Meu nome é Diomedes Cesário da Silva. Nasci em Orlândia, interior de São Paulo, em 16 de abril de 1949.
PAIS
João Cesário da Silva e Mafalda Massarioli da Silva. Meu pai é do interior lá de Pernambuco. Uma cidade chamada Bonito; ele migrou para São Paulo sozinho. A idade... ele tinha alguma...Continuar leitura
Meu nome é Diomedes Cesário da Silva. Nasci em Orlândia, interior de São Paulo, em 16 de abril de 1949.
PAIS
João Cesário da Silva e Mafalda Massarioli da Silva. Meu pai é do interior lá de Pernambuco. Uma cidade chamada Bonito; ele migrou para São Paulo sozinho. A idade... ele tinha alguma coisa próximo aí de 18, 20 anos. Alguma coisa assim.
Olha, eu acho que ele, como todo, quase todo nordestino, busca assim, uma perspectiva de uma vida melhor, né? E acho que era aquele período também da Revolução de 30, então aquela história de se alistar para fazer parte de uma, sei lá, ou de alguma aventura ou de alguma coisa que ele achava que para ele era uma coisa importante. Assim, ele veio e acabou se engajando na polícia. A Polícia Militar do Estado de São Paulo. Não sei nem se o nome antigamente era Polícia Militar. Mas era, ele era um soldado. Ele acabou sendo destacado para o interior, onde ele acabou conhecendo a minha mãe, em Orlândia. Na verdade ele não veio direto para São Paulo. Ele passou pelo Rio de Janeiro também. Depois acabou indo para São Paulo. Quer dizer, as histórias ele contava muito pouco. Não era uma pessoa assim. Conversava, mas em alguns assuntos ele não detalhava muito assim a vida, como aquele nordestino sistemático, né? Que uma figura tão, o que eu sei era apenas isso: que ele passou por São Paulo, e pelo Rio e acabou-se fixando em São Paulo.
Meu pai era a pessoa, era o estereótipo assim durão. Ele era uma pessoa assim, mas ele era extremamente carinhoso e tal. E corintiano fanático, o que eu puxei, esse gene faz parte aí da... Embora meu irmão seja santista. Quer dizer, aquela geração degenerada, né? Do pró, na verdade gostava do, de ir para o futebol por causa do Pelé. Porque eu gostava de futebol porque eu gostava de futebol. Eu fui corintiano. E então, ele era uma pessoa extremamente carinhosa. As pessoas da cidade gostavam muito dele. E andava sempre com os bolsos cheio de bala. Dava para, volta e meia as crianças: “Ah, ô tio, dá uma bala?” Ele sempre tinha uma bala para dar, etc, para conversar. Então ele era uma pessoa assim muito, que as pessoas gostavam muito dele na cidade. Então: “Ah, o Joãozinho soldado. João soldado.” É meu pai. Quem era mais rígida era minha mãe. Eu sempre apanhei da minha mãe. Meu pai, nunca apanhei do meu pai. Nunca. Nunca.
AVÓS Dos meus avós paternos só lembro o nome do meu avô - é João também. E da minha avó - eu tinha muito pouco contato com meus avós paternos. Meu pai era pernambucano e veio cedo para cá. Quer dizer, então os contatos que eu tive ficaram muito mais ligados à família da minha mãe. Meu avô materno também se chamava João. E minha avó se chamava Luzia. Eles eram ali do interior de São Paulo, também, uma cidade chamada Batatais, onde nasceu minha mãe também. Ela morava inicialmente em Batatais. Isso. Depois acabaram indo para Orlândia. Se casaram em Orlândia. Porque aí a família da minha mãe se mudou para Orlândia.
Meu avô era pedreiro. Meus tios maternos eram - a família, quase todos carpinteiros, né? A minha mãe era costureira. A minha avó também era costureira. E as irmãs dela também - a maioria acabou também, quer dizer, ou de uma maneira ou de outra também ganhando algum dinheiro como costureiras.
Eles não tinham atividades rurais. Quer dizer, inicialmente eles até moraram. Interior naquela época você tinha muito aquela história do colono. Quer dizer, moravam dentro da fazenda. Aquelas casas de colono. Então minha mãe de vez em quando contava muito a história de morar no interior. Tinham assim uma vida muito pobre, como todo colono no interior. E aí em um determinado momento eles resolveram mudar para a cidade e aí acabaram ficando na cidade. Eles eram brasileiros. Quer dizer, mas basicamente eles eram filhos de italianos. Família italiana.
MUDANÇAS DA FAMÍLIA
Bom, a infância boa. Parte da minha infância, quer dizer, eu passei em Orlândia. Meu pai, como soldado, muitas vezes era destacado para outro município. Quer dizer, então a gente teve assim uma, a gente mudou muito quando era pequeno. Acabei morando em Igarapava, Buritizal, que é uma cidade pequena. Depois voltamos novamente para Orlândia. Isso tudo antes de 7 anos de idade. Aí meu pai acabou destacado para Santos. Eu acabei morando em Santos um ano. Aí retornamos novamente para Orlândia. Então foi um período assim, aquela, era pequeno. A gente mudava de escola, de um lado para o outro, tal. Aí até que basicamente depois dos 7 anos de idade meu pai acabou estabilizando. Aí acabei permanecendo em Orlândia até o fim do segundo grau. Até me formar. Eu, como pequeno, acho que era até interessante. Porque você conhecia pessoas novas, né? E então era sempre uma aventura, esse negócio de mudar e tal. A partir de um determinado tempo, a minha irmã é que não gostava muito - ela é 3 anos mais velha que eu. Um determinado momento já começou a prejudicar muito esse negócio de mudar, de sair de uma escola, ir para outra e tal. Então isso até que depois vai mãe tentar estabilizar. Mãe era praticamente quem segurava assim um pouco a família. Então eu acho que a partir daí, a coisa, quando começou a prejudicar um pouco, a gente parou em Orlândia.
Bom, interior era - conhece bem, quem viveu. Primeiro: naquela época não se tinha televisão. Não tinha nada disso. Então a brincadeira basicamente era jogar bola, era, sei lá, aquelas brincadeiras de rua. Então você, eu tenho boas lembranças. Meu pai de vez em quando levava a gente para caçar, para pescar. Então era uma atividade assim que eu me recordo. Eu tenho boas lembranças de morar no interior. Praia eu só vim conhecer aí quando mudei para Santos, também foi, passou a ser uma novidade para mim. Mas foi interessante conhecer. Também não foi nada que me causasse assim grandes emoções. Eu conheci, aí que legal. Aquele mar grande, aquela história toda, mais ou menos isso. Mas depois retornei para o interior, nesse período tinha 7, 8 anos. Aí retornei para o interior. E continuei com a vida no interior.
ORLÂNDIA
Orlândia era uma cidade de pleno emprego. Você não ouvia falar em desemprego. As pessoas todas - vinham aliás pessoas de outras cidades se mudavam para lá ou vinham trabalhar lá exatamente porque era lá onde tinha uma metalúrgica, uma fábrica de prego e outras coisas mais, transformação de aço. E tinha uma fábrica de óleos vegetais também. Então, para o interior, aquela região agrícola ela era considerada praticamente uma cidade industrial naquela época. Com uma renda per capita assim, razoavelmente elevada. Considerada assim uma cidade rica daquele interior. Então essa era a imagem de Orlândia que eu tenho.
Bom, em termo de segurança isso era, é uma palavra que nem se discutia muito, porque não tinha, não se ouvia falar muito. Se ouvia falar em roubo, era uma coisa muito ocasional. A gente não ouvia falar. Morte então? Assassinato ou crime muito menos. Então as pessoas podiam sair de noite, podiam ficar que não existia essa preocupação. Os amigos também. quer dizer, claro, você tinha um grupo de amigos bem, relativamente assim fortes. À medida que você crescia tinha aquela história de baile no interior, etc. Como todo interior tem a presença assim de da, como é que chama? Da Igreja, do padre, do juiz. Naquela época também toda a educação era pública. Então todo mundo estudava em escola pública. Então a figura do professor, tal, era uma coisa assim muito forte que hoje talvez nem tanto quanto naquela época. E não se tinha grandes preocupações. Até porque você crescia, podia se empregar. Sabia que não, como eu disse não existia essa preocupação de crescer e ter situação de desemprego. E tinha uma coisa muito forte também, quer dizer, que hoje relativizando você olha, você tinha aquela perspectiva: bom, se você não tinha muitas condições - o fato de não ter muitas condições era o meu caso. Quer dizer, era filho de soldado, minha mãe era costureira, então era uma pessoa que não tinha muita condição. Mas você tinha um bom padrão de vida para as condições normais. Tinha condições de estudar, quer dizer, com as pessoas de, mais ricas da cidade, você estudava na mesma escola. E tinha a perspectiva de - você estudava, quer dizer, a perspectiva de ascensão social era você estudando, você tinha uma perspectiva de ascensão social. E foi mais ou menos, quer dizer, e mais ou menos por aí que a gente procurava declarar: “Bom, se eu quero estudar, eu quero crescer, eu quero ter alguma coisa a mais.” Então aquela perspectiva de estudo, que naquela época tinha, que hoje nem tanto, né?
