Museu da Pessoa

"O hip hop dá voz aos oprimidos"

autoria: Museu da Pessoa personagem: Pedro Antônio Alves

Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Pedro Antônio Alves
Entrevistado por Tereza Ruiz e Lucas Figueiredo Torigoe
São Paulo 28/01/2015
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_44
Transcrito por Ana Carolina Ruiz

P/1 – Primeiro, Pedro, fala pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.

R – Meu nome é Pedro Antônio Alves. Eu nasci no dia 3 de julho de 1994, em São Paulo mesmo. Paulistano de nascença.

P/1 – Paulistano mesmo.

R – É.

P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe e se você souber data e o local de nascimento também.

R – Meu pai nasceu no dia de finados, no dia 2 de novembro de 1970, aqui em São Paulo também, paulistano. Minha mãe nasceu no dia 16 de novembro de 1970 no município de Ritápolis, Minas Gerais.

P/1 – E o nome completo deles?

R – O nome do meu pai é Edvaldo Costa Alves e o da minha mãe é Valdete Seflor.

P/1 – O que eles fazem profissionalmente, o seu pai e a sua mãe?

R – O meu pai é comerciante, sempre foi comerciante. Ele trabalha no ramo de material elétrico e a minha mãe é publicitária.

P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que eles são como pessoas, de personalidade, de jeito.

R – Eu convivi minha infância pouco com o meu pai porque ele separou da minha mãe eu tinha três anos, então eu absorvi muito da personalidade da minha mãe. Ela é uma pessoa muito comunicativa, uma pessoa muito sensível e batalhadora. Tudo que ela conseguiu na vida ela conseguiu sozinha batalhando, ela saiu de Minas com 15 anos e veio pra cá estudar e hoje conseguiu com muito esforço o espaço dela. O meu pai é um cara muito inteligente e muito comunicativo também. Ele é músico, eu acho que... É, totalmente minha influência pra música eu puxei por ele. É basicamente isso. Ele também foi um cara que apanhou bastante da vida, isso moldou o caráter dele hoje.

P/1 – Ele trabalha como músico também?

R – Não. Ele está estudando música. A gente entrou na faculdade junto, isso é engraçado. A gente entrou na faculdade junto, na mesma sala, estudando Licenciatura em música, só que aí eu saí, eu fui pra outro ramo que eu queria estudar de verdade, que é mais identificação e ele continuou. Eu acho que daqui a mais um ano e meio ele se forma.

P/1 – Você sabe qual que é a história do seu nome? Por que você se chama Pedro?

R – Sim. É uma história engraçada. O pai do meu pai e o avô do meu pai se chamavam Pedro. O pai da minha mãe se chamava Antônio, aí eles fizeram uma homenagem ao pai do meu pai, que o meu pai não conheceu, conheceu só o meu avô, meu bisavô na verdade, e o pai da minha mãe. Aí ficou Pedro Antônio que por um acaso é o nome de dois santos, né?

P/1 – Você tem irmãos?

R – Por parte de pai eu tenho uma irmã mais nova. Ela é do segundo casamento dele, ele convive com ela hoje e a mulher. Minha madrasta que não é uma madrasta, é a minha segunda... Terceira mãe, vai.

P/1 – Por que terceira?

R – Porque, como eu disse, minha mãe separou do meu pai eu tinha três anos, aí ela precisava trabalhar, então eu ficava com a tia-avó do meu pai, a irmã do pai do meu pai. Foi na mesma casa que ele cresceu, que o meu bisavô que cuidou dele, porque o filho do meu bisavô, o pai dele tinha morrido. E eu cresci na mesma casa que o meu pai praticamente ali, cuidado pela tia dele, minha tia-avó. Ela tinha três filhos e praticamente ela é minha segunda mãe. Ela cuidou mais tempo de mim do que minha mãe. Ela me cuidou dos três aos 12. Aí depois disso eu comecei a ficar sozinho.

P/1 – E você sabe qual que é a origem da sua família, da onde seus antepassados vieram.

R – Por parte de mãe eu sei. Por parte de pai... Eu vou começar por parte de mãe. O pai da minha mãe era agricultor, né? Ele era pessoal de roça, pessoa que vivia na roça. A mãe da minha mãe é índia. A família dela a maioria é tudo índio e os irmãos dela tipo tio, tio-avô meu, eles garimpavam ouro, cuidavam de chácara. Mas os antepassados dela são índios. Do meu avô por parte de mãe eu não sei porque eu não tive muito contato com a família dele, nem cheguei a conhece-lo. A família do meu pai, nordestina. Todo mundo ali nordestino, a maioria do pessoal nordestino, do pai do meu pai. A da minha avó tem uma parte italiana que são quatro famílias pra juntar sua árvore genealógica, então é muito complexo. Mas eu sei poucas coisas pelo que eles me falam, eu não fui lá averiguar, nunca vi primo meu... Tipo, minha avó fala que tem parte da família na Itália. Meu sobrenome não tem nada italiano. Eu também acho que eu só puxei o time.

P/1 – Você é Palmeirense?

R – Sou, fanático!

P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que era a casa em que você passou a infância então. Quais são as lembranças que você tem do espaço, do bairro.

R – É o bairro que eu nasci, Freguesia do Ó, Vila Cruz das Almas, mais específico. Eu moro lá até hoje. Quando minha mãe se separou do meu pai a gente foi morar na rua de cima da casa da minha tia, aí ela ia trabalhar, eu ficava na minha tia. Aí com o tempo a gente mudou pra rua da minha tia e depois da rua da minha tia minha mãe com muito esforço comprou o apartamento que construiu na rua de baixo. E hoje a gente mora ali todo mundo muito próximo, a família inteira muito perto. O ambiente era... Eu acho que não podia ter sido melhor porque minha tia era evangélica, conservadora, então ela me criou, sabe, mostrando o que era o certo, o que era o errado, apresentou-me muita coisa legal, ensinou-me a ter a paixão por cozinha, que eu gosto muito de cozinhar, ela que meio que foi a minha professora. O meu tio, o marido dela, é um taxista, ele eu não sei, eu acho que ele não teve, ele é um cara muito inteligente. Não sei a formação dele, mas também me ensinou muito na vida, ensinou-me o valor da honestidade, ensinou o que é ter caráter. Foi ele o pilar primordial ali pra mim.

P/1 – Você falou dessa questão da cozinha com a sua tia, né, você lembra de algum momento, como é que você foi pegando o gosto?

R – Putz, foi engraçado também. Eu comecei, eu a vi fazendo os negócios, eu ficava olhando ali de miguézinha só dando uma olhada e tal. Aí num momento me deu uma fome, eu falei: “Eu vou fazer comida”. Estava em casa sozinho, minha mãe tinha saído, um negócio assim, eu fui lá e fiz salsicha. Quando ela chegou eu estava comendo, tinha fervido a salsicha, tal, ela chegou e falou: “Meu, você está comendo salsicha crua?” “Não. Eu fervi e tal”. E eu era pequeno, devia ter uns oito, nove anos. Ela ficou louca da vida que eu fui lá mexer no fogão, pegar água quente. Foi mais ou menos isso, que aí depois eu comecei a pedir ajuda, fiquei ali ajudando cortando a batata, cortando cebola. É isso aí. Também na casa da minha tia tinha meus primos, ela tinha três filhos, as duas meninas mais velhas a Jussara e a Juliana, são casadas hoje, têm filhos, e o João Henrique que era o caçula da minha tia, que é praticamente o meu irmão mais velho, o irmão de criação que é muito amigo meu, a gente é muito próximo hoje. Bem legal isso.

P/1 – E nessa fase de infância do que você brincava? Quais que eram as brincadeiras e com quem que você brincava?

R – Eu sempre gostei muito de futebol, sempre fanático por causa da família, a família do meu pai a grande parte é palmeirense, a maioria é palmeirense. Então futebol sempre foi uma paixão da família, eu gostava muito, empinar pipa, eu empino até hoje, até estou com os dedos cortados aqui. Isso acontece, cortar o dedo empinando pipa é normal, né? Mas era basicamente isso. Eu gostava bastante de andar de bicicleta ali na rua, na região, ficava fazendo muito isso. Essa era basicamente a brincadeira.

P/1 – Você se lembra de alguma história nessa fase de infância que tenha te marcado?

R – Tem. Tenho até a cicatriz aqui. Deixa eu mostrar pra câmera.

P/1 – Pode mostrar.

