Projeto Vale Memória
Entrevista com Anastácio Ubaldino Fernandes Filho
Entrevistado por Rosana Miziara e Cláudia Resende
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 2000.
Realização Museu da Pessoa
Depoimento número CVRD_HV076
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Fernando Martins
P/1 - Bom, Anas...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Entrevista com Anastácio Ubaldino Fernandes Filho
Entrevistado por Rosana Miziara e Cláudia Resende
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 2000.
Realização Museu da Pessoa
Depoimento número CVRD_HV076
Transcrito por Marcília Ursini
Revisado por Fernando Martins
P/1 - Bom, Anastácio, a gente vai começar perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Anastácio Ubaldino Fernandes Filho. Eu nasci em São Domingos do Prata, em Minas Gerais, em 20 de novembro de 1948.
P/1 - Seus pais são dessa mesma cidade?
R - Meu pai, ele nasceu em uma cidade vizinha e minha mãe também, mas se mudaram logo no início, depois do casamento. A maioria dos meus irmãos nasceram em São Domingos do Prata e os mais velhos nasceram na cidade de Dionísio, uma cidade próxima à São Domingos do Prata.
P/1 - E seus avós são brasileiros, nasceram lá também?
R - São. Meus avós por parte de pai eu não os conheci até porque meu pai também parece, ainda criança, perdeu os pais. Meus avós por parte de minha mãe são lá da cidade de Dionísio. Essa é a razão dele ter morado por lá no início. E eu conheci mais a minha avó que quando faleceu eu tinha, provavelmente, uns 8 a 9 anos. Mas são todos da região, de origem portuguesa, mas já de segunda ou terceira geração.
P/1 - E você sabe um pouco o que seu pai exercia, a atividade dele, da sua mãe?
R - É, meu pai, como eu disse, ele perdeu os pais muito novo. Foi criado por um tio e teve a felicidade de estudar no Caraça, um tradicional colégio interno em Minas Gerais, município de Barão de Cocais. Aliás, município de Santa Bárbara. Então, no Caraça ele estudou alguns anos, depois até por motivo de saúde teve que deixar o colégio e foi trabalhar tentando aproveitar o que ele tinha aprendido no Caraça. Então, desde funcionário público nas prefeituras da região e depois como professor foi a maior parte da carreira dele, aproveitando os ensinamentos que ele tinha adquirido no Caraça na área de música, e Latim e Português. Então, meu pai ele depois fez conservatório de música, ele era compositor, tocava todos os instrumentos e foi maestro de banda, bandas municipais na região. E compôs hinos de várias cidades ali do interior de Minas, foi professor de música ensinando a garotada a tocar instrumentos. Temos hoje inclusive alguns músicos que devem a ele esse ensinamento da carreira de compositor e músico. E ele deu aula durante muitos anos em um colégio que, na época, eu quando fiz o ginásio ainda se estudava Latim e estudava canto orfeônico. Então, eu mesmo fui aluno do meu pai no colégio, na rede estadual. Ele sempre se dedicou a isso. Se aposentou como professor e a minha mãe sempre foi do lar mesmo. Lá em casa, afinal de contas, somos 11 irmãos, 12 ao todo. Então, para dar conta dessa turma minha mãe não podia fazer outra coisa.
P/1 - Você sabe um pouco como eles se conheceram, seu pai e sua mãe?
R - É bastante interessante até porque meu pai, como eu disse, voltou do colégio, e criado pelo tio tinha que trabalhar, e tal, e essa parte da música e do professor só começou depois de um certo tempo, depois que ele voltou do colégio. Então, na época que ele conheceu a minha mãe ele trabalhava na fazenda do meu avô, pai da minha mãe, como operador de uma indústria de café. Meu avô era fazendeiro, tinha uma fazenda e produzia café. Então, ele operava essa indústria que a gente chama de pilar café. Pilar café é pegar o café em coco e fazer o café em grão. Então, meu pai era operador dessa indústria da fazenda do meu avô. A minha mãe era a filha mais velha da família, família dela. Então, os dois começaram a se relacionar por aí. Inclusive a minha mãe conta que...
P/1 - Nos cafezais.
R - Não. Minha mãe conta que quando ela... A fazenda fornecia alimentação para os operários. Então, na marmita do meu pai ela mandava sempre uma costelinha de porco, um lombozinho escondido no arroz e tal, mas ela conta isso com muita ironia hoje porque meu avô, segundo ela conta, era muito enérgico e no início não imaginava de ver a filha mais velha casada com um operário da fazenda. Mas isso acabou dando certo e meu pai quando pediu a minha mãe em casamento ele conta que, contava, a minha mãe hoje confirma, ele pediu a um amigo para fazer isso por ele. O amigo foi, era uma pessoa respeitada na cidade, foi, pediu ao meu avô que permitisse o relacionamento, namoro etc. Então, se casaram e fizeram bodas de ouro. Meu pai já é falecido, mas em 1980 ele comemorou 50 anos de casado, e ele sempre foi um fã incondicional de família. Meu pai e minha mãe também sempre foram exemplos de pais de família. Então, nossa família é uma família muito unida e ele sempre... Eles, né? Meu pai e minha mãe sempre fizeram tudo para a união da família e minha mãe hoje, com 89 anos, ela continua sendo a grande líder. Nós nos encontramos, nos reunimos, ela continua fazendo as suas pregações, vamos dizer assim, para manter desde os bisnetos até o filho mais velho ainda em torno dela. Ou seja, uma família muito unida, uma família grande e todo mundo tem um amor muito grande pelo outro, tal.
P/2 - Vocês tiveram alguma educação religiosa?
R - Bastante forte. Meu pai, até pelo fato de ter estudado no Caraça, ele gostaria muito, acho, que um de nós fosse padre ou uma das minhas irmãs fosse freira. Ele conseguiu com as minhas irmãs. A minha irmã mais velha é freira. E nós todos estudamos em colégio interno, com exceção do meu irmão mais novo que aí já tinha oportunidade de estudar fora de colégio interno. Mas todos nós estudamos em colégio interno. Eu estudei em seminário, meus outros três irmãos também estudaram.
P/1 - Era no mesmo seminário que vocês iam?
R - Não. Teve um irmão que estudou no Caraça, outro que estudou em Mariana, eu e mais outro irmão estudamos e Itaúna. O meu irmão mais velho e meu irmão mais novo esses ficaram fora. Acho que por circunstâncias. O meu irmão mais velho ele, com certeza, não estudou fora porque não tinha condição de estudar. Meu pai teve que contar com a ajuda dele no trabalho para ajudar a criar a família etc. E o meu irmão mais novo ele não precisava estudar em colégio interno e já tinha colégio na cidade, tal, então não foi necessário sair para estudar em colégio interno. E as minhas irmãs, são seis homens e seis mulheres lá em casa, então as minhas irmãs também, apenas com exceção de uma das cinco irmãs que eu tenho, das seis, é que não estudou em colégio de freira. Todas outras estudaram também em colégio interno. Então, a educação religiosa, a sua pergunta, ela foi uma constante lá em casa e com certeza isso ajudou muito meu pai, minha mãe, a ter a família sob controle, vamos dizer assim. Porque hoje a gente como pai de família sabe o quanto é difícil, na cidade grande, igual ao meu caso, passar para os filhos determinados princípios, valores, ética etc. E acho que naquela época o grande instrumento era a religião mesmo. Meu pai conseguiu fazer disso um ponto de apoio muito forte. A gente... Hoje eu conto para os meus
filhos eles não conseguem acreditar como era possível isso. Uma família de 12, meu pai conseguia fazer todo mundo estar em casa às 21:00 para rezar o terço.
P/2 - Diariamente?
R - Diariamente. E não tinha como escapar não. Ele era linha dura. Então, o meu irmão mais velho já namorava, já era noivo, e tal, mas 21:00 tinha que estar em casa para rezar o terço.
P/1 - Rezar o terço.
R - Então, a formação religiosa, inclusive tem a minha irmã mais velha que ainda é freira, não é por causa disso, mas sempre foi uma constante na família.
P/1 - E você se lembra dessa sua casa de infância? Como é que era a casa, a cidade?
R - Eu sempre morei em São Domingos do Prata, nasci lá, uma cidade pequena, ainda é pequena, onde todo mundo se conhece, todo mundo se relaciona, basicamente é uma grande família . A minha casa era uma casa com uma forte liderança dos meus pais, em termos da educação dos filhos e onde todos nós tínhamos que, desde o início, trabalhar. Ou seja, meu pai era professor. Para dar conta de todo mundo estudando... O sonho dele era ter todos os filhos com o máximo de educação possível em termos de formação acadêmica etc. E ele, quando faleceu, ele viu no meu irmão mais novo, caçula, já formado como médico. Ou seja, foi um vencedor. Ele quis isso e conseguiu fazer. Então, a forma que ele levou tudo isso foi mostrando que era necessário fazer estudos, desenvolver a capacidade de cada um e com trabalho. Ele sempre falava: “O trabalho dignifica o homem. O trabalho, seja qual for, ele tem que ser para crescimento, dignificação da pessoa, seja ele o mais simples que for, mas tem... A pessoa tem que aprender trabalhar desde cedo”. Então, eu me lembro, por exemplo, quando criança, eu tinha obrigações desde cedo como, por exemplo, capinar a horta da casa. Eu, meus irmãos, minhas irmãs, cada um tinha uma tarefa; engraxar o sapato dos meus irmãos mais velhos. E isso eu fiz durante muito... Meu irmão que era motorista, meu irmão mais velho era motorista, então quando ele chegava do trabalho tinha que ajudar lavar o carro dele. Então, coisas como, tarefas simples, mas não tinha como você falar assim: “Eu não vou fazer nada” ou “Só vou estudar”. Você tinha que estudar, mas tinha que ajudar em casa, a fazer o que fosse determinado, vamos dizer assim. Eu me lembro que em uma passagem, quando já adolescente, eu e meu irmão logo acima de mim, nós dois trabalhávamos em uma loja que meu pai e meus irmão adquiriram, e onde nós todos trabalhávamos. Meus irmãos e eu, eu tinha na época 15 anos, 16 anos, e eu e meu irmão, então, um determinado dia resolvemos dar uma prensa no papai, falar com ele: “Pô, nós já estamos com 16, 17 anos, trabalhamos na loja, fazemos escola de manhã...”, que era o ginásio e trabalhava na loja o resto do dia, “e nós não temos salário. Então, nós gostaríamos de conversar sobre isso”. Meu pai virou, falou: “Poxa, perfeito, acho que vocês têm direito de conversar sobre isso. E vai ser da seguinte forma...” Achei até “poxa, meu pai está muito bonzinho”. “Vai ser da seguinte forma, o Geraldo - que era meu irmão um pouco mais velho do que eu - ele vai poder tirar todo dia no caixa da loja, toda semana, aliás, o suficiente para passar no açougue e comprar a carne que a gente consome lá em casa. Esse vai ser o seu salário. E o Anastácio, que é o mais novo, ele vai poder tirar o dinheiro todo dia para poder passar na padaria, e comprar o pão e levar para casa. Está perfeito assim, está bom?” Aí, nós ficamos assim e queria entender, “poxa, mas e o nosso?”. Aí, ele falou: “Olha, na idade de vocês, vocês já terem condições de oferecer para a nossa casa a carne e o pão, isso é maravilhoso, é sinal que vocês já têm uma contribuição fantástica para dar. Então, esse é o salário de vocês.” Então, meu pai sempre foi um educador muito perspicaz porque isso que eu estou contando para vocês eu conto para os meus filhos e na hora que eu acertar a mesada com eles, que hoje eu não consigo fazer isso com eles, mas foi uma coisa assim fantástica que ele me passou na época pela idade que eu tinha e pelo que isso representou para mim que, na verdade, no fundo, eu acabei ficando orgulhoso daquilo. Passava, tirava o dinheiro contadinho do caixa...
P/2 - E tirava mesmo?
R - Tirava, passava na padaria, e comprava pão e levava para casa. E chegava em casa e dava uma esnobada nos meus irmãos ainda, né? “Tá vendo, esse pão que você está comendo aí é com meu trabalho, tal”. Mas, dinheiro mesmo, que era o que a gente na verdade tinha planejado tirar, a gente, na época... Era uma época dura. Na hora que eu falo assim em uma loja, imagina uma lojinha no interior de Minas Gerais, em São Domingos do Prata, que vendia coisas de armarinhos, confecção, sapatos, chapéu, ou seja, tudo o que você imaginar de uma lojinha de interior. E meu pai quando estabeleceu essa idéia ele pegou uma pequena poupança que ele tinha, tirou meus irmãos todos dos empregos onde eles trabalhavam para que criasse força para a família crescer junto. E foi uma coisa que deu certo. Ou seja, através dessa lojinha os meus irmãos mais velhos conseguiram ajudar o meu pai a criar os irmãos mais novos. Ou seja, os meus quatro irmãos acima de mim e a turma abaixo de mim, que eu sou o nono filho, nós todos conseguimos fazer curso superior através do sistema que ele montou, que ele pensou o seguinte: “Eu como professor, dando aula aqui no interior, querendo formar os meus filhos, não vou conseguir fazer isso porque isso demanda um recurso que eu não tenho”. Então, meu irmão, um deles trabalhava na Belgo Mineira, o outro trabalhava no banco e o meu irmão mais velho era motorista de táxi. Então, ele tirou todos eles do emprego, todo mundo juntou a sua economia e compraram essa loja. E dessa loja a coisa foi crescendo até um determinado ponto que ele saiu da sociedade e passou tudo que eles tinham em nome dos meus três irmãos mais velhos na condição deles ajudarem na educação dos mais novos. E foi assim que nós conseguimos nos formar, estudar, e saímos do interior, viemos para Belo Horizonte...
P/1 - Essa loja existe ainda?
R - Não, essa loja não existe mais. Mas a empresa que começou com a loja hoje são várias empresas nas devidas proporções, mas cresceu bastante. Essa empresa, no início, ela continuou junto, da loja partiu para um posto de gasolina...
P/1 - Foi crescendo.
R - Foi agregando coisas. Passou a ter loja e posto de gasolina. Depois passou a ter loja, posto de gasolina e torrefação de café. Depois, uma empresa de transporte. Depois, uma empresa de ônibus. Foi agregando tudo isso. Depois, uma empresa de industrialização do milho. Hoje uma empresa de industrialização de café. Então, depois de um determinado ponto o porte permitiu que cada um dos meus irmãos saísse com um negócio, os três. Os três mais velhos. Então, chegamos em um momento até que nós tivemos a oportunidade de ir trabalhar com eles, mas a gente já não queria porque já era já a segunda geração, os filhos deles já estavam participando do negócio, tal. Então, hoje, os meus irmão mais velhos continuam cada um com sua atividade industrial e comercial, um ficou com o posto de gasolina e empresa de ônibus, o outro ficou com a indústria de milho, o outro ficou com a indústria de café, o outro ficou com a fazenda, tal, não sei o que, mas, certo é que através dessa origem simples, uma lojinha de esquina, a coisa funcionou, meu pai teve o plano dele realizado porque todos...
P/1 - Como é que era assim na hora de comer, de tomar banho, esse monte de gente em casa, de filho?
R - Era uma coisa...
P/2 - A casa era grande, a casa em si?
R - Eu morei inicialmente, meu pai morava em uma casa alugada e o sonho dele era ter uma casa própria. Então, eu era criança, devia ter 7 anos, por aí, quando o meu pai comprou o lote e contratou a construção dessa casa que é a casa que a minha mãe mora até hoje. E foi a primeira casa da rua e eu lembro perfeitamente que ao lado era um lote vago enorme onde se instalava normalmente as touradas e os circos que iam lá para a minha cidade. E era ótimo. Quando nós estávamos construindo a casa a gente subia para a laje e assistia tourada de graça, aquelas coisa toda. Mas era uma casa muito confortável para nós na época apesar de sermos muitos lá em casa porque tinha que ter beliche, não tinha outra forma. Era uma casa nova com um banheiro, uma cozinha com fogão de lenha. Eu me lembro perfeitamente quando eu voltei de férias uma época que eu estudava em Itaúna, quando meu pai tinha comprado fogão a gás. Não tinha fogão a gás naquela época. Então, quando ele comprou fogão a gás foi um fato novo em casa. Era uma casa que quando estava todo mundo reunido, as refeições, papai sempre gostava que a gente tomasse as refeições em família, todo mundo junto, existia sempre aquele lance do almoço mais festivo, do almoço de fim de semana, de domingo, que a gente chamava de jantarada. Então, era quando se fazia...
P/1 - Jantarada?
R - Jantarada. Quando tinha principalmente um franguinho à mineira, gostoso, e tal, e tinha que servir os mais velhos primeiro. Então, era terrível. Eu era o nono, né? Então, eu tinha sempre que me satisfazer lá com o pescoço, um pé, qualquer coisa desse tipo, né? Porque com 12 não sobrava de jeito nenhum um peito, um contra coxa, coisa desse tipo era para os mais velhos. Então, era um estilo assim de educação e de vida que era muito... Tinha que ter disciplina porque senão virava uma bagunça. Ou seja, a gente levantava cedo, minha mãe sempre fazia um mingau, mingau de fubá com queijozinho ralado e tal, uma canela...
P/2 - Canela, claro...
R - Na época de frio e na minha época de garoto, se ia para o grupo ou ia para o ginásio, quando ia para o ginásio já ia com o meu pai. Lembro perfeitamente que na época de ginásio era eu e a minha irmã que estudávamos mais ou menos próximos. Eu estava em uma série, ela estava na outra, tal, e a gente ia junto com o meu pai de manhã para o colégio. E ele passava por um caminho que fazia questão de atravessar a igreja por dentro. Aí, poxa, não tinha como passar direto assim pela igreja. Ele parava, ajoelhava, a gente tinha que ajoelhar junto com ele, rezava ali um pouquinho e ia para o colégio. Isso era uma rotina diária, né? E a nossa casa era uma casa que tinha determinadas épocas, tinha horta, ou seja, a gente não comprava verdura, tinha uma horta grande que a gente mesmo plantava, a gente mesmo cuidava. Em determinada época, papai, no fundo de casa, criava porco para a gente ter... Isso em Minas foi durante muito tempo muito comum. Hoje não tem mais, mas na minha época de criança era comum ter isso e até uma determinada época até vaca ele tinha. Ou seja...
P/2 - Tirava o leite.
R - Tirava o leite. Era uma vaca só, mas antes de sair para o colégio eu ia no pasto que era próximo lá de casa, pegava a vaca, trazia a vaca, tirava o leite e nós ia para o colégio. Então, a aula começa às 7:00, essa rotina toda começa por volta de 5:00, 5 e pouco da manhã. Antes disso eu tinha que aguar a horta, tinha que tratar do porco, tratar da vaca, voltar com a vaca etc e tal, mas tudo funcionava e a gente se divertia muito com isso. Hoje eu tenho saudades dessa época que foi uma infância muito vivida. Minha avó, na época, morava na fazenda, a gente quando tinha oportunidade de ir passar férias lá era fantástico, encontrava com os primos. Ou seja, foi uma vida assim de muita, de muito envolvimento, muita participação. E família numerosa é isso, né? A gente quando tem uma diretriz boa, todo mundo se dá bem, todo mundo se relaciona bem é uma coisa maravilhosa. Eu... Meus três filhos, com a minha mulher, hoje, a gente tenta aproveitar um pouco o que a gente aprendeu nessa época porque a gente com certeza busca um equilíbrio muito grande através da família. Então, apesar de causar um certo espanto assim, “pô, 12 filhos em uma casa, todo mundo ali, como é que é isso?”, mas sempre foi muito divertido. Sempre foi muito divertido.
P/1 - E no seminário, que lembranças você tem desse período? Como que era lá?
R - O seminário foi uma época da minha libertação de certa forma, sabe? Porque meu pai sempre foi muito rigoroso, disciplinador, vamos dizer assim, e apesar de seminário ser uma coisa também muito forte nesse aspecto foi a época que eu estudei menos, foi a época que eu levei a vida assim mais, vamos dizer, na flauta, vamos dizer porque eu não consegui me adaptar muito bem lá. Era um regime muito fechado, eram padres holandeses, uma disciplina também muito rigorosa. Então, a vida de seminário foi uma vida que eu fiquei dois anos só, os meus irmão que estudaram sempre, todos eles, ficaram mais tempo, tanto o que estudou no Caraça quanto o que estudou em Mariana, o outro que estudou em Itaúna também, ficaram mais tempo. Então, eu fui o que menos me adaptei em termos de tempo, pelo menos, à vida de seminário. Eu ajudava naquilo que tinha que fazer porque seminário também tem a disciplina grande, você tem que varrer dormitório, lavar banheiro, você tem que ajudar na celebração da missa, tem que limpar a capela, varrer o pátio, mas também tinha muito divertimento. Ou seja, foi a época que eu me diverti muito também. Eu gostava de futebol, a gente passava as férias em uma fazenda próximo lá, em Esmeraldas, interior de Minas, e eu tenho boa lembrança também do seminário apesar de ter sido um período curto. O duro foi quando eu tive que voltar porque o padre passou um telegrama, na época, avisando assim: “seu filho retorna dia tal”. E meu pai não sabia qual dos dois, eu ou meu irmão. E eu lembro que naquela época eu saí de Itaúna às 5:00 e cheguei em São Domingos acho que 20:00. O que a gente faz hoje em três horas de viagem, naquela época eu gastei o dia inteiro. E lá estava o meu pai e os meus irmãos mais velhos aguardando o ônibus para saber quem é que estava voltando. E eu fiquei um pouco preocupado porque meu pai queria saber por que eu estava voltando, né? E foi aquela conversa, “o padre falou que eu não tenho vocação para ser religioso, para ser padre etc”. Mas, eu me adaptei voltando, trabalhando e estudando lá em São Domingos mesmo.
P/1 - E a adolescência assim, festinhas, amigos?
R - A adolescência, eu, apesar de sempre ter trabalhado ou na loja ou no posto de gasolina ou na torrefação de café eu, lógico, pelo menos tinha meus momentos de folga, era bem a noite, gostava muito de uma hora dançante. No interior, época de férias tinha hora dançante de segunda a segunda, né? Foi um período muito gostoso, namorei muito, foi onde conheci também a minha esposa. Ela é de lá. Foi em uma hora dançante dessas. Já a conhecia porque todas as famílias lá do interior, né? Já a conhecia, mas começamos a namorar em 1969. Nessa época, eu já estudava em Belo Horizonte. E a adolescência foi dentro do normal da época, não teve nada de extraordinário, mas também não foi nada que tenha sido difícil não. Foi uma época agradável, muito boa também.
P/2 - Esse período que o senhor trabalhou, voltando do seminário, continuou estudando e trabalhando em São Domingos do Prata com a família?
R - Sim.
P/2 - O senhor chegou a receber o salário? (risos)
R - Não, o salário era aquilo que eu disse.
P/2 - Continuou aquele esquema?
R - Sempre, só aquele. É lógico que acabava, de vez em quando tinha que pedir para o meu pai alguma coisa extra, mas salário, salário, não. Sempre foi assim dessa forma. Inclusive, quando fui para Belo Horizonte estudar lá eu ainda ajudava a firma no que diz respeito a compra de material, a compra de matéria-prima. Ou seja, enquanto estudava em Belo Horizonte eu ajudava meus irmãos naquilo que fosse possível, na época de férias ia para São Domingos e ajudava trabalhando lá. Ou na parte do posto de gasolina, indústria, tal. E mesmo quando era professor em Belo Horizonte, na minha época de faculdade, ajudava também nas compras, naquilo que fosse necessário para dar um suporte para a empresa deles lá em Belo Horizonte.
P/1 - Como que se deu essa escolha profissional, o curso, a faculdade, tinha uma expectativa?
R - Olha, até acho que eu pulei uma passagem aí que foi a seguinte: quando eu saí de São Domingos, depois do ginásio, eu fiz um teste para fazer o curso técnico de metalurgia em Acesita. Até acho que quando eu falei para você da cidade onde eu morei eu morei em Ipatinga, na casa da minha irmã, fazendo curso técnico de metalurgia na Escola Técnica de Metalurgia da Acesita. Essa escola era da empresa mesmo Acesita. E eu fiquei lá dois anos, apesar do curso ser três, eu fiquei dois e logo que terminei o segundo eu já tinha o propósito de fazer Engenharia. Talvez pela influência do meu irmão mais velho do que eu que já estava fazendo Engenharia na época e acabei abandonando o curso de metalurgia porque no terceiro ano eu optei fazer o Colégio Universitário em Belo Horizonte. Colégio Universitário era um colégio da Universidade Federal que permitia, então, a gente ter... Naquela época não tinha muito o cursinho pré-vestibular. Então, o colégio universitário era um colégio com uma dose bastante forte de ensinamento que permitia quase todos alunos do Colégio Universitário a passar no vestibular de imediato. Para entrar no Colégio Universitário eu fiz um concurso, fui aprovado e, então, deixei o curso técnico de metalurgia no segundo ano e o terceiro ano eu fiz o Científico. Correspondente ao Científico no Colégio Universitário. Isso em 1968, 1969 eu fiz vestibular e já tinha determinado, escolhido que ia fazer Engenharia Elétrica. E, na época, eu passei no vestibular da PUC, em Belo Horizonte. Então, fiz o curso de Engenharia Elétrica com muita tranqüilidade, assim, sem nenhum trauma se era isso, se não era. Fiz um curso muito bom. Na época, eu estudava bastante, fui sempre um dos primeiros alunos do curso, tenho até umas medalhas. Na época, a PUC premiava com uma medalha, com uma carta etc. Eu tenho isso ainda. E, depois disso, durante ainda o curso de Engenharia, eu fiz opção para trabalhar como estagiário da fundação João Pinheiro, depois no CETEC e em função desse trabalho eu acabei fazendo um curso de pós-graduação em Engenharia Econômica. Já formado em Engenharia, trabalhando no CETEC, eu fiz Engenharia Econômica. Ao terminar Engenharia Econômica, surgiu a oportunidade de ir trabalhar em Itabira, na Vale do Rio Doce.
P/1 - Como que surgiu essa oportunidade?
R - Essa oportunidade surgiu em uma época de expansão do projeto Cauê onde a Vale deu o primeiro grande passo de crescimento da produção em Itabira e estava contratando muita gente. E eu fiquei sabendo através de um conterrâneo meu que trabalhava lá. Era engenheiro de mineração lá, Antônio João Martins Torres, e em um encontro de fim de semana lá em São Domingos ele comentou comigo: “A Vale está crescendo, está admitindo muito engenheiro, você já formou, e tal, você quer conhecer a oportunidade, tal?” E eu sempre acompanhei Vale do Rio Doce desde criança porque inclusive um dos meus irmãos que se formou em Engenharia formou com bolsa de estudo da Vale do Rio Doce. Então...
P/1 - É mesmo, a Vale deu Bolsa para ele?
R - A Vale, na época, ela dava bolsa para os estudantes de curso superior. E essa bolsa se o aluno formasse com determinado nível de aproveitamento e fosse trabalhar na região do Vale do Rio Doce ele não precisava nem de pagar a Vale. Então, quando o meu irmão passou no vestibular meu pai foi com ele na Vale, conseguiu essa bolsa. Então, meu irmão se formou engenheiro com o dinheiro da Vale.
P/2 - Ele não precisaria ir trabalhar na empresa?
R - Não.
P/2 - É na região?
R - Ele nunca trabalhou na Vale. Ele se formou e trabalhou no Vale do Rio Doce, na região de Minas Gerais do Vale do Rio Doce. Quem tivesse essa condição de trabalho depois de formado não precisava nem de...
P/2 - De reembolsar.
R - Reembolsar a Vale. Então, foi assim que eu comecei na Vale, já conhecia a companhia e fui trabalhar... Primeiro eu fui fazer o teste. Fiz o teste. Eu lembro que foi a minha primeira vez de conhecer o Rio de Janeiro.
P/1 - Foi aqui o teste?
R - Foi aqui o teste, na Universidade Santa Úrsula. Eu fiz o teste aqui e logo em seguida fui chamado só que eu tive um detalhe que é o seguinte: eu ainda estava fazendo o curso de Engenharia Econômica e quando eu passei eu tinha que apresentar imediatamente. É interessante isso, eu tive chance até de não ser aproveitado porque eu cheguei e falei “não, eu não posso vir agora. Eu estou terminando daqui três meses o curso de Engenharia Econômica. Então, eu não vou deixar esse curso de pós-graduação por terminar”. Porque na época eu achava que morar em Itabira e estudar em Belo Horizonte para vir todo dia era uma coisa que não daria certo. E o engenheiro que me entrevistou e que estava me selecionando para trabalhar como engenheiro eletricista, na área de manutenção, ele não tinha condição de aguardar três meses. Ele falou: “Ou você vem agora ou então você não serve para mim. Você decide”. Então, eu decidi não ir. Falei: “Não, eu vou terminar o meu curso”. E falei, “deixa para outra oportunidade se for o caso”. Quando eu estava terminando o curso de Engenharia Econômica eu tive notícia que estavam precisando ou de um economista ou de um engenheiro com curso de Engenharia Econômica. Eu voltei de novo. Aí, o meu concurso foi aproveitado e foi assim que eu comecei lá, trabalhando na área de Engenharia Econômica, na área de custos, orçamentos e comecei minha vida lá em 1974 assim.
P/2 - Aí, como é que era essa atuação?
R - Olha, eu comecei lá recém formado. Naturalmente, quando você sai de faculdade, eu já tinha uma experiência de dois anos lá na Fundação João Pinheiro, mas em uma área completamente diferente. E a Vale estava crescendo muito em Itabira, com o Projeto Cauê, eu já disse, e precisava de incrementar a implantação de apuração dos custos de produção. Eu lembro perfeitamente que meu chefe, na época, era o gerente lá da divisão, ele me disse o seguinte: “Olha, nós precisamos de ter a apuração de custo por produto. Nós temos hoje custos como relação de despesas. Nós precisamos ter dados de custo por produto”. Na época, era o (peletifídeo?), o (bludastio?), que eram os produtos que se produziam lá na época. “A mina agora vai expandir, vão ter outros tipos de produtos oriundos do processo que estava sendo implementado e nós precisamos de criar um sistema com informática que dê melhor apuração dos custos. A área de informática fica em Vitória, você tenta pegar isso e fazer isso o mais rápido possível”. Poxa, eu recém formado não tinha a menor ideia...
P/2 - Sozinho?
R - É. Não, tinha lá os funcionários que já tinham alguma vivência na área e foi assim que eu comecei. Ou seja, chamando os funcionários para me explicar direito como é que era o processo, o que existia já pronto, o que ele queria de fato com a apuração mais detalhada dos produtos. Eu me lembro perfeitamente que eu saía de rural, na época, de Itabira para Vitória para fazer as primeiras rodagens dos sistemas do computador em Vitória. Veja bem, em Itabira, na época, você tinha só uma digitação de dados para Vitória. Então, quando a gente tinha que fazer o primeiro teste na rodagem do sistema tinha que sair de Itabira de rural, que era o carro da época, uma Rural Willis, a gente ia para Vitória e ficava lá às vezes dias, semanas, fazendo testes nos sistemas etc. E foi um sucesso, o sistema rodou direitinho. Na verdade, eu não fiz isso sozinho. Tínhamos lá os analistas, os programadores etc, mas sempre usei muito da estratégia de aproveitar o conhecimento das pessoas que já trabalhavam na área. Tinha lá o pessoal da apropriação, o pessoal analista de custo, tinha os contadores, o pessoal que fazia toda a parte contábil e a partir daí a gente foi criando todo o instrumento de melhor controle de apuração de custos. Depois, eu fui para a área de orçamentos, depois trabalhei na área de Engenharia Industrial, que é a área de métodos e processos, e depois fui para a área administrativa. Ou seja, área de recursos humanos, área de treinamento, a área de saúde, a área de segurança do trabalho. Eu fiquei também bastante tempo... Em Itabira eu fiquei 16 anos, sendo oito anos na área de Economia, oito anos na área de Administração. Foi quando, então, eu saí de Itabira e vim para o Rio, em 1990.
P/1 - Você ficou em Itabira até...
R - 1990. De 1974 até 1990.
P/1 - E como é que foi, assim, como é que foi sendo a sua ascensão dentro da empresa?
R - Eu sempre digo o seguinte: eu fiz uma carreira na companhia que me orgulha muito. Ou seja, eu comecei como recém formado e saí da Vale no cargo máximo da companhia. Eu era vice-presidente executivo e no final acabei ocupando a presidência em exercício por alguns meses até que eu me desligasse da companhia. Então, eu fiz a carreira completa. De um Engenheiro recém formado que chega no nível mais baixo da empresa com o nível de formação que eu tinha, Engenheiro Júnior, vamos dizer assim, e saí como principal executivo da empresa, que é o presidente da empresa. Então, eu tive, primeiro, excelentes chefes. Não fui por isso que eu cresci na companhia, mas eles me deram muita oportunidade e com muito trabalho. Ou seja, eu tenho convicção do quanto trabalhei para ter sido lembrado nas oportunidades que eu tive. Quer dizer, foi com muito trabalho. Sempre me dediquei muito, em todas as posições que eu exerci na companhia. Eu comecei, então, como Engenheiro, depois passei para chefe técnico, depois fui chefe de divisão, depois fui chefe de departamento, depois fui Gerente Geral, depois fui Superintendente, depois fui Diretor.