LAZER
Tinha um cinema na cidade. Esse que passava basicamente um filme. Passava 2, 3 dias da semana e, praticamente na semana inteira passava uns três filmes. Tinha um que passava sábado e domingo, depois tinha um outro que passava até meio da semana. Então basicamente isso, as diversões que tinha. Além disso também a televisão nessa época era uma, começou a aparecer, era uma novidade então. Tinha um bar lá que tinha uma televisão, então você ia às vezes para o bar lá tomar uma, sei lá, uma vaca-preta. Na época era um sorvete com Coca-Cola. E ficava lá assistindo ali aquela luta livre, que na época era moda na televisão.
E o grande centro da região era Ribeirão Preto. Que ficava a mais ou menos 55 quilômetros, assim. Eu ia a Ribeirão Preto praticamente duas vezes por ano. Juntava assim as economias e saíamos eu e mais uns três, quatro colegas. A gente ia para Ribeirão Preto para ir lá na Loja Americana, né? Comer um cachorro-quente. Assim, isso é mais ou menos, equivale quase hoje a alguém talvez ir para os Estados Unidos, para Miami. Para mim, sair de Orlândia para Ribeirão Preto era uma senhora aventura. O chope já era famoso, mas nessa época a gente ia, a gente nem sabia quase que existia chope. Então a gente acabava, que dizer, indo lá; andava, passeava para um lado, para o outro, voltava e era mais ou menos assim a diversão. Isso era no período de adolescente. Depois na época dos bailes aquele negócio de ir para o baile, aí, né, eventual. Tinha um clube. Aí ia-se para esses bailes à noite e eventualmente também tinha, uma das diversões do ano era aquele negócio do fim do ano. Quando se tinha passagem de ano então também costumava juntar umas economias e aí a gente fazia uma espécie de uma ceia, que a gente encomendava lá em um bar qualquer. Ia todo mundo para lá, compravam-se alguns garrafões de vinho e chegava-se em casa meio, meio mal. Algumas reprimendas. Mas era assim o máximo da diversão do ano.
PRIMEIROS ESTUDOS
Quer dizer, estudei em uma escola municipal, né? Acho que era Coronel Francisco Orlando, que era por sinal um dos fundadores da cidade. A cidade, apesar de ser do interior de São Paulo, era uma cidade em alguns fazendeiros eram os donos de praticamente todas as terras; quase todas eram de alguns fazendeiros. Os Junqueira e outras famílias tradicionais. Então, de certa maneira também tinha uma certa, algumas semelhanças assim com o interior do coronel, embora lá fosse uma coisa um pouco mais civilizada. Mas de certa maneira também as pessoas que eram donas praticamente das coisas todas na cidade. Aí depois tinha uma outra, um, que a gente chamava do ginásio. Quer dizer, aí terminava aquela fase e você tinha o exame de admissão. Você ia para o segundo grau, aí você estudava lá até o fim do segundo grau. Essa escola era estadual. Tinha vários professores, né? Mas particularmente o diretor da escola, que era o Geraldo Rodrigues. Que era o diretor da escola. Uma pessoa extremamente assim severa e tal. Mas era uma pessoa com quem eu conheci até. Porque o filho dele estudava na mesma sala que eu. E que em última instância aquela história na minha época você tinha duas profissões: ou você ia ser engenheiro, pô está certo. Ou ia ser médico, pô, né? Ou, as mulheres normalmente iam ser professoras. Iam para o normal. E como eu não tinha muita afinidade com a área médica eu preferi ser assim, quer dizer, mais com a área mais de exata. Aí ele falou: “Não, você pode ser engenheiro. Podia fazer engenharia e tal.” Foi quem em princípio deu o direcionamento de uma profissão que eu poderia fazer.
FACULDADE DE ENGENHARIA
Aí quando eu saí foi o curso, aí peguei o científico; fui para São Paulo para fazer cursinho. Quer dizer, aí eu trabalhava de dia no banco. Consegui lá primeiro um lugar, depois em um banco. Consegui entrar com o trabalho em um banco.O Banco Mercantil de São Paulo, agência Bom Retiro. E à noite eu fazia o cursinho. O cursinho Politécnico, lá que era feito pelos alunos lá na Politécnica. Eu morava em uma pensão ali e estudava lá praticamente ali perto do outro lado da cidade ali. Nem me recordo bem, mas perto da Brigadeiro Luis Antonio. Aquela região por ali. Tinha um cursinho ali. E aí eu fiz o cursinho em 67 e acabei depois, quer dizer, acabei prestando vestibular. Tinha vários vestibulares na época. Em São Carlos, tinha na Politécnica em São Paulo. E acabei passando em São Carlos. Na verdade eu queria estudar em São Paulo, na Politécnica. Que eu fiquei meio mordido por não ter passado no primeiro momento na Politécnica, porque eu não tinha estudado, quer dizer, na minha escola não tinha muita área de desenho. Aí eu fiz biologia. Então nessa prova de desenho eu estudei sozinho e evidentemente não tirei uma boa nota. Mas aí acabei entrando em São Carlos, na USP no interior. Mas acabei meio ficando com aquela pinimba. Aí estudei durante o primeiro ano lá, estudando para passar pela Poli. Aí passei, mas já estava todo engajado em São Carlos. Tinha gostado do local, morar no interior. Morar na, como é que chama? Dentro da própria universidade lá, que tinha um, como é que chama? Um alojamento estudantil, exato. E no meio daquela efervescência de 68 também. Eu já entrei assim naquele deslumbramento todo. E aí tinha o pessoal discutindo a reforma universitária. Quando eu entrei a universidade ficou parada uns 3 meses. Sentavam funcionários, alunos e professores catedráticos para discutir a reforma universitária. Então foi uma experiência assim extremamente rica, e aí eu acabei me apaixonando por aquilo ali e não quis sair de lá. Quando eu fui para São Paulo eu fui, já tinha algum colega, que sempre tinha... Aí iam faziam cursinho lá, trabalhavam em algum lugar. Então eu fui para uma república onde, uma república não, uma pensão onde já tinha uma pessoa de Orlândia que já tinha estudado lá. Eu não tinha família na capital, não tinha. E aí fui conheci um outro colega também que acabou indo também, fez o Largo São Francisco também na época. Que é um dos meus melhores amigos até hoje. E acabamos indo para lá e morando juntos e trabalhando. Depois ele ficou em São Paulo, e eu fui para o interior.
No Banco Mercantil eu trabalhava lá no balcão ou, né, trabalhando com a... na época não tinha o computador. Então todas as contas eram feitas manualmente. De saldo das pessoas. Então eu trabalhei lá praticamente uns 6 meses, até perto da época do vestibular. Aí pedi demissão e saí. Pelo menos consegui garantir a minha permanência lá durante aquele período. Lá em São Carlos, na época, no começo, eu acabei arrumando um bico de revisor. Tinha um jornal local lá, né? E acabei ficando...E aí depois de repente eu fiquei como redator lá também. Eu tinha uma certa, quer dizer eu lá em Orlândia também tinha uma biblioteca na cidade e aí como eu disse, não tinha muita televisão. Então a diversão também era pegar um livro e ler. Então deu assim uma certa facilidade em termos de eu escrever, de escrita. E aí indo para lá que eles precisavam de um revisor, depois eu já escrevia mais ou menos bem pude trabalhar mais um tempo fazendo umas reportagens, tal, etc. Logo em seguida depois consegui uma bolsa de Iniciação Científica no Instituto de Física da universidade. Aí eu fiquei com essa bolsa da Fapesp até quase o final do curso. Isso também me ajudou a me manter lá esse período.