R – Esse lado e essa aqui eu tinha nove meses, eu caí da estante. Mas essa aqui em específico eu estava jogando bola numa quadra molhada aí a gente estava ganhando, era jogo valendo mesmo, tipo racha, valia Coca-Cola, valia salgadinho, uns negócios assim. Aí eu fui pisar, eu pisei, escorreguei, fui de cabeça no chão. Aí eu levantei com a cara tudo ensopada de sangue, né? Aí todo mundo: “Meu, você tem que sair daqui, que não sei o que.” “Não, vamos jogar. Vamos jogar”. Aí me levaram pra casa da minha avó, estava no prédio da minha avó, a mãe do meu pai, aí eu subi lá, entrei no prédio chorando: “Vó, que não sei o que...”. Ela olhou minha cara tudo lavada de sangue, ela foi e se trancou no quarto: “Ah, meu Deus, olha esse menino”. Aí os meus tios que foram me pegar pra me levar pro hospital pra dar ponto. Eu acho que, como fala, traquinagem tem um monte, né? Essa aqui é uma que marcou bastante.

P/1 – Você lembra nessa fase de infância o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que você pensou numa profissão.

R – Minha mãe fala muito isso, ela fala que eu queria trabalhar no caminhão do lixo. Minha mãe falava que eu falava quando era pequeno isso. Mas eu mesmo, pelo que eu me lembro eu queria ser jogador de futebol, até tentei, só que não deu certo.

P/1 – Como é que foi essa tentativa?

R – Eu jogava numa escolinha perto de casa, chama Portela, o nome da escolinha. Eu era bolsista lá, uma professora amiga da minha mãe deu uma bolsa pra eu jogar. Aí uns professores lá gostaram de mim, eu até tinha certa habilidade, eles me levaram pra fazer teste. Levaram-me no São Paulo, na Portuguesa, fui até pra Ponte Preta lá, só que eu não fiquei em nenhum. Falaram que eu era muito mirrado, não tinha estatura, aí acabou não dando certo. Não tinha padrinho, não tinha empresário, também acho que é meio... Mas um caso a parte porque logo em seguida eu conheci a música aí minha vida meio que mudou. A música não, por si, mas o hip hop em si, a cultura hip hop, porque aí a partir da cultura do hip hop eu comecei mais a me ligar mais em música.

P/1 – Isso que idade você tinha quando você conheceu o hip hop?

R – Eu comecei a gostar mesmo 13 pra 14 anos. Quem me apresentou foram os irmãos da minha mãe lá de Minas, eles gostavam muito. Minha influência daqui de São Paulo, da minha família aqui de São Paulo é samba. Meu pai mesmo era do rock, meu pai tinha banda de rock, tinha bar de rock, tinha um monte de coisa. Os meus tios por parte de mãe me apresentaram o rap, apresentaram-me Racionais e Facção Central que era dois grupos zica da época, né? E dali eu começava a ouvir as letras, não tinha muito a ver comigo, pelo que eles falavam nas letras não tinha uma vivência detalhada do que eles estavam falando ali, mas eu me identificava pelo ritmo, por causa de poesia, eu sempre gostei muito de ler, de poesia. Como eu disse, minha mãe é publicitária, mídia ainda, então ela ganhou sempre muito livro, muita revista, quadrinho. Então eu cresci, sempre gostei muito de ler e eu acho que isso foi o que me fez gostar muito do ritmo, ritmo e poesia, que eu sempre escrevi poema, quando eu pequeno eu escrevia uns poeminhas e eu acabei me identificando mais com estilo.

P/1 – Você lembra se teve uma canção que te pegou mais forte quando você começou a conhecer um pouco mais o universo do hip hop?

R – Tem. Tem aquela: “Sou playboy, filhinho de papai, eu tenho um pitbull, imito o que ele faz”. Essa eu gostava muito. Gostava muito do Gabriel O Pensador, gostava do Racionais em si, mas gostava... Não sei, eu me identificava mais com o Gabriel O Pensador, gosto, respeito o Racionais, respeito todos os grupos das antigas porque o que eles fizeram atrás é a base que a gente tem hoje, então deve muito respeito a eles. Não só Racionais, todo o pessoal das antigas mesmo, Duck Jam e a Nação Hip Hop, Mc Jack, Filosofia de Rua, todo mundo. Tem uma música do Racionais que já é nos discos mais novos, que é A vida é um desafio, essa também era muito forte, que eu sempre colocava de subnick no MSN. Eu tive essa época, vocês lembram, né? Olha lá.

P/1 – Eu queria falar um pouquinho, a gente vai falar mais da música, sua relação com a música, mas só pra voltar na questão do futebol que você é bem ligado e futebol, né?

R – Sim.

P/1 – Deu pra perceber. Eu queria saber se teve algum momento marcante ligado ao futebol. Não sei se quando você se descobriu que era palmeirense mesmo, ou um jogo mais importante, ou um momento que você viveu mesmo jogando.

R – Tem. Tem momentos jogando, tem momentos de torcida, tem momentos... A primeira vez que eu fui no estádio.

P/1 – Como é que foi?

R – Eu não lembro o dia específico, mas eu lembro o jogo. Foi Palmeiras e Botafogo, foi em 2013 esse jogo no Palestra Itália. Eu fiquei onde antes da reforma era o setor Visa, aí depois que reformou ali o setor Visa não tinha mais. Mas foi da série B, foi em 2003 esse jogo, foi o primeiro jogo que eu fui. Foi o meu pai, foram meus tios, foram meus primos, nossa, foi a maior festa esse jogo. Foi bem legal, foi a primeira vez que eu fui.

P/1 – Você se lembra da sensação de entrar no estádio, o que você sentiu?

R – Meu olho brilhava. Quando eu soube que eu ia ao estádio eu fiquei acho que quase uma semana sem dormir. O meu pai falou: “A gente vai num jogo”. Aí a ansiedade, nossa! Depois que eu fui eu fiquei mais uma semana sem dormir porque eu queria voltar aquela sensação. Aí daqui eu peguei gosto e começaram a me levar sempre. Minha mãe me levou também já em estádio. Ela não é palmeirense, mas ela já me levou pra fazer surpresa. Jogando teve um momento que foi legal. Eu estava jogando pelo Portela, a escolinha que eu jogava, aí a gente foi fazer um jogo contra o social do time do São Paulo.

Pra mim foi engraçado, né? Aí estava chovendo, tal, a gente foi lá pro Morumbi, um baita de um rolê, sair da zona norte pra ir pro Morumbi. Chegando lá naquela chuva, não parava de cair, a gente entrou pra jogar. Aí tinha um atacante dos caras, sem brincadeira, eu não sou tão alto, eu tenho um e 62, eu era menor ainda, o menino devia bater na minha cintura, ele era pequenininho, mas ele era rápido demais. Aí ele catou, não tinha expulsão no jogo, que era só amistoso, aí ele catou no primeiro tempo, eu lá na área, ele veio e pisou no meu pé com a chuteira. Aí eu fiquei pensando, eu falei: “Que moleque folgado”. Aí ele pegou a bola, eu: “Tuff”. Dei uma nele. Aí eu tomei um amarelo. Aí outra bola ele veio e me tirou de novo, fez uma sacanagem, aí eu fui e dei de novo nele, aí os caras me tiraram do jogo. Aí tipo passou, estava acabando o jogo, o nosso jogador se machucou, o professor falou: “Vai lá”. Aí eu falei: “Ah, beleza”. Eu não esperei, quando ele pegou a bola eu já fui, peguei ele na baiana, faço capoeira, já peguei ele na baiana, já o levei pro canto e enfiei a pancada no menino, só que aí eu: “Melhor não”. Acabou por aí.

P/1 – E da escola, quais são as primeiras lembranças que você tem? Que idade você tinha quando você começou a ir e o que você lembra?

R – Minha mãe sempre me deu uma condição muito boa, eu sempre estudei em escola particular, ela sempre fez um esforço muito grande pra isso e eu sou muito grato a ela por isso. Teve um tempo da minha vida que eu não queria, eu não sei por que, porque os meus amigos não eram nenhum de escola particular, eu não tinha muita amizade dentro da escola particular, essa era a verdade. Parecia que tinha amigos, tal, algum ou outro, mas eu não me adequava, parecia que não era a mesma coisa o pessoal, as conversas. Eu gostava de conversar com o pessoal dali da rua da minha casa, meus primos, que tinham outra vivência. E quando eu conheci o rap foi quando eu estava na oitava série, que aí foi um marco muito grande que eu me afastei praticamente de todos os meus amigos da escola, que ninguém queria saber daquilo e eu era viciado. Eu ia pra batalha, eu inventava pra minha mãe que eu ia pra um shopping, mas eu ia pra batalha de rima. Eu falava pra ela que ia fazer outra coisa, mas ia fazer outras coisas ligadas a rap. Eu não prestava mais atenção pra ficar escrevendo letra de rap na sala. Essa foi uma lembrança da escola. Repeti algumas vezes, tomei muita bronca por isso. Nunca fui um aluno exemplar, mas eu mantive amizade com professores.

P/1 – Você teve algum professor em especial que tenha te marcado?

R – Tenho. Tenho a professora Renata, professora de literatura. Gosto muito dela até hoje, converso com ela ainda assim que posso. Converso bastante.

P/1 – E por que ela te marcou?

R – E também teve um professor de física que era meu primo. Era um motivo pra eu ir bem em física. Ela me marcou porque ela entendia o meu lado de não gostar de exatas, de não gostar... Ela falou: “Entendo que você é de humanas, você é de literatura, mas você tem que aprender”. E também que ela foi uma das primeiras pessoas que catou meus poemas pra ler e pra analisar. Ela entendia esse lado também.

P/1 – Quando você começou a escrever? Na oitava série mesmo, foi isso?

R – Não. Eu comecei a escrever eu não tenho idade, eu era bem novo. Eu sempre, como falei, minha mãe uma pessoa muito sensível, eu puxei esse lado da sensibilidade dela. Então toda vez que eu ficava muito triste eu escrevia. Às vezes não era nem rima, não era nada, mas eu escrevia. Eu tenho lá em casa umas coisas guardadas que eu não sei nem quantos anos eu tinha, mas era bem antes da oitava série, bem antes de tudo. Ainda era naqueles caderninhos, sabe? Que é bem pequenininho o caderninho, caderninho de primeira, segunda série. Tinha uns poeminhas, coisinha besta que eu fazia por fazer.

P/1 – Você lia também? Gostava de ler?

R – Eu adoro quadrinhos. Eu gostava muito de revista, mas com o tempo eu comecei a entender o que era revista, aí meio que parei de ler tanta revista pra começar a gostar de ler livro. Depois que eu conheci a internet também eu gosto muito de ler na internet porque tem muita coisa legal, muito blog interessante, muito site que está dando a notícia verdadeira, né? Que tem muita coisa que é armada, aí você fica... Vou ficar lendo um negócio que eu sei que estão me manipulando? Eu não gosto muito.

P/1 – E de quadrinho você se lembra de algum que tenha sido marcante? Ou o primeiro...

R – O Maurício de Sousa. Todos os personagens dele são fantásticos, ele é um cara fantástico em si. Stan Lee, sou muito fã, a Marvel, tal, tudo os negócios. E daqui específico do Brasil o Zé Carioca. Eu acho que os quadrinhos aí são mais engraçados, em especial a história da Copa do Mundo, quando o Brasil foi tetracampeão, tal, que tem a série do Zé Carioca, ele vem sempre no final das revistinhas dele. Esse é o melhor episódio, que tem que ele vira tipo o mascote da seleção brasileira, aí ele ensina os jogadores a contar piada, tal. Nossa, eu adoro quadrinho!. O Zé Carioca é o meu preferido em si.

P/1 – E quando você começou a ler livro, que você falou que teve um momento que você deixou um pouco a revista e foi pra livro, né? Teve algum livro que tenha te marcado, que tenha sido importante pra você?

R – Tem. Eu até o trouxe, está ali, o Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley. Gosto muito desse livro, estou lendo até ele de novo porque a gente não consegue absorver tudo que o livro está falando.

P/1 – Quando você o leu a primeira vez, você lembra?

R – A primeira vez que eu o li foi no primeiro ano colegial. A primeira vez que eu fiz o primeiro ano colegial, 2010. Depois disso eu li 1984 do George Orwell que segue o mesmo padrão. Capitães de Areia do Jorge Amado, um livro também que me marcou muito.

P/1 – E por que esses livros foram marcantes pra você?

R – O Capitães de Areia, sendo sincero mesmo, quando eu vi que era o Pedro Bala, aí eu falei: “Nossa, Pedro, tal. Esse personagem ser o Pedro e tal, vou ler”. Aí eu gostei da história. Depois eu vi o filme, não gostei muito do filme, prefiro o livro. E livros mais de criança, O Pequeno Príncipe, depois de velho eu parei pra ler, eu achei legal, passa uma mensagem bonitinha, que pra criança é interessante, pra criança crescer lendo.

P/1 – E o Admirável Mundo Novo?

R – Ele é um livro, é complexo, sabe? Pelo menos na minha visão, Aldous Huxley estava vivendo numa época que estava na ascensão da Revolução Industrial, o livro é de 1932. Tem outros livros dele, tem uns antes, tem uns depois. No prefácio desse livro que está comigo ele fala que ele lendo esse livro, ele relendo esse livro não colocaria o grau de precisão numerológico pro padrão da humanidade e tal. Tudo que ele fala nessa época começa a acontecer hoje, você começa a ver que tem coisas acontecendo. Você não precisa nem ir muito longe daqui. Essas manifestações que estão tendo aqui em São Paulo mesmo, polícia impondo o poder, ele fala isso. Quando a população se expande muito, a população cresce muito e gente sem qualificação pra governar essas pessoas estão no poder, o intuito é eles imporem o poder, eles não vão tentar usar a democracia porque eles não são qualificados e se usarem a democracia eles não vão estar ali. Tem muito disso. Outro livro que eu gostei muito foi o A Cabana, do William Young, que é um livro mais religioso que também me marcou muito quando eu li e aí eu fui acompanhando os livros depois dele.

P/1 – Pedro, essa mudança sua da infância pra adolescência, eu queria saber um pouco o que mudou na sua vida. Você já falou um pouco que conheceu o rap e tudo que isso te trouxe, então se você pudesse falar um pouco mais pra gente sobre isso, o que você começou a curtir, o que você começou a fazer em termos de lazer, passeio, interesses. Como é que foi essa mudança da infância pra adolescência? Se você puder retomar então só pra falar dessa relação com o hip hop como é que você acha que ela surgiu e por que bateu pra você, né?

R – O hip hop dá voz aos oprimidos, né? Tem aquele poema do Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor que finge tão bem a dor, que chega a parecer dor a dor que deveras sente”. Como eu disse, eu sempre gostei muito de escrever poema e o hip hop foi meio que a válvula de escape daquela raiva juvenil, daquela vontade de aparecer, todo mundo tem isso determinada época da vida. Já fiz um monte de bobagem, já saí pichando parede, já quis falar que era de torcida organizada pra arrumar confusão, a gente passa por várias coisas durante a vida. Mas no hip hop eu me encontrei. Primeiro eu conheci o rap, aí eu cheguei no Espaço Criança Esperança, que era perto da minha casa, quem me levou no Espaço Criança Esperança foi um amigo meu, o Diego, ele é grafiteiro, a gente sempre morou na mesma rua, estudou até na mesma escola um tempo. Essa camiseta aqui é do grupo dele, eles que fazem e tal. Ele me levou lá, ele falou: “Então, tem um estúdio aqui, tem o pessoal”. Aí eu catei, cheguei no espaço, que eu não conhecia, só passava por lá, mas não sabia o que tinha, não era ali da região, eu era da Freguesia, o Espaço Criança Esperança já fica na Brasilândia. Eu não ia muito pra ali. Aí eu comecei a conhecer o pessoal, conheci o Douglas, que era o cara que operava o estúdio, conheci o Bonga que era o grafiteiro que meio que era o coordenador do espaço que foi o meu melhor professor no hip hop. Um cara que me ensinou muita coisa, que me ensinou o que era hip hop. Foi um cara que pegou, chegou em mim, estava tendo um show ele falou: “Pega o microfone e rima”. Porque eu não queria fazer isso, estava com vergonha, foi a primeira vez que eu peguei no microfone e rimei, foi ele que deu o espaço, ele que mandou eu fazer isso, aí eu fiz.

P/1 – E como é que foi esse momento?

R – Foi um evento que estava tendo lá no espaço. Foi o segundo encontro da juventude, eu não lembro o ano, acho que era 2009 ou 2010. 2010. Aí eu cheguei lá, estava ajudando no evento, tal, queria começar a conversar com o pessoal e é gravado o estúdio que tinha no espaço. Estava tendo uma banda tocando, chamamos um pessoal pra fazer freestyle e eu estava começando a fazer freestyle na época, e eu peguei o microfone e comecei a rimar lá, falei um monte de coisa. Nem lembro o que eu falei, foram muitas rimas depois dessa, eu não faço ideia do que eu falei no momento, mas foi um incentivo maior. Aí a partir dali, daquele espaço, eu comecei a ir às oficinas que ele dava de grafite e assistir a aula dos B-boys. Eu entendia a cultura em si, que o rap era um gênero que representava a cultura, mas não só o rap, o R&B também está ali envolvido também, o jazz, o soul é a raiz do hip hop, mesmo que o hip hop começou na Jamaica depois foi pro Bronx e tal. Então eu fui começando a mergulhar mais fundo, né? Minha mãe não gosta. Minha mãe não gostou muito da ideia. Como eu disse, ela pagou escola cara pra mim, ela tem outra vivência, ela me criou num ambiente totalmente diferente. Até hoje ela, sabe, comenta: “Pô, filho, eu vejo você saindo, tal, fazendo um monte de coisa e não tem dinheiro, não tem nada”. Eu falo: “eu fico feliz por estar ali inserido na cultura participando”. Nossa, eu fico feliz demais quando eu estou num evento. E foi isso aí que me fez eu acho que começar a querer aprender música, porque eu sempre gostei, sempre cantei muito, sempre gostei de caraoquê com o meu pai, fazia muito isso, escrevia minhas músicas. Só que, sabe faltava alguma coisa? Aí quando eu me inseri ali na música eu falei: “Nossa, era isso que estava faltando”” Era basicamente isso.

