Conte sua História – Memória dos Brasileiros
Depoimento de Roberto Clóvis Mangialardo
Entrevistado por Rosana Miziara e Luciano Fernando Brandão
São Paulo, 25/10/2011
Realização Museu da Pessoa, Projeto Doadores de Sabedoria
Entrevista PCSH_HV_326
Transcrito por Melina de Moura Marchetti
Re...Continuar leitura
Conte sua História – Memória dos Brasileiros
Depoimento de Roberto Clóvis Mangialardo
Entrevistado por Rosana Miziara e Luciano Fernando Brandão
São Paulo, 25/10/2011
Realização Museu da Pessoa, Projeto Doadores de Sabedoria
Entrevista PCSH_HV_326
Transcrito por Melina de Moura Marchetti
Revisado por Camila Catani Ferraro
P/1 - Local de nascimento e data de nascimento...
R - Vamos lá. O meu nome é Roberto Clóvis Mangialardo, vocês podem me chamar de Bob que é como sempre fui conhecido aí. É, eu nasci em uma cidade chamada Vera Cruz, que fica em São Paulo, ela é muito grande (risos), então a gente coloca como referência a cidade de Marília. Nasci em 26 de março de 1966.
P/1 - É... você sabe um pouco das suas origens familiares? Os seus pais são de Vera cruz?
R - Sim, sim, sim, sim. O meu pai nasce em Cabrália e a minha mãe nasceu em Matão, somos a família inteira oriunda da Itália, são descendentes de italianos. Os meus bisavós chegaram no Brasil em 1900 e constituíram família nessa região de Matão, Araraquara, Vera Cruz, Garça, Jales... e ele foram, é, colonos, trabalharam em fazenda e em 1968 a gente veio para São Paulo.
P/1 - Eles trabalhavam em quê, em fazenda de café?
R - Em fazenda de café, que é a grande... Essa região ela foi muito forte na época da, do grande "BUM" dos cafeicultores.
P/1 - Seus pais chegaram a ser colonos?
R - A minha mãe foi, o meu pai não, o meu pai já era da cidade, né. O meu pai, o meu avô era...
P/1 -
Fica aonde?
R - Próximo ali a Marília, Vera cruz, toda aquela região. E o meu pai, o meu avô paterno ele era carroceiro, ou seja, ele era, fazia frete, só que como não tinha carro ele fazia com carroças, né. E o meu aí começou a trabalhar, o primeiro ofício dele foi como sapateiro e veio até o final da vida, até o final da carreira profissional dele, porque ele ainda está vivo, como sapateiro.
P/1 - E você sabe como ele e a sua mãe se conheceram?
R – Ah, conheceram na praça do coreto da igreja (risos). Que era assim, as moças andavam para a direita e os rapazes andavam para a esquerda e eles se encontravam. E a minha mãe é extremamente católica e foi assim que eles se conheceram.
P/1 - Isso em...
R - Ah, 1945. O meu pai não foi para a guerra porque ele pegou tifo quando ele estava para embarcar e ele ficou hospitalizado no Hospital da Independência que fica ali no Glicério, naquela região ali próximo do Ipiranga.
P/1 - E aí eles casaram e foram morar em Vera Cruz.
R - Não, eles já eram de Vera Cruz. Minha mãe já tinha saído de Matão, na fazenda e veio para a cidade e o meu pai já era da cidade de Vera Cruz. Eles se conheceram lá, casaram... Eles casaram em 1950, é, 1950 e constituíram família, tal, nós somos em quatro. Eu sou o mais novo, o meu irmão mais velho tem sessenta anos, a minha irmã tem cinquenta e sete, a Terezinha, a Isabel tem, quarenta e seis com sete, são cinquenta e dois e eu tenho quarenta e cinco. Então eu sou...
P/1 - O caçula.
R - É, na verdade não é bem, não é bem caçula. É, eu sou o caçula, mas é a falha da tabelinha mesmo.
P/1 - É o famoso temporão.
R - (risos) Falha da tabelinha. É até interessante essa história porque a minha mãe fazia a tabelinha no livro da igreja e eu tenho a minha tia que é bem mais nova que a minha mãe, ela estava brincando e a minha mãe perdeu a conta e (risos) da conta veio eu. Isso é verdade gente. Então ela não podia mais... A gravidez dela era gravidez de risco... Ah, volta um pouquinho em 1966, no meio do Estado de São Paulo, no meio do nada, os meus dois irmãos mais velhos nasceram em casa de parteira, só eu e a minha, a Isabel que nascemos em hospital. Então a gravidez da minha mãe foi de altíssimo risco, por uma questão de infraestrutura, hoje você tem pessoas com quarenta e cinco anos tendo filhos, existe o risco, mas você tem o amparo da medicina, naquela época não tinha. A minha mãe tinha trinta e nove e meu pai tinha quarenta e dois quando eu nasci.
P/1 - E você lembra da... E quanto tempo você morou lá em Santa Cruz?
R - Em Vera Cruz.
P/1 – Vera Cruz.
R - Em Vera Cruz eu morei dois anos, a gente morou de 66 para 68. Porque que a gente veio para São Paulo? É, tanto a família da minha mãe quanto a família do meu pai eles foram metidos em política, gostavam de política e geralmente em uma cidade pequena como a cidade de Vera Cruz, quando o teu, é, partidário perde ou o teu político perde, você perde junto com ele. Então o meu pai tinha uma fábrica de sapato e ele acabou perdendo tudo e aí nós viemos para São Paulo. Uma fábrica de sapato, gente, nos moldes da época, não é nenhuma grande empresa, mas ele fabricava sapato. Aí ele veio para São Paulo e com uma... teve uma sapataria aqui. De Vera Cruz eu lembro muito pouco porque eu saí de lá com dois anos e eu vim para cá, nós chegamos aqui em 68. A gente chegou no auge do, dos atos institucionais, aquela repressão toda do início da ditadura, que o ápice dela foi em 69, se não me engano, com o AI-5. Então foi um ambiente, uma época muito difícil, para todos, né, independente de você ser ou não de direita ou ser de esquerda, por que...
P/1 - E vocês, vocês vieram para qual local aqui em São Paulo?
R - Nós viemos para São Paulo, a gente morou sempre na Zona Norte, ali a Parada Inglesa, naquela região ali.
P/1 - Qual a casa que você tem mais memórias, assim, da tua infância?
R - Olha, eu lembro muito da casa que a gente morou na Rua Quedas, hoje ela não existe mais, né. Porque assim, a gente não tinha casa, a gente não era proprietário, a gente alugava, então sempre tinha que procurar uma casa que tivesse uma garagem, não para ter carro, mas para ter a oficina do meu pai. Então era onde, onde ele tinha a sapataria dele. Era uma casa bastante simples, né, onde tinha a garagem em baixo que ficava a sapataria do meu pai e a gente morava em cima. Um padrão normal da década de 60. Então eu lembro bastante, foi aonde a gente... Eu, por exemplo, tive o privilégio de jogar bola na rua, de andar na rua, de brincar, de brincar de pega-pega, de esconde-esconde, ser uma criança normal, sabe, gastar energia... Hoje uma criança extremamente ativa dão Rivotril para ele (risos), né, se não pode falar Rivotril vamos falar calmante, pronto. Porque ele é muito ativo, a gente gastava a nossa hiperatividade na rua.
Estudava, né, apesar dos meus pais não terem estudo, eles, eles, no máximo eles cursaram até a quarta série do primário, os filhos todos estudaram. E assim, você não trabalha, mas você tem que estudar, era muito cobrado.
P/1 - Quem, como é que era a convivência, assim, na sua casa? Quem que exercia autoridade, o seu pai ou sua mãe?
R - Na verdade, assim, é, existe, por ser uma família descendente de italianos existe a figura do, do pai, mas eu lembro que a gente sempre sentava à mesa todos os filhos e eu era pequeno que eu queria sair, que eu queria brincar: "Não, fica aí que um dia você vai ser pai de família, você precisa saber, você precisa saber o que que é pagar conta, você precisa entender o que que é dinheiro". Eu tive infância, tive adolescência, tive tudo, só que eu já tive valores de educação, de respeito... Por exemplo, pedir por favor... É tão bom cumprimentar uma pessoa, dar um bom-dia, dar uma boa tarde, hoje você não vê isso. Respeitar uma pessoa mais velha... Às vezes eu chamo as pessoas, trato por senhor a pessoa assusta, eu falo assim: "Eu não tenho intimidade com você ainda, o dia que eu tiver e se você me der a liberdade eu vou te chamar de você". Então isso é uma coisa de criação. Então educação a gente tem em casa, independente se o seu pai é um PHD ou não. Então isso a gente teve. Então existe a figura do pai, mas existia muito a figura da mãe. A mãe é para, para segurar as pontas, assim, quando a gente apanhava muito. Eu fui apanhar do meu pai eu tinha dezesseis anos, nunca tinha apanhado dele, da minha mãe era todo dia (risos da entrevistadora), mas do meu pai foi com dezesseis anos. Porque eu fiz uma arte, noivado da minha irmã, eu roubei a moto de um amigo dela que estava em casa, roubei não, né, eu peguei sem ele saber e fui dar uma volta na casa da namorada para mostrar que eu estava andando de moto (risos)... Sem capacete, sem carta, sem habilitação, com dezesseis anos, então tive... então teve a família (risos)... É verdade, é verdade... Teve a família, assim, a instituição família em casa sempre foi muito forte, principalmente existiam valores, eu hoje se eu encontro os meus tios, a gente beija a mão e pede benção ou beija o rosto. É, eu encontro os meus irmãos a gente se beija. Uma vez eu beijei o meu irmão na rua, todo mundo ficou olhando: "O que esses dois homens estão se beijando?". Existe uma doença na cabeça de algumas pessoas absurda, né, é a falta de aceitação do diferente, né, por isso que você tem esses absurdos por aí. E a gente sempre se trata desse jeito. Como, por exemplo, uma pessoa que eu tenho muita amizade, que é amigo se cumprimenta com um beijo, isso é uma característica, talvez de italiano, não sei, mas isso eu aprendi em casa.
P/1 - Tinha essa relação?
R - Tinha essa relação, então você, de toque de gostar...
P/1 - Era assim?
R - Sim, sim. Então você beija, por exemplo, os tios você beijava...
P/1 - Do seu pai e da sua mãe.
R - Também. Os dois, os dois, os dois.
P/1 - E formação religiosa, os seus pais eram religiosos?
R - Sim, a minha mãe é extremamente católica, né, são, são católicos. A minha mãe é católica até hoje, tal, e eu fui criado na igreja católica só que eu descobri o espiritismo depois com, já chegando na adolescência, né. Eu hoje, eu não posso te dizer que eu sou espírita porque eu não estou praticando, eu estou bem afastado, mas eu acredito no espiritismo, eu acredito que existe algo depois dessa condição material que a gente tem. É muito pouco para, para a grandiosidade do ser humano, para a capacidade que nós temos, a gente se restringir em oitenta, sessenta anos, isso não é nada. O que a eternidade... O que são sessenta anos para a eternidade? Então eu sigo essa, essa filosofia, tá. Só que eu não gosto de rótulo, porque toda vez que você rotula, você está dizendo da mesma forma que no passado tatuavam os judeus, então... Você acredita, eu tenho que respeitar a sua crença religiosa assim como você tem que me respeitar, o dia que a gente conseguir se respeitar esse mundo vai ficar bem melhor, não vai ter mais muro, não vai ter assassinatos ao vivo, não importa o que o "cara" fez, você também não precisa tirar a vida dele.
P/2 - Como é que foi que você se aproximou do espiritismo sendo de uma família católica?
R - Ó, na verdade, assim, a minha mãe é católica, mas a minha avó materna não era, ela já era espírita, então já existia já essa predisposição. E na verdade quando a gente fala de mediunidade, o que que é mediunidade? Por que que a gente consegue conversar ou transitar ou ter contato com os dois mundos? Porque você é uma parte matéria e uma parte espírito ou parte alma, que seja, parte... Dá o nome que você quiser. Então eu já vinha com isso e a verdade é que você sempre começa a se relacionar com pessoas e passa um tempo e você começa a perceber que ela também é espírita ou que ela tem a espiritualista e aí que você vai direcionando, tá. É que você precisa ter uma mudança radical na sua vida e hoje eu, eu tento fazer o seguinte: eu não faço para o meu próximo aquilo que eu não quero para mim mesmo. Então as agressões que a gente faz contra o nosso corpo, você está fazendo uma coisa errada, você está agredindo-o, isso aqui que foi dado para você, que na minha concepção o ser humano é a máquina perfeita, olhando dos olhos como um engenheiro ela é a máquina perfeita, ela funciona redondinha, depende só a gente cuidar dela.
P/1 - É, você falou que a sua família tinha uma ligação política tanto do lado da sua mãe quanto do lado do seu pai. Quando veio para São Paulo isso continuou?
R - Não, não, não, isso foi tudo no interior, eram os familiares da minha mãe e os familiares do meu pai. É que com esse...
P/1 - Eles eram agregados a algum partido?
R - Ah eram, mas aquela ela época eu não vou nem...
P/1 - Era de direta, de esquerda?
R - Eu não vou nem conseguir te explicar porque isso foi na época da República Velha, por exemplo, o meu pai foi getulista, meu pai apoiou o Jânio não para prefeito de São Paulo, mas para governador e depois para presidente. Quando o Jânio caiu ele caiu junto, como todos da região. Eu lembro que em 1985 foi a primeira vez que eu votei e o meu pai falou: "Não me importa em quem você vai votar, eu só não quero que você cometa o erro que o seu pai cometeu, na década… antes da década de 60, não vote no Jânio" (risos). Só isso que ele falou.
P/1 - Aí aqui então não se discutia mais política ________?
R - Não, se discutia, mas de uma forma muito branda, não, não tinha mais aquele afã, era uma coisa mais velada, principalmente porque eu sou filhote da ditadura, então era proibido se falar de política em casa. O meu irmão por exemplo ele foi, ele levou uma, uma batida, né, em uma inspeção da polícia do DOPS ou do DOI-CODI, sei lá, da polícia civil que tinha na época e ele estava com um livro de matemática russo no bolso, ele teve problema por causa disso. Quando ele começou a fazer jornalismo, ele parou de fazer jornalismo porque era assim, era um aluno, um "cara" do DOI-CODI, um aluno, um "cara" do DOI-CODI e era aquela verdadeira caça às bruxas. Como é o grande problema hoje, eu caçar quem não é igual á mim, eu vou, eu não quero você, você é diferente, é mais fácil eu, eu bater em você do que te aceitar como você é. Então era muito complicado, então não se discutia política. Eu dava umas cutucadas, né, porque eu fui, eu fui de movimento estudantil, hã, sempre estava metido em alguma coisa dentro da faculdade ou na época do colégio mesmo, quando tinha alguma coisa para discutir eu que levantava: "Não, vou falar, eu não concordo, o senhor me desculpe professor, mas eu acho que não é assim, nós vamos ter que sentar e conversar isso". Mantendo o maior respeito possível com a figura do professor, mas você te, você tem que discutir. Eu, eu sempre tive assim: "Por quê?" Você me explica, se você me explicar está ótimo, mas não vem querer colocar goela a baixo porque não vai descer.
P/2 - Você foi bom aluno?
R - Sim, eu era um aluno problemático. Por que que eu era problemático? Porque eu a hora que o professor estava ensinado eu estava assim, ele acabava de ensinar eu
atrapalhava todo mundo e tirava nove e meio, dez depois nas provas, porque eu chegava em casa, antes de brincar eu sentava, pegava
a matéria duas horas e estudava, acabava, fechava o livro, rua.
P/1 - Com quantos anos você entrou na escola?
R - Eu entrei com sete, mas já entrei alfabetizado já.
P/1 - Como que você ia? À pé, de carro...?
R - No começo, não imagina, a gente não tinha carro, gente, nós éramos classe, éramos bem pobres mesmo, não tinha carro não. Assim, até o primeiro ano, a primeira série, tá, que é com sete anos, a minha mãe me levava e o meu pai me levava, com oito anos o meu pai me levava, aí eu atravessava uma rua e eu ia o resto sozinho, com oito anos já, caminhando.
P/1 - E...
R - Que tinha... Era, era a responsável, eu sei hoje que o meu pai ficava vendo eu chegar na escola, mas eu não o via. Porque assim, ele, ele, ele, a criação que eu tive, assim, você tem que ser preparado para o mundo, você não tem que estar com uma campanola em volta de você, eu vou estar olhando para você, por você, mas você não vai saber que eu estou. Eu não sei se eu consigo explicar essa questão de amparo, mas não é aquele de ficar: "Ai meu filhinho", não. Você tem que ser preparado para o mundo.
P/1 - E aí que lembranças você tem da escola, das professoras, dos colegas...
R - Ô cara, eu tenho assim, foi muito dez, eu lembro até do nome das quatro professoras, a primeira chamava-se Shinobu Kojima, foi a minha professora, foi a primeira canetada que eu tomei na cabeça porque eu não parava, eu era hiperativo. Depois na segunda série em 1978, em 1974 foi a Dona Maria Eulália, foi uma professora do segundo ano. Depois a, na terceira série que foi, 73, 75, foi a professora Belmira Cardoso, tá. E na quarta série foi a professora Daguiomar, que ela foi durante muito pouco tem e depois ela saiu para ser diretora, eu não lembro o nome da substituta. Mas essas professoras foram a base, porque hoje se eu sei fazer derivada e integral, mas ela me ensinaram a fazer, primeiro a ler, se você não ler você não consegue interpretar nada, depois me desenvolveram o meu raciocínio através da matemática para eu conseguir entender história, geografia, fazer cálculo, derivada, integral, limite, tudo isso, mas a base foram elas. E eu estudei em colégio de Estado, colégio de Estado onde o professor era respeitado, o que hoje não acontece. Hoje não existe respeito pelo professor, hoje não existe, não existe respeito pelo ser humano, a pessoa, não, não, não há, não há aquele respeito. Não é porque ele está que você precisa endeusar, não é isso, você tem que respeitar, o cara está dispondo o tempo dele ali, ele está tentando passar para você o que ele sabe e mais um pouco para você amanhã ser alguém na vida, não ser um párea, não ser um aéreo, um aloprado totalmente, um alienado.
P/1 - Como que é o nome da escola, era o nome da escola?
R - Era Escola Estadual de Primeiro Grau Deputado Pedro Costa. Eu não sei se continua...
P/1 - Você fez o primário, o ginásio...?
R - Só o primário, eu fiz até a sétima série. Por quê? De 73 até 79, a partir do ano de 77 a situação dentro dos colégios estaduais e municiais mudou muito, houve uma queda vertiginosa no ensino, então por exemplo, eu fui, era obrigado você ir de uniforme, porque uniforme, porque o uniforme todos estão iguais, certo? Você consegue nivelar, você pode ter uma pessoa que é muito rica, você pode ter uma pessoa que é muito pobre, mas lá dentro da escola estão todos iguais, é uma forma de você nivelar e todo mundo estar do mesmo jeito, você não ter aqueles absurdos que existem, está certo? Então eu era... Entendo, entendo hoje a questão do porquê da questão do uniforme, depois passou por, para a questão do avental... quando chegou em 79 eu estava com muito problema de relacionamento na escola, porque eu era muito crica, eu era muito agitado, então eu atrapalhava os outros alunos e...
P/1 - O que você fazia?
R - É assim, eu prestava atenção a hora que o professor estava explicando e quando parava eu não dava sossego, não dava sossego, ou eu estava desenhando avião, ou eu estava fazendo projeto ou já tinha feito a lição ou já estava fazendo a do cara do lado, entendeu; eu já estava batendo pão, eu já estava querendo namorar a menina da cadeira da direita, da cadeira da esquerda, entendeu.. Eu com sete anos dei um beijo na boca de uma menina da minha sala em um teatrinho que estava tendo, ela me deu um tapa e eu dei outro nela (risos). Então, o que acontece é assim, como existe uma diferença muito grande de idade entre eu e os meus irmãos, é, eu, eu usava os livros deles para ler, então por exemplo, eles fizeram um negócio científico que não existe mais, que você tinha acho que humanas, biomédicas e o científico...
P/2 - Clássico e científico.
R - Clássico e científico, né. Eu usava os livros deles para ler, então eu comecei a estudar química, eu comecei a ler química eu tinha nove anos de idade, eu já lia livros de química, eu já estudava química, eu já gostava de química. Depois eu vim saber que eu gostava de engenharia, era de construir, mas já estudava, então... E acabava tendo contato com pessoas mais velhas, sentia assim, ou seja, a conversa era diferente, não tinha um papo de, de criança. Então você acaba ficando assim meio estressado com a conversa da classe, a conversa não tem nada a ver, pô, enquanto o moleque estava querendo jogar bolinha-de-gude eu estava pensando, pô, o que que eu vou fazer? Diferente, diferente.
P/1 - Aí você saiu...
R - Aí eu saí, aí a minha mãe conseguiu que eu fosse estudar em um colégio de freiras chamado Externato (inaudível) que fica ali na, ali a Parada Inglesa, né. Era um colégio de freiras, tal. Quando eu cheguei lá foi um choque...
P/1 – Mas já era escola particular.
R – Era, foi escola particular. Foi escola particular. Quando eu cheguei lá foi um choque, por quê? O pátio era separado, as meninas não podiam conversar com os meninos durante o recreio e aquilo não entrava na minha cabeça, eu falava: "Mas por que que não pode? Que absurdo! Por quê? Que raio que é isso?". E eu, pô, toda hora eu estava lá na sala da orientadora educacional porque ela queria conversar comigo: "Não, você não pode, você tem que entender, aqui é a norma do colégio". Eu falei: "Ô professora, mas me explica porque, qual o problema de eu conversar com ela? Eu não entendo isso, não vejo algo que é errado. A senhora acha que a gente vai fazer alguma coisa errada aqui dentro da escola?". Mas era a lei e não podia. Mas eu fiquei um ano só lá, graças a Deus, só foi um ano porque, muito, muito estreito o colégio assim, passei e terminei e depois eu fui estudar no Colégio Consulata, que é um colégio de freira também, mas diferente, tal. E fiz um curso técnico em química. Que foi eu terminei, eu entrei lá em 80, eu terminei em 83. Saí de lá e fui para a Oswaldo Cruz, entrei na Oswaldo Cruz em 85, onde eu fiz engenharia. Lá na, nesse colégio no Imirim, eu tive uma ajuda muito importante de um professor, né, que ele chama-se Itamar Faria. Ele foi o cara que me orientou, falou assim: "Não faça química, você não é químico, você vai fazer engenharia". Porque desde que eu entrei no colégio eu já comecei a agitar a feira de ciências, pegar as salas para montar experiências, fui convidado a dar aula para a terceira e quarta série durante dois anos. Aulas específicas sobre, a gente chamava de ciências, eu abordava física, biologia e química dentro do laboratório, explicava o que que eram os, os, os regentes, como que funcionava, o que que era química, né, com a supervisão desse professor. E foi um negócio muito bacana, porque daí eu percebi que eu tinha facilidade para falar em público e eu explorei isso bastante na minha carreira profissional, essa capacidade de entreter, é, de chamar atenção e, e tudo mais desde os meus quinze, dezesseis anos. E eu sempre gostei de estudar, aquilo que eu gostava, por exemplo, eu não suporto leitura... Hoje eu sei que é um grande erro, mas, por exemplo quando eu tinha que ler
A mão e a Luva, A pata da Gazela, sabe, isso para mim era um martírio ler isso (risos do entrevistador), era um martírio, sabe, hoje eu sei, hoje eu tenho Os Lusíadas no Facebook, no meu IPAD para ler, para lembrar de alguma coisa, porque falta o quê? Cultura. Eu gostava de literatura técnica e eu tinha facilidade para absorver esse tipo de coisa e eu fazia questionamentos, né, teve até uma situação, se vocês acharem relevante vocês deixam ou não. Foi o seguinte: a gente estava em uma aula de física, eu levantei e falei: "Professora, eu tenho uma dúvida aqui, eu acho que a gente está errado em um conceito das viagens para fora do, da órbita da terra, acho que a gente tem uma força que Nilton já descobriu há muito tempo e a gente não sabe ainda, a gente pode usar a força de gravidade de um planeta em outro fazendo uma triangulação para impulsionar". Mal eu sabia que a (inaudível) já fazia isso. Mas eu falei na sala, todo mundo caiu na risada, falou: "Ô professora..." Tinha quinze anos. Falou assim, tiraram o sarro: "Ô professor Pardal, está querendo inventar, está querendo inventar e ser o novo Nilton". E é verdade, todas as naves hoje elas alcançam, elas saem da terra à quarenta mil quilômetros, mas elas chegam a alcançar até oitenta e oito mil quilômetros por hora através disso. Você pega dois planetas, ela passa, campo gravitacional de cada um acaba empurrando ela para frente, espirra ela. Então, porque você pára e pensa e começa a raciocinar em cima, essa é a grande vantagem do ser humano, tá. Tem um cara que eu admiro muito, chamado Einstein, Einstein dizia que ele aproveitava 7% da capacidade cerebral dele, os outros noventa e dois eram perdidos no vácuo. Sabe quanto nós aproveitamos? Três, ele aproveitava sete, você viu o gênio que ele era. O (inaudível) também deve estar na casa de 7 ou 8%. Então nós temos muita coisa na cabeça e a gente acha, nós somos limitados, a gente pensa que a gente é um disco rígido de computador, que dá overflow. Então a gente tem capacidade de absorver e absorver conhecimento e fica guardadinho.
P/1 - E você já tinha, quando que você, você tinha, assim, um desejo: "Quando eu crescer eu quero ser tal coisa"?
R - Olha, isso já foi assim, desde pequeno, mas muito novo eu sempre me interessei por química, sempre gostei de química e eu sempre disse para o meu pai ou em casa que assim, que a minha... Eu, eu sempre vi o Brasil que ele necessitava ter emprego. Por que que você precisa de emprego? Porque quando você tem emprego você tem gente que tá consumindo, se você tem gente consumindo você tem a economia ativa. É óbvio que isso com doze, treze, quatorze anos eu não sabia o que era isso, mas eu sempre falei para meu pai: "Pai, eu quero ser engenheiro porque eu quero fazer fábrica e fábrica vai gerar emprego e vai ter gente trabalhando". Hoje eu entendo essa cadeia completa. Desde pequeno, acho que o primeiro livro de química que eu peguei eu tinha oito anos de idade, era esse livro do científico ele mostrava a primeira experiência era você fazer um sólido virar líquido e depois ele virar sólido de novo, você pegar a parafina, derreter aquela vela, derretia, então você fazia virar sólido de novo e ficava brincando com isso, que é muito mais rápido de gelo, gelo você dependia de geladeira, e a gente não tinha geladeira em casa nessa época. Mas a parafina dava, pega esquentava ela, ela derretia, ficava líquida, aí você deixava ela do lado e endurecia novamente. Fenômeno físico simples.
P/1 - Não tinha geladeira na sua casa?
R - Não, nessa época não, eu acho que foi pintar a geladeira... Não, acho que em 78 já tinha, já tinha geladeira sim, era uma geladeira vermelha inclusive. Que hoje se tivesse ela viva seria fashion, valeria uma fortuna (risos). Nem lembro que marca que era.
P/1 - E namorador, você foi namorador? Você lembra da sua primeira namorada?
R - Pô, eu lembro, cara, eu lembro.
P/1 - Que ano que foi?
R - Eu lembro, foi, deixa eu lembrar, foi em 78, Silvana ela chamava, ela era mais velha que eu, era mais velha que eu, eu tinha...não, 78, estou ficando louco! Deixa eu ver, 75 para 76, eu morava lá na Rua Quedas, ela chamava Silvana, andava de bicicleta, aí eu ia atrás dela para a gente andar de bicicleta juntos. Foi bacana, foi legal. A rua...
P/2 - Quantos anos você tinha?
R - Ah...
P/2 - Nove anos?
P/1 – Onze.
R - Não, não, não. 76, foi de 75 para 76, nove para dez anos, foi quando eu ganhei a minha bicicleta, que eu descobri que Papai Noel não existia.
P/1 - Foi nesse ano?
R - É, porque eu encontrei a bicicleta embaixo da cama, eu falei: "Pô, mas que isso? (risos do entrevistador) Que Papai Noel é esse que está trazendo a minha bicicleta antes? Aí eu descobri (risos).
P/1 - Já?
R - Pô cara, mas era assim, eu aprendi a andar de bicicleta acho que uma semana eu já estava sem rodinha, com a canela toda arrebentada, né, porque a pedaleira voltava para trás e “pá!”, aquelas estraçalhava a canela. Já, a primeira volta de bicicleta eu derrubei o gradil. Sabe o que é gradil, né? Teve uma, teve uma, nessa época uma campanha “plante uma árvore”, né, então, a gente plantou a árvore e protegia com o gradil que era uns toquinhos de madeira em volta. Eu fui e chapei no meio, arrebentei a boca, ih, sempre assim... Tenho… eu nunca tinha sofrido um acidente tão sério como o que eu sofri, mas sempre andei arrebentado, braço engessado, perna, a cabeça, é, um artista.
P/2 - Desde, desde, desde, desde garoto já era assim?
R - Desde garoto, desde garoto. Desde, desde moleque, eu era bem espoleta mesmo. Eu só dormia se tomasse um coro. Mas era assim, era arteiro, mas a gente respeitava, eu, por exemplo, nunca respondi para um mais velho na rua, porque assim, eu já sabia que eu iria apanhar porque eu fiz arte, agora se respondesse, aí não era só apanhar, era, era diferente, aí você, você recebia castigo e o castigo era você perceber que o teu pai não estava gostando da sua atitude, era aquela questão moral: "Pô, eu fiz alguma coisa errada". Então não era pancada, não era bater, né, a minha mãe é super baixinha, eu com doze anos eu já segurava na mão dela (risos), pô, entendeu? Então era questão de respeito.
P/1 - E a juventude, assim, da bicicleta...
R - Olha, aí...
P/1 - ...bicicleta, baile...
R - É...
P/1 - ...o que que tinha, o que que você fazia?
R - Tinha... gostava... a gente tinha... Eu ganhei uma, uma vitrola, sei lá, eu acho que muita gente não vai saber o que é isso, o que é uma vitrola, mas era um prato que girava, tinha um agulhinha, você ligava na tomada, tinha um alto falante que fazia mais chiado, tal e vira e mexe a gente fazia uns bailinhos na casa de alguém. Aí nesses bailinhos você dava uns beijos, nesses bailinhos que infelizmente eu conheci o cigarro, né, é… convívio com droga, eu tive desde que eu me conheço, muitos desses amigos, principalmente da infância, hoje já não está mais aqui, já foram, já foram. E começa com coisa simples... Sou filho de sapateiro, cola de sapato tinha latas
e latas em casa, nunca peguei. A minha família disse para mim o que era droga, eu tinha, acho que não tinha dez anos e explicaram, eus pais dentro do conhecimento deles, o que era droga. E o que a droga faz, então: "Não, não quero". Infelizmente eu botei o cigarro na boca.
P/1 - Com quantos anos?
R - Doze. Eu fumei dos doze até os quarenta e um. E fumava bem, fumei escondido até os dezoito anos e quando eu fiz dezoito anos e comecei a trabalhar, né, eu cheguei para o meu pai e falei: "Pai, estou fumando". Ele falou: "Você pensa que eu não sei?" (risos).
P/2 - O maior cheiro, pô!
R - Lógico, você acaba percebendo, ele sabe disso, né, mas por exemplo, beber na frente, essas cosias que...
P/1 - Você bebia?
R - Não. A gente tinha um costume, por ser família de italiano, de tomar vinho, mas o vinho que a criança tomava é o que eles chamam de sangria, vinho com guaraná ou com guaraná ou com soda ou com fanta... Que é um copo de guaraná e meio dedo de vinho, mas você está
tomando vinho, entendeu, com eles.
P/1 - Desde os seis anos, né, desde cedo.
R - Isso era uma coisa normal. Hoje se você falar isso: "Nossa, teu pai..." Eu falo assim: "Não sei, a gente não tem nenhum alcoólatra na família..."