A UFSCAR estava começando - quando eu estava acho que no segundo ou terceiro ano ela estava começando. Existia um estranhamento em relação às pessoas da cidade. E na verdade você também tinha muita gente de São Carlos que estudava, né? Quer dizer, de família que morava lá e que estudava dentro da faculdade. Então isso também propiciava ali uma certa aproximação. Além disso, também em São Carlos você tinha assim uma, os próprios professores tinham, naquela época eles moravam lá. Você ia sábado lá, eles estavam nos laboratórios trabalhando. E desenvolviam uma vida cultural lá dentro. Então tinha vários que eram alemães. Esses que eram alemães sempre tinham uma vocação para a música, para teatro etc, então ajudavam também a desenvolver essa área mais artística na cidade. Então isso sempre propiciava por outro lado uma certa aproximação assim com a cidade. Quer dizer, tinha uma certa separação, mas por outro lado também tinha alguns outros ingredientes que ajudavam a aproximar. Não existia uma repulsão, não.
MILITÂNCIA ESTUDANTIL
Não, isso acabou acontecendo. Na época em que eu estava em Orlândia, como eu disse, essa proximidade com uma cidade do interior, tal, então eu acabava participando de alguns movimentos comunitários lá, entendeu? Dentro do que era mais ou menos colocado pela Igreja. Então tinha uma, aquela história de, umas campanhas de recolher lixo para não, que hoje é moda do reciclar. Que era usado até para ajudar algumas famílias mais pobres. Então tinha uma certa proximidade com alguns momentos assim. Mas era pessoa realmente você não tinha, ainda mais que era um período meio duro. Na universidade também você tem aquela possibilidade, aquela exposição a muitas idéias novas, etc. Aquela questão do ideal. De transformar o mundo em um momento meio assim mágico. E eu acabei, quer dizer, entrando, meio me aproximando do Centro Acadêmico. Centro Acadêmico Armando Sales de Oliveira. E o Centro Acadêmico é um Centro Acadêmico muito forte porque tinha, para você ter uma idéia, ele tinha um restaurante que ele tomava conta. Tinha até uma horta. Então era uma coisa. Posteriormente ele arrumou, conseguimos lá montar uma gráfica. Logo em seguida demos curso... E ao mesmo tempo, logo no final de 68, em dezembro, veio o Ato Institucional, o AI-5. O Decreto 477. Então toda aquela militância que tinha na universidade, basicamente muitos
saíram do país. Alguns mergulharam na clandestinidade. Então foi um período assim. E tinha alguns, algumas pessoas estavam chegando ali como eu. E de repente, acho que no final do primeiro ano, já estava quase engajado no Centro Acadêmico. Acabei ficando, entrando na diretoria do Centro Acadêmico. Posteriormente acabei, fiquei praticamente uns 2, 3 anos lá. Só que aquela visão não era uma visão assim ligada a partido. Mas era uma visão assim de, pô, discutir as questões da universidade. Como também eu estava no interior, e era um local muito mais protegido, a gente conseguiu realmente fazer um trabalho muito, quer dizer aquele trabalho de, em que os alunos participavam dessas discussões todas do Centro Acadêmico sem ter uma perseguição policial. Apesar de ser um período muito duro, entendeu? Mas isso não durou muito tempo, porque uma vez ,quando foi lá o Jarbas Passarinho, que era o ministro da Educação na época, aí a gente foi até entregar um documento para ele assim, em defesa do ensino público. Naquela época em que falava-se em colocar a universidade como uma universidade paga. A gente foi lá, a gente acabou sendo detido, preso e tal. E aí o diretor da escola foi lá para tirar a gente. Mas de qualquer maneira já criou assim uma certa, e posteriormente até teve algumas outras investigações policiais. Mas a gente conseguiu de alguma maneira manter o movimento estudantil lá forte, quer dizer, bem organizado. Uma vida estudantil razoavelmente forte dentro da cidade.
Talvez na época, o que ajudou muito também é o seguinte: porque o engenheiro ele tem uma cabeça assim muito racional, e muito pragmática. Então naquela época eu lembro que era uma coisa muito forte, que por exemplo enquanto você tinha faculdade de filosofia e o pessoal ali tinha uma perseguição muito forte, a gente basicamente estava ali organizando uma gráfica para imprimir apostila, não sei o quê. E isso quer dizer, então o Centro Acadêmico era a segunda conta bancária da cidade. Era fortíssimo. A gente tinha 400 alunos no Centro Acadêmico. Então era, o camarada, pôxa, o mundo estudantil estava todo dizimado e de repente você tem ali um núcleo com a segunda conta bancária da cidade. Era alguma coisa meio esquisito. Mas era, a gente conseguia fazer essas coisas todas discutindo e tal. Então naquele momento o pragmatismo do engenheiro ajudou. Claro que depois que o movimento dispara - quer dizer, ele continua com o pragmatismo e as outras áreas vão em frente. Meu curso era de engenharia mecânica.
A profissionalização na verdade a gente não tinha muita chance de fazer estágio a menos que fosse em uma empresa da própria cidade. Que era um universo reduzido. Então praticamente eu terminei assim a universidade sem ter feito estágio. Aí em seguida as empresas vinham lá para oferecer emprego. Então tinha várias empresas da região, de outros locais de São Paulo, Campinas. Isso é 72. Final ali, no final de 72. E teve também a Petrobras, fazendo palestra lá, e eu tinha interesse em sair de lá, ir assim. Rio de Janeiro? Então ia ser uma coisa interessante. Queria conhecer o Rio de Janeiro. Morar no Rio de Janeiro. Então foi a oportunidade de vir morar no Rio de Janeiro e trabalhar em uma empresa, a Petrobras é uma grande empresa. Embora naquela época você tivesse a oportunidade, eu tinha umas três ofertas de empregos. Coisa que hoje é dificílimo, naquela época você tinha: “Ah, eu vou escolher, eu vou para tal lugar ou tal lugar?” E acabei resolvendo ir para a Petrobras.
IMAGEM DA PETROBRAS
Eu não tinha muita, quer dizer, muita informação sobre a Petrobras. Eu na verdade a única informação, eu tinha tido, eu tinha feito uma excursão uma vez que acabou indo até a Refinaria Presidente Bernardes, de Cubatão. Aí lá que a gente conheceu um pouco mais da Petrobras. Mas não era nem uma, acho que essa própria idéia de força da criação: “Petrobras, uma empresa de petróleo brasileira, etc.” Quer dizer, tinha isso vagamente, mas não era uma coisa muito forte, apesar de toda essa, ter passado por um Centro Acadêmico. Mas não era uma coisa muito difundida, tão forte assim.
INGRESSO NA PETROBRAS
Isso, para engenheiro. E vir aqui para o Rio e ficar, fazer um curso de cerca de uns 10 meses, no qual você era avaliado constantemente - e uma vez terminado, você continuava dentro da companhia. Aí eu prestei concurso, vim para o Rio de Janeiro em março de 73. O Rio de Janeiro eu tinha passado também em uma excursão uma vez, da escola, como passatempo. Tinha passado um dia no Rio de Janeiro. Então não, pelo menos na época foi muito interessante, claro. Você jovem, chegando no Rio de Janeiro, solteiro. Ganhando, quer dizer, estando empregado, com salário, né? E então era uma, realmente uma coisa muito boa. O salário, bom, para quem nunca, para quem sempre viveu quer dizer, pô, o máximo era uma bolsa da Fapesp, que já era um exagero foi, eu me sentia nadando de dinheiro. Aquela vida toda assim muito controlada, então qualquer coisa que você ganhe – 10 vezes, que você ganhava, sei lá, se eu ganhava 400, passei a ganhar, digamos 4.000. Quase que você ganhar assim 10 vezes mais o que você ganhava uma bolsa assim, sei lá, uma coisa do gênero, era nadar em dinheiro, né, pô? Eu pegava, gastava 20 por cento daquilo o resto eu guardava. Botava no banco, guardava. Não tinha o que fazer com aquela ali - nem imaginava, entendeu? Não tinha carro, também não imaginava comprar carro. Nem telefone comprava, porque achava, você tinha orelhão, eu usava orelhão, para que ter? Em suma, uma vida toda assim que as pessoas olhavam, achavam que eu era maluco. Mas essa era a minha vida. Eu vim, tinha alguns amigos inclusive de São Carlos que vieram para o Rio também. Vieram fazer pós-graduação aqui na Coppe. Na Universidade Federal Rio de Janeiro. E aí a gente acabou montando uma república e morando junto, né? E morávamos eu acho que em umas quatro pessoas. Depois conseguimos alugar um apartamento lá do final. A gente conheceu outras pessoas da Coppe, moravam juntas. Então a gente tinha uma grande aldeia. No final, dez pessoas morando praticamente juntas. Então era uma fase...O Rio de Janeiro era uma cidade muito tranqüila, muito tranqüila.