P/1 - Superintendente de...
R - Controle.
P/1 - Do (sistema som?)?
R - Não. Eu fui Superintendente de Controle da companhia como um todo já aqui no Rio de Janeiro. Em Itabira, o meu cargo mais alto foi de Gerente Geral de Apoio Operacional. Gerente Geral de Administração. E no Rio, eu vim como Superintendente, em 1990, como Controller, e fiquei dois anos como Controller e depois fui eleito Diretor-Vice-Presidente, em 1993, e saí da Vale em 1997.
P/2 - Essa Superintendência de Controle, o senhor poderia falar um pouco mais, explicar um pouco mais como é que é essa área?
R - A Superintendência de Controle ela, no passado, tinha as funções de controle e sistemas. A área de informática e a área de controle era um Superintendente só. Na época que eu assumi já não era a área de informática vinculada a área de controle. A área de controle ela tinha responsabilidade de fazer todo o fechamento das atividades da companhia em termos de custos, em termos de orçamento e em termos de contabilidade. Ou seja, o relatório anual da companhia, contabilização das receitas, contabilização dos custos, dos investimentos, a própria gestão orçamentária da companhia, os planos orçamentários para o próximo ano e para os próximos cinco anos era responsabilidade desta Superintendência. O controle das atividades, o que diz respeito a toda a parte de gastos, despesas, investimentos, os ativos imobilizados, as dívidas, ou seja, as participações acionárias. Ou seja, a área de controle inclusive existe na companhia ainda hoje como Superintendência de Controle e ela é uma área imprescindível. Nenhuma empresa pode abrir mão de uma área de controle porque é onde se fecham os resultados da empresa, o lucro, a rentabilidade dos ativos, a rentabilidade do patrimônio da empresa, distribuição de dividendos. Ou seja, é uma área que tem todas as informações da empresa desde a sua criação e isso, com certeza, foi para mim uma oportunidade fantástica porque tudo o que acontecia na companhia tinha que passar por essa área.
P/2 - Dá uma visão ampla do conjunto.
R - E que de certa forma eu já vinha trazendo isso como formação profissional na minha experiência de Itabira porque em Itabira eu tive também formação de controle, atividade e controle, na área de custos, na área de orçamentos, na área de contabilidade, na área de recursos humanos, na área de administração como um todo. Então, quando eu passei pela área de controle aqui não foi difícil apesar do desafio que representou na época porque a Superintendência de Controle era da companhia inteira, tanto no Brasil como no exterior você tinha uma visão global com foco bem aberto de tudo que tinha a ver com a Vale. Quando eu fui eleito Diretor-Vice-Presidente, responsável por todas as áreas corporativas da companhia, incluindo a área de controle, área de recursos humanos, área de comunicação empresarial, área jurídica, área financeira. Então, a minha diretoria era Diretor-Vice-Presidente Corporativo e também responsável pela área financeira. Então, foi o coroamento de tudo que eu tinha feito.
P/2 - Da sua trajetória mesmo.
R - De toda a minha trajetória porque eu sempre atuei nas áreas correspondentes às funções corporativas e isso na Vale sempre foi um sistema de formação de carreira dentro da companhia dando oportunidade das pessoas que tinham potencial de crescer, crescer dentro da companhia. Ou seja, a companhia sempre foi uma empresa muito dinâmica, nos 23 anos que eu trabalhei nela cresceu de uma forma fantástica e eu cresci junto, vamos dizer assim. Ou seja, eu tinha vontade de trabalhar, tinha disposição e acho que a companhia soube aproveitar o potencial que eu tinha me dando oportunidade de galgar outras posições. Isso foi muito gratificante para mim, foi uma realização fantástica. Muito bom.
P/1 - Na sua época de Superintendente, quais foram os grandes desafios que você enfrentou?
R - Aqui no Rio, como Superintendente de Controle, eu cheguei em 1990. Foi exatamente no início do Governo Collor. A Vale como estatal ela, naturalmente, sofreu todas as influências daquele impacto inicial que foi o início do Governo Collor. O Presidente, na época, era o Wilson Brumer, que eu já o conhecia de Minas Gerais, nós trabalhamos, vamos dizer, juntos, ele em Belo Horizonte, eu em Itabira. Eu já tinha tido vários convites para vir trabalhar no Rio antes dessa época. E como eu tinha os meus três filhos pequenos, a minha esposa achando que morar no Rio era uma coisa assim muito agressiva, que eu não tinha coragem de vim, eu sempre consegui agradecer esses convites sem me afetar novas oportunidades, vamos dizer assim. Eu já tinha sido convidado, no mínimo, uma meia dúzia de vezes. Na época, a Vale conseguia talvez me oferecer uma oportunidade, e eu achar que não era uma boa, e ter outro candidato e resolver os problemas dela sem criar nenhum trauma. Era um estilo que pelo menos no meu caso funcionou muito bem. Mas, quando eu recebi esse convite, em 1990, foi uma época de grandes mudanças na companhia, até pelo impacto do Governo Collor sobre o comportamento das estatais, sobre o enxugamento, sobre austeridade, essas coisas todas. E quando eu recebi o convite do então vice-presidente Wander (Gevoau?), que trabalhava então com Wilson Brumer, ele me ligou, eu estava até no Chile a trabalho, quando voltei o Superintendente em Itabira me disse: “Olha, o Wander ligou já umas três vezes e ele quer te levar para o Rio, mas eu já falei para ele que você não quer ir. Já negou várias vezes não vai ser agora que você vai aceitar.” (risos)
P/2 - Já resolveu ali.
R - Aí, eu falei: “Então, está bom, né?” “Ele vai te ligar de novo”. Na hora que ele acabou de falar o telefone tocou, era o Wander, que eu também conhecia, e o Wander falou: “Anastácio, precisamos de você aqui para Superintendente de Controle, tal, e que dia você vem?” “Ah, rapaz, precisamos conversar. Como é que é isso, tal?” E ele falou: “Não, eu estou acumulando a área financeira, e a área de controle e eu preciso de você rápido”. Aí, eu pedi que eu viesse aqui para conversar pessoalmente. Aí, eu estive aqui no Rio conversando com ele e ele foi mais implacável. Ele não me deu muita chance não. Ele falou para mim: “Anastácio, você... O que você pôde fazer pela companhia em Itabira você já fez. A companhia agora precisa de você aqui. Então, não é muito uma opção não. Acho que chegou na hora de você vir, você já teve mil chances de vim, você não quis, mas agora é a sua vez, é a sua hora. Você tem que vim”. Ele não falou com agressão. Ele falou de uma forma...
P/1 – Decisiva.
R – Decisiva e eu percebi que “poxa, eu tô achando que é a minha vez mesmo”. Aí, cheguei em Itabira, a minha esposa, com certeza, imaginava que seria mais uma rodada de tentativas frustradas, vamos dizer assim. Mas, quando eu cheguei para ela e falei em um tom diferente, ela também percebeu e deu a resposta no ato. Falou: "Olha, quer saber de uma coisa, para a educação dos nossos filhos e tal nós temos que ir para uma cidade grande ou agora ou amanhã. Vamos nessa. Pode contar comigo que eu estou disposta”. E foi assim. Eu lembro até que eu conversei com alguns amigos mais íntimos sobre a decisão e viemos com a cara e a coragem, vamos dizer assim. Sair de Itabira para o Rio de Janeiro com três filhos...
P/2 – Com que idade, mais ou menos?
R – O meu mais velho tinha 12 anos. O meu mais novo tinha seis. Mas, como a fé que eu sempre tive em um ser supremo me ajudou muito nessa época. Porque eu, sinceramente, não consigo... Você vai ter que cortar aí um pouco.
P/1 – Não, pode falar.
R – Eu consegui uma força que em condições normais eu não consigo explicar, que foi muito duro o início aqui. Eu trabalhava muito, eu tinha um desafio muito grande pela frente na área de assumir a Superintendência, foi uma época muito tumultuada na companhia. Para vocês terem uma ideia, a Vale, naquela época, tinha 24 superintendências e reduziu para 12. E eu cheguei aqui, falei: “Poxa, eu não estou entendendo vocês me trazerem de Itabira para ser Superintendente aqui enfrentando um desafio de cidade, de trabalho muito grande em um momento que vocês estão reduzindo em 12, a metade do número de superintendentes. Não estou entendendo a lógica disso”. E a resposta que eu tive foi o seguinte: “Se você não cumprir a missão que nós vamos te dar você também volta, você vai embora”. É lógico, isso foi em uma conversa assim muito dura, franca, mas em um tom... Eu era íntimo, vamos dizer assim, do Wilson, do Wander, tal. “É um momento muito decisivo na empresa, é um desafio muito grande, mas nós acreditamos que você é capaz. Mas você vai ter que fazer. Não pense que o fato de nós estarmos reduzindo em 12 superintendentes...”, que foi exatamente a pergunta que eu fiz. “Não vai ser fácil, mas nós acreditamos que você é capaz por isso estamos te chamando para cá”. E no aspecto familiar foi uma época muito dura. Porque você imagina com três filhos, eu morava na casa da companhia lá em Itabira, na Vila Conceição, não sei se vocês conheceram, e, poxa, era uma vida muito agradável; eu almoçava em casa, brincava com meus filhos, aquele negócio todo, e aqui, no início, foi muito duro.
P/2 – Para onde vocês vieram morar?
R – Aconteceu um fato, no início, que foi para mim muito marcante. Eu vim para cá no mês de junho e quando eu cheguei aqui eu combinei com a minha esposa o seguinte: “Olha, os meninos estão na escola, até final do ano não muda nada. A gente vai se estabelecer lá no Rio, montar o lugar para morar etc, mas enquanto isso eu venho todo fim de semana para Itabira, tal, porque a gente faz a coisa de uma forma tranquila”. Só que no mês de julho, mês seguinte, era mês de férias, eu falei: “Não, vocês vem para cá para vocês conhecerem a cidade, começar se acostumar e tal”. E aluguei um apart hotel lá na Barra. E minha família veio para cá passar o mês de julho. E eu viajando, trabalhando o dia inteiro, eu chegava no apart hotel à noite, às vezes, 22:00, 23:00, poxa, via meus filhos cada dia pior. Eles não aceitavam morar aqui, perder os amigos, sair de uma casa onde tinha clube no fundo para um apart hotel de dois quartos, não conseguiam conviver com ninguém. Praia nem pensar; eles não estavam acostumados com praia, ter praia ou não ter praia para eles não fazia diferença.
P/2 – Não fazia diferença.
