Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Beatriz Aparecida Lima
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo 03/02/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_45
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, ...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Beatriz Aparecida Lima
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo 03/02/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_45
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Beatriz, fala pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Beatriz Aparecida Lima. Eu nasci em São Paulo e nasci no dia 23 de julho de 1994.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe e se você lembrar a data e o local de nascimento deles também.
R – A minha mãe se chama Maria Aparecida Lima. Ela nasceu dia 16 de agosto de 1970. Eu não conheço o meu pai.
P/1 – O que sua mãe faz profissionalmente?
R – Minha mãe é auxiliar de limpeza e serviços gerais, essas coisas.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que ela é de personalidade, de jeito.
R – Bom, na verdade... Minha mãe tem uma personalidade bem forte. Desde pequena eu sempre acabei morando com a minha avó. Eu morei pouco tempo com a minha mãe, mas o contato que eu tenho com ela, que eu falo com ela, ela é bem às vezes um pouco, como se fala? Nervosa, sabe? Mas ela é bem companheira, amiga, e sempre tenta ajudar da forma que pode.
P/1 – Hoje em dia você mora com a sua avó?
R – Moro.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho um irmão. Tenho um irmão por parte de mãe que tem 17 anos agora.
P/1 – Como é que ele chama?
R – Douglas
P/1 – Ele mora contigo?
R – Não. Não mora comigo.
P/1 – Você sabe qual que é a história do seu nome, Beatriz? Quem que escolheu e por que escolheram esse nome?
R – Então, minha mãe disse que foi uma amiga dela, que ela não podia ter filhos e ela queria muito que, se pudesse colocar o nome do filho colocar de Beatriz, aí minha mãe acabou colocando por causa disso.
P/1 – E a origem da sua família, você conhece? Sabe da onde vieram os seus antepassados por parte de mãe?
R – Não sei muito.
P/1 – Nunca ouviu essa história?
R – Não. Nunca ouvi.
P/1 – E você falou que você mora desde pequenininha com a sua avó, né?
R – É.
P/1 – Então conta um pouquinho pra gente da sua avó, como é que ela é, o que ela faz profissionalmente.
R – Essa história é meio confusa. Assim, quando minha mãe me teve ela acabou tendo uns problemas com o meu pai e aí ele acabou sumindo, né? A minha mãe precisava trabalhar pra conseguir dar uma força e aí ela me deixava na casa da minha avó depois que eu voltava da escola. Aí eu fui ficando lá, ficando um dia, dois dias, aí quando vi todas as minhas roupas já estavam lá, todas as minhas coisas. Aí ela acabou se casando de novo e formando outra família. Eu acabei ficando lá com a minha avó, ainda mais depois que meu avô acabou falecendo, aí eu fiquei mais ainda com a minha avó. E minha avó é muito calma, muito na dela também, mas isso também em relação a criação que ela teve. Ela morou na roça, com os pais sempre daquele jeito meio afastado, né? Então eu acho que eu também tive uma criação um pouco dessa. Eu sei que ela me ama e tudo mais, mas ela às vezes é um pouco afastada. Como eu disse uma vez, se você tem comida e tem um lugar pra morar pra ela está ótimo. Então essa questão mais fraterna mesmo eu acho que foi um pouco mais distante.
P/1 – E ela trabalha, a sua avó?
R – Minha avó é aposentada hoje. Mas ela trabalhou muito tempo em um asilo, ela sempre conta muitas histórias desse asilo, que ela trabalhava na lavanderia e tudo mais. E é isso. Ela teve um problema acho que de... Por conta de mexer com produtos químicos ela acabou tendo uma alergia e isso proporcionou outras coisas que acabaram levando-a a se distanciar da empresa e se aposentar posteriormente.
P/1 – Você falou que ela conta várias histórias do asilo, né? Você se lembra de alguma?
R – Ela sempre conta que lá o chefe dela era uma pessoa muito boa. Ela disse que até hoje ela não esquece porque foi uma pessoa que a ajudou muito naquele momento. Em contrapartida também lá as pessoas que estavam em volta dela, ela disse que tinham muitas pessoas também ruins, que queriam às vezes maltratar, fazer com que ela fizesse coisas que não faziam parte do serviço dela e tudo mais e ela acabava fazendo pra não sair um pouco fora da questão. Mais ou menos isso.
P/1 – Você chegou a conhecer esse local onde ela trabalhava?
R – Não. Eu era muito pequena na época.
P/1 – Você sabe qual asilo que era?
R – Na verdade eu sei onde é, mas eu não sei o nome. Fica aqui perto no Butantã.
P/1 – Desde pequenininha você morava nesse mesmo lugar no Butantã que você vive hoje?
R – Sim. Eu moro... Na verdade eu moro num conjunto habitacional, que eles chamam de CDHU, né? Todo mundo de lá, basicamente, vieram de outro local que era uma favela mesmo que tinha e aí conseguiram, o governo, tirar as pessoas daquele local e colocar nesse de agora. Na verdade eu nasci no meio dessa transição, nessa mudança. Eles estavam conquistando e tudo mais um lugar melhor, uma moradia melhor e aí foi que eu nasci, eu já nasci lá. Assim, no primeiro eu nasci e moro lá até hoje, então eu já vi tudo mudar lá.
P/1 – Conta um pouquinho como é que era então a sua casa, o espaço, o bairro quando você era pequena.
R – Olha, quando eu era pequena eu... É que eu nunca saí muito de casa, né? Mas sempre tinha muitas crianças na rua brincando, som alto e é um lugar bem humilde, sabe? Onde as pessoas... Onde aquele tipo de lugar que as pessoas saem na rua pra conversar no final de semana e ficam lá à tarde conversando, conversando. Um lugar bem simples. Tem os seus problemas, tem muitos problemas, mas é um lugar que eu nunca tive nenhum problema.
P/1 – E sua casa? Descreve um pouco sua casa pra gente.
R – Como que é minha casa? É que minha casa mudou de uns tempos agora, mas...
P/1 – Nessa época de infância o que você lembra?
R – Na época de infância eu me lembro da mesa que tem até hoje, que é uma mesa bem antiga de madeira marrom. Ela está bem velha já, mas está lá. Isso lembra muito meu avô, porque meu avô sempre gostava de sentar a mesa e ele ficava a tarde toda assistindo Chaves e tomando uma cervejinha, sabe? Eu lembro até de um fato que era eu e mais uma prima, eu lembro que ele falava quando ele estava lá tomando cerveja, teve um dia que ele falou: “Deixa-me colocar um pouquinho na boca de vocês pra não passar vontade”. Sabe? Tipo isso. Aí era bem engraçado.
P/1 – E você lembra o que você achou?
R – Nossa, eu nunca gostei. Eu lembro que eu fiz uma cara tão ruim, tão ruim que eu até hoje não gosto muito dessas coisas, eu prefiro deixar pras outras pessoas que gostam. Mas é uma coisa bem legal porque depois eu não lembro mais do meu avô, sabe? Porque depois que ele faleceu foi um momento que ficou meio vazio. Eu me lembro de alguns acontecimentos só, bem poucos.
P/1 – Que idade você tinha quando ele faleceu?
R – Nossa, eu era muito novinha. Eu devia ter uns três, quatro anos. Bem novinha.
P/1 – E do que você brincava quando você era pequena, Beatriz? Com quem você brincava e quais que eram as brincadeiras?
R – Eu sempre vivi muito dentro de casa. Minha avó dizia que... Principalmente onde a gente morava ela dizia que era melhor eu não ir à rua pra brincar com as outras crianças porque era perigoso, porque era ruim, né? E aí eu acabava tentando fazer as minhas coisas em casa mesmo. Eu gostava muito de escrever e de ler e gostava muito de brincar de boneca. Tanto que eu até te perguntei daquela sala porque isso lembrou quando eu era pequena, porque eu adorava fazer roupinha de boneca e eu ficava às vezes o dia inteiro fazendo roupinha de boneca porque não tinha outra coisa pra fazer, mas era muito legal. Até é engraçado isso porque acho que foi ontem, esses dias mesmo minha avó falou: “Nossa, lembra quando você era pequena que você rasgava todas as roupas aí pra fazer roupinha pra suas bonecas?”. Falei: “Nossa, é mesmo, avó, que legal”. Eu achei legal porque isso foi uma coisa que me marcou, mas a marcou também, acho que ela se lembra de eu tentando costurar, fazer as coisas. Isso é legal.
P/1 – Você falou que você gostava de ler também, né?
R – É.
P/1 – Teve algum livro na infância que tenha te marcado? Você lembra primeiro livro que foi importante pra você na infância?
R – Olha, um livro... Eu lembro que uma das coisas que eu às vezes tentava ler era a Bíblia, sabe? Eu ficava muito curiosa de entender aquelas letrinhas tão pequenininhas e que tinham significados às vezes bem diversos, né? Eu lembro às vezes eu lendo algumas partes, mas não lembro específico, acho que não. Eu gostava de todas as histórias de criança, A Bela e a Fera, o Peter Pan. Gostava muito do Peter Pan, essa questão da Terra do Nunca, dos sonhos, tudo mais. Eu acho que eu sempre fui meio sonhadora, eu gostava dessas histórias. Era legal.
P/1 – E você falou da Bíblia, né? Era uma coisa presente na sua casa? Sua família é religiosa? Como é que é a relação com a religião, a sua relação?
R – Então, na verdade a minha família não é muito religiosa. Eu tinha uma prima que ela ia à igreja e aí ela me chamou pra ir um dia, eu fui indo, ela saiu e eu continuei. Mas, meus pais, minha mãe, minha avó, eles nunca me acompanharam, sempre ia sozinha. Eu lembro até uma vez que eu, como eu sempre estava lá eu fiz primeira comunhão cedo e o padre até não queria fazer porque: “Nossa, mas ela é muito pequena. Ela vai fazer e vai sair da igreja e tudo mais”. Teve um ano que eu tive que morar com a minha mãe e nesse ano eu tive que me afastar porque era longe o local. Eu lembro que depois quando a minha avó voltou, que eu voltei a morar com a minha avó eu fui lá à igreja e eu cheguei na porta da igreja eu não entrei porque eu fiquei morrendo de vergonha, porque eu me lembrei do padre falando que eu ia me afastar, sabe? Aí depois eu lembro que pra eu voltar, eu sempre ia, dava lá sete horas no sábado, aí eu ia, chegava à porta da igreja, não conseguia entrar. Aí teve um dia que eu falei: “Ah, quer saber? Eu cheguei até aqui, eu vou entrar”. Aí eu entrei, depois que eu entrei eu nunca mais saí de novo, mas foi engraçada essa parte.
P/1 – E na igreja você participa ou já participou de algum grupo de jovens, de estudo? Como é que é?
R – Ah, participei. Nossa, teve um pessoal que eu conheci na igreja, que foi bem nessa época que, nossa, eles me ajudaram muito e forma eles inclusive que acabaram me levando pro caminho da música. Lá eu comecei, na primeira semana tinha um pessoal tocando violão aí já comecei a pegar o violão, a falar: “Me ensina, tal”. Fui aprendendo, logo depois eu já estava tocando na missa. Eu nem sei como foi muito bem essa parte, mas foi muito rápido, eu já estava lá, todo mundo. Foi bem legal.
P/1 – Que idade você tinha quando você teve o primeiro contato?
R – Eu tinha 13 anos. Tinha 13 anos quando eu voltei mesmo. Conheci pessoas muito legais que só de falar deles me ajudaram muito porque eu era muito sozinha, sabe? Que nem ir pra escola. Eu adorava ir pra escola porque lá eu sabia que eu ia ter as minhas amiguinhas lá porque eu ia estar com elas, ia brincar com elas e quando tinha férias, pra mim as férias eram uma eternidade, parecia que não acabava nunca e eu era louca pra voltar logo pra escola pra voltar a fazer as cosias, pra estudar. Eu gostava de ir pra escola.
P/1 – Quando você era menorzinha antes dessa descoberta da música você lembra o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que você pensou numa profissão.
R – Olha, sabia que eu sempre quis ser professora, sabe? Sempre achei que era uma profissão muito legal e eu acabava também tendo umas coisas que eu gostava de ensinar. Na escola mesmo eu tinha umas facilidades, aí quando eu via eu já estava: “Olha, é assim que faz, tudo mais”. Ajudando o pessoal, era muito legal isso. Mas eu já tive vários picos assim, eu já quis ser professora. Eu gosto muito de meio ambiente, então eu já quis fazer outra coisa voltada ao meio ambiente, até mesmo de escrever, de ler, alguma coisa em relação a isso, publicidade, tudo mais. Mas cheguei aqui.
P/1 – E quais que são as primeiras lembranças que você tem da escola? Que idade você tinha quando você começou a frequentar e o que você lembra?
R – Então, na verdade eu comecei muito pequena porque eu já ia pro berçário, pra creche. Passei por todos os níveis da escola possíveis porque eu precisava ficar em algum lugar. Eu lembro que eu era muito pequena, minha mãe me deixava bem cedinho lá na escola aí tinha uma senhora hoje, que hoje é senhora, que ela sempre ia me buscar e me deixava na casa da minha avó. Aí eu me lembro de poucas coisas dessa fase, mas eu lembro que quando eu era pequena eu era muito bochechuda, ainda continuo sendo, mas eu era mais ainda, aí as professoras gostavam de morder minha bochecha, sabe? Eu era bem pequenininha, eu lembro dessa cena muito forte, delas querendo morder minha bochecha. Isso é engraçado.
P/1 – Teve alguma professora que tenha te marcado, ou professor?
R – Olha, tiveram muitos professores. Acho que cada fase da escola teve alguns. Eu sempre achei uma coisa engraçada que em toda a minha vida sempre acabou aparecendo pessoas que eram como se fosse, não sei falar, mas eram como se fossem pessoas especiais, anjos, não sei, sabe? Mas que acabaram me mostrando algumas coisas, uns caminhos. Tiveram muitos professores, eu acho que eu não me recordo o nome, eu recordo o rosto, se eu visse hoje eu lembraria. Mas alguns professores me marcaram muito, principalmente agora no ensino médio quando eu terminei. Uma foi a professora de português, que ela se chamava Tânia, eu sempre falei pra ela que ela lembrava muito a minha mãe. Eu às vezes olhava pra ela na aula dela e ficava assim... Eu viajava, sabe? Porque eu a achava uma pessoa muito terna. Eu gostava de ficar olhando assim pra ela e imaginando uma coisa boa. Outra pessoa muito importante também nessa fase foi o professor Gilmar que até hoje ele diz que é meu pai. Eu tive uma relação bem forte com ele, foi muito legal. Agora ele se casou, tem uma filhinha linda também, parece até comigo um pouco. E foi muito legal ter conhecido ele, mas tem uma pessoa mais ainda que foi o Paulo do Educadores sem Fronteiras que ele é espetacular, sabe? Ele é fantástico. Ele me inspira todos os dias porque ele luta, porque ele é ele, simplesmente.
P/1 – Você se lembra de alguma situação com o Paulo que tenha ficado gravada pra você? Um momento, um episódio.
R – Lembro. Lembro vários.
P/1 – Conta algum pra gente.
R – Tá. Bom, no meu último ano do ensino médio eu estava muito preocupada porque eu falei: “Puxa, meu Deus, e agora? Tenho que decidir o que eu quero fazer da minha vida”. E aí eu... Calma aí. Aí eu falei com o Paulo e eu já estudava lá no Educadores, tinha acabado de passar na Emesp, que pra mim foi uma vitória porque eu não sabia de nada de música. Eu só cheguei lá e eu toquei e aí eu nem acredito que quando eu vi o meu nome estava na lista, porque eu não consegui ler a primeira vista, eu não consegui fazer quase nada que eles pediram. Nesse mesmo ano eu estava fazendo o ensino médio de manhã, terceiro ano, aí ia pra Emesp à tarde com toda a felicidade do mundo e à noite eu consegui uma bolsa nos Educadores e eu fazia um cursinho na USP de pré-vestibular, e estudava no Educadores aos finais de semana, no sábado, ia até umas duas horas, uma hora. Esse ano foi um ano muito difícil porque foi um ano de muitas decisões, de muitas coisas novas e que, nossa, transformaram minha vida, né? Eu estava estudando muito, muito, muito mesmo. Eu queria muito passar na faculdade, muito. Nossa, ninguém me via mais. Na escola, no intervalo, não tinha mais intervalo, sempre que tinha um momento eu sempre estava estudando. No final do ano eu encontrei com alguns amigos que eles falaram: “Nossa, eu achei que você tivesse saído da escola porque eu nunca mais te vi”. Sabe? Aí eu falei, nossa, e só no final do ano que eu fui parar pra pensar nisso. Mas, enfim, quando chegou a época das provas eu comecei a passar por alguns problemas. Eu fui ao médico, você vai, faz um exame, aparece uma coisa diferente, você vai de novo, aí aparecem outras coisas diferentes. Aí eu fiquei assustada. Pra mim o pior dia foi quando eu cheguei e o médico disse que eu estava com suspeita de câncer. Aí pra mim foi muito difícil porque eu já estava indo fazer as provas muito mal, eu já quase não me aguentava de fazer. O Enem mesmo eu fiz assim morrendo, mas eu fui, mas não adiantou muito porque depois eu até passei, não sei como, mas eu passei na primeira fase da Unesp, tirei uma ótima nota na redação do Enem que eu nem esperava, só que eu não consegui me inscrever em nada, não consegui fazer segunda fase, não consegui fazer nada porque estava travada na cama. Aí pra mim foi muito difícil, mas no momento ali eu não estava mais nem pensando nisso, que antes pra mim era o mais importante. Eu só queria chegar no hospital e que o médico falasse: “Olha, não é isso”. Sabe? Foi quando eu cheguei no médico e aí ele deu a notícia. A primeira coisa que ele falou quando ele olhou pra mim, ele falou: “Não é câncer”. Isso tirou um peso das minhas costas, porque eu estava atordoada, ainda mais porque esse processo todo eu não tive muito acompanhamento na minha família. Quem me ajudou... (choro) Enfim, quem me ajudou muito foi o meu namorado, ele que ainda por cima me forçou a ir ao médico porque eu estava sentindo coisas diferentes e no dia seguinte eu acordava bem, eu falava: “Ah, não, eu não vou ao médico. Daqui a pouco passa”. Aí foi. Ele me acompanhou em tudo, ele que ficou sabendo também de toda essa história. Eu até falei pra ele, eu falei: “Não, enquanto não tiver certeza é melhor não falar pra ninguém”. O ruim é que a gente segurou isso só nós dois, aí foi muito difícil. Eu já tinha até desistido mesmo desse ano de entrar na faculdade porque não dava mais, eu já tinha perdido tudo que era coisa pra fazer e eu só queria ficar bem, sabe? Queria voltar a fazer as coisas que eu fazia. Eu emagreci muito, eu perdi uns sete quilos e eu já era magra, então eu fiquei muito magra. Minha boca estourou toda, eu não conseguia comer direito, ficava na cama com dor nas costas e estava toda inchada, toda enorme. Eu tinha até vergonha do meu namorado e ele ia lá todos os dias, todos os dias de noite ia me ver, perguntava se estava tudo bem, dizia que gostava de mim e isso me deu muita força pra continuar também. Aí depois disso também todo mundo da minha família começou a ver que estava acontecendo alguma coisa, todo mundo ia lá me ver, dava força, queria que eu ficasse bem, às vezes ficavam lá conversando um pouco comigo. Enfim, bom foi quando eu cheguei ao médico e ele disse tudo isso, que não era, isso pra mim foi maravilhoso. E aí eu comecei a fazer o tratamento que eu tenho Lúpus, com certeza acabou desenvolvendo por conta desse estresse todo que eu tive nesse ano, que foi muito difícil. Depois eu me arrependi profundamente de muitas coisas que eu tinha feito porque eu devia ter aproveitado mais, aproveitado mais minha família também. Às vezes a gente foca tanto numa coisa que a gente acaba se esquecendo de viver, mas só que a única coisa que a gente tem de importante aqui é a vida. Se a gente perde a vida não tem mais sentido. Aí, no último momento, eu já estava me recuperando aí teve até a formatura também da escola que eu não ia fazer a formatura porque tava muito caro, eles ganharam um... Não é ingresso, mas ganharam uma formatura. Aí sortearam lá na escola e todo mundo queria que fosse pra mim, sabe? E isso foi muito bonito porque eu falei: “Nossa...”. Sei lá, às vezes você acha que ninguém se importa com você, mas na verdade tem muita gente que se importa com você. Isso foi muito bonito. Eu fiz a formatura que foi muito legal, tinha acabado de me recuperar. Nesse instante, nesse último momento eu fiz prova numa faculdade particular, que pra mim estava totalmente fora de cogitação porque eu não tinha como pagar, mas eu fiz. Também por conta do meu namorado, ele estudou nessa faculdade e ele falou: “Faz lá só pra ver”. Aí eu fiz, aí passei, veio toda aquela ansiedade. Ele mesmo que me passou uns alunos e eu comecei a dar aula de música por causa dele. Esse dinheiro que eu tinha era o dinheiro exatamente pra eu pagar a faculdade. Então comecei com três alunos que dava pra eu pagar a faculdade porque eu peguei um desconto lá na faculdade, e aí foi fui indo. Ter entrado lá e estar me esforçando pra pagar e tudo mais, isso me deu mais força ainda pra continuar. Naquele momento a única coisa que eu precisava era esquecer tudo que tinha acontecido e recomeçar. Foi isso que eu fiz e foi muito bom. Eu fui ao longo dos tempos passando por umas coisas. Eu perdia um aluno, aí ganhava outro aluno, mas eu nunca fiquei sem um dinheiro de pagar a faculdade porque eu não tinha condições, não tinha ninguém pra me ajudar. Eu até hoje pago a faculdade sozinha. Agora já tenho mais alunos, já estou um pouco mais estabilizada, mas pra mim é uma vitória isso também. Eu até tentei também de novo, no último ano eu prestei de novo pra Unesp, passei, mas fiquei como lista de espera. Aí já fiquei, falei: “Tudo bem, às vezes não é esse caminho mesmo que eu tenho que seguir”. Aí estou terminando agora, daqui a pouco termina e aí posso passar pras outras coisas também. Mas é mais ou menos isso. E o Paulo foi uma das pessoas que me ajudou muito nesse momento porque eu acabei sumindo, eu não ia mais pras aulas porque eu não estava bem, aí ligou pra mim, perguntou o que tava acontecendo e me ajudou muito com as palavras, que é o... Palavras, sabe? As palavras ajudam muito. E é mais ou menos isso tudo que aconteceu.
P/1 – Eu quero voltar um pouquinho antes da faculdade e de tudo isso. Você falou que o seu contato, pra entender um pouquinho mais sua relação com a música, seu contato começou na igreja, né?
R – Isso.
P/1 – E aí depois quando é que você decidiu... Como é que você escolheu o seu instrumento? Como é que você chegou nisso? Então primeiro isso, depois eu faço as outras perguntas. Como é que isso foi se desenvolvendo? Na igreja você começou a fazer parte de um grupo e aí como é que você chegou no instrumento que você toca hoje?
R – Então, na verdade eu sempre achei que não dava pra viver de música, sabe? Ainda mais no país que a gente vive e tudo mais, eu achei que isso era meio impossível. Mas aí eu... Tudo meio um pouco do meu namorado, ele é musico, ele é baterista, estudou, e toda a família dele também. Depois que eu o conheci eu comecei a ver outras coisas que eu não via antes. Por exemplo, lá na minha casa eu sempre ficava no mesmo mundinho, nas mesmas coisas e eu nunca tive acesso muito à cultura, ao teatro, a música, qualquer coisa, qualquer manifestação cultural mesmo. Nem cinema, nem nada. Então eu comecei a tocar lá na igreja, pra mim eu tocava lá e só, mas eu gostava muito disso.
P/1 – Na igreja você tocava violão?
R – Isso. Na igreja eu comecei com violão, só que aí... Na verdade tudo aconteceu depois que eu entrei numa banda lá que era da igreja e não tinha baixista. Aí me deram um baixo, uma caixa e falaram: “Vá lá”. Eu falei: “Poxa, e agora? O que eu faço?”. Eu comecei a pesquisar umas coisas, eu também entrei no YouTube lá e vi que tinha mulheres que tocavam baixo, porque geralmente baixo é um instrumento mais masculino. Aí isso me animou porque eu gostava muito do som, mas achava que não era pra mim. Aí eu comecei a estudar e comecei a melhorar também algumas coisas. Foi aí que eu conheci o meu namorado, que foi tocando numa igreja que o baterista da banda não foi, aí meu namorado estava lá. Aí a gente tocou junto pela primeira vez, nem se conhecia, isso foi muito legal. Depois disso eu fui... Depois que eu conheci a família dele que eu vi toda essa vontade que eles tinham e todo mundo muito super pra frente. Eles acreditavam naquilo. Aí eu comecei a perceber e começou a nascer uma sementinha em mim, eu falei: “Nossa, mas será que eu posso?”. Aí que eu decidi. No último, mas no último segundo do último ano eu falei: “Não, eu vou prestar música. Eu acho que é isso que eu tenho que fazer”. Aí foi isso que eu fiz.
P/1 – Mas antes disso você já tinha começado a estudar, né?
R – Isso. Aí foi quando eu entrei na Emesp. Na Emesp eu entrei como contrabaixista, eu já entrei tocando baixo. A irmã do meu namorado é baixista também, toca muito bem. Muito engraçado, ela tem a mesma idade que eu, é bem maluca essa história, e ela me deu um mês de aula antes da prova, porque ela já estudava lá. Depois eu tive uma visão diferente, algumas coisas. É claro que tinha que aprimorar muitas coisas, mas graças a ela consegui entrar na Emesp que pra mim foi, nossa, eu fiquei muito feliz. Depois que eu entrei também é muito difícil você sair porque se você gosta mesmo, se você decide ir pra outra área, ou você decide e larga tudo, ou você continua naquilo. Aí eu decidi ficar.
P/1 – E na Emesp como é que foi a prova de admissão? Que você falou rapidinho, queria que você contasse com mais detalhes, como é que foi o dia, como é que foi pra você.
R – Então, o dia foi muito... Nossa, eu lembro como se fosse ontem. Na Emesp você tem uma sala de aquecimento, aí você chega, eles te colocam na sala com mais mil pessoas lá que vão prestar a prova também. Aí na sala que eu entrei tinha lá vários meninos, que eles são baixistas, e aí eu estava sozinha lá de menina. Eu falei: “Meu Deus, como é que eu vou conseguir passar com esse monte de menino”. Sabe? E o pior que não dá pra ouvir porque ninguém estava ligado no baixo, mas eles tocavam de um jeito que eu falei: “Poxa vida, já era”. E aí foi. Eu falei: “Ah, meu Deus, vou mesmo assim, de qualquer forma”. Fiquei bastante nervosa, mas quando eles me chamaram entrei na sala, eles falaram: “Ah, uma menina. Até que enfim uma menina”. Tipo isso. Aí eu toquei uma música até do Gilberto Gil, aquele Drão, sabe? Toquei pra eles e tinha que tocar um blues, toquei um blues em fá e tinha que fazer umas escalas, umas coisas assim. Aí eu fiz, na leitura não deu muito certo porque eu não sabia ler, não tinha como, ainda mais clave de fá, já muda completamente. Aí passou esse dia, eles falaram: “Nossa, muito bom”. Eles gostaram, eu até me surpreendi pela reação deles porque achei que eles não iam gostar muito, mas eles gostaram, falaram: “Ah, legal”. Mas eu falei pra eles quando eu cheguei: “Olha, eu tenho muita vontade de estudar. Eu queria muito estudar, poder ter essa oportunidade”. Quando eu era pequena já tinha pedido algumas vezes pra minha mãe, mas eu sabia que era difícil a situação, então eu acabava também não insistindo muito pra não acabar causando também certo constrangimento, alguma coisa assim, e também me iludir um pouco, né? Mas antes disso, até me esqueci de falar, tinha um projeto lá perto de casa que se chamava Projeto de Olho no Futuro. Muito legal esse nome. Lá tinha aula de música, de inglês, espanhol, de teatro e capoeira. Aí eu fui lá me inscrever, porque fazia parte da igreja esse projeto, aí a minha mãe falou: “Olha, inscreva-se na aula de inglês porque a aula de inglês é mais importante”. E eu doidinha pra me inscrever na aula de música. Enfim, tive que me inscrever pra aula de inglês, aí fui pra aula de inglês, só que acabei conseguindo conversar com o professor e eu assistia bem de um modo bem secreto as aulas de música, que me deram alguma ajuda também, mas era bem básico. Era tudo assim, a maioria das coisas eu já sabia, eu queria aprender um pouco mais, mas foi muito legal esse contato lá pra abrir outra dimensão. Foi bem legal.
P/1 – E quando você recebeu o resultado da Emesp, como é que foi?
R – Então, eu recebi o resultado, foi interessante porque o Paulo estava me ajudando nessas coisas. Ele falou: “Não, você precisa estudar música e tudo mais”. Super pra cima, aí você até vai acreditando nisso. Você fala: “Ah, eu acho que eu posso mesmo, o Paulo está falando também”. Aí ele pediu pra eu procurar umas escolas e fazer mais ou menos um orçamento de quanto que as escolas estavam cobrando e tudo mais. Aí eu fui com esse meu professor, o Gilmar, numas escolas. Tanto que a gente foi parar lá na Fito,
que lá tem um conservatório. Aí lá o diretor foi superlegal, ele falou que me colocaria no curso mais barato, mas eu estaria em outro curso, mas pagando aquele valor mais em conta. Foi muito legal lá. E esse era o dia que ia sair o resultado. Aí eu recebi uma ligação nesse mesmo instante, eu estava no auditório de lá da... Desculpa, é o Conservatório... Ah, é o da Fito mesmo, que a Fito tem a faculdade, eu acho que eu estou confundindo, mas tudo bem. Aí eu recebi a ligação do meu namorado. Ele falou: “Você não vai acreditar”. Eu falei: “O que foi?” “Seu nome está na lista”. Nossa, aí naquele momento pra mim veio uma felicidade tão grande, eu fiquei muito emocionada, foi muito legal. Ainda mais por aquele momento, eu estava... Já tinha, não estava, sabe quando você acaba não levando muito em consideração? Já tinha: “Puxa, eu não vou passar”. E aí eu passei, nossa, por mim eu ia naquele momento lá fazer tudo, fazer a matrícula, fazer tudo, começar no dia seguinte ou então começar naquela hora mesmo, sabe? Eu queria muito começar. Aí eu fui. Fui lá e fiz. Quando começaram as aulas pra mim foi assim, parecia que eu estava num sonho, eu nem acreditei. Muito legal.
P/1 – Como é que foi essa experiência de ter aula mesmo mais formal?
R – Nossa, foi muito diferente. Foi muito diferente mesmo.
P/1 – O que tinha de diferente?
R – O local já era assim, a Emesp está num prédio antigo ali na Luz, mas lá é especial, sabe? Lá só de você entrar lá você já ouve sons, você ouve... Em todo lugar tem música. Tem pessoas tocando, tem pessoas no corredor. Todo lugar. E eu falei: “Nossa, eu nem acredito que eu estou aqui”. No primeiro dia eu falei: “Nossa”. E eu fazia aula com mais três meninos, era eu e três meninos, aí era mais engraçado ainda porque eu acabei me destacando, porque o professor passava as coisas pra estudar, músicas: “Semana que vem essa música”. Aí ninguém pegava, só que muito engraçado que eu sofria um pouco de preconceito, sabia, no início, que eu nunca pegava no baixo, eu só escrevia. Os três lá com baixo menos eu. Aí o professor falava: “Vai, escreve a escala aí, não sei qual escala”. Aí eu escrevia a escala, mas nunca executava. Eu só executava em casa. Até que chegou esse dia que ele falou: “Ah, poxa, ninguém estudou a música?”. Eu falei: “Não, professor, eu estudei.” “Então pega o baixo”. Aí eu peguei, foi o primeiro dia que eu peguei o baixo, aquilo pra mim foi: “Ah, até que enfim”. Peguei, toquei pra ele, ele falou: “Muito bom. Olha, está vendo? Vocês têm que seguir o exemplo dela”. Aí ele começou a dar um pouquinho mais de bola pra mim, mas foi muito legal estudar com ele.
P/1 – Você toca baixo elétrico, é isso?
R – Baixo elétrico.
P/1 – E você falou que você tocou Drão na prova.
R – Foi.
P/1 – Foi você que escolheu e por quê?
R – Na verdade foi a... O nome dela é Ana Karina, que é a irmã do meu namorado. Ela foi uma das primeiras músicas que ela pegou, aí ela achou que ia ser bom se eu pegasse. Foi uma indicação dela mesmo. Mas eu também gostei super da música depois que eu descobri e era muito legal tocar aquela música. Mas foi mais por isso mesmo.
P/1 – Qual que é o nome do seu namorado?
R – Ulisses.
P/1 – Você contou como vocês se conheceram já, ele foi substituir o baterista, mas aí como é que começou o namoro, como é que começou o relacionamento?
R – Então, na verdade a gente trocou e-mail naquele dia, a gente pegou, aí a gente começou a conversar e combinamos de tocar junto um na igreja do outro, pra conhecer e fazer uma ligação entre as igrejas e os jovens da igreja também. Depois disso a gente era muito amigo, muito amigo mesmo, e a gente conversava todos os dias, todos os instantes, todos os momentos que fossem possíveis. Depois a gente começou a perceber que no fundo, no fundo a gente já estava gostando um do outro, mas ninguém queria meio que assumir muito. Mas foi muito legal.
P/1 – Quanto tempo de namoro?
R – A gente já namora... Nesse ano agora vai fazer quatro anos no mês cinco. Faz um tempinho já.
P/1 – E o que você gosta de escutar de música? Como é que é o seu gosto musical?
R – De música?
P/1 – É.
R – Nossa, olha, eu comecei escutando muito rock, sabe? Eu era bem roqueira quando eu era pequena por causa do meu tio, meu tio gostava e ele morava com a minha avó também e aí ele colocava, eu gostava. Só que era engraçado porque eu gostava, mas eu falava: “Não, não posso gostar porque rock todo mundo fala que é coisa ruim, que tem más influências, tudo mais”. Aí eu falava: “Nossa, mas eu gosto tanto desse som, mas dizem que não pode gostar”. Então depois que eu entendi que não tinha nada a ver e que eu podia gostar e aí fui gostando, fui gostando, fui gostando. Era uma roqueira nata.
P/1 – O que você ouvia de rock?
R – Nossa, eu ouvia muito Nirvana, ouvia muito... Nossa, Nirvana eu escutava muito mesmo. Ah, escutava alguns nacionais: Cassia Eller, Legião Urbana. Gostava de alguns, Metallica, Iron Maiden, todos esses, bem clichê. Mas de uns tempos pra cá, depois que eu entrei na Emesp, vou ser bem sincera, toquei rock muito pouco, tocar mesmo, pra valer, ir lá e pegar uma música rock, sabe? Porque na Emesp eles tentam visar mais a cultura brasileira, então mais Tom Jobim, Chico Buarque. Então eu comecei a ir pra bossa nova, bossa nova, jazz, né? Nossa, jazz, nunca tinha ouvido jazz na minha vida, sabe? Então foi uma mudança bem brusca que eu tive que ter uma reeducação, foi bem diferente, mas foi muito tranquila a passagem. Hoje em dia eu sou muito versátil, eu escuto de tudo, mas quando eu paro assim pra ouvir eu sempre acabo escutando um rock, ou então eu vou lá pra uma música mais... Nossa, é muito diversificado, bem diversificado.
P/1 – E você tem uma canção preferida ou uma canção que tenha te marcado?
R – Uma canção? Olha...
P/1 – Que tenha marcado um momento ou um relacionamento.
R – Relacionamento tem a... Essa é mais rock, mas tem uma banda que se chama Dream Theater e inclusive o Ulisses, o meu namorado, ele gosta bastante. Tem uma música deles que é Goodnight Kiss, que foi uma música que ele me mostrou a primeira vez que a gente se encontrou pra tocar e essa música me marca muito. Toda vez que eu ouço eu sempre lembro daquele momento, o momento que a gente estava se conhecendo, sabe? É uma música bem legal.
P/1 – Queria que você contasse um pouquinho da experiência com a faculdade então. Você contou que essa entrada foi um momento bem difícil, de superação, e aí quando finalmente você começou a fazer faculdade como é que foi isso pra você? Como é que é o universo da faculdade? Era o que você esperava? Como é que é sua vivência?
R – Foi muito diferente. Eu passei por muitos problemas na faculdade porque eu estava começando, eu não sabia muito das coisas, mas eu corri muito atrás lá. Eu acho que esse primeiro momento foi um momento muito legal que eu pude ocupar a minha mente. Tudo que eu não aprendi antes, tudo que eu não pude aprender antes eu tentei aprender naquele momento. Então eu me esforcei e me esforço até hoje. É claro que assim, quando você tem uma educação musical defasada, você vai passando por alguns processos de reconstrução. Então é como se eu tivesse uma linha, mas ela está toda quebrada, aí eu tenho que reparar aqui, fazer um reparo, ir fazendo, reparando, reparando e parece que não tem fim, mas está indo. Está sendo muito bom lá. Lá é uma ótima escola, eu tinha muito preconceito com faculdade particular, sabe? Falava: “Ah, faculdade particular é só pra rico, só pra...”. Sabe? Mas não. Tem muita gente lá que está correndo atrás, que está suando pra se manter lá e que acredita e que tem sonhos. E você faz a faculdade, tudo depende de você lá. Uma coisa que eu pude ver, você tem que correr atrás. Um texto, um livro, um vídeo, uma música. Tudo é você. Se você não fizer ninguém vai fazer pra você e ninguém vai trazer pra você e falar assim: “Olha, está aqui”. Principalmente os professores. Eles estão lá pra te dar uma direção, mas quem é que vai fazer isso mesmo somos nós.
P/1 – E a sua experiência como professora, você começou a pegar uns alunos que o seu namorado te passou, né? Queria saber como é que foi esse comecinho, o que você se lembra? Como é que foi esse contato com aluno? Se tem também um momento que tenha sido especial, um aluno que tenha marcado ou um episódio que você tenha vivido como professora.
R – Esse momento foi muito legal porque, nossa, foi uma mudança. Eu sempre tentei ser a mais esforçada possível pra passar tudo direitinho, qualquer dúvida que eu tinha eu perguntava pro meu namorado. E eu me lembro de duas criancinhas que eles começaram comigo, eles faziam aula de musicalização infantil, nossa, eu lembro que foi tão legal esse momento com eles, porque eles eram tão pequenininhos, eu falei, nossa, como que uma pessoa, que no caso ali era eu, podia se envolver tanto na vida deles. Pra eles ali era superimportante, eles estavam sempre por dentro de tudo e é um momento de descoberta pra eles. Então esse momento de descoberta pra eles, eu vendo esse momento foi muito legal. Muito legal você influenciar, sabe? E tem um aluno, esse, um desses, ele está comigo, ele faz aula comigo até hoje. Então é muito legal o carinho que as pessoas têm por você também, e a confiança no seu trabalho. Isso é muito legal. O nome dele é Rafael Itiro, bem pequenininho, tem seis anos hoje. Muito legal.
P/1 – O que você sentiu de diferença entre ser uma estudante de música e virar professora? Qual que é a diferença?
R – Olha, na verdade não tem muita diferença, porque tudo que você vai vendo, vai aprendendo, isso só vai somando, sabe? Só soma pra você melhorar e acrescentar e tornar a sua aula mais interessante. Eu sempre quis fazer isso porque eu gosto muito de história, mas todos os professores de história têm uns probleminhas porque às vezes acaba sendo meio chato, maçante. Eu acho que uma aula tem que ser diversa. Eu tive aula de psicologia esse ano e uma das coisas que a professora falou que mexeu muito comigo foi que a gente tem que pensar que nós estamos lidando com pessoas, e que essas pessoas têm vários sentidos. Tem as pessoas que olham mais, que são mais observadoras, tem as pessoas que ouvem mais e tem as pessoas que falam mais. Então você tem que saber lidar com esses tipos de pessoas e sempre mudar. Isso eu tento.
P/1 – Queria falar um pouquinho agora então da sua relação com o Educadores sem Fronteiras. Primeiro como é que você conheceu.
R – Foi muito legal isso porque eu estava no terceiro ano do ensino médio e eu já vinha estudando já. Desde o primeiro ano eu comprei um livro daquele desse tamanho de vestibular e eu ia fuçando ele. Eu lembro que eu cheguei na escola e na minha escola, eu estudava ali na ETEC Raposo Tavares, e aí foi muito legal porque do lado da escola que eles fizeram o instituto. Tava escrito lá: “Aulas...”. Era diferenciado. Estava bem escrito bem diferente. E eu falei: “Nossa, será que eu consigo entrar e consigo estudar? Ia ser muito bom”. Aí eu fui, eu lembro que eu não falei nada, não falei nem pra minha mãe, não falei pra ninguém porque eu já fazia muitas coisas também, ia ficar bem mais sobrecarregado, mas eu mesmo assim fui. Aí eu cheguei lá e eu não pude ficar até o final, porque era como se fosse uma entrevista. Eu lembro que eu falei com a Fernanda, eu falei: “Nossa, mas eu queria muito estudar aqui, ia ser muito legal, tudo mais”. Só que eu falei pra ela que tinha que ir embora, que eu fazia um curso de informática e eu já estava atrasada. Eu falei pra ela, expliquei, aí eu falei que ela nem fosse me ligar mais, mas ela me ligou na mesma semana. Aí ela falou: “Você ficou interessada, tudo mais.” “Fiquei, né?” “Então vem aqui, a gente vai começar as aulas no final de semana”. Aí eu comecei a ir, aí foi muito bom porque lá só aconteceram coisas boas assim, professores maravilhosos e o lugar lá muito diferenciado, sabe? Lá eles não ensinam, eles fazem com que você veja as coisas de outra forma, de modo que o mundo tem outras funcionalidades, não é só aquilo que a gente vê, estagnado ou sempre a mesma coisa. Se a gente traz o que a gente faz no cotidiano pra dentro do estudo e aplica isso, fica muito mais fácil de entender. Isso foi muito legal porque, nossa, aprendi muito com eles com isso. Não era só decorar, era realmente entender. Sem falar dos passeios, das exposições, tudo tinha arte envolvida, que facilitava também.
P/1 – Você falou dessa diferença do aprendizado, do jeito de tratar a aprendizagem, você se lembra de algum exemplo, alguma coisa que tenha dado um clique ou uma aula?
R – Tiveram várias, mas deixa eu ver. As fórmulas mesmo, todas as fórmulas tinham um significado ou alguma coisa que incluía, que estava ali no cotidiano que fazia com que a gente lembrasse. O que eu mais lembro, que o Paulo até falava, que ele falava que o peso era igual a massa vezes a gravidade, que ele falava que era tia Pafusa de Minas Gerais. Isso eu lembro, puxa, até hoje, sabe? Isso é muito legal. Você realmente acaba condensando isso.
P/1 – Era diferente da sua experiência na escola?
R – Era muito diferente. Era muito diferente porque na escola a gente vê a fórmula do jeito que ela é, não tem macetes nem brincadeiras. Eu acho que essa coisa muito até pragmática da escola acaba dificultando também o aprendizado. Mas os Educadores, nossa, era superlegal e superdivertido. Você queria ir e o tempo passava e passava muito rápido, você queria ficar mais, mais e mais e aprender mais. Era legal aprender.
P/1 – Conta um pouquinho como é que era lá. Você ia uma vez por semana, tinha todas as disciplinas? Como é que era organizado?
R – Eu era da turma de final de semana, mas a turma de final de semana também tinha uma aula que acho que era na sexta-feira que era uma aula mais artística, que a gente estava por dentro de teatros, de imagens, até a gente confeccionava também. Era muito legal. Só que essas aulas eu acabei indo bem pouco porque não dava pra eu ir. Mas as aulas de final de semana tinham as disciplinas e os professores, sabe, sabe tudo? Isso é muito legal. O Paulo mesmo é assim, o Paulo sabe falar de todos os temas, mas a gente tinha dividido. Por exemplo, o Paulo falava de matemática, de história e física. Aí a gente tinha outra professora como, por exemplo, a professora Juliana, que aí ela falava de biologia. Era mais ou menos duas horas pra cada professor de aula. E rendia bastante, era muito bom.
P/1 – Esse conteúdo que você via no Educadores era o mesmo conteúdo da escola só que dado de outra maneira? Como é que era isso?
R – Algumas coisas sim, outras coisas eram bem novas e outras coisas ainda eram coisas que meio que eram puladas na escola, sabe? Foi bem diverso.
P/1 – E esses passeios que você citou, você chegou a fazer alguns deles? Tem algum que tenha ficado mais marcado que você tenha gostado em especial?
R – Calma aí, deixa-me lembrar. Nossa, tiveram tantos, agora eu não consigo lembrar, mas eu não fui em tantos, eu fui a alguns. Mas acho que teve um que foi no museu, foi bem legal. A gente foi de ônibus. Engraçado porque todo mundo estava meio que na mesma sintonia, então no caminho a gente conversava sobre vestibular, questões de vestibular, coisas históricas ou coisas que a gente tava vendo no meio da viagem até o local. Essas coisas.
P/1 – No que você acha que o Educadores sem Fronteiras foi bom pra você? Você acha que te ajudou e no que? Qual diferença que fez pra você?
R – Eu acho que em tudo eu acho que eles... uma das coisas que eu pude perceber, que eles sempre confiaram muito nas pessoas, inclusive em mim. Era uma das coisas que até eu várias vezes já me perguntei: “Nossa, mas como que eles acreditam em mim?”. Esse voto de confiança acho que foi uma das coisas bem marcantes de lá porque todo mundo acreditava que você era mais do que você mesmo acreditava poder ser. E acho que todo mundo precisa disso pra poder acreditar nos seus próprios sonhos, nas suas próprias virtudes e só crescer com isso também.
P/1 – E mudou você acha a sua relação com estudo, jeito de estudar ou de ver a escola e a aprendizagem?
R – Mudou bastante. Depois que eu comecei a estudar lá tem muitas coisas que hoje eu até lembro por conta da forma que foi tratada, mas, como posso dizer? Lá é diferente. É muito diferente, é muito legal, você se sente bem.
P/1 – Você achava que era mais prazeroso assistir aula?
R – Era. Era muito. Primeiro que todo mundo chegava já com aquela sede, aquela vontade de querer aprender, de querer descobrir outras coisas. Então isso também é o que move os Educadores, eles são fascinados por isso e vontade é o que eles mais têm, e disposição, sabe? Que é uma das coisas que é difícil de enxergar nas pessoas, disponibilidade, pra tudo. A gente às vezes dá, como eu disse primeiramente, às vezes a gente dá importância pras outras coisas só como, por exemplo, vou ao trabalho porque o trabalho é mais importante do que ir numa apresentação da minha filha, ou ir na escola da minha filha, reunião de pais, ou um almoço, um jantar, coisas simples. Ou até mesmo uma palavra de boa noite ou bom dia, que difícil de falar hoje em dia. As pessoas não se conhecem mais, as pessoas querem... É como se tivessem uma venda nos olhos, eu não vejo, eu não quero saber do outro, eu só quero saber de mim.
P/1 – Queria perguntar um pouco do Criança Esperança pra você, do que você sabe. Primeiro o que você sabe sobre o Criança Esperança, você Beatriz mesmo. Qual que é o seu conhecimento? Como é que você conheceu o Criança Esperança? O que você sabe sobre o que eles fazem, o projeto?
R – Na verdade eu não sei muito sobre o Criança Esperança. O que eu sei é mais do bem midiático, mas o que passa na televisão, que é um projeto social superlegal, que tenta ajudar de todas as formas e de todas as maneiras, não é só com a doença, não só com a falta de estrutura, mas eu sei bem pouco. Sei mais das arrecadações que acontecem todos os anos, que tem os patrocinadores, essas coisas que acabam levando o Criança Esperança e trazendo mais pra um âmbito geral da sociedade.
P/1 – E qual que você acha que é a importância de um apoio como o Criança Esperança desses recursos pra iniciativas, por exemplo, como o Educadores sem Fronteiras.
R – Nossa, eu acho que é muito importante. Eu acho que é uma das coisas que faltam porque uma das coisas que eu acho que falta muito hoje é a questão da... Como que fala? Eu vou lembrar o nome. Eu esqueci, mas tudo bem. Eu acho que falta um pouco do apoio, da ajuda. Nem todo mundo tem a mesma estrutura, nem todo mundo tem pai, nem todo mundo tem mãe, nem todo mundo nasceu, como dizem, perfeito, né? Mas eu acho que esses incentivos são muito bons porque ajudam e dão o apoio, porque se você pensa, a gente já vive uma sociedade bem desestruturada, sabe? Pensando até mesmo familiarmente, eu acho que emocionalmente, as pessoas passam por problemas e eu acho que isso é bem legal pra desenvolver, pra ajudar. E é um ato de caridade, que é uma das coisas que é difícil alguém fazer caridade. Eu acho que devia ter muito mais e devia ser muito amplo também, ajudar muito. Os Educadores mesmo eu acho incrível porque os professores são voluntários, e essa doação também é muito importante porque se não tiver o pontapé inicial não vai pra frente. Sempre tem que ter alguém pra dar o start, pra começar e mudar vidas. Já pensou? Isso é impressionante. Fantástico.
P/1 – Eu vou encaminhar agora pras perguntas finais. Vou fazer duas perguntas de fechamento e aí antes de fazer essas perguntas quero saber se tem alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de falar. Qualquer coisa.
R – Acho que depois quando eu sair daqui eu vou me lembrar de alguma coisa, mas acho que é isso mesmo.
P/1 – Sempre acontece depois que sai. Então eu vou fazer a penúltima pergunta, queria saber quais são seus sonhos.
R – Nossa. Eu acho que o primeiro sonho é viver, ser feliz e, como o Paulo diz, sempre tentar todos os dias fazer outra pessoa rir também com você. Os sonhos mais pra mim assim, eu sonho... Nossa, eu sonho com tanta coisa. Eu sonho em conseguir terminar os meus estudos, conseguir terminar de fazer a faculdade legal, sem problemas, financeiros também. Conseguir ter uma boa formação pra conseguir fazer outros tipos de trabalho também. Quem sabe um dia estar aí, vou pensar tão longe assim, mas vamos pensar aí nos astros de Hollywood, mas não custa sonhar, né? Acho que é legal pensar assim. Mas quero casar também, quero ser feliz, fazer as outras pessoas felizes e quero continuar sendo eu, pra sempre.
P/1 – O que você imagina como musicista, o que você imagina pro futuro?
R – Como musicista eu imagino...
P/1 – É. O que você gostaria de fazer?
R – De fazer? Nossa...
P/1 – Como você se imagina, sabe? Dando aula ou dando aula e tocando também em algum grupo.
R – Eu imagino continuar sendo professora, eu gosto muito do que eu faço, acho que é muito legal. Gosto muito de ensinar e poder passar pelo menos um pouquinho do que eu sei. Acho que isso é bonito. Se todo mundo passasse um pouquinho das coisas que sabe seria bem legal. Mas eu pretendo tocar também, eu gosto muito de tocar, tocar com os amigos. Estou com uma banda agora de jazz, a gente faz um som, tem umas músicas próprias também, que é um som bem diferente, meio alternativo.
P/1 – Vocês tocam fora?
R – A gente toca. A gente toca em alguns... Eu toco em casamentos, em barzinho, mas é bem mais freelance. Algumas bandas, de vez em quando aparecem umas bandas femininas, porque agora está meio na moda só banda de menina, aí às vezes aparece algumas coisas, né? Inclusive eu tive uma oportunidade muito legal de gravar um videoclipe com uma cantora que se chama Aline Mali. Foi muito legal ter feito isso, e ela está trabalhando pra isso também, quem sabe a gente trabalhe mais junto.
P/1 – E a sua banda como é que chama, de jazz?
R – Chama-se... Na verdade a gente está com um projeto novo agora que chama Jazz na Seca, que remete aos problemas da cidade de São Paulo por conta da falta de água e tudo mais. Mas o nome do grupo é 1, 2, 3 Quinteto. Cinco pessoas.
P/1 – Legal.
R – Mas é isso mesmo.
P/1 – Vou fazer a pergunta final então, queria saber o que você achou de contar a sua história, como é que foi pra você?
R – Eu achei que foi difícil, porque é muito difícil você falar de você mesma. Quando a gente entra, sabe, a gente imagina mil coisas. Até mesmo você relembrar de tantas coisas que aconteceram na vida é bem marcante. Tem muitas coisas que marcam a nossa história. Mas eu acho que todo mundo tinha que contar a sua história porque esse é um registro bem legal. É muito legal.
P/1 – Tá bom. Muito obrigada.
R – Eu acho que foi muito bom. Obrigada vocês. Muito obrigada mesmo.
P/1 – A gente que agradece.
FINAL DA ENTREVISTARecolher