de produção? Como é que a gente está? Precisa mudar alguma coisa ou não? Capacidade de ferrovia; capacidade das áreas de estocagem; que tipo de problema a gente vai enfrentar? Então, para todas essas coisas, o nosso grupo ajudava a definir essas coisas procurando coletar dados, fazendo análises estatísticas disso, eventualmente, simulações ou outros tipos de coisa. Esse grupo produziu um bocado de coisas de pioneirismo, tinha uma metodologia. Eu já mencionei que a Vale é muito boa em tecnologia ferroviária, então a tendência eram trens cada vez maiores, mais longos para reduzir o custo. Tinham outros problemas em tecnologia, tinha gente que entendia de desenho de vagão, e no fundo, no fundo também se apoiava no conhecimento internacional para esse tipo de coisa. E tinha uma ferramenta que já existia que era um, chamava-se Calculador de Desempenho de Trens, um programa de computador, que você pegava um trem com uma determinada característica, pegava o perfil da linha, com curvas, sobe, rampas, etc. A tração nela e certas características dele, calculava quando esse trem saia na nossa linha em Itabira até Tubarão, quanto tempo ele gastava, quanto ele gastava de combustível, e se, teoricamente, quando chegasse em alguns pontos lá, se ele não podia descarrilhar. Isso é uma utilização. Servia para você desenhar, estudar novos traçados: “Eu quero fazer um novo traçado, uma variante aqui. Como é que vai mudar o meu custo?” “Eu tenho o custo da variante, mais o custo da viagem de trem.” Você não tinha a variante ainda lá no campo para medir, então fazia esse computador e media essas coisas, é uma ferramenta padrão até para rodovias. E nós desenvolvemos um que não era um calculador de performance de trem, era um otimizador de performance de trem, que usa uma metodologia, - não é sofisticação não, ela é simples - é a mesma que se usa para botar um satélite em órbita ou colocar um homem na lua, que se otimiza aquela trajetória, porque você não pode carregar combustível demais, nem de menos. Então, qual é a trajetória ótima? Para isso, se utiliza algumas tecnologias que são as mesmas que a gente introduziu. O nosso grupo introduziu nesse calculador de performance de trem. Essa elaboração foi do Eliezer e ficou sensacional, esse trabalho era elegantíssimo e virou também padrão otimizador. Se faziam naquela época coisas que a gente, que ainda hoje você vai ver, ainda são, muitas delas eram muito avançadas para a época. Se esbarrava, por exemplo, em dificuldades computacionais; você sabia como fazer, mas os seus computadores não eram tão velozes como o que hoje um micro faz. Um computador, naquela época, era uma sala enorme com unidades de disco, aquela coisa maravilhosa, aquelas luzinhas todas. Você ia visitar o CPD, aquilo é que era o máximo, sinal da modernidade. Então, se tinha que problemas que você resolvia, e que no fundo não se conseguiu implementar, porque não tinha a capacidade de computacional que hoje tem, então você vai lá ver, hoje a gente faz coisas que na época a gente já trabalhava mas algumas delas não era possível implementar porque faltava uma outra perna, mas já estavam lá. E muito trabalho nessa área de usar um pouco métodos quantitativos na análise de problemas operacionais ou de investimento.

P/2 – Sr. Bernardo, e o CTC foi implementado nesse período. Seu grupo fez parte disso? Planejou isso?

R - Quando eu cheguei lá, o CTC já estava entrando ou ia entrar em operação, estava em obras. O Eliezer trabalhou nesse grupo do CTC. Esse cara que era o meu chefe nesse grupo, ele trabalhou no CTC que também era um belo exemplo de tecnologia que mudou a cara das coisas.

P/2 – Ainda hoje é utilizada?

R – Ah, sim, isso é fundamental. Aí você tem várias fases. Quando eu cheguei lá, você tinha uma parte do CTC, mas a linha não era toda. Não tinha o sistema de travamento, de proteção, então as licenças ainda eram feitas, não sei se alguém contou aqui, no arco, se tinha o de estação. E o licenciamento era feito por telégrafo, a linha era formada por trechos de linha singela com estações onde de tempos em tempos você tinha uma linha dupla onde se cruzava os trens. Então, se um trecho de linha estivesse ocupado, outro trem não poderia entrar. Mas antes de ter a sinalização, a linha fazia isso automaticamente, nem o controle pelo CTC, o sistema era feito por licenciamento de... Se tinha um chefe de estação, esse chefe de estação, digamos que um trem está aqui, querendo percorrer o trecho entre essa estação e outra estação, então ele tinha que pedir autorização para esse outro chefe de estação, que dava por telégrafo. Esse cara emitia uma licença e entregava para o maquinista, que percorria esse trecho e entregava essa licença no outro trecho, e assim, o maquinista iria obtendo licenças para cada trecho. Isso era fundamental para o controle de tráfego. Você parar um trem é um negócio complicado, então se vinha um trem subindo vazio e um outro descendo, normalmente esse trem parava, e o trem que estava cheio tinha preferência. Então esse trem, para pegar a licença dele para percorrer esse trecho: o chefe da estação botava a licença em um arco, o maquinista passava e pegava com a mão. Tinha lá uma bolsinha e essa era a licença que ele tinha que entregar no outro lado. Esses movimentos eram controlados por um controlador de despacho. O cara que fazia o despacho de trens, ele tinha um mapa na frente dele, desenhado o tempo e as estações. Então quando um trem percorria da estação, uma estação qualquer, Aimorés para não sei aonde, Baixo do Andu, não sei se são essas... Então ele fazia um risquinho que saia de Aimoré até Baixo do Andu, assim, meio inclinado. “Ele saiu às tantas horas de uma e chegou às tantas horas na outra.” Então ele ia mapeando esse negócio todo ao longo do dia e com um rádio pegando as posições. Com isso, ele controlava mais ou menos o que estava acontecendo, Aí depois, com o CTC, isso passou a ser feito automaticamente. A linha era toda sinalizada, então onde o trem estava saia num painel, e se olhando o painel você sabia onde o trens estavam, isso já foi uma evolução. Eu fiz um trabalho na tese de mestrado, na PUC, no Rio de Janeiro, foi exatamente sobre esse problema, a coisa era o seguinte: Como é que você otimiza a sequência de trens? Eu tenho dois trens que estão competindo por um determinado local, para cruzar. Quem deve parar? Quem deve seguir em frente? Como é que se decide isso? O operador, esse tal despachante, ficava fazendo isso centenas de vezes por dia, mas ele tinha que calcular para fazer isso bem, ele tinha que calcular uma série de coisas. Ele não calculava, evidentemente. Então, tem uma maneira mais otimizada de fazer isso? Eu acabei solucionando esse problema e acabamos resolvendo, ficou bem bonita a solução. Tinha uma Sociedade Brasileira de Pesquisa Operacional e esse foi o trabalho escolhido para representar o Brasil em um congresso. Fui viajar, minha primeira viagem para o exterior foi para apresentar esse trabalho, então dá pra ter uma ideia de como é que a gente estava muito envolvido, empenhado. Esse é um que ficou, não tinha capacidade computacional para ser implementado. Bom, também ocorre o seguinte: depois a linha foi duplicada, então acabou o problema. (risos) Às vezes acontece isso, né? Você resolve um problema e se resolve por si só.

P/1 – Como o senhor foi recebido em Vitória? Como é que a Vale, os funcionários, essa estrutura, a cultura da Vale, digamos assim, recebeu o senhor nesse momento?

R – Eu gostei muito, logo me entrosei, gostei da cidade, gostei das pessoas, o ambiente de trabalho muito... Acho que se tinha de um lado a competência profissional, muita gente boa, trabalho sério, muito desafio e espaço para você trabalhar. Se você tinha ideias, se você quisesse fazer, tinha muito espaço para trabalhar. Para a gente que estava vindo de São Paulo e Rio, tinham algumas diferenças em relação... O pessoal, às vezes, reclamava: “Não, mas, é porque, São Paulo, Rio, eu tenho teatro, eu tenho isso, eu tenho lá.” Na verdade, você também tem tudo isso e acaba nem indo tanto. A gente tinha uma qualidade de vida muito boa, Vitória é uma cidade muito agradável de morar com praia. Eu tinha um regime de trabalho que já não tem mais, trabalhava de 8 horas ao meio dia, depois tinha duas horas de almoço. Eu ia para casa, almoçava, tirava uma soneca e voltava das 14 às 18 horas, trabalhava só o sábado de manhã. Na minha equipe, nas pessoas que eu tinha muito contato, pessoalmente me receberam muito bem. Fiz amigos pra vida toda, amigos mesmo, um deles é meu compadre. Eu sou padrinho de casamento dele, padrinho do filho mais novo, a gente sempre se fala. Então, muito bom mesmo. Vitória tinha uma outra coisa muito interessante para quem vinha de uma cidade grande, ________________ eu andava pela Gerônimo Monteiro, que é a principal avenida lá e ia cumprimentando as pessoas, vendo o cara do outro lado da rua: “Fulano, tal” “Epa!”. Você conhece muita gente, bem diferente. Aqui você anda, não vai encontrar ninguém, não espera encontrar ninguém. Assim, bem recebidos, o pessoal chamava para ir para casa, a gente fica fazendo muita coisa junto também. E a cidade em si, oferece muitas coisas que, na época, a gente gostava muito, muita praia, montanha, uma região bonita. Foi muito bom. Os meus meninos eram pequenos, então tinha bastante espaço. Muito bom.

P/1 – O senhor ficou lá até quando?

R – Isso foi em 1970, fiquei até 1973. Nessa altura, eu estava muito enfocado nesse aspecto técnico profissional, e eu queria... Aí eu falei: “Tem coisas que eu não entendo, eu sei fazer, eu estou aprendendo a fazer, mas eu não sei bem porquê. E gostaria de saber.” Então, eu resolvi continuar estudando, tentar ver se fazia alguma coisa no exterior e tal. Aí mandei lá umas cartas para o exterior, para ver se alguma universidade me aceitava e uma aceitou. E quando aceitou, eu falei: “E agora? Estou aceito. E agora? Ganhei! E aí? Como é que eu faço?” Aí se tinha bolsas, como hoje tem, Capes, CNPQ; pedi essas bolsas, já tinha perdido o prazo um pouco e comuniquei ao meu chefe, o Eliezer, e dele tinha o chefe desse departamento de coordenação, que era o (Morris Brown), não sei se esse nome já apareceu também, (Joseph?) (William Morris Brown), que é um brasileiro, ótima pessoa também, um sujeito que se _________ o apoio que dava pra gente, era tremendo, e eu falei: “Olha, eu estou indo, tomei a decisão, vou, não sei como é que eu vou me virar lá, estou pedindo uma bolsa, mas eu vou, não vou perder essa oportunidade.” Aí eles foram batalhar para mim algum apoio que a companhia pudesse dar, eu já estava com a decisão tomada, e eles então conseguiram junto ao João Carlos e à diretoria, que a empresa me apoiasse, mas não para o programa todo. Eu tinha sido aceito num programa de doutorado, que são três anos, aí não está muito direto relacionado ao que a empresa quer fazer, mas se você quisesse fazer alguma coisa como MBA, que naquela época era um ano e meio. “Aí a gente poderia te apoiar.” Bom, isso para mim já era o máximo. A empresa pagou a minha passagem de ida e de volta e manteve o meu salário por 18 meses. Eu paguei a universidade por minha conta, depois consegui essa bolsa, também trabalhava lá, então fiquei um ano e meio, que foi muito importante. Consegui me sustentar nos outros quase dois anos que eu fiquei depois disso, mas aí eu tirei uma licença, então fui e fiquei, isso foi em setembro de 1973. Quando eu estou em 1977, final de 1976, me liga o Morris e diz: “Olha, o Eduardo Faria está...” Não sei se ele estava indo, alguém ia sair do departamento e ia ter umas mudanças. Acho que era o Eduardo que ia sair do departamento, que precisava e tal, se eu não queria voltar. Bom, a essa altura eu estava duro, devendo, já devia uma barba de dinheiro lá e disse: “Bom, vou precisar voltar mesmo.” Voltei, voltei em 1977 e fiquei em Vitória até 1979, depois vim para o Rio.

P/1 – Em 1979, no mesmo departamento?

R – No mesmo departamento, voltei para o mesmo departamento com a mesma equipe, trabalhei mais dois anos e meio nessa mesma área.

P/1 – A filosofia continuava a mesma?

R – A mesma, era praticamente a mesma equipe. O Eliezer tinha saído, ele teve um problema, a menina mais nova dele ficou doente e acabou falecendo. Ele ficou muito infeliz lá e veio trabalhar na área de telecomunicações e informática em São Paulo. Então fiquei mais ou menos no mesmo grupo. Eu voltei sem ter ainda terminado a tese, eu achava que tinha ficado quase pronta e falei: “Não, é questão de mais uns dois meses e eu termino. Chego lá, dou uma descansadinha.”

P/2 – Para onde o senhor foi fazer o curso?

R – Eu fui para a Universidade da Califórnia, em Berkeley. Aí houve uma mudança importante na Vale, que o Dr. Eliezer voltou para dirigir a empresa, isso em 1979, e na maneira como ele estava querendo organizar a área, queria criar um grupo técnico, uma assessoria técnica para apoiar. É uma pessoa que tem uma capacidade enorme em quase tudo que você puder imaginar, realmente é brilhante, genial mesmo. E ele com essa criatividade, precisava de gente para desenvolver e apoiar essas coisas. Ele queria criar essa assessoria técnica e convocou para isso, o Clodoaldo (Mota?), que ia ser o assistente técnico. E o Clodoaldo começou a montar a equipe dele e me chamou para ______ e eu vim, isso foi em 1979, foi uma decisão complicada. “Vai ou não vai?”

P/1 – A família acompanhou todo o trajeto? Vitória, Estados Unidos?

R – Tudo, tudo. E se divertiu, foi muito bom. Minha mulher, na época, porque eu acabei me separando, mas ela aproveitou também, para estudar também; em Vitória ela acabou a faculdade. Nos Estados Unidos ela também estudou, os meninos aprenderam inglês, eram dois moleques, e também aproveitaram bastante. A vida na universidade era muito boa, em tudo, culturalmente, você vê como é que eles pensam, como é que eles trabalham, infraestrutura, como é que a escola funciona. Foi muito, muito, importante para mim, talvez mais culturalmente... Não, academicamente também, porque aquelas coisas que eu dizia: “Quero entender isso.” Deu para entender. Aí é que você fica com outra dúvidas, mas aí também isso não termina nunca. (risos) Chega um momento que se diz: “Espera! Vai ter tanta dúvida assim...” (risos) Mas deu para dar uma base muito interessante para mim. Bom, na Vale, nessa fase que eu vim para o Rio, acho que aí começa uma nova fase dentro da minha carreira profissional dentro da Vale. Ainda ficamos um tempo trabalhando nessas coisas técnicas, mas eu já comecei a me envolver muito em coisas, já tanto de estratégia de empresa como coisas mais fundamentais dos negócios, que a companhia ia desenvolver daqui para frente, então foi muito bom. Fiquei como assistente técnico de 1979 até 1981, e aí fazendo trabalhos também, mas aí já em uma gama maior ainda de atividades.

P/1- Que tipo de atividades foram desenvolvidas nessa assessoria?

R – Tinha projetos nessa parte de transporte marítimo. A Vale era muito inovadora nesse conceitos de transportes marítimos, navios maiores, por exemplo, portos maiores, carga combinada, levar minério de ferro, trazer petróleo. Isso foi uma coisa fundamental. Tem eventos da história que a gente... É interessante até pegar um dia eventos da história mundial e ver como é que a Vale ia se ajeitando nessas coisas. O primeiro choque do petróleo em 1973 alterou o esquema de transportes marítimos, fechou o Canal de Suez, tinha fechado em 1967, então aí começou o transporte, os navios vinham do Golfo Pérsico, não chama mais Golfo Pérsico... Bom, enfim, lá entre o Irã e a Arábia Saudita, e esses navios, eles costumavam antes ir para o norte do Atlântico eles passavam pelo Suez, aí o Suez fechou, você tinha que fazer navios que passavam, os Capesize, que passavam aqui por baixo do Cabo da Boa Esperança. Então, aí também foi uma oportunidade para pegarem no transporte de petróleo, cada vez navios maiores, e aí o de minério, navios maiores também. Então esses movimentos de mudança no transporte dessas matérias primas, a Vale aproveitava e sentia essas diferenças também. Quando eu estava lá, a gente estava estudando algumas outras coisas de nova geração, carga combinada de outros produtos, se estudava outros tipos de combinação de cargas, ou com carvão ou com madeira, cavaco de madeira. Fizemos alguns trabalhos de apoio a área florestal, os projetos de área florestal, novos projetos de celulose.

P/1 – Havia um plano estratégico nesse momento?

R – Bom, a questão de estratégia, vamos falar um pouquinho sobre isso... O que era estratégico nessa fase que nós estamos falando era o _______. O Carajás tem uma história toda: se tem uma Vale do Rio Doce com Carajás e uma Vale do Rio Doce sem Carajás. Primeiro, claro que toda a ideia inicial, - isso deve estar sendo falado, se não falaram, eu vou aproveitar e falar - que se você parte do berço da Vale, que é o Pico do Cauê, e como é que isso virou a base da empresa. O Cauê era um corpo de minério da melhor qualidade, desses meio especiais, uma _____ puríssima. Só que o Brasil tinha que chegar nos mercados. Naquela época, o que estava acontecendo? Quem é que produzia aço na guerra? Basicamente eram os Estados Unidos e a Europa, que usavam minérios próprios. Os Estados Unidos era muito rico em minérios, em carvão, então a siderurgia americana, que era a mais poderosa, era autossuficiente no próprio país, em _______________. A Europa era mais ou menos a mesma coisa com o fim da guerra, principalmente o Japão, você começa a ter uma outra geografia. O Japão sem minério, sem matéria-prima, sem carvão resolve investir em uma potência siderúrgica, mas minério vindo de onde exatamente? Ele não tinha. Aí é que começa a aparecer realmente o Brasil e a Austrália como grandes, em vez de o minério ser um minério que vem para as indústrias siderúrgicas dentro dessas reuniões, um minério transacionado no mercado transoceânico. É uma mudança que ocorre nos anos 60 com a siderurgia japonesa crescendo, o Brasil e a Austrália, o Brasil saiu até na frente. Porto de Tubarão de 1965 ou 66, e a decisão de fazer Tubarão foi em 1962, quando a Vale assinou contrato com o Japão, que era uma coisa totalmente inovadora. Essa confiança, né? Como é que você vai enfiar um negócio desse... A Vale botar o dinheiro, o Japonês botar o contrato, foi muito essa relação de confiança que, e aí você tem todo o crescimento do sistema sul. Só que o sistema sul, o minério que ele pode produzir chegou _______________ é (matita? ou hematita). Ela não era suficiente para sustentar isso e tinha que aproveitar os itabiritos, que são minérios de menor teor de ferro. E aí dependia de concentração e com isso, você vai gerar minérios finos. Precisa de pelotização, começa a ficar diferente... O que, aliás, foi a tendência da siderurgia americana. Só que isso aí, também dava um certo limite, tinha um limite isso, aí era possível. Com a descoberta do Carajás e com a participação da Vale, porque não foi a Vale que descobriu o Carajás, foi a United States Steel, o Breno Santos, que eu acho que vocês vão entrevistar, que é uma pessoa interessantíssima. Vocês com certeza vão se divertir. Com a descoberta do Carajás, estava lá o Carajás, muita gente influenciou a decisão, porque a United States Steel foi meio que forçada pela Vale a entrar junto com ela, porque uma descoberta daquele tamanho, não poderia sair assim. Descobriram, mas descobriram um negócio tão grande meus queridos, que nós vamos ter que fazer alguma coisa aí. (risos)

P/2 – Forçada como?

R – Não, foi convidada. Disse: “Olha, você se associa com isso. Não é forçada, mas é melhor você se associar aqui, porque...”

E tiveram muito bom senso, o pessoal da United States Steel foi de muito bom senso, tanto para aceitar, como eu acho que para depois, para sair, porque eles saíram depois, em 1977 ou 78, eles acabaram saindo do projeto. Enfim, você estava com Carajás, que era uma dimensão tão grande no tempo, no volume e no horizonte que não dá nem para raciocinar. Hoje, que está lá, não tem dúvida, mas na época era uma decisão de coragem, precisava realmente ter essa visão, acreditar e defender a ideia contra um monte de gente que não acreditava. Esse período que eu estou descrevendo: eu não estava participando, para mim isso aí eu estava ouvindo. Mas são coisas que eu não tinha... E é nisso que a empresa estava muito envolvida, nesse período. Com a volta do Dr. Eliezer para a presidência, dessa coisa de tocar o Carajás para a frente, porque... Qual era o problema lá? Por que não ia para frente? As ilhas foram descobertas em 1967 e eu acho que a associação entre Vale e United States Steel foi feita em 1970. Foi feito todo o trabalho de engenharia, já tinha-se gasto, acho que só de engenharia e estudos, acho que coisa de uns 100 milhões de dólares. Só que o investimento era de três bilhões de dólares, tinha que construir toda uma ferrovia, toda uma mina, porto. Não tinha nada. Muito dinheiro, e a United States Steel não querendo fazer o projeto. Houve uma crise muito forte na siderurgia mundial de 1974 até 78, a siderurgia americana em particular, e a United States Steel ficou muito prejudicada. Então: “Nós, não queremos botar essa montanha de dinheiro lá no projeto.” Por isso é que se tinha aquelas dúvidas, mas a Vale e a equipe que estava na Vale, nesse momento, tinha uma avaliação. A Vale fazia uns estudos muito completos, uma avaliação muito completa, porque era líder nesse momento e continua sendo no mercado, então fala com todo mundo, sabe? Tem suas avaliações, e acabou se tomando a decisão. Aí tinha que conseguir financiamento, tinha que ter aprovação do governo, então a Vale estava muito envolvida nesse período. Isso é história da Vale, essa realmente é que conta, a minha história nessa época, é, o que acontece comigo? A área comercial vai passar por uma reestruturação, e uma das pessoas chaves nessa área, que é o Armando Santos, é uma pessoa que eu tinha trabalhado lá em vitória, lá atrás, e ele queria alguém para ajudá-lo na parte de planejamento, de estudo de mercado e essa coisa toda, e perguntou se eu estava interessado. Eu achei uma coisa muito interessante. E aí fui trabalhar nessa equipe que o ______ era o responsável, o diretor comercial. O Armando Santos era o tinha responsabilidade de promoção comercial, era o que chamava, tinha uma parte de administração de vendas, que era o Camilo com a (Marion?), além dos escritórios lá fora. Aí eu fui trabalhar nessa área, e começa um período de uns dez anos onde eu fiquei muito envolvido, participando, discutindo estratégia e negociações de preço do minério de ferro, de crescimento e o trabalho para Carajás entrar comercialmente no mercado. Então, uma das coisas que eu fazia nessa época, era ser responsável por elaborar os

estudos de mercado. Projeções junto ao Banco Mundial, para dizer: “Olha, Carajás cabe... Precisa de Carajás, não precisa de Carajás.” Porque isso precisava ser provado para o Banco Mundial. Todo o financiamento do Carajás, a base eram várias instituições, mas o Banco Mundial, se ele aprovasse os recursos, se ele apoiasse o projeto, as demais instituições, apoiados na decisão do Banco Mundial é que fariam as suas. Tinha uma equipe muito grande trabalhando nisso, a minha parte era mais... Aí eu estou olhando mais o mercado de minério de ferro e o que Carajás representa nessa coisa. Isso para mim foi muito interessante, para entender, começar a entender o mercado e aí também, começar a participar junto com essa equipe das negociações. Então eu entrei por esse lado da estratégia comercial de minério de ferro.

P/1 – E foram difíceis essas negociações? Quais foram as avaliações feitas?

R – Olha, é quase que assim... Elas não foram fáceis, foram longas, porque o banco é exigente e isso foi muito bom para a companhia, porque esse nível de exigência a elevou. Agora, tinha que se convencer gente no mundo inteiro, compradores a assinarem contratos. Como é que um cara vai assinar um contrato em um projeto que ainda não existe, que custa bilhões de dólares? Como é que vai saber se... Eu acho que a Vale conseguiu, tinha uma reputação construída ao longo do tempo, de realizar essas coisas. Ela tinha essa credibilidade. Tinha feito o Tubarão, tinha feito o ________, as usinas de pelotização. Então teve todo um lado comercial de conseguir essa base, esse apoio nos grandes clientes. Eu me lembro que dos 35 milhões de toneladas que o projeto precisava ter, tinha contratos a longo prazo de 25 milhões de toneladas, que foram negociados previamente, contratos já de longo prazo para isso aí. Na parte financeira, você tinha que montar esse esquema todo, então haviam reuniões no Brasil e no mundo inteiro onde você precisava expor o projeto e justificar. O governo brasileiro teve que apoiar também, porque o BNDS teve que entrar, era assunto de presidência da república inclusive, e era o grande projeto que o Brasil estava trazendo nesse momento. Era uma fronteira completamente nova, a gente tinha dimensões realmente muito grandes. Tudo aprovado, o projeto fechado, eu acho que o (apraser?)

(report?) do Banco Mundial datado de abril de 1992, as coisas ficaram todas arrumadas... Eu estou falando em 1982, tá? Em agosto de 1982 ocorre a crise financeira - acho que começou com o México - de tal forma que o Brasil foi, este financiamento foi a última coisa que se fez, o último financiamento externo feito no...

[Troca de fita]

R - ...Brasil por um longo tempo foi o Carajás, quer dizer, quase assim, bateu na trave e entrou. E aí, entra-se na fase de ____, começa a construir um projeto e... [Pausa] Mais ou menos assim, pegando o último trem. A partir daí a situação financeira mundial, uma crise fortíssima, dívida dos países, meio que a consequência, dos petrodólares, então o projeto começa a andar, realmente começa a andar e a empresa que ir dando sequência e mostrando como é que a coisa estava andando, os vários bancos, essa coisa de ir acompanhando a evolução. Para nós, o problema maior na área comercial, sob o ponto de vista desse projeto, era que o mercado, não lembro exatamente em que ano, mas acho que em 1983, 1982 ou 83, por causa dessa crise financeira, o mercado mundial deu uma desacelerada muito forte. Foi um ano muito difícil para o mercado, bem abaixo das projeções que a gente estava esperando, o cenário que a gente estava, para vocês terem uma ideia, até ali... Eu posso estar atrapalhando as ideias, pelo tempo e pela idade, tá certo? Mas eu acho que vale a pena mencionar isso, até ali a história do... Havia uma crença de que a produção de aço mundial iria continuar crescendo a certas taxas, a produção mundial do aço. Acho que hoje deve estar ainda na faixa de 700 milhões de toneladas por ano, 750, tem ano que dá quase 800, mas fica mais ou menos assim. Naquela época, ainda se acreditava que era possível depois das crises do petróleo de 1973 e de 1979, que ia retomar um crescimento e essa produção ia chegar, ia passar de um bilhão de toneladas de aço, coisa que na realidade já não estava mais. A produção de aço já tinha chegado num nível de 700 milhões de toneladas em 1974 e aquilo era um número que tendia a ficar estabilizado. O aço continua sendo de longe, o metal mais usado. O primeiro é o aço, nessa faixa de 700 milhões, o segundo, que é o alumínio. Hoje eu acho que o alumínio, sei lá, talvez esteja a 30 milhões de toneladas por ano, eu não sei se já está isso.

P/1 – Diferença grande, não?

R – Diferença brutal, só que as crises de energia, o preço do petróleo, o consumo, as preocupações ambientais, estava fazendo mudar muitas coisas na nossa vida, na nossa tecnologia, de tal maneira que em termos de massa o aço já tinha atingido uns pontos aí. Bom, mas isso fica mais ou menos, fica bem evidente em 1982, 83, que a coisa realmente não vai mais para aqueles caminhos, o projeto Carajás está em andamento, e a demanda não está vindo, não está sinalizando no curto prazo. Aí de novo acho que precisava ter essa visão, essa convicção, a coragem e a determinação de dizer: “Não, tem que tocar em frente.” O projeto chegou até a ser desacelerado por um período de seis meses, houve uma alteração no cronograma de seis meses, um ano. Em vez de começar em 1984, ia começar em 1985, acho que é isso. Ele começa em 1985, depois 1986, 87, são os três primeiros anos. Então, se tomou a decisão de se continuar a implementação, mas ocorre que em 1984 as coisas mudam de novo, o mercado começa a recuperar, acho que 1984, 85 são anos muito bons e a empresa retoma o projeto, começamos a preparar o início de operação, ____ em 85, eu acho. Tinha uma data marcada para inaugurar a ferrovia e o pessoal correndo para chegar com a ferrovia em Carajás, uma produtividade enorme, mil e tantos metros de ferrovia lançados por dia, uma coisa extraordinária.

P/1 – O senhor foi visitar as obras?

R – Fui, nesse período, fui antes e na data da inauguração em março. Acho que foi o último evento do governo Figueiredo, a inauguração da ferrovia. Aliás, ele deu muito apoio para a Vale nesse período, e foi um negócio emocionante. Naquele momento, terminou a obra, começa a operar, e agora começa a produção de minério, o primeiro ano acho que eram 15 milhões de toneladas, o segundo ano 25 milhões de toneladas, terceiro ano 35, é tonelada para chuchu, tá certo? O problema comercial e da área de produção, é como é que você equilibra os dois sistemas, como é que se visualiza em frente ao mercado, e como é que vai funcionar o sistema sul e o sistema norte. Então, a gente tinha diversas reuniões para fazer essas avaliações, essa é uma parte bem interessante que é a gente tentando... “Tá bom, o projeto já está aí, mas como é que ele realmente entra no mercado? Como é que vai fazer? Como que os clientes vão se posicionar? Como é que você vai fixar preço de um sistema? E uma série de outros detalhes bem importantes e também a preocupação com o preço, porque você estava entrando com essa oferta e, balanço de oferta e demanda. A entrada de Carajás, numa situação em que a demanda não era relacionada com um milhão de toneladas de aço, era bem mais baixo, o que isso representaria para preço, e a Vale teve que administrar esse negócio de maneira... Esse era um trabalho pesado mesmo, mas era de suar mesmo, do pessoal ter que participar das reuniões, entender, sentar com cada cliente e ver quanto ele ia levar de Carajás, não deixar de levá-lo para o sistema sul. No começo havia uma ideia, o pessoal achava que o minério de Carajás não era, talvez, “Não, é novo...”

P/2 – Qual a qualidade dele em relação ao de Itabira, ou do sistema sul?

R – Bom, isso é o que eu lembro, tá certo? Isso você tem que perguntar para quem entende do negócio.

P/2 – É que isso está sendo levado em consideração para estabelecer um preço.

R – O minério de Carajás acabou sendo um tremendo sucesso, sob certos aspectos até nem tão claros inicialmente, e acabou também sendo um complemento para o minério do sul. Isso é uma coisa interessante. Carajás, eu não sei como é que está hoje a produção, mas na época, ele produzia basicamente um produto chamado "sinter feed", que era um minério fino, não tão fino, que se usa para aglomerar e fazer o “sinter”, que aí você joga no alto-forno. E o minério do sul, nessa altura também fazia o "sinter feed", e fazia o "pellet feed", para fazer pelotas. Cada um desses produtos tem um posicionamento no mercado diferente e muda ao longo do tempo, muda assim, varia ciclicamente. O que acontecia com o minério do Carajás? Ele tinha umas características muito boas, a química dele e o teor de ferro eram muito, muito bons. Ele tinha um negócio, que era, - isso tudo pode ter mudado, do que eu estou lembrando - tinha uma redutibilidade muito boa, quer dizer, quimicamente ele reagia muito bem à redução, que é o que acontece no alto-forno. Redução é ao contrário de oxidação, você tira o oxigênio. O minério de ferro é um óxido de ferro, então para se fazer o ferro tem que se tirar o oxigênio, ficar só com o ferro; esse processo chama-se redução. É o contrário da oxidação, onde você combina o átomo de ferro com oxigênio e faz um óxido de ferro: a ferrugem. Então, na redução ele é muito bom, por causa da porosidade, a reação química com ele era sensacional. Agora, ele tinha um problema na época, um problema em relação ao nosso concorrente principal, que é a Austrália, a Austrália tinha a alumina, que é um dos componentes, alta. E o nosso minério do sul tem uma alumina baixíssima, alumina e fósforo. Então esse minério do sul era imbatível sob esse ponto de vista em relação aos australianos. Nós é que melhorávamos a qualidade dos australianos no alto-forno japonês, na química. Com isso, você perde um pouco com o Carajás, porque ele não era tão baixo assim em alumina e fósforo. Fósforo acho que não era um problema, mas alumina, ele ia continuar tendo, se eu não estou enganado. Então você perdia esse aspecto, mas a qualidade de redutibilidade dele foi tão sensacional que... Se tinha um medo inicial de que o pessoal não fosse querer usar tanto o Carajás e o problema virou ao contrário, porque o pessoal queria usar muito o Carajás. Então foi muito bom sob esse aspecto.

P/1 – Aquela equação que o senhor pensou, sistema norte: exportação; sistema sul: mercado interno. Isso foi adiante?

R – Isso tudo foi muito discutido naquela época. Vou contar essa história com outra dimensão: quando eu entrei na Vale, a exportação ou a produção era coisa de digamos 19, 20 milhões de toneladas por ano. Hoje, ela faz 100 milhões de toneladas por ano, é um negócio dessa ordem de grandeza. Então você multiplicou por cinco e ela atingiu esse nível de 100 em 1988. Então de 1970 a 88, ela quintuplicou a sua... É um número sensacional. Como é que isso ocorreu? Você pode dizer que o primeiro estágio da Vale foi o minério próprio dela, das minas lá de Itabira, em um segundo estágio ela fez associações com outra empresas, basicamente, com a

Samitri e Ferteco, que tem suas minas próprias, mas que usavam o sistema Vale do Rio Doce de ferrovia e porto. Foi uma forma de ganhar economia de escala em cima daquela infraestrutura ferroviária e portuária que tinha sido estabelecida. Então se você botar isso aí no tempo, fizer um gráfico, você pinta assim, pinta de verde a parte da Vale, depois, você pinta de azul essa parte das associações, e vê o crescimento da Samitri e Ferteco nos anos 70. Aí, a Vale estava, no sistema sul, ela estava entrando na lavra do itabirito - que é um produto de menor teor de ferro - ele tem, enquanto a hematita do Cauê tinha 67, 68% de ferro, o itabirito tem 50, 51%; tem muita sílica, então você tem que remover para ter a hematita sem a sílica. Para isso, você tem que concentrar, quebrar a pedra de itabirito, separar a sílica, mas só que, ao fazer isso, você gera um material fino e um ultrafino. Esse ultrafino, você tem que pelotizar, tem que ter um processo de aglomeração, porque senão ele não pode ser usado em uma usina siderúrgica. Aí, o que a Vale fez? Isso tudo no sistema sul. Ela ia gerar uma quantidade grande de "pellet feed", ela fez duas usinas de pelotização, ela mesma, e como ela ia ter mais "pellet feed", fez associações com consumidores de pelotas, com os japoneses da Nibrasco, com os italianos da Itabrasco, com os espanhóis da Hispanobras e agora também com os coreanos. Bom, com isso, o que ela conseguiu? Volta para aquele gráfico lá, você tem uma outra faixa de crescimento, que são as usinas de pelotização, então, a maneira que a Vale teve para crescer foi combinar essa capacidade, seja da ferrovia, seja da disponibilidade de minério, procurando ajeitar isso da melhor maneira, acoplar isso como mercado consumidor e com associações. Isso também faz parte da história da companhia. Tem toda uma estratégia aí, “O que acontece com os "pellet feed"? Por exemplo, os "pellet feed" são produtos mais _________, quando o mercado está muito bom, todo mundo quer "pellet feed", porque você não tem que ter uma capacidade, é só jogar direto no alto-forno. Enquanto que se você estiver usando "sinter feed", tem um custo maior, mas também não pode ficar variando, então tem suas ___________. O sistema sul é basicamente isso, ele estava pronto para isso, e o crescimento do Carajás ia trazer, basicamente em "sinter feed". Ocorre que mais ou menos nesse período também, a siderurgia brasileira está crescendo e o minério do sul e do Carajás também se complementou qualitativamente, então todo esse jeito, é alguém novo entrando lá, e: “Vou entrar! Vou entrar!” Você precisa se acomodar, e isso a companhia acho que fez muito bem e continua fazendo.