R – Então, cada dia eles foram ficando pior e era uma pressão violenta, que eu chegava a noite, cansado, precisando descansar para enfrentar o dia seguinte, para viajar, para isso, para aquilo, e tinha que ficar ali conversando com eles para mostrar que, poxa, vai melhorar, nós vamos ter um apartamento, nós vamos melhorar etc etc. Só que isso foi no mês de julho... Eu pulei um pedaço porque, na verdade, eles vieram para passar férias e a minha esposa decidiu, “quer saber de uma coisa, eu morar sozinha em Itabira, você aqui nessa loucura, eu vou ficar direto. A gente não volta mais”. Aí, foi o drama porque não foi só as férias de julho. Naquele apartamento alí nós ficamos até outubro, eu lembro perfeitamente disso.
P/2 – E aí arrumar escola para os filhos.
R – E arrumar escola, e arrumar apartamento, tudo aconteceu que você possa imaginar. Até o dia que eu fechei um negócio de um apartamento até a hora que eu fui mudar e teve a invasão de um apartamento pela ex-mulher do dono. Tudo aconteceu de errado e tal. E esse período, eu consegui ter um equilíbrio muito grande e para a minha esposa também não foi fácil, ela com os meninos. Chegava em casa os meninos só choravam e queriam voltar para Itabira de qualquer jeito. Falavam “vou morar com a minha tia, vou morar lá não sei com quem, mas não quero ficar aqui”. E meu filho mais velho tinha 12 anos, aquela fasezinha já de pré adolescência. Aí, Graças a Deus deu tudo certo, deu até muito certo. Foi uma época que eu trabalhei muito, foi uma época assim de muita mudança na companhia, um desafio enorme e os grandes lances, nessa época, foram a internacionalização da Vale no mercado de capitais lá fora.
P/2 – Pois é, o senhor participou diretamente disso, né?
R – Participei diretamente disso. Visitando lá a (SEC?), que é a (SEC?), que é a (CVM?) americana, visitando as bolsas de Nova Iorque, fazendo toda a estruturação da internacionalização da Vale no mercado de capitais. Para isso, nós tivemos que fazer todas as mudanças dos sistemas de controle, criamos sistemas que permitissem apuração de resultados por áreas de negócio. Foi na minha gestão como Superintendente de Controle. Isso tudo foi feito em um prazo muito curto...
P/2 – Isso tudo já visando a privatização?
R – Não, ainda não. Não. Visando mesmo a internacionalização da Vale no mercado de capitais.
P/1 – Como é que foi essa internacionalização? Você ia aos lugares, tinha uma conversa prévia, ia às bolsas de valores? Como é que foi esse processo?
R – Não, na verdade a coisa funciona, em um primeiro momento, com adaptação dos seus demonstrativos. Porque você estar com a sua empresa listada na Bolsa de Nova Iorque você tem que falar a linguagem deles. Então, você tem que sair da legislação brasileira, em termos dos demonstrativos, para a legislação americana, que é (USGAP?). Então, isso foi iniciado através de um contato com as bolsas lá em Nova Iorque, com a própria (SEC?) para que a gente começasse trabalhar aqui internamente fazendo todas as adaptações necessárias para você poder dar o primeiro passo que foi ______ da (ADR?) nível 3. Depois, fizemos... Hoje a Vale está com (ADR?) nível 2. Com certeza vai chegar no nível 3... Ah, nível 1 que é o nível de listar na Bolsa de Nova Iorque. Você sai de uma operação de balcão para uma operação de mercado aberto mesmo. Quer dizer, você tem limitações e regras no mercado americano que se possa comercializar suas ações lá. Então, todo esse trabalho iniciou na minha gestão como Superintendente de Controle e, de certa forma, teve o final ainda na minha gestão como Diretor-Vice-Presidente responsável pelas áreas corporativas de controle, finanças etc. Ou seja, foi um trabalho que, não tenho dúvida, colocou a Vale de uma forma muito mais exposta perante o mercado internacional no que diz respeito a ter a suas ações cotadas e negociadas nas bolsas internacionais. Isso foi um fato que se não acontecesse naquela época com certeza poderia ter reflexo até na própria privatização. Hoje eu imagino que o que o Governo ainda tem de ações da Vale a serem vendidas, essa transação passa pelo mercado internacional porque o Governo ainda tem 30% de ações da Vale e tem que ter uma base de investidores muito maior para poder operar a venda dessas ações.
P/1 – Você participou de alguma negociação com o Japão?
R – Eu fui membro do Conselho Consultivo da (Nibrasco?) e como Diretor-Vice-Presidente responsável pelas áreas financeira e de controle, a parte societária inclusive, eu tive várias vezes no Japão para tratar de assuntos de interesse da companhia tanto através dos sócios na (Cenibra?), sócios na Albrás, renegociação de dívida, sócios da (Nibrasco?). Em todas as operações onde nós tínhamos participação japonesa eu tive a oportunidade de participar tanto como SUCON, como Superintendente de Controle, como como o Diretor responsável pela área financeira onde a parte de participação acionária etc circulava por essa área. Então, eu tive no Japão algumas vezes tratando de interesses da companhia.
P/1 – Você participou, nessa época, antes da privatização ainda, de algum programa de demissão voluntária de funcionários, uma tentativa já de enxugamento da companhia?
R – Na nossa gestão, nós tivemos, se eu não me engano, três programas de demissão voluntária. Na gestão como Diretor, né? O primeiro plano, com certeza, foi quando eu vim para cá em 1990. Depois, na minha gestão como Diretor, nós implementamos mais, se eu não me engano, duas ou três vezes o plano de demissão voluntária dentro de um projeto de revisão do quadro da companhia de uma forma menos dolorosa. Ou seja, reciclar, principalmente proporcionando uma aposentadoria de pessoas que já tinham condições de se aposentar.
P/2 – Algum processo também de reaproveitamento de empregados no mercado, recolocação, né?
R – Sim.
P/2 – Realizaram isso também?
R – Fizemos. De estar... Como é que chama esse sistema? De recolocação mesmo, esqueci o termo.
P/2 – Tem um termo que ____.
P/1 – Como é que era a situação financeira da Albrás, nesse momento?
R – A Albrás sempre teve uma dívida muito forte e principalmente um problema dessa dívida exposta, uma dívida em yen. A Vale tentou por várias vezes fazer o (rele) dessa dívida, mas o japonês sempre achava que não haveria oscilação forte do yen que comprometesse a empresa. Então, o sócio japonês sempre foi um sócio que dificultou essa transação. E a gente conseguiu na nossa gestão ainda fazer uma estruturação dessa dívida da Albrás e hoje, pelo que eu tenho visto no jornal, é uma situação equalizada. Eu não acredito que hoje tenha mais essa ameaça de endividamento não. A mesma coisa, a Bahia Sul, na época, tinha uma situação bastante complicada. Pelo que eu tenho visto agora já está até dando lucro. Ou seja, a Vale cresceu de uma forma inteligente, apesar de estatal, usando a parceria com os sócios que agregavam capital, agregavam mercados ou agregavam tecnologia. E isso sempre foi uma forma muito inteligente da Vale ter conseguido crescer buscando parceiros em diversas partes do mundo. Foi assim que ela expandiu a área de pelotização, a área de celulose, a área de alumínio, buscando parcerias que garantisse o mercado ou o capital para investimento ou tecnologia.
P/2 – Como era se relacionar com os japoneses, uma outra cultura?
R – A gente aprende com todos, né? O japonês, ele tem uma característica peculiar, uma pessoa fria, um povo frio, mas quando confia, confia muito. Ele é lento nas decisões, mas por outro lado quando toma a decisão o assunto está encerrado. Na primeira vez que eu fui ao Japão, em 1986, eu achei interessante que a reunião que eu ia participar lá a ata eu já saí com ela daqui. Ou seja, foi tudo discutido previamente. Então, é o estilo japonês; ele discute, discute, discute, faz a ata e faz a formalidade da reunião. E a formalidade da reunião é o seguinte: a reunião está marcada às 8:00, não adianta chegar 7:45 e querer começar a reunião. Está todo mundo presente, mas não é 8:00 ainda. Então, a gente aprendeu muito. Eu, particularmente, tenho boas lições com os japoneses no que diz respeito, principalmente, a esse aspecto da confiança. Acho que a Vale soube aproveitar muito isso pelos
interlocutores que ela colocou para relacionar com esse povo diferente, vamos dizer assim, e a Vale, com certeza, cresceu muito em parcerias, as mais aliadas, em termos de negócios com os japoneses. Ele, além de ser um grande cliente, é um grande sócio, não na Vale diretamente, mas nos negócios da Vale, na área de péletes, na área de celulose, na área de alumínio. E é um grande mercado. Então, acho que é um povo e um mercado que a Vale não poderia abandonar.
P/1 – E a situação do ouro, como é que foi esse lançamento também no mercado internacional?
R – É , o ouro, quando a Vale começou essa atividade foi em Itabira na minha época lá como Gerente Administrativo. E o primeiro volume de produção de ouro, eu me lembro perfeitamente, que a gente não sabia operar com isso, eram pequenos volumes e a Vale estava acostumado a operar com grandes volumes só que de um metal muito mais nobre. Eu me lembro perfeitamente que o nosso geólogo, quando fez os testes lá e de uma forma até artesanal, ele fundiu lá uma pequena barrinha de ouro. Nós não sabíamos o que fazer com aquilo porque “pô, o que é que eu faço com esse ouro? Tem que mandar pra casa da moeda, eu posso vender, tem que mandar para onde, o que que eu faço com isso?” E nós fizemos aquilo quase de uma forma responsável, mas não institucional. Ou seja, nós queríamos insistir que a Vale entrasse na área de ouro porque tinha ouro contido no minério, tinha perspectiva de mina de ouro em Carajás etc, e tal. Eu lembro perfeitamente que quando nós decidimos, no primeiro estágio ainda, fazer esse teste, fundir primeiro para verter ouro etc, nós percebemos que tratava de uma coisa muito nobre e que não podia ser feito dentro dos caminhos normais. Eu lembro que o geólogo chegou lá com um envelope, e esse envelope vai e vem, e abriu aquilo, jogou assim na mesa assim, eu vi que era ouro, aquele troço amarelo ali, brilhando e falou poxa: “Quantas gramas tem aqui? Como é que é isso, e tal?” Não podia nem deixar perder um pedacinho, e tal, valia muito.
P/2 – Da onde era aquele ouro?
R – Lá de Itabira.
P/1 – Itabira.
R – É um ouro contido em um minério de ferro e que estava dando um teor muito alto e começou a nos preocupar; “Porque, poxa, nos temos que aproveitar isso, como?” E o nosso Diretor até, na época, ele achava que “não vamos mexer com isso não. Esse negócio de ouro é um negócio complicado, não é o nosso negócio. Nós transportamos minério em composições de 200 vagões. O que vamos fazer com esse ouro, não sei que”. Mas, foi assim que a Vale começou a estudar, começou a analisar e com muita competência. Eu me lembro que o primeiro embarque de ouro de Itabira para o mercado, ela tinha que vir para Belo Horizonte, de Belo Horizonte vir para o Rio etc, nós fizemos isso contratando um carro forte e para fazer uma coisa assim, com o máximo de segurança, nós codificamos um telex na época com uma linguagem totalmente codificada para dizer do valor, do volume etc e combinamos que o horário do
embarque seria no horário do almoço. A hora que ninguém visse e tivesse nem funcionário por perto.