P/1 - É.
R - Né, acho que é um pouquinho...
P/1 - E que tipo de música você ouvia, você gostava?
R - Olha, eu sempre, eu gosto muito de música clássica, eu gosto de Iron maiden, AC/DC, Black Sabbath, é clássico, música clássica. É, eu gosto muito de rock, sempre gostei de rock, curto rock até hoje, se você pegar a minha biblioteca de música só tem rock, tá. Já tive fases que eu gostei muito de Punk, de Hardcore, mas eu, eu curto. Hoje eu gosto muito de Rock da década de 60 como The Doors, o AC/DC, mais recente
um Iron maiden, um Black Sabbath ou mesmo o Ozzy. Então músicas... Janis Joplin, Beatles alguma coisa, ouço esse tipo de música. Ah, não gosto de música de corno (risos), sem agredir ninguém, mas desculpa, meu, música sertaneja e pagode ou o cara foi chifrado ou a mulher largou, o cara está só na fossa, pô, não dá, não, não dá, é música de corno, pô, não, não, não curto, não gosto.
P/2 – No nordeste eles dizem que é corninho...
R - É.
P/2 - Toca um corninho.
R - É. Não dá, não, não, não...
P/2 -
Bruno e Marrone, você...
R - É só, pô, o cara só fala que largou a mulher, que trocou por outro, que está no bar bebendo com um amigo, pô, pô, vai fazer outra coisa, meu.
P/1 - E aí você fez cursinho para ir para a faculdade?
R - Então, eu fiz... Na verdade assim, como esse professor chamado Itamar, ele viu que eu tinha um potencial, ou seja, merecia dar uma atenção, eu consegui uma bolsa integral no cursinho Universitário, porque eu não tinha condições de pagar, a coisa em casa era bem, bem, bem restrita mesmo, bem, bem apertadinha, né. E eu comecei a fazer cursinho no Universitário durante o ano de 84, tá? Só que no final do ano eu tive que trabalhar e eu quando prestei POLI eu fiquei por quatro pontos. No começo eu me senti um derrotado: "Pô, eu não entrei na POLI, o que que eu vou fazer... Eu achei ótimo, porque eu entrei na Oswaldo Cruz, fui fazer faculdade à noite, quando eu me formei, eu já tinha quase dez anos de experiência e com vinte anos eu já tinha feito a minha primeira fábrica, sozinho da minha cabeça. E nem formado eu era, com vinte anos.
P/1 - Qual foi o seu primeiro emprego?
R - Meu primeiro emprego foi em uma corretora de seguros chamada Cardinal e que era ligada à Porto de Seguro.
P/1 - Você tinha quantos anos?
R - Deze, dezenove.
P/1 - E você foi trabalhar como, você que foi?
R - Não, o meu cunhado trabalhava na Porto de Seguro e ele conseguiu, essa empresa abriu uma vaga, essa corretora, de produtor júnior, ou seja, vender seguro. O meu primeiro emprego foi vender seguro de vida. Eu vendia um sonho para você, depois que você morrer eu vou dar dinheiro para o seu marido. E vendia muito bem, demais...
P/1 - (risos) Com esse slogan?
R - Não, esse não é o slogan (risos do entrevistador), esse não é o slogan, mas é a ideia que as pessoas fazem é exatamente essa: "Pô cara, você está falando que você vai me dar dinheiro depois que eu morrer, como que eu sei que você vai estar? Como que eu sei que você vai fazer isso? Eu, graças a isso, hoje eu tenho seguro de tudo e é muito importante você ter, porque você não sabe quando você vai usar, só você quer saber que a hora que você for precisar está ali. Você não quer usar, mas está ali. Porque não existe coisa pior que você vir a faltar e além de faltar, deixar conta para os outros pagarem, entendeu? Então é uma questão de planejamento, a gente tem que deixar, você não sabe o que vai acontecer amanhã. Eu sabia que ia acontecer o meu acidente? Lógico que não, mas aconteceu.
P/2 - Como é que você se tornou um executivo?
R - Então...
P/2 - Como é que você foi para em uma empresa grande? Como é que foi a mudança?
R - Como começou.
P/1 - Você começou no seguro...
R - Começou. Eu entrei no seguro, né, só que como eu trabalhava na rua, onde tinha uma indústria química... Eu já estava na faculdade, isso nós já estamos, eu entrei em novembro de 84 nessa corretora, em 85 eu já estava dentro da Oswaldo Cruz estudando. E como eu trabalhava na rua, toda porta de fábrica eu passava e entregava um currículo, passava e entregava um currículo. E na cara-de-pau mesmo.
P/1 - Já fazendo você já...
R - Exatamente, já andava, já ia vendo, já sabendo o que que dava para fazer. E o meu primeiro emprego...
P/1 - Vamos trocar?
P/4 - Vamos.
R - O que que eu faço?
P/1 - Só um instantinho que ela vai trocar a fita.
R - É, é, é… essa fita aí?
(FIM DA FITA)
P/1 - Entrava e dava o currículo.
R - Entregava o currículo...
P/1 - E vendia seguro (risos)...
R - É, não a venda de seguros era direcionada, tá. Era direcionada, tinha as empresas, eu visitava muitas empresas de transporte, né, inclusive fui, a primeira vez que eu fui subornado, uma tentativa de suborno foi dentro de uma empresa de transporte que tinha acabado de ser roubado um caminhão, né, o caminhoneiro perdeu o caminhão, o caminhão dele, ele veio para mim: "Ô, faz o meu seguro que eu te dou uma grana" ; "Não, tudo bem, mas primeiro que eu não posso fazer seguro de caminhão, porque eu só trabalho com seguro de vida, eu tenho que chamar o meu chefe" ; "Não, não, mas você não pode chamar o seu chefe!" ; "Eu não posso chamar por quê?" ; "Porque o caminhão já foi roubado". Eu falei: "Você quer que eu faça seguro de um carro que foi roubado? Por que que você não fez semana passada?" falei: "O senhor me desculpe, mas isso eu não faço". Virei as costas e fui embora, pronto. Então, já tive esse contato desde o início, tá. Aí essa empresa que eu fui era uma, chamava-se indústria a de tintas AIR, tá. Não tinha vaga, eu fui lá bater na porta para o cara abrir uma vaga e ficava... toda semana eu passava lá: "Abriu vaga? Abriu vaga?" Na maior cara-de-pau, pô, eu precisava do emprego. Ele talvez estivesse com o quadro formado, mas eu precisava ter a minha oportunidade. E aonde eu batia, o que que eu escutava? "Você não tem experiência, você não tem experiência, você não tem experiência..." Aí eu fui fazer a entrevista, consegui fazer a entrevista, cheguei para o, para a pessoa dos recursos humanos e falei assim: "Ó, me dá o teste que você quiser, o que você quiser saber de química eu te falo, o que você quiser saber sobre tintas eu te falo". Porque como era uma indústria de tintas, ué, eu não vou chegar lá zero, eu fui estudar um pouco de tinta, fui saber o que era uma tinta, fui ler um pouco, saber o que era resina, o que que era solvente, antes, né, já que eu vi que ali era uma boca que dava para eu conseguir um emprego, eu já fui sabendo alguma coisa. Fiz a entrevista no RH, depois eu fiz a entrevista com o chefe do laboratório e depois eu fui fazer a entrevista com o gerente da fábrica, com o gerente industrial. Aí conversou para lá, conversou para cá, uma pessoa muito sisuda, né, porque antigamente chefe tinha que ser de cara feia, né, porque chefe tem que ser bravo. E ele chegou e falou assim: "Mas eu não posso te contratar, você não tem experiência". Eu falei: "Amigão...", desse jeito: "Se você não der experiência, como é que
vou conseguir? Que experiência um auxiliar de laboratório precisa ter? Eu vou lavar vidraria, pô". Ele ficou olhando para mim assim, com aquela cara de: “Mas como?”, eu: "Mas é óbvio que vou fazer isso, eu já sei que eu vou fazer isso, eu preciso é que me deem experiência, eu não tenho prática, mas eu tenho teoria, me pergunta o que você quiser saber". Aí o cara começou a me sabatinar e começou a fazer perguntas que eu falei: "Poxa..." Chegou uma hora que eu falei: "Você me desculpe, isso aí é operações limitadas e eu só vou ter no quarto ano, eu estou no primeiro ainda”. Aí consegui a minha vaga, passou uma semana o cara do RH ligou para mim e falou assim: "Ó, queria te comunicar que você ganhou a sua vaga no grito, tá. Você desbancou gente aqui de experiência de mais de quatro anos". E falei: "Beleza". Trabalhei nessa empresa três meses, saí para ser estagiário em uma indústria de papel, simplesmente porque o salário era o dobro, simplesmente, o salário era o dobro. Eu ganhava seiscentas unidades de alguma coisa, eu não lembro que moeda que era e fui ganhar mil e duzentas.
P/1 - Como estagiário?
R - Como estagiário. Em uma indústria de papel, uma indústria alemã que ficava ali em Caieiras, dentro da fazenda melhoramentos, chamava-se MD. Nicolaus, que era Nicolaus, era o, o nome dele. E fui ser estagiário. Foi super bacana, foi quando eu tive contato com, com estatística e eu acho que eu dei sorte porque o que dava para fazer eu fazia. Chegava assim: “Ó, precisa fazer isso, você pode fazer isso?"; “Está bom, então vai sair isso, é isso mesmo?” E comecei a trabalhar, consegui alguns objetivos bacanas, uma redução, é, bastante fundamental no consumo de energia elétrica que era um gasto exorbitante dentro da empresa a energia elétrica porque tinha uma determinada propriedade que precisava atender, atingir no papel que assim, a especificação era dez mil, a máquina estava soltando com quinze mil, só que para ela chegar nesses quinze mil ela gastava muita energia, muita força. Não, não precisava, pô, para quê? Pode reduzir, é só uma questão do que você... Hoje é normal, né, mas há vinte e cinco anos atrás aí não era, fazer essa etapa de máquina. Ajustar, esse ajuste não tinha, fazer CEP, Controle Estatístico de Processos. E eu com esse Controle Estatístico de Processos consegui diminuir o consumo de energia, o consumo de vapor, que é a energia que na verdade o vapor é gerado por um óleo pesado, então foi muito bacana, fiquei nessa empresa oito meses, mais ou menos oito, nove meses. Saí, falei: "Não aguento mais". Estava pirando já e falei: "Não, isso aqui não é para mim, não quero". Ah, vou sair. E vim trabalhar em uma indústria de borracha, né, ser borracheiro na estrada velha de Campinas chamada Raimundo Pereira de Magalhães, é Pirituba ali, né. Comecei a trabalhar eu era inspetor de qualidade, então eu acho que tinham trinta prensas que fazia pecinhas, aneizinhos, uma série de instrumentos de peças para indústria automobilística, aviação e tudo mais. E eu, o cara chegou: "Ó, tua função é essa". Eu fiquei um mês dentro do controle de qualidade visual onde você tem que avaliar a peça se ela tem defeito, rebarba, corte, uma série de detalhes e depois eu ia para campo, nas prensas para visualizar se a peça estava saindo conforme o especificado ou se estava com algum defeito, se estava com algum defeito tinha que parar a máquina, porque se não ela fica cuspindo o produto fora de especificação, está certo? Foi a primeira vez que eu me deparei com a questão do bônus, que eu descobri, nossa, esse negócio é perigoso, vocês vão entender por que. E eu fiquei um mês...
P/1 - Você já estava formado?
R - Não, não estava.
P/1 - Estava estudando ainda.
R - Estava estudando ainda. Nós estamos falando do...
P/1 - Segundo ano da faculdade.
R - Segundo ano da faculdade, né. E... Mas eu pegava a coisa assim: "Vem cá, o que que tem de literatura a respeito de borracha?" ; "Tem isso - Pá! - Está aqui". E eu não sei como está hoje a faculdade porque eu estou longe, mas a, a universidade, a faculdade é um celeiro de informação, você tem pessoas de… que são equipes multidisciplinares, você tem gente trabalhando na área comercial, você tem gente trabalhando na área técnica, você tem gente trabalhando na área de inspeção, então você tem muito acesso à informação. É óbvio que hoje você tem internet, você tem o... você tem a dúvida pergunte para o oráculo, né, ou para o Google, mas naquela época não tinha. Ou você obtinha informação em periódico, em livro ou na conversa ou no relatório, alguma coisa assim. E eu comecei a trabalhar, aí eu fiquei um mês dentro do controle de qualidade, né, de inspeção visual e de medição e tudo mais, dimensional da peça, né, e na sequência eu fui para campo e comecei a incomodar, eu vim a descobrir por quê. O gerente industrial ele não ganhava por peça boa, ele ganhava por peça produzida, então ele tinha o salário dele, se ele produzisse mil peças ele ganhava X, se ele produzisse mil e uma ele ganhava mais Y, independente se essas mil e uma peças trezentas fossem rechaçadas pelo controle de qualidade. E o que que eu fazia? Eu parava a prensa, porque o meu chefe era o gerente técnico. Eu parava a prensa e ele se assustava porque para trabalhar com o pessoal da área operacional tem que ter um jogo de cintura muito grande, não adianta você querer discutir com ele e falar tecnicamente com o cara. Você vai querer falar, por exemplo, você vai: "Ó, vamos dar uma degasa, é, promover uma degasagem no móvel". Que é retirar o gás que forma na hora que você está fechando a prensa. Se você falar isso o cara dá risada da sua cara: "Ô, dá uma bombada no pedal, no pedal aí para ver se sai esse arzinho lá de dentro". E tem que chamar o cara e falar assim: "Meu, nós estamos aqui para produzir... não dá, a sua peça está...” E outras formas que você vai usando para conseguir ganhar a confiança das pessoas. E começou a dar problemas, tal, tal, até que eles me tiraram e colocaram como encarregado do laboratório. Aí melhorou uma série de coisas, diminuiu a devolução do cliente, é,
melhorou a motivação dentro da empresa, até que chegou, que eu comecei a ver que... falei assim: “Não dá, pô”. O operário precisava trabalhar e você trabalhava com os moldes a cento e cinquenta, duzentos graus, pô, o cara não tinha luva para trabalhar e eu no laboratório podia pegar a hora que fosse luva, então pegava no laboratório luva, sujava luva e dava para o cara da produção usar. Umas coisas de cabeça de empresa pequena, que é para controlar gasto. É óbvio que hoje isso não, não acontece mais, né, você não pode negar IPI para um funcionário, pelo menos, em lugares, em grandes centros, né. E eu saí de lá, desisti, falei: "Ó, não dá mais gente, estou trabalhando demais e não estou sendo remunerado de acordo, né". E saí, saí de lá também sem ter emprego, isso foi no finalzinho de 86 e quando foi em 87 eu entrei na Eucatex. Na Eucatex eu trabalhava na divisão mineral. Entrei para desenvolver um projeto chamado Projeto Argilas. Esse Projeto Argilas foi a primeira fábrica que produz o material que é específico para a remoção, para o beneficiamento de óleos vegetais. Ela refina o óleo. Não é que, a argila entra e sai, é um adsorvente. Você tem uma série de contaminantes dentro do óleo que são prejudiciais ao óleo. por exemplo, clorofila faz mal para a saúde? Não faz, mas você não pode ter no óleo porque ele é promotor de reação oxidativa e o óleo vai ficar rançoso se tiver clorofila e principalmente com incidência luminosa de luz branca. Então você tem que tirar, então você usa adsorvente. Comecei a fazer, na época a Eucatex fez uma joint venture com o grupo Elfetto e montamos uma fábrica chamada Gtex em Mauá. Essa fábrica eu, todo o projeto de desenvolvimento como fabricar argila eu comecei do zero. Eu dei muita sorte, eu peguei, existia um consultor, ele trabalhava só a parte da tarde, Jeferson Vieira... Jeferson Vieira de Souza, um gênio, mas uma pessoa assim, fantástica. Era um doutor PHD que gostava de ser chamado de professor ou de Jeferson, geralmente quem tem muito conhecimento não quer ser chamado de doutor, né (risos). E ele foi e falou assim: "Eu preciso passar isso para alguém daqui a pouco eu estou indo embora". E o "estou indo embora" dele não era um "estou indo embora da empresa", era um "estou indo embora" mesmo.
P/1 - Morrer.
R - Morrer. Porque ele já tinha feito o que ele queria, ele falou assim: "Eu preciso passar para alguém. Eu escolhi você". E tanto que quando eu fiz a entrevista com ele eu falei assim: "Eu fiquei até com medo de conversar com você, porque você não parava um minuto de tão agitado". Eu entrei e em um mês eu já tinha tirado toda a forma de ativação e já tinha passado para os primeiros, para o primeiro reator de ativação de argila sem ter nenhuma base, é, ou seja sem ter chupado de ninguém. Montei um reator. Um vaso simples que tem um, um agitador dentro, ele fica girando e você tem temperatura, controle e tudo mais. E depois montei toda a etapa, fiz a etapa de bancada, depois da etapa de bancada consegui justificar perante a diretoria da, a diretoria da empresa a construção de uma planta piloto e da planta piloto a gente saltou para fábrica e isso aconteceu eu tinha vinte anos de idade, não era formado ainda. E essa fábrica ela deu muito resultado, que em dois anos, dois anos e meio, entre dois anos e meio e quatro anos mais ou menos ela tomou 40% do mercado brasileiro de argila ativada que estava sendo dividido entre uma multinacional local e uma multinacional estrangeira. Quando foi isso, então em 92 ela começou a trabalhar, aí quando foi, quando foi em 97 essas duas empresas locais, uma chamava (Fumom?) e a outra chamava Gtex, perceberam que estavam perdendo dinheiro, vamos fazer uma joint venture, vamos fazer uma fusão. Isso em 97, quando foi em 98 esse grupo veio e comprou a operação no Brasil , que é o grupo alemão chamado (inaudível), que hoje já não existe mais que foi comprado pela Clariant, recentemente agora no final desse ano. E eu continuei na Eucatex, aí eu, em 86 eu saí da, TSA, desculpe, 96, eu saí da Eucatex como funcionário e comecei a prestar serviços para eles, aí eu dava consultoria, prestei serviço para outras empresas também. É um, acho que como eu tenho facilidade de comunicação, isso ajuda bastante. E toda vez que você entra em uma empresa, quando você está dentro de uma empresa você, não é que você seja o problema, você faz parte do problema, quando você é um consultor, você está de fora então você vê com outros olhos. O ruim é quando você detecta que o problema é o dono, é difícil você conseguir explicar para ele que ele é problema. Mas, é... é mais ou menos isso. Por que que você contrata um consultor? Porque você está com algum problema. Então para ser...
P/1 - Você desde o início... Bob, desde o início, quer dizer, quando foi que você percebeu que você precisava de alguma coisa para, para compensar a energia toda que você colocava no trabalho, quando é que você começou a, a sentir falta de...
R - O que, o que aconteceu foi assim, quando eu terminei a faculdade eu tinha um hiato, né, faltava alguma coisa, então eu coloquei esse período da faculdade eu coloquei trabalho, porque eu nunca fui de, de dormir muito, eu durmo em média quatro a seis horas no máximo. Isso não é por dor de cabeça, por dor... Não, eu durmo pouco, sempre, faz mal? Faz. O nosso corpo necessita de oito horas, eu estou tentando me educar a dormir oito horas, mas essa noite, por exemplo, eu dormi quatro, uma e meia da manhã eu estava acordado, eu levantei às cinco, cinco e meia e normal… deitei dormi, levantei, estou aqui sem problema nenhum. Então, eu percebi, assim, eu terminei a faculdade, né, e aí eu substituí o horário da faculdade por trabalho. E sempre buscando, sempre querendo fazer mais, sempre: "Pô, mas por que que isso não funciona?" Viajava muito... Em 94, 94 eu acho que eu cheguei a ter mais horas de voo do que piloto da VASP, de tanto que eu viajava, porque como eu tinha desenvolvido o produto, depois eu fui trabalhar na área comercial, eu fui... eu era engenheiro de produto e como engenheiro de produto eu era responsável para fazer aplicação e indústrias, refinarias de óleo de soja em São Paulo tem pouquíssimas, é tudo fora. Então eu viajava para tudo quanto é lado do Brasil, eu conheci o Brasil desse jeito. É, conheci os aeroportos, né, não o Brasil (risos da entrevistadora),conheci os aeroportos. Chega ao absurdo, por exemplo, de eu estar em Recife, fazer o check in e : "Senhor, desculpa, mas acho que não te avisaram, mas a tua passagem, o teu bilhete aéreo é para Salvador, você não vai voltar para São Paulo" Eu: "Como que...?"; "Não, você não vai, liga para a empresa lá e você discute com eles" (risos). Isso você começa a olhar. E as rodovias, gente, a gente tem rodovia em São Paulo, tá, sai fora de São Paulo que aí sim vocês vão saber o que que é rodovia, então é muito grande, o risco de você sofrer um acidente é muito grande e você cansa, né. Uma coisa eu aprendi na estrada, quando o teu olho piscar encosta que você dorme quinze minutinhos e levanta novo, não prossiga a viagem, não prossiga. Não tem pirulito, não tem som alto, não tem vidro aberto, não tem ar frio, ar quente, o que seja... encosta, porque você vai dormir e vai morrer, principalmente em rodovias de pista de mão dupla, né, pista simples com mão dupla, você dormiu é que você bate na carreta de frente ou você cai no barranco, alguma coisa. Então encosta, dorme quinze minutos, tenta procurar um posto para você ter segurança também, que não adianta nada você acordar com um revólver na cabeça, mas não prossiga a viagem porque você não consegue controlar o sono. Testei de tudo, inclusive esse negócio do pirulito, põe o pirulito na boa para ficar incomodando, não dá, cigarro, não dá... Eu cochilei com um cigarro na boca, acordei que ele caiu na calça e me queimou. Pare e durma.
P/1 - Você sofreu algum acidente antes do acidente de motocicleta?
R - Não, nunca sofri acidente, mas dormi duas vezes na Bandeirantes e fui parar no meio do canteiro central, acordei no canteiro.
P/1 – Nossa!
R - Não era cachaça, não era gandaia, era sono. Eu saía de São Paulo cinco e meia da manhã e voltava às sete , oito horas da noite, eram duzentos e sessenta quilômetros para ir para Paulínia, centro e trinta para ir e cento e trinta para voltar, duzentos e sessenta por dia. O corpo...
P/1 - Todo dia?
R - Todo dia. O corpo pede, o corpo cansa. E aí quando cansava, dormi duas vezes, de dormir de sair, uma vez eu dormi, estava entrando embaixo de um
caminhão o "cara" começou a buzinar que nem um desesperado atrás de mim, acordei com aquele barulho e tirei o, o carro de baixo do caminhão. Eu tirei é o meu anjo da guarda, né, que ele está meio bravo comigo porque...
P/1 - Você trabalhou em Paulínia, foi?
R - Trabalhei em Paulínia, na unidade da Eucatex que tinha lá, a fábrica, que hoje já não tem mais que ela vendeu a divisão.
P/1 - Você trabalhou quando tempo na Eucatex?
R - Na Eucatex? Dez anos, dez anos.
P/1 - Depois que você foi para essa empresa? A última?
R - Então, eu era consultor, trabalhava na Eucatex, tá, aquele consultor, mas eu ia todo dia, tomava conta da fábrica de Paulínia, né, e saí da unidade de filtrante que é, existe um complexo industrial lá da Mineral, é, Eucatex Mineral. Eu ficava só com a parte da filtrante. Depois quando foi em 98, né, esse grupo alemão chamado Süd-Chemie, Süd-Chemie, comprou a operação no Brasil com essa fábrica que fica em Jacareí, quando foi no finalzinho, mais ou menos no meio de 99 me perguntaram se eu gostaria de ir para lá para trabalhar, me apresentaram um projeto muito interessante, né, era uma coisa... Você sempre quer trabalhar no melhor player, né, você sempre quer trabalhar no “Top One” do mercado, que no caso era Sud Químicas Argilas.
Eu fui para lá, entrei como gerente técnico, passei para gerente industrial e a diretoria industrial. Isso, tenho onze anos lá.
P/2 - Como é que é a velocidade de nisso tudo?
R - A velocidade de, de...
P/1 – A tua paixão pela velocidade.
R - Sempre gostei de correr, sempre gostei, desde moleque eu, a minha bicicleta, a segunda bicicleta que eu tive foi uma bicicleta speed que era uma, uma Caloi 10, sempre, sempre. Eu descia a Vinte e Três de Maio para o Ibirapuera a oitenta quilômetros por hora com o velocímetro do carro do lado. isso hoje não é nada, tem bicicleta que faz até mais. Mas até o pedal ficar, perder a marcha e ficar rodando bobo, então sempre gostei de velocidade, sempre tive coisas...
P/1 - Em que ano você teve a sua primeira moto?
R - A minha primeira moto eu tive bem velhinho, eu já tinha trinta e poucos anos, mas já andei de moto desde moleque, já tomei tombo antes mesmo de ter moto, com moto de amigo. O primeiro acidente feio que eu sofri... Antes de ter moto eu sofri dois acidentes: um acidente na época que eu estudava no Consulato, com um amigo meu Vitor que a gente pegou a moto do tio dele e saímos para dar uma voltinha e fazer gracinhas para as meninas. Ele estava pilotando, eu estava na garupa, aconteceu alguma coisa, estava tendo
recapeamento, sabe aquelas pedriscos de asfalto? Nós caímos em cima daquilo. Não tem coisa pior que aquilo, porque aquilo entra nas feridas e que tem que tirar e dói muito.
P/1 - Asfalto...
R - Nossa, é terrível, terrível! Mas a gente não se machucou, graças a Deus foi um tombo relativamente besta, saímos, machucamos, escoriação, tal, eu abri a perna inteira, tal, passou. E tinha uma situação muito interessante porque os pais dele tinham comércio, tinham padaria, lanchonete, tal e a mãe dele sempre chegava às quatro horas da tarde e a gente chegava do colégio à uma. Então a gente saía dava a volta de moto depois chegava em casa e colocava o ventilador na frente do motor para esfriar (risos), para não perceber que a gente tinha pego a moto. Mas era muito arteiro, muito arteiro, pegava o carro escondido... Isso está errado, está errado, não faça isso, tá, pegar carro com quinze, dezesseis anos porque vai fazer coisa errada, vai pensar que sabe dirigir e não sabe. E depois o outro acidente foi com a moto de um amigo meu, foi na saída, TSA! Desculpe, na entrada da... Olha, sentido Jardins, Praça 14 Bis, embaixo. Foi na Praça 14 Bis sentido Jardins, tá, estava vindo com a moto desse amigo meu, não estava, não estava em condições de dirigir e o "cara" da minha frente freou por causa do farol amarelo, por falta de experiência eu assustei. Existe uma... um negócio que acontece no asfalto que a gente chama oxidada de vaca, por causa da frenagem dos ônibus vai formando aqueles morrinhos e quando encosta um morrinho no outro fica parecendo uma costela e quando eu freei o disco, já era uma moto que tinha freio á disco ela quicou, quando quicou ela travou no ar, aí caiu, saiu e eu fui embora. Caí fui parar embaixo do ônibus.
P/1 - Nossa!
R - Aí o motorista só via as perninhas batendo e eu estava em baixo do ônibus, o motorista entrou em choque. Aí eu saí do ônibus comecei a bater: "Eu estou bem, eu estou bem, eu estou vivo, eu estou vivo, eu estou vivo..." Né, e saí assim, o motorista em estado de choque, o cara estava traumatizado assim. Aí teve um motorista de taxi, pegou ele falou: "Você tem carta?" ; "Não, não tenho" ; "Você está sem nada, some daqui rapidinho antes que a polícia chegue". Porque se não... puts! coisa errada. Não faça, não, está errado. E aí eu fiquei um bom tempo, né, não tinha, eu só fui ter moto quando eu mudei para São José dos Campos, porque aqui em São Paulo é muito difícil você ter moto, é muito perigoso, o trânsito é muito violento, tá. Nós achamos que nós, que o motociclista é desatento, é bagunceiro, que ele está errado. Ao mesmo tempo que o motociclista acha que a gente toma atitudes no trânsito para agre...para provocar alguma agressão neles, então é, é muito violento o trânsito, não dá, existe um conflito muito grande. E eu não tive, aí quando eu fui para São José aí eu cheguei: "Ah, eu quero moto. Eu quero porque aqui cada puta estrada linda, vou sair, vou passear, vou passear, vou passear..." Aí eu comprei a minha primeira moto. Eu comprei uma Shadow, que é uma moto da Honda estilo custom, né, que anda nada, assim, pô, com um mês eu já estava ralando o pneu no chão já ,a lateral dela, eu falei: "Pô, não dá, essa moto não tem como". Aí quando foi... As datas, agora deixa eu ver... É 2001, 2002 eu estava com essa Shadow, no final de 2002, eu fiquei seis meses com ela passei e comprei uma Speed. Speed é moto de velocidade que nem de pista, tal, isso é uma moto Speed... E dela... eu fiquei, aí depois fui fazendo só gracinha na rodovia até um dia que eu cheguei e falei: "Não, vou sair da rodovia, vou parar de correr na rodovia..." Automaticamente o seu poder aquisitivo melhorou, que para você ter um brinquedo desses é um brinquedo caro e custa caro, não adianta você querer ter se você não der manutenção, se você não tomar cuidado com uma série de coisas. E...
P/1 – Conta para a gente como é que foi a sua, a semana do seu acidente.
R - A semana aconteceu o seguinte, é, eu já estava em uma situação, assim, bastante delicada na empresa por falha minha também, porque eu sou perfeccionista e eu acho que todo mundo tem que ser perfeito, apesar de eu apregoar que a gente tem que viver com as diferenças, eu muitas vezes não aceito, tá, sou falho. E isso estava me incomodando demais, porque um determinado caminho que eu acreditava que a empresa deveria tomar, não sendo o dono é óbvio, mas que deveria ser isso... não estava acontecendo por questões de política, por questão, por questões de bastidor, que isso tem muito dentro das corporações e não estava e acabei tendo uma discussão muito séria, por uma coisa banal que é mais ou menos quando a gente briga em casa com a esposa, não é porque apertou o tubo de pasta de dente diferente, aquilo ali foi a gota, a coisa já vem vindo de anos essa, essa intolerância, essa dificuldade de relacionamento, chegou no tubo de pasta e explodiu. Foi o que aconteceu, então foi uma semana muito estressante, tá. A minha esposa não estava no Brasil, ela estava participando em um congresso na República Dominicana, talvez se ela estivesse aqui no Brasil, eu não teria participado, ela não iria deixar. Eu estava bem alterado mesmo, alterado e eu estava elétrico, mas não aquele elétrico de saudável, o elétrico, é, não é depressivo, mas preocupante, tá. E fui, tanto que na sexta-feira que é, geralmente a corrida é assim, era sexta, sábado e domingo, domingo era a corrida, sexta feira treino livre, sábado treino cronometrado e no domingo o Warm up e depois a corrida, acabou, beleza, tal. Na segunda-feira que foi a discussão, se não me engano acho que dia 20 de junho de 2010 a situação ficou e eu já catei no telefone, já liguei para o pessoal da equipe, falei com eles, falei: "Ó gente, vocês desculpem, eu não vou correr por causa disso, disso e disso, tal, tal". E cancelei. E a coisa foi passando, eu já fui tomando algumas atitudes que eu queria me desligar da empresa mesmo, solicitei o meu desligamento, não, porque eu não pedi demissão eu solicitei que eu fosse desligado, que isso não veio a acontecer, sentei com essa pessoa que era o diretor executivo, conversamos, tal, tal, isso na sexta-feira à noite, né, e acabamos acertando que eu iria continuar. Então eu falei: "Pô, já que eu iria continuar..." Ele falou: "Pô, você vai continuar, você não ia correr? Você não gosta tanto, é um negócio que você faz..." Ah, está bom, vou. Saí de lá, liguei para o pessoal da equipe e falei: "Ó, minha moto está pronta?” ; “Está pronta” ; “Dá para montar o circo para amanhã? Beleza, oito horas da manhã eu estou no autódromo”.
P/1 - Ah, você mudou em cima da hora, daí...