A gente saía de madrugada, ia para os barzinhos. Eventualmente para shows. Andava-se pela rua de madrugada, 2, 3 horas da manhã pegando ônibus. E não se ouvia, quer dizer, realmente assaltos, mortes, nada disso existia. Então era uma cidade muito mágica, muito interessante. Eu morava no Flamengo, ali na avenida Rui Barbosa, no Flamengo.
CURSO NA PETROBRAS
Era um curso extremamente puxado, porque era o seguinte: dependendo da tua classificação, você ia escolher para onde você ia. Se você ia lá para o Amazonas, se você ia para o Rio Grande do Sul, para o Rio de Janeiro. Ia ficar no Rio de Janeiro, voltar para São Paulo. Então dependia da tua classificação. E você estava em grupo muito seleto, onde a diferença era um, eram centésimos ali na nota. Então tinha uma disputa, embora as pessoas sejam muito, todas muito amigas - mas tinha aquele negócio de sair a nota, ir lá olhar. Conferir tua nota. Como é que você está na classificação. Você subiu, você desceu? Era uma coisa extremamente tensa, né, então até o final, porque disso é que ia depender a tua vida depois. Eu estava ali pelo meio da turma. Sei lá, tinha 50 alunos, devia estar ali pelo número 20. Então eu não era nem um, não estava nem nos piores nem também naquela, no desespero. Eu estava em uma posição tranqüila, que acabou me permitindo escolher onde eu queria ficar. No resultado final acabei ficando no Rio, que era aonde eu queria ficar, e escolhendo também alguma coisa que eu queria fazer. Várias pessoas queriam voltar para os seus Estados. Então eu acabei ficando, trabalhando. Acabei trabalhando na sede da companhia, no Serviço de Engenharia. Onde eu comecei. Eu comecei, trabalhei lá de 73 até 76. Aí, logo no começo, eu achei que era um trabalho assim um pouco aquém do que eu queria.
SAÍDA DA PETROBRAS
Aí eu queria fazer uma pós-graduação. Aí na época disseram assim: “Olha, não. nesse momento, não. Você acabou de entrar, fazer um curso ali, tal, então.” E eu tinha que permanecer. Tinha um contrato - tinha que permanecer pelo menos 3 anos na companhia para pagar o curso que eu fiz lá. Quando terminou esse prazo de 76, no começo do ano, em março de 76 eu pedi demissão da Petrobras e fui fazer pós-graduação na Coppe, na área de Engenharia Mecânica, Transferência de Calor, que era uma área em que eu queria trabalhar. Seria uma insanidade. Na época era uma meia insanidade. Mas o mercado era um mercado muito aquecido. Então eu já saí; depois eu poderia trabalhar em outra empresa qualquer, até porque eu tinha o curso na Petrobras. Todo mundo: “Ah, você trabalhou na Petrobras?” Aí eu tinha, a possibilidade de emprego era muito grande. Nessa época até havia a possibilidade talvez de pedir afastamento. Mas eu pedi; eles disseram que não, que não, naquele momento não dava para dar aquele afastamento. Talvez uma maneira de me segurar ali, para não pedir. Devem ter olhado assim: “Esse camarada é meio”, sei lá. Sinceramente: “Poxa, mas que pena você estar saindo.” Até perguntaram claro: “Mas tem algum problema?” “Não, não tem. É que eu quero fazer um curso de pós-graduação e tal”. E em um momento aí eu pedi, disseram que não poderia, não queriam me dar essa licença para sair. Eu queria uma licença sem vencimento, mas não podia. Então eu resolvi sair. “Está bom, se não tem nada, se esse aí é o teu caminho, é o que você quer, está tudo bem.”
VOLTA À PETROBRAS
Só que eu saí, aí fiz o curso, quer dizer, quando chegou no fim do ano, quer dizer, 9 meses depois ali em dezembro a pessoa que era meu chefe lá na sede ele foi para o Centro de Pesquisa. Para fundar a Engenharia Básica da Petrobras ali. E aí me convidou para voltar. Era o Sérgio Portinho. Que era o chefe da divisão da área de Engenharia Mecânica. E aí eu perguntei: “Qual é o tipo de trabalho que vocês estão fazendo?” Aí contou. Eu vi que era uma coisa interessante por ele, dentro da área onde eu estava trabalhando. Eu voltei para a Petrobras. No dia 31 de dezembro de 76 eu voltei para a Petrobras. Naquela época você tinha o seguinte. Você, o empregado saía; se não tivesse, claro, nada que desabonasse, se não tivesse saído por alguma razão, poderia ser readmitido sem necessidade de concurso. Então eu fui readmitido. Daquela época eu acabei sendo readmitido. Porque aí eu já tinha terminado os créditos todos. Faltava terminar só a tese. Aí voltei e a tese, consegui fazer e acabei, até concluí.
ENGENHARIA BÁSICA
Na verdade essa questão de Engenharia Básica é coisa muito interessante - até porque ela se propunha a desempacotar, ou passar a fazer no país projetos que anteriormente eram feitos no exterior. E isso foi feito no momento até por ação do Ivo Ribeiro, que foi o superintendente de Engenharia Básica, levando essa questão para o Severo Gomes, que era então ministro. Acho que era o ministro da Indústria e Comércio. Na época do Médici. E na época com a idéia do seguinte: “Olha, se alguém... por exemplo a Petrobras vai comprar uma determinada unidade para uma refinaria. Depois ela vai comprar outra. Então necessariamente tem que haver uma transferência de tecnologia”. Então, nisso a Petrobras pegou um grupo de pessoas - quer dizer, quando eu cheguei, esse pessoal estava saindo, o pessoal experiente da Petrobras, indo para os Estados Unidos, para a Kellog, para pegar essa transferência de tecnologia, para voltar e não precisar comprar n vezes o mesmo tipo de projeto. E dali é que surgiu essa idéia da Engenharia Básica - isso em 76, portanto ela está prestes aí a... já fez 25 anos de existência. E nesse período ela passou a fazer praticamente todos os projetos de processo, de processamento da Petrobras. E acoplado com isso uma - porque aí você tinha pesquisa, os laboratórios, tinha o pessoal que fazia engenharia e a grande ponte. E aí com a possibilidade de ao fazer o projeto você direcionar para o mercado nacional. Para as empresas de engenharia nacional. Então criou-se uma certa, uma certa possibilidade do que os japoneses fazem, os coreanos fazem, os Estados Unidos, os grandes países sempre fizeram. E que a gente tinha a possibilidade de fazer. E realmente foi uma experiência de que eu participei que foi muito interessante.
A Petrobras, quando começou, ela tinha aqueles cursos do Cenap, que eram cursos de formação - trouxeram vários estrangeiros, americanos etc. E passaram um período de formação de pessoal. Então foi uma escola muito assim de formar o pessoal. Isso muito antes da minha entrada na Petrobras. E a Petrobras sempre, quer dizer, ela sempre conseguiu formar ali bons técnicos. Ela já tinha alguma iniciativa de projeto, esse negócio todo. Agora, esse pessoal que veio para formar a Engenharia Básica era pessoal oriundo de refinarias. Quer dizer, eram técnicos, eram engenheiros experientes dessas refinarias. Evidentemente com bagagem tanto de operacional, né, e é claro, com o que eles trouxeram, trouxeram também a experiência do dia-a-dia, inclusive de conversas com técnicos. Nada daquela história do eu sou... Não é aquele pessoal não: “Eu sou um cientista, eu sou um de prancheta.” Não, era um camarada que tinha amassado barro lá, está certo? E que quando tinha qualquer dúvida, ele ligava para a refinaria, falava com fulano, sicrano. Então a gente tinha inclusive muitos técnicos lá, pessoas de nível médio mesmo que participaram disso aí. Então tinha uma ligação, sempre teve uma ligação muito estreita com as unidades. A gente sempre, na verdade até quando chegou até o pessoal, tinha aquela história: “Ah, não, o cara vai para o Cenpes.” “Ah lá só tem, sei lá, pesquisador, só tem maluco lá.” Aí o pessoal: “Não, então lá é o pessoal da...” Então foi até uma história interessante, porque trouxe esse pessoal para lá e conseguiu fazer a aproximação com o pessoal de laboratório, que muitas vezes tinha uma visão muito de bancada, né? De laboratório. E, porque dali, da experiência de laboratório o camarada ia fazer alguma coisa, protótipo muitas vezes, ou então ia pegar dali e levar isso para uma refinaria. Ou fazer um projeto levando para uma escala industrial. Então necessitava esse pessoal estar mais ou menos, então quer dizer, de uma certa maneira a gente ajudou a fazer essa ponte, que até então não existia. Ou existia fracamente.