P/2 – (risos) E escuta, o senhor lembra o volume que estava sendo...
R – Não lembro, sinceramente não lembro, mas foi um volume que justificasse toda essa transação.
P/2 Claro!
R – O carro forte chegou lá no escritório do areião, onde eu trabalhava, e nós fizemos isso a quatro mãos. Tinha um caixa forte que era da tesouraria e a gente guardou o ouro lá de um dia para o outro, tal, aquele negócio e o carro chegou na hora do almoço, encostou lá dentro, próximo à tesouraria e fomos assim fazendo vários embarques de ouro quase que escondido. De uma forma, assim, com medo daquilo vazar, a gente ser assaltado, mas tudo com seguro etc. E a nossa meta, quando eu saí da Vale, era um projeto de alcançar 30 toneladas de ouros por ano. Um milhão de onças (troi?), né? Dentro da perspectiva de exploração dos demais projetos que já estavam em operação em Carajás, na Bahia e Serra Pelada. Pelo que eu tenho visto, hoje esse volume, acho, não foi alcançado por várias estratégias da companhia, mas...
P/1 – Lá na Fazenda Brasileira, na Bahia?
R – É, Fazenda Brasileira e Igarapé Bahia.
P/1 - Igarapé Bahia.
R – Fazenda Brasileira, na Bahia e Igarapé Bahia, em Carajás.
P/1 – P/2 – Igarapé Bahia, em Carajás.
P/1 – É, no Norte.
R – Mas, a área de ouro, com certeza, foi uma área de grande sucesso em termos de rentabilidade, da mesma forma que o manganês. Que quando eu entrei para a companhia, a companhia era uma empresa de minério de ferro, em Itabira. Eu participei, depois, do crescimento do Projeto Cauê, depois do Projeto Conceição, depois do Projeto Timbopeba, participei de toda a estruturação do Projeto Carajás. Praticamente Carajás foi uma cópia do Sistema Sul, mina, ferrovia e porto. Eu tive chance de participar também da expansão da Vale em outros negócios, fora o minério de ferro, que foi na parte da (Valep?), a parte da... Que hoje nem pertence mais ao grupo da Vale, está fora. A parte da (Cenibra?), também participei. E na área de alumínio eu tive chance até de sair de Itabira para trabalhar na Mineração Rio do Norte, na bauxita, né? Eu acabei ficando lá algum tempo mais para implantar os sistemas administrativos que nos tínhamos em Itabira na época, na Mineração Rio do Norte. A Vale, nos 23 anos que eu vivi e trabalhei na Vale foram anos de muito crescimento, né? Muita transformação até da escala da operação da companhia. Ou seja, quando eu entrei para a companhia se falava em volume da ordem de cinco, 10 milhões de toneladas por ano e quando eu sai nós falávamos em volumes de 100 milhões de toneladas de minério por ano. Então, toda expansão Sistema Norte e a expansão do bloco Sistema Sul a gente estava na Vale nessa época e foram momentos históricos na história da companhia.
P/1- De que maneira você começou a participar das discussões sobre o processo de privatização?
R – É, eu já estava como Diretor, 1993... Aliás... É, 1993, foi a época do Presidente Itamar. E a gente percebendo toda tendência, a Vale, como uma empresa de mercado, tinha que ter competitividade para participar do mercado global do produto que ela fornecia, produzia. A gente percebeu que era uma questão de tempo. Apesar de saber que naquela época o Presidente da República era contra, a gente começou a estudar a privatização. Isso, logicamente, em comum acordo com a concordância do nosso Ministro, na época, que era o (Stephanenco?). Ele permitiu que a gente criasse um grupo quase que sigiloso, um grupo fechado, com poucas pessoas para que nós pudéssemos começar a estudar que modelos se aplicaria a Vale, o que precisava ser feito, como é que isso podia ser tratado etc. E a gente fez,
então, um grupo pequeno...
P/1- Quem participava desse grupo?
R – Era o Presidente, eu como Diretor Corporativo, o Guilherme Gazola, como Diretor da área de alumínio e dois superintendentes que foram agregados ao grupo depois, Superintendente de Controle e o Superintendente Financeiro. Basicamente é esse grupo aí . Então, quando terminou o Governo Itamar, aí veio o Governo do Fernando Henrique, a coisa então já ficou mais clara, né? Ou seja, já era uma política do próprio, ainda candidato, Fernando Henrique. Já tinha dito numa entrevista, se não me engano, à Exame na época que a Vale seria privatizada. Então, esse estudo prévio que a gente fez com certeza foi um trabalho que permitiu ganhar tempo, para que o Governo Fernando Henrique, que tinha então a definição de privatização, pudesse fazer privatização no tempo em que foi feito. Mas, aí a gente já tinha, vamos dizer, aí o grupo foi crescendo internamente, depois veio a participação do BNDES. Ah, no primeiro grupo, inclusive, a gente já tinha relacionamentos com o pessoal do banco.
P/1 – Isso que eu ia falar. Nesse primeiro grupo que vocês montaram, vocês tinham já alguma proposta, algum modelo de privatização? Que modelo era esse?
R – O modelo que a gente entendia, na época, como mais apropriado pra Vale era um modelo pulverizado. Nós tínhamos não sei se a pretensão ou a ideia de fazer da Vale a primeira grande Corporation do Brasil. Uma empresa onde o controle é exercido por participações pequenas e o resto do capital ser fortemente pulverizado. Se você pegar uma GE americana, o maior acionista que controla a companhia tem 3%, 5%. Ou seja, a empresa
é totalmente, tem milhões de acionistas. E nós achamos que, na época, a Vale por ser uma empresa que explorava o subsolo, que no fundo pertence a União e, portanto, tem um caráter social interessante, até como instrumento de facilidade para que houvesse aceitação pública da privatização da companhia, que a pulverização ou a criação da Corporation era uma forma interessante e do povo brasileiro participar sem que houvesse uma....
P/1- Concentração.
R - Uma concentração do capital na mão de poucos. E esse modelo a gente defendeu o tempo todo.
P/1- Vocês foram estudar, se basearam em algum outro modelo?
R – Sim, fomos. Nós fizemos várias visitas fora do Brasil, principalmente no Chile, na Argentina, tivemos uma preocupação de conhecer fortemente os princípios da privatização na Inglaterra, um trabalho iniciado pela Margareth Thatcher, na época. E a gente buscou muita coisa lá, também na França, vendo uma modelagem que pudesse ser mais compatível com a realidade da companhia. Mas, na verdade, a gente sabia que o modelo que iria prevalecer era o modelo que viesse a ser definido, vamos dizer assim , pelos consultores que foram contratados para isso, que no caso foi a (Marilyn Sue?). E a privatização aconteceu na nossa gestão, vamos dizer assim, onde a gente teve um envolvimento muito forte. Ou seja, tocar a companhia no seu dia-a-dia e ao mesmo tempo contribuir como contribuímos positivamente para que a privatização acontecesse no tempo certo, da forma certa, com o menor nível de erro ou de desacerto possível foi um trabalho muito duro, muito duro porque nós tínhamos que ter a missão do dia-a-dia, que era inerente a nossa função, e fazer a interface com a sociedade, com os acionistas, com o BNDS
que era responsável pelo processo, com os consultores e com os investidores. Olha, para vocês terem uma ideia, nessa época, especificamente em função da privatização, eu devo ter ido a Carajás e ao Sistema Sul uma média, saindo do Rio de Janeiro, numa média de... Fazia isso toda semana. Ou para o Sul ou para o Norte, ou para o Sul ou para o Norte. E não só eu como os meus colegas de diretoria também e outros Superintendentes, levando investidor, levando consultor, levando pessoas vinculadas ao processo, que tinham que conhecer a companhia, queriam conhecer , queriam visitar, e isso foi um período de quase dois anos. A privatização aconteceu em 1997, exatamente em maio, o Governo Fernando Henrique iniciou em 1994, nós já tínhamos iniciado um trabalho interno sobre privatização e continuamos. Ou seja,
foram praticamente de 1993 e 1997 quase que full time tratando disso. Eram conferências, palestras, reuniões, viagens, assim, do tipo: sexta-feira, 17:00, pegava um avião aqui, ia prá Carajás, de Carajás ia para São Luís e voltava domingo à noite. Segunda-feira de manhã, estava na reunião de Diretoria, terça-feira ia para o Sistema Sul fazer palestra com todos os empregados, por exemplo. Fazer Televale, fazer isso, fazer aquilo. Então, foi um período, assim, de muito trabalho, de muito argumento, de muita discussão.....
P/1 – Qual que era o principal embate, os argumentos utilizados e os anseios dos empregados, por exemplo?
R – Os empregados da Vale foram muito bem preparados para a privatização. Não houve nenhum tipo de embate, vamos dizer....
P/2 – Como foi essa preparação?
R – Houve, bom, discussões. Eu devo ter feito na época, por mais de uma vez, palestras com todos os empregados da companhia. Chegava, assim, em Tubarão, reunia no restaurante 17:00 e enquanto coubesse empregados entrava. E ficava ali debatendo, pergunta, resposta, explicando...
P/2 – Respondendo diretamente?
R – Diretamente.
P/1 – E quais as perguntas mais freqüentes?
R – As perguntas que normalmente aconteciam eram perguntas vinculadas ao futuro da companhia, o que poderia acontecer, existia um temor muito grande dela ser desmembrada, separar a companhia da sua integração operacional. Outro ponto era o modelo que iria ser aplicado. Se seria um modelo concentrado de capital na mão de poucos, se seria pulverizado, né? Isso estava em estudo, não tinha decisão nenhuma ainda. Então, a gente explicava tudo isso. A questão de estabilidade, salário, de
benefícios, normalmente isso passa pela cabeça dos empregados. E o propósito nosso não era nem falar, vender ilusão e nem vende terrorismo. Era manter a calma do pessoal; “olha, esse é um processo inevitável, vai acontecer mesmo, isso é bom pra companhia e companhia nenhuma no mundo existe sem empregados. Quem for bom empregado, quem for dedicado, for um bom profissional, porque que não vai continuar trabalhando. Não há por quê”. Ou seja, pode mudar tudo, mas a empresa precisa de gente para operar. “Ah, mas pode operar em num nível diferente.”. “Pode, mas a Vale enxugou tanto nos últimos anos, nós mesmos já vínhamos fazendo isso preocupados com rentabilidade, com lucratividade, com produtividade etc que os cortes que poderiam acontecer, as reduções que poderiam acontecer, não seriam de grande impacto”. E isso, de fato, aconteceu. Foi isso que aconteceu, né? Ou seja, a Vale da década de 90, ela iniciou com 25, 23 mil empregados, quando foi privatizada nós tínhamos, se eu não me engano, 12 mil, 13 mil, 15 mil alguma coisa assim, né? Então grandes reduções já tinham acontecido, então não era mais motivo de grandes preocupações nesse sentido. Na parte de benefícios, a gente explicava que a Vale criou muito benefício pelas limitações que o acionista Governo, às vezes, impunha à companhia por ser estatal, mas que numa política de mercado, empresa privada, com certeza alguns benefícios poderiam ser transformados ou eliminados já que a política salarial seria uma política compatível como mercado. E foi isso que aconteceu também. Então, se você pegar os Televales da vida que a gente fez na época e observar os níveis de resposta que a gente deu a essas perguntas, e a gente teve a preocupação de usar vários canais de comunicação com os empregados, do tipo pergunta e resposta do Televale. As perguntas eram perguntas que a gente recebia dos Superintendentes como sendo as principais preocupações da área, transformava aquilo em pergunta e respondia no Televale. E diretamente. A gente viajava pra fazer palestras com os empregados, chegava no teatro de Carajás, eu fiz isso por várias vezes, reunia todo quadro gerencial, todos os encarregados, os empregados etc por mais de uma vez, e explicava, e debatia e respondia a pergunta diretamente, a diretoria inteira. Ou seja, nós íamos, fizemos isso na Vale toda, a diretoria completa; Presidente, com nossos cinco Diretores. Fizemos isso na companhia toda. Eu tenho certeza que o trabalho de privatização da companhia foi um sucesso pelo clima que nós conseguimos criar de interação com a sociedade, com os empregados, com os acionistas...
P/1- E a relação com a imprensa, jornalistas?
R – Olha, eu tenho uma muito boa lembrança desse período em termos de relacionamento com a imprensa. Eu fui Diretor de Relações com o Mercado, então todas as informações que diz respeito a parte técnica, as coisas, as questões assim mais específicas da companhia, eu era o porta voz da companhia para o mercado. Eu frequentava a Bolsa de Valores mensalmente para falar sobre os resultados da companhia. E mensalmente eu fazia uma coletiva com a imprensa. Eu saía do escritório, ia pra Bolsa e fazia a divulgação dos resultados, chamava a imprensa, e apresentava os resultados, respondia perguntas. Mensalmente fazia isso. Fora as coletivas para assuntos extra negócios por causa da privatização. Esse material inclusive eu tenho grande parte dele, vai dar para fazer uma avaliação de que nossa relação com a imprensa..... A nossa relação com a imprensa foi uma relação muito boa. Hoje eu tenho grandes amigos,
jornalistas...
P/1 – Dessa época?
R – Dessa época. Ou seja, quando eu chego na editorial da Gazeta Mercantil... Outro dia eu fui lá e foi quase um pânico lá de tanta gente que levantou, veio cá conversar com a gente, tal. Então, fiz boas amizades. Eu acho que foi um período também muito interessante profissionalmente de ter a, vamos dizer, capacidade de responder pela Vale perante a mídia
sem causar nenhum transtorno, sem causar nenhuma...
P/1 – Era uma situação inédita.
R – É.
P/2 – Anastácio, e em relação a (Investvale?), foi uma coisa tranquila, como é que foi a preparação, a montagem?
R – É, a (Investvale?) foi um clube de investidores empregados do qual eu participo e do qual eu fui fundador também, né? Eu vejo o (Investvale?) como uma iniciativa muito positiva, que na época a gente conseguiu desenvolver no tempo certo...
P/2 – Um iniciativa desse grupo?
R – Desse grupo. A gente buscou conhecer todas as experiências de sucesso, e de insucesso e tentou evitar que o insucesso acontecesse. Então, a criação do estatuto, o momento de registrar o fundo perante o mercado, porque o fundo tem que ser registrado, constituição do conselho, da diretoria. Tudo isso foi muito discutido e discutido de uma forma democrática, de uma forma participativa. Eu me lembro perfeitamente de algumas reuniões que a gente fez, nós chamamos todos os Superintendentes para uma primeira reunião para falar sobre clube de investimento. Qual era a visão que a gente tinha e o que é que a gente precisava de fazer para alcançar um clube de investimento de sucesso, bem estruturado, com estatuto social adequado. E, pelo que eu
sei, o (Investvale?) é um clube sólido. Eu recebo ainda os informativos do (Investvale?) como sócio do clube, né?
E participa da... Porque o plano era esse, queria ter a longo prazo uma representação dos sócios do clube, que seriam os empregados e aposentados da companhia, no processo de privatização e pós privatização.
P/2 – Como acionistas?
R – Como acionistas. E pelo que eu sei, o clube está exercendo esse papel.
P/2 – Mas, a formação dele foi aprovação, foi uma coisa tranquila?
R – Foi, muito tranquila.
P/2 – Não houve nenhum contratempo?
R – Não.
P/2 – A adesão dos funcionários, dos empregados foi também?
R – Foi total, Foi muito tranquila,
sem nenhuma...
P/1 – Em relação ao modelo de privatização que acabou vingando, quer dizer, e a proposta inicial, como que o senhor vê esse resultado final?
R – Ah, eu acho o seguinte, a modelagem cabe ao dono, tá certo? Nós Diretores, na época, por mais que tivesse uma visão de que seria uma oportunidade de fazer da privatização da Vale a criação da primeira grande Corporation do Brasil, esse modelo não foi contemplado, não foi aceito pelo acionista. Ele achou melhor vender em bloco, vender no bloco de controle, e vendendo parte das ações que ele tinha. Ele tinha 51, vendeu 20. Ficou com 30, né? A argumentação na época, por parte do Governo, é que “a sociedade brasileira não estaria preparada para contribuir, participar efetivamente da privatização”. E, segundo, que no modelo usado, definido, ele faria mais valor, que ele teria um prêmio do controle, a empresa se valorizaria ao longo do tempo e depois ele venderia o restante com lucro, com margem etc. Acho que não é caso de discutir pois o cenário mudou, o Governo ainda não conseguiu vender, acho que teria vendido se tivesse tido oportunidade. Que não tem interesse. Acho que recentemente que ele conseguiu, voltou a ter assento no conselho. Não tinha. Então, não adianta a gente discutir. O modelo foi decidido, é este. Eu acho que o que a gente fez foi contribuir para o debate da modelagem e isso eu tenho certeza que a gente contribuiu positivamente. E em momento algum a gente tinha a pretensão de, quer dizer, influenciar no sentido assim de que queremos esse modelo, tem que ser esse...
P/1 – Ah, tem que ser esse...
R – Saberíamos perfeitamente que a nossa função era executivo da companhia, quem estava vendendo são os acionistas e dentro da forma que ele achar melhor. Em nenhum momento a gente teve essa pretensão. Se alguém interpretou desse jeito foi um erro. A gente teve sim a responsabilidade de defender os interesses do acionista ao máximo, para ele fazer a melhor venda. Nesse aspecto, um ponto que nós nos dedicamos muito foi a avaliação dos potenciais das reservas de minerais. Uma coisa complexa, uma coisa que só nós poderíamos contribuir com o máximo porque a competência técnica de em geologia, de mineração quem tinha eram os executivos e os profissionais da companhia. Então, a gente explorou muito esse aspecto, eu sei que até incomodou um pouco, vamos dizer assim, os consultores que queriam naturalmente fazer um processo mais simples de avaliação destas questões porque você fazer uma avaliação do potencial mineral a longo prazo é uma coisa complexa. E a Vale, então, em termos do time profissional que a alta qualidade que sempre teve, a gente conseguiu criar aquela (debenture?) que permitiu então um ganho futuro se quando esses depósitos minerais se transformarem em jazidas. Então, eu acho que a privatização era um modelo que a gente defendia. Um modelo não. Era uma decisão necessária para a companhia entrar nesse mundo competitivo de mercado internacional. A modelagem era uma decisão do acionista e nós executivos, na época, e profissionais da companhia acho que fizemos nosso papel de contribuir positivamente nas discussões técnicas e nas concepções conceituais necessárias para que o avaliador, para que o consultor e o próprio BNDES fizesse o melhor negócio possível com os acionistas, que no fundo é o povo brasileiro, é a nação brasileira que era proprietária desse patrimônio. Então, ao vender esse patrimônio tinha que fazer um bom negócio. Então, foi nesse sentido que a gente contribuiu e achamos que... Eu pelo menos tenho certeza que contribui ao nível da minha capacidade. Mais do que eu contribui não teria como.
P/1 – Em que momento que você assume a Presidência?
R – Eu assumi a Presidência da Vale no momento em que o Presidente se desligou alguns meses depois da privatização. E, se não me engano, eu não tenho a data precisa, mas eu fiquei como Presidente em exercício, eleito pelo Conselho. Então, já depois de privatizado, da privatização, se não me engano foi no mês de junho ou julho. A privatização foi em maio. E eu, depois da transição encerrada, tomei a decisão também de sair em final de setembro.
P/1 – Por que você tomou essa decisão?
R – Muito simples. Eu, como disse no início, eu consegui fazer uma carreira profissional do nível inicial ao nível máximo da companhia. Aprendi muito por uma realização profissional....
P/1 – Você imaginava lá atrás que você ia chegar onde (acabou?) ?
R – E a cada etapa eu achava que era a última. Gozado isso, né? Mas, foi assim uma... Uma carreira que eu diria gloriosa. Eu trabalhei muito, aprendi muito, fiz muitos amigos, muitos contatos no mercado. A companhia pra mim foi o máximo que você pode ter numa relação entre capital e trabalho. Entrei como qualquer outra pessoa entra, fiz o concurso, passei, entrei e o fato da companhia ter aquela, aquela modelagem, vamos dizer assim, com certeza tinha um sistema e tem de avaliar as pessoas em cima do que ela faz e em cima do que ela pode vir a fazer. Quer dizer, o potencial, quanto que essa pessoa aguenta mais. Então, vai dando oportunidade, você vai subindo a cada degrau e no meu caso particular, que não foi o único, se vocês olharem a história vocês vão ver que várias pessoas entraram na companhia e chegaram até Presidente. Eu cito Tomas Carencito, doutor Schettino, to doutor Eliezer, o Wilson Bruno...
P/1 – O Bruno, é.
R – Ou seja, então, dá pra contar na mão, mas é uma empresa de quase 60 anos. Mas, de qualquer forma, isso, para mim, representa um símbolo importante de que qualquer empregado da companhia, naquela época, obtinha essa visão: “Eu posso chegar a ser Presidente. Eu posso dar mais do que eu já dou hoje para a empresa”. E isso é um fator de motivação muito grande. Ou seja, com o potencial que você foi identificado e com a oportunidade que a empresa dá acho que todo mundo sai ganhando. Com certeza, quando eu vim para o Rio me desdobrei pra não fazer feio. Quando eu fui Diretor também e a empresa apostou neste potencial, com certeza teve o meu trabalho em contrapartida e eu tive a oportunidade porque eu cresci profissionalmente, eu me realizei muito com isso. E gozado que a cada vez que eu chegava num degrau, a gente achava, eu achava “pô, agora chegou o máximo, chega”.
P/1 – Agora acabou. (risos)
R – Mas, é isso aí.
P/1 – E depois, quando você tomou essa decisão de sair da Vale?
R – Ah bom, isso aí, eu tomei essa decisão porque achei que, poxa, eu já aprendi tanto aqui, eu quero me testar.
P/1 – Você já tinha recebido algum outro convite?