R – Em cima da hora. Eu liguei para eles na sexta-feira dia 25 de junho eram nove e trinta e seis, nove e trinta e seis eu liguei para o, é, Cabelo, não sei o seu nome, pô (risos), conhecido. Ele é da Race. E eu liguei para ele e falei: "Dá para montar o circo?" ; "Dá para montar o circo”. E fui sábado, só que como eu estava muito cansado, eu só consegui fazer o primeiro e o segundo treino, o terceiro treino eu vim embora porque eu estava podre, o corpo estava moído de cansaço e todo mundo achou muito estranho a minha atitude no domingo, o Vinícius falou: "Pô, o Bob não está bem, ele tem alguma coisa, ele não é desse jeito". Porque eu sou muito pentelho, eu não deixo ninguém quieto, eu fico cutucando todo mundo, entendeu? Fico, eu vou lá converso com um, converso com outro, o que que você está fazendo, o que que foi, porque que você está assim, que vamos lá, que vamos isso... Sabe, porque o gostoso, eu não profissional, a gente não ia para lá para ganhar dinheiro, a gente ia para lá para se divertir se eu chegar em primeiro ou chegar em último tudo bem, eu queria ir lá para... Você está com os amigos, você está com pessoas bacanas, é, de conversar, discutir, bater papo, contar mentira, ouvir verdade ou contar verdade, ouvir mentira... É por isso, uma questão de distração e para você não... e descarregar a sua adrenalina. Que era a minha válvula de escape. Eu gostaria de fazer um parêntese sobre válvula de escape em executivos, cada executivo tem uma forma de agir, cada executivo tem uma válvula de escape, alguns jogam tênis, alguns possuem amantes, alguns usam drogas, alguns usam bebidas, outros abusavam da velocidade em cima de uma moto. Você tem que ter uma válvula de escape, se você não tiver você pira, porque o estresse dentro das corporações hoje cada dia que passa ela fica mais e mais forte. Com certeza alguém vai dizer que isso é covardia, não, não é covardia, o que estão fazendo dentro com as pessoas é um absurdo, tirar leite de pedra não dá, então isso acaba fazendo como pessoa tenha algumas, cometa algumas escolhas. Eu, por exemplo, poderia ter continuado andando com a minha moto para sair, mas eu queria mais, então a responsabilidade do acidente é minha, eu não vou imputar isso a ninguém, então eu sou o responsável, eu estava lá, eu fui correr, ninguém mandou eu correr e ninguém disse para eu não correr ou disse vai correr, a responsabilidade é minha. Só que é um quadro que vinha vindo e os meus amigos já haviam me alertado que a probabilidade, eu estava me destruindo, que eram quatorze horas por dia trabalhando de segunda à segunda, não tinha sábado, não tinha domingo, eu não tinha, é, feriado, não tinha nada. E isso vai levando, vai dificultando e o seu relacionamento com as pessoas também começa a ficar difícil, eu sei que eu mudei muito no último ano, porque você percebia que a coisa não estava caminhando para um consenso, as coisas não estavam, não, não estava acontecendo do jeito... Talvez eu, erro meu, eu queria ou que eu achasse ou o que eu achava melhor.
P/1 - Você era muito competitivo na pista também?
R - Bastante. Eu por exemplo, eu vou dar, uma, uma coisa interessante que aconteceu, existe um, é videogame, mas para mim aquilo não é videogame, aquilo é um módulo de simulação no shopping, em um grande shopping aqui em São Paulo, tá. Inclusive tem três telas, que dá aquela visão tridimensional para você mesmo, tem duas do lado e uma na frente enorme, eu fui brincar nesse carrinho, eu fiquei duas horas dentro dele, é, um cockpit, tal, que você vai passando o cartão. Eu consegui fazer tempo, eu consegui fazer uma série de coisas, a hora que eu entrei na corrida eu bati o carro na primeira volta. Por exatamente por ser competitivo e aí aquela brincadeira do burro que coloca a cenoura na frente, sai da frente e aí você esquece tudo. Fiz tempo, não bati, não derrapei, não fiz nada, foi começar a entrar na corrida que aí fecha. Apaga e você esquece, você quer passar na frente, passar na frente, passar na frente e aí você acaba errando por excesso de confiança ou por ansiedade.
P/1 - E no dia da e no dia da, do autódromo como foi?
R - O dia do autódromo foi o seguinte, eu sempre usei, eu sempre mudei o meu cabelo, sempre fiz arte, sempre, eu já tive o cabelo azul, já tive vermelho, já, eu, assim, gostava, eu tinha cabelo para caramba, pô, é muito cabelo. Usei rabo de cavalo, usei tiara, eu, me dava vontade eu ia e fazia, né. E, e nesse dia, o que que aconteceu, eu falei, pô, esse final-de-semana eu vou ser notícia em Interlagos ou porque eu vou subir no pódium ou porque vão ficar me fotografando por causa do meu cabelo, aí virei para um amigo meu que corta meu cabelo e falei: “Ô meu, o seguinte, você vai fazer um moicano azul em mim hoje" (risos do entrevistador). Porque assim, eu gosto do número oito e da cor azul, não sou daltônico que nem o dono do Facebook, tá, o Mark, porque ele é daltônico, por isso que o Facebook é azul, tá. É, eu sempre, adoro azul, curto azul para caramba, vocês podem ver, sempre que que vocês vão me ver eu estou com alguma coisa está, é azul. E fiz o moicano azul, eu cortei, usava cabelo careca ou com máquina zero ou com máquina um ou com navalha, sempre estava mudando, aí eu falei assim: “Ah, vou fazer o moicano, segunda-feira para trabalhar...” Esse amigo meu que corta o meu cabelo, o Alex, eu falei: "Alex, quando eu voltar do autódromo eu passo na sua casa e você joga a maquininha, beleza e eu vou trabalhar, na segunda-feira á tarde eu passo lá e você termina de fazer bonitinho". Ele: "Ah, beleza". pintei o cabelo de azul, fiz o moicano azul. Quando eu cheguei no sábado lá o pessoal começou a me chamar de
calopisita (risos), porque eu parecia uma calopsita, a calopisita falante. E Pô, foi o...
P/1 - Você já era diretor?
P/2 – Já.
R - Já. Isso foi em 2010...
P/1 - Não, porque diretor, você de cabelo moicano azul...
R - Não, não, não, isso eu fiz na sexta-feira á noite...
P/1 - Ah, na sexta à noite...
R - E na segunda -feira eu iria estar sem porque eu ia passar a máquina e cortar...
P/1 – Isso foi para correr.
R - Hoje, hoje, por exemplo, algumas pessoas que viram...
P/1 – Preparo para correr.
R - Algumas pessoas que viram essa, essa foto, agora entendiam porque eu aparecia de segunda-feira de cabelo raspado, porque eu fazia as minhas artes de final de semana (risos da entrevistadora). Eu, eu li um negócio essa semana que me chamou muita atenção, é, uma tatuagem ou um brinco não muda a sua personalidade, com certeza não vai mudar a sua personalidade, mas vai fazer para você ver a quantidade de hipócrita que tem do seu lado, porque é um absurdo. O dia que eu fiz essa tatuagem aqui, pô! Caiu o mundo, falaram: "Como que você faz uma tatuagem?" Falei: "Eu fiz e vou fazer outra, qual o problema?" ; "Pô, você usa brinco, um velho desse usando brinco..." Eu falei: "Velho é você, eu não". Ué, sabe, eu gosto, e aí, qual o problema? Então, fiz a minha arte, fui lá pintei o cabelo, segunda-feira ia trabalhar, assim, nunca fui trabalhar de brinco, é, sempre tomei cuidado de ir com camisa de manga comprida... Uma questão de você, é, para que não houvesse uma, uma confusão porque as pessoas confundem um pouco liberdade com libertinagem. Eu acho que você não precisa me chamar de senhor para você ter respeito, cinco e meia a gente pode tomar uma cachaça em um boteco, mas ali dentro eu sou diretor, você é o encarregado, é o operário, que seja... Existe essa hierarquia e tem que existir para qualquer sistema funcionar, se não não funciona. Beleza, aí eu fui, quando eu cheguei no sábado foi muito cômico, porque os "caras"... Eu estava de boné, os "caras": "O que que o Bob fez?" Eu tinha um boné escrito Bob e o número oito de cada lado. E os "caras" ficaram olhando assim: "Você aprontou algumas ciosa..." Eu falei: Eu falei: "Aprontei 'cara'..." Tirei, estava aquele azul royal, tem foto (risos), vocês vão ver, lindo e super, super chamativo. E foi uma puta de uma sensação porque todo mundo parava, todo mundo: "Eu falei que ia chamar atenção, você está vendo esse seu piloto de ponta aí não chama atenção que nem ele..." E eu de moicano azul. E tudo isso na brincadeira só que estava, né, assim, não bem emocionalmente, não estava bem fisicamente, porque estresse, eu não acreditava, mas estresse é doença, estresse deixa você doente, estresse faz você parar de pensar. Então é uma doença mesmo, você tem que combater o estresse. Por exemplo, se a tua mão começar a escamar ou você esta com micose ou você está com estresse, se a pontinha da sua unha começar a ficar quebradiça, vai procurar, se você não pintar a unha, vai procurar um médico... Uma série de, assim, o teu corpo fala, você fala pela boca, mas o seu corpo fala pelos poros, fala por, pelo cabelo, pelos teus olhos... E ele vai te avisando, vai te avisando, se você não ouve uma hora ele deixa de funcionar. E como a corrida começou, foi feita a volta de aquecimento, eu já saí do Box que nem um alucinado, já saí cortando já, doido, né. Na saída, teve a volta de apresentação, na saída eu já joguei a moto em cima de um cara que estava, que era amigo meu inclusive, já fui, já dei uma, uma cutucada. Eu tinha uma facilidade de sair bem, eu só saía rápido, depois todo mundo me passava, por quê? Para você ser piloto você tem que ser constante, você não pode ser piloto de explosão, porque uma corrida não é que nem você correr cem metros, né, você tem que ser constante e constante você tem fazer tudo igual durante vinte e cinco voltas, da mesma forma e ir matando um a um. Existe um ditado que o pessoal diz para os pilotos que é o seguinte, eu nunca vi ninguém ganhar a prova por causa da primeira curva, mas eu já vi todo mundo perder a prova por causa dela. Pode olhar, todo autódromo, você tem uma reta na saída e aí vem uma curva extremamente fechada, se você for afoito você já fica na primeira curva, acabou a tua corrida, então você tem que ser bom o suficiente, você tem que ser piloto o suficiente para você vencer a primeira curva e as outras, acabou. Gente, pode fazer xixi?
TODOS - Pode, vai lá.
R - Ah, lembrei, lembrei, lembrei...
P/1 - Né.
R - Pode começar?
TODOS - Pode.
R - Pode?
P/2 - Pode.
R - Então, assim a gente fez a volta de aquecimento, a volta de apresentação, o que seja, e já saímos. Nossa, e na largada eu já dei uma cutucada em um, em um amigo meu que corria que era o Antônio Luís e fui embora, passei, depois eles me passaram e eu fui na corrida. Só que eu estava muito acelerado, eu estava fazendo coisas que a minha performance como piloto ainda não me permitia fazer aquilo, ou seja, eu não tinha experiência suficiente, eu não tinha maturidade de piloto para poder fazer aquilo, ou seja, para acontecer o acidente estava faltando um milésimo.
P/1 - O que você estava especialmente nesse dia assim?
R - Eu estava muito triste, muito triste, muito chateado, eu queria, eu queria ganhar alguma coisa apara compensar a perda que eu tinha tido na empresa, aquela perda é, é, é... não é perda de status, não é perda de dinheiro, é, você vê e fala assim: "Poxa, para que todo aquele trabalho para terminar nisso, para acabar assim, dessa forma?"
P/1 - Mas você não tinha feito um acordo?
R - Não, não, eu já estava fora da empresa...
P/1 - Ah, entendi.
R – Assim, eu já tinha decidido estar fora da empresa, o meu corpo iria lá mais seis meses até o final de 2010, que era a ideia, eu já tinha tomado a decisão. É, eu, eu tenho um defeito ou uma qualidade, que assim, se eu gostar de você, eu gostei de você, se eu não gostar de você eu não gostei de você. Eu não vou ficar com meio termo, eu não consigo ficar tendo essa relação, não dá eu, eu transpareço, a pessoa olha e fala assim: "Pô, você não gosta de mim, você..." Não, não adianta, não consigo, não consigo ser artista. Então eu, eu já estava, eu já estava desligado da empresa, eu já tinha tomado a decisão, eu estava desligado da empresa, eu não queria mais. Então para mim eu ia lá cumprir tabela, ia fazer a minha função direitinho, a minha obrigação como profissional até o último dia, mas psicologicamente eu já estava fora. E eu estava muito chateado por isso, porque você começa a ver que você faz, faz, faz, faz e aquilo que você está esperando não acontece. E muitas vezes não depende de você, não é, não, não, não está em suas mãos. Foi difícil entender isso, você não é dono, você não é nem acionista, você é uma empregado e empregado é assim, quando cansou troca. São peças, são peças, entendeu? Como naquele filme do Charlie Chaplin, você acaba virando a peça de uma grande engrenagem, a hora que ela gasta troca por um mais novo. Essa é a realidade que acontece nas empresas, todas. E eu falo isso de boca aberta e de mente aberta, porque tenho “N” amigos que já passaram por isso. E é assim que a coisa funciona. Então isso eu estava comigo, internamente eu estava muito triste, eu queria algo para fazer, é, pô, levantar o meu astral. E eu, se eu tivesse, ah, na corrida, talvez conseguido um, um pódium isso teria me ajudado bastante, mas eu consegui um póduim, consegui, doeu muito se acidentar, doeu, mas graças a esse acidente eu consegui uma, eu vou viver mais e não vou morrer tão cedo. Que foi que eu descobri que eu tinha um câncer, pô, que foi decorrente do acidente.
P/1 - Aí você já logo jogou seu amigo para...
R - Aí eu já dei aquela cutucada nele, mas isso, isso é normal, esse encontro, é que é um pouco difícil você ver na televisão, mas em pista você vê que existe esse choque mesmo, não é que eu quis jogar ele na parede, muito pelo contrário, mas você acaba tendo esse, você encosta a carenagem. E foi o que eu continuei fazendo, eram doze voltas e eu uma atrás da outra, não era piloto de ponta, os pilotos, porque assim, eu era piloto amador e tinham os pilotos profissionais, os pilotos profissionais jogavam o tempo lá em baixo, estavam lá na frente, mas eu andava lá com aquela galerinha, o pessoa do rabo da, do rabo da baleia, entendeu? E a gente estava lá para se divertir. E fui, fui, na última volta o que que aconteceu? Eu vim na reta, assim, você tem a reta dos Boxes, a reta do Box e tem o famoso "S" do Senna, a primeira perna "S", é uma curva, é, descendente para a esquerda, depois a segunda perna é para a direita e você entra na curva do sol. Quando eu mirei para fazer a primeira perna, tinha acabado de ter um acidente de um cara que se perdeu e bateu na mureta. Não foi acidente grave, não foi nada, mas ficou aquela mancha, é, de uma coloração diferente, ou seja, não é asfalto porque não estava chovendo e o asfalto estava escuro, então ali pode ser óleo, pode ser água, pode ser combustível, pode ser uma série de coisas. O que eu fiz? Eu joguei a moto bem para o lado esquerdo, quando eu fui fazer a segunda perna eu já não fiz com a moto deitada, eu já fiz praticamente com a moto em pé e isso me deu mais velocidade, eles chamam de sair lançado, então saí mais rápido. Deitei para fazer a curva do Sol que é essa perna esquerda e embaixo, tinha quatro carros na minha frente, tentei passar esse por dentro, não sei quem é, tentei passar esse e não consegui. Porque ele fechou a porta é óbvio, ele não vai deixar eu passar, cortar pela esquerda. Abri um pouquinho e fui passar pelo meio, é, esse deu uma cutucadinha, fechou a porta e eu acelerei, quando eu acelerei, eu acelerei no meio da curva, eu dei muita ________. O que que acontece quando você acelera? Você está andando, você está deitado você está controlando o acelerador, quando você quer que a moto levante você acelera, ela faz assim, ó, imediatamente, ela está deitada, ela vira, se estiver muito deitada ela sai de baixo de você, mas se você estiver assim ela TCHUM, ela vira, ela vai querer ficar reta. O que que aconteceu? Eu, eu estava na, no final da curva, eu não estava na saída da curva, eu estava no, no meio dela, quando a moto ficou reta o que que ela fez? Ela foi e saiu reto, eu só percebi que eu iria bater que foi a última coisa que eu lembro antes do acidente, quando eu levantei a cabeça, porque você está deitado aqui, você está olhando para lá, né, a faixa, que você tem duas faixas brancas na lateral da pista, tá, eu vi a faixa, essa faixa deveria estar desse lado, ela estava aqui, ou seja, eu já não estava mais na pista, eu já tinha saído, foi quando eu fui e peguei o muro. Sem frear, não tinha marca, não teve uma marca de frenagem, nada, eu bati seco no muro.