P/1 – Sem assustar o mercado?

R – Sem assustar o mercado. Tem horas que se tem que fazer o que tem que fazer, não adianta o cara chiar, reclamar, porque você tem que achar o seu espaço. Mas como a empresa procurava fazer com o máximo de cuidado, para proteger os seus preços, reconhecendo que o mercado é um mercado, é um mercado... Você _________ de minério de ferro, você tem uma força relativa, não é muito forte, a força é muito do comprador, ou era pelo menos. Mas mesmo assim a Vale tem uma liderança de preços, de fixação de preços, ela era também reconhecida pela competência que, do ponto de vista de comportamento de mercado, a Vale sempre foi defensora de preços. Não se tem na história dela, que eu me lembre, e que hoje eu acompanho meio a distância, assim, de “entregar rapadura”, coisa desse tipo. Mas, assim, você tem que trabalhar dentro do mercado, condenar o realismo das forças de mercado, com a defesa consistente dos preços. Agora, existe um equilíbrio, mercado é mercado, tem sempre que lembrar que o minério de ferro é um produto abundante na natureza. Não é uma coisa que... A gente tem histórias aí: hoje o petróleo, o que aconteceu com o preço do petróleo, quando alguns países quiseram elevar os preços, os produtores da Opep... O que aconteceu depois disso? Hoje já se pode avaliar. Naquela época, havia ideias também de gente que defendia: “Não, os produtores de minério tem que se...” Havia a proposta de se ter uma Apef (Associação dos Países Exportadores de Ferro), o Brasil nunca se associou a isso porque não acreditava que isso aí funcionava, mas era uma discussão enorme aqui dentro. Não pense que era uma coisa líquida e certa, e o debate tem que existir. A Vale tinha uma posição muito responsável, muito madura sobre isso aí, e eu traduzo isso dessa maneira: minério de ferro todo mundo tem, é o quarto elemento mais abundante na crosta terrestre. Se você quiser colocar o preço além, você consegue. Os produtores se reúnem e se quiserem colocar o preço a 30 dólares, eles colocam. Por um período de tempo, daqui a cinco anos, que é o tempo de abrir todos os projetos de mineração que tem por aí no mundo, e esse negócio... É que nem o que aconteceu com o petróleo, volta a oferta e o preço vai cair a dez dólares. E houve eventos na história dessas negociações, muitas vezes elas foram mais para o sangrento que para o amigável.

P/1 – Nesse período de Carajás se abrem novos mercados para a Vale do Rio Doce ou mantém-se um mercado que já existia?

R – Houve um crescimento muito grande, principalmente na Ásia. Meio que aconteceu o seguinte: nesse período, se tem o deslocamento do Atlântico para o Pacífico, o eixo. Na história do minério de ferro têm algumas fases. Existiu uma fase até 1974, onde a Suécia era o líder dos produtores, o grande fornecedor da Europa, principalmente no mercado alemão. A partir de 1974, entra a Vale, liderando essas negociações, sendo sempre a primeira a fechar preços acho que até o início dos anos 80, e nessa altura, o que está acontecendo entre, a coisa está meio deslocando... Estados Unidos, meio que estagnados em produção de aço, e a Ásia no geral, o Japão, Coreia, China e Austrália também crescendo. Então o eixo meio que se desloca para lá, de maneira que nesse período,

houveram vários fechamentos, e o primeiro fechamento foi de uma empresa australiana

com uma empresa japonesa. Sob esse aspecto, a Vale, poderia se dizer que perdeu a liderança, mas a tônica da negociação continuava sendo ela que procurava estabelecer. Embora o fechamento fosse de uma australiana, a Vale procurava dar a faixa de trabalho e puxava essa faixa o mais possível que desse.

P/1 – O primeiro que fechasse. Como é que era essa política, era anual?

R – A negociação é anual. O preço do minério fecha anualmente, são negociações que começam a ocorrer em torno de outubro. Às vezes, se prolongam. Ainda estamos em março, acho que ainda tem empresa fechando, às vezes vai até março. Discute-se muito, é uma tecnicidade grande, tem muito valor, em 100 milhões de toneladas, qualquer centavo... Você negocia o preço da unidade de ferro, a hematita tem 68%, se calcula o preço desse 1% de ferro: “Esse aqui é o preço.” Tantos centavos, e essas negociações são muito, elas ocorrem em vários lugares. Você sabe quem é que vai ter negociação. “Olha, hoje tem uma reunião da Vale do Rio Doce com as usinas alemãs.”

P/ - Eu queria que o senhor contasse um pouquinho desta experiência aí junto a Bahia Sul e esse mercado de celulose, que ele representa na Vale? Como é a atuação do senhor lá dentro?

R - Bom, o setor de celulose da Vale é um setor problemático, vamos dizer assim. A Vale, como ela entrou nesse setor por uma razão até bem compreensível. Como ela... Ela tinha ferrovia, terras, árvores, está certo? Mais ou menos por essa linha. Além disso, o próprio doutor Eliezer é uma pessoa muito, - nessas andanças dele pelo mundo, nesses pensamentos, ele tem muito, - ele sempre acreditou muito nesses setores. Algum desses setores, um deles era o de celulose. Ele participou da concepção de alguns desses projetos. Então, a Vale começou a plantar eucalipto e já, acho que no final da década de 60, tinha plantado nas terras que ela tinha disponível. Então, ela tinha uma mentalidade florestal por esse caminho. Você pode pensar, é o dormente? Não é bem, não é só isso, mas é também isso, né? É, nos anos 70, lembra? Eram os anos em que o mundo... As projeções eram limites do crescimento, “limits to growth”: não vai ter matéria prima para tudo que a gente quer fazer. E os japoneses, muito preocupados que ia faltar matéria prima, e a associação com a Vale: “Poxa, então vamos fazer um projeto com a Vale para crescer, para plantio de eucalipto, fazer celulose. Exportar cavacos, exportar celulose.” Aí foi criada a Flonibra, né? Depois, foi criada a Cenibra. A Cenibra e a Flonibra eram primas. A Flonibra tinha terras, mas não tinha fábrica de celulose, a Cenibra tinha fábrica de celulose, mas não tinha terras. Eram ocasiões diferentes, né? Têm a sua história, mas isso aí seria mais umas duas horas para contar. Não vamos contar. (risos) Bom, no final, esse projeto com os japoneses acabou se concentrando na Cenibra e essas terras lá ficaram disponíveis. A Vale tinha essas terras e estão em uma área excelente. Aquela região do sul da Bahia, norte do Espírito Santo, é muito boa, tem uma tradição de eucalipto e um grupo brasileiro, Suzano, e a Vale se propuseram a implantar uma fábrica de celulose ali e daí nasceu Bahia Sul. Até digo que a Bahia Sul é uma empresa de terceira geração na concentração. As de primeira geração eram, vamos dizer assim, associações onde você nem fazia uma... É que nem Vale, Samitri e Ferteco, você usa a mesma infraestrutura, mas não forma uma empresa comum. A segunda geração são as empresas que você tinha uma sociedade e a Vale tinha 51%, e o outro 49. Então, associa, mas a Vale com um porcentozinho do controle. A Cenibra é dessa geração. A Bahia Sul é de terceira geração... Essa designação eu estou inventando agora. (risos) E que a Vale já era uma empresa estatal e era um desastre, cheia de restrições. Então a empresa não podia ser estatal, ela tinha que ser privada. Por isso que começou com a maioria do capital privado no controle: 55% Suzano, 45% Vale. Que era a tendência mesmo do mercado. O projeto foi implantado em... A empresa foi construída em 1987, a obra começou em 1990 e começou a operar em 1992. Foi o último projeto grande, totalmente novo, em uma área totalmente nova, de celulose implantada no Brasil. Com tudo certinho, competitivo, em termos de custo, etc. Muito bem. Depois disso, lembra Carajás? Teve as mesmas dificuldades. E lembra Carajás, que está bem? Hoje a Bahia Sul também está bem. Está certo? Mais ou menos a mesma coisa. Só que a Vale tem essas participações no setor de celulose e papel, mas ela tem uma questão que os acionistas têm que definir que tipo de estratégia, se é estratégico, se não é, o que faz com aquele setor. Isso tem oscilado... O pensamento da Vale tem oscilado em relação a esses setores. Está certo? Ninguém tem dúvida que a Vale é minério de ferro e transporte de minério, carvão, mas se ela é celulose, tem as opiniões diferentes e depende do que você quer fazer.

P/ - Que variam aí com o tempo.

R - Que variam com o tempo e no tempo ______ pessoas diferentes. Tem gente que acha muito bom, tem gente que acha uma porcaria, tem quem acha muito bom, mas não é o negócio da Vale. Tem gente que acha que mesmo que fosse muito bom, mesmo que fosse ruim, enfim, não quer nem saber. Varia de tudo. Bom, eu acho que tem dois extremos dessa posição aí. Um extremo é o seguinte: a Vale tem o controle hoje de dois dos melhores, das duas melhores empresas de celulose e papel do Brasil; Cenibra e Bahia Sul. Tanto é assim que todo mundo quer comprar, certo? Se você tem um negócio ruim na mão, ninguém vai querer te comprar. Em um negócio que está tudo mundo querendo comprar, é porque é bom, né? Só que para a Vale poder crescer nesse setor, ela gostaria de dar uma estrutura melhor e ela mesmo não sabe ainda, não tomou uma decisão, se vai ficar no setor ou não. Diferentes acionistas têm diferentes posições. Algo que a gente entende, né? No momento, se ela tomar uma decisão de que ela quer ficar no setor, ela provavelmente tem aí um negócio para crescer muito porque esses dois artigos são muito bons. Mas ela precisa também dar, chegar a uma estrutura razoável nesses dois artigos para eles não funcionarem como duas empresas independentes. Só que a decisão nesse momento ainda não foi, não está clara ainda. A Vale tem estudado isso, mas não tomou uma decisão. Agora, o setor em si, olhando pelo que vem acontecendo com ele e pelo que está acontecendo nesse momento, e até por outras empresas, como uma Aracruz, por exemplo, que tem, que é uma empresa de sucesso no setor, você vê que tem potencial de crescimento. Lá atrás, no meu tempo, algumas das questões, dessas questões que também existiam. Você pensa assim: o que vai ser a Vale do futuro? Se a Vale do futuro vai ser uma empresa de minério de ferro, de transporte, está certo? Eu acho que ela tem limitações, ela meio que chegou onde pode ir simplesmente porque aqueles famosos 700 milhões de toneladas de aço, dali mesmo não vai sair, né? Aquela história: de onde você menos espera, daí mesmo é que não sai nada. É um pouco por aí, né? Dá para crescer, dá, mas não dá para ser uma coisa... A Vale deveria continuar crescendo em outras coisas? Que outras áreas? Na área de mineração, quais são as oportunidades? Então, abre um leque aí. Essas mesmas discussões, eu não participo delas, não estou a par do que está acontecendo hoje, mas me parece que um pouco dessas discussões são as mesmas que havia naquele, no nosso tempo lá. Se eu faço um plano de longuíssimo prazo para a Vale do Rio Doce, o que eu quero que ela seja no futuro? Hoje, temperada com uma outra discussão, que é o retorno para o acionista, está certo? Porque era a questão menos importante naquele momento, lá atrás, porque o acionista, o governo, ele não estava olhando o retorno. Até deveria estar olhando mais o retorno, mas o negócio dele era mais o crescimento, era novos projetos, era empreendimentos, era investimentos, era crescer naquilo que fosse possível crescer e a Vale era um veículo de investimento nesses grandes projetos que você não tinha outro veículo para viabilizar. Hoje as condições mudaram. Você tem condição de financiar no mercado internacional, outras coisas. Talvez! Eu estou aqui já meio divagando um pouco, né? De maneira que eu acho que fica sendo uma questão estratégica mesmo, o que é a posição... Eu pessoalmente acho que tem... Se a Vale conseguisse estruturar isso aí, ela teria espaço para crescer. É um dos poucos espaços, e que tem o volume de grandeza comparável com o que ela tem hoje no minério de ferro. Comparável, eu digo assim: não é no mesmo tamanho não. Mas, sabe, os outros são menores, não dá para você... Este aqui dá para você falar em valor de fluxo de caixa, de 300, 400 milhões de dólares que é sei lá uns 30, 40% do que a Vale gera neste negócio, mas precisa tomar uma decisão... Se ficar muito na dúvida, aí vai faltar aquela decisão que você precisa. Carajás é nosso negócio, é nossa sobrevivência, vamos lá e vamos montar nisso, e vamos sair. Ah, não é o nosso negócio! Bom, aí não sei se vou. Se não vou, talvez se perca. Não sei, uma especulação.

P/ - Seu cargo lá?

R - Eu sou diretor financeiro administrativo.

P/ Essa passagem curiosa como engenheiro, a área comercial hoje, financeiro, administrativo. Tudo para o senhor foi natural, um pouco essa... Gerências nas áreas...

R - Ah, depois de tantos anos na ____ eu já virei um administrador. Quer dizer, não é uma... Agora, eu ainda uso muito de... Eu gosto daquele prazer especial quando você vê um problema aqui: “Qual é a saída desse negócio?” E achar uma maneira interessante de resolver o problema. O que mudou para mim e eu mencionei rapidamente, é que hoje, ao longo do tempo, o trabalho com as equipes, com gente, virou a coisa mais importante. Está certo? Como é que você funciona em uma equipe? A nossa equipe lá é pequena. Hoje as empresas estão cada vez mais enxutas, e a Bahia Sul é meio que referência de produtividade. Nós temos uma produtividade muito, muito boa, muito pouca gente, gente muito jovem, assim, o negócio lá não é nada de medalhão. Os problemas aparecem ninguém, às vezes, nunca viu como resolve aquele negócio, mas tem uma ideia, né? E sai para resolver, né? E resolve. Então, como é que essa química, e que no fundo eu acho que é a tendência... Não é só tendência, é assim, no mundo de hoje, vocês estão fazendo coisas que vocês nunca viram na escola. Você vai, inventa e descobre, e daqui a pouco você está fazendo da maneira que você inventou. E procurando estar informado. Então, como é que você energiza, vamos usar essa palavra aí, as pessoas para que elas resolvam problemas e vão buscar os recursos na teoria ou seja lá o que for. Isso a gente tem feito na Bahia Sul muito e isso é uma coisa que tem me dado, assim, um... Além disso, a empresa passou por dificuldades muito grandes, ficou apertadíssima aí e agora conseguiu sair. Então, ela teve seus bons resultados, os acionistas apoiaram tremendamente. Tem aquela sensação de que você foi lá meio... Foi lá no buraco e conseguiu sair e, de patinho feio, a turma já está achando que você tem uma cara simpática. Isso também é uma sensação muito boa para todo mundo.

P/ - Seu cotidiano hoje, doutor Szpigel, como é que ele é?

R - É frenético. Hoje, é muito mais... Eu acho o seguinte, a Vale era muito, assim, um transatlântico... Transatlântico já é meio... Nem porta-aviões! Sei lá o que. Um, sabe um tremendo de um avião ou de um navio que tem toda... As coisas para ela não... Agora, pega esse mesmo mar e vai de barquinho a remo. (risos) Então, na Vale tinha isso: “Eu preciso fazer algum trabalho aqui na área tal.” “Então, você chama lá a equipe disto, você vai ter técnicos sensacionais que conhecem, são especialistas no negócio. O cara vai te ajudar lá.” Lá não tem disso, né? Não tem técnico de nada, não tem especialista de nada porque você tem que ir inventando. Então, é muito frenético o dia-a-dia. Muito mais adrenalina. Enquanto o coração aguentar, né? (risos) Mas, está divertido. Eu não tenho nada, nada para reclamar.

P/ - Sua jornada de trabalho?

R - É, sempre foi assim, de 8 às 20 horas e frequentemente, não isso tudo, mas algum trabalho no final de semana. Isso foi um erro a vida inteira e continua sendo. Acabo dedicando tempo demais para o trabalho, não pode.

P/ - O lazer, qual é o tipo de lazer que o senhor tem hoje e como o senhor administra isso?

R - Bom, como eu te falei, eu casei de novo. Então, minha mulher é absolutamente exigente nesse tipo de coisa. (risos) Então, a gente... E ela está certíssima. Então, às 20 horas quando eu chego em casa é tempo para a família, para conversar, para não sei o que lá. Então eu tenho que arranjar meu tempo para ler os meus livros, que eu gosto também, mas a gente vai a cinema, gosto muito de cinema, esporte, também retomei aí depois de um “check up” meio, que o médico falou: “Melhor tu cuidar desse negócio aí”. Tenho feito bastante exercício, então a saúde está boa. Mas, é isso: é leitura, é cinema e viagem. Tenho viajado aí, conhecendo aí as coisas.

P/ - Leitura por diversão, né?

R - Não, tem livro técnico também.

P/ - Tem, também a noite, na hora do descanso?

R - Eu sou um leitor meio desesperado. Eu leio muito, gosto muito.

P/ - E o senhor mora com a sua nova esposa e os filhos também?

R - E duas meninas dela. Meus maiores já estão cada um em um canto. Um mora em São Paulo, o mais velho, o do meio mora em Florianópolis e o mais novo está fazendo um programa aí de “trainee”, está em Porto Alegre neste momento. Então, é meio... Mas, essas meninas ainda são um pouco menores. Uma tem 16, a outra tem 18 anos, 19 anos. Então... E tem mais um cachorro e dois gatos. (risos) Eu não gosto de gato, mas elas gostam. (risos) Pior é que eles gostam de mim. (risos)

P/ - No geral é assim.

R - Seu Szpigel, o senhor tem algum sonho ou sonhos a realizar?

R - Oh. (risos) Olha, eu tenho sonhos a realizar, está certo? Nenhum dos sonhos é uma coisa assim muito... Eu já tive sonhos mais ambiciosos. Acho que o negócio da idade é você, ficando mais realista, o que é uma porcaria porque alguma das coisas mais ambiciosas, você acaba achando que não vai dar, mas eu gostaria de achar coisas, como, eu mencionei aqui: a chave da... De como a gente como pessoas podem fazer coisas boas, seja no trabalho técnico, seja na comunidade ou seja... Então, isso eu acho que vou continuar... Essa coisa de querer sempre estar fazendo alguma coisa para mim é sempre importante. Hoje, por causa de estar na empresa e estar preocupado com isso é muito concentrado e muito focado nesta atividade. Então, esses sonhos são voltados para aquilo ali. Eu acho que o sonho é a minha equipe... meu sonho é o seguinte, é a equipe chegar e dizer assim: “Olha, você sabe de uma coisa, foi bom trabalhar contigo.” Porque eu acho... Isso uma vez um cara me disse. Disse assim: “Gostei de trabalhar, acho que aprendi muito.” E eu disse para ele: “Olha, eu aprendi horrores porque tudo que a gente fez aqui, se você não sabia, eu sabia muito menos, mas a gente conseguiu fazer.” Então, é o que eu acho. Tem muita coisa a ser feita, é questão de arregaçar as mangas e fazer. Então, meu sonho é um pouco por aí, é poder estar comprovando que isso aí é verdade. Outros sonhos, assim, mais materiais eu não tenho muitos não. Não sou de... Um pouco essa realização Vale para mim, foi muito importante e continua sendo. Hoje de manhã, quando eu estava saindo de casa, falei para a minha mulher: “Eu vou lá, eles vão querer saber sobre alguma coisa, sobre a Vale. Eu vou falar só sobre os últimos 30 anos.” (risos) Então, tem sido sempre formação. Eu não falei de muitas das pessoas, mentores, né? Minha vida tem vários mentores. Eu sou o que sou porque essas pessoas me ajudaram a entender. Às vezes, me... Aquela história: o que tem de bom, eles me ajudaram, o que tem de ruim eu sou mesmo o responsável. É por aí, né? E foram várias.

P/ - Se o senhor quiser falar quem são as pessoas...

R - É, eu mencionei vários aqui: o Eliezer, que foi uma pessoa, João Carlos Linhares, o Boris, doutor Eliezer, então como a dimensão do pensamento universal dele, Mascarenhas, que havia uma identidade assim tão grande, mas... Eu acho que meu pai ficaria enciumado de tanto que... Armando Santos, como amigo e como profissional, o Eduardo Faria, o Agripino, que também faleceu já e me ensinou, aprendi muito de política. Política, política mesmo, como é que se lida e como é que você dá uma, sai de situações complicadas. Então, são muitas pessoas mesmo. Acho que a lista tem mais gente aí. E essas pessoas... Isso na Vale, né? E essas pessoas eu aprendi muito com elas. Cada uma delas eu guardo aí pedaço do meu DNA. Foi influenciado.

P/ - Para encerrar, eu vou perguntar o que o senhor achou de ter dado o depoimento, de ter vindo falar de mais do que 30 anos? (risos)

R - Olha, eu gostei muito. Desde que o convite apareceu, eu comecei a pensar no que eu vou dizer, fiz um balanço, não sabia o que aqui ia ser perguntado, que tipo de coisa. Então, você percorre: “E se perguntar isso, o que eu diria?” Para mim foi uma viagem pessoal, assim, que me ajudou a atar uns nós que talvez nunca tivesse colocado nessa perspectiva, né? É... Se fizer uma outra talvez até sai um pouco diferente, mas eu acho que não deixei de dizer muitas das coisas. Acho que disse quase tudo que eu imaginaria, que eu colocaria como um resumo aí de um período. Se faltou coisa, faltou muito pouca coisa. É um negócio estranho. (risos) Mas muito bom. (risos)

P/ - A gente quer agradecer então. Muito obrigado.

P/ - Muito obrigada.

R - Eu que agradeço.

[Fim da entrevista]