P/1 – E isso aconteceu no Espaço Criança Esperança? Essa sua...

R – Essa transição toda. Lá dentro. Aí que tinha eventos, tinha umas oficinas de rádio, tinha oficina de produção, tinha oficina de DJ. Eu cheguei até a dar umas oficinas no espaço, de MC. E foi, sabe, foi muito gratificante pra mim que eu saí dali, ali mesmo eu estava podendo mostrar. Isso é MC, MC significa tal coisa, o MC faz isso, a função dele é isso e pra você começar a fazer tal coisa... Conseguia passar um conhecimento. Ou mesmo o cara do Criança Esperança, o Bonga, ele me levou o ano passado, 2013, levou-me pra Fundação Casa pra dar oficina lá dentro. Sabe, é uma coisa muito... É uma reviravolta muito grande, né? Se for ver, se eu fosse o que minha mãe queria que eu fosse talvez eu nunca estaria aqui.

P/1 – Como é que foi essa experiência na Fundação Casa? Conta um pouco.

R – Eu estava no centro procurando emprego, tinha acabado de preencher um formulário, saí desapontado porque tinham me oferecido 600 reais pra trabalhar um período integral. Você sai desanimado, né? Estava ainda começando a faculdade que eu estava realmente... Que eu entrei num curso que eu queria, produção fonográfica, e aí eu estava na porta ali passando ali pela Ação Educativa eu vi o Bonga. Aí ele: “Você está indo onde?” “Eu estou indo pra casa. Estava ali vendo um trabalho, eu não arrumei.” “É? Então entra aí no carro que você vai ali com a gente.” “Pra onde a gente vai?” “Não, a gente vai aí num lugar, tal.” “Então beleza, vamos lá”. O Bonga falou, né? O cara é meu professor, vou falar não pro cara? Aí estamos indo: “Então, onde que a gente vai?” “A gente vai lá na Fundação Casa, tal, vou dar umas oficinas, que não sei o que”. Na hora: “tu tu tu tu tu tu”. E agora? Pra onde que eu vou? Pra onde que eu vou? Vamos lá. Chegamos lá eu nervoso pra caramba, comecei a falar lá no microfone, chamei os meninos, os moleques tudo se juntaram, começaram a rimar também comigo, começaram a curtir, começaram a gritar, começaram a pular, respeitando, sempre o respeito ali, nunca me desrespeitaram ali dentro. Fiz o que? Fiquei umas duas semanas fazendo ali direto. Sabe, você sente... Dá uma autoconfiança... Nada te difere dos meninos a não ser o fato de que um preferiu fazer uma coisa errada. Nada te difere. Você pode morar na mesma região, às vezes é o cara que está ali com você na Vila, está jogando bola com você, que teve uma opção errada e caiu ali na fundação, está ali pagando o que ele fez pela sociedade, né?

P/1 – Teve alguém que você conheceu que tenha te marcado nessa experiência na Fundação Casa?

R – Eu não tive contato com o menino depois, mas teve um moleque lá que chamava Pedro também, morava ali perto da minha casa. Eu passei o contato pra ele, mas ele nunca ligou de novo. Mas era um moleque que tinha a minha idade, parecida, eu estava com 19, 18, 19 e ele tinha 16 pra 17. Sabe, você não vê muita distância. Você fica até pensativo, fala: “Pô, se eu tivesse outro caminho era eu que podia estar aqui”. Você pensa numas coisas assim estando ali dentro.

P/1 – Pedro, você comentou que quando você começou a curtir mesmo, pra valer, o rap, hip hop, envolver-se, você dava umas escapadas na escola, ia fazer batalha e tal. Queria que você contasse um pouco isso, como é que você começou a se envolver de fato, pra onde que você ia? Além do Espaço Criança Esperança tinha outros espaços que você frequentava? O que você fazia? Como é que isso foi se desenvolvendo?

R – Eu conheci tudo mesmo na internet. Eu vi batalha de freestyle na internet. Falei: “Nossa, olha esse negócio. Eu sei fazer isso também. Eu sei fazer”. Eu não sabia, né? Mas crianção, você está ali, você fala: “Eu consigo rimar também, que não sei o que”. Eu fazia isso na escola brincando com amiguinho: “Sangue bom, se liga no meu som...”. E começava a rimar a partir dali com os amigos na sala e acontecia. Tinha uma comunidade que chamava Duelo de Rap. Acho que as minhas primeiras rimas foram assim, rimas mesmo foi ali. Aí depois teve uma coisa que eu conheci chamada Rimologia que era umas rimas que os caras faziam, tinha campeonato no Orkut disso. O Orkut. Era campeonato de rima e lá eu ficava lá batalhando, aí eu conheci o pessoal que ia à batalha do Santa Cruz. Já era conhecida a batalha do Santa Cruz, só que eu não podia ir, minha mãe não deixava eu ir, estava com 14, 15 anos, ela não deixava mesmo. Tinha moleque da minha idade que já ia, eu não podia ir, minha mãe falava que eu não era todo mundo. “Todo mundo vai.” “Você não é todo mundo”. Aí eu falei: “Então beleza. Mãe, eu posso ir ao shopping?” “Pode. Que shopping você vai?” “Vou ali no Shopping Santa Cruz.” “Ah, vai lá. Com que você vai?” “Vou com o meu amigo ali, que não sei o que.” “Então vai lá”. Aí eu fui lá, fiquei só de Miguelinho ali na batalha, os caras gritando: “Aaaa”. Eu falei: “Entrar ali e falar que eu vou rimar os caras vão zoar comigo, vai tirar o maior sarro de mim”. Aí eu não entrei e aí tipo acompanhava os vídeos pela internet, acompanhava os negócios, aí até que um dia eu tomei coragem, fui lá, inscrevi-me, batalhei. Foi a primeira vez que eu catei, dei a cara, falei: “Meu nome é Ordep e eu vou batalhar”. Eu ganhei a primeira e perdi a segunda. Minha primeira batalha, perdi a segunda. Pra mim valeu, foi o passo inicial, foi em 2010.

P/1 – Como é que você se apresentava? Que nome você usava?

R – Meu primeiro de todos foi MC Foca, porque me chamavam na escola de foca. Aí depois eu virei o Liu Fox, que na Rimologia eu precisava de um vulgo. MC Foca não era legal, todo mundo me zoava por isso. Aí Liu Fox eu achei legal até por causa do Sonic que eu jogava com ele, tinha um personagem do Sonic que era o Fox. Eu era seco, baixinho, beleza. Aí eu achei também Liu Fox que era meio ruim, eu precisava de uma coisa mais minha cara, mais... Aí eu lá procurando um vulgo, tal, eu catei e escrevi meu nome ao contrário. Eu falei: “Ordep”. Aí no momento eu falei: “Meu, Ordep só, falar que é meu nome ao contrário, vão me zoar”. Aí eu fiz uma sigla, era: “Outra Razão de Expressar Poesias”. Ficou mais ou menos isso. Só que hoje é o meu nome ao contrário mesmo. Prefiro que seja o meu nome ao contrário do que Outra Razão... Até explicar isso, né?

P/1 – E é assim que você se apresenta hoje?

R – Ordep. É.

P/1 – E aí eu queria saber um pouco a questão da faculdade. Primeiro você foi procurar uma faculdade de música, é isso, né? Quando é que surgiu? Quando é que você pensou vou fazer uma faculdade e como é que você decidiu qual que seria essa faculdade? Que momento?

R – Eu saí da escola, tal, fiz o Enem. Eu queria muito fazer essa faculdade que eu estou fazendo hoje, só que eu não tinha dinheiro pra isso. Minha mãe me ajudou todo o período da escola, ela pagou toda minha escola. Teve desconto, tal, na maioria das escolas que eu passei ela sempre teve desconto porque mãe solteira, né? Ela sempre lutou muito, como eu disse. Aí eu falei: “Não. Eu vou fazer uma faculdade por mim mesmo”. Aí eu fiz o Enem, tirei uma nota boa no Enem, eu falei: “Pô, vou pegar um descontão na faculdade”. Desculpa o palavrão, eu esqueci.

P/1 – Não tem problema. Fica tranquilo.

R – Eu vou pegar um descontão. Cheguei lá na faculdade eles não davam desconto. Aí tentei concorrer o ProUni, eu passaria no ProUni, eu não passei no ProUni porque eu estudava em escola particular. Aí eu estava perdido, né? Estava já triste, eu não sabia o que eu ia fazer, aí um amigo meu virou e falou: “Meu, estou sabendo de um negócio ali, faculdade de graça de música. Vem comigo.” “Faculdade de graça? Eu vou lá ver”. Cheguei lá, pelo que me falaram era uma faculdade de graça, mas olha qual é o esquema. Da Uniesp, não sei se já conheceram essa faculdade, faculdade ali no centro, ela é uma faculdade estatal, entenderam? Estatal. É. Eu entrei, eles faziam Fies no seu nome, você faz um Fies, um financiamento e você pagava com serviço comunitário. Eu nessa falei pro meu pai, o meu pai falou: “O que? Eu também vou nessa aí e tal”. E entrou. Entramos eu e ele na mesma sala pra estudar música. Meu, foi o maior barato! A gente na sala parecia dois moleques, ficava zoando os outros. Esse cara que me indicou canta rap também, o Murilo, Murilo SBC, mora na zona norte também. Ele entrou com a gente, só que ele saiu. Aí eu fiquei pensando, pô, a faculdade superfaturou o curso, se eu for pra Anhembi-Morumbi que é o curso que eu sempre quis fazer, eu vou gastar menos no financiamento e vou estudar o que eu quero. Eu fiz isso aí, eu já estava com a corda no pescoço. A corda estava no pescoço, eu catei uma lupa e comecei moldar, desfiar a corda, né? Aí eu estou aí. Daqui a um ano eu me formo.

P/1 – E qual é o curso que você faz hoje?

R – Produção fonográfica. Produção musical, né? Que é a parte de microfone, a parte de captação de estúdio, show, tudo, que é o que eu gosto de fazer. O rap, por eu cantar rap eu não tinha base pra cantar as minhas músicas, aí eu comecei a fazer minhas bases, isso já me deu uma autossuficiência, deu uma moeda de troca praticamente, porque muita gente precisa de base, todo rapper precisa de base pra cantar. Aí eu conheci um monte de gente que precisava de base também. Produzi alguns trabalhos. Com 15 anos eu produzi o meu primeiro trabalho, foi o Sem Pedir que foi um disco inteiro do Rodrigo Mendonça que hoje mora no mesmo prédio que eu, casou e mora lá.

P/1 – E como é que foi essa experiência? Conta um pouco mais pra gente.

R – É que, meu, tem muita experiência... O Rodrigo...

P/1 – Vocês se conheciam da rua? Ele te chamou pra produzir o disco, como é que foi?

R – No Santa Cruz eu conheci um cara que chamava Scott, Reinaldo Scott. Esse Scott foi também um grande professor pra mim, ele me ensinou as malícias da rima, tal, mostrou muita maldade do mundo, ensinou-me vender. Até pouco tempo atrás eu estava trabalhando com vendas, quem me ensinou a vender foi o Scott. Ele me apresentou o grupo de rap Duck Jam e Nação Hip hop que era um pessoal dali de onde eu moro, do Guaimim mesmo, da Freguesia do Ó, apresentou-me o pessoal. E nesse pessoal ele me apresentou o Rodrigo Mendonça que era um cara que na época postava no blog coletivo MTV e tal. Aí ele estava escrevendo o disco dele, eu estava com as bases, eu tinha 15 anos, eu vendi um disco inteiro pra ele, eu acho que tem 20 músicas, 16 músicas, 300 reais. Hoje eu cobro 300 reais em três bases. Sabe, mudaram as coisas, mas foi o primeiro passo, um dos primeiros passos. A gente produziu o disco pelo MSN, eu mandava as bases, ele ouvia, aí ele falava: “Eu quero que você mude tal coisa, mapeie de tal forma” eu ia fazendo isso. Foi assim que foi.

P/1 – Você fazia no computador a base?

R – É. O computador que funcionava até um mês atrás. Um computador de 2005 funcionava até um mês atrás, aí eu montei um Frankenstein agora, peguei outro computador pá e montei, superpotente.

P/1 – Essa grana que você ganhou nesse primeiro trabalho, você lembra como é que você gastou? Foi o primeiro dinheiro que você ganhou com trabalho?

R – Com rap... Não, ganhava alguns cachezinhos tipo dez contos, 20 contos, tal. Mas essa aí foi inteira pra pagar minha cirurgia do siso. Foi isso, foram uns trabalhos de cambista que eu fiz na época vendendo ingresso de show, vendendo CD, tal. E minha mãe falou, meu, eu estava com aparelho, usava aparelho, tal e o eu siso estava saindo. Aí ia desregular tudo, ia quebrar tudo. Aí a dentista falou: “Bom, fazer, mas são 300 paus cada siso”. Aí eu peguei esse dinheiro, peguei outro dinheiro, minha mãe ajudou também e foi tudo pra pagar o siso. Nem vi a cor do dinheiro.

P/1 – E esse trabalho de venda que você falou que você aprendeu era esse trabalho meio de cambista, é isso?

R – Não. Eu estava vendendo, estava trabalhando com assinatura de revista ano passado. Trabalhei na Bienal, trabalhei um monte de evento grande. É um trabalho muito esforçado, digno, mas eu... Não tem um teto, não tem um piso, então você ganha o que você vende, aí às vezes você não está muito bem assim, você tem que estar com a cabeça boa pra vender. Às vezes você está meio perdido, você está meio triste você não vai render igual você renderia num dia no pique, sabe? Você tem que ter aquilo senão você não ganha, senão você não chega no fim do mês nem com o suficiente pra você pagar a sua passagem.

P/1 – E você trabalhou quanto tempo com isso? Você continua trabalhando com venda?

R – Não. Eu fiquei em média eu acho que uns cinco, seis meses. Trabalhei o ano passado de auxiliar de almoxarifado. Ano retrasado eu fiquei um pouquinho no Habib’s de auxiliar de cozinha. Já trabalhei com telemarketing. Isso aí basicamente.

P/1 – E desses trabalhos todos que você fez teve alguma grana que você ganhou que você conseguiu comprar uma coisa que você queria?

R – Sim. Com auxiliar de almoxarifado eu comprei uma controladora pra mim, uma MPK. Foi isso basicamente. E resto eu fui parcelando, fui juntando um daqui, um dali e fui comprando. Mas esse foi legal que eu entrei na loja, falei: “Eu quero aquela ali e tom”.

P/1 – Conta um pouco como é que é a experiência na faculdade agora que você está fazendo o curso que você quer. Como é que é esse curso? Como é que é a experiência na faculdade mesmo com colega, com professor?

R – Faculdade é da hora, né? É um mundo muito louco. Muita gente que você fala: “Nossa, eu realmente, meu, quero ficar aqui o resto da minha vida”. Você vê um monte de gente jovem, um monte de menina bonita, uma pá de gente pra caramba, que lugar legal. O ruim da minha faculdade é que não tem bar. O ruim ou o bom, né? Tem os dois lados da moeda. Se tivesse um bar talvez eu estaria bem pior. É legal que você entra numa sala que todo mundo quer a mesma coisa. Todo mundo ali está querendo viver de música, a maioria ali toca, a maioria ali produz, a maioria ali canta, a maioria se produz. Você encontra vários caras que podem... Igual, tipo, eu montei o meu computador pegando peça de computador velho e montando um computador bom com aquele. Você pega vários caras que têm um sonho e monta um sonho gigante, sabe? Sonhar grande é a mesma coisa que sonhar pequeno, você não paga nada pelos dois. Então se você está sonhando... O meu sonho pessoal, particular, era poder viver de música, não ser um artista estouradão, tal. Mesmo tendo grupo, mesmo cantando eu acho que eu não seria o cara pra estar ali, meu negócio é ficar no bastidor produzindo. Eu gosto mais de produzir do que de cantar, tem isso. Isso que é legal, você entrar num lugar que tem um monte de gente assim. Geralmente o pessoal quer ser artista, quer estar ali na frente da câmera, quer estar ali conversando com o Faustão, tal, falando um negócio.

P/1 – Você tem um grupo hoje?

R – Eu tenho dois projetos.

P/1 – Fala um pouco.

R – Começou um que foi formado na batalha do Santa Cruz, que começou como FDP. Todo mundo pensa: “FDP, palavrão...”. Não. Chama Fora dos Padrões que começou com... A ideia era o Chaveiro, o Lucas, Lucas Orishima ele é japonês, e eu, a gente montou o grupo, a gente era amigo do Santa Cruz, montou o grupo no MSN mesmo. Todo mundo usava o MSN. Todo mundo fala de Whatsapp hoje, mas antes era o MSN, era um negócio legal, todo mundo falava por ele. Eu tinha até contato com cara de fora do país, eu tenho contato com um cara de fora do país que eu conheci no MSN, isso é bem legal. Aí o Lucas a gente falou: “Vamos fazer um grupo.” “Vamos”. O Scott que deu a dica, o Scott foi o MC que eu conheci lá. E aí a gente montou o grupo e eu chamei um amigo meu dali perto de onde eu morava e ele chamou o Kevin. O amigo meu de perto de onde eu morava ele é meio ruinzinho, ele não rimava muito bem, a gente quicou ele e ficamos só nós três. Aí com o tempo a gente precisava de um DJ, eu chamei um amigo meu que já fazia uns riscos pra mim, que era o DJ Rua, que mora bem perto do Kevin e muito próximo do meu pai. Então agora a gente fica ali. Agora mudou o nome do grupo, não é mais FDP, agora chama Área 55.