P/1 - Quantos por hora?
R - Duzentos e trinta. E bati, não tem freio, não tem nada. Eu bati a moto foi parar não sei aonde, porque depois, tem um vídeo eu mostro para vocês a moto de um lado e eu jogado. Só que o Doutor Marcos Korukian que foi o meu... grande médico que me salvou, é, pela fratura que eu tive na perna direita que eu arrebentei o platô tibial, o côndilo e os meniscos, eu fui… depois da batida que eu tive do lado esquerdo, tá, eu fui arremessado no ar e essa perna foi chicoteando...
P/1 - Nossa!
R - Ela foi batendo para lá e para cá, por isso... Essa perna deve ter vindo aqui, ó, porque esse ligamento arrebentou inteiro, foi reconstituído e essa, e a forma do impacto é como se a perna fizesse isso aqui assim, ó, ao contrário. Então moeu esse, a cabeça da tíbia, tá, e o pézinho do fêmur aqui desse lado, além desse lado aqui que eu vou contar para vocês. E eu dei essa pancada feia, quebrei, então assim, ó, ao todo são vinte e um ossos, tá, que , que eu machuquei. Mas começando, eu fraturei a órbita que é esse osso aqui dentro do, aquele que você vê da caveira que é redondinho, tá, fraturei o nariz, a clavícula, seis costelas, o fêmur foi uma fratura tipo borboleta que ele se despedaçou inteiro, faz um triângulo, ele saiu tudo para fora os pedaços, por isso aqui você tem uma perda de sangue muito grande, porque a produção de sangue é feita dentro da medula, da medula óssea, né, que é aqui na região do ilíaco, fêmur, tíbia e o externo que é esse osso aqui do meio. Aqui saiu para fora o osso, depois a fíbula e a tíbia eu quebrei ela, é, exposta em dois, três lugares, depois quebrei o talos, que é esse ossinho que faz a gente ficar em pé e não andar de quatro, depois dessa perna eu quebrei a fíbula,aquele ossinho pequeninho aqui do lado, os ligamentos aqui foram todos para o beleléu... Aqui eu arrebentei com a cabeça do platô tibial e com o côndilo, que é a cabeça do fêmur, menisco e mais... Hã, deixa eu ver, os escafoides, que são esses ossinhos aqui, aquele ossinho do tenista, hã, e o sacro também. Então assim, o que mais me impressionou depois...
P/1 - Perdeu a consciência?
R - Sim, perdi a consciência, eu, eu estava desacordado. Eu acordei, não sei quando... Ainda lá no show do autódromo. Por que como eu estava muito machucado eu estava sangrando demais, eu estava desacordado, estava para lá de Bagdá, nem sabia o que tava acontecendo, só senti uma dor horrível, horrível, tá. Eu já tive cólica renal, cólica renal para mim hoje é unha encravada, quem teve sabe o que é isso. É unha encravada, fratura exposta é algo que não tem, não dá para descrever, não dá, é muito forte a dor, você entra em delírio. Aí o doutor Marcos Korukian chegou e começou a me atender, ele era o médico responsável...
P/1 - (inaudível).
R - Não, eu fui atendido no show do autódromo.
P/1 - No chão.
R - No chão, no chão, no chão. Me cortaram o macacão, me cortaram o capacete, tá. Eu tenho, o meu corpo está aqui exatamente pelos equipamentos de segurança que eu usava, um excelente capacete, um excelente macacão, uma excelente bota e uma excelente luva e um excelente protetor de coluna, com mais o que a gente chama de barrigueira, que é uma cinta que você aperta, que evita o seu órgão ficar batendo um no outro e causar hemorragia interna. Então, quando ele chegou, eu já estava com derrame pleural que é quando o sangue vaza e começa a inchar, encher... Você tem o pulmão e tem a pleura, né, como se fosse o travesseiro e a fronha, aí começa a encher de sangue ali que vaza do pulmão e o pulmão começa a diminuir de tamanho. Quando ele diminui de tamanho ele começa a pressionar o coração e a sua traqueia vai ficando torta. Quando eu cheguei no hospital eu estava desse, desse jeito. Porque eles me levaram, até quem me levou foi a ambulância do Sergio Sargo que é quem presta serviço para essas competições que tem, ele que fornece as ambulâncias e o médico era o doutor Marcos Korukian. E, e quando eu cheguei no hospital, né, cheguei bem arrebentado mesmo... Só, acabei pulando um pedaço. Aí, em algum momento lá no autódromo. Eu não sei precisar quando foi, se foi vinte minutos, eu não lembro dizer, eu sei que assim que eu acordei, que eu me dei conta do que tinha acontecido, porque eu tive traumatismo craniano, né, bati a cabeça então você fica... O cérebro incha na hora, vocês vão ver as fotos eu estou com a cabeça desse tamanho. O que é normal, inchaço não é doença, inchaço é proteção. O organismo incha para te proteger, tá. E eu acordei, a primeira coisa que eu lembro que eu falei, que o, o Doutor Marcos se identificou como médico, mas eu não sabia quem ele era, né. Disse o seguinte, falei assim: "Não ligue para os meus pais. O meu pai tem problema de coração". Ele não tinha problema de coração, mas eu não sabia o que falar, foi a primeira coisa que saiu da minha boca. Se liga para lá morria os dois, tadinhos, iam se assustar. E eu lembrei só de um número de telefone, que é de um amigo meu aqui de São Paulo, que há vinte e cinco anos que a gente se conhece e eu falei de imediato, assim, o número de telefone, assim, na hora eu falei o número de telefone dele. Aí ligaram e ele foi lá para o autódromo, na verdade nem foi lá para o autódromo porque eu já saí do autódromo e fui para o Einstein, cheguei no Einstein ele estava lá, estava esperando. É, o que eu vou dizer para vocês não é merchandising, mas é uma realidade. A gente quando estava conversando, eu falei: "Ó, eu não quero cair, tá, mas se eu cair vocês me levem para o Einstein, eu tenho direito e tenho convênio para ser atendido lá, eu quero ir para lá".
P/1 - No dia você falou?
R - Não, não, sempre falei isso.
P/1 - Sim.
R - Quando eu passava perto da ambulância eu sempre brincava: "Ó, não vem perto de mim não, eu só quero ver você de longe". Piloto não quer se machucar, piloto acha que é feito de aço, a gente nunca acha que vai cair, da mesma forma que executivo acha que nunca vai acontecer nada com ele, que tudo vai ser perfeito, que ele vai acertar sempre, que ele sempre vai vencer, que ele nunca vai ficar doente, que o filho dele nunca vai precisar que ele ajude em uma prova, que a esposa dele nunca vai precisar que ele deixe de jantar um dia para vir jantar em casa... A gente acha isso, somos super-heróis, tudo podemos e aí quando você, acontece um, você tem sorte para acontecer e estar contando a história. E eu sempre comentei com o pessoal, qualquer coisa vocês me levam para o Einstein, foi quando aconteceu e perguntaram, tal, tal eu falei: "Ó, me leva para o Einstein, tal". Cheguei no Einstein, esse amigo meu que estava lá, que ele chama Antônio Carlos, ele disse que a enfermeira que chegou para me atender, para me tirar de dentro da ambulância, tal, e já me levar para o primeiro atendimento, a hora que ela descobriu, que você vai com aquela manta aluminizada para te manter a temperatura, né, a menina já caiu e já desmaiou a hora que ela viu o estrago. Essa perna, a minha perna esquerda ficou do tamanho do meu tórax, primeiro vermelha, depois ela ficou preta de tanto sague que eu perdi. Quando eu falo que eu perdi quatro litros de sangue não é totalmente jorrou para fora esse sangue, ele ficou dentro. Doutor Marcos me disse que foram, a cirurgia começou acho que dez horas da noite, onze horas da noite e foi terminar às cinco horas da manhã. A cirurgia de reconstituição do Bob. E eu dou risada sim, eu dou risada porque eu estou vivo, não vou é fazer piada, não é humor negro, é verdade. Deu certo. Foram acho que quase três horas só fazendo assepsia interna para evitar uma infecção, tirando caquinho de osso, porque osso se ele... ele explodiu, né, ele diz que a energia aplicada na minha perna foi algo absurdo para quebrar o osso daquela forma. Eu tive uma fratura segmentada na tíbia, na fíbula que isso não é comum de acontecer, de tão forte que foi o impacto. Cheguei no hospital e eu lembro de algumas coisas, que a última coisa que eu lembro, assim, da hora que eu cheguei no hospital. Tinha um "cara" branco do meu lado, com avental branco, um negócio na cara e uma coisa que brilhava, eu olhei para ele falei assim: "Você vai me cortar?" Ele estava começando a fazer uma drenagem pleural em mim para eu poder voltar a respirar. Foi a coisa mais maravilhosa, eu sei que desse lado estava o doutor Guiotto e aqui estava o Fábio Faure que era anestesista. O Fábio eu não lembro, ele me contou depois que ele já estava lá. Porque o doutor Marcos… o que que aconteceu? No acidente, no caminho para o hospital ele já montou a equipe de todos os médicos que eles trabalham juntos, que é o doutor Marcos Korukian, Luís Guiotto, Fábio Faure e (inaudível). Que são os quatro que me acompanharam durante toda essa recuperação do acidente. Então eles já estavam na espera quando eu cheguei no hospital, eles já estavam lá. E aí foi a última coisa que eu lembro, depois eu só fui lembrar quando eu acordei em algum momento na UTI com um troço na minha boca, que eu acordei entubado e eu queria respirar, não conseguia respirar, eu lembrei que eu tinha nariz, né, respira pelo nariz. Incrível, você acorda muito mal... E não sabia onde eu estava, tá. Eu lembro que eu perguntei acho que: "Pô, eu posso ir embora? Eu tenho que trabalhar amanhã". Eu falei isso, dentro da UTI quando me tiraram o tubo: "Ô, já estou bom, posso ir embora?" Não sabia o que tinha acontecido, não sabia.Como eu machuquei o osso sacro, é, toda a parte de baixo minha ficou muito comprometida, né, por causa de pancada... E assim, eu, graças a Deus não aconteceu o pior, porque eu poderia estar andando, poderia sentir as pernas e não ter controle nem de, nem de micção e nem de evacuação, por causa eu fraturei o sacro e o sacro tem essas ramificações que controlam micção e, e evacuação. Está tudo normal, não rompi nada, graça a Deus está tudo aqui, mas era uma fratura super pequenininha que tinha e que faltou aquele milímetro a mais para pegar um feixe neural que faz o controle dessas funções, ou seja, iria estar andando, falando e não iria conseguir ir até o toalete, iria ter que andar com aquela sonda que fica na perna da pessoa, que você não tem controle, você.
P/1 - Como é que daí você descobriu o, o câncer?
R - Então o que aconteceu? Antes disso eu gostaria de só fazer um, um parênteses sobre a recuperação dentro do hospital, porque quando tudo isso que aconteceu eu me comprometi assim: quando eu tiver oportunidade para poder ajudar alguém que passa por uma situação de trauma desse. Primeiro, a responsabilidade da cura está no paciente, você que é o responsável por se curar, a medicina, os médicos, os hospitais, os equipamentos, eles estão lá para te amparar, agora, se você não quiser sarar, você não sara. Você tem que querer sarar, você tem que querer sair da cama e quem faz isso é o teu cérebro, é a tua cabeça, não adianta você ficar: "Ai, eu sou um coitado..." Lógico que é um coitado, coitado porque é um cabeçudo, foi fazer arte, mas não adianta, ser coitado não vai resolver a sua vida, não vai fazer você voltar a andar, não vai fazer nada, você precisa descobrir outras, os outros sentidos que a gente tem. E o que que aconteceu dentro da UTI, eu fiquei na UTI, de repente tinha algumas pessoas e eu fui recobrando os sentidos, fui ficando melhor, ficando melhor, de repente estavam, os médicos lá, eu conhecia o doutor Marcos porque eu sabia que ele que tinha me (risos), é, tinha me salvado, cheguei para ele e falei assim: "Amigão, é o seguinte, você já me salvou, você... eu já estou falando, minhas pernas eu acredito que elas estão aí, eu não vi ainda, eu quero saber o que que eu posso fazer para ajudar você, o que que eu faço, eu Roberto, o Bob, o que que o Bob pode fazer?" Falou assim: "Primeira coisa, você tem que beber muita água, segunda, você tem que fazer muito xixi, terceiro você não pode ficar de mal humor". Falei: "Beleza! Comer, né". Falei: "Beleza". Porque que eu tinha que fazer muito xixi? Como eu tive uma perda muscular muito grande, existe uma proteína chamada miosina, o normal no nosso organismo no sangue acho que é quarenta e sete a setenta e sete, alguma coisa assim. Eu estava com quatorze mil quatrocentos e pouco, até a terceira semana a minha família já estava sabendo que eu estava com risco de ter, começar colapso do rim, depois do fígado, do pâncreas até levar a óbito. Então durante as três primeiras semanas eu estava correndo o risco de vida. Então foi assim, foi 5%, dez, quinze... E isso com todo aparato, com todos os médicos maravilhosos que me atenderam dentro do Einstein, ou seja o meu organismo precisava reagir e eu precisava reagir também. Então falou assim: "Precisa fazer xixi" ; "Beleza". Vinte e quatro horas, nove litros, medidos na sonda porque eu estava. Falei: "É isso mesmo, pode botar aí que eu vou fazer, não tem problema, é isso que eu tenho que fazer sem ficar de mau humor, brincar com todo mundo? Ah, está ótimo, isso é o que eu faço, não tem estresse, tranquilo!" É lógico que quando dava a dor não tinha como, né, a gente, a...
P/1 - E a sua esposa?
R - A minha esposa tinha chegado. Foi muito cômico a situação, porque quando ela chegou ela estava à espera na, na sala que antecede a, o ambiente da cirurgia, a hora que ela levantou assim, às quatro e meia da manhã, cinco e meia da manhã, que ela estava lá: "Ó, o seu marido está aqui". Ela olhou aquele troço na cama, parecendo um pão de inchado com aquele cabelo azul e com aquele torço na boca. Ela olhou: "Não, esse não é o Bob, meu marido, traz o meu marido, cadê o meu marido?" Não, desse jeito. Hoje (risos) a gente dá risada porque o Korukian faz piada disso: "Porque você precisava ver a tua esposa..."
P/1 - E você estava de moicano azul (risos)...
R - Eu estava de moicano azul. Você não acredita, eu lembro, eu lembro na UTI que o pessoal colocava a cabeça dentro da UTI para ver o "cara" de moicano azul, a calopsita e ficou calopsita, tanto que quando eu vou no Einstein fazer exame agora o pessoal fala: "Pô calopsita, cadê a calopsita?" Eu falo: "Está lá fora, estou aqui..." Né, e ficou... E ela não reconheceu mesmo, eu estava muito machucado, não é machucado, é que você fica inchado, o seu rosto, você toma anestesia, você toma muito soro, então você vai ficando bem bagunçado, entendeu? E ela viu, depois ela ficou, ela ficou, ela passou sessenta dias dentro do hospital comigo, que eu fiquei internado sessenta dias, ela presenciou crises de dor que é algo, assim insuportável ou suportável, né, porque eu estou aqui, está certo? Fiquei durante muito tempo com uma, eu chamo ela de tia Fina, tia Fina é a morfina, é uma amigona, que eu quero ela bem longe de mim, ela é maravilhosa, desde que você fique com ela constante, a hora que tira ela de você...
P/1 - Tia Fina?
R - Não, morfina mesmo, morfina, eu tomei morfina.
P/1 – Para tirar a dor, né.
R - Exatamente. Então a crise que dá depois que você fica sem ela é terrível, você tem calafrio, você tem crises de tremor, você tem diarreia, você fica... E olha, ela foi feita o desmame, que eles dizem, dentro do hospital, controlado. E mesmo assim você tem efeito colateral, mas ela é uma amigona, eu ficava com, com o botãozinho na mão aqui apertando, mandando injetar morfina para controlar a dor, porque é insuportável. O osso, esse monte de ferro que eu tenho nas pernas, eles mexendo e fisioterapia. Aos fisioterapeutas do hospital também, todos, sem exceção, que me ajudaram, hoje eu ando graças a eles, eles me ensinaram andar novamente. O doutor Marcos Korukian me tratou como se eu fosse um atleta profissional desde o primeiro momento, a minha recuperação está baseada nisso. Dentro da UTI eu já fazia fisioterapia, eu cheguei a fazer dentro do Einstein oito horas de fisioterapia, três horas de manhã, três horas à tarde e mais duas horas de piscina de hidroterapia para começar a andar. Então a fisioterapia foi a base, é, para que eu voltasse a andar, para que eu não tivesse sequela, que eu voltasse muito antes a andar do que era o esperado, eu deveria estar voltando a andar em dezembro de 2011, eu já estou andando desde o começo desse ano.
P/1 - Para dirigir?
R - Para dirigir... Eu, eu passei por todas as fases, eu passei pela cadeira de rodas, andador, é, muleta e bengala. E hoje eu arrisco assim, sair um pouco sem bengala. Então essa parte do hospital foram as três primeiras semanas foram bastante complicadas que eu não sabia onde estava e a minha esposa estava... Uma outra ressalva é para a gente que está doente, você acha que você está sofrendo, você não está sofrendo, quem está sofrendo é aquele teu amigo que vai lá te ver, está sofrendo o teu familiar. Quando você está doente a tua família está doente com você. E um dos motivos que eu não voltar a correr é porque eu não quero ver a minha família no estado que eu a coloquei, porque muito bem, eu estava em uma cama de hospital, estava no melhor hospital da América Latina, estava sendo extremamente bem atendido, tinha tudo a meu alcance para fazer com que eu voltasse a viver, só que as pessoas iam lá elas ficavam trinta minutos, uma hora, aí ela tinha que sair, e quem gostava de mim mesmo fazia isso, saía, ia trabalhar e ficava com a cabeça: "Pô, como é que o Bob está, hen? Será que o Bob está tendo aquelas crises horríveis de dor? Será que ele está uivando de novo, será que ele dormiu essa noite?..." Isso eu te falo de pessoas da minha família de amigos verdadeiros que foram e que viram essa situação. Então quem está mais doente? Eu ou aquele foi, ou aquele que saiu ou aquele que ficava esticando a mão para ir embora e chorando na porta e não chorava e saía para chorar do lado de fora. Então quando você está doente, os teus familiares também estão, os teus amigos ficam doente e quando você sara eles também saram junto com você. Então, isso eu não quero mais ver. Uma coisa é você chegar, viver, cumprir seu papel e determinado momento você parte daqui para uma melhor, você cumpriu sua função. Outra coisa é você cercear a sua vida com quarenta e poucos anos de idade ou cercear aos poucos fumando de forma desenfreada, então isso que choca, você morrer com oitenta, noventa anos é lógico que você vai sentir, faz parte do ser humano, nós somos orgulhosos, a gente não quer perder ninguém, a gente não quer perder nada, mas é diferente. Então isso eu não quero que as pessoas passem mais, eu não quero ver amigo meu tendo isso, eu não quero ver familiar meu vendo eu em uma cama por uma questão de acidente ou por uma doença, é, tendo que sair vai trabalhar. Porque eles iam trabalhar e eu estava lá no hospital, digamos, estava no bem e bom, tinha tudo, tinha o almoço na hora, tinha remedinho na hora, tinha a morfina para me tirar a dor, eles não, eles tinham o trabalho, tinham as contas para pagar, tinham o psicológico, tinham os problemas... Tinham tudo. Então eles também ficaram doentes. Então no começo, já no primeiro dia uma, é, tomografia ou ressonância magnética, uma das duas, o doutor Luís Guitto já detectou esse achado, esse corpo estranho aqui na região do mediastino, que fica aqui em baixo do peito, tá. E a gente vai acompanhando essa criança, né. Quando eu saí do hospital no final de agosto eu já saí sabendo que tinha alguma coisa, mas como eu já tinha passado pela cirurgia da perna, depois eu passei pela cirurgia de reconstituição dessa parte do joelho direito, joelho é toda essa região aqui, tá. A, mas as fraturas, tive que fazer duas punções de pulmão porque eu continuei tendo derrame ainda, que é uma dor também insuportável. Quando você quebra a costela, costela não tem jeito de engessar então ela fica mexendo e tem uma pele que recobre os ossos chamada periósteo, aquilo é totalmen...extremamente ligado com nervo, com sangue, então, meu, aquilo mexe você vê estrelas de tanto que dói e aí não adianta morfina, não adianta nada, porque não vai segurar a onda. E aí passamos por todas essas fases, eu comecei a andar dentro do hospital na piscina...
P/1 - Mas detectou, mas não, não, não se falava que era câncer?
R - Não, não, não. Não, era alguma coisa estranha, ou seja, tem um achado, está certo? Que não deveria estar aí, que nem o Timo, o que que é o Timo, o Timo é o órgão
de defesa que todos nós temos que ele deve persistir ou existir até os seis anos de vida, após os seis anos ele tem que regredir e ser absorvido pelo, pelo organismo, tá. O meu o que aconteceu? O meu não foi, o meu não foi absorvido e geralmente no homem, entre quarenta e quarenta e cinco anos ele aparece ou ele dá o ar da graça, que foi exatamente o que aconteceu comigo. E aí a gente veio acompanhando, o doutor Marcos, além de ele ser a especialização dele em ortopedia, mas ele é ortopedista e oncologista, tá, de oncologia óssea. O doutor Luís Guiotto ele é cirurgião, é, toráxico, então começamos a trabalhar com os dois, aí eu que lutei bastante em acreditar, que eu falei que não tinha nada, que não queria, porque, é, o que que é um câncer? Pô, sempre ouvi dizer que câncer é doença ruim. Não quero discutir questão se, se tem cura ou não tem,
não é isso, se eu li ou não li, pô, câncer é doença ruim, é isso que está na cabeça da gente, câncer mata e mata mesmo. Se você descobrir antes não, tem cura, você pode, você tem sobrevida, você tem como resolver, você não pode ser negligente, que é o que eu estava querendo ser, porque eu estava com medo de descobrir qual que era a verdadeira função. Quando foi em março eu tirei alguns parafusos da perna, da perna esquerda para que houvesse um maior atrito entre os ossos e quando dá atrito o organismo: "Opa! Vamos fazer osso lá que ele está precisando?" Que se não o organismo fica na dele: "Porque que eu vou mandar energia para cá se você não está precisando? Tem uma haste metálica aqui". E eu fui. Aí, estava com o doutor Guiotto, o doutor Marcos falou assim: "Roberto, precisamos fazer o exame para ver". Viu, parece que ele tinha dado uma alteraçãozinha de tamanho, isso em março desse ano. Aí quando foi o finalzinho de abril, começo de maio...
P/1 - Mas lá eles não quiseram ver ou você que optou por...?
R - Não, não, a gente viu, mas através de imagens. O hospital, eu estou acompanhando isso desde o começo. Eu que não queria era fazer a cirurgia.
P/1 - Entendi.
R - Eu que estava com medo, medo de saber o que tinha. Medo mesmo, medo, covardia de não, mas agora pô, acabei de passar por um acidente desses vou enfrentar essa de novo? Pô, será que não para? Isso é, é, é medo da verdade, medo de enfrentar o problema como se deve ser enfrentado, de frente, não saindo pela tangente. Aí, por isso que eu digo que o, que o Marcos e o Guiotto eles não são médicos, são mais do que médicos, porque sentaram, conversaram comigo, passaram toda a minha condição para dentro de uma junta médica do Einstein, até que chegou a conclusão seguinte: "Olha, nós temos que tirar, isso não é simplesmente um nódulo sebáceo, um cisto sebáceo, um nódulo de gordura. Porque ele tinha ramificação por fora e dentro ele estava vivo, tinha uma parte que estava calcificado, ou seja, estava durinho, mas tinha uma parte que estava mole, ou seja, ela estava começando a soltar, colocar as manguinhas de fora. E quem fez essa cirurgia, o responsável cirurgião foi o doutor, é, Guiotto, o Fábio Faure como anestesista e o doutor Marcos como um assistente que estava presente. Eu pedi que eles fossem, sentei: "Ó, vocês poderiam fazer? Vocês estarem todos juntos de novo, porque já tivemos sucesso há doze meses atrás, tal...." E são muito amigos, em todos os sentidos, tá. Eles me orientaram, falaram: "Olha, você precisa tirar por causa disso e disso". Eu fiz a cirurgia na manhã do dia 27 de julho de 2011, exatos doze meses após o meu acidente, porque o acidente ocorreu 27 de junho de 2010.
P/1 - No mesmo dia...
R - Mesmo dia, doze meses depois. A biópsia saiu na terça-feira à noite, doutor Guiotto estava na minha frente, eu nem fui para o quarto normal eu fui para uma CTI, porque como essa cirurgia foi de abrir o externo, que é esse osso aqui do peito, aquele, CLAK, que nem peito de galinha quando abre (risos), então eu fiquei na CTI para ter um acompanhamento melhor com monitoramento, você fica todo ligado por fio lá, para saber coração, pulsação, oxigênio e tudo mais. Aí o doutor Guiotto na terça-feira à noite ele chegou no quarto: "Ah, acho que saiu a sua biópsia, vamos, vamos ver o resultado". Ele estava na minha frente, eu fiquei olhando para ele: "Não, eu não aceito esse resultado, pode fazer de novo..." Já tinha saído o resultado, ele pediu que fosse rechecado. E foi rechecado ou alguma coisa nesse sentido, tal... Então Timoma, né, do tipo, tudo o que termina em "oma", né, carcinoma...
P/1 - É roubada.
R - É roubada, é fria, né. Do tipo B3, tá. Não vou entrar em mérito porque eu não tenho, é, cabedal ou gabarito para falar dessa parte de medicina, eu sei que era um Timoma, era um tumor maligno, tá, ele tem uma característica, ele não dá metástase, mas ele pode voltar, ele quando aflora, ele interfere no sistema imunológico e até ataca a medula, vem a provocar com o tempo leucemia e uma série de outras doenças, tá. Quando é pego no começo, dez, se é pego mais para frente aí complica um pouco. Então qual que foi o meu tratamento? O que que foi que aconteceu? Eu tinha uma vida, viajava para cima e para baixo à trabalho, não tinha férias, as últimas férias que eu tive foi em 2003, gente, eu tive vinte dias que eu fui dar beijo na bochecha do Mickey (risos do entrevistador), né. Na verdade...
P/1 - Tem filhos?
R - Não, não tenho filhos ainda. Tenho dois cachorros só. O Bob e a Hanna (risos). E, e foi em 2003 que eu fui, depois eu não tirei e aí a gente fazia o seguinte: "Ah, você vai viajar, aí você fica sexta, sábado e domingo". Sabe, essas coisas, então nada de tirar férias de verdade, você tirava aquela semaninha no final do ano. Então não, não tinha férias e você necessita de férias, a empresa precisa entender que você precisa tirar férias para você voltar com a cabeça melhor, você precisa descansar, você precisa arranjar outros problemas, você precisa arranjar um pneu furado, você precisa arranjar uma porta que não fecha, mas você não precisa fazer o seu dia-a-dia. E não leve nem notebook, nem computador, nem porcaria nenhuma. Eu levei e é terrível, você fica ligado... E passe longe dos business centers que tem no hotel, de preferência vá para o meio do mato, você tem que descansar. Então, o que você me perguntou? Desculpa.
P/1 - Não, se você tinha filho...
R - Ah!
P/1 - Depois perguntei aí você fez...
R - Ah!
P/1 - Aí você estava falando do tipo...
R - Do tipo. Aí fui diagnosticado, ou seja, eu já não pude começar o tratamento com o câncer exatamente após a cirurgia, porque como a cirurgia foi nessa região do externo e externo é onde você tem produção de sangue, ou seja, você produz hemoglobina, tal, tal, as hemácias, tudo mais… É, o que acaba acontecendo? A radioterapia ela ia atacar, ia provocar a não calcificação desse osso, está certo? E também comprometer, é, a minha performance biológica, quando eu estava necessitando exatamente de me recuperar por ter feito uma cirurgia que é bastante agressiva ao corpo humano. Toda cirurgia é agressiva, toda cirurgia é invasiva, é agressiva, está certo, mesmo que seja com Latoscópio, aquele dos… lá, certo? Então o que que aconteceu, eu fiz a cirurgia e esperei quase trinta dias para poder começar a fazer o tratamento com a radioterapia, mas eu já estava sendo atendido pelo oncologista do Einstein que é o Doutor (Olen Smaletis?), ele já me atendeu, já, já, o doutor Guiotto já encaminhou o meu caso para ele e ele já estava sabendo. E aí eu comecei a fazer no finalzinho de agosto, mais ou menos por volta do dia dezoito, vinte eu comecei a fazer a radioterapia. Radioterapia consiste no quê? Consiste aplicação de radiação mesmo, você vai ser, receber radiação na região. Esse equipamento que eu fiz ele fazia um bombardeamento na frente e fazia um bombardeamento pelas costas. O que que acontece, o que que tem de efeito colateral? Não cai o cabelo, porque o que cai o cabelo é a rádio...
P/1 - Químio...
R - A químio, a químio... Só que como, por exemplo, essa região aqui eu tive uma fadiga muito grande porque ele diminuía a produção de hemácias. Gente, o que que é um câncer? É uma célula errada, se você vai matar uma célula, automaticamente você vai matar uma célula boa também, certo? Então... Só que a coisa é controlada para pegar aquele tipo de célula, está certo? E aqui, o que que
aconteceu? Eu comecei a ter um pouco de anemia, tive cansaço e uma série de coisas. Mas também fui muito, muito bem atendido pelo doutor Robson, que é o radioterapeuta responsável por onde eu fiz o tratamento lá no hospital, no Einstein. Então me acompanhou de todos os (risos)...
P/1 - (inaudível)
R - Né, me acompanhou de perto e tudo...
P/1 - Nenhum momento desses, assim, você teve uma depressão assim: "Porra, aconteceu o acidente, agora eu estou com câncer...”
R - "Cara" eu tive uma depressão muito grande foi no final do ano, eu fiquei muito “P” da vida quando algumas coisas aconteceram. Eu sempre tive, tive um negócio chamado companycar e como a situação financeira em casa apertou... Então assim, eu tinha uma situação financeira muito boa, eu tinha três motos caras, tinha um carro Massuv top de linha para a minha esposa e eu tinha um carro Massuv-SUV também, top de linha também, da empresa. A coisa começou a apertar porque apesar de eu ter o seguro, apesar de eu ter a assistência médica, a grande parte das cirurgias eu tive que bancar também, eu tive que arcar, porque nem tudo o convênio cobriu. Então você começa que, que, queimar as coisas. Então, por exemplo, aqui está a Harley Davison, aqui está a CFR, aqui está a Out Lander (risos) e aqui está a RU, entendeu? Mas é bom, isso é bem material, pô, vou ter chance de construir de novo, eu tenho saúde para fazer isso. Que venha e que vá, não tem problema, sabe, não, não, não vou me preocupar com isso... Para? Não.
P/2 - Para um pouquinho só para...
R - Daí, todas... Pode mandar bala? Então, toda essa situação financeira, é, ela acabou, eu, eu continuei recebendo os meus benefícios empregatícios da empresa porque é um acordo do Sindicato dos Químicos, que um funcionário afastado por, é, por doença a empresa é obrigada a corroborar com ele durante os doze meses após o acidente. Se for por acidente de trabalho é eterno até ele voltar. Então a empresa cumpriu o papel dela com relação a isso. Só que ela fez o seguinte, quando foi no finalzinho de outubro, novembro, ela me pediu o carro de volta e isso é uma coisa que me magoou demais, eu fiquei muito triste com isso, muito triste mesmo. E simplesmente pediu que eu devolvesse o carro e a gente já não tinha mais o carro da minha esposa, então a minha esposa ela é professora na Universidade e hoje nós moramos em São José dos Campos, ela teria que tomar quatro ônibus ou três ônibus para andar três quilômetros, porque é fora de mão. Não, três ou um pouco mais do que três quilômetros. Então foi uma coisa... Isso me magoou demais porque eu comecei a lembrar... Eu falei: "Nossa, quatorze horas por dia! Tudo isso! Não vale a pena". E quando eu precisava ter um carro automático que era agora por causa que a minha perna não funcionava, eu não tinha. Então, bem material... Você quer trabalhar, trabalhar para comprar, só que você sabe que você pode perder amanhã, você pode perder de uma forma agradável ou você pode perder de uma forma ruim. Eu perdi de uma forma ruim, mas que me valeu ensinar que não vale nada (risos). Quando eu mais precisei ter um carro automático eu não tinha. Eu tive que me habituar a andar em um carro econômico, que é maravilhoso, que me leva e traz, está perfeito, só que é câmbio manual e eu tive que fazer a minha perna, a minha perna funcionar. Foi ótimo, valeu, porque a minha perna sarou mais rápido ainda, porque eu tive que forçar ela para funcionar. E eu ia na fisioterapia e falava para o fisioterapeuta: "Por favor..." Que é uma clínica em São José dos Campos chamada Kinesis, eu falei: "Roberta e Fernanda e o Gustavo, ó, faz a minha perna esquerda funcionar, ela tem que funcionar porque eu preciso dela para poder dirigir". Dirigia todo torto, saía cambaleando, não conseguia, sabe? Porque a perna não funciona, colocava ela em uma posição e ela ficava, ela só fazia esse movimento, mas eu não conseguia mudar, eu não conseguia puxar a perna para cá porque não tinha força. Músculo estava tudo aqui, mas estava adormecido, atrofiado. Então isso foi uma coisa, eu entrei em uma depressão séria que eu fiz o quê? Como que a gente resolve depressão? Cada pessoa resolve de um jeito, eu resolvi comendo. Então eu bati em dezembro, em janeiro na primeira semana eu tinha cento e dez quilos, com essa quantidade toda de prótese na perna você imagina o que aconteceu, né. Eu estava com risco, eu fiquei com o colesterol alterado, todos os hormônios que vocês possam imaginar os meus estavam bagunçados, tudo bagunçou. Porque chegar a cento e dez quilos, eu tenho uma estrutura, você olhava para mim, você não achava eu gordo, mas eu estava imenso, tá. Calça não servia, nada mais. Vou dar um exemplo, essa calça que eu estou não passava da coxa, essa camisa não fechava, hoje eu estou com oitenta e cinco, falta sete, mas eu chego lá. Agora vai ter que ser com exercício, não adianta ser mais com boca, né, que foi...
P/2 - Bob, você... algumas pessoas quando passam por, por essa situação que você passou...
R - Hum...
P/2 - ...se sentem assim, ou culpadas ou acham que foram punidas ou que alguma na vida deu, deu uma lição... Como é que você vê isso tudo e como é que você vê o seu futuro, como é que você vê...?
R - Tsss! Olha, vou te dizer uma coisa... E eu por mais, por muitas vezes veio esse pensamento: "Ah, por que Deus fez isso comigo?" ; "Ah, que eu sou um coitado!". Não, eu tentava tirar a minha cabeça o máximo possível disso e centrar na minha recuperação. Botar toda a energia que eu tinha disponível, tá, energia ociosa, para fazer a minha perna funcionar, para o meu pé não ficar inchado quando eu colocasse no chão, para que eu conseguisse andar, para que eu não caísse, para que eu voltasse a ser um ser humano ativo economicamente, ou seja, útil para a sociedade de algum jeito. Então assim, a sua cabeça é o principal, é, eu percebi que estava gordo, que eu estava exagerado, foi em janeiro que eu me dei conta do que eu estava fazendo comigo. Eu tinha acabado de ser salvo de um acidente gravíssimo e estava começando a me matar aos poucos com uma coisa que não fala, que é diabete, diabetes alterada, colesterol alterado, porque isso é silencioso, né, não te avisa. Então, isso mudou e eu não fiquei com essa ideia: "Ah, por que que aconteceu isso comigo?" Porque aconteceu o que tinha que acontecer. Eu estou passando por isso, a gente só passa por aquilo que nós temos condições de passar, você não passa nem mais, nem menos, você carrega aquilo que você pode carregar. É imputado a você aquilo que você a...que você pode fazer, nem mais, nem menos. Eu não tenho essa de: "Ai, eu sou um coitadinho". Coitadinho nada, não tem nada de coitadinho não. É lógico que você fica debilitado, você fica, você fica, é, é, fragilizado, você fica. Aconteceu um incidente, é, extremamente desagradável, né, se eu encontrar a pessoa eu vou pedir desculpa para ela. Ele parou do lado do carro na vaga de deficiente em um supermercado em São José dos Campos e eu briguei com o menino, falei um monte de besteira para ele, disse que ele só estava fazendo aquilo porque eu era um aleijado, que eu estava dentro do carro, que se eu estivesse andando eu iria bater nele. Nada, ele não fez absolutamente nada! Ele não fez nada, mas eu, para mim já era. Então eu tive que começar a entender esse tipo de coisa e falar: "Ôpa, para aí, não é assim, ninguém é responsável pelos meus problemas". Não é uso de vaga indevida, isso aí não, isso aí eu vou lá, pergunto se tem deficiência mental, qual que é o problema da deficiência, convido a se retirar, educadamente ou faço piada, eu sou extremamente irônico. E consigo tirar qualquer um do sério com a minha ironia, até o cara se tocar que ele está fazendo a coisa errada. Mas ali foi uma coisa porque eu achei que ninguém podia fazer nada para mim porque eu estava de cadeira-de-rodas. Então, talvez a minha fuga, a minha válvula de escape foi desse lado. Não queria conversar com ninguém muitas vezes, porque eu precisava de um tempo para entender o que acontecia comigo. Porque eu só vim a entender o que tinha acontecido comigo quando eu cheguei em casa, porque o hospital não é minha casa. Eu só vim a perceber que eu andava de cadeira de rodas quando eu cheguei em casa e eu não conseguia subir para o segundo andar do meu apartamento, quando eu fui passar na porta para chegar na geladeira e eu não conseguia abrir, a hora que eu fui pegar um copo e caiu o armário inteiro. Sabe essas coisas quando: "Ôpa, mas o que que está acontecendo, por que que eu não consigo pegar?" Aí que eu me toquei que eu estava em uma cadeira-de-rodas, porque o hospital também não é a minha casa, estava tudo á mão. Então aí que bateu e eu falei: "Não, vamos resolver isso".
P/2 - E o futuro agora? Qual é o prognóstico? O que você vai...
R - Olha, eu, eu posso dizer para você assim, eu não sei exatamente o que eu vou fazer, mas eu sei o que eu não quero fazer. Porque exemplo, eu não quero ter mais uma vida escravizada dentro de uma empresa, isso eu não quero. A empresa não é sua dona, você não pode viver em função da empresa. De uma semana de sete dias você ter cinco dias você ir para uma churrascaria jantar, isso não é viver, isso não é. Você não ter vida social, a vida social se restringir somente às pessoas que você tem contato dentro da empresa ou as pessoas., não é, você precisa falar de vez em quando. Sempre falo uma, uma bobeirinha de vez em quando, não dá para 100% do tempo você ficar só tratando de negócios e jantar trabalhando, almoçar trabalhando faz mal para a digestão, da úlcera. E é isso que é o dia-a-dia. "Nossa, como eu sou agitado! Que eu tenho isso, eu tenho muitas reuniões..." Pô, começar a trabalhar às sete horas da manhã. E com esses benditos desses smar... Smartfones que foram desenvolvidos, cara tu responde e-mail até cinco horas, duas horas da madrugada, não dá, pausa! Se você trabalha em uma empresa que ela tem, é, local...é, unidades ao redor do mundo, que você tem fuso horário de doze horas, para! Tudo bem, ele chegou lá agora, a hora que você chegar você responde, não dá, você precisa descansar, você precisa respirar. E eu conheço várias pessoas que ainda estão fazendo isso. Então eu não quero, eu quero ter uma vida normal, é, não tenho medo nenhum de trabalhar, adoro trabalhar, tanto que na época que eu estou em casa todo esse tempo que eu levanto às onze horas, eu levanto rotineiramente às cinco e meia da manhã. Vou ler jornal, vou fazer alguma coisa ou vou ficar simplesmente acordado, mas não vou ficar na cama até meio-dia, tem, tem... eu tenho uma rotina. Então tem alguns, alguns projetos de financeiros sendo executados, são projetos, ainda são projetos, estão para, para serem concretizados. Mas hoje eu quero um espaço maior para dar um abraço em um amigo, tomar uma cerveja, entendeu, bater um papo, atender a vocês por exemplo, um trabalho comunitário, que seja. Você ter esse espaço, você ter essa liberdade de você poder ter contato com o ser humano. Hoje a gente só tem contato com os "I", com iPad, com iPhones, com iTunes (risos do entrevistador). Sabe? Você tem que ter contato com gente, isso não é, a, a justificativa, essa tecnologia que está aí ela é simplesmente o meio para fazer você chegar às pessoas, mas não é o limite, ainda a gente precisa de contato físico, a gente tem que sentir o cheiro, tem que sentir o calor de um abraço ou o calor de uma discussão, o que seja.
P/2 - A sua relação com a sua esposa melhorou?
R - F... Melhorou, melhorou. Ela estava bem tumultuada no começo, né, nessa, nesse período aí, melhorou. A gente discute bastante, porque dois bicudos não se beijam, né, então os dois geniosos, assim. Mas nós temos um contrato previamente assinado de quarenta anos no mínimo para a gente ficar casado. Agora depois de quarenta anos eu não sei se vai dar para separar, né, (risos) juntar tudo os caquinhos, né. Mas é lógico que faz parte, isso... Outro dia comentaram comigo, falaram assim: "Pô, você discute com a sua esposa". Eu falei: "Tem que discutir mesmo, eu bato boca, não pode engolir". Porque que se engolir é ruim, amanhã fica atravessado na garganta, você tem que discutir, tem que conversar. É óbvio que tem vezes que você, você que teu espaço como qualquer ser humano, ela também...
P/2 - Ela mudou o ritmo já em função da sua experiência?
R - Não, ainda ela não mudou, ela ainda está meio acelerada, ela... A gente se dá bem porque os dois são hiperativos, se não, por exemplo, ela não conseguiria. Eu já falei: "Eu já não suporto mais esse jeito seu de ser, você já precisa diminuir. Já não dá mais, já não vale a pena". Mas já... já está mudando. Mas o que a base, o que eu aprendi de tudo isso, primeira coisa, é que o que você ganha do ponto de vista material é para você, o que você ganha é para você gastar. Ou você pode gastar com coisas inúteis ou você pode gastar em momentos importantes da sua vida e não necessariamente precisa gastar com doença, está certo? Um abraço de um amigo ou um almoço com um amigo, um cafezinho de cinco minutos em um posto de gasolina talvez valha muito mais do que qualquer tapinha nas costas em uma apresentação dentro da empresa. É, hoje você, é óbvio que você precisa de dinheiro para viver, seria um louco de achar... Só que você consegue, né, viver bem ou viver de uma forma comedida sem ter que exagerar tanto para, para ganhar, porque da mesma forma que você ganha muito, você também gasta muito. Então você começa a perceber: "Não, mas isso eu não preciso, isso eu não preciso, isso eu não preciso, isso eu não preciso". Não é que eu deixei de ser ambicioso, não é isso, só que a ambição ela tem que ser comedida. Eu sou muito intenso, mas eu tenho que canalizar essa intensidade para outras coisas, não somente focar 100% no tempo no trabalho. É muito gostoso, eu adoro trabalhar, eu quando me pego fazendo alguma coisa, não vejo a hora de terminar, porque eu gosto, eu gosto de ver a coisa sair, acontecer. Só que tem que ser comedido.
P/1 - Deixa eu perguntar. O que que você achou da experiência de dar esse depoimento aqui para a gente?
R - Ó, quando o, o doutor Marcos comentou comigo eu fiquei assim, feliz, porque eu espero que isso possa ajudar alguém, que, que passe por uma situação ou com doença própria ou com doença com familiar e se, e sempre entender que a cura está na gente mesmo. É, muitas vezes as pessoas podem entender que a cura seja material, né, mas às vezes você precisa da cura psicológica, da cura psíquica. Primeiro você precisa sarar a sua mente para depois ter o seu cor...o seu corpo são, né, não é mente sã e corpo são? Então eu fiquei feliz de poder participar, porque eu acredito que isso vai de alguma forma vai chegar em alguém. Em algum momento que a gente conversou, alguma coisa que eu falei vai ser útil para alguém, se vai ser útil na plenitude ou se não vai ser, não importa, mas alguém vai poder aproveitar isso. Ou se não aproveitar vai pelo menos dar risada, vai ser feliz de qualquer jeito, vai rir: "Pô, que cara louco, que figura, meu! De onde saiu?" Pô, não importa, mas vai ajudar para alguma coisa, entendeu? Essa é a, é o espírito, isso eu deixei claro desde a primeira vez quando o próprio, é, o Marcos Korukian falou para mim isso, ele falou assim: "Ó, você tem uma história muito linda para fazer". E ele me deu uma dica que eu não segui, isso não dá mais para voltar atrás. Assim que eu recobrei a consciência no quarto ele pediu, falou assim: "Ó, todo dia escreve uma linha do que está acontecendo, você vai ver o final que você tem um livro maravilhoso para você publicar". E eu não fiz isso, porque eu estava querendo voltar o mais rápido possível para trabalhar, eu não tinha me tocado do que tinha acontecido ainda, eu não sabia, não sabia de verdade. Eu achava que eu iria estar saindo andando daqui a dois dias; "Ah, só estou aqui descansando um pouquinho, não tinha noção, ou seja, ter eu tinha, eu não queria era admitir que eu estava em uma cadeira de rodas e eu dependia de tudo e de todos para qualquer coisa, até um simples copo de água. Então isso que eu aprendi, isso que eu espero, que passa, está certo? As suas, as suas vicissitudes, ou seja, as suas difi...dificuldades, o que você vai ter que... Ela vai passar, você vai conseguir superar. Depende de você de superar de uma forma rápida ou não, de, superar dando risada ou se martirizando e sofrendo. Mas que dá, dá. Não sou super-herói, sou um ser humano falho para caramba, faço coisa errada constantemente, muitas vezes faço, cometo os mesmo erros de novo, mas a gente está aí. E você é o que você pensa. Se você quer, você pode, se você pode você consegue, não, não tem outra... Assim, tem que chegar mesmo e colocar barreiras para você, falar assim: "Ai, eu quero fazer isso. Como é que eu vou fazer? Como que eu vou atingir isso?" Né, você pode
colocar alguma coisa utópica: “Eu quero ser presidente dos Estados Unidos. Pô, o que que eu preciso ser para ser presidente dos Estados Unidos?" Faz uma escadinha para chegar lá. De repente chega no meio do caminho: "Ai, eu não quero mais ser presidente, mas eu vou querer
ser...sei lá o quê". Você vai mudando, mas você tem que ter a sua vida planejada, você tem que planejar alguma coisa. Algumas pessoas necessitam do papel, outras planejam na cabeça, não existe fórmula, você tem que se adequar à sua necessidade, você tem que fazer o que você precisa. É isso?
P/1 - Muito bom.
P/2 - É isso aí.
R - Pronto?
P/1 - Obrigada.
P/2 - Obrigadaço.Recolher