Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Tiago da Silva Barbosa
Entrevistada por Tereza Ruiz
Mogi Mirim 17/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV039
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então prim...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Tiago da Silva Barbosa
Entrevistada por Tereza Ruiz
Mogi Mirim 17/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV039
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então primeiro, Tiago, fala pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tiago da Silva Barbosa, data de nascimento 9 de junho de 1990, nasci na Santa Casa mesmo de Mogi Mirim.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe, e se você souber, data e local de nascimento também.
R – Adalberto Juvêncio Barbosa, Mirtes Brandão da Silva. A minha mãe nasceu em Minas Gerais, agora o local eu não sei, e o meu pai nasceu na Paraíba.
P/1 – O que seus pais fazem profissionalmente?
R – Meu pai trabalha em farmácia, ele é ajudante geral na farmácia, minha mãe atualmente trabalha na autopeças, limpeza, e só.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família, de onde seus antepassados vieram?
R – Não sei. A parte do meu pai é bem difícil ter acesso, agora da minha mãe já tenho um pouquinho, mas é tudo de Minas, a maioria. Não sei de onde veio, mas bem mineiro mesmo. Desde pequeno, quando eu nasci, eu fui pra lá, fiquei um tempinho lá pequeno, a gente ficou morando em sítio, depois voltaram pra cá, mudaram pra Itapira, ficaram um pouquinho em Mogi Guaçu, e agora a mãe dela está aqui. A minha avó tem 12 filhos, alguns em Minas Gerais, e alguns aqui em Mogi Mirim com a gente.
P/1 – E a história do seu nome? Você sabe quem escolheu o seu nome? Por quê?
R – Sei. Então, a história do meu nome foi a minha avó. A minha mãe queria meu nome chamasse Anderson, só que a minha avó não conseguia falar. Então não conseguia falar Anderson, não conseguiria falar Anderson, e aí minha mãe optou por Tiago e ela conseguiu falar. Então foi por esse motivo que ela colocou o nome de Tiago.
P/1 – Conta um pouquinho como seu pai e sua mãe são como pessoa, o jeito deles, a personalidade.
R – Então, eu sou muito fechado com a minha família, tenho mais contato com a minha mãe. Meu pai morava comigo, atualmente, dois meses, ele saiu de casa. Então na época de criança eu era muito apegado, eu, particularmente, não me envolvia tanto. Minha até achava estranho isso, achava que eu era isolado demais. Mas meu vínculo com ela era muito forte em relação à parte de dormir, então eu gostava muito de dormir com ela, ela gostava de cantar músicas pra mim, essa parte. E meu pai, eu nunca fui tão ligado com ele. Aí com uns 12, 13 anos, eu comecei a conversar com ele, porque na época aconteceram alguns problemas familiares e acabei pegando esse receio dele. Fui crescendo, aí com 23 anos a gente começou a conversar mais, e aí nessa trajetória de vida teve um acidente, que ele levou um tiro, então ele ficou mais quieto na dele, não fala muito, ele é muito tranquilão, sabe, não consegue nem chamar a atenção muito. Depois de 18 anos a minha mãe teve uma filha, que a Júlia tem cinco anos agora. E meu pai saiu de casa, e agora só eu, minha mãe e minha irmãzinha que ficamos em casa mesmo. Mas o vínculo com ele só foi ficar mais forte depois dos 18 anos. Antes do 18 anos eu vivia mais assim, ICA, que eu ficava aqui no ICA, e chegava a casa, mais trancado no quarto, não era aquela coisa assim. Jantar, a gente não jantava junto, cada um no seu canto. E com a vinda da minha irmãzinha a gente ficou mais próximo. Mas depois aconteceram algumas coisinhas, que ele saiu de casa. Agora sim eu falo que eu tenho mais vínculo com a minha mãe. Então hoje eu conto tudo pra ela, hoje eu falo tudo que eu faço. Em relação da decisão minha de sair pra fora e tentar conhecer o mundo afora, ela está meio assim, mas está apoiando também. Então a minha trajetória foi sempre na minha. Tudo que eu queria, tudo que eu fiz, não contei pra ela, coisas importantes, primeira namorada, primeira menina que eu fiquei, nunca tive esse vínculo com ela. Agora eu to tendo.
P/1 – E por que você acha que era mais fechado desde criança?
R – Então, foi por escolha mesmo. Porque quando eu entrei no ICA, eu fiquei meio determinado, então desde os dez anos, até agora, eu sempre fui focado nesse mundo: viagem, apresentação, quero apresentar num lugar, correr atrás. E eu sempre fui individual comigo mesmo, sempre tenho o meu autoacreditar, então tento acreditar e vou buscar. Tento não depender deles, mas não é no mau sentido, é mais pra mostrar mesmo que eu consigo. E do meu pai mesmo, eu acho que o forte mesmo é com o meu pai, pelo que ele fez no passado e até acontecer depois do tiro, teve a preocupação com ele, mas ao mesmo tempo acho que foi um tempo de deixar a sós. Então não tem um porquê.
P/1 – Mas essa questão, a relação do seu pai, você quer falar um pouquinho sobre isso? Ou você...
R – Ah sim, a relação...
P/1 – Assim, qual é a questão, por que era difícil.
R – A relação com o meu pai foi assim, com sete, oito anos, ele tinha um bar, eu estava com sete, oito anos, e ele batia na minha mãe, deixava a gente pra fora. E tem umas coisas que marcam muito pra mim, não hoje, que acho que já passei dessa fase, mas com 15, 16 anos, eu não conseguia nem olhar na cara dele, era muito forte. E aí ele levou um tiro, com 12 anos eu tinha, ele levou um tiro, marcou, o médico falou pra minha mãe que era perigoso ele não voltar, e se ele vivesse, ia ter alguma sequela e tal. Então hoje em dia, a sequela dele é o esquecimento. Hoje se ele está na sala, ele vai à cozinha, ele esquece o que ele vai fazer na cozinha. Mas agora está melhor, toma medicamento. Às vezes ele tem derrame, às vezes ele tem convulsão, então a gente toma esse cuidado. Mas a minha relação com ele não foi de amor, carinho, que eu nunca tive isso dele. Mas não julgo, não, acho que isso é de menos. Gosto muito dele, independente onde ele estiver, ou onde eu estiver, eu vou amá-lo, e é isso. Agora, quando ele se separou da minha mãe, eu estive mais próximo com ele, porque ele ficou mal, então conversei, dei conselho pra ele. E pra mim isso é muito bom, dar conselho, porque na época que eu precisei dele, ele não estava comigo, mas agora que ele está precisando, eu estou tentando ajudar. E pensando no geral da família também. Eu amo muito família, sou muito ligado à família. Agora que eu estou começando a despregar e pensar um pouquinho em mim. Mas a minha relação com o meu pai sempre foi ele na dele, eu na minha, e quando os dois conversavam, ou discutiam, ou um saía magoado, sabe?
P/1 – E esse tiro foi num conflito que ele levou?
R – Então, foi do nada. Ele estava num bar, a gente estava em casa, ele contando, e aí o cara entrou e falou que ia matar o primeiro que visse, aí o meu pai, sortudo, foi o primeiro. Ainda lembro até hoje a cena do bar, a gente acudindo, o bar cheio de sangue, a gente lavando no dia seguinte. E aí foi essa parte. Minha mãe se fortalece com ele em relação a isso, porque até então minha mãe queria entender por que ele fazia isso. Aí ajudou, mudou, a gente começou a ir pra igreja, eu comecei a entrar na igreja também, a gente estava uma família bem tradicional, sabe? Bem um com o outro, todo mundo apoiando, jantando junto, indo pra igreja. Depois a gente parou um pouquinho, separou um pouco. Eu comecei a crescer e fiquei na minha mesmo. Então já com a minha mãe eu também era assim. Mas nunca perguntei o porquê ele foi assim, nunca perguntei pra minha mãe também. Minha mãe sempre foi preocupada, aquela mãe no pé: “Filho, você não pode sair, você não pode dormir na casa dos seus amigos, você não pode trazer ninguém pra dormir aqui”. Então a minha infância foi meio fechada. Só que ao mesmo tempo, eu acho que tive bastante privilégio, que eu viajava desde pequeno já. E nunca fui ligado a amigos, nunca procurei tanto ter amigos: ah, eu quero ter um ali, quero ter um que precisar dar conselhos. Então sempre fiquei nessa aventura, sabe, vai, volta, fica três meses, volta. Aí teve algumas oportunidades de ir pra fora, sempre conversei com ela, mas ela nunca deixou. E com a minha mãe foi muito tensa a minha relação com ela porque ela não apoiava a minha decisão, tipo, dançar, dançar balé. Eu mentia que era futebol, mas fazia balé (risos), aí ela descobriu. Então teve coisas na minha história que é muito forte, mas acho que é aprendizagem, sabe? E acho que hoje em dia a minha relação com ela está muito forte. Acho que um ajuda o outro.
P/1 – Você falou que tem uma irmãzinha, é a única irmã?
R – Isso. Nunca imaginei que ia ter uma irmãzinha, porque eu sempre fui o filho único. Então depois que veio a notícia, até minha mãe ficou mal, porque não queria. E graças a Deus acho que veio em hora certa, ajudou muito a gente. Graças a Deus ela é linda, é uma menina superabençoada, então é a alegria da casa. Desde pequeno fui apegado com ela, fui me apegando. O meu pai também nessa hora ficou mais próximo da minha irmãzinha. Eu acho que acredito que veio de Deus, então a gente ficou mais unido.
P/1 – Qual a diferença de vocês, de idade?
R – Diferença?
P/1 – Quantos anos você tinha quando ela nasceu?
R – Dezoito. Pouquinho tempo, cinco anos. E foi isso. Acho que foi muito bom. Foi bom.
P/1 – Conta pra gente um pouco como era a casa em que você passou a infância, a casa e o bairro.
R – Então, passei a infância em Minas e em Mogi Mirim. Em Minas Gerais a gente morava em sítio mesmo, só que era um sítio muito grande, tinha até cachoeira, tudo. A gente morava no fundo da casa da minha avó. Então quando eu era criança, lá pra uns três, quatro aninhos, a gente morava no fundo, cama de bambu, um fogãozinho só, e era molecada, então a gente juntava no campinho de futebol e ficava jogando. Já em Mogi Mirim, a minha mãe conseguiu ter uma casa própria, então tinha três cômodos: cozinha, banheiro e o quarto. E era tranquilinho, bem vila mesmo, não tinha asfalto na época. Tinha uma árvore em casa, então construía casinha na árvore, balanço, era bem tranquilo. Nunca fui de sair de rua, depois dos dez anos que eu comecei a...
P/1 – Que bairro era aqui em Mogi?
R – Era o Parque Laranjeiras mesmo, onde eu moro mesmo. Aí ampliou agora a casa. A gente conseguiu ampliar a casa, tem 12 cômodos agora.
P/1 – E do que você brincava quando era criança e com quem você brincava?
R – Então, não brincava muito, ficava muito entretido com televisão. Então o tempo todo televisão, o tempo todo DVD. As brincadeiras mais mesmo eram lego, aí tinha aqueles brinquedos de construir, que se transformavam lá, tipo uns robôs, aí teve a época do Digimon, que eu fiquei viciado em Digimon. Coisas mais assim, cartinha, pipa eu nunca soltei, nunca gostei, futebol também não, brinco às vezes, mas naquela época nem tanto. Era mais isso. E gostava de desenhar. Computador, depois que ganhei computador também fiquei bastante no computador, mas era mais curiosidade. Mas o mais mesmo da minha infância era televisão, adora desenho, nossa.
P/1 – O que você assistia?
R – Ah, assistia Tom e Jerry, que eu gostava muito, Looney Tunes, aqueles Baby Looney Tunes, Digimon, Pokemón. Acho que os mais que marcaram mesmo foram esses. Digimon, esse foi o mais que marcou.
P/1 – E quando você frequentou a escola, você tinha quantos anos, Tiago? E quais são as lembranças que você tem?
R – A idade eu não lembro, mas eu gostava muito. Eu lembro que eu era muito arteiro na escola, tirava nota baixa. Eu lembro que não tinha muito nota alta, tinha muito dificuldade em Português e Matemática, e morria de medo disso, então foi meio uma frustração, até no colégio, a preocupação com Português e Matemática. E o que eu lembro, eu brincava demais, fazia o outros rirem demais desde pequeno, sempre brincando, sempre fazendo os outros rirem. Nunca tive problema com ninguém, nunca briguei em escola, mas já apanhei várias vezes em escola. E gostava de brincar em parquinho, sempre me arriscando, sabe? Então ia lá, não podia, eu ia pra ver como era, a altura não pode, subia. E gostava de fazer. Gostava muito de assistir filme na escola também. Então as coisas de filme e televisão são as que mais me marcaram a infância.
P/1 – E você teve algum professor marcante?
R – Teve a Márcia. Acho que foi no quarto ano, a Márcia. A Silvana também, mas a Márcia, ela que foi que me ajudou muito. Fiquei de recuperação, acho que fui o único da sala que ficou, então a gente teve uma ligação muito forte. Ela vinha, dava conselhos. Além da Matemática que eu fiquei, ela ajudava em outras matérias, passava vídeo também, foi como uma mãezona mesmo, acho que me marcou. E a confiança que ela depositou, sabe, “acredite, não desista”. E a Matemática, eu consegui melhorar um pouquinho nessa época, no quarto ano. Consegui passar, fiquei superfeliz de sair da escola e ir pra outra. Aí começou a fase já de responsabilidade, pegar ônibus sozinho, ir pra escola direto, trocar de roupa, tomar café sozinho. Então isso foi uma parte que marcou bastante também a minha infância.
P/1 – Essa primeira escola era próxima da sua casa?
R – Era. Era um morrinho só. Era só descer e... Era mais perto. Depois, no mesmo ano, no meio do ano eu mudei de escola, aí ficou no Centro. Aí ficou um pouquinho mais difícil, pegava ônibus mesmo. Tinha um pouquinho de medo, mas depois fui acostumando, tranquilo. Essa escola foi mais difícil, porque lá eles exigem muito, então todas as notas têm que estar alta. Então me esforcei bastante, mas consegui. Acabei voltando pra essa escola. Passei o ano, no ano seguinte voltei e terminei nessa escola, que é o Valério Strang, de Mogi Mirim. E fiquei lá. Nessa escola eu construí projetos, eles já sabiam que eu dançava, fazia circo, consegui fazer a minha arte dentro da escola pra ganhar nota também. Desfile, ajudava a escola organizar, evento na escola, festa junina, então já tive uma credibilidade aí, além das notas que precisava tirar.
P/1 – Quando você era criança, você lembra o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que você pensou numa profissão?
R – Então, eu nunca pensei. Depois que eu entrei no ICA, eu sempre quis ser artista independente. Depois eu conheci um pouquinho o Soleil, o Cirque du Soleil, então sempre quis: “Nossa, preciso chegar ao Cirque du Soleil”. Hoje em dia a visão não é essa, mas sempre quis estar em cena, sempre quis estar aí. E eu vejo hoje algumas fitas minhas do ICA aqui, sempre chamei atenção, o menino que destaca. Então foi mais nessa área mesmo artística. Hoje eu estou conseguindo trabalhar com arte, então faço evento, dou aula, dou aula particular também, atuo em festas, casamentos, essas coisas, mas o foco é artístico. Não cheguei ao meu sonho ideal ainda, mas...
P/1 – Está caminhando.
R – Está caminhando.
P/1 – Como você conheceu o ICA? Conta pra gente a história.
R – O ICA eu conheci indo pra escola, então todo dia eu pegava ônibus e tinha um pessoalzinho das mangas coloridas. Aí tinha um de vermelho, um de azul e tal, e eu sempre ficava perguntando. Porque eles sentavam no fundo e sempre era aquela animação: “Ah, vamos brincar, não sei o quê”. Eu ficava olhando isso. E teve um dia que minha mãe mudou de serviço e morava perto do ICA ali. Ela trabalhava em apartamento, de faxineira, aí eu peguei junto, faltei da escola e fui. Fiquei uma semana indo todos os dias. Aí a gente foi conversando, minha mãe conhecia algumas mães que tinham aluno no ICA, começou a conversar, falei: “Nossa, quero ir, quero ir, quero ir”. Chegamos a casa, conversamos, ela falou: “Tá, vamos ver”. Só que na época não tinha vaga, eu estava com nove anos. Não tinha vaga, porque pra entrar no ICA precisava estar no Educandário, e eu não fiz educandário, aí, nossa, foi difícil. E aí que eu pedi pra minha mãe, pedi muito pra ela, insisti. E eu fui uma criança que tudo que eu queria, chorava, chorava, birra, birra, até ficar doente, e conseguia. Depois que ela conseguiu falar com o ICA, deixou o meu nome da lista, a lista era grande. Ela ficou uma semana, praticamente, indo todo dia lá comigo no ICA conversar, conversar, até que depois de uma semana eu consegui entrar. Eu lembro até hoje o primeiro dia que eu entrei no ICA, o primeiro dia que eu coloquei a camiseta do ICA. Pra mim foi muito bom. Sempre quis estar lá, mas morrendo de medo de estar lá, porque eu não sabia que lugar era esse. Então através dela mesmo, do esforço da minha mãe, eu consegui entrar no ICA.
P/1 – E como foi? Você falou que lembra até hoje o primeiro dia, qual foi a sensação? Quais são as lembranças que você tem?
R – Lembro. Eu estava com medo. Eu estava muito ansioso, então desde o ônibus, alguns meninos do ICA, não lembro quem, mas acho que era a Joseane, que conhecia já a minha mãe, minha mãe falou: “Olha, ajude-o”. E eu era muito pequenininho, nossa, magrelinho, magrelinho. Muito pequeno nessa época. Ela falou: “Não, ajudo sim”. A gente foi. E era tudo novo, era desde a entrada a ter responsabilidade. Aí falou da chave, falou do quadro de estrela, a importância do quadro de estrela, falou a questão de se servir no refeitório. E eu não gostava de comer alguns legumes, então no primeiro dia eu já chorei, porque a Nicolina, que é a cozinheira do ICA, me fez comer couve-flor, e fiquei acho que uma meia hora a mais do almoço pra comer, então assim, já teve algumas preocupações. E depois do intervalo eu não me enturmei com todo mundo, só com a Joseane, só que ela foi aquela amiga boa, sabe? “Gente, esse aqui é o Tiago, nã nã nã”. Foi apresentando, foi apresentando. Passou uma semana nesse jeito, indo na minha, depois que comecei a soltar as minhas asinhas, conhecer mesmo, fazer um vínculo de amizade. E aí tinha o grupo do Gustavo Müller, que foi o primeiro professor de circo, que era Trupe e Sofia, então o tempo todo apresentando, o tempo todo via as pessoas maquiadas, o figurino colorido, então “o que era aquilo, o que era aquilo”. Nunca imaginei que ia entrar no circo de cara. Teve um dia que eu conheci a Dani, que deu entrevista também, ela falou: “A gente está treinando, você quer treinar?”. Eu comecei a treinar com ela. Como eu era pequeno, ela começou me treinar de volante. Comecei a treinar com ela, treinar, treinar, aí teve as escolhas das vertentes, eu escolhi circo, teatro e dança na época, menos música. Comecei a fazer as três, comecei me destacar no circo, e já no primeiro ano eu entrei na trupe. Fiquei treinando e apresentando. Aí teve o primeiro desfile, a primeira apresentação fora, aí já começou, daí não pararam mais as responsabilidades, sabe? Tipo, compromisso, bilhete, uniforme, ensaio de domingo, ensaio de sábado, apresentação à noite. Foi muito bom. E o que mais marca no ICA quando eu entrei foram os abraços de todos os educadores, o acolhimento, o almoço principalmente, todo mundo reunido, a oração na fila, a gente esperava pra fazer a oração, a questão da organização, todo mundo com uniforme, tinha a cobrança também, a questão de comportamento, mas era muito bom. E lá na época que a gente fazia ICA tinha aquela parte do reforço, não gostava muito, mas foi muito importante. Além das aulas artísticas, tinha aula de capoeira, karatê, artesanato. Fiz artesanato e karatê. E fui buscando. Mas o que mais me marcou foi o circo. Depois não parei mais.
P/1 – E na trupe, você lembra nesse começo na trupe, com o circo, de alguma história, algum momento marcante, uma apresentação?
R – O que me marcou foi a apresentação dos namorados, é uma cena que o Gustavo Müller montou, então todo mundo de cara branca com detalhes coloridos na maquiagem, figurino, até hoje existe esse figurino aqui no ICA, eu como educador tento preservar, que faz parte da minha história, acho muito bonito também, e o trabalho dele era muito clown. Então ele pegava a arte circense e colocava muito no mímico, trabalhava o clown, a expressão de cada um. Então sem saber de tudo isso, eu o admirava muito. E tinha uma caixa grande, essa caixa era uma caixa de madeira, uma caixa mágica, e tinha um fundo falso. Eu lembro até hoje que quando eu quis entrar, eu entrei nessa caixa, fiquei um bom tempo lá dentro, todo mundo me procurando no ICA, aí a Dani me achou, ela falou: “O que você está fazendo? Não pode ficar aí”. Aí eu conheci o Gustavo. Não tinha muito vínculo com ele, aí ele me apresentou os aparelhos aéreos, que é o tecido e o trapézio. Fiquei no tecido, através disso eu entrei mesmo para o grupo fazendo o aéreo. Nessa parte, ele me indicou já pra fazer o balé, aí que veio a história que eu comecei a mentir pra minha mãe pra fazer balé mesmo. Não via importância nisso, mas eu fazia, acreditava muito nele. E até hoje o meu trabalho eu me inspiro muito nele. Que o que mais marca é a questão do colorido, o lúdico, o palhaço ele trazia muito. O cara manjava muito bem a questão do cenário, então tinha um dragão enorme, ele trabalhava além da prática circense. Ele é artista plástico também, então ajudava muito. E o que mais me marcou foi o convite para o desfile: “Você quer fazer?” “Não, quero fazer”. Só não desfilei, nem fazer técnica nenhuma, mas só de entrar naquele ônibus jardineira e já estender a mão para o público, pra mim foi muito bom, e a primeira vez que me maquiei, foi pancake branco e narizinho vermelho só.
P/1 – Mas nesse desfile?
R – Foi nesse desfile.
P/1 – E que desfile é esse?
R – Se eu não me engano, foi em 2000. Eu entrei em 2000, foi no meio do ano de 2000.
P/1 – E que desfile é esse?
R – Desfile da cidade, 22 de outubro. Sempre o ICA desfilava, tinha toda parte, mas o que mais focava no desfile era o circo. Tinha uma jardineira, que era um ônibus grande, o pessoalzinho da trupe subia, ele parava, todo mundo saía do ônibus, fazia uma apresentação e voltava. Só que nesse dia eu fiquei só no ônibus. Pra mim foi muito gratificante. Passou o ano, fiquei mais dois anos com ele, depois ele saiu do ICA. Aí fui continuando como aluno. Teve outros professores na carreira de circo, é muito grande a carreira.
P/1 – E essa história do balé, como surgiu na sua vida? Conta um pouquinho mais com detalhe onde você foi fazer balé e como era essa relação com a sua mãe e como isso se resolveu também.
R – A história do balé foi que ele falou que precisaria fazer aula de balé, porque o aéreo exige a postura, ponta de pé, alongamento no corpo, tudo. Eu fui fazer, mas até então fui na zoeira. Fui e eu mais dois, e esses dois já estavam avançado no grupo, então meio que tinha uma competição entre nós três, eu falei: “Não, eu vou fazer”. Eu fui contar pra minha mãe, falei, ela não deixou. Eu menti pra minha mãe, menti no ICA, falei: “Não, eu quero fazer”. Fui lá, conheci a Eliana Furno, foi minha primeira professora de balé também. Aí eu fiquei, fiquei, fiquei uns quatro meses acho fazendo balé pra tentar ajudar, depois ele saiu. Não... É isso, quatro meses no balé, depois eu saí por causa da minha mãe, não deixou, mas depois eu voltei de novo.
P/1 – Mas onde era que você fazia balé?
R – Era na academia aqui do lado do ginásio aqui. Era academia mesmo e aula básica, não era tão avançada.
P/1 – E por que sua mãe não deixou? Como foi a conversa com ela? O que ela te disse?
R – Nossa, não lembro, sei que ela era muito preconceituosa: “Ah, mas meu filho fazer balé?”. Aquela velha história, sabe? “Meu filho fazer balé, colocar roupa apertada?” Na época a gente nem colocava roupa apertada, era uniforme do ICA mesmo e uma sapatilha no pé. Então a professora de balé já sabia, a gente estava tentando melhorar pra parte do circo, não pra ser bailarino. Mas desde lá nas aulas ela me falava que eu tinha destaque: “Não, se você pegar firme, você vai ser um bom bailarino, você tem potencial e tal”. E isso foi crescendo dentro de mim, até hoje eu não parei com a dança. Então tem essas duas áreas: circo e a dança. Atuo como bailarino também. E falar com a minha mãe foi difícil. Todos os pontos de todos os aspectos de arte: “Ai, mãe, eu vou fazer isso. Mãe, surgiu isso. Mãe, o figurino é isso”. Até figurino ela chegou a rasgar um dia antes da apresentação. Em todas as apresentações, até os 17 anos, nunca foi. Então ela nunca apoiou. Não sei se era por causa da igreja, mas nunca apoiou. O meu pai também nunca falava nada, sempre na dele. Mas minha mãe era muito autoritária, ela era minha mãe e meu pai ao mesmo tempo.
P/1 – E você lembra qual foi a primeira apresentação sua que ela assistiu?
R – Nossa, agora ficou difícil.
P/1 – Ou a primeira que você se lembra.
R – A primeira apresentação que eu lembro foi o ICA mesmo, foi o desfile, que eu desfilei. Agora de balé foi o Peter Pan, que eu lembro que foi em 2007.
P/1 – E como foi?
R – Ah, foi muito bom, mas ela não gostou. Porque: “Filho, eu gostei muito, parabéns, mas nossa, essa roupa apertada não dá”. Não desse jeito, muito brava, sabe? Muito brava. Hoje em dia ela vai aos festivais e cada um que eu pego pra fazer, às vezes tem uma experiência muito grande, ela fica brava ainda, até chora, porque: “Nossa, por que você está fazendo isso?”. O ano retrasado, o tema era Musicais da Broadway, a gente fez até Priscilla, a rainha do deserto. Fiz uma das Priscillas, collant, perucão, salto. Vixe, aí ela surtou. Mas aí teve as outras cenas, aí ela gostou. E é sempre assim, ela gosta, mas fica assim. Esses dois últimos anos ela está mais tranquila, aceita, abraça no final, tira foto, sabe, sempre está tentando ir. Então eu estou sentindo-a muito mais participativa, e isso é bom pra mim. Acho que isso quando era na minha infância fazia muita falta. Sentia-me completo no palco, mas um bagaço fora, não tinha esse apoio. E é muito difícil sem o apoio da mãe.
P/1 – E essa questão da religião, Tiago, como entrou na sua vida? Você mencionou rapidinho lá atrás, a questão do seu pai, eu queria saber, você nasceu já evangélico, numa família evangélica? Ou você se converteu? Como foi isso pra você?
R – O que minha mãe me fala é que quando eu era pequeno eles eram católicos, que tem a igreja lá em Minas, era bem fiel à católica. Quando eu vim pra cá, a gente mudou de religião, mas acho que foi após o tiro do meu pai que aconteceu. Eu não sei como surgiu isso, acho que começou a frequentar, eu fui. Nessa igreja que eu comecei a frequentar era muito difícil pra mim, porque eu fazia arte, queira ou não queira eu saía, também fazia bagunça em termos de balada. E minha mãe sempre foi: “Não, escuta essas músicas. Não faz isso. Você ficar se maquiando, Deus não gosta”. Então teve essas duas pressões: o lado artístico, que você precisa caminhar e acreditar, e essa parte de religião. Então acabei perdendo um pouquinho da minha trajetória, de foco. Então estava com um pensamento, tive que mudar por causa da religião. E foi forte em casa, então altas discussões, altas brigas por causa de religião. Eu comecei a me interessar mais pra igreja, fiquei mesmo mais fortalecido na igreja, e na igreja tentei aplicar o que eu gostava de fazer. Aí montei um grupo de dança, tocava no louvor que tocava teclado, fazia evento, sei lá, Dia das Crianças, me vestia de palhaço, no Natal montava a noite do Natal. Então tentei contribuir o que eu sabia. Na época a igreja estava muito forte, o pastor, todo mundo unido, todo mundo indo pra igreja, aí minha mãe entrou no louvor, meu pai também estava sendo obreiro, então estava aquela coisa bem casa e igreja, casa e igreja. Então teve essa fase que foi superboa também. Depois eu desfoquei da igreja, hoje em dia eu não vou mais, mas não é por opção, nem por tempo, isso é desculpinha, mas eu preciso voltar, acho que pra mim é muito importante ir pra igreja, gosto muito quando eu vou, me sinto mais tranquilo comigo mesmo. E acredito, religião não tem como forçar, então teve uma época que minha mãe me forçava ir pra igreja, não me deixava sair com os meus amigos pra ir... “Ah, você não foi à igreja no sábado, então você não vai sair na terça.” Então era bem difícil. A minha relação com a minha mãe foi muito difícil, a minha infância. Então eu sempre dependia dela tudo que ela deixava ou não deixava, tinha que obedecer. Então se não deixava, chorava, chorava, mas não tinha o que falar, ela não deixava.
P/1 – E nessa época de adolescente, você falou de música e festa, eu queria saber, além da escola e além do ICA, o que você fazia pra se divertir?
R – Só.
P/1 – Mas tinha uma coisa pra se divertir, ouvir música, se encontrar com os amigos?
R – Então, a minha diversão era as minhas viagens com o ICA, e ICA. Eu vivia no ICA. Agora, sair, balada, ela não deixava. Eu fui sair pra balada com 20 anos, 19. Que eu nunca tive interesse mesmo. Eu não gosto de balada. Não gosto muito, mas às vezes eu vou com os meus amigos. Mais essas coisas de festival, música. Sempre fiquei no meu quarto também, gosto de escutar música, então era mais fechado, não saía.
P/1 – O que você gosta de ouvir?
R – Então, atualmente eu gosto muito de Cirque du Soleil, é uma coisa que me inspira muito, músicas contemporâneas. Gosto um pouquinho de tudo, menos rap. Acho que é o mais que eu não gosto mesmo. Sou bem eclético, mas o que mais escuto é o que está ligado ao meu trabalho. Tudo que é arte, tudo que envolve dança, tudo que dá pra montar, tudo que dá pra criar, eu to buscando. Músicas brasileiras eu também gosto, internacionais principalmente, é o ponto forte.
P/1 – Tem alguma canção que tenha te marcado, com a qual você tem uma história?
R – Ai tem... Eu esqueci o nome. É Two of Me, eu acho, é do Johnny, uma coisa assim. É atualmente essa que eu escuto mais. E eu sempre trabalhei com música, então tem fases da minha vida que eu estou escutando tal música, que está me ajudando, às vezes eu procuro resposta nas músicas também, sou muito emocional (risos), sou muito intenso.
P/1 – Você se lembra de algum exemplo de uma música que tenha te ajudado a passar por uma fase?
R – Ah, foi uma fase acho que de 15 anos, a gente foi apresentar no Recanto, e foi a música que eu escolhi pra fazer tecido, e essa música estava fazendo por fazer, a música não... Foi meu professor que escolheu. E no festival tinha uma música que era das Bonecas, que era uma música muito bonita, e lenta. E na época eu tava meio apaixonadinho e tal, eu peguei essa música pra mim e fiquei escutando. E nessa época eu não tinha resposta da outra pessoa, e ficava escutando, escutando, escrevendo carta. Era bem assim, tudo escreve, tudo escrevo. Então lá no meu quarto tem um monte de agenda, um monte de papel escrito. Então eu tento sempre escrever, porque eu não consigo me abrir muito com as pessoas, principalmente com a minha mãe na época.
P/1 – Que música era essa?
R – Ah, não lembro agora. É a Sandy e Júnior que canta... O Júnior que canta. Aquela: “Não quero escutar, alguém...”. Do Herói lá, não sei se você lembra. “Não sou mais alguém querendo encontrar, nã nã nã nã nã.” Só que em inglês, não é a versão do Júnior, não.
P/1 – E esse foi o primeiro amor, ou o primeiro grande amor?
R – Não, então, eu acho que eu nunca amei (risos). Acho que foi fase.
P/1 – Mais paixão. Uma paixão.
R – É. Acho que foi a primeira e a última. A segunda paixão minha foi com a minha melhor amiga, com a Dani. A gente ficou um tempinho junto. Mas hoje em dia eu sou bem tranquilo pra isso. Não que eu sou fechado, não que eu não queira que aconteça, mas tem coisas mais importantes acontecendo assim. Mas durante aquela época foi a primeira paixão, que marcou mesmo. Ficava mal, ficava isolado, me estressava à toa, discutia com a pessoa, aí na época a gente brigou também. Era a época de turminha, a pessoa brigou e fez a turma inteira ficar contra mim, eu com a minha turma ficar contra a turma. Isso era tudo no ICA. E ao mesmo tempo escutando espetáculo, acontecendo aula, acontecendo isso, comportamento, escola. Então era muita coisa. Hoje eu fico me perguntando como educador, não sei se essas crianças passam por isso, mas é muita coisa que acontece. Então acho que o que mais marcou é isso. E até hoje eu busco música. Eu amo escutar música. Então toda vez que eu estou estressado, preocupado com alguma coisa, procuro um tempinho e escuto. Hoje em dia não mais assim com... Que nem, por exemplo, esse ano, esse ano eu não tive muito tempo pra mim, esse ano foi bem corrido, mas todos os anos eu tento um tempinho de escutar música. Sou mais tranquilo, não sou muito agitado.
P/1 – E, Tiago, eu queria saber, aqui no ICA... Vou te fazer uma pergunta sobre a sua trajetória no ICA, mas antes eu quero saber se dessas viagens que você fez pelo ICA, teve alguma mais marcante também, ou um episódio, um momento?
R – Todas. Todas marcaram, mas a que mais marcou pra mim foi a Fiesp quando a gente foi apresentar no prédio em São Paulo, então a primeira vez que fui pra São Paulo, nunca tