Projeto Kombiblioteca Poética
Depoimento de Jonas Worcman
Entrevistado por Lucas Torigoe e Felipe Rocha
São Paulo, 23/04/2015
Realização Museu da Pessoa
KOM_HV005_Jonas Worcman
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Bom dia, primeiro. Você pode falar o seu nome completo, a data de nascimento, o local, Jonas?
R – Meu nome é Jonas Worcman de Matos, no meu RG agora, está Jonas Worcman dos Matos e com o numerólogo, virou Jonas Worcman de Sete Matos, mas então, Jonas Worcman de Matos, nascido em São Paulo, no dia 30 de janeiro de 1995.
P/1 – Quem são seus pais?
R – Meus pais são Karen Worcman e José Santos Matos.
P/1 – Onde é que eles nasceram, quando eles nasceram?
R – Meu pai nasceu em Minas Gerais, numa cidade pequenininha, chamada Santana do Deserto, que tinha três mil habitantes em 1959 e minha mãe nasceu no Rio de Janeiro, em 1962.
P/1 – Você sabe como é que eles se conheceram?
R – Curiosamente, os dois se conheceram fazendo o Museu da Pessoa, mesmo. Minha mãe, ela teve a ideia, fez um trabalho sobre a história dos judeus imigrantes no Rio de Janeiro e aí estavam vários fazendo esse projeto e minha mãe ficou responsável por fazer a história das pessoas, ela ficou completamente deslumbrada de como aquelas histórias eram preciosas. Então, ela falou assim: “Nossa, a história da sociedade você faz pela história das pessoas”, e aí veio a ideia do Museu da Pessoa. Ela teve essa ideia e estava dando uma palestra meio sobre história oral, uma coisa e o meu pai olhou para ela, e se apaixonou (risos), falou: “Nossa, que moça bonita”, aí ele foi lá levar umas flores para ela e tal e a minha mãe era casada (risos). Aí depois, ela separou, ela era casada com um cara 12 anos mais velha do que ela, amigo do meu avô, que inclusive tem uma história extraordinária, e aí quando eles separaram, logo eles começaram a namorar, que foram os primeiros projetos do Museu, mesmo! Eu digo que eu sou irmão do Museu, porque eles começaram a namorar, nos primeiros projetos, quatro meses de namoro, ela engravidou de mim.
P/1 – E ele estava fazendo o que naquela palestra? Você sabe?
R – Meu pai tinha acabado de chegar de Minas Gerais, contando a história dele rapidinho…
P/1 – Pode falar.
R – Ele nasceu numa cidade pequena e tal, uma cidade pequenininha, quando ele foi para… depois, ele mudou para Cataguases, e ele teve contato com a literatura, então ele começou, com a minha idade mesmo, eu já tenho 20 anos, ele com 18 anos também, ele começou a realizar movimentos independentes de lá, era na época da Ditadura, mesmo. Então, ele fazia o Varal de Poesias, eles criaram uma revista de poesia onde eles conseguiram textos de Ferreira Gullar, de vários poetas massa! E eles organizaram uma editora independente. Só que com o tempo, eu lembro que o meu pai me falou o seguinte: “Eu queria falar sobre amor, aí eu olhava e Drummond já tinha falado muito melhor de amor do que eu. Aí eu queria falar sobre política, o Ferreira Gullar já tinha falado muito melhor daquilo”, e ele tinha abandonado a poesia. Então, ele veio para São Paulo, estudou Jornalismo em Juiz de Fora e aí numa palestra, ele viu isso, ficou encantado e quando ele conheceu a minha mãe, a minha mãe manjava muito de história e o meu pai de comunicação, então ele chegou e falou: “Vou te ajudar a fazer a parte da comunicação”, e os dois fizeram juntos. E aí quando eu nasci, o meu pai foi lá, os dois sempre apreciaram muito a literatura, então eles levavam livros, mesmo eu pequenininho, para ler para mim à noite, então eu dormia e o meu pai lia uns poemas e eu lembro claramente, eu lembro mesmo de quatro anos, três anos eu muito apegado com as histórias, pedindo história e aí eu dormia sempre com isso.
P/1 – Só voltar um pouco. E a sua mãe, o que ela fazia quando você nasceu?
R – Então estavam criando o Museu da Pessoa, mesmo.
P/2 – Mas de formação?
P/1 – De formação, onde que ela nasceu, o que ela estava fazendo no Rio?
R – Minha mãe… olha que curioso, a história dela é a seguinte, bem resumidamente (risos), o meu avô é vindo do holocausto, com três anos ele veio da Polônia e minha avó é filha de uma mulher que veio do holocausto também, bisneta de uma mulher que veio da Romênia. Os dois se conheceram numa colônia judaica e eles estavam muito numa pegada que chegou no judaísmo, chegaram numa terra nada a ver, vindo do holocausto: ‘vamos prosperar, vamos fazer as coisas acontecerem’, então eles estavam muito nesse mundo e o meu avô chegou mais ou menos com 20 anos: “Eu vou fazer um milhão de dólares”, ele falou: “Vou fazer um milhão de dólares, realmente, vou fazer”. Aí casou com a minha avó, ele estudou Engenharia e a minha mãe conta que ele trabalhava realmente 14 horas por dia, ela não via ele, ela passava os fins de semana em obra com ele.
P/1 – No Rio de Janeiro?
R – No Rio de Janeiro e aí até por isso que ele fez mesmo, foi bem na época que surgiu Brasília e como ele era engenheiro, ele foi para Brasília, ele é um dos engenheiros que construiu Brasília e como teve um milagre econômico, ele fez muito dinheiro, então ele fez um milhão de dólares mesmo e com 34 anos, ele falou: “Agora eu já fiz, já era”, um milhão de dólares valia muito mais do que vale hoje, valia como se fosse uns 15. E aí ele falou: “Vou viver a vida”, e virou hippie. Então, como ele era engenheiro, ele reformou um barco, ele viajou muito pelo Brasil com esse barco, criou um hotel em Paraty, fez uma casa em Búzios, ele é co-fundador do movimento do Circo Voador. Então ele estava muito ligado também nas coisas artísticas e culturais que estavam acontecendo. Pelo o que eu noto da minha mãe, ela é muito encantada com a figura dele. E aí eu lembro que ela me contou que ela foi com 18 anos… ela acabou a escola e tal, ela sempre foi líder de grêmio, e ela falou: “Pai, o que eu vou fazer?”. Estava em dúvida, aí o pai dela falou: “Vai viajar” e ela foi para umas plantações de uva na França, ela queria ir para Cuba, aí ela ficou lá numa plantação de uva, depois ela morou em Nova York, ela conta que ela dormia em cima do armário, vivia em cima do armário mesmo, (risos) fazendo os trampos mais doidos do mundo, depois foi para Cuba, uma doideira. De Cuba chegou aqui e se deparou com esse movimento enorme do Circo Voador que o meu avô estava criando, só que ela diz que ela sentiu um negócio que era o seguinte: “não, eu posso embarcar nessa história toda, mas se eu embarcar essa história, não vai ser a minha história”, eu não posso simplesmente esbarrar na história do outro, eu tenho que construir a minha história’, então ela fazia faculdade – com todo respeito a faculdade aí (risos)…
P/1 – O que ela fez?
R – Ela fez História lá no Rio e aí depois bateu esse insight que ela falou e aí ela decidiu fazer o Museu da Pessoa.
P/1 – Em que ano, mais ou menos, foi?
R – O Museu da Pessoa, pelo o que eu sei, teve o primeiro projeto em 91, mas ela contou recentemente que a gente nasceu junto, mesmo, que se formou aqui quando eu nasci. E o curioso é que acho que o primeiro projeto que eles fizeram juntos foi o Museu do São Paulo e por muito tempo, a minha vida foi no São Paulo Futebol Clube, literalmente.
P/1 – Conta mais disso, então.
R – Do São Paulo Futebol Clube foi muito engraçado, que até associa-se a literatura. Eu sempre gostei, acho que de coisas bem inusitadas. Então, eu estava um dia… o meu pai é muito fã de futebol e ele fez o Museu do São Paulo e tal e um dia estava rolando um jogo de futebol e eu vi o goleiro batendo falta, né (risos), eu disse: “Rapaz, o goleiro batendo falta?”, eu tinha seis anos, nossa que legal, isso aí é o meu time! Aí depois, meu pai me levou num jogo, mesmo o São Paulo perdendo, foi triste, eu nossa, me encantei muito, me encantei muito mesmo, aí eu comecei a… aí é uma coisa que acontece comigo, quando eu falo um bagulho, aí a minha vida vira totalmente esse negócio. E aí a partir disso, foi também o meu primeiro contato com a literatura, será que eu posso contar?
P/1 – Pode, pode.
R – Então, voltando um pouco a história do meu pai, quando ele estava um pouco frustrado com a literatura, ele lia pra mim toda noite na cama, então ele falou: “Vou criar os meus próprios versos de criança”, então ele fazia uns versinhos de criança e ficava lendo para a gente e ele até foi ver na escola, eram coisas de animais, da formiga, da girafa e aí foi fazer uma entrevista na classe e eu com cinco anos, achei demais: ‘pô, meu pai ali, falando poesia’, e eu vendo aquilo ali, falei: “Não, vou fazer o meu”, aí eu fiz o meu poema que era da Coca-Caracola, que era do caracol que voltava para dentro do casulo para beber a Coca-Caracola e o meu pai deu total apoio, falou: “Nossa, que legal”. Aí um dia eu estava jogando videogame de futebol com sete anos também, e eu estava com aquilo meio na cabeça, aí eu lembro claramente, era Grêmio, eu falava, tocou a bola para Anderson Polga: “Anderson Polga, por que você não tirou uma folga?”, aí o Luís Fabiano roubou a bola: “Luís Fabiano, por que você não toca piano?”, e eu fui fazendo rima para todos os jogadores. Aí para cada rima que eu fazia, eu apertava o start, ligava para o meu pai e o meu pai falava assim: “Legal, anotei”, aí eu voltava a jogar, fazia outra rima, ligava, ele: “Lembra de todas, depois quando eu chegar em casa…”, eu lembro que eu estava pulando na cama à noite, contando todas e o meu pai escrevendo. No meu aniversário de oito anos, ele montou um livrinho independente, pequenininho, chama: “Perguntas da Bola”, e como eu estava apaixonado por futebol, fomos jogar futebol e a gente deu de lembrancinha esse livrinho pequenininho e isso depois, eu continuei nessa pegada e fiz isso com dez anos, eu fiz de novo com dez anos.
P/1 – Então, essa foi a sua primeira poesia, então, praticamente?
R – Foi, tirando a do caracol…
P/1 – Tirando a do caracol, foi a primeira obra?
R – Foi a primeira obra, com oito anos.
P/1 – Essa da Coca-Caracola você se lembra como é que era inteira?
R – Não. Deve ter anotado, eu lembro que a grande pegada dela era que o caracol ia beber a Coca-Caracola e aí no ano seguinte, teve um Festival de Poesia na minha outra escola e todo mundo ia ler um poema do outro, eu falei: “Não, eu vou ler o meu poema Coca-Caracola”, eu falei e aí o que os meus pais fizeram? Eles mandaram fazer uma roupa de caracol, então a gente construiu uma fantasia de caracol, eles fizeram um rotulo da Coca-Caracola e aí eu bebi a Coca-Caracola vestido de caracol lá declamando, foi uma diversão, mesmo! E continuando, a minha pegada era futebol mesmo, assim, eu era muito levado quando criança, era muito imaginativo, eu lembro muito disso, que eu nossa, eu tinha uns amigos que a gente fugia da escola, tá ligado? Eu estava comentando isso, que criança, tudo vira uma oportunidade, então eu lembro que eu era… a grade virava um portal, então a gente tinha que fugir, então a gente fugia da escola, nossa, a gente causava muito, mas o que a gente amava mesmo era o futebol, então tinham uns campeonatos internos. Eu lembro que eu entrei com oito anos num clube também, aí tinha o campeonato de futebol e o meu pai era… os técnicos eram os pais e aí o meu pai decidiu ser técnico, tá ligado? E aí era maior divertido, a gente fez uniforme e o primeiro ano, a gente foi campeão. Eu lembro que eu fiz um gol na final de falta, porque eu sofria falta e o meu pai falava assim: “Deixa ele bater que ele bate mais forte”, eu não estava entendendo, ela falava: “bate”, eu: “Que?”, ele: “Bate”, eu fui lá, bati assim, foi gol assim, foi a maior diversão mesmo!
P/1 – Você cresceu onde, Jonas?
R – Eu cresci em São Paulo, mesmo, nem sei se eu cresci, na verdade! (risos)
P/1 – Mas a sua infância, você passou onde, em que bairro daqui?
R – Eu passei, nossa, eu passei na Vila Madalena, mesmo!
P/1 – Vila Madalena, mesmo então?
R – Foi. Com cinco anos eu vim para Vila Madalena e aí eu lembro que a minha… tinha meio período que era em São Paulo… aí era assim, eu lembro claramente da minha rotina, era de manhã, escola. Segundas e quartas, à tarde, futsal; terças e quintas, society (risos), futebol society e sexta, eu ia jogar bola com os amigos e sábado e domingo era futebol o dia inteiro. Era literalmente isso! Nas férias, eu viajava para fazenda, campo, não importa o lugar que fosse, eu chegava: “Tem futebol?”, eu lembro que… ah, essa é uma história legal, também, porque quando eu colocava uma coisa na cabeça, era isso mesmo. Os meus pais, uma vez, eles foram fazer um projeto lá nos Estados Unidos e aí eu lembro que eu tinha cinco anos, na verdade, foi antes isso. E aí eu cheguei lá e a minha pegada na época era o Pokémon (risos), ai eu cheguei e eles falaram: “Vamos levar eles na Disney”, eu cheguei na Disney, imagina uma criança na Disney: “Cadê o Pokémon aqui?”, aí falaram: “Não tem Pokémon” “Puta, que lugar chato, não vou entrar” “Não, entra aí na Disney” “Não vou entrar”, aí eu fiquei o negócio inteiro, reclamando que não tinha Pokémon.
P/1 – Com cinco anos?
R – Era focado (risos). Aí eu lembro que a minha infância foi isso, claramente. Eu era basicamente, futebol e a levadeza, tudo que era meio subversivo, eu gostava, entrar pela saída do cinema, sabe? Filme de terror, porque não podia, porque hoje eu não vejo, hoje eu posso ver filme, mas eu não vejo, mas como eu não podia, então eu amava. Aí eu lembro que também tinha Paraty, que o meu avô tinha um hotel em Paraty, então a gente viajava de barco pelas praias. O meu avô foi uma figura muito importante para mim, isso eu lembro mesmo, porque eu era muito cismado e ele era uma pessoa que ele sabia lidar comigo, então vamos dizer, eu não queria entrar na cachoeira, ele falava uma linguagem lá, eu superava o medo e entrava na cachoeira, ele era uma pessoa muito generosa, ele chegava com muito amor, mesmo, eu lembro que eu ficava completamente encantado com ele. E eu, com oito anos… recentemente, eu fui num osteopata, que o osteopata consegue identificar as coisas da sua vida tocando o seu corpo, ele falou: “Rapaz, com oito anos você sofreu muito, né?”, eu não lembrava mesmo, aí: “É, o meu avô morreu”, aí eu fui comentar disso com a minha mãe, ela falou: “Você sabia que você chegou um dia com oito anos e falou: ‘mãe, não sai de casa, não sai de casa, você vai morrer, mãe, não sai, não sai’”? Ela: “Calma filho” “Não sai, vai morrer”, aí um mês depois, meu avô contraiu câncer e um ano depois, eu lembro que ele já estava… a gente recebeu a notícia que ele tinha tido uma melhora no hospital, naquela noite, eu tive vários sonhos, eu lembro que eu sonhava, minha mãe vindo me acordar: “Jonas, seu avô morreu”, eu: “Nossa!”, aí vinha outro sonho, meu pai vinha me acordar: “Jonas, seu avô morreu” e eram sonhos seguidos de várias pessoas vindo me avisar, até que a minha mãe finalmente me acorda, nossa, que alívio! “Mãe, daqui a pouco eu acordo, estou muito cansado”, falei para ela, ela: “Não Jonas, teu avô morreu”, eu: “Caralho, mano!”, e aí morreu mesmo. Eu lembro que isso foi muito impactante para a minha mãe, foi muito forte, mesmo.
P/1 – Você tinha oito anos, quando ele morreu?
R – Oito e era no mês que eu ia completar nove.
P/1 – Qual que era o nome dele?
R – Era Diduche.
P/1 – Diduche.
R – Jedydia era o nome verdadeiro e Diduche era o apelido.
P/1 – Qual que foi a sua primeira escola?
R – Nossa rapaz! A minha primeira escola, nomeio ela de escola idiota, mesmo.
P/1 – Ah é?
R – Porque eu lembro que foi uma coisa que eu até eu revisitei, é um crime mesmo que fizeram lá. Porque por exemplo, eu lembro que eu tinha três anos, então estavam fazendo desenho, aí eu comecei a fazer, sabe? Aí eles falaram: “Não, é assim”, aí eu: “Não, assim”, não estava entendendo o que ela estava falando para pintar na vertical eu estava achando que ela estava só falando para pintar, teve uma hora que ela cansou, me mandou para diretora, a diretora desceu o esporro em mim! Desceu o esporro, mesmo, eu fiquei assombrado. Três anos, aí eu fiquei muito traumatizado com aquilo. E depois, eu mudei para uma escola maravilhosa que chama Escola Recreio, que infelizmente saiu daqui, aí lá era muita diversão, mesmo.
P/1 – Como é que era lá?
R – Lá tinha um parquinho, e aí tinha uns meninos, eu lembro que tinha um grande assim, aí a gente tinha uma trupe de meninos. Aí tinha uma brincadeira das meninas darem beijo, a gente tinha que fugir delas, a outra era… aí um dos meninos que era o maior, ele era o chefe dos meninos, aí ele me nomeou chefe dos meninos depois, que eu era o amigão dele, aí a gente ficou… criava mil brincadeiras, mesmo. Aí, no ano seguinte, eu fui para o Hugo Sarmento, que era ali na Vila Madalena e eu fiquei muito tempo lá. Tive um professor de Geografia fantástico e foi lá que eu dei a minha primeira oficina de poesia também, como o meu pai me ensinou, eu já entrei na pegada de fazer os meus primeiros versos, cheguei: “Vem fazer junto”… ah é, eu lembro que o primeiro livro do meu pai, quando ele decidiu fazer literatura juvenil, como era para criança, eu era a criança que lia, então eu lia e comentava tudo para ele, eu falava: “Ah não, isso eu não entendi. Por que você não faz assim?”, e comecei a dar ideia de poemas, e aí eu: “Por que o C não é um biscoito de polvilho comido?”, e algumas ideias ele abarcou. E aí ele até colocou na biografia dele que o justo seria ele rachar a autoria do livro comigo e eu lembro que ele foi convidado para ir para a Bienal e eu ia com ele e eu tinha várias performances com cobra de plástico, ele falava: “Jonas, dá uma mãozinha ai”, aí eu dava uma mão de verdade, sabe? Aí eu entrei nessa pegada de fazer apresentações com ele e de dar oficinas também, ele criou um método de como ensinar poesia para as crianças, que é um método muito simples de rima.
P/1 – Como é que é?
R – O método é assim, a ideia é de que poesia é expressão, né? Então, você primeiro escolhe um tema… não, fala o que é uma rima e aí rima são palavras que têm o som que combina, então a gente pergunta para as crianças rimas que combinam. Aí elas começam a falar: “Balão, furacão, cão, mão, irmão…”, tudo que rima e a gente vai escrevendo. Então agora, a gente vai falar sobre o quê? Vamos falar sobre futebol? Então vamos falar sobre futebol com ão, com essas palavras que estão ali escritas. Então, vamos falar: “Fui jogar futebol com o meu irmão, e ele batia um bolão, era futebol de botão…” e aí vai, essa história. Depois, a gente faz com rimas alternadas, a, b, a, b, e eu fui pegando a manha e com oito anos, eu lembro que eu ia na minha própria escola, eu saía da minha aula, ia para turma menor dar oficina, eu lembro que isso…
P/1 – Você estava na escola ainda, então, começou cedo, já?
R – É. Quando eu tinha oito anos, mesmo. Com oito anos, eu ia dar para turma de sete, aí nos anos seguinte, com nove, eu ia dar para turma de sete e de oito e aí, todo ano, eu ia para as Bienais com ele fazer. Até que com dez anos, eu lembro que a gente estava na Bahia, aliás, a Bahia, eu digo… eu digo que eu sou nascido em São Paulo, mas as pessoas perguntam: “De onde você é?”, eu falo: “Baiano”, porque a Bahia é muito importante para mim. Mas então, ele estava escrevendo o livro dele e aí um livro de terror, e eu falei: “Vou fazer um poema também”, aí eu fiz um poema que era sobre a casa mal assombrada que precisava ser limpada e aí eu ia brincando, eu mostrei para o meu pai, meu pai: “Meu Deus, menino, é muito bom, mano, nossa, está muito bom, faz outro aí”, aí no dia seguinte: “Vou fazer outra aqui”, aí eu fiz da múmia, que a múmia empinava pipa com o ventilador, nossa, velho, aí ele: “Faz outra, faz outra”, e eu: “Legal, vou fazer”, e eu fui fazendo. Aí eu fiz vários mesmo. Aí ele falou: “Jonas, vamos fazer esse livro comigo?” “Livro de verdade? Vamos, vamos!”, aí eu lembro a gente ia em várias editoras para reuniões, mesmo, com dez, 11 anos. Aí eu dormia nas reuniões (risos), falando coisas de negócios, contratos, mercado, aí eu acordava com a galera servindo mate, e aí até que a gente achou a FTD, a FTD topou publicar o livro. E aí com 12 anos, foi com onze e meio, com 12 anos que a gente achou a FTD, mas foi um processo muito doído para mim, porque a FTD visa venda, toda editora visa um pouco venda, eles visam o livro ser adotado pelas escolas, só que aí, por exemplo, eu tinha um poema que era do diabo, O Diabo Aposentado: “O diabo estava comendo quiabo, vendo TV a cabo, quando disse para a mulher: se vista e venha assistir o Exorcista”, aí eles falaram: “Não, eu quero ser adotado por escolas católicas, vai colocar um poema do diabo? Vai ter pai que vai reclamar.”, aí eu: “Mas esse poema eu gosto mesmo”, aí não aceitaram o poema, tá ligado? Eu tive que mudar e eu lembro que esse processo de censura… eu tinha feito outro poema do poeta, que eu conheci o rap, então eu lembro que com 12 anos, eu comecei ouvir muito rap, Mano Brown pra caramba, aí eu sabia vários raps de cor e ai, eu falei: “Vou fazer um poema da caveira do mano Brown, aí eu fiz a caveira… “Sou a caveira do mano Brown, estou aqui no Iraque, no rap eu era um craque…”, eu fiz um rap da caveira do Mano Brown contando a história dele, aí eles falaram: “Também não vai dar, porque se o Mano Brown resolver processar a gente” “Não, não, o Mano Brown vai ficar feliz, tá ligado?”, aí não deixaram também. Mas aí teve um poema que eu gostei muito que era o Futebol dos Monstros, que eu fiz… eu joguei… eu estava fazendo escolinha do São Paulo, fala assim: “Para agitar essa casa mal assombrada/ Eu trouxe uma galera para bater uma pelada/ Primeiro, escolho um dos zumbis para ser o juiz/ A caveira será a goleira/ Olha que demais, pego um dos sacis e coloco nas laterais/ Boto o feiticeiro como zagueiro/ Ninguém passa por ele inteiro/ Como tenho volante, o possante automóvel encantado jogará mais recuado/ O chupa-cabra é o que mais tem pés/ Então eu lhe dou a camisa dez/ O vampiro, já que é craque, jogará no ataque/ Quem dá conta da ponta é o fantasma do Garrincha/ Aquelas pernas tortas, mesmo depois de mortas/ Fazem qualquer um rezar para fazer o jogo logo acabar/ Mãozinha preta, lobisomem, Frankstein, alma penada montaram a torcida organizada/ E o jogo só terminou quando a bola furou”. Porque nessa época também, eu estava lendo muito e eu acabei de lembrar que com dez anos, eu li a biografia do Rui Castro, do Garrincha, tá ligado? Mano, nossa, eu estava tomado por aquilo! Tomado mesmo. Eu lembro, eu amava ler mesmo, amava! Aí os livros que me marcaram foram a biografia do Garrincha, eu lembro que eu não soltava, mesmo e aí a gente até teve uma atividade que a minha mãe me contou ontem, a gente teve uma atividade na escola que era assim, a gente tinha que escrever sobre um herói da cultura brasileira, eu falei: “Garrincha”, na hora assim.
P/1 – Na época?
R – Na época. Eu tinha dez anos, eu falei: “Garrincha”, aí eu desenhei o Garrincha lá, aí mandou, me tirou da sala, mesmo. Aí chamou a minha mãe, a diretora falou toda irônica: “a gente teve que te chamar aqui, porque o seu filho não dá, porque a gente tem que falar um herói da cultura brasileira que represente um pouco da cultura do povo, ele falou do Garrincha”, a minha mãe: “O quê? Vocês tiraram ele de sala por causa do Garrincha? Um puta cara mestiço, é a cara do Brasil mesmo”, aí ela me tirou da escola por causa desse episódio…
P/1 – Qual escola você estava?
R – Hugo Sarmento.
P/1 – E você foi para onde depois?
R – Fui para Escola da Vila, que era uma escola alternativa.
P/1 – Ah é? Você gostou de lá?
R – Rapaz! (risos) Muita coisa a Escola da Vila! Eu acho que dava até… só deixa eu acabar essa história da leitura…
P/1 – Claro!
R – Que eu falo. Aí outras coisas que eu lia na época era Roadl Dahl, eu amava mesmo, eu até lembro que eu amava o livro e não conseguia parar de ler, então por exemplo, eu andava, aí estava na Teodoro Sampaio andando, eu atravessando a rua, eles:
“Jonas vai atravessar”, eu não conseguia parar, mesmo. Ia lendo, eu fui para uma sessão de acupuntura, aquela coisa que enfia agulha no corpo para equilibrar os meridianos, aí eu estava lá deitado, o cara aplicando acupuntura (risos) e eu lendo. E eu fui para a Escola da Vila com 12 anos e era muito diferente, por exemplo, as pessoas sentavam em duplas, você não trabalhava mais… e aí por exemplo, já tinha muitas coisas de projeto social. Nossa, tinha uma… sabe quando a gente fica pensando o que é a infância, mas a galera já estava muito avançada, encontrei muitas coisas que eu nem sei se vale a pena contar mesmo!
P/1 – Por exemplo, teve algum professor que te marcou lá, como é que era?
R – Professor que me marcou?
P/1 – Ou alguma história que você queira contar? Alguém que você conheceu, um amigo que você leva de lá…
R – Nossa cara! Eu vivi… teve muitas histórias. Deixa eu pensar. Eu lembro que teve o André Amaral, é que a escola teve que tomar providências comigo (risos), porque eu era muito caótico, mesmo, eu era muito… eu até me arrependo, porque eu tinha muita energia. Como hoje eu estou estudando Educação, eu quero pensar formas de… porque as crianças têm muita energia, tem que gastar isso, então eu ficava o dia inteiro correndo igual doido, invadindo as outras classes, eu lembro que eu levei seis advertências, suspensão, quebrava ovo na cabeça… que era aniversário de um amigo, quebrei ovo na cabeça dele, causava mesmo, eu e o André Amaral e eu lembro que foi um dia muito marcante para mim porque foi do oposto ao outro, que tinha o Mia Couto, o escritor Mia Couto foi convidado para falar lá e no dia anterior, a gente tinha causado muito e a professora, mano, falou que não dava mais aula se a gente tivesse na classe (risos), ela falou: “Eu não dou aula com eles aqui”, aí o meu amigo, ele estava assim, ela falou: “André, para de tocar violão”, ele: “Nossa, o quê? Eu não estou tocando nada, nem tem violão aqui”, expulsou a gente porque estava tocando violão e nem tinha violão na classe. Aí foi lá o diretor, deu uma bronca na gente na frente de todo mundo, e no dia seguinte, fomos lá no Mia Couto, falaram: “Nossa, vocês têm muita sorte em poder estarem aqui, se comportem”, aí eu lembro que eu já mandei… como a gente tinha feito atividade de entrevista, eu já acompanhava a minha mãe em alguns processos, o meu pai, já sabia perguntar, então fiz uma pergunta muito… o Mia Couto falou: “Nossa, que pergunta massa, velho, nunca fizeram essa pergunta”, aí eu lembro que eu fui do cara que era mais… nossa até que fiz essa pergunta e era sempre isso, porque eu estava na escola ainda quando eu publiquei o meu primeiro livro, só para já emendar uma história na outra. Com 12 anos, eu lembro que eu estava contando a historia de que eu estava lá fazendo na editora, com 13 anos, a gente publicou, mesmo.
P/1 – Qual que é o nome do livro?
R – Na Bienal do Livro. Chama “Casa do Franks Tem”, então foi um processo muito intrigante, publicar um livro com 13 anos, porque vamos dizer, primeiro, porque eu cheguei lá com a galera da escola, tinha meio que uma turma que eu dediquei o livro, chegou lá na Bienal, eu lembro que eu vi um livro muito bem editado, não é esse aqui, mas aí eu: “Rapaz!”, foi o maior orgulho de dar no coração. Como eu tinha 13 anos, eu ficava dando entrevista o dia inteiro, eu dava umas sete entrevistas por dia, tá ligado? E estar autografando lá era a coisa mais legal da vida, mesmo. Eu conheci o Mauricio de Souza, sabe? Nossa! Aí, eu conheci altos escritores. E aí começou a rolar convites para ir em feiras, aí eu e o meu pai, a gente viajou para Ouro Preto, viajou para um Festival da Mantiqueira, para dar auxílio, então era muito doido porque eu era uma criança, ainda sinto que eu sou uma criança, mas eu era um criança mesmo! Treze anos, eu estava lá, tendo que ensinar outra criança, como fazer poesia e a criança era levada pra caramba, vamos dizer, nossa, bagunçava pra caramba e eu sabia que era do mesmo jeito também, então eu bagunçava com eles, eu entendia a linguagem deles, aí eles entravam no jogo comigo e fluía a oficina, lá em Ouro Preto, a gente foi para Ouro Preto, a gente viajava para o centro histórico, ganhava vale alimentação, comia nos restaurantes, era uma farra só. Aí a gente na Bienal falou assim: “Jonas, vamos fazer um livro de… um próximo livro?” “Vamos, vamos!” “Qual vai ser o tema?” “É o futebol” (risos), com certeza, né? Aí a gente começou a escrever um livro de futebol que virou até esse livro aqui “Show de Bola”, que a gente publicou em 2010. Aí eu vou falar um poema do livro, pode falar?
P/1 – Fala.
R – “O monte Everest sem nenhum alpinista/ E a marginal Tietê sem carro na pista/ O Cristo e o Pão de Açúcar abandonados/ O Taj Mahal e o Central Park inabitados/ O Muro das Lamentações sem nenhuma reza, sem nenhum choro/ E ninguém no funeral do Mar Morto/ O Coliseu sem gente por perto/ E o Saara, como sempre, deserto/ Mas todas as TVs do planeta estão ligadas e ninguém perde um segundo/ Porque todos estão vidrados na final da Copa do Mundo”. E aí eu lembro que… aí rapaz, eu era são-paulino apaixonado, mesmo. E eu ia em todos os jogos, nossa senhora, mano, ia em todo jogo sempre… eu estava sempre vestido com roupa de futebol, isso é uma coisa interessante de contar,. Voltando lá pra trás, porque por exemplo, minha mãe contou que eu sempre estava vestido, então com quatro anos, eu era só Wolverine, tá ligado? Todos os dias com a máscara do Wolverine. Ela contou que uma mulher em um dia que eu tirei a mascara para ir na piscina, falou: “Nossa, que susto! Eu achei que ele tinha uma cicatriz no rosto, por isso que ele usava essa mascara”, porque não tirava a máscara de jeito nenhum. Aí no ano seguinte era o Homem Aranha, eu embarquei no futebol e hoje eu estou com os meus personagens poéticos (risos) aí, né? Mas aí eu lembro que a gente teve a oportunidade de conhecer o Raí, porque eles estavam fazendo um projeto de memória do futebol e o Raí, eu já conhecia a história do Raí, eu estava muito por dentro, e o Raí escreveu o prefácio do meu livro, então eu lembro que eu fui… o Raí era um grande ídolo e a gente foi lá, e o Raí contando, Raí é enorme, cara! Raí é enorme, mesmo! E aí ele tem muito bom coração, a gente foi na Gol de Letra, que é a organização que ele tem de futebol social e escreveu o prefácio do livro.
P/1 – Teve algum jogo que te marcou? Do São Paulo ou de futebol?
P/2 – Você acompanhou campeonato mundial, essas coisas?
R – Acompanhei, cara, teve muitos jogos que me marcaram. Eu lembro que teve um de São Paulo, 6 a 0 no Fluminense, brasileirão de 2002, ou 2003, nossa, me marcou muito, muito mesmo! Aí em 2005, o meu pai decidiu aprender inglês, aí a gente foi lá para os Estados Unidos, e aí estava rolando a Libertadores. Aí, nossa, eu estava acelerado, mesmo, já tinha ido a vários jogos, eu fui ver um jogo no estádio em que o Rogério Ceni fez dois gols de falta, isso foi muito marcante, também. E aí na final, eu estava lá nos Estados Unidos, eu falei: “Pai, vamos ver a final?”, ele: “Não cara, a gente está aqui nos Estados Unidos, não sei nem se vai passar”, eu falei: “Não tem a possibilidade! Não tem a possibilidade de eu não ver a final das Libertadores”. Então, ele conseguiu… tinha o fuso horário, também, então ele conseguiu um cara no lugar que ele estava estudando, brasileiro, tal, a gente foi às duas da manhã para a casa do cara, o cara ligou a TV (risos) para assistir a final da Libertadores, foi 4 a 0 para o São Paulo, São Paulo e Atlético Paranaense. Eu lembro que isso foi muitíssimo marcante, também. Essas coisas foram as marcantes boas, tem as coisas marcantes tristes, também, né? Eu lembro do jogo que o São Paulo perdeu do Inter, velho, na semifinal da Libertadores, eu lembro que a minha vida era isso, eu tinha entrado para a torcida organizada, entrei para Dragões da Real, não oficialmente, mas eu colava, só pensava nisso. Eu fui lá, naquele dia, imagina, semifinal de Libertadores, lotado no ônibus, contorcendo, porque não cabia mesmo, não cabia mais gente, embora não coubesse, entrava muita gente e aí você estava esmagado mesmo, com sorte de ter uma narina para respirar, aí você chega no jogo, perde velho! Nossa! E perdeu no sufoco, bola na trave, todas as paradas, eu… a única coisa que eu pensava: ‘demorou…’, já tinha acabado o ano pra mim, tá ligado? Não tinha outro sentido. O sentido da minha vida era o futebol, mesmo, tá ligado? Eu lembro de um episódio muito interessante, foi quando tinha acabado de publicar o livro, encontrei o jornalista Gilberto Dimenstein, ele falou: “Você escreveu um livro muito curioso, vamos escrever uma matéria sobre você. Você quer ser escritor?” “Não, não quero ser escritor que nada, mano, quero ser jogador de futebol, mesmo”(risos), aí ele: “Não, vamos fazer”, aí ele foi fazer a entrevista, eu só falava de futebol (risos) e eu como tive um processo de peneira, eu nossa, infelizmente, é meio triste o negócio.
P/1 – Você quis mesmo ser jogador, então?
R – Quis mesmo! Tinha certeza que ia ser.
P/1 – Com quantos anos, mais ou menos?
R – Foi dos sete, que eu decidi, até os 14, sete anos querendo sem plano B, tá ligado? E aí eu fui fazer essa peneira, nas peneiras, eu lembro que rolaram uns processos sujos, sabe?
P/1 – Sério?
R – Sério.
P/1 – Quer contar ou…?
R – Porque… eu não quero contar onde foi, mas eu lembro que por exemplo, vou falar… aí a gente chegava no intervalo e tal e comentava: “Você já viu os caras que pagaram?” “Já pagou lá para entrar?” “Como assim, pagar?” “Não, porque o pessoal entra e paga, né?”, aí eles contavam as histórias: “Porque o meu primo veio aqui, ele pagou 300 contos e passou no teste”, e aí estava muito, muito assim, tá ligado? E ainda tinha o processo de que eu era muito baixo, eu lembro que eu até jogava bem, mas eu era muito baixo comparado… e tinham uns caras do tamanho daquilo. E eu viajava para campeonato, para Curitiba, e os caras, mano, derrubavam, já era, eu voava assim, então teve esse processo dos caras sendo muito mais altos e esse processo um pouco da corrupção, que foram várias peneiras e em todas as peneiras, a gente já chegava e o único papo que já rolava no vestiário era esse: “Mas quem você conhece lá direito?”, tá ligado? Aí eu lembro que eu falei isso na entrevista, meu pai quase chegou maluco: “Jonas, você está maluco? Você vai falar isso numa entrevista? E se o cara publicar e tal…”, mas o cara foi super gente boa, ele falou: “A aventura de um poeta é jogador”, então tem até essa coisa falando da escrita com o futebol, porque de uma maneira ou outra, foi pelo futebol que eu cheguei na escrita e foi por isso que eu consegui também cativar muita gente nessa época, porque as pessoas não gostavam muito de poesias, as crianças. Mas como eram poemas de futebol, as crianças entravam e tinham adivinhas também, o jogo do adivinhas, a gente fez adivinha de futebol e aí as crianças entravam no jogo, tipo: O que é o que é jogada linda esse olhar também me chamam de lua e sol, é um jeito de driblar e se proteger do sol? Aí a criança: “Chapéu”, aí fazia isso! Aí hoje eu dou oficina de adivinha, também.
P/1 – O que vocês ouviam em casa nessa época, de música, o que os seus pais ouviam? Eles mostraram alguma coisa pra você?
R – Raul Seixas (risos), eu lembro que toda vez que eu ia para Paraty, eu sempre ia ouvindo: [cantando] “Eu sou a mosca que pousou em sua sopa”, e até depois eu criei: [cantando] “Eu sou o poeta que pousou em sua mente, eu sou o poeta e estou aqui para recitar”, e fiz um poema enorme sobre a poesia, mesmo. Mas eu lembro que eu era muito ligado no rap, muito ligado no rap mesmo! Depois, veio a minha fase Beatles, né? Eu até comecei a escrever um livro sobre os Beatles, então escrevi tipo… estava muito apaixonado, mesmo, então eu ouvia as histórias dos Beatles, escrevia poemas sobre as histórias, só que eu não consegui publicar por causa de direito autoral também. E foi isso. Aí eu lembro que a minha escola, também teve muita influência. Hoje eu reconheço que eu precisava de um pouco mais de maturidade, eu acho que… também não dá para cobrar isso, mas a escola era muito legal, cara! A gente, por exemplo, ia entender como funcionava uma cooperativa na oitava série, tá ligado? A gente viajava para entender a Cooperostra, eu já entendia todo o funcionamento do capitalismo!
P/1 – Na Escola da Vila?
R – Na Escola da Vila, então a gente já entendia… tal cara ganha tanto e como cada um fazia, como o intermediário atravessava essas pessoas e como as pessoas se juntavam, a gente já começou a trabalhar com histórias de vidas, eu lembro que teve um evento muito interessante na oitava série, que chegou… abriu o site do Museu da Pessoa na sala, aí eu falei: “Minha mãe que criou, minha mãe que criou o site”, aí ela: “É, é”. Aí abriu a foto do Paulo que é o marceneiro que trabalhava na minha casa, eu falei: “Esse cara aí ele está fazendo os móveis lá de casa”, ela: “É, está bom Jonas, vai lá fora, vai”(risos), teve isso, né?
P/1 – Como é que era a sua casa na infância?
R – Minha casa tinha um cachorro, tinha meu irmão, nossa, eu tinha um irmão, eu lembro que era bem estruturadinha, a gente jogava bola no quintal, tinha um quintal, nossa, o tanto de vidro que eu já não quebrei jogando bola! Tinha uma amiga, Luciana, que era minha amiga, vizinha, cinco anos mais velha, todo dia ela colava em casa e iam uns meninos de rua para minha casa, no meio da rua e a gente ficava jogando bola no quintal também, e aí, eu já quebrei muito vidro, muita coisa, eu passava o dia inteiro jogando bola, futebol de meia, também teve essa coisa, que a minha escola era uma escola de classe média alta, só que eu sempre… eu ia pra rua, mesmo. Então, eu conheci os meninos que eram meio do mangue, porque moravam no mangue da Fradique, ali, e aí eu fiquei muito brother deles e entrei no time deles, aí a gente fez o time da Fradique, a gente jogava bola quase todo dia na quadra, e aí eu comecei a circular por vários meios, meio da literatura, o meio da escola, o meio de jogar bola na rua e também foi a época que como eu sou judeu, chegou a hora de fazer o Barmitzvah …
P/1 – Como é que foi?
R – Rapaz, foi complicado na verdade, foi muito legal, a gente tinha que estudar todo dia, só que isso é uma coisa pra mim que eu acho que tem que ficar de reflexão para a Educação. Quando uma pessoa, principalmente eu, é obrigada a fazer uma coisa, é a fórmula para ela não fazer, é assim. Você quer que uma pessoa não faça uma coisa, obriga ela a fazer ela, porque falaram: “Você vai ter que estudar isso”, ai meu Deus, já era! Aí eu lembro que eu ia com o maior mau humor, toda segunda-feira estudar lá a história de Israel, a língua, eu podia ter me desenvolvido muito se aquilo fosse me apresentado de outra maneira. Agora que eu já tenho mais consciência e mais maturidade, eu consigo um pouco ver isso, mas por exemplo, eu tive amigos que a primeira… falavam hebraico mesmo nessa época, falam hebraico, sabem profundamente a história de Israel, o que aconteceu? Eu ia lá, brincava e tal, ouvia, algumas coisas achava massa, mas eu também não tinha uma ligação profunda com Deus, ainda, mas eu lembro que o meu pai me levava depois, a gente começou a fazer poema do judaísmo e aí eu lembro que a gente fez tipo: “Quem não é judeu chamamos goi / Seja o meu pai ou o motoboy”. E aí todos os ensinamentos, eu ia transformando em poeminhas, que depois a gente levou no meu Barmitzvah, minha família inteira é do Rio de Janeiro, então a gente foi fazer o meu Barmitzvah no Rio de Janeiro com um dos maiores rabinos que tem, que é o Nilton Bonder, ele que foi fazer o meu Bar-Mitzvah, eu lembro que foi muito emocionante, ele leu os meus poemas. E eu lembro que no dia eu entrei em transe, mesmo, porque a minha avó me conta que eu falei para ela, não lembro de muita coisa, só que eu lembro que eu cheguei para ela e falei: “Vó, eu tenho que fazer direito porque Deus está vendo”, e eu fui lá e entrei, eram várias rezas judaicas que eu… ah, e como eu tinha estudado tudo, o meu Barmitzvah foi de manhã, e na última hora, mudou para tarde, então eu tive que aprender tudo de novo. E eu ficava o dia inteiro decorando reza [cantando reza em hebraico], que é um trecho da reza Adonolam, aí eu lembro que eu fui, foi um transe, o Barmitzvah.
P/1 – Como é que é o ritual do Barmitzvah, mesmo?
R – O ritual do Barmitzvah, ele se divide em duas partes, o Barmitzvah é como se fosse a transição da pessoa para a vida adulta, com 13 anos, número sagrado, 13, aliás, hein? E aí então você faz todo esse estudo, você estuda toda cultura judaica, estuda língua e você lê a Torah. E a Torah não é um livro que nem a Bíblia, a Torah é a Bíblia, na verdade, é o antigo testamento, mas ela não é prática, você não acha uma Torah para comprar, porque uma Torah tem que ser escrita à mão, no pergaminho, encapada, então custa uns dez, 15 mil uma Torah. Então, é o primeiro contato que a pessoa pode pegar na Torah, a pessoa pega, então rola onde a pessoa se veste, dois dias antes do Barmitzvah, ela faz o ritual dualística, o manto sagrado que ela veste, faz umas rezas e no dia do Barmitzvah ela faz também as rezas do dia, como se fosse ela a feitura das rezas e passa a Torah, mas é dito que o barmitzvah é a data mais importante da vida do judeu. Então, era como se fosse o dia mais importante da minha vida e eu estava doentaço, caramba velho! E rolou, rolou a Torah e até depois, eu tive a oportunidade de me conectar mais a fundo no judaísmo. O meu nome é judeu, Jonas e aí coincidentemente, fui eu que escolhi o meu nome, na verdade, minha mãe conta, porque a minha mãe estava na dúvida entre Benjamim e Nuno. Aí, ela diz que um dia veio um… eu nasci sem nome, e aí veio uma voz de um homem no ônibus: “Tem que se chamar Jonas”, que massa, né? Aí, depois eu mudei para o Ceará, eu fui morar no Ceará um tempo, aí eu descobri que o meu king xamânico era baleia e tem a história de Jonas e a baleia e quando eu fui morar no Rio, eu estava fazendo curso de História, eu entrei na sala errada e aí estava por acaso, a História de Jonas, e ele falou que o significado de Jonas é mensageiro. Aí depois, eu descobri que o significado de Worcman é homem da palavra. Então, o meu nome é mensageiro homem da palavra de Matos, eu virei poeta, então, achei isso muito massa.
P/1 – E o que mais você lia nessa época? Que você estava lendo o livro do Garrincha que você falou pra gente, que te marcou na época?
R – Eu entrei muito na pegada de ler biografia, sabe? Foi… nossa, essa é uma história interessante também. Eu li a biografia de todos que você pode imaginar: Ronaldo, Garrincha, Zico, Pelé…
P/1 – Tudo com o futebol?
R – Tudo com o futebol (risos). E aí com 14, eu lembro que eu entrei na pegada do holocausto, como a minha família é dessa descendência, eu fiquei muito tocado com a história. Eu comecei a ler tudo sobre a história do holocausto, só que ficou uma mágoa muito grande em mim, tudo virava isso, isso foi o que mais me pegou da cultura judaica. Até que um dia, eu estava voltando para casa, tinham lançado o Bastardos Inglórios, e aí rolou, eu vi o filme Bastardos Inglórios, tá ligado? E no final, o cara mudou a história, os judeus mataram Hitler e acabou o holocausto ali, e eu lembro que eu me contorcia de alegria, à noite, eu chorei na cama, mesmo, chorei de emoção. Eu lembro que eu tinha 15 anos e falei: “Nossa, o cara mudou a história para o cinema”, me curou e eu estava me sentindo aliviado, sem o peso nas costas e eu falei: “Vou fazer cinema”, decidi ser cineasta. E aí era o Tarantino. Foi o dia que eu decidi não mais ser jogador de futebol para ser cineasta, eu comecei a ver os filmes do Tarantino e ver a história dele, óbvio que ele trabalhava numa locadora, falei: “Vou trabalhar numa locadora também” (risos), aí consegui emprego numa locadora aqui do lado e eu vi que o Tarantino via dois filmes por dia, então falei: “Vou ver dois filmes por dia”, aí eu podia pegar filme de graça, eu ficava vendo filme o dia inteiro mesmo, não estou brincando, não. Eu voltava da escola, via filme. Via dois filmes, aí ia trabalhar na locadora, colocava um filme lá, ficava assistindo, recomendando, comecei a manjar muito. Eu fiz um curso, eu comecei a estudar roteiro, com 16 anos, comecei a estudar roteiro por conta própria, com o livro do Robert McKee, que chama “Story”, e eu vi que ele ia vir para o Brasil, eu pensei: ‘vou juntar dinheiro para ir’, aí chegou na época, eu não tinha tudo, aí minha mãe me ajudou e eu fiz o curso com ele, eram quatro dias inteiros, cada dia um gênero e analisando profundamente. Filme de terror, então ele analisava psicologicamente profundo o que é o medo e depois, toda a história do filme de terror e como construir os personagens e a gente analisando um filme de terror com tudo. Olha que interessante, a primeira coisa que os caras fazem no filme de terror é desestabilizar, então eles pegam as nossas estruturas e tiram, então quando a gente está em perigo, o que a gente chama? Deus ou a nossa mãe, então, eles sempre nas primeiras cenas, nas primeiras mortes, tem que ter um crucifixo ali mostrando: você não vai poder contar com Deus e são pais filhos da mãe. Então, nem com Deus e nem com os seus pais você vai poder contar. E aí a gente analisando cada detalhe do filme, ia parando em cada cena. No dia seguinte, comédia e tal. E analisando o que é o riso e aí a gente viu quatro filmes e eu fiquei: Nossa senhora! Aquilo abriu a minha mente de paixão, mesmo. E eu só falava de cinema, mesmo, e foi como eu entrei… quando eu comecei a aprender na escola, porque antes eu só causava. Aí teve aula de cinema, da história do cinema, eu na hora que entrei na aula de história de cinema e história do holocausto, eu comecei a prestar atenção nas coisas e aí eu me envolvi e comecei a aprender o resto também. E lá, exibia muito documentário e tal, eu ia fazendo uma lista de quantos filmes eu via por dia.
P/1 – Na Escola da Vila?
R – Na Escola da Vila. Eu vi uns 300 filmes no ano.
P/1 – E algum te marcou, desses 300, que você leva até hoje?
R – Muitos, cara! O que me marcou mais foi o Bastardos Inglórios, Pulp Fiction me marcou muito também, nossa, teve um da escola que marcou, que chama O Ódio, que é um filme francês, que analisa a segmentação da sociedade, mas me marcou daquela maneira que você sai sem falar, sabe?
P/2 – E esse trabalho na locadora foi o seu primeiro trabalho?
R – Foi o meu primeiro trabalho.
P/2 – E como era trabalhar lá?
R – Eu trabalhava quatro horas por dia. Eram quatro ou cinco vezes por semana, recebia um pouquinho, era quase como ajuda de custos, 15 reais, por dia. E eu era atendente, então a pessoa chegava, então eu tinha que recomendar filme para a pessoa, se ela pedisse, eu ia recomendando os filmes e passava, alugava, fazia todo o processo burocrático, limpava a loja e alguns dias, eu fechava a loja. E aí, eu trabalhava lá e era a minha vida isso.
P/2 – Era bacana? Você gostava de trabalhar lá?
R – Amava! Amava mesmo! Virou a minha vida, porque eu via muito filme e era a coisa que eu mais amava era filme. E eu ficava sempre… chegava o cliente, eu já ia… entrei na missão de disseminar filme bom, então eu falava… dava algum jeito de levar Tarantino para o cara (risos). E aí, eu acabei de esquecer que esse foi também a única coisa que não era legal era que era muito zoado, porque eu tinha muito problema com meninas nessa época.
P/1 – Ah é?
R – Na época… eu mudei muito criança para a Escola da Vila, todo mundo já ficava, já rolava altas coisas. E eu não, eu fui o último que deu BV mesmo, fui o último da série inteira e aí foi um negócio que ficaram… pior, que os meus próprios amigos eram uns capetas, mesmo e então, eles próprios ficavam me aloprando e foi muito tempo e o que me curou mesmo, acabou sendo a poesia mesmo.
P/1 – E como é que foi essa passagem da infância para a adolescência, então na escola da Vila? Como é que você começou a sair sozinho? Com quem que você saía?
R – Foi… os primeiros rolês eram sempre pelo futebol, mesmo, então por exemplo, eu ia a todos os jogos, quarta e domingo. Domingo não, porque tinha jogo fora de casa e eu não ia, mas eu ia todo jogo, mesmo e amava a coisa do estádio, tá ligado?
P/2 – No Morumbi?
R – Morumbi.
P/2 – E como que era ver um jogo no estádio?
R – Pô, era muito doido, cara! Primeiro que tinha um processo que era todo um ritual, você sai de casa, vai para o… então, o primeiro contato que você vai ter saindo da infância mesmo, ali protegido, você vai pegar o buzão…
P/1 – Sozinho, né?
R – É, sozinho ou com brother. Aí você chega lá, tem aquele mar de gente. Policial te revistando, tá ligado? Aí você vai na Dragões, aí você vai sacando onde pode ficar, você vai decorando só cantos e a galera vai começando a tacar o louco, eu fui pegando a linguagem e aí eu também comecei a jogar com galera muito pesada no futebol, uma galera que joga até hoje, mas uma galera que jogava muito forte, que reclama muito, mais periférica, mesmo também. Então, eu fui pegando um pouco a… como se fosse, a malandragem, a sutileza. Então a gente ia e o nosso desafio, eu ficava pensando no futebol que ia ter a noite, também. Ou jogava futebol, ou eu ia para a locadora, e aí foi um pouco… a minha vida era isso. Os meus brothers também amavam futebol, então os nossos rolês eram esse, ou entrar pela saída do cinema, também.
P/1 – Como é que era isso?
R – A gente ia para o Shopping Villa Lobos, aí a gente olhava, ficava lá na saída, fingindo que estava trocando uma ideia, uma pessoa abria a porta, a gente segurava e entrava e sentava na primeira sala e tal, aí a gente ficava um tempo lá, até que saía para ir ao banheiro, estudava os filmes que estavam e ia ver. E aí a gente fazia muito isso (risos). Mas o que rolou muito é que a galera não é tão inocente, não era muito… tiveram coisas bem pesadas, na adolescência, não comigo, mas eu vivenciei com 12 anos… será que eu conto? Conto, né?
P/1 – Conta, se você quiser!
R – Teve uma história de uma menina que um menino teve uma relação sexual, não sexual mesmo, tipo pré, o menino a filmou e foi vender na escola, mano. A gente tinha 12 anos, eu lembro que isso traumatizou muito a pessoa. Foi vender para professor um negócio que era… parecia filme mesmo. E eu lembro que era muito essa pegada, já estava avançada e eu não ficava e aquilo ficou muito na minha cabeça. Eu perdi o BV dando o beijo numa menina com 14 anos.
P/1 – Como é que foi isso? Com quem foi, você se lembra?
R – Lembro. Foi bem… foi um dia, um dos brothers falou: “Você ficaria com o Jonas?” “Não sei”, aí eles fizeram um negócio todo encontro e eu lembro que me levaram para uma sala e eu tremia, meu corpo inteiro tremia. E eu fiquei com a menina. Eu lembro que foi um dia de celebração na escola, a galera inteira estava na quadra gritando, batendo tambor, quase. Foi como se tivesse ganhado um campeonato (risos). E no mês seguinte, eu fiz um intercâmbio para a Suécia, isso foi muito importante na minha vida.
P/1 – Você viajou para lá com quantos anos?
R – Com 14 e eu tive… o CISV que é uma organização para paz mundial, aí tinham viagens e eu fui para… eu tive a primeira viagem para Belo Horizonte e a segunda para Suécia para a gente conhecer uma nova cultura. E eu cheguei lá, era o dia inteiro dia, como era verão, era o dia inteiro dia, mesmo. Ficava escuro à uma da manhã, às três da manhã, já estava claro. E foi realmente onde eu tive uns contatos muito fortes de laço com o Rick que era o meu líder, a Alice, o Bruno que eram pessoas que a gente… brincava muito. Eu lembro que a gente causava ferrado, mesmo. Por exemplo, a gente aprendia os palavrões suecos (risos) e ficava gritando no meio da rua, a galera ficava doida, doida… depois eu fui para Suíça, chegou a ser um dos melhores dias da minha vida, porque a gente subiu os Alpes, eu lembro que eu falava: “Nossa, é impressionante”, a cada segundo melhora, está melhor, está melhor, a gente chegou no topo, foi a primeira vez que eu vi neve. E aí você ficava absurdo, mesmo! E ainda eu tinha coisa com menina, ainda era meio desastroso, eu lembro que passou uma menina no avião, a gente ficou: “Nossa, que paixão! Vamos falar com ela?”, aí o líder: “Fala assim, vamos escrever um bilhete”, escreveu um bilhete para ela: “A poltrona 37E tem telefone? Assinado 26F”, e a gente mandou, aí ela chegou, veio até a gente, sentou no nosso lado para conversar e a gente travou (risos), foi a maior vergonha. E depois, vieram suecos na nossa casa e eu fiquei com uma sueca e eu lembro que foi bem marcante. E teve todo esse período, eu ia vivendo o CISV também, que eu ia fazer acampamento com pessoas que são meus amigos até hoje. E aí foram paixões assim. Eu consigo definir a minha vida com paixões. Primeira paixão com coisas a mais: futebol, dos sete aos 14, com entrada do CISV; cinema: 15 aos 16; e com 17, poesia. Eu lembro que eu estava no terceiro colegial, me apaixonei pela poesia. Até falei: “Vou morar com o meu pai, porque o meu pai é poeta”. Meus pais se separaram, “Vou morar com o meu pai”.
P/2 – E como que foi a separação? Isso te marcou?
R – Foi logo depois do meu Barmitzvah, eu lembro que os dois foram no cinema e um dia, eles falaram que eles iam se separar e eu lembro que eu suei muito, mas depois foi de boa. Meu pai foi morar em uma outra casa e a gente se divertia muito com ele e a minha mãe começou a namorar quem antes era o meu professor de piano. E era um cara com quem eu me dava muito bem, então eu gostei, até. O meu irmão, eu senti que marcou muito ele, meu irmão Miguel.
P/1 – Como é que a relação sua com o seu irmão?
R – No começo, eu era o terror, peço até perdão aqui, Miguel, porque eu era um terror para o meu irmão, a gente implicava muito um com o outro, mas depois ficou bom. Eu admiro o meu irmão, ele é melhor que eu, ele escreve muito, prosa, ele arregaça mesmo. Eu lembro que teve o Barmitzvah, a gente foi para Israel no Barmitzvah dele, há dois anos e aí ele tinha lido 56 livros em um ano, uns livros grossaço e escrevendo umas coisas, que mano… na viagem mesmo, entrei em choque com a qualidade, em prosa, não era poesia, era prosa. Muito massa, cara! E hoje, a gente, de vez em quando, tenta dar uma saída, vai ao cinema e tal, acho que é o cinema que acaba unindo muito a gente. Mas voltando, com 17 anos, eu fui morar com o meu pai e fui na pegada da poesia.
P/1 – Ele morava onde?
R – Na minha casa anterior. Minha mãe mudou de casa, foi para frente de uma quadra de futebol, o meu pai ficou lá. Enfim, aí eu fui morar lá e eu tinha muitas poesias, até que eu fui pro sarau do… descobri, entrei no Catraca Livre, eu escrevia para o Catraca Livre, isso foi um marco também, quando o Gilberto fez uma matéria para mim, ele me convidou para escrever para o Catraca Livre, então escrevi umas matérias, só que depois eu parei um pouco e aí eu descobri saraus na periferia. Aí vi lá o primeiro: Poesia Maloqueirista, Sarau do Binho, nem sabia o que era, na biblioteca que era aqui, Alceu Amoroso Lima. Eu cheguei lá com uma amiga minha que eu estava apaixonado há dois anos por ela, muito doido e eu tinha acabado de escrever o meu primeiro poema de amor.
P/1 – Pra ela?
R – Pra ela. E aí, eu lembro que era o Sarau do Binho e o Binho contou a história aqui no Museu da Pessoa para o Projeto Kombiblioteca, ele contou a história dele lá, que ele pegou a BR, que ele fez sarau com os índios, que os políticos estavam fechando e eu fui ficando de boca aberta, tá ligado? E aquilo, depois eu vi os Maloqueiristas, aquilo mudou totalmente a minha vida, mesmo, meu olhar. Eu fui lá na frente e li o poema que eu tinha feito para ela no sarau, só que não diretamente, eu li o poema e vou até falar o poema que é assim: “Me pede que pegue as estrelas/ Mas como eu irei trazer?/ Um poeta de linhas tortas/ Traz estrelas já mortas?/ Sim, o meu amor é forte/ E capaz de dobrar a morte/ Só para ter você”. Aí depois disso, ela se abriu, ela nunca tinha dado um mole, mesmo. Aí depois disso, rolou. Eu fui escrevendo vários e eu entrei na pegada da poesia, eu fui descobrindo um sarau atrás do outro. E a galera… eu era o mais jovem, era uma galera mais velha, então a galera me acolhia muito. Então eu comecei a ir, aí foi um sarau atrás do outro, aí eu ia escrevendo um poema, escrevi aquele poema, por exemplo, os de São Paulo, vou falar tudo de uma vez: “Socorro, socorro/ Me tirem da cidade onde eu só corro/ Beijo rápido sem conversa/ O amor de São Paulo também tem pressa/ É ela, é ela/ Ela passa, foi amor à primeira vista/ Pena que já seguiu com as multidões da Paulista/ Se os meus versos de amor não chegam até você/ É porque estão presos na Marginal Tietê/ Em São Paulo, o amor se inibe/ E se algum sentimento nasce/ O Kassab proíbe”. E eu ia fazendo, e como eram poemas mais cotidianos, por exemplo, a gente fez Poetas Ambulantes, que surgiu nos ambulantes coletivos, que era poesia no metrô e no ônibus. E aí eu entrei na pegada de eu fazer sozinho, também isso aí. Aí eu entrava no ônibus e declamava, até que e um dia, eu entrei num ônibus e comecei lá: Em São Paulo, o amor se inibe… aí eu vi um cara que eu não
conhecia do meu lado, falou assim: “E se algum sentimento nasce, o Kassab proíbe”, completando o meu poema, porque as pessoas nos saraus começaram a falar e a galera começou a conhecer e eu fui vivendo esse mundo e estava ao mesmo tempo, a galera fixada, começou a coisa do vestibular, começou todo mundo: “Vou fazer vestibular, vou fazer vestibular”, e eu: “Sai fora, mano”, não queria fazer vestibular de jeito nenhum, porque como eu disse, se me obriga a fazer, aí é que eu não faço mesmo. Só que aí, eu falei: “Vou prestar Educom”, Educomunicação e eu fiquei muito na pegada dos saraus, até que teve a Literatura Divergente, que era o encontro de literatura de quem estava fazendo literatura diferente, mesmo e eu era o único menor de idade no encontro, pelo o que eu lembro, até que eu levei um amigo meu, mas eu era o único menor de idade no encontro e pessoas muito diferentes. Aí teve um cara que se denomina poeta Exu, Nelson Maca, cara da Bahia e ele fazia uma… mano, só faltava o Exu subir na performance dele, eu ia vendo aquelas figuras, o Gog colou, sabe, uma mulher…
P/1 – O Gog de Brasília?
R – O Gog de Brasília. Umas figuras muito alternativas, na literatura e aí eu ficava vendo a galera tendo que ser obrigada a estudar, fazendo cursinho, saindo da escola às cinco horas, fazendo cursinho depois e eu no meio da poesia com a galera, mano, revolucionando, fazendo sarau na periferia, já estava vislumbrando outro caminho. Até que chegou o Berimba de Jesus e falou: “Jonas, vamos fazer um livro seu?”, rapaz, acho que é a melhor coisa que eu já ouvi na vida, eu falei: “Vamos”, e aí virou o livro “A Vida é Bélica”, eu fiz, entrei na pegada de fazer, fui prestar vestibular, descobri todos saraus, ia no sarau, aí tinha um outro poeta que tinha acabado de fazer, Vitor Rodrigues, aí eu lembro que ele tinha acabado de lançar o livro dele aquele ano, ele era mais jovem, tinha 22 anos também e eu tinha 17, e aí ele tinha vendido uns livros dele, ele me deu um dinheiro para eu imprimir o meu livro.
P/1 – “A Vida é Bélica”?
R – “A Vida é Bélica”, e aí eu imprimi 300 exemplares e eu fiz o vestibular, primeira fase, passei, cheguei na segunda fase, eu estava muito desesperado, estava a galera muito tensa aí eu olhei assim, um olhando para o outro como se o outro fosse competidor, né? Mas na verdade, era infelizmente, era como se o outro fosse o rival do outro na sala, doideira mano! Aí estava aquele clima, antes de começar, silêncio, eu falei: “Pra descontrair, vou declamar um poema”, e olha o poema que eu declamei: “O estudo não diz tudo/ O estudo não diz tudo/ O estudo que distúrbio/ A minha mente não reage com a química/ Desobedece as leis da Física/ E vagueia sob a luz de lua/ Vou vivendo os universos/ Já compus mais de mil e um versos/ E atravesso os oceanos de bicicleta/ Matei neurônios/ Virei poeta”. E aí eu declamei e todo mundo ficou assim, aí veio o monitor de outra classe, falou: “Declama outro”, aí eu comecei a declamar vários, vinha vindo gente de outras classes e eu fiquei declamando até distribuir a prova. Quando chegou a prova, eu estava tão empolgado, eu sabia tudo de Geografia e História, eu respondi a prova inteira em verso, inteira mesmo. Eu olhava: o que é esse pontinho aqui na Amazônia? Aí eu falo assim: “Meu coração se enche de tristeza/ ao constatar que quem desmata a Amazônia é uma empresa”, aí ia respondendo tudo em versos, não deu outra. E depois que acabou a prova, eu falei: “Passei, tá ligado? Passei, mano”, porque eu sabia tudo e eu tinha passado com muita folga na primeira fase e aí eu sai com o Vitor pra vender. A gente foi para Santos, então era um negócio que eu estava… tinha acabado também de… visitei o MST, estava muito não querendo essa sociedade como ela é. Até tem um poema que é assim: “Você é presa de uma empresa/ Você é presa de uma empresa/ De uma empresa que surpresa/ A flor que nasceu na rua/ Tem patente, preço, nota fiscal/ Um minuto de silêncio, morreu outro sarau/ Devo virar Robin Hood/ Fazer alguma loucura/ Qualquer problema na saúde, isso é o dinheiro/ Cura que é cultura/ Paga que é escola/ Paga, eu não sei como fazer para dar descarga/ E me livrar de toda merda/ Dessa sociedade privada/ Dessa sociedade privada”. E aí teve outro também que eu fiz baseado no Destino Severino que é assim: “Caçados e caídos pela fúria dessa guerra/ Severino são comidos pela fome dessa terra/ terra de um só deus, impossível de plantar/ é engolidora de almas viciada em matar/ matança que condena Severino eterno réu/ que agora luta contra os latifúndios do céu”. E aí eu lembro que eu até fui para um festival de poesia na minha escola, fui convidado pra abrir o festival, porque eu já estava nesse movimento. Abri o festival com uma banda, declamando, fui homenageado lá, comecei a grafitar, pichei alguns muros, também.
P/1 – Como é que foi esse negócio do grafite?
R – Rapaz, foi muito louco! Eu lembro que eu grafitei no centro, ai eu fui grafitar num dos lugares mais importantes públicos, aí chegaram os caras: “Mano, vaza aí, vaza aí”, eu fui num canto de um viaduto e vi a polícia chegando assim. Mas eu grafitei na frente de casa um negócio enorme: “Não tem escolta, anda sozinha minha revolta” e um dia eu declamei isso num sarau. Aí o cara falou: “É você? Eu vejo a sua poesia todo dia indo para o trabalho, amo”, encontrava várias pessoas que conheciam a minha poesia pelo grafite e outras pelos saraus e eu saí nessa pegada de poesia de rua, de todas as formas, já tinha o livro: “A Vida é Bélica”, vamos que vamos… aí fomos para Santos, sem nada, um apezinho, a gente tinha combinado de sair para vender. E aí a gente, eu e o Vitor, ele teve uma crise absurda com a namorada dele, absurda mesmo, então ele não estava muito focado, então ele ficava meio lendo, vendeu uns livros na praia, chegava… imagina, a pessoa está lá na praia com o guarda-sol, chegava lá: “Vá idá idade/ eu quero ficar mais velho/mais sábio/ não só mexer no lábio/ alimentar a vaidade”. E aí, ia declamando os poemas, os poemas da galera também, do Sergio Vaz, que não pôde vir hoje. “Enquanto eles capitalizam a realidade eu socializo os meus sonhos”, o poema do Emerson Alcalde, a gente ia levando essa poesia de agora para a galera, vendendo livro na rua. Era pra gente, a coisa mais da hora do mundo, só que isso durou um dia e meio, porque ele teve uma crise tão grande que ele não conseguia emocionalmente continuar a viagem. Então, eu me mandei para Minas Gerais sozinho, sem lugar para ficar, assim, porque eu soube que estava rolando um festival de cinema lá, na hora que eu cheguei lá em Minas Gerais, um rasta já me abrigou, eu fiquei na casa de um rasta acampando no quintal e aí eu vendia livro todo dia, vendia… no começo estava muito tímido, mas depois, eu estava vendendo muito livro! Até rolou um filme em homenagem ao Jards Macalé lá, aí depois que acabou o filme, eu cheguei no Jards Macalé: “Posso declamar um poema?” Aí eu declamei um poema para ele que é assim, um poema sobre música que eu fiz depois de um recital de piano, que é assim: “Acordou para respirar acordes/ A música vem e morde/ Te alimenta, te orienta/ Te faz à sorte/ Ano a ano, os dedos no piano regem os gemidos da morte/ E o meu coração dá suspiro diante da arte esculpida/ Como tirou de ouvido, todo sentido da vida?” Aí ele falou: “Rapaz que poema bom! Quero comprar o livro!”, aí comprou o livro. E falou: “Vamos conversar pra gente musicar e tal”, acabei não conseguindo falar com o Macalé, mas o Jeneci também viu a frase “A Vida é Bélica”, apaixonou, colocou como título dele “A Vida é Bélica”, a gente acabou se reencontrando agora, eu e o Marcelo Jeneci, depois do show dele, fomos numa praça com uma cachorra, a gente ficou trocando… foi uma conexão muito forte, a gente ficou de fazer umas músicas juntos. Mas enfim, eu fiquei viajando, dei uma bela viajada até que eu cheguei, eu tinha respondido tudo em verso, fui eliminado. Todas as minhas perguntas que eu respondi em verso foram eliminadas, não passei na faculdade. Eu fiquei até feliz, eu pensei: “O que eu vou fazer?”, meus pais não estavam me apoiando muito nesse movimento, falaram: “Vamos mudar para um projeto que parece”, e aí eu fui lá para o Ceará…
P/1 – Morar lá?
R – Fui lá para o Ceará, para morar num projeto de jovens, no sertão que se reuniam para estudar, um ajudando o outro para entrar na universidade. Só que rolou duas coisas: uma que eu me encantei, eles trabalhavam muito com histórias de vida, até todo mundo conhecia o Museu, tudo, amavam mesmo história de vida e as histórias de vida eram magnificas, então eu estava muito chocado com a humildade das pessoas de lá, do agricultor que ficava cinco, seis anos, começava analfabeto, entrava na universidade, histórias chocantes de superação, sete caras… umas histórias muito da hora e a galera entrava na universidade, entrava na universidade, voltava no fim de semana para ajudar o outro a estudar. Só que o que acontece? Tinha saído porque eu não queria entrar na universidade, me mandaram para um cursinho diferente, mas um cursinho. Só que o universo me mandou para outro lugar. E aí falavam, falavam, e falavam, eu acabei parando no Ciclovida. Eram agricultores que tinham viajado de bicicleta do Ceará até a Argentina. E eles foram… sem um real, só trocando semente crioula… só para saber, tem tempo ainda?
P/2 – Mas conta mais histórias, você já soltou algumas poesias, fala mais da história da viagem e depois no fim, você arremata com umas poesias.
R – Não, mas tem mais histórias, depois dessa viagem, tem muita história, ainda.
P/1 – Pode continuar. Vamos lá. Você foi para o Ceará, para o Ciclovida.
R – Fui para o Ciclovida, aí o Ciclovida eram esses agricultores que andaram de bicicleta até a Argentina trocando semente crioula, eles tinham uma história de luta de terra, as terras que eles tinham eram ocupadas, eles fizeram uma agroflorestal no sertão, então tinha acabado de descobrir um pouco a espiritualidade das coisas e os caras lá praticavam meditação vipassana, aí eu falei: “Vou ficar pra cá”, abandonei o projeto na hora e aí eu fui ficar no primeiro dia e chegou um outro cara de longe, e isso é até meio proibido lá (risos), ele recebeu um sinal vipassana, que é uma técnica que Buda descobriu, que são dez dias em silêncio, meditando o dia inteiro, aplicar em mim, clandestinamente lá. Aí a gente foi para o meio da floresta mesmo, eu estava um dia no lugar, aí eu fiquei quatro dias meditando, sem falar, só que aí a galera… como é o nome? A galera falou: “Não, não”, me tirou de lá, “Vem para essa vivência aqui”, eu fiquei lá só que eu estava um pouco desarmonizado porque eram pessoas muito humildes em questão do dinheiro, essas coisas, muito humildes só que eram as pessoas com mais amor que eu já conheci. Sinceramente! Eu nunca recebi tanto amor, tanto acolhimento, eram como um pai, uma mãe, mesmo. Nossa, era muito amor e eu não me sentia merecedor daquele amor. Então, me sentia sempre desalinhado. Até que chegou um amigo meu e falou: “Vamos fazer um Thetahealing?”, eu: “Vamos”, aí ele me levou para um canto e falou: “Vamos fazer o Thetahealing”, a gente subiu lá no telhado, cheio de estrelas e fez o Thetahealing. O Thetahealing é um processo que é uma mulher que se curou de um câncer só através da meditação que você entra no estado Theta a mente, que é o estado da hipnose e você consegue nesse estado, reprogramar o inconsciente. Ele era muito sábio, mesmo, ele conseguiu achar no inconsciente o que estava provocando aquele desalinhamento, mudou. No dia seguinte, eu estava fluindo no lugar. Depois de um tempo, você também abre os canais espirituais, não sei se vocês acreditam, tal, mas não importa muito, porque eu acredito. Na segunda vez, ele fez um Theta e ele se comunicou com o meu anjo da guarda e aí veio o meu anjo da guarda falar umas coisas para ele, falar principalmente, para eu entrar em harmonia com os meus pais. Mas na hora que ele falou, eu me derramei em lágrimas, eu nunca senti um… foi semelhante ao processo do Bastardos Inglórios, nossa! O Thetahealing me trouxe, nessa vez, aí eu falei: “É isso que eu tenho que aprender nessa vida, é isso mesmo que eu quero”, porque era um universo muito mágico, estava viajando em busca de magia e voltei para aprender o Thetahealing. Aí eu voltei…
P/1 – Para São Paulo?
R – Voltei para São Paulo, foi errado, eu não estava pronto para voltar, eu tinha acabado de despertar e voltei e aí quando eu voltei, eu cheguei em junho de 2013 (risos), só pensando em espiritualidade, e Thetahealing e cheguei com todo mundo indo à rua loucamente, e eu não sabia o que fazer, mesmo. Eu acabei indo para a rua, só que eu estava muito desarmonizado. E eu acabei entrando numa crise… meu livro… mas antes de falar disso, por exemplo, eu vou falar alguns poemas do livro, pode ser?
P/1 – Pode.
R – Por exemplo, foi na época de amor, mas como eu ainda não tinha nenhuma menina, eu fiz esse poema, ainda não tinha ficado com ninguém de verdade, como eu falei, eu tinha um processo, eu fiz assim: “Algum dia você vai despertar os meus mais belos versos de amor/ Mas ainda não a conheço, não sei se é Ana ou Alice/ O destino não chegou, o destino não me disse/ Se é brasileira, se é estrangeira, branca, negra ou mulata/ A angústia de não te ver chega aos poucos e me mata/ Então mantenho os meus versos abertos e sigo pela rua/ Conversando com a cidade, longe da realidade/ Contigo vou sonhando/ Eu sei que vou te amar/ Só não sei quando”. E aí eu fui fazendo vários poemas pras meninas e por causa disso, eu acabei ficando com a minha primeira menina.
P/1 – A poesia te ajudou então, no amor?
R – A poesia foi… olha, por exemplo, eu tinha me apaixonado por uma baiana: “Desconhecida da botânica, essa flor brotou/ Furtou o encanto do jardim, roubou o perfume do jasmim, germina agora em mim/ E cresce a cada semana, não é rosa, nem violeta/ A minha flor se chama pura e simplesmente, Mariana”. E eu ia fazendo assim, numa aula de Física, por exemplo, um poema chama “Aula de Física”: “A gravidade está investida, a força-peso aponta para cima/ A corrente me eletriza para eu soltar essa rima/ De um jeito que Newton não crê/ A Física não explica a minha atração por você”. Aí como eu não sabia, eu estava com esse problema, eu chegava na menina e: “Deixa eu te falar um poema?”, e aí rolou uma abertura, onde eu comecei… aí eu consegui ficar com…
P/1 – Com uma menina!
R – Fiquei com umas meninas, fiquei, até, só que eu entrei logo na onda do budismo quando eu viajei, ai eu…
P/1 – Impactou também na sua obra, então?
R – Adaptou, aí só deixa eu falar um último poema que não estava… que é o “Tiras”, que é na viagem de Tiradentes, ainda, quando eu fui lá para Minas Gerais, eu estava nessa viagem e aí eu falei… eu vi os artistas que estavam abrigados comigo, chilenos, serem reprimidos, serem mal tratados, mesmo. Eu mesmo, muito mal tratado e aí eu fiz um poema em Tiradentes, num festival de artes e os artistas mal tratados. O poema é assim: “Tiras”: “Tira dentes, tira almas, tiranos não vão me tirar os anos/ Querem me enganar até quando gritando e proclamando que vivemos em igualdade?/ Que somos uma fraternidade, estamos em liberdade/ Liberdade é o caralho, você é escravo do trabalho/ E eu sou somente semente/ E mantenho na mente o universo, na boca, um verso/ E no pé, a estrada/ Vou com coração, sem rumo e direção/ Encontrar a alvorada”. E aí eu acredito que eu encontrei a alvorada com a Thetahealing e eu voltei para fazer os cursos, eu entrei muito numa pegada e aí eu fui trabalhar lá no Canal Curta…
P/1 – O que é o Canal Curta?
R – Fiquei um pouco em São Paulo, até tive uns episódios engraçados de meditação, fui numa meditação com tambores e aí era um negócio que você tem encontros muito fortes, viagens no inconsciente, mesmo e eu saí com muita energia, cantando na rua. Aí eu estava cantando na rua, soltando o verbo na rua, mesmo, com umas roupas mais alternativas, ai a polícia começou a parar. Aí falaram: “E aí?”, eu: “E aí? Boa noite” “Onde você está indo?”, eu falei: “Pra casa, mesmo” “Você é daqui mesmo?”, eu falei: “Eu sou, mas se eu não fosse, teria algum problema de estar aqui na rua?”, aí eles falaram: “Vai ver que você está falando que vai para tal lugar e não vai” “Mas a rua não é de todo mundo? Não posso estar na rua, num lugar público?”, aí ele falou assim: “Deixa eu ver o seu documento”, eu: “Tá bom, quer ver, quer ver”, dei o meu documento para ele, ele: “O que você faz da vida?”, eu: “Isso aqui”, aí eu comecei a declarar um poema e acabava… aquele que eu declamei há pouco: Em São Paulo/ O amor se inibe/ E se algum sentimento nasce/ O Kassab proíbe. Aí os policiais aplaudiram para caralho, nossa, começaram a aplaudir muito, falaram: “Anota o nome dele que a gente vai procurar no YouTube. Faz um poema sobre a polícia militar”, falou, né?
P/1 – Você fez?
R – Eu tenho um, mas não sei se eles gostariam muito que é assim: “Vi escrito nas catracas do metrô/ Doe sangue/ Acho que apareceram poucos voluntários/ Porque a polícia já ensaiou a coleta”. (risos) Para coletar o sangue na galera. Então estava muito nessa pegada e aí eu acabei indo para o Rio para trabalhar porque rolou uma oportunidade de um estágio lá…
P/1 – Depois de junho de 2013?
R – Depois de junho, foi em setembro. Meu primo que criou o canal, e aí ele falou: “Você tem alguma ideia para o canal?” “Poesia falada”, na hora assim, poesia falada, ele: “Poesia falada?” “É, poesia falada, está muito massa”, aí ele experimentou umas coisas, deu super certo, a galera super gostou, ele falou: “Vem aí já que você teve aquela ideia e vai fazendo isso, estagia aqui, aprende como é trabalhar no canal”, então voltei a ver muito filme, que eu decupava filmes, então ficava decupando, decupava um ou dois filmes por dia, morava com a minha avó, então eu ia a praia e para juntar dinheiro para fazer o curso de Thetahealing. Nisso, eu também conheci a Ayahuasca e eu comecei a sentir o chamado em sonhos, mesmo. Tinha sonhos, por exemplo, onde vinham índios falar pra mim: “Tem que tomar Ayahuasca”, e teve outro sonho, por exemplo, que eu ia fazer o vestibular da PUC, eu entrei na sala do vestibular, aí eram uns índios que estavam na sala servindo o chá de Ayahuasca, eu tomei o chá de Ayahuasca, eu saí do corpo e eu comecei a rodar e ver que o espírito era livre, ele fazia o que quisesse, só que eu vi minha mãe sofrendo muito, eu falei: “Nossa, realmente eu ainda posso me desenvolver mais na matéria”, voltei e tenho experiências muito fortes. Fiz um retiro de dois dias inteiros sobre a força da Ayahuasca, eu sentia muita luz mesmo, toda vez, chegava, estava lá e sentia uma energia nas minhas costas, e aí eu mergulhava nos cantos, vinham várias informações e até a primeira vez, eu estava numa teia deitado, e comecei a ver o prana se esvaindo do meu corpo, prana saindo, e eu achei que eu ia morrer e eu decidi, eu falei: “Já era, vou morrer”, aí eu deitei na grama assim, e veio uma voz: “Você quer morrer ou você quer viver?”, eu falei: “Viver” “Então, vive de verdade”, e aí veio essa coisa, viver de verdade, o que é, qual o sentido? E outra vez, falou: “O que você tem que procurar na vida é o sentimento, é o sentimento que guia a vida. Na sua idade, você tem que buscar sentir”, eu estava muito no trabalho e aí até eu tive uma vivência que não foi tão massa, mas não foi com a Ayahuasca, foi com outra droga. Eu aprendi o Thetahealing, eu estava praticando, imagina, estava atendendo as pessoas espiritualmente, de cura. Aprendi uma técnica com as mãos também, chama Magnified Healing, por exemplo, eu até tive portais abertos, onde você consegue falar com o espírito que se foi, então tive, por exemplo, contato com o meu avô, ele me passou várias mensagens, falou assim: “Jonas, você é livre para fazer o que você quiser, mas tome responsabilidade por isso”, e aí eu ia tendo essas conexões, e eu resolvi viajar, eu ia fazer uma meditação de dez dias, eu encontrei meus amigos lá de São Paulo, só que eu estava muito tempo sem ver eles, eles falaram: “Vamos viajar juntos para Bahia”, e eu estava muito na pegada, pensando na iluminação e a gente foi junto. Cada um… como eu tinha viajado para um lugar e eles estavam e faculdade ou cursinho, era outra pegada. A gente se reencontrou, eles tinham meio que descoberto o caminho da transcendência um pouco em algumas drogas, vamos dizer, como ácido, LSD, maconha…
P/1 – E você começou a experimentar também?
R – O que aconteceu? Eu experimentei e aí eu abri o canal, como eu já estava muito espiritualizado, eu vi, por exemplo, os índios da terra, os índios daquela terra mortos lá e aí eu vi eles entrando na minha aura, senti muita perturbação e não conseguia mais falar com as pessoas e aí teve um dia que eu senti que eu baixei algum espírito mesmo em mim, porque eu comecei a voar, eu começava a escalar parede, começava a falar com todo mundo numas coisas muito doidas, mesmo. No dia seguinte, encontrei os caras do nada e fui para um terreiro (risos). Fui para um terreiro e aí o pai de santo falou: “Você tem que fazer uma limpeza”, eu tinha muita coisa, mas aquilo foi muito… e ao mesmo tempo que eu estava tendo essa experiência muito ruim, forte, meus amigos estavam… alguns encontraram a iluminação, mesmo, eu via os caras com o viola, o cara estava transcendendo o nível da matéria, ali, ele estava no êxtase, tocando como divino, mesmo, não consigo imaginar ninguém tocando melhor do que aquilo. E eu pensei: “Não foi só Buda que se iluminou, porque ele está iluminado ali’, e aquilo me despertou, porque eu estava numa pegada muito de: lá, lá, lá… e aí eu voltei e consegui fazer as coisas aqui. Eu acabei voltando para São Paulo, porque não aguentei voltar, porque tive essa experiência, teria que voltar para trabalhar oito horas por dia, nove horas e eu não estava aguentando psicologicamente mesmo, estava muito carregado psicologicamente. Eu voltei, aí fiquei de boa, comecei a fazer uns cursos de expressão corporal e encontrei a Casa de Jaya, que era a casa de meditação, onde tinha a galera que fazia umas coisas alternativas, comecei a viver umas coisas alternativas…
P/1 – Isso era 2014, já?
R – Era 2014. E aí eu encontrei o sarau dessa galera que tinha muitas coisas alternativas, eu fiquei meio por lá e eu levei a poesia para eles. Então foi o meu despertar da poesia. O que acontece? Eu tive uma oportunidade de ir ao Acre, eu falei: “Nossa, eu tenho que ir”, senti que tinha que ir e aí rolou um conflito e acabei não indo. Isso foi um processo que aí eu mergulhei numa depressão muito profunda, mesmo, pensei: “Nossa, eu queria tanto viajar!”.
P/2 – Mas que conflito foi esse, espiritual?
R – Foi com os meus pais. Tipo: “Você não vai para o Acre”, e acabei não indo. E aí eu fiquei: “Minha vida não tem sentido, não vou conseguir me realizar mesmo”, eu fiquei muito triste, mas quando eu digo triste, eu digo triste mesmo, de ficar dias na cama e aí eu entrei numa universidade só para fazer algum bagulho da minha vida e aí acabaram me… eu fui para Piracanga em julho e aí foi um pouco o que salvou, eu tive várias vivências xamânicas lá fortíssimas, foi um mês só, mas foi muito intenso o que eu tive. Eu continuei em crise lá, fui para Flip, meu pai tinha ido com os livros, eu cheguei na Flip e comecei a vender livro na rua de novo, mas em crise. Imagina uma pessoa em crise, vendendo livros na rua! Acabou rolando, uma menina… eu me apaixonei por uma menina, uma menina se apaixonou por mim lá de 30 anos que morava aqui, aí eu voltei namorando ela, então voltei para São Paulo numa faculdade de naturologia, que era de cura pela natureza e namorando uma mulher de… porque eu tinha ficado só com uma menina depois disso, 12 anos mais velha, de 30 anos. E a gente meio que morando juntos.
P/2 – Sua primeira namorada?
R – Foi minha primeira namorada, de verdade. E aí…
P/1 – Vocês moraram juntos, até?
R – A gente não morou junto, é que eu ficava todo dia… eu fiquei quase… sabe? Quase morar juntos. E aí a gente ganhou um… aí o estúdio de novo e a gente teve lançamento disso. E eu estava todo esse período em crise, rezando para ter outra chance, porque eu não estava amando a universidade, mesmo. Estava sentindo que era um negócio de pura… dentro do sistemas, que para algumas pessoas é interessante, tal, mas para mim, eu decidi que eu quero alternatividade e aí eu queria, queria, até que a gente viu o lançamento de um livro, uma penca de poeta, a gente lançou na Cooperifa, foi naquele dia que eu senti que eu me curei. Eu falei: “Nossa, eu estou vivo, estou poeta”, porque eu chegava, vendia os livros fluindo mesmo. E aí eu comecei a vender livros em tudo quanto era lugar de novo. Viajar. Uma pessoa que eu tinha conhecido há dois anos me convidou para a cidade dela. Eu cheguei em Minas Gerais numa escola muito… no interior do interior, encontrei os meus desenhos do meu livro, feitos dos meus poemas que crianças fizeram e aí aquilo ia me comovendo de uma maneira! São as coisas que mais me comoveram na minha vida foram esses contatos com essas crianças, quando eu fui no Ceará, quando eu dei uma oficina no CRAS, que é um programa de assistência social lá, fiz a pergunta depois: “Qual foi o dia mais importante na vida de vocês?”, aí um menino falou: “Foi te encontrar agora”, foi a coisa mais massa que aconteceu comigo. E esse contato com essas crianças mesmo alimentou a minha alma. Aí eu voltei para BH sem nada, mesmo, que era para encontrar não sei quem e não tinha o telefone da pessoa, eu cheguei com mochilão, chovendo, tomei um sopão na rua, sem nada mesmo, só com os livros na mala. Cheguei, falaram: “Vai vender livro no Maleta”, aí eu cheguei no Maleta, tinha uma banca de poetas, e os poetas olharam para mim com o livro: “Chega aí, chega aí”, me recepcionaram, me ajudaram a vender, eu vendi vários livros, naquela noite, eles me abrigaram na casa deles, aí eu descobri que estava tendo o maior circuito literário da cidade naquele fim de semana. Aí fiquei amigo do Chacal, fiquei amigo de vários poetas, aí eu até fiz a intervenção do Giovani guarda-chuva, ele não gostou muito, mas eu fiz. Foi uma libertação com a poesia, mesmo. Eu voltei muito na pegada. Eu estava na universidade, ainda, matei várias aulas, só que o que eu fazia na universidade era poesia mesmo, era só isso. Eu chegava e ficava vendendo livros no corredor, me enturmei com a galera do rádio, declamava poema quase todo dia na rádio. Na classe, eu transformava o conteúdo da matéria da classe em poema. Então, vou falar um poema desse conteúdo, que é assim, era falando sobre as medicinas alternativas, então é assim: “É lógico, é lógico/ É tão lógico que chega a fazer eco/ Ecológico, é lógico/ É tão lógico que chega a fazer eco/ Ecológico, você se para quando você separa/ Você se para quando você separa/ Alô pática, alô, alô pática/ Volte para prática/ Saúde é muito mais que matemática/ Pois o que faz o meu momento vocês dizem que é/ Complemento?/ Eu vou andar até encontrar o meu elemento/ O que é que te alimenta/ Como você se inventa/ E meu Deus do céu/ Como a sua família te aguenta?/ Quero ver o arco íris/ Deixe me ver a sua íris/ Pisa na terra e sente o cristal/ É com saúde e com doença que você combate o mal/ Encontre o seu animal, muuuuu, muuuuu, muuuuúsica/ Pra gente voltar para o aqui e agora/ E surfar na onda sonora,/ integrando o que está dentro/ com o que está fora./ Alô pática, alô, alô pática/ Seja mais simpática/ e volte para a prática/ Para o conhecimento oral/ Para tudo aquilo que é inato/ E natural”. E aí eu ia fazendo isso, minha vida era a Rita, que era a minha namorada na época, que era até do coletivo do Giovani Baffô, então colava no sarau… a Rita era poeta também!
P/1 – Era poeta também?
R – Era poeta também.
P/1 – E como é que é vender poesia na rua? Como é que você chega numa pessoa e faz para vender?
R – É a coisa mais variada do mundo, por isso que me encanta tanto, porque é sempre uma aventura! Vai de coisas muito receptivas até… vai de coisas, por exemplo, onde você vai falar com a pessoa e a pessoa… por exemplo, estava vendendo um dia no cinema, aí a pessoa estava num filme sobre um poeta, eu falei assim: “Olha aqui outro poeta”, ela falou: “não, eu vim para ver outro poeta”, aquilo, como você não está totalmente seguro da sua arte, te dá um embrulho e aí você está outro dia na Paulista e para a pessoa na rua e fala: “Deixa eu te falar um poema”, e começa, aí eu declamo um poema, aí a pessoa fica encantada, eu declamo outro poema para ela e daí ela me adicionou no Facebook e fala: “Te encontrar mudou a minha vida, larguei o meu emprego e agora eu vou seguir atrás dos meus sonhos, porque eu vi que você seguiu atrás dos seus sonhos para vender livros na rua e agora, eu vou seguir atrás dos meus sonhos”, então vai desde a galera… até a galera: “Que massa!”. E o legal é que você vai para… é um emprego que você tem uma função, antes eu estava lá, eu estava carregando e tinha muita gente que não acreditava que eu ia vender mesmo, só que eu acreditava que vender livro era a melhor coisa que eu podia fazer no mundo para a pessoa, era aquele livro com aquela mensagem do Severino, com a mensagem indígena que eu coloquei, com a mensagem do amor e a mensagem da minha alma mesmo. Então, quando eu chegava numa pessoa, eu tinha certeza que era a melhor coisa que eu podia estar oferecendo para a pessoa. Então, eu chegava com muita confiança e essa confiança, muitas vezes, vendia o livro. E aproveitava e falava: “Eu vou para lugares culturais, então vou para um cinema, para uma exposição, absorvo a exposição e vendo o meu livro, então ficava me alimentando da exposição, que era uma coisa que eu gostava e aproveitava e vendia o livro”. Também eu achava pessoas massa, eu sou apaixonado por pessoas, também, eu queria conhecer. Eu queria conhecer, aí eu chegava para pessoa e falava do livro, porque era como se fosse um passaporte para você falar do que você quisesse e a partir disso, eu ainda estava com aquela sede de viagem dentro de mim, então falei: “Vou viajar, vou viajar”, aí eu vi que abriu um festival na Chapada Diamantina, um festival de transe e eu escrevi uns projetos para lá, três projetos… não, rolou um coisa antes, deixa eu contar essa coisa antes! O Berimba de Jesus chegou para mim e falou assim… o Berimba de Jesus é da poesia Maloqueirista, estava na coisa maloqueirista, a gente estava muito amigo, ele falou: “Jonas, rolou um negócio com o Renato Limão, está numa crise muito profunda”, o Renato Limão foi quem fundou a poesia Maloqueirista antes, que inspirou o Berimba, “Está no Paraná, vamos fazer um documentário da vida dele?”, e foi também a primeira vez que eu fiz uma entrevista sozinho do Museu da Pessoa, perguntei para minha mãe: “Como faz uma entrevista?”, aprendi, peguei como era a manha de fazer uma entrevista, eu lembro que até eu estava fazendo curso do Museu, na época, faltei em duas aulas para ir para o Paraná, fui para o Paraná com uma câmera e tal, a gente chegou na casa do Renato Limão, gravou a história de vida dele, gravou as histórias dele, foi muito bom para ele, até era dia de finados, a gente foi; no dia de Finados, curiosamente, eu encontrei um cara muito doido nos chamando para ir no centro espírita. A gente foi no dia de Finados, aí a gente foi para o centro espírita, nossa, eu lá no centro espirita querendo falar um poema (risos) e o Berimba disse que teve altas visões de coisas, foi uma coisa que eu senti que fez muito bem para o Renato, a gente ainda ficou de editar esse documentário e aí voltamos e eu encontrei o meu primeiro festival, aí fui com essa dupla caipira de reggae, que era a galera que fazia uma coisa na Casa de Jaya umas músicas de paz e amor, das medicinas alternativas, indígenas e eles me levaram para um festival lá. Eu encontrei o primeiro festival e fiquei encantado, fui com o Guarda-Chuva lá, ficava 24 horas fazendo poesia. E foi muito louca a história, até cheguei declamando um poema para um cara: “Vou te declamar um poema: Se os meus versos de amor não chegam até você… aí ele falou: “Porque estão presos na Marginal Tietê”, conhecia a minha poesia e aí, ele frequentava uns saraus, mas a gente não se conhecia, a gente armou um negócio enorme, pendurou mandala, poesia, juntou a maior galera, aí a gente ficava fazendo poesia e eu estava muito nessa pilha, não estava conseguindo conciliar com a universidade, eu escrevi um negócio: “Vou para Chapada”, aprovei três projetos na chapada Diamantina para falar de… nossa, nem, falei! Aprovei três projetos na Chapada Diamantina e nessa volta do Paraná, que eu comecei a falar do Paraná por uma coisa, que eu fui fazer esse documentário, na volta, a gente teve a ideia: “Jonas, a gente tem que fazer isso com todos os poetas”, eu falei: “É, lembra que eu dei essa ideia há três anos trás?”, eu tinha tido essa ideia, falei: “Vamos fazer o museu do poeta”, ele falou: “Vamos fazer”, a gente foi conversando, aí eu disse: “Então, vamos viajar o Brasil de bike”, a gente começou a
discutir, voltou o ônibus inteiro, do Paraná, dez horas trocando ideias, com o projeto formado e aí nasceu a Kombiblioteca e eu lembro que nasceu, no dia seguinte, eu fui no Museu, vi que estava um edital aberto, dois dias de edital do Proac, aí eu falei: “Vou inscrever aqui pelo Museu”, eu tive todas as ideias criativas, falei com o Minchoni, tive a ideia do nome Kombiblioteca, que eu até descobri depois, que o Binho já tinha criado esse nome e aí vieram várias ideias, eu escrevi o edital, era dia cinco, fechava dia sete, a gente imprimiu, escreveu tudo dia seis e dia sete, fechava na Luz o negócio, era quatro e vinte, eu estava aqui, falaram: “Jonas, acho que não vai dar para entregar” “Vai dar”, aí eu entrei em Theta healing, rezei par dar certo, aí parei um táxi na hora, ele parou no metrô, saí do metrô, saí na Luz, tudo muito intenso, cheguei na Luz e fiquei andando de boa, eu estava andando de boa, passou um cara, ele olhou assim bem no olho, bem no fundo do meu olho e falou: “Corre, corre”, aí eu corri, nossa senhora, eu cheguei no lugar, estava fechando a porta de entrada do projeto, eu fui o último a entrar. Na hora que o cara olhou pra mim, falou: “Boa sorte”, todo mundo começou a me desejar boa sorte, aí entreguei o projeto da Kombiblioteca. Eu pensei: ‘nossa, era para ser mesmo’. Tinha uma amiga que fazia naturologia, que ela morava na Índia e ela falou: “Jonas, eu vou…”, ela fez o casamento com a Ama, que é uma das maiores gurus do mundo, na adolescência, Ama transformava água em leite. Ela falou: “Jonas, eu vou para Índia, você quer alguma coisa?”, eu: “Quero! Pede para ela abençoar o meu projeto”, escrevi o poema da Kombiblioteca para ela ver e abençoar, que é assim: Quem disse que a vida é uma linha reta?/ Dou a volta no universo com a Kom/ Com a Kom, com a Kombiblioteca Poética da gente/ Eu vivo onde o coração sente/ Onde a vida pulsa/ Pulsa, pulsa feito folha avulsa/ Que vai e volta, se solta em todo lugar que cola/ Na cachoeira ou na escola/ Onde o mundo pede cor/ Ouvindo do mendigo ao doutor/ Pois ruim ou boa/ Para ter história, basta ser pessoa”. Escrevi isso e a guru da Índia abençoou de lá, eu ia encontrando várias pessoas místicas, pedindo para a pessoa passar benção. Eu estava lá na Bahia, na Chapada Diamantina, fui para esses projetos que aprovei e descobri que tinha sido…
P/1 – Aprovado.
R – Aprovado. E eu passei por uns lugares antes da Bahia. Eu estava com uma sede de viagem, eu ia contar como é que essa sede foi saciada, porque eu fui passar o ano novo na terra do Guimaraes Rosa. E eu fui pra…
P/1 – De 2014 pra 2015?
R – De 2014 pra 2015, fui para lá para terra, passar lá e aí eu cheguei e encontrei uma família de… lá, tinha um projeto das crianças contarem Guimarães Rosa. E tinha um pai violeiro popular, eu encontrei, fiquei muito com eles e a gente fez um sarau no primeiro dia, todas as crianças e alguns jovens da minha idade contando do Guimarães Rosa, falando poesias, eu não parei de sair da casa deles, a gente fez uma música juntos, música popular contando a história do Guimarães, eles me contaram a história do Guimarães, eu transformei em poema, eles transformaram em música. Eu posso falar aqui?
P/1 – Pode.
R – “João Guimarães Rosa a cavalo fez viagem/ Caderninho verso e prosa que era a sua bagagem/ Vamos falar de um companheiro que marcou os brasileiros/ Rodou todo sertão, mas seu coração era mineiro/ Acompanhava o seu pai na caça no coração de Minas Gerais/ Mas nisso não achou graça, pois amava os animais/ João Guimarães Rosa a cavalo fez viagem/ Caderninho verso e prosa que era a sua bagagem/ O povo foi sua voz e também seu personagem/ Falou de todos nós em sua mágica linguagem/ Por diversas línguas se aventurou/ E em todas elas, sorrio para o mundo/ Ao seu voo da terceira margem do rio/ De Campo Geral e Grande Sertão, Riobaldo e Diadorim/ Dão-Lalalão e Manuelzão, Uditim e Miguilim/ E essa história não tem fim, continuam seus amores/ Para você e para mim, através dos contadores”. E aí a gente ficava, era uma família de sete filhos e todo dia era uma aventura. E teve um dia de benzedeiros populares e aí era o último dia do ano. E eu recebi uma benção… nunca recebi uma benção tão forte, era uma mulher que contou que ela começou a receber cinco anos, sonhos de Jesus contando para ela como curar cada doença com oração, e ela pôs a mão na minha cabeça, fez uma oração, eu comecei a sentir o meu corpo inteiro tremer, absurdo mesmo. Eu recebi três bênçãos nesse dia, no dia seguinte eu fiz Magnified Healing na galera, e fiquei vivendo isso. De lá, depois de viver uma história absurda, até uma história amorosa linda (risos). Eu fui pra Bahia, eu tinha combinado com o Berimba de Jesus encontrar o Berimba na Bahia na Folia de Reis, que é uma festa de sete dias e sete noites, batendo nas casas. Eu cheguei lá com o mochilão, com várias coisas, aí não tinha o telefone do Berimba, aí eu comecei a sair pela cidade: “Cadê a Folia de Reis?” “Tá pra lá”, e eu ia com um monte de coisa, cheio de livro na mala, carregando, procurando, não achava. Até que chegou uma hora que eu descansei, falei para o cara: “Nossa, preciso achar a Folia de Reis”, ele falou: “Vai pra igreja”, cidade pequena, tudo é igreja, né? Fui pra igreja, falei: “Preciso da Folia de Reis”, ele falou: “Tem umas 20 Folias de Reis na cidade, qual folia você está procurando?”, eu: “É a do Berimba”, ninguém conhecia, falaram: “Vou te levar na mais antiga, seu Acenor”, aí bati na casa do seu Acenor, aí a mulher abriu a porta, eu contei que eu estava procurando, ela falou: “Daqui a pouco ele acorda, quer deixar as coisas ai?”, aí eu deixei, fui para o açude, voltei, aí ela abriu a porta, uma senhorinha e falou: “Eu vou te receber porque eu li que Deus bate na nossa porta de várias maneiras”, eu: “Rapaz, que massa”(risos), entrei lá e eles prepararam uma comida deliciosa e eu comecei a escrever um livro de adivinhas, comecei a fazer as adivinhas para as crianças. Aí todo mundo entrou na pegada das adivinhas, e eu não tinha mais adivinhas. Foi ali que eu percebi um dom, eu comecei a criar adivinha na hora, eu olhava um boné, eu criava o adivinha do boné para a pessoa: “O que é e o que é dá para você sentar e tem uma brincadeira que faz você dançar?” “Cadeira”, criança adivinha tudo na hora. E eu saía num dia e voltava pra casa e ela falou: “Não sei se você se importa, mas eu tirei as suas roupas e lavei tudo”, muito amor, galera. Eles saíram à noite, batendo de casa em casa fazendo a Folia de Reis, que é tocando os reis e aí eles abrem a porta, em geral, todas as casas tinham um altar enorme e a galera ficava abençoando lá, a noite inteira, das sete da noite às sete da manhã. E eu lá com o figurino da Folia de Reis e na noite seguinte, eu fiz um poema para Folia de Reis e falei para a galera e aí eles me faziam quase toda casa, eles declamavam o poema da Folia de Reis. Eu comecei a ter a coisa do improviso, as crianças vinham e falavam: “Faz um improviso com Ana”, aí eu: “Ana que ilumina essa semana, nos traz o prana/ E deixa a vida linda e você não sabe o que veio ainda”. Eu ia criando poemas pras crianças na hora, as crianças ficavam malucas e vinha um mar de crianças, atrás, era a coisa mais maravilhosa que existe. E lá, eu fui num terreiro e nesse terreiro, falaram assim, eu fiz música no terreiro, poesia no terreiro, a gente fez uma benção no terreiro, improvisei um poema no terreiro, foi uma coisa maravilhosa, falaram: “Você vai encontrar uma pessoa muito massa na Bahia, na Chapada e essa pessoa, ela vai te levar num terreiro e você vai receber os orixás”, aí eu: ‘rapaz, que massa’. E demorou, aí eu fui para Bahia, fui para esse festival de trance e foi lá que nasceu o pescador da poesia, que era o… peguei um chapéu enorme…
P/1 – De palha?
R – De palha e amarrei vários poemas, então tinham vários poemas amarrados, eu peguei uma vara de pescar, amarrei um pêndulo que eu fiz uma troca de peixe com poema. Eu estava com vários livros, eu ficava pescando, a galera, aí foi o jeito mais massa que eu arrumei de vender livro, que era a pessoa olhava eu ser intrigante, na hora que eu pescava, como eu tinha o improviso, falava: “Fala um tema e receba um poema”, ela falava um tema e eu improvisava um poema na hora e como eu estava com o livro, eu fazia assim, vamos fazer agora, falava: “Abre em qualquer página e fala o poema que saiu”, aí eu declamava o poema que saiu.
P/1 – Destino Severino.
R – É que esse não declamei…
P/1 – Tá. A Vida é Bélica.
R – “A vida é bélica/ Tudo pode ser uma guerra/ Dependendo de como você tratar a sua terra/ Desejos egoístas cobrem listas e listas/ A felicidade não pode ser comprada nem pagando à vista/ Ela é uma conquista, não uma competição/ Onde se tem que deixar os outros para trás/ Pois assim, você corre para longe/ Muito longe da paz/ E continua escrevendo a própria tragédia homérica/ Pois a vida é bélica/ Para quem não compartilha/ Então você vai ser a ponte ou apenas uma ilha?/ Então, você vai ser a ponte ou apenas uma ilha?” Então, é um poema sobre compartilhamento e foi lá que eu compartilhei muitas energias, em todos os sentidos, eu comecei a me realizar e essa sede da viagem… fui dar palestras de Thetahealing, que deu muito certo, foram umas 50 pessoas e eu falava sobre o Thetahealing e depois, ativava a galera, fazia cura na galera. E aí teve um dia que eu estava voltando da cachoeira, eu encontrei um cara com o símbolo da Ayahuasca nas costas e eu fui lá falar com ele, ele estava aplicando rapé, estava me conectando muito, é uma energia, uma medicina que alinha muito a terra e também, limpa os canais nasais, mas é uma coisa que dá uma frequência meditativa. E ele me aplicou um rapé, eu estava na cachoeira que é a coisa que eu mais amo, na força do rapé, veio uma menina inteira nua, mesmo, meio indiazinha, inteiramente, olhou no fundo do meu olho e disse: “Posso te declamar um poema?”, aí eu quase desmaiei, declamou um poema do Fernando Pessoa, aí depois até eu fiquei com ela (risos) e eu estava no paraíso, mesmo. Chegou no último dia, conheci muita gente, teve a pessoa mais diferente que eu conheci, que chegou uma pessoa falando: “Jonas, você precisa conhecer essa pessoa aqui, se conheçam”, e foi embora. E ele começou: “Você já reparou no som da palavra chuva?”, e era um cara da Chapada Diamantina, poeta, também, e eu falei do Curta Poesia que a gente gravou os poetas, ele: “Vem ficar um pouco em casa”, ele me hospedou na casa, ele era filho de um poeta, me apresentou outro poeta que chamava Arreteurrê e o outro, Boa Sorte. E os dois eram nativos do lugar e eles eram guias também turísticos. Então, a gente criou o turismo poético e a gente levava a galera que pagava pra contar história, a história da cachoeira, fazia as intervenções e fazia poema, na galera e à noite, a gente saía, eu com o chapéu, os dois com um figurino, eles faziam pífanos também e saía pra vender na cidade. A gente ficou uma semana numa criatividade muito intensa e eu fui com o Boa Sorte, então imagina eu fui com o Boa Sorte para o Vale do Capão, que é meio uma cidade na Chapada Diamantina que é como se fosse uma enorme comunidade alternativa, que vem gente do mundo inteiro, mas é uma vilazinha de uma rua só, cheia de cachoeira. A gente ficou na casa do Toni, que é um grande dançarino e também mexe muito com candomblé. Aí eu cheguei lá, falei para esse que estava recendo: “Eu vou te oferecer um Thetahealing”, ai ele: “A Julie me ofereceu” “Rapaz, a Julie?” A Julie tinha sido a mestra do Sandino, que tinha aplicado Thetahealing em mim no negócio e a Julie tinha trazido o Thetahealing para o Brasil, eu pensei: “Nossa, tenho que conhecer essa mulher”, e aí eu saí lá procurando a Julie, falei para uma mulher: “Moça, você conhece a Julie?”, aí a moça: “A Julie? Conheço". Por quê?” “Eu faço Thetahealing” “Nossa, vai fazer nela, ela está precisando”, e falou: “Você é poeta?”, porque eu estava com os livros na mão “Sou” “Sou poeta também”, aí declamei uns poemas e tal. Depois, eu estava pescando na cidade, encontrei ela de novo e ela começou a contar uma história dela que ela era… tinha uma ideia de fazer em toda vida, uma obra de arte, que era a vida das pessoas (risos), depoimentos dedicada a vida e tal, fazendo isso inspirada no Museu da Pessoa, ela falou isso e aí, eu: “Minha mãe é uma das fundadoras do Museu da Pessoa”, aliás, só quero falar isso, que eu estou aqui no Museu da Pessoa não é porque… como eu sou o coordenador desse projeto de trazer, porque o depoente não veio hoje, o depoente era para vir, não veio, aí eu vim aqui contar história para não perder a vinda.
P/1 – O que eu quero te perguntar…
R – Mas eu não acabei essa história.
P/1 – Tá, pode falar.
R – Posso acabar?
P/1 – Pode.
R – Aí, você pergunta. E aí eu conheci ela, ela me levou para conhecer a Julie, que é a mestra de Thetahealing. A gente se encontrou, cheguei na casa dela, a gente chegou em três, com o chapéu, declamando a noite e a Julie é uma moça jovem, a gente foi fazer Thetahealing na cachoeira e ela fez uma leitura em mim, muito sagrada mesmo, muito forte com massagem, uma técnica que ela tinha inventado e eu fiz uma leitura nela, a leitura nela veio toda em rima e ela falou: “Agora me conecta a minha preta velha”, aí eu conectei a preta velha nela, aí eu senti uma energia muito forte de quase cair para trás. Aí, ela começou a conversar com a Julie, e ficaram as duas lá, eu não estava vendo, estavam as duas numa conexão, e a Julie me contou que ela viu. Teve a visão de que ela tinha sido minha mãe em outra vida. E curiosamente, a gente começou a ter um relacionamento também (risos), a Julie contou que a preta velha falou que tinha me enviado para curar ela também, então fui morar na casa dela, que era tipo uma nave espacial e ela foi dar um curso de… e aí eu ia embora em dois dias, eu ia ficar só um dia, dois na casa dela. Eu estava indo para Minas Gerais, veio uma voz pra mim e falou: “Não vai, não vai, não vai, fica aí, fica aí, fica aí”, na hora, passa a Julie, estava indo para um ritual. Aí eu decidi ir para o ritual com ela. Eu cheguei no ritual, era um terreiro, falei: “Nossa, a profecia se realizando, uma pessoa me levando no terreiro”, e aí ninguém podia ir que não era do lugar. Eles me receberam não sei como, e eu estava lá, a mulher estava sentindo de boa, só que a gente cantando muito, a mulher: “Não”, parou o ritual “A gente não está cantando de verdade aqui, se for para fazer um ritual, tem que fazer de verdade. Vamos cantar de verdade”, era um canto só chamando só chamando a… na hora eu senti minha perna [vum], meu braço [vum], minha cabeça, entrou uma energia, aí eu senti que eu incorporei, mesmo, de forma consciente, eu incorporei uma energia. Aí eu comecei a me sentir mal naquele lugar, querendo ir para o mato, a galera não deixava, aí eu voltei com uma meditação de cristais, sendo feita, que começou a brisar [vuuuum], aí veio a voz e falou assim: “Fala um poema”, eu até fui falar o poema da gratidão e do perdão e eu comecei a declamar o poema e eu ouvi ele em coro, ouvi ele num coral, olhei para o lado para ver se estava em coral, não tinha ninguém mais. Eu senti que estava meio a floresta, como era uma coisa que era a floresta que estava falando comigo. Eu vou declamar o poema, pode ser? Chama assim: “A Gratidão e o Perdão: A Gratidão encontrou o perdão e começou logo a falar/ Como estava cansada desse eterno blá, blá, blá/ Todo mundo é obrigado a dizer: obrigado?/ Isso parece mais uma grade e eu quero ver a grade descer/ Ninguém devia ser obrigado a agradecer/ E o perdão então fala: mas isso não lhe agrada?/Até nas linhas telefônicas, você é sempre mencionada/ E eu, e eu e eu sou considerado pior do que entulho/ Perdi o meu espaço pra vaidade e pro orgulho/ O meu nome quase sempre é esquecido/ Moro num dicionário entre outras palavras escondido/ A gratidão quase se expressa, o perdão é pedir desculpas bem depressa/ Foi quando o amor entrou nessa conversa/ Pra que ficar com raiva?/ Pra que ficar tão triste?/ Se é por vocês que a beleza ainda existe/ Gratidão, perdão! Seu nome cria uma amizade/ E perdão, gratidão! Você gera paz numa cidade/ E me sustento nos olhos de dois amantes/ Se a iluminação tem uma porta/ Vocês são as chaves mais importantes”. Aí eu fiquei no ritual, foi muito lindo e eu olhei assim, eu tinha essa nítida sensação, de que enquanto eu falava, as pessoas se iluminavam, porque eu senti que eu estava com a entidade, as pessoas até vieram: “Deixa eu te dar um abraço”, abraçava as pessoas, elas saíam com muita, muita luz, mesmo. E aí eu fiquei na cidade, e aí recebi uma leitura de aura, que é uma leitura em que a pessoa conversa diretamente com o seu espírito mais profundo e eu perguntei qual era a minha missão e eles falaram que era pegar as coisas de autoconhecimento e transformar em poesia. Aí eu estava lá na casa da Julie, morando com ela, a gente decidiu: vamos fazer um evento em homenagem aos indígenas que a gente estava sentindo muito chamado, até porque a gente estava fazendo oficinas indígenas, com essas coisas muito na pegada, a gente decidiu fazer um evento em homenagem aos indígenas. Então, fizemos uma oficina de poesia voltado a esse tema com as crianças, a Julie organizou uma roda de cura enorme pra gente fazer com os… mandar cura para essa questão e a Jade passou filme dela, que era essa moça que conheceu… que era um filme sobre uma família de arrendadores indígenas que estava com problema com a mineradora e eu fiz um poema sobre o indígena que eu quero falar também.
P/1 – Pode falar.
R – “Belo Monte?/ Eu, tu, ele/ Nós, vós, eles/ Desconhecemos o nosso passado/ Um passado que nos foi imposto/ Um passado que nos foi criado/ E os nativos dessa terra estão sendo atacados/ As línguas cortadas, os filhos mortos, as mães choram/ Essa história indígena que vai bem/ E não cansa de se repetir/ E quando a desesperança põe gravata/ E autorizam a cortar a nossa mata/ Uma velha senhora chora/ E há quinhentos anos/ Choram as velhas senhoras. / Enquanto a alegria perece/ A dor se fortalece/ Nada acontece para um choro mudo que continua/ Que continua, que continua a se repetir/ Mas ninguém parece ouvir/ Mas ninguém parece ouvir esse canto que pede ajuda/ Tão forte quanto arruda/ (cantando)/ Um sonho do ontem e do amanhã/ Vai ter mais energia que o Maracanã/ Que lotado, o Maraca vai ser um cocar e o tocado/ Maracado, maracate/ Trazendo para cá, para cá/ Para cá paracati chuá/ Saiba que não está só/ Maracá, maracá, yanomami, yanawa/ Yanomami, yanawa que sempre pensam nas novas gerações/ E acham na natureza, todas as soluções/ E cada pessoa é a encarnação de um sarau/ Pois seu espírito que voa e a força ancestral/ Todo mundo é igual ao mesmo tempo, diferente/ A criança, o adulto, a terra e o rio e até o animal/ Também sente. / Então, sentem quando falar o Pajé/ Das plantas da Ayahuasca jurei-me do rapé/ E por isso eu acredito que é preciso/ Um compromisso, um compromisso de defesa/ Onde o dinheiro não valha mais que a matéria beleza/ Eu acabo, acabo com a rima/ Evocando toda e qualquer força divina/ Para que a vida e a cultura valham mais do que uma usina.” Aí (risos), voltando a história, a gente fez esse evento indígena e amorosamente também… porque a nossa história é feita de camadas, então, eu acabei ficando com a Jade também, foi muito doido. Acabei, no meu aniversário, tendo a benção, perdão por contar, mas faz parte da minha história, foi muito significativo, mesmo. Eu tive a honra de ficar com as duas no meu aniversário, foi o maior presente divino (risos) no meu aniversário. Fiquei com as duas pessoas que eu admirava muito, com pessoas… foi muito mágico. E depois, no Thetahealing dá para você se conectar a entidade mesmo, porque a ideia é que não existe morte, existe só transferência de planos. Então, eu fiz uma conexão, a Julie mediou uma conexão e eu me conectei com o Bob Marley (risos) e ele era muito energia, muito energia, mesmo assim! Nossa senhora! E depois de eu me conectar ao Bob Marley, passou uma benção, ele falou várias mensagens, falou que a música é o que tem o poder de levantar um povo. E aí foi muito massa. E aí ele passou uma benção, eu fiz um poema para ele, ele foi massa. Fui para um terreiro no mesmo dia. No dia seguinte, a gente se conectou com Che Guevara (risos), e o Che Guevara falou do poder da palavra, falou que a palavra é a coisa que mais tem poder e falou das fotos que a maior galera usa as fotos dele, ele falou que ele guia energia para as imagens dele, essas coisas. E aí eu fiquei só mais um dia lá, e fui para…
P/1 – Você voltou?
R – Não, fui para o Ceará. Voltei lá para o Thetahealing, lá no Ceará, encontrei o Sandino dois anos depois, no mesmo lugar, Ciclovida, e estava tendo um encontro enorme e… ah, isso é uma última coisa! Eu fiz o terceiro nível de Thetahealing lá no Capão com ela que era uma puta professora e aí ela ia fazendo curso e com tudo que ela falava no curso, eu criava um poema sobre cada assunto. Em dois dias, eu tinha 30 poemas, um livro inteiro sobre o Thetahealing. E aí eu fui para o Ceará, e encontrei o Sandino de novo e todo dia, a gente fazia um Thetahealing um no outro, e aí a gente se conectava com entidades muito massa. Mesmo que seja num plano simbólico, vamos dizer, que seja nosso inconsciente imaginando, a energia que a gente sente é muito profunda e a mensagem também. E aí a gente se conectou a… nossa senhora! Ah, realmente, seres magníficos, mesmo! Que já passaram por esse plano, os grandes mestres espirituais e todo dia, eles falaram coisas de muito sentido para gente, a ver com o momento, por exemplo, teve dias que eu não… por exemplo, a gente se conectou a Buda, aí ele falou muito da questão do silêncio, até deveria ter ficado em silêncio, não deveria ter falado, mas já que eu falei, a gente conectou ele, ele falou muito do silêncio. Como eu fiquei falando essas coisas, eu acabei criando com quem era muito cético, uma energia assim, e aí, não foi muito massa, porque tinha uma galera muito punk, muito com raiva de Deus. E eu até tive uma visão do que senti exatamente o que era Deus. E aí eu tive várias experiências dessas, ele me levou na barquinha também, que era um negócio que tinha… misturava xamanismo com espiritismo, com daime e com umbanda. Essa, acho que foi a vez mais sagrada mesmo, porque eu tive… deixa eu só sentir se eu conto isso aqui ou não, vou contar. Eu estava me sentindo meio reprimido no lugar, porque eu estava meio diferente, parecendo um pouco hippie, e eu senti uma energia no ritual de me doutrinar, de querer mudar quem eu era e aí eu falei: “Que parada é essa?”, eu estava sentindo essa energia, uma força, eu falei: “Alguém me explica isso”, na hora que eu falei isso, eu vi Jesus abrindo meu terceiro olho com a mão, enorme e eu quase caí pra trás com a energia, segurando na cadeira. Nossa e era muito forte a energia dele. Aí ele falou: “Você que é do Museu da Pessoa, sabe que todo mundo tem uma história para contar, tem uma forma de se conectar e de dizer o que a divindade é. Mas nada, nenhuma explicação, nenhuma forma chega aos pés do que ela realmente é”, e isso com muitas imagens, só com imagens. Na hora que eu recebi isso, acabou toda energia de repressão, eu comecei a vivenciar o ritual de uma maneira muito profunda, até que teve uma hora que eu vi uma música: [cantando] “Vem chegando, vem chegando, vem, vem chegando, vem chegando, vem”, eu olhei: Gabriel Garcia Márquez, aí eu olhei, era (risos) o espírito de Gabriel Garcia Márquez. E aí ele estava falando, veio falar um pouco do que é o objetivo dele, que era captar a magia, a essência das pessoas. Falou um pouco do trabalho do Museu da Pessoa, nem que seja no meu inconsciente, mas foi muito importante. Aí ele falou que a minha poesia era forma de dar voz a um povo, de conseguir me conectar aos povos e dar voz a eles e de que era para eu pegar e ir profundamente a isso e que a Ayahuasca era uma coisa que abria muito o canal das pessoas para elas viveram, realmente, a magia que é a vida. Para se conectar ao mundo sagrado, mistérios. E eu: “Nossa, é verdade”, e na hora que acabou, teve mais uma conexão com Jesus, que eu senti que foi no mato e ele falou que ele foi lembrado pela mensagem dele, pela poesia dele, que ele era um poeta na verdade. E ele falou assim: “Porque o que ficou meu, de verdade, foi a palavra. O que eu consegui deixar foi a palavra. Então, tenta deixar a sua palavra”, ele falou isso. E aí só acabando, eu voltei e depois, logo que acabou o ritual, se concretizou isso que eu falei, que eu tinha sentido que a Ayahuasca era uma magia e que era para eu ouvir essas histórias e que eu ia conseguir criar um outra literatura. E vieram pessoas contando as histórias mais… eu fui contar essa história achando que era o maior absurdo que eu já tinha contado… “A primeira vez que eu vim aqui, também já falou comigo”, o outro: “Uma vez, São Francisco comigo, cara, me passou tal ensinamento”, o outro: “Teve uma vez que fui lá, encontrei uma estrela, comecei…”, e eram as histórias mais magnificas que eu já ouvi, numa noite mesmo, as pessoas ia, encontravam guias, guia falava que tal coisa ia acontecer e acontecia, era um mundo que eu estava completamente encantado. E aí depois, eu fiquei um pouco no Ciclovida que eu não contei do Ciclovida antes, mas eu estava morando com um cordelista, era uma pessoa de cordel que ficava lá, eu morei, ele declamava vários cordéis e eu consegui registrar alguns pra trazer em vídeo e transcrever e publicar o livro dele. E aí, eu voltei já com a pegada de fazer o projeto da Kombiblioteca e aí acabou essa história. Pode perguntar o que você ia perguntar.
P/1 – Ia te perguntar quem que você escolheu para fazer parte do Kombiblioteca, para ser entrevistado.
R – Para ser entrevistado?
P/1 – Sim.
R – Um dos critérios… a gente queria registrar um pouco a história da poesia através da história de vida dos poetas. Então, a gente queria pegar pessoas do movimento, que eram desse movimento, principalmente, de saraus, principalmente não, do movimento de sarau, que é uma coisa nova, que rola essa literatura periférica e pegar os mais representativos deles e também, conseguir contar com uma diversidade, onde cada um tivesse um diferencial para poder estar aqui. E aí, por exemplo, a gente pegou: Sarau do Binho, Binho do Sarau do Binho, porquê? Porque foi um dos primeiros saraus, mesmo, fez o Postesia. Aí, a gente pegou Daniel Minchoni, Daniel Minchoni é uma figura muito diferente, ele criou a figura do poeta palhaço. Aí pegou o Giovani Bispo, é o que faz um sarau dentro da favela, um dos únicos que faz o sarau dentro da favela. Aí ia pegar Pezão e Sergio Vaz da Cooperifa, porque foi o primeiro, com o Binho, o primeiro sarau que abriu. Aí, a gente queria pegar os mais antigos, a Raquel Almeida, do Sarau Elo da Corrente. Existe uma coisa que é o slam, que é competição de poesias que existe. Então, a gente quer pegar a Roberta Estrela D’Alva que trouxe o slam para o Brasil, o Emerson Alcalde, que trouxe também… posso só falar um poema do Emerson Alcalde?
P/1 – Pode.
R – Falar um poema do Emerson que é assim: “A senhora estava andando pela rua quando caiu/ O que ela tinha?/ Tonturas, dores, fome e frio?/ Oqueelatinha?/ Não se sabia. Ela não dizia o que tinha/ Nossa! Você viu?/ Lá, tinha um cãozinho deitado tremendo de frio./ Latia, lambia a tia/ A multidão parou para perguntar o que ela tinha/ Antes, ninguém queria saber o que ela tinha/ Mas agora, todos querem saber o que ela tinha/ Lá tinha Si tinha Dó tinha Ré tinha Fá tinha Sol tinha/ PRE tinha/ Mas afinal, o que é latinha?/ Uma lata pequena - o antônimo de latão?/ Não! Não? Não!?/ A senhora morreu deitada no chão/ Abraçada com a única coisa que tinha;/ Suas latinhas”. E aí o Emerson Alcalde que é um dos maiores inspiradores do slam, então a gente quer pegar… que a gente vai fazer um filme da Kombiblioteca, né? Então, a gente quer pegar toda diversidade através dessa semente que são os saraus e pegar a diversidade que isso sempre foi. Então, vai pegar o Allison da Paz, que por exemplo, ele criou poesia entregue, tipo em papel reciclado, eles próprios reciclam o papel, fazem oficinas com crianças, as crianças escrevem poesias da literatura e entregam nas casas. Cada um tem um diferencial. Mais ou menos essa galera, a galera do Poetas Ambulantes e aí a gente vai com a Kombi no sarau mesmo, também. E aí o que eu ia falar que a única coisa que eu tinha de diferente, que eu não ia pegar a minha entrevista aqui porque eu falei assim: “Como eu estou no Museu da Pessoa, eu vou poder pegar a minha história de vida em qualquer momento da minha vida, mesmo. Então, vou dar essa oportunidade para os poetas que estão agora”, e aí um depoente acabou não podendo vir hoje, Sérgio Vaz, logo o Sérgio Vaz, o fundador do Cooperifa, eu falei: “Vou contar a minha história”, porque o diferencial que eu acredito de tudo, seja… porque eu tenho uma caminhada muito influenciada e eu estou buscando expressar a poesia de diversas formas e uma delas é o Poetarô, que eu estreei esse fim de semana, que é eu tiro tarô da pessoa em poesia. Então, eu escrevi um poema para cada arcanjo maior do tarô: o Louco, o Mago, o Imperador, Imperatriz, Papisa, todos mesmo e aí eu armo uma mesa, crio todo um figurino, e vou tirando o tarô da pessoa que é uma forma de jogar tarô e tipo, falou o inconsciente, aí a pessoa tira o Imperador, aí eu leio o poema do Imperador. Eu tiro todo tarô da pessoa. E crio a mandala poética também. Uma mandala, eu sempre costumo andar com uma mandala no meu peito, hoje como acordei pensando na entrevista rápido, não trouxe. Uma mandala é muito terapêutica, porque ela é uma das primeiras formas de energia do cosmos, mesmo e só de olhar, você já sente uma energia te curando. E ela funciona da seguinte maneira: sempre tem um centro e uma harmonia, todo o entorno que forma uma sincronia em harmonia, em torno desse centro. Eu criei a mandala poética, que eu estou fazendo, eu já fiz umas quatro, cinco, que é assim: tem o centro que é uma virtude humana, então vamos dizer, mandala da paz, aí eu entro em Thetahealing, e recebo, pego os diferentes planos, por exemplo, entro em conexão com essa ametista por exemplo, tento ver, sentir o que essa ametista está dizendo que é a paz, escrevo um poema sobre isso. Aí eu tento ver que a planta diz que é a paz, escrevo um poema e aí eu formo quatro poemas aqui. Aí eu pego dois haicais, haicais são poemas japoneses de três versos, que é como se fosse uma foto da natureza. Então, pego dois haicais para cada poema, então tenho o centro, um poema aqui, dois haicais, aí formo esse quatro e aí, ela forma no papel, uma mandala de poesia. E o que eu busco na poesia é isso, a poesia é uma coisa que eu já ouvi o significado de que o poeta não necessariamente, precisa escrever para ser um poeta, poeta é quem vive a poesia. Tem poetas que não escrevem e tem pessoas que escrevem e não são poetas. E eu tento pegar a essência da poesia da vida e passar ela de diferentes formas. Então, tudo o que eu me apaixono: Thetahealing, poesia; cinema, poesia; mandala, poesia; tarô, poesia e por aí vai vindo tudo… eu quero permear o mundo de poesia, mesmo, para que o mundo seja mais belo pra gente viver.
P/1 – Eu vou ter que… vamos passar para as perguntas finais?
R – Vamos.
P/2 – Eu queria só aproveitar o gancho e fazer uma pergunta.
P/1 – Tá.
P/2 – Você tinha falado antes que você já sofreu muito como artista de rua, poeta de rua. Eu queria que você falasse um pouco da experiência, de coisas que você falou, recepções muito positivas e como você falou, você também falou que teve momentos difíceis e isso é algo que você falou, mesmo do Kassab foi algo bastante combatido, etc. Queria que você falasse um pouco sobre isso.
R – É, por exemplo, um pouco eu falar, uma coisa que para mim, chamou muita atenção, foi quando eu estava com o chapéu enorme, voltei da intervenção, eu estava com a vara de pescar, e eu tinha vivido tudo isso que eu vivi, eu tinha vendido muito livro e eu fui no meu bairro, que eu nunca tinha vendido poesia no meu bairro, mesmo, que é a Vila Madalena. Eu saí para testar a galera, brincar, achando que eu fosse ser super bem recebido, aí eu fui lá, cheguei na mesa, o cara deu um tapa no meu negócio. Tipo, deu um tapa na minha vara, nossa, aquilo me fez me sentir agredido de uma maneira! E eu ia andando, as pessoas iam… algumas iam olhando e tirando um sarro, naquela noite, eu senti uma coisa: nossa, eu viajei para tão longe, fui para Bahia, para o Ceará, a galera pediu em Minas Gerais para eu ficar morando com eles, chego no bairro onde eu nasci, a galera dá um tapa na minha vara, sabe? Zoa o meu chapéu, diz: “Tá indo pra onde, mexicano?”, não é uma doação positiva. E aí teve um outro episódio que foi muito interessante que por exemplo, nossa, olha essa história, por exemplo, eu estava no metrô, aí eu fui declamar… eu encontrei o Tiago Peixoto, que é o fundador do Poetas Ambulantes, aí a gente foi declamar. Aí eu entrei declamando no metrô… a gente entrou declamando, o metrô inteiro aplaudiu, a gente foi para o segundo. Na hora que a gente estava no segundo, veio um cara e o guardinha falou assim: “Sai daqui, vai!”, aí eu estava no meio do poema, sabe? Eu: “Calma aí”, ele: “Então, cala a boca”, falou. Aí eu fiquei quieto, só que aí o Tiago Peixoto, do outro lado do metrô, falou o poema do Vitor Rodrigues: “As balas são de borracha porque a intenção é apagar palavras de revolução” e emendou a outro poema assim, aí na hora que ele emendou outro poema, o metrô inteiro aplaudiu e o guardinha ficou, nossa quietinho, na miúda. Mas a coisa que mais acontece é porque levam muito com uma energia de um camelô, comecei a ver como um camelô é tratado. Por exemplo, entrava na linha amarela do metrô, eu estava com a minha caixinha de livros só de entrar, eu já ouço assim: “Não é permitido dar esmolas no metrô”, toda vez. Até que teve uma vez que eu fiquei olhando: “Tudo bem olhar para a câmera?”, demais! Mas teve uma vez que eu levei uma voadora do cobrador, um mês atrás, eu levei uma voadora de um cobrador do ônibus.
P/1 – O que aconteceu?
R – Eu estava lá, aí eu fui para casa do Binho fazer o Thetahealing nele, estava voltando, tinha pouco dinheiro, eu ia para Paulista, falei: “Esse ônibus vai para Paulista?”, ele: “Vai”, aí eu paguei os três e cinquenta e fui lá para trás. Aí chegou na Faria Lima, estava trânsito, o cara resolveu voltar: “Desce aí que a gente vai voltar para o Campo Limpo”, eu falei: “Não, você falou que a gente vai para Paulista, vamos para Paulista”, começou a gritar comigo, eu falei: “Não, tudo bem, você quer voltar, tudo bem, mas me dá o meu dinheiro de volta que eu pego outro ônibus e vou para Paulista, eu não vou pagar do meu bolso”, ele começou a falar um monte: “Tal, tal, tal”, falei: “Se você não me devolver o dinheiro, eu vou ser obrigado a processar a empresa”, e aí, ele: “Ai, que medinho”, abriu o negócio e foi para frente. Aí ele veio pra frente de novo, pegou todo o dinheiro, achei que ele ia me devolver, e enfiou no bolso. Veio um passageiro e falou pra mim: “Melhor você descer, que eles vão voltar mesmo”, já estava bem no ponto de transição de volta. E aí, estava só a porta aberta na frente, eu pulei a catraca para frente, eu estava atrás para voltar, na hora que eu pulei a catraca, veio o cobrador dando uma voadora em mim, deu uma voadora mesmo. Aí, eu: “Tomei até uma voadora”, fui atrás, anotei a placa, eu tinha pensado em processar, acabei não processando. Mas foi isso.
P/1 – Se você fosse pedir algo para a poesia hoje, o que você ia pedir?
R – Vou fazer o meu pedido aqui. “Poesia, eu te peço que traga harmonia para o planeta terra/ Que hoje, você acabe com qualquer guerra/ E por tudo que você me traz/ Traga para a humanidade um pouco de paz/ Traga mais experiência/ E mais consciência para todo planeta/ Pois tem muito careta/ Fazendo careta/ E eu, eu quero que a poesia esteja em tudo/ No muro, na arvore, na camiseta/ Eu quero te dar vida/ Pois você cura qualquer ferida/ Cura qualquer morte/ Nos deixa mais forte/ E você é a própria sorte/ Então, poesia, eu te peço/ Mais um verso/ E me traga a sabedoria/ De todo universo”.
P/1 – Quais são os seus sonhos hoje, Jonas?
R – Então, eu mandei um edital, eu tenho alguns sonhos, eu quero fazer muito bem, porque eu senti um pouco isso quando eu fui viajar. Eu não posso sair para um lugar sem antes fazer uma coisa pelo lugar que eu estou, sabe? Então, eu tive a ideia de viajar o Brasil, mas eu falei: “Não, eu tenho que fazer São Paulo, antes”, porque é o lugar que eu nasci. Eu não vou ser mais um que xinga a cidade, então consegui… graças a Deus, a gente conseguiu aprovar, então é fazer muito bem esse projeto em São Paulo, de uma maneira que ele possa ser uma referência, mesmo, para estudo, para galera entender que a poesia está em qualquer lugar e ela pode ser feita por qualquer um e é a gente que faz a nossa própria historia. Então, através do registro dessa história de vida das pessoas, inspirar os jovens, as crianças, educadores para se formar uma nova geração de pessoas conscientes, capazes de fazer arte e refletir. Depois disso, eu tenho várias coisas. Eu mandei um edital para plantar um milhão de árvores em São Paulo, frutíferas e nativas. Porque nessa viagem, eu senti muita necessidade de uma cidade verde, da natureza de volta. E a maneira como a gente trata a natureza… a natureza é a nossa mãe, é a nossa vida e a gente tem que tratar ela com amor. E como ato de amor mesmo, eu escrevi pra fazer um filme sobre plantar um milhão de árvores na cidade e tomara que role, né? E tem esse de plantar um milhão, até tem um canto que eu fiz que é assim: [cantando] “Eu vi mamãe Oxum no Tietê, declamando na beira do rio, colhendo lixo, lixo ê, colhendo lixo, lixo á, colhendo lixo para instalar a cisterna, colhendo lixo, lixo ê, colhendo lixo, lixo á, colhendo lixo pra matar reflorestar. Eu vou falar algo, fique bem atento: a água de um povo mostra como ele está por dentro”. E aí um pouco de que tudo que está acontecendo em São Paulo, que a gente reclama é reflexo nosso que está fora. E aí vem uma frase pra mim: Não reclama, declama! De botar vida nas coisas, então sair um pouco do polo negativo e ir para a positividade. Eu tenho muito sonho de viagem, também. Então, que quero, depois, se eu conseguir plantar um milhão de árvores e fazer bem, fazer a Kombiblioteca pela Brasil e gravar essa história maravilhosa que são essas festas folclóricas, a literatura, a educação e fazer isso pelo Brasil inteiro de uma maneira que fique o registro, de verdade, para a sociedade. E depois, eu gostaria muito de poder me desenvolver como educador, eu estou estudando hoje Educação no Brincante, literatura e morar junto a uma cachoeira, desenvolvendo coisa com as crianças.
P/1 – Como é que foi contar a sua história pra gente, Jonas?
R – Foi muito massa, porque agora, eu estou aqui toda semana ouvindo histórias de vida, é muito legal ver como é que você está do outro lado, porque na hora que você está, você fica imaginando: “Como eu vou contar? Como eu vou contar?”, aí você vai… a nossa vida, ela é infinita, eu poderia passar duas horas aqui contando de ontem a noite, porque teve duas horas da minha noite, ontem, que eu conseguiria contar em duas horas. Só que você tem que contar em duas horas, a sua vida. E aí você vai vendo coisas que te marcaram muito na época, às vezes, você nem comenta delas e coisas que na época nem pareceram tão fortes, você conta muito tempo sobre elas. Então, a gente vai vendo, contando a nossa vida, o que a gente conta, reflete muito quem a gente é. Por isso que eu queria vir mais tarde, mas eu sinto que eu contando a minha história hoje, eu acabo descobrindo quem eu sou e mais tarde, quando eu for contar de novo, eu vou ser outra pessoa e vai ser outra história, totalmente diferente que eu vou contar.
P/1 – Legal. Tá certo, isso? Fechamos então. Obrigado, Jonas.