R – Já. Já tinha recebido alguns convites e esperava que a transição... Eu tinha um compromisso com os novos donos, vamos dizer assim, os novos acionistas, não só eu como todos os colegas de diretoria, que nós faríamos a transição até quando julgassem, que fosse necessário. Ou seja, nós recebemos os novos acionistas e fomos, colocamos nossos cargos à disposição e, ao mesmo tempo, falamos: “Ninguém aqui precisa de sair hoje ou amanhã, enquanto for necessário a gente vai fazendo a transição”. Então, foi assim. A transição aconteceu com alguns colegas que saíram antes ou saíram depois etc. Mas, foi acontecendo naturalmente. Eu particularmente tomei a decisão de sair para o mercado até como uma forma de testar a experiência que eu tinha adquirido quase que monolítica e única na Vale do Rio Doce, no mercado como um todo. Então, eu saí, fui trabalhar numa empresa de consultoria em São Paulo, na MGDK, com o Édson Vaz Musa, exatamente para ver se a minha experiência acumulada até então era aplicável em outros negócios, em outras empresas. E fiquei um ano e pouco fazendo isso com o Musa, na área de... Na área de cana-de-açúcar, na área de energia elétrica e, depois, eu vim fazer um trabalho também de consultoria na Braspérola, que é uma empresa têxtil. E esse trabalho de consultoria acabou me puxando de novo para a área executiva, que eu tava até muito satisfeito de trabalhar na área de consultoria porque você trabalha com mais polivalência. Mas, acabou que as circunstâncias da situação da Braspérola me levaram a aceitar de novo um convite para deixar a área de consultoria e voltar a ser executivo. Não era o meu plano, mas a vida nem sempre acontece de uma forma muito planejada, né? Então, estou no mercado de novo trabalhando como executivo já há dois anos
P/1 – Na Braspérola, qual que é a sua função?
R – Hoje eu sou Presidente do grupo. A empresa que tem duas fábricas, uma fábrica em Vitória, outra em Recife, tem um escritório comercial aqui no Rio e neste período aí adquirimos uma fábrica em São Paulo, que é a Teba.
P/1 – Sorocaba, né?
R – Sorocaba. Mas que hoje nós compramos exatamente, já na minha gestão, com o propósito de fazer uma fusão operacional. Ou seja, essa fábrica operava em Sorocaba, hoje opera Vitória como racionalização de custos e produtividade etc. Então, a vida continua fora da Vale, mas de uma forma, usando os conhecimentos que eu adquiri na Vale e até do relacionamento que eu criei nessa época. Ou seja, falando de Vale, eu praticamente, é a minha vida profissional e espero ainda ter um período de alguns anos para contribuir profissionalmente.
P/1 – Quando você foi para a Braspérola você entrou como consultor e logo você foi convidado já pra ser Presidente ou você assumiu algum outro cargo?
R – Não. Fui diretamente.
P/1 – Diretamente.
R – Mas é uma experiência nova, muito interessante também de recuperação de empresa, de fazer um reestruturação da empresa como um todo em termos estratégicos, em termos operacionais, em termos comercial. Ou seja, o que a gente teve oportunidade de fazer na Vale tem sido muito válido para outras coisas completamente diferentes. Vários colegas até quando ao saberem que eu estava no setor têxtil e falando de linho, falando de moda...
P/1 – De linho. (risos)
R – É. Como é que isso acontece? Mas, o ser humano é ilimitado, né? A gente tem a capacidade de absorver novos conhecimentos e quando a gente está aprendendo a gente está oxigenando, então a gente vai vivendo mais ainda. Então, tem sido muito gratificante essa experiência de um setor completamente diferente e eu quero ter chance ainda de passar por outros porque a vida continua.
P/1 – E saindo assim, fora trabalho, quais são suas atividades de lazer, a relação com a família?
R – Como eu estava falando, eu gosto muito de campo. Até o ano passado, eu ainda tinha um sítio, desde a minha época de Itabira, e foi uns momentos assim de muito prazer com meus filhos pequenos. Eu saía de Itabira sexta-feira no final da tarde e ia para o meu sítio, lá em São Domingos do Prata. E esse sítio eu conservei até agora, no ano passado. Agora meus filhos já estão maiores e a distância também dificultou bastante pra gente ficar indo com maior freqüência lá. E aí eu vendi lá e comprei uma casa de campo aqui em Itaipava.
P/1 – Itaipava.
R – Que eu gosto. Lá é um lugar para você fazer uma boa leitura, relaxar, descansar um pouco e fora isso eu goto de ir no cinema, um teatro, eu faço minha caminhada pra manter um pouco a forma e viagem de férias é sempre melhor que viagem a trabalho, né? Eu gosto muito de viajar com a família de férias, quando pode a gente faz isso, e eu estou de uma forma bastante satisfeito com tudo que eu fiz até hoje, que eu tenho feito e com os frutos que eu estou colhendo. Meus filhos já estão dois fazendo faculdade, um deles terminando, já trabalhando, os dois mais velhos já estão trabalhando e seguindo um pouco a tradição da minha família, de meu pai etc. Eu acho que o trabalho dignifica e o quanto antes dedicarem a isso é melhor. Eu estou muito feliz com eles e com a minha família, já fiz os meus 25 anos de casado. Ou seja, um esquema de vida que vai dando certo, né? O equilíbrio em casa é básico para o aspecto profissional. Minha esposa sempre foi uma pessoa que soube cumprir o papel dela como mãe, como esposa, como minha companheira dessas lutas aí e a educação dos meus filhos, devo muito a ela o sucesso que eles estão tendo. Todos eles são bons garotos, minha filha e meus dois homens também, o Tiago, a Helena e o Anastácio e com certeza o que eu peço é que Deus me de saúde para desfrutar o máximo aí da convivência com eles.
P/1 – Se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, você mudaria alguma coisa?
R – Não. Minha trajetória de vida foi privilegiada. Eu acho que... Espero que continue sendo, né?
P/1 – Você tem um grande sonho, vários pequenos sonhos?
R – É a gente sempre tem sonhos. Dentro de um estilo de vida mais da terceira idade, vamos dizer assim, que eu não cheguei lá ainda, espero que você não entenda assim, uma coisa que me daria muito prazer e que eu acho que pode ser um plano é eu voltar a lecionar. Eu tenho esse sonho de primeiro passar o que eu adquiri, o que eu acumulei, para os mais jovens. Eu acho isso muito gratificante. E depois, como uma forma de manter atualizado. Eu não quero deixar as coisas morrerem dentro de mim, eu quero deixar as coisas sempre vivas e a forma de fazer isso, eu acho que, independente do trabalho em si como executivo ou como administrador ou qualquer coisa que seja, dentro de uma linha de talvez poder dosar essa harmonia da coisa viva dentro da gente e ao mesmo tempo repassando isso para as pessoas mais jovens, eu acho que lecionando eu conseguiria fazer isso de uma forma bem equilibrada, talvez morando em Itaipava, dando aula em Petrópolis ou dando aula no Rio ou Juiz de Fora, uma coisa por aí. Apesar de todos os meus irmãos hoje são empresários, tem indústria, tem comércio, tem isso, tem aquilo, essa parte comercial e que eu acho que eu tenho um pouco dentro de mim, quando garoto mais novo eu fiz alguma coisa nessa linha, mas não faz parte dos meus planos não. Eu quero ter um final mais calmo se assim for possível, né? Porque essa parte do lecionar e de dar aula etc, eu acho que, pelo fato de eu ter feito isso no início da minha carreira, foi muito gratificante, foi uma forma de aprendizado muito legal e pode ser também agora ou mais para frente.
P/2 – Tem o exemplo do seu pai também, né?
R – É, é talvez sim. Influência, né?
P/2 – Pois é.
P/1 – E pra encerrar, o que o senhor achou da experiência de ter dado um depoimento para um projeto de memória como esse?
R – É, eu acho uma experiência gratificante porque é um momento de reflexão. A gente vai levando essa vida, faz, olha para trás, olha pra frente, olha de lado e nem sempre a gente valoriza tanto os momentos que a gente já passou na vida, a trajetória. Agora você me fez a pergunta se eu mudaria; não tem que mudar nada. Participar de um projeto desses, no meu caso, é muito mais gratificante, é uma honra, eu sinto até uma certa vaidade de ter sido lembrado e cada coisa na vida da gente tem um valor. A gente poder contar uma história é um privilégio. Eu acho que tem muita gente que tem histórias muito tristes e talvez não gostassem nem de contar. Então, eu estar aqui contando um pouco da minha história, dessa convivência na Vale, primeiro que é uma história positiva, saudável, tudo que é qualificação que se possa colocar numa relação entre uma pessoa e uma empresa. Essa foi minha relação. Segundo, é poder deixar um pouco registrado, até para os meus sucessores, tanto na Vale quanto os meus filhos, minha família. É um pouco do que a gente fez. As empresas, as pessoas passam, as empresas continuam, deve ser assim, né? E fazendo isso de uma forma registrada ou de uma forma como aqui, a gente tá garantindo um pouco essa história porque as palavras voam e a escrita permanece. O caso aqui, o vídeo e tal. Então é muito saudável, é muito gratificante, é um motivo de muita satisfação pra mim.
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não, quer dizer, deve ter milhares de perguntas que poderiam ter sido feitas e não foram, mas algo que você queria deixar registrado?
R – Eu achei estranho vocês perguntarem pouco. Eu não sei se falei demais nas respostas ou...
P/1 – Não porque foi fluindo...
R – É assim mesmo, né?
P/1 – É.
R – Não, não tem, não tem nada. Eu quero é agradecer a oportunidade que a companhia está me proporcionando e deixar uma mensagem para os meus sucessores lá na Vale; todos eles, do nível mais baixo ao nível mais alto, com dedicação e com vontade a gente chega aonde nunca imaginava que ia chegar. E isso é para qualquer ser humano. O ser humano é igual, basta desenvolver a sua inteligência, com dedicação e conhecimento. Hoje nos estamos na época do conhecimento e a Vale sempre soube formar grandes profissionais e com certeza é uma empresa que tem que ficar para a prosperidade. Ou seja, uma empresa que exatamente sabendo usar as pessoas, criando oportunidade e criando um clima, e um ambiente saudável de trabalho, as pessoas produzem mais, as pessoas se dedicam mais. E o que representa hoje a Vale do Rio Doce, no contexto internacional, como uma empresa organizada, bem constituída, competitiva é única e exclusivamente partindo da vontade do acionista, a vontade das pessoas que trabalham na companhia. Ou seja, havendo uma perfeita relação entre o que a diretriz, o que vem de cima, e o trabalho que vem da base pirâmide até o topo na função mais alta da companhia, não tem dúvida, a coisa tem que dar certo. Então é, ao mesmo tempo, agradecer e desejar que aqueles que hoje estão construindo a companhia para o futuro cumpram o seu papel. Eu não abro mão de dizer que nos meus 23 anos eu contribuí para que ela chegasse onde chegou. E que cada um faça isso porque é uma empresa que tem um futuro, unicamente dependendo da vontade das pessoas. Acho que competitividade e essas coisas não são uma ameaça, isso é mais oportunidade para que as pessoas cresçam, para que as pessoas se dediquem mais e usem a sua capacidade ao máximo porque todo mundo sai ganhando com isso.
P/1 – Obrigada.
R – Tá bom.
P/2 – Muito obrigada.Recolher