P/1 – E vocês se apresentam? Como é que vocês divulgam o trabalho de vocês?

R – Ainda não estamos apresentando. A gente se apresentou bastante como FDP, mas agora a gente tá produzindo o nosso primeiro disco. Está sendo fabricado.

P/1 – Tem nome já?

R – Não. Ainda não tem nome o álbum. Talvez chame FDP mesmo pela raiz. A primeira coisa que a gente pensou em fazer foi o FDP, talvez o disco chame FDP.

P/1 – E o outro projeto? Você falou que tem dois, né?

R – É o Projeto Essência. Aí já é com o Beto Cruz, que é um amigo meu, que mora bem perto de mim ali na Cruz das Almas também, na Freguesia do Ó. Ele é um cara muito legal, a família dele inteira gosta do rap. Um cara do meio. Sempre estudou muito rap, cresceu ouvindo rap praticamente e ele começou a rimar há pouco tempo atrás e quando ele começou a rimar eu fiquei muito feliz, porque a primeira música que ele escreveu, ele me chamou pra participar. Aí eu catei, fui lá na casa dele, tal, a gente trocando ideia, escrevia a letra no verso de uma capa de livro, aqueles livros, sabe, que tem a capa brancona, inteira branca. Escrevi a minha parte da letra ali, aí a gente falou: “Meu, como que vai chamar o projeto?” “Não sei. A gente quer preservar a essência, então Projeto Essência”. Ficou. Está aí até hoje. Vamos ver se vai mudar o nome, mas a gente também está na produção do primeiro disco. O FDP demorou muito tempo pra gente lançar alguma coisa, mas agora é certeza que vem. O Projeto Essência a gente começou a se formar agora, mas também vem o trabalho que já tem bastante música gravada.

P/1 – E com o seu pai você já fez alguma coisa ou vocês trocam gosto, referência, como é que é? Queria saber como é que é essa relação musical com o seu pai, se vocês, enfim, já fizeram alguma coisa juntos ou se curtem um som juntos, se trocam referência, se ele conhece o teu trabalho e gosta.

R – Ele é o cara que mais me dá força. Ele me ajuda muito, ele me ensina muito muita música. Às vezes, não um professorzão mesmo, mas só de conversar referências, tal. Ele é praticamente a biblioteca que eu tenho. “Pô, pai, estou procurando uma música que tenha um baixão, tal, um trambonão”. Aí ele cata, pensa um pouco: “Procura tal cara”. Eu vou lá, procuro, pesquiso, vou atrás das músicas do cara e é aquilo mesmo. A gente troca bastante figurinha. Agora que ele está estudando, tal, eu quero gravar as músicas dele, porque meu pai também é compositor. Ele tocou já bastante, tinha banda, tal, como eu disse, tocou já em barzinho e tal, essas coisas, e ele compõe as músicas dele. Eu quero gravar as músicas dele, lança-lo como artista, é um passo que eu tenho. Quando fixar o estúdio a gente faz isso aí.

P/1 – Fala um pouco do teu trabalho... Antes queria perguntar um negócio da sua mãe, ela já te viu numa batalha ou com o seu grupo?

R – Ela já viu um vídeo. Pode terminar, desculpa.

P/1 – Não, desculpa. Eu queria saber se ela conhece o teu trabalho.

R – Conhece. Ela até me indica, tal, tenta me dar uma força pra arrumar emprego fixo, porque ela é publicitária, ela trabalha no meio com produtora de som, uns negócios, ela tenta me ajudar nessa parte. Ajudar nessa parte, não, ajuda em tudo na verdade, eu sou eternamente grato a minha mãe. Eu acho que ela nunca me viu assim eu fazendo um show meu, ela nunca viu. Ela já até foi, mas ela precisou ir embora que ela estava com o pé machucado. Mas, caso contrário sempre que eu tenho alguma coisa, que eu gravo uma música eu vou lá mostrar pra ela. Eu tenho uma coisa comigo que é assim, se eu não puder cantar uma música minha na frente da minha mãe eu não posso cantar na frente de ninguém. Se minha mãe não puder ouvir minha música não é uma música que eu vou lançar. Eu penso dessa forma. Eu posso falar do que for, eu posso falar de droga, eu posso falar de mulher, eu posso falar o que for, eu vou mostrar pra minha mãe a música. Ela vai falar: “Nossa, é forte”. Que é o jeito que ela fala: “Nossa, é forte heim, filho”. Mas eu falo: “A senhora ouviu? A senhora aprova?” “Eu aprovo.” “Então está bom”. Então eu estou com consciência tranquila, pode vir crítica que for, minha mãe gostou da minha música eu estou bem.

P/1 – Fala um pouco pra gente como é que é o seu trabalho. Você faz base hoje, né, você falou, é uma das coisas que você faz, vende até e tal.

R – Vendo as bases...

P/1 – Como é que é esse processo de trabalho, de referência?

R – Eu gosto de samplear que chama a técnica. Você cria uma base, uma música a partir do sample. Vamos supor, você pega uma música, um exemplo claro Tim Maia Ela Partiu: “Ela partiu...”. Aquela trilhazinha que o Racionais catou, o KLG “lupeou” aquilo, aquilo lá é um sample, mas isso tem várias formas de trabalhar. Fora do país trabalham de formas diferentes, tem uma técnica que você recorta a música inteira e vai remoldando uma música com aquela outra. Tem a técnica que você cria tudo desde o zero com instrumentos virtuais ou tocando instrumento. Então cada música é uma história, né? Cada base ali é uma história, algumas vão ter uma criação parecida, tal, mas sempre segue nesse padrão, quatro por quatro, que são os quatro compassos, quatro por quatro. O rap tem aquele negócio do peso, música pesada, base pesada pra bater, tal, tem uns raps mais calmos. Eu preservo os raps pesados, eu gosto bastante, mas não só rap, eu sou eclético, ouço de tudo, então não tenho preconceito nenhum com música, aliás. Tem algumas que eu não gosto, música ruim eu não gosto, mas se a música for boa eu ouço.

P/1 – Você toca alguma coisa também de instrumento?

R – Assim, tocar não. Eu estou aprendendo teclado, estudando teclado, estudando um pouco de violão. O básico, né? Teclado, violão, flauta doce. Estou começando agora.

P/1 – Queria saber se você ou recitaria ou cantaria um pedacinho de alguma coisa sua pra gente.

R – Uma música?

P/1 – É. Ou pode ser recitar uma letra, não sei, alguma coisa tua que você curta. Pode ser atual, pode ser mais antiga, uma coisa que tenha sido significativa.

R – Eu vou cantar uma bem significativa. Chama Val 2014, é uma que eu fiz pra minha mãe (cantando): “Haja o que houver eu sempre serei o seu filho, me ensinou a voar como pássaro, saio do ninho. O mundo é sujo demais, não me deixe sozinho. Haja o que houver do seu lado estou protegido. Eu te amo rainha, mãezinha, a dimensão do meu amor jamais se explicaria, mas está acima, a todos os demais nossa proximidade é tanta, nos torna iguais. Durante a vida aprendi que sentiu as minhas dores, me ensinou que armas também são empunhadas por flores. Você é tão forte, ao mesmo tempo tão frágil, humana, batalhadora, nunca teve a vida fácil. Lutou, conseguiu seu espaço nesse escasso campo de batalhas que condena fracos. Muitos cacos e todos juntados, bem guardados pra que sirvam de aprendizado. Sou eternamente grato, profundamente chato, mãe. Você me conhece, deu os defeitos inusitados, mas estamos distantes e nos vemos todo dia, dormimos separados por paredes de alvenaria. Talvez essa distância o seu filho causaria por crer em alguns ideais cheios de hipocrisia. É, mãe, eu ainda nem peguei o ônibus, saí andando a pé me perguntando pra onde eu fui. Haja o que houver eu sempre serei o seu filho, me ensinou a voar como pássaro, saio do ninho. O mundo é sujo demais, não me deixe sozinho. Haja o que houver do seu lado estou protegido”.

P/1 – Que legal. Você cantou essa pra ela?

R – Eu gravei e mostrei.

P/1 – E como é que foi?

R – Ah, ela gostou. Mandei no Whatsapp pra ela. Falei: “Mãe, ouve isso aí”. Ela gostou, tal.

P/1 – Nem pessoalmente, pô.

R – Oi?

P/1 – Você não mostrou pessoalmente pra ela?

R – Mostrei. Às vezes eu ponho pra tocar lá em casa. Ela gosta muito de música também. Eu sou muito grato a minha mãe porque ela me enriqueceu muito de cultura. Como ela é publicitária eu sempre fui muito a show. No primeiro show que ela me levou na vida que me marcou muito foi o do Bruno e Marrone no Vila Olímpia que tinha. Nossa, aquele show... Que eu sempre gostei muito de todo tipo de música e sempre que tem um show legal... Ó, show que eu e ela já fomos juntos, Bruno e Marrone, Roupa Nova, do que foi o ano passado aqui, uma banda de rock, Deep Purple. A gente foi no show do Deep Purple. Sabe, muita riqueza cultural. A criação que ela me deu foi uma formação cultural muito grande que eu sou muito grato por isso. Eu acho que o gosto por leitura... Meu pai também é um cara muito inteligente nesse aspecto, por música principalmente. Esse berço que eu tive, foi um berço de ouro nesse aspecto. Em todos os outros aspectos também porque eu não posso reclamar de nada na minha vida.

P/1 – Eu quero falar um pouquinho contigo agora sobre a questão do Espaço Criança Esperança, a gente entrar um pouco mais nisso, tudo bem?

R – Beleza.

P/1 – Antes só queria perguntar uma coisa pra fechar, da sua vida mais pessoal, se em algum momento até hoje você teve nesse lado afetivo alguém que tenha sido mais significativo ou especial. Vivido uma paixão.

R – Na minha vida inteira?

P/1 – É.

R – Tipo a vida inteira, uma pessoa só?

P/1 – Não. Se teve alguém que...

R – Que não seja da família você quer dizer?

P/1 – É. Que você tenha tido um envolvimento amoroso, teve alguém que seja mais significativo que você lembre. Se você achar que vale a pena trazer uma grande paixão.

R – Sim. Os amigos, né? Eu acho que eu não vou citar nomes pra não esquecer. Eu acho que amigos eu tenho poucos amigos, amigos. Eu conheço muita gente, mas amigos de verdade eu tenho poucos, que eu acho que todo mundo é, aquelas pessoas que você realmente conta. Eu sou eternamente grato a eles porque eles entendem a gente. Às vezes eles nem aprovam muito o seu jeito, mas eles estão ali, eles entendem você, eles te ajudam. Acho que aos meus amigos, gratidão.

P/1 – E essa questão então, pra gente entrar um pouco na questão do Espaço Criança Esperança, quanto tempo você frequentou esse espaço?

R – Eu cheguei lá em 2009, 2010 praticamente. Aí em 2012 eu tive a oportunidade de trabalhar lá. Nesse tempo inteiro de 2010 a 2012 eu sempre no lugar, sempre fui aos eventos, nas oficinas, no dia a dia. Aí em 2012 no segundo semestre o Douglas virou supervisor, que era o cara do estúdio, ele virou supervisor, entrou outro cara lá, o David, David Maderit, que é um cara muito legal também. Aí o David ia sair de lá e ele me indicou pro lugar dele, pra tomar conta do estúdio. Aí eu fiquei lá um tempo tomando conta do estúdio, que foi o tempo que no começo de 2013 eles começaram a quebrar tudo lá pra reformar, que hoje tem uma reforma bonita fizeram lá, pista de skate e tal. Onde era uma pista de skate era uma piscina, as quadras eram descobertas, onde tinha o ginásio lá era quadra lá embaixo. O campo bonitão que está lá hoje era um campão de areia, tal. Muita coisa mudou, ficou muito bonito lá, ficou um lugar... É uma ferramenta cultural aquele lugar, que tem um miniteatro, tem pista de skate, quadra, ginásio poliesportivo. Lugar na comunidade é muito legal, né?

P/1 – Quanto tempo você trabalhou lá?

R – Eu fiquei não foram nem seis meses. Foi o segundo semestre de 2012. Eu acho que foi a partir de setembro, outubro que eu comecei, que eu cheguei lá só pra tomar conta desse final, aí virou o ano, trocou a coordenadora, tal, aí eu saí. Eles dispensaram todos os oficineiros, os monitores, os professores, que lá tinha uma equipe que tinha mais de 30 educandos... Educadores, né? Dispensaram todo mundo, que ia reformar o lugar.

P/1 – E qual que você acha que é a importância desse espaço pra comunidade? O que traz pra comunidade de importante? O que muda você acha na vida das pessoas que frequentam?

R – Ah, uma mudança... Se a pessoa souber absorver. Tem determinado tempo da nossa vida, não sempre, em algum determinado tempo da nossa vida a gente tem que ser uma esponja, né? Você absorver as coisas. Por mais que seja ruim ou boa você tem que absorver aquilo, porque se você absorve a coisa ruim você vai saber que aquilo é ruim, então você não vai querer absorver de novo. Quando eu comecei a frequentar lá tinha oficina de grafite, tinha oficina de B-Boy, tinha aula de capoeira, tinha aula de circo, aula de informática, biblioteca. Tinha muita coisa. Era um lugar cheio de atividade. Tinha campo de futebol, tinha futebol, tinha vôlei, tinha danças, teatro. Então era um lugar muito vasto de cultura pra todos os lados. Sempre tinha evento, pelo menos uma vez por mês tinha algum tipo de evento. Pro pessoal ali da região que frequentava o lugar, deve ter vindo até um pessoal pra cá, o James chegou a vir aqui?

P/1 – Não sei. Eu não entrevistei, mas talvez ele tenha vindo.

P/2 – James? Acho que não

R – O Neném, James, um cara altão, moreno, joga basquete.

P/2 – Ah, jogador de basquete? Veio.

R – Então, ele foi um cara que começou lá com a gente.

P/2 – Veio ele e a Débora.

R – Então, são duas pessoas lá do espaço. A Débora jogou em time, tal, o Neném também. O Neném foi pra fora do país mexer com hip hop. Então, sabe, uma coisa muito rica culturalmente tinha dentro daquele espaço. Vaidade ficava lá embaixo nesse momento. Quando as pessoas vão ficando mais velha parece que... Quando as pessoas criam relação, criam... Parece que perde a troca. As pessoas começam a se conhecer elas não querem demonstrar sentimento uma pela outra, isso acontece muito e não só ali, no mundo inteiro, nos relacionamentos em geral eu percebo isso. E aquele lugar era praticamente o desafogo, foi uma grande escola pra mim. Que era muito engraçado, eu estudava em escola particular lá, tive aula no meio dos playboyzão, quando lançaram IPhone, nossa, meu Deus, a escola inteira tinha essa porcaria. Hoje depois que já tem o seis eu consegui o três com muito suor. Beleza, está aqui, não vou ficar pagando de coitado, não tem nada a ver com isso, mas era uma vivência muito diferente, o que eu vivia na escola e o que eu ia pra lá pra ver, sabe? Às vezes na escola você conhece os caras de sempre, às vezes eu estava lá, chegava um moleque diferente, um moleque lá do meio da favela que, meu, rimava pra caramba, que jogava bola pra caramba, que era legal pra caramba comigo, nunca me tratou mal, nunca me desmereceu. Que tem cara que desmerece, tem cara que fala: “Playboy não vale a pena”. Tem cara que é assim, mas tem também do outro lado que é assim e quem começou tudo foi o outro lado, foi o pessoal que tem grana, você tem que entender isso. Eu, não sei não, todo mundo percebe isso que acontece. Se tem respeito de todas as partes tudo fica bonito, tudo acontece, tudo flui, mas se não tem, fica um pé atrás aqui, um pé atrás aqui, fica aquele atrito no meio. E lá não tinha isso, lá era um lugar totalmente... Era tipo uma ilha, sabe? Uma ilha que você ia lá pra conversar. Às vezes eu não tinha o que fazer em casa, sabe, você chegava do curso, que eu fazia curso de inglês, eu chegava do curso era tarde já. Tarde, oito horas da noite, minha mãe não deixava mais eu ficar tanto tempo na rua, ela achava perigoso, ainda mais ficar pro lado da Brasilândia que ela não gosta, minha mãe em si. E eu ficava lá rimando, ficava lá encostado com os meninos batucando e todo mundo rimando, todo mundo conversando. Isso valeu muito mais a pena pra mim do que às vezes estar ali na rua aprontando, querendo ficar fazendo um cinco e o cinco em mercado que é coisa de moleque fazer isso. Isso foi muito grato pra mim, muito útil, ensinou-me a ter mais humildade como pessoa.

P/1 – Pedro, falando especificamente sobre o Criança Esperança, queria saber o que você sabe do Criança Esperança, como é que você conheceu o projeto e o que você sabe sobre o Criança Esperança, sobre o trabalho que o Criança Esperança faz de uma maneira geral.

R – Eu conheci através do Diego que me levou lá pra eu começar a gravar minhas músicas no estúdio que tinha lá dentro, tinha um estúdio audiovisual. Agora no atual espaço tem um estúdio de ensaio, lembrando, todos vão lá pra ensaiar, estúdio aberto, bem legal. Toda sexta-feira tem um dumb na pista de skate. Quando eu cheguei lá eu achava que o espaço era Globo, mas eu fui descobrindo que não era bem assim, tinha a participação da Prefeitura, tal, quem coordenava aquilo era o Sou da Paz. Pelo que eu entendi do espaço a parte administrativa, as doações que a Globo recolhe pro Criança Esperança eram divididas entre os espaços Criança Esperança do Brasil em parceria com a Prefeitura pra administrar os espaços. É isso que eu conheço por aquilo ali. E quando tinha algum projeto de destaque, alguma coisa assim, eles levavam até o setor televisivo.

P/1 – E pensando no projeto Criança Esperança como um todo, se você acha que tem... Que importância você acha que isso tem pra organizações que fazem esse trabalho mais social, esse tipo de apoio e esse recurso? Pensando no espaço que você conhece, mas de uma maneira geral pra sociedade.

R – Eu acho que é extremamente necessário. Seria importante ter uma casa de cultura em cada bairro, ter uma biblioteca em cada bairro, um sarau em cada bairro, uma atividade cultural em cada bairro. Às vezes nem sempre tem. Ali a gente tinha tudo isso, tinha oficina, tinha aula de circo, aula de capoeira, aula de futebol. Tinha tudo. Hoje não tem mais isso lá. Hoje tem uns eventos que acontecem de sexta-feira. O dumb agora tem. De vez em quando tem evento lá dentro, eu acho que voltou... A capoeira está tendo de novo, muay thai está tendo, mas os professores não estão sendo remunerados, isso aí é uma coisa que... Como o Sou da Paz está saindo dali, eu já estou sabendo disso, que eu acho que se pá já até saiu dali do espaço.

P/1 – Como é que é a sua relação com o Sou da Paz?

R – Eu não tenho relação nenhuma.

P/1 – Você conhece por causa do Espaço?

R – É. Eu conheci a Bia, que ela era coordenadora lá com o Fernando e aí eles... Eu frequentava lá, quando vi que reformou eu comecei a ir lá e eu comecei a conversar com eles. Aí a Bia falou: “Nossa, tem o Museu da Pessoa, tal, eu acho que seria legal você ir, você tem uma experiência com o espaço. Cada um tem uma vivência, cada um tem várias histórias diferentes aqui dentro”. E é tipo essa a relação que eu tive. Tive uma relação profissional de pouco tempo, que mudou...

P/1 – Que foi esse tempo que você cuidou do estúdio, ou não?

R – É.

P/1 – Foi, né?

R – Que foi muito útil pra mim. Eu gravei grupo de samba, eu gravei um rapaz que grava os pontos de umbanda dele e eu achava muito louco, falava: “Meu, que da hora Cada dia uma coisa diferente”. Uma banda de rock, aí eu levava os caras pra gravar, cara que eu fazia a base, aí o cara comprava a base comigo, eu falo: “Amigo, pode vir que eu gravo você”. Fazia isso lá. Aí, tipo, não estou negociando dentro do espaço, eu negociava fora e usava o espaço pro cara poder gravar a música dele. E isso aconteceu. Eu perguntei se eu podia fazer isso, falaram que eu podia, mas eu não podia negociar dentro do espaço, não podia vender gravação, isso não existe ali que é um estúdio comunitário. Era isso. Essa que era a relação com o Sou da Paz. Aí depois quando eu saí. Quando eu saí eu acompanhei só o que faziam, vi algumas coisas. Eu vi que o Sou da Paz depois de um tempo, eu estava lendo, ele foi uma iniciativa do Paulo Lemann, né? Jorge Paulo Lemann. Aí eu comecei a pesquisar mais, foi tipo... Eu não lembro o nome do cara que deu o projeto pro Paulo Lemann, ele abraçou o projeto e expandiu esse projeto, colocou na mídia de parceria com a Globo, essas cosias. Aí eu comecei a entender mais por esse lado, que a gente vai ficando mais velho a gente vai estudando. Eu vou me formar agora e eu quero estudar outras coisas também. Eu acho que só uma formação hoje, tipo, você tem o mundo, né? Eu quero estudar, morrer estudando se possível.

P/1 – Tá bom, Pedro. Eu vou encaminhar pro final então.

R – Beleza.

P/1 – Mas antes eu tenho duas perguntas finais, quero saber se o Lucas quer te perguntar alguma coisa.

P/2 – Então, é só uma rapidinha, sobre o Palmeiras se você tem alguma relação na torcida até hoje, se você ainda vai lá assistir muito.

R – Eu sou fanático. Eu fui à despedida do estádio, do Palestra, eu fui na estreia do estádio, nas duas estreias. E esse paulista aí eu já renovei o meu plano pra ir a todo jogo. Eu não sou de torcida organizada. Eu tenho carteirinha da Mancha, cheguei a fazer carteirinha na TUP também, mas eu não gosto. Eu sou Palmeiras, não sou torcida organizada. Acho linda a festa deles, não sou contra, mas eu sou Palmeiras.

P/2 – Hoje você falou que você começou a ir à rinha lá da Santa Cruz e tal, e hoje por onde você anda? Onde você está andando? O que você gosta? Quais são os saraus que você...

R – A Santa Cruz eu ia muito à rinha dos MCs que o Criolo administrava o projeto e tal, cheguei a batalhar lá e tal. Hoje eu estou parado de batalha, vou a eventos regionais ali perto de onde eu moro. Dei uma desanimada do meio do rap, sabe, ficar batalhando lá. Eu acho muito válido, uma evolução muito grande, mas os eventos que eu comecei a gostar de ir começou meio que a se diversificar. Eu comecei a ficar mais velho, não sou tão velho, eu vou fazer 21, tenho 20, mas parece que eu vou ficando mais careta com o tempo. Não gosto mais de ficar indo em balada. Antes eu adorava ir pra uma balada, ficar lá virando noite lá ouvindo música, tal. Hoje não. Hoje se eu puder ir num um show, 11 horas da noite eu estar em casa, beleza, eu vou fazer isso aí. Se eu puder ir num sarau eu vou no sarau. Se eu quiser ficar lá a madrugada na frente de casa, tem um barzinho na frente da minha casa, com o pessoal conversando, jogando sinuca, bebendo cerveja. Tranquilo, essa vida eu também vivo. Aquele negócio de holofotes, caminhando sempre pro outro lado mais calmo, estou gostando mais disso.

P/1 – Vou fazer então a penúltima pergunta que é quais são os seus sonhos hoje.

R – O meu sonho. Espero me formar. Espero não, vou me formar. Eu quero conhecer mais o Brasil e também fora. Eu tenho um que é conhecer a Europa em si. Os Estados Unidos eu não faço tanta questão. Se eu tivesse a oportunidade de ir, lógico que eu iria, mas se eu pudesse pagar, se eu fosse pagar pra escolher um lugar pra ir é a Europa. Eu gostaria de conhecer ali a região, estudar o inglês mais profundo, outros idiomas, que eu gosto de aprender outras línguas tipo na forma autodidata mesmo baixando lá o negócio da internet, vendo como falar tal coisa, acho legal. Gostaria que a minha irmã tivesse um futuro legal também, que ela pudesse ter a oportunidade de fazer uma faculdade. Sonho, acho que... Sonho com o meu grupo, com os dois projetos, com os dois projetos com sucesso, com disco. Não sucesso eu digo sucesso de bilheteria, sucesso de venda. Não. O disco lançado, trabalho na rua, são sonhos que vão ser cumpridos daqui a pouco, tomara. Trabalho na rua. Também queria que a minha mãe tivesse vida eterna.

P/1 – Acho que todo filho deseja.

R – Pelo menos até quando eu morrer, né? É só isso. Eu acho que esses são os meus sonhos. Não é nada tão brilhante. Conhecer algumas partes do mundo e lançar, colocar os projetos na rua.

P/1 – E por fim como é que foi contar a sua história? O que você achou da entrevista, da experiência?

R – Ah, legal. Legal. Meio válido. Eu nunca dei... Ah, já sim. Eu saí num livrinho do Sou da Paz uma vez. Entrevistaram lá no espaço mesmo, nem lembro que ano foi também. Quem fez foi outra Beatriz do Sou da Paz. Legal, uma experiência válida, espero que... Não sei se tem bastante gente que acessa, não sei como que é. Eu acessei, eu achei bem legal, várias histórias diferentes, eu até fiquei procurando o James, fiquei procurando mais gente, mas não achei. Eu achei ninguém que eu conhecia, aliás. Eu achei bem legal, pra somar, né? São várias histórias que formam um museu e eu fico feliz em participar. Bem feliz. Agradeço também a oportunidade de estar aqui.

P/1 – A gente que agradece, Pedro. Obrigada. Então a gente encerra agora.

FINAL DA ENTREVISTA