PROJETOS DO CENPES
Na verdade é o seguinte: os projetos que a gente fazia eram projetos que a Petrobras necessariamente, quer dizer, se você não fizesse ela tinha que comprar no exterior. E além disso, ninguém estava ali: “Não, estamos inventando uma coisa nova.” Nós estávamos reproduzindo ou então desempacotando o equipamento, você entendeu? E aquilo ali era dinheiro imediato. Porque você tinha que fazer uma unidade. Aquela unidade era para processar o petróleo e aquilo ali ia, do outro lado é que se iam gerar recursos. Então praticamente não faltava recurso para isso, porque era um projeto que você tinha que implementar, botar na rua. Porque se você não fizesse você ia ter prejuízo mais à frente. Então não era alguma coisa que
tu vê assim: “Não, eu vou dar um recurso para você, para você bolar alguma coisa. E vamos ver o resultado disso.” Não, era alguma coisa que obrigatoriamente tinha que ter um prazo. Tinha que ter um resultado. Então é por isso que você tinha recurso para isso. Acho que participei dos projetos todos, desde 76 você tem todo projeto de, de, quer dizer, eu trabalhei na área. Todo mundo ali, aquilo ali é uma equipe. Então cada um trabalha em uma determinada área. Eu sempre trabalhei ligado muito à área de transferência de calor. Quer dizer, projetando equipamentos que são utilizados em todos projetos na refinaria. Mas todos os projetos iniciais, acho que é um projeto de desenvolvimento das unidades de FCC, né? De fracionamento catalítico. Depois teve um período que foram desenvolvidos dois projetos de eteno, a parte do álcool. Foi uma área inicial que se teve lá. Depois passou-se para as unidades de processamento de gás natural. E depois, mais recentemente, todo esse projeto de tratamento de diesel, de outros derivados, etc, né? De HDTs e outras unidades gerais com alta pressão e que, então nesse projeto todo desenvolvido ao longo desse tempo todo, a gente vai pouco a pouco participando de uma área ou de outra. Então foi mais ou menos, quer dizer, dentro do Cenpes foi mais ou menos isso. Agora uma coisa que eu acho que é mais importante que isso é o seguinte: ao longo de toda a existência da Engenharia Básica você tem o tempo todo também uma, aquela questão do Estado e do privado, né, que é uma procura. Quer dizer, do empresariado privado assim de achar que você está desenvolvendo um projeto ali. Se está desenvolvendo, isso poderia ser feito pela iniciativa privada e não ali. Então você tem o tempo todo o embate ali para definir uma área de atuação. De, ao mesmo tempo você criar iniciativa privada. O que na verdade não era uma coisa, quer dizer na nossa visão pelo menos não era a visão, que a gente estava ajudando. Quer dizer, a criar a perspectiva de um trabalho. Dentro da Engenharia você tem uma parte que é o que nós fazíamos, que era a parte mais, que a gente chamava de Engenharia Básica. Porque a partir dali você tem um projeto todo na área de detalhamento, que era praticamente 90% do trabalho. Isso era da iniciativa privada, a gente fazia questão. Essa pressão se dava das maneiras tradicionais. De procurar um diretor e tentar, quer dizer, que aquilo fosse, que aquilo acabasse. Que aquilo deixasse de existir. Ou então que passasse aquilo. Só que ao você passar aquele conhecimento para alguém você estava passando para um grupo só. Por que para um grupo só e não para um segundo, por que não para um terceiro?
Isso aí claro que sempre você tem alguém que ter algum conhecimento e as pessoas sempre de uma maneira ou de outra têm uma proposta para sair para isso. Mas de alguma maneira, aquilo ali, as pessoas se encantavam muito com o trabalho. E sabiam do trabalho que estavam fazendo. A importância daquilo que estavam fazendo e que a única maneira de mantê-lo é um grupo só. Se tivesse dois grupos você não teria mercado para dois grupos. Então tem que ter um grupo e aquilo ali é... E ali você tinha facilidade de ir à refinaria. De pegar experiência em refinaria. Coisa que trabalhando em um grupo privado você não teria a possibilidade de estar o tempo todo pegando essas experiências da refinaria, está certo? Então o pessoal ali trabalhava efetivamente com uma equipe assim de, vestindo a camisa, e sabendo o significado. Isso que é a grande questão. Ninguém ali ficava: “Ah não, eu vou fazer isso aqui porque eu acho legal, vou me promover mais, etc.” Claro que sempre tem as questões particulares das pessoas. Mas todo mundo entendia a finalidade daquilo. Todo mundo sabia. Então quando havia um chamamento: “Pessoal nós temos que fazer isso, o prazo é esse. Nós temos que dar conta disso de qualquer jeito, tal.” As pessoas ficavam até tarde, faziam. Porque sabiam, porque entendiam a importância e a necessidade daquilo. E aí, que dizer, passou-se esse período todo e acredito que aí tem uma coisa importante também a questão extratrabalho. Da tua ação como cidadão, quer dizer, como cidadão de certa forma fora também para defender aquelas idéias que você defendia. Porque aí você chega no fim do governo Sarney, inicia um período Collor. Onde praticamente você muda, né, a visão já é uma visão completamente: “O mundo mudou. Que o muro de Berlim caiu. E que portanto nada será como dantes. Agora a história, quer dizer, terminou. Não tem mais nada de novidade.”
PROGRAMAÇÃO DE PROJETOS
A Ilha do Fundão fica em um local um pouco retirado assim, né, um local muito, não é próximo do centro. Ela fica sei lá, creio que uns
20 quilômetros dali. Então normalmente a gente entra mais cedo. A gente acaba entrando lá
7 e meia. Então o expediente, em vez de ser de 8 às 5, normalmente é de 7 e meia até as 4 e meia. E aí, como é um local isolado, você não tem ônibus, com dificuldade de ônibus etc. Então as pessoas vão de ônibus e saem de ônibus de lá. Aquela parte tem algumas linhas; apanha o pessoal e vai para lá. Então no dia-a-dia normalmente você tem o seguinte: um projeto de Engenharia é um projeto muito de equipe. Você sempre para fazer alguma coisa você depende de informação de alguma outra pessoa que vai te passar aquelas informações. E você tem um prazo, um determinado prazo a cumprir de uma determinada entrega de um projeto, etc. Então sempre que alguém, sempre que alguma coisa perturba lá atrás quer dizer, isso influencia no seu dia-a-dia, no seu trabalho. Então o dia-a-dia era sempre aquela onda: você está fazendo uma determinada atividade, tem que conversar com várias outras pessoas ali. E tem um prazo de um determinado projeto que tem que entregar porque aquele projeto uma vez entregue ele vai ser colocado na praça para comprar os equipamentos. E tem depois, quer dizer, tem que construir, montar aquela unidade. E ela vai dar, ela vai partir dali, sei lá, a 3, 4 anos. Então a atividade na Petrobras ela é muito interessante por causa disso. Na verdade você está hoje fazendo alguma coisa hoje, ou programando alguma coisa hoje que vai acontecer fisicamente partir dali a 3, 4 anos. Tanto uma refinaria quanto num campo de petróleo. Então muitas vezes o pessoal: “Ah, descobriu? Quer dizer, puxa fulano, hoje começou-se a produzir tanto. Partiu um campo ou está produzindo uma refinaria.” E muitas vezes alguém está fazendo aquilo mas muitas vezes: ‘Bom, esse camarada falando, bom, mas esquecendo que isso começou a ser feito, planejado 4 anos atrás.” E se aquilo não for feito, se você não programar hoje, daqui a 4 anos você vai ter esse reflexo, né? Então isso leva muito essa questão do planejamento, da discussão. Da discussão de quais são as opções melhores para o, essa discussão do dia-a-dia do país, do petróleo. Se o petróleo vai ser produzido, não vai. E aí a gente pegou aquele período, a gente passou por aquele período todo das grandes questões do petróleo. Em 73, do petróleo disparar aquele período. A Petrobras, né, as crises do petróleo, em que a Petrobras não tinha petróleo. Aí vem um: “Não, a Petrobras não tem, quer dizer, o país, o Brasil não tem petróleo.” E aí a Petrobras era acusada, porque não tinha petróleo. Depois descobriram petróleo na Bacia de Campos. E isso que é interessante: “Onde é que está esse petróleo?” “Não, esse petróleo está no fundo do mar.” Aí qual: 100 metros, ótimo, depois estava 200 metros, 300, a 400 metros. “Puxa, mas como buscar esse petróleo?” “Esse petróleo é caro para produzir?” “Não.” Mas e tecnologia para isso?” “Não, isso não tem. Porque normalmente se tem petróleo no Oriente Médio; o cara tira aqui do chão, por que o cara vai desenvolver tecnologia para aquilo?” Aí o cara busca, pega o pessoal da universidade, depois começa a discutir. Quer dizer, toda aquela complexidade de você buscar petróleo. Primeiro, você imagina, 400 metros de profundidade. Aí você tem que fazer um furo no fundo do mar e busca petróleo a dois, três, quatro mil metros de profundidade, né? Com ondas no mar, com vento. Todas essas dificuldades. Isso leva você a produzir essa tecnologia. Então isso que é uma coisa interessante, quer dizer, que a gente sempre achou interessante levar para a sociedade. Veja só, dizem que, no país: “Não, brasileiro não tem capacidade, é burro. Não tem instrução.” E realmente o camarada ariano, que fala inglês, que é protestante, que é não sei o quê. Aquele estereótipo, de olhos azuis, é que é o grande gênio. Ou aquele alemão, o professor. Aquela voz meio... Mas não, você começa a descobrir: “Não, a gente produziu a melhor tecnologia do mundo na área”.
Por quê? Você é mais inteligente que os outros? Não. Mas por outro lado você também não é mais burro que ninguém. Então basta que se tenha, primeiro, um incentivo. Segundo, tenha uma certa necessidade. E que você tenha a oportunidade de fazer aquilo. Uma vez feito isso, você consegue fazer. E eu acho que o que é interessante nas coisas todas, nas discussões todas era isso aí, que a gente falava em termos de Petrobras, e a gente até polemizava. “A Petrobras é um exemplo de um projeto nacional e que deu certo.” Então muitas vezes: “Ah, por que é que às vezes, sei lá, o Roberto Campos detesta tanto a Petrobras?” “Eu não sei, mas possivelmente porque a Petrobras era a negação, está certo, de uma visão dele. Que ele, quer dizer, aquela história de um projeto nacional, você consegue desenvolver uma coisa se você tem uma visão política, um projeto político para aquilo, etc. Que a coisa é direcionada de uma maneira correta. E aí você muito bem, aí você consegue descobrir petróleo a dois, 1.000 metros, 2.000 metros de profundidade e vai. E hoje você, chega uma situação hoje que vai se ter 90% do petróleo produzido no país. Poxa, você partiu de uma situação que você não tinha. Você imagine hoje, se o petróleo disparasse de novo você estava em uma situação diferente. “Ah, você está fazendo apologia de superioridade.” “Não, estou fazendo apologia de que se o país é pensado onde você quer chegar, planeja-se de uma maneira séria, você consegue os resultados.” Eu acho que essa é a grande lição. Em qualquer área. Não é porque: “Ah, não, é a Petrobras.” Não é só porque é a Petrobras. Isso pode ser qualquer área, né?
É uma grande sala com dois engenheiros em cada. Mas na minha sala todo mundo se vê. Até porque, quer dizer, não existem aquelas divisões. Atualmente, essas coisas nego fica mudando toda hora, né? Ora bota ali alguma coisa com uma certa separação, com certo vidro transparente, etc. Mas na verdade o que você tem é assim: é uma grande sala com algumas separações, mas onde todo mundo vê todo mundo. E onde você chega de manhã, a primeira coisa você olha toda a sua correspondência eletrônica. Porque chega, não chega, este é o primeiro contato. Eventualmente sim, claro, chega o café, eu converso um pouco até, o café chega logo em seguida. Eu começo a olhar os correios, as correspondências do que se tem. E em seguida senta na, você tem, você trabalha basicamente com um computador. Com o meu computador, né? E ali é onde você tem os programas todos disponíveis, onde você tem que fazer os seus projetos. A partir dali começa-se a... claro. Como as pessoas que interagem estão no mesmo prédio então você, essa interação é feita de você sair, pegar os teus desenhos, as tuas dúvidas. Se desloca para a sala do outro para tirar eventualmente alguma dúvida. Ou alguma coisa por telefone. Depois, quando a pessoa está fora do seu prédio ou coisa do gênero, você utiliza o correio eletrônico. Então essa possibilidade, essas facilidades permitem você ligar para uma pessoa da refinaria e automático pedir uma informação. E ele de repente te manda, quer dizer, ele poder te passar aquela informação e hoje cada vez mais em termos de informática essas coisas são fáceis. De repente alguém chegar e te mandar uma série de fotografias que você precisa, digitalizada, em tempo real. Você olha aquilo ali, tem que discutir. Ou então olha desesperado: ‘Pô, vem cá. Como é que tal situação, tal projeto que você fez, tem
alguma coisa aqui para resolver?” Então você consegue pegar, pedir para ele medir, olhar. Você tem as informações. Quer dizer, ele tem aquelas informações todas em computador que ele está, toda a temperatura, as pressões, etc. Quer dizer, tudo aquilo também está constantemente sendo armazenado. Ele olha lá, passa as informações. Então você tem hoje um coisa que você não tinha no passado - é que você tem a possibilidade, de uma informação em quantidade de dados muito grande. E isso, como eu estou dizendo, que você e a empresa, quer dizer, em uma mesma empresa você não é uma pessoa de fora que está pegando uma informação. Não, você é uma pessoa de dentro. A pessoa que está trabalhando lá na refinaria é uma pessoa que você conhece, está certo? E que, e os dois - quer dizer, na verdade estão tentando resolver o mesmo problema, até porque cada vez mais com um número menor de pessoas as pessoas têm mais solicitações. Então cada vez mais uma depende da outra. Não consegue fazer tudo sozinha.
IMPACTO DA INFORMÁTICA
O impacto da informática é muito forte. Primeiro porque toda a tua informação você estava utilizando a tua máquina de calcular e fazer sua memória de cálculo ali, tá certo? Calculando com uma determinada velocidade. A partir do momento que chegam os computadores cada vez mais rápidos, mais poderosos etc, você passa a usar programa. Então aquelas informações que você rotineiramente fazia a mão você passa a ter isso em programas. E portanto, primeiro, a possibilidade de erro menor. Segundo, você consegue fazer os projetos com maior rapidez. Mas ao mesmo tempo também você que passou por aquele processo de fazer isto a mão, a pessoa como eu, mais dinossauro, teve a possibilidade de ter feito na mão e ter uma certa sensibilidade. Hoje você tem alguém mais novo muitas vezes chegando, sentando, quer dizer utilizando um programa, e isso é uma preocupação também, de utilizar muitas vezes o programa quase como um jogo. Então é claro que muitas vezes a gente fica ali assim: “Olha, o principal é analisar o resultado, a informação.” Porque senão você entra com um dado, ele te cospe do outro lado uma outra informação. Você pega aquela informação, usa e de repente tem alguma coisa que está errada ali; a pessoa não consegue verificar. Ele levar aquilo para a frente, aquilo vai ser construído. E aquilo construído não vai funcionar. Ou vai causar algum dano, alguma coisa. É claro que tem uma série de filtros até para chegar essa coisa a acontecer. Mas a informática ,ela tem essa vantagem. A sistematização. Potencialmente uma diminuição de erro de conta que você está fazendo ali que você não
precisa ficar checando aquilo ali toda hora, maior rapidez, mas ao mesmo tempo também tem uma
preocupação de você também: “Olha, isso não é um Deus. Não é o senhor absoluto da, né, existe sempre por trás desse projeto do computador...” De vez em quando é aquela história: “Puxa vida, aconteceu um erro aqui.” Eu dizia: “Não, o erro está entre o computador e a cadeira.” O erro está entre uma coisa e outra. Porque ele pega exatamente essa questão. Depois que parou, tu pára, olha. Porque não adianta ficar fazendo aquele monte de conta. Não – pára, dá aquela olhada para trás, dá aquela espreguiçada. Olhada no mundo. “Pô, esse negócio não tem cara, tem alguma coisa que não está legal.” Aí você vai fuçar, olha: “Não, isso aqui está errado.”
COTIDIANO DE TRABALHO
Hoje em dia eu continuo fazendo basicamente as mesmas coisas que eu fazia em 1976 para 77, 78. Só que com as devidos avanços da ciência hoje. Mas em resumo continuo fazendo as mesmas coisas. Aí um dia chegou uma pessoa que eu não via sei lá, uns 10 anos, 15 anos chegou: “O que é que você continua fazendo?” “Eu continuo fazendo isso, isso, isso.” “Você está continuando a fazer as mesmas coisas?” “É.” “Poxa, mas você não, por que é que você não sai para fazer outras coisas?” “Porque eu gosto de fazer isso aqui”. Eu acho maravilhoso. Todos os dias eu descubro coisas novas. Daí e cada vez mais eu descubro que eu não sabia fazer direito isso aqui. Eu achei que sabia, descubro cada vez que eu sei menos, o que me dá mais estímulo a aprender alguma coisa para fazer isso melhor. E se possível passar. E aí é um detalhe importante: tentar pegar essas coisas todas e deixar para alguém que está entrando. Isso é uma coisa muito séria que está acontecendo na Petrobras: a Petrobras ficou 10 anos, 15 anos sem contratar. Hoje essas pessoas todas que têm 25, 30 anos de trabalho estão saindo. Muitas vezes saindo sem conseguir passar essa informação para as pessoas novas que estão chegando. E aí não adianta. Muitas vezes os manuais, essas coisas, não passam o sentimento, esses detalhes que você quer passar até para que - eu aprendi errando muito, cometendo muita besteira. E eu tenho no mínimo a obrigação de passar para que as pessoas cometam erros diferentes. Vai cometer erros novos, por favor. Não cometa o mesmo erro, porque aí é burrice. Eu parei no mestrado porque veja o seguinte, a minha atividade é uma atividade de projeto. Num laboratório, quer dizer, lá nós falamos cientista. Eu não me considero um, eu sou um engenheiro padrão. O cientista é o pessoal que está mais ligado ao laboratório. Então essa pessoa necessita um grau às vezes, claro a universidade e muito mais. Porque ele é até exigido a ter um doutoramento, um pós-doutoramento. E no laboratório também as pessoas detêm uma série de coisas que levam ele a ter. No meu nível de trabalho, eu me sinto... Quer dizer, claro que ao fazer um doutorado, melhor, ainda você vai se aprofundar mais. Mas eu consigo muitas coisas, que às vezes eu consigo aprender, quer dizer, lendo uma série de artigos, que direcionam muito para o lado que eu quero. Sem necessidade de alguma coisa formalizada assim ou com título. Realmente eu não estaria preocupado com o título. Mas muito mais em aprender alguma coisa que eu estou querendo saber.
UNIVERSIDADE CORPORATIVA
Eu nunca - dentro da Petrobras você tem um departamento de ensino. Que até hoje tem um nome bonito assim, é Universidade Corporativa. E ali você faz a reciclagem do pessoal. Então cada especialista de vez em quando, quer dizer, você tem os professores que fazem parte, né? E tem a gente que funciona meio como professor visitante. Então de vez em quando você tem às vezes algum curso que é da nossa área; a gente se desloca para lá e participa. Então tentamos passar essa experiência que a gente tem.
PATENTES
Dentro da Engenharia Básica você tem várias patentes de vários processos que foram, que estão patenteados de equipamentos ou de inovações que estão sendo patenteadas. E inclusive, né, de vez em quando tem esses prêmios. Governador do Estado do São Paulo, ou prêmios assim na área de Ciência e Tecnologia o Centro de Pesquisa de Engenharia Básica tem vários, tem alguns desses prêmios nessas áreas.
CRIAÇÃO DA AEPET
É nesse período que tem-se uma Associação dos Engenheiros da Petrobras, a Aepet, que fundamentalmente tem a função de defender o monopólio estatal do petróleo, a Petrobras e o corpo técnico. Naquele momento discutia-se, tinha-se o monopólio estatal do petróleo e era uma discussão política colocada. Então um grupo de pessoas começou assim, quer dizer, a trabalhar na associação, até para discutir essas questões. Ela já existia desde 62, né? Mas estava ali, não tinha grande atuação. Meio hibernando. Existia uma diretoria, mas durante o período militar, quer dizer, isso eu soube depois, ela ficou hibernando muito tempo até porque houve uma certa perseguição em cima dela. Aí ela acaba ressurgindo depois, quando há aqueles contratos de risco na época do Geisel. Da discussão dos contratos de risco. E as pessoas: “Pô, estão abrindo o território nacional para outras empresas aqui”. Então uma certa reação não só da, quer dizer da sociedade, quer dizer, de membros da sociedade. Como a Maria Augusta, que vocês vão acabar ouvindo, outras pessoas da universidade discutindo essa questão. E aí quer dizer, eu acabo também me engajando junto com outros colegas, participando da associação. E posteriormente, depois no período do Collor, foi que entra o período de privatização. Então foi um grande, acabou acontecendo um grande debate, um grande embate da discussão do que era, do que deveria ser público, do que deveria ser privado. Se uma empresa como a Petrobras ela deveria existir, não existir. Então você tinha que resgatar toda a história dela de... se ela existe, por que ela existiu? Na época que ela não existiu como é que era? Funcionava bem? Se ela funcionava bem, por que é que foi criada? E até hoje, quer dizer, nesse momento, ela está fazendo suas funções adequadamente ou não?
Na associação,
em 76 por aí, quer dizer, já nesse período eu comecei a participar de algumas discussões dessas. Na questão da reorganização do Sindicato dos Engenheiros. Na época tinha lá o Bittar, era o presidente, que a gente acabou ganhando a eleição do Sindicato dos Engenheiros. Eu estava muito mais próximo do Sindicato dos Engenheiros, mas quando entrou a questão da Aepet eu acabei me engajando mais nisso. Até porque ele via a questão da Engenharia Básica, compreendendo a importância dela, né? E aí a gente começou a perceber que você tinha que ter um contato muito maior com a sociedade, até para discutir. Quer dizer, com os políticos, levando essa discussão. E eu acho que aí abre um outro cenário assim de participação externa. Resgatando um período quase que estudantil que até então tinha ficado um pouco para trás. Você tem o sindicato - esse Sindicato dos Engenheiros é um sindicato geral. Não é dos engenheiros da Petrobras. E tem o Sindicato dos Petroleiros. De todos os trabalhadores. Você não tem um sindicato dos engenheiros da Petrobras. Você tem uma Associação dos Engenheiros da Petrobras, né? Então essa entidade, a Aepet, ela faz exatamente esse papel. Isso. Embora tenho o nome de sindicato, Associação dos Engenheiros da Petrobras, ela congregava os profissionais todos de nível superior da Petrobras. Embora majoritariamente eram os engenheiros, claro.
ATUAÇÃO DA AEPET
Ela tem uma atuação muito forte ali. Desde aquele momento todo da, do embate da questão do monopólio, levando as suas teses, essas discussões. Aí no período Collor não tinha caído. Entra depois o Itamar Franco, quando sai o Collor. Essa discussão ela continua. Ainda tem a discussão no Congresso. Mas efetivamente a lei de quebra do monopólio começa a acontecer no governo do Fernando Henrique. E aí passa por um período de privatização, onde a gente também discute. Mostra que muito do período de privatização tinha – como dizia Maria da Conceição Tavares – são business. São negócios. Na verdade as pessoas discutiam aquela época: “Não, é uma ideologia e tal.” Não, tinha, mas no fundo eram negócios. “Olha, é um bom negócio comprar isso por determinado preço tal, então vamos comprar.” Então a gente discutiu muito essa questão, mas sempre tem aqueles rótulos, né? “Não, tem o rótulo do, como é que chama? Que as pessoas todas estavam defendendo quase que interesses...” “Não, as pessoas estão fazendo isso..” me fugiu a palavra... “Não, é questão corporativista.” Mas você discutia: “Vem cá, vamos discutir. Você tem essa questão. Agora vamos discutir a idéia em si.” “Não, não.” Mas aí você: “Não, você é corporativista, você está dizendo isso para justificar um corporativismo”. Então era um rótulo que foi colocado e a mídia, quer dizer, a mídia colocava isso muito fortemente. E em função toda da queda do muro de Berlim, o discurso não mudou. Então apareciam aquelas propagandas na televisão. O BNDES: no período Vargas foi muito importante a presença do Estado, isso em preto-e-branco. Mas agora o mundo mudou. Aí aparecia colorido. O elefante. E aquelas imagens. É muito forte isso. Então aí chegando ao que você estava perguntando, bom nesse período que a gente estava com esse embate muito forte, a associação teve uma presença. E a gente conheceu muita gente na sociedade toda. Como um todo. Inclusive o doutor Barbosa Lima Sobrinho, né?
Quando entrou o Collor, eu acabei entrando como presidente da associação. Na verdade é aquela história que a gente costuma dizer: ninguém procura cargo nenhum. Quando você aceita, quando se oferece a gente não quer, porque quando o cara oferece: “Pô, o que é que esse cara está querendo? Alguma coisa tem atrás. Algum proveito está querendo tirar”. E as coisas são muito, foi aquela discussão assim, quem é que ia, né, quem é que vai ficar. Aí fica aquela história: “Não, você. É tua vez. Porque eu já dei minha cota.” Inclusive na época tinha saído da associação, tinha sido presidente anterior nesse período inicial o Maciel. O Antonio Maciel, que hoje é presidente da Ford. O Maciel. Aliás, muito meu amigo, por sinal. Porque ele saiu, eu tinha sido vice-presidente dele em dois mandatos seguidos, e ele praticamente quer dizer, tinha organizado toda aquela parte da defesa do monopólio. Aí, quando ele saiu, ficou aquela discussão; eu acabei assumindo ali a associação. Até que era um momento meio difícil, meio complicado. Eu também estava assim - nesse período eu estava me separando. Então eu tinha dois filhos pequenos. Aquela questão da posição do pai de, mas aí aquela... Em 89. eleição 89. Mas aí aquela história: bom, não tem jeito. Então vamos lá. E claro, aquelas discussões: “Então todo mundo ajuda, todo mundo ajuda.” Depois claro, não é bem assim, você descobre que não é bem assim, né? Mas tudo bem, não é bem assim como você queria, mas as pessoas ajudam de uma maneira ou de outra. E a gente pega logo pela saída assim Collor em 15 de março fazendo aqueles decretos. E terminando com Interbrás. Então foi um período extremamente assim marcante e difícil.
Na verdade acabei ficando um mandato. Depois daquele final: “Não, aí não dá para sair agora e tal, o mandato são 2 anos.” Aí você acaba emendando um segundo mandato ainda. Foi um período assim de 4 anos, que aí pega o fim do governo Collor e o período
do Itamar Franco. Acho que pega todo aquele período da privatização da Petroquímica, da área de Fertilizante e até próximo da votação do monopólio. Só que a parte de votação do monopólio - quando votou foi no governo FHC - eu já não estava na associação. Eu continuo participando da associação ali como, sem ter cargo, mas participando da associação.
BALANÇO
Essa é uma pergunta complicada, viu? É aquela famosa pergunta: “Você se arrepende de alguma coisa que você tenha feito?” Não, sinceramente não. Eu acho que eu normalmente de vez em quando fico pensando na vida, assim, algumas coisas que eu fico me lembrando muito. Normalmente as coisas que eu fico me lembrando muito foram algumas coisas em que eu ou fiquei indeciso, fiquei com medo de fazer ou que eu não quis pensar. Porque normalmente é o seguinte: penso muito naquelas coisas. Aí tomo uma decisão. Muitas vezes eu acerto, a maioria das vezes erro. Mas naquele momento eu tinha que tomar a decisão. Eu peguei e tomei. Se certo ou errado, o importante era não fugir da decisão, o não ficar. Então eu acho que em termo de arrependimento eu poderia dizer que não.
TRABALHO POR MAIS ALGUNS ANOS
Meus planos para o futuro são vários, porque é o seguinte: primeiro, trabalhar pelo menos até os 60, 60 e poucos anos, por aí. Quando eu vejo o pessoal falar: “Ah, eu vou me aposentar. Eu não agüento mais fazer a mesma coisa.” Eu não sei. Eu como interiorano, como caipira, tal, tem algumas coisas que de vez em quando eu acho, as pessoas olham até meio... mas que eu acho importante. Eu acho que no país hoje pobre como a gente está, primeiro, eu não me sinto em condições de poder chegar e dizer assim: “Não, eu vou me aposentar ou vou parar de trabalhar daqui a 2, 3 anos, porque eu tenho condições para isso.” Primeiro eu pretendo pelo menos passar o que eu aprendi para alguém. Espero que alguém esteja interessado em aprender. E segundo, conseguir trabalhar pelo menos até uns 60, 60 e poucos anos - até porque também eu não, quando eu parar de trabalhar também o que eu vou talvez conseguir fazer é ir para talvez para a Associação dos Engenheiros. Ou para outras coisas e tal, para fazer algum outro trabalho. Eu não consigo me ver em casa parado vendo televisão, ou “nossa, o que eu vou fazer hoje.” Não, sem muita coisa para fazer. Eu gosto de ter assim uma atividade, ter o dia mais movimentado. E de certa maneira quer dizer, no trabalho hoje o que eu faço, o que eu gosto, acho que estou contribuindo. Quando eu achar que não estou mais contribuindo, que eu estou sendo mais um estorvo do que uma solução, aí eu paro.
MEMÓRIA DOS TRABALHADORES
Olha, eu acho que isso é uma iniciativa extremamente louvável. Porque as pessoas acham, quando vêem as coisas prontas todos eles: “Não, mas isso é muito óbvio.” Então hoje você dizer: “Ter uma empresa como a Petrobras que é uma das maiores empresas do mundo, que produz petróleo no fundo do mar, que abastece o mercado nacional. Não. isso é, pôxa, o que é que tem? O que é que tem de novidade nisso?” Mas você quando ouvir, quer dizer, as pessoas que estavam, que ajudaram a criar a companhia, né? Um Eusébio Rocha, Maria Augusta e outros ali que vão contar como é que foi. Como é que eles saíram na rua. Naquela época, certamente se alguém falasse em criar uma empresa como a Petrobras, o camarada ia rir: “Pô, vem cá, nesse bando de índios, de ignorantes? Como é que vocês vão fazer isso?” Isso era tecnologia para cara que já tem não sei quantos séculos de conhecimento acumulado, entendeu? Então as pessoas vão olhar aquilo como uma coisa natural. Então eu acho que isso, eu acho que o principal nisso é realmente mostrar que nada, as coisas prontas são óbvias, né? Agora você ter assim a visão política do que é importante e conseguir construir, quer dizer, ter a coragem de dizer que aquilo é importante, construir aquilo ali e conseguir preservar. E fazer que isso exista eu acho que isso aí é que é importante dizer para as pessoas. E para isso é preciso ouvir exatamente esse depoimento para que as pessoas pensam, pararem e entenderem isso e propor uma idéia. Agora a Petrobras já está feita, e daqui para a frente como é que nós vamos resolver o problema da fome, da miséria? Como é que a gente vai criar perspectiva de um país autônomo e independente? Como é que a gente vai conseguir criar um país justo? Como é que a gente vai criar, fazer com que os políticos não sejam ladrões? Como é que a gente vai fazer com que a gente própria não tergiverse sobre a verdade e consiga encarar de fato a realidade das coisas? Então eu acho que esse projeto aí que vocês estão participando e que a Petrobras está esposando e que o sindicato está brigando para que exista eu acho que é uma iniciativa exemplar. Espero que ela realmente cumpra esse papel.
Bom, eu certamente se tivesse que entrevistar eu procuraria uma pessoa mais interessante que eu para entrevistar, certo? Com certeza eu... Eu aceitei com uma... porque eu achei que era um, era fazer uma desfeita dizer não, tal. Porque era a própria negação disso. Mas certamente vocês tem pessoas muito mais interessantes aí para ouvir aí que podem dizer muito mais coisas do que eu disse. Então é isso.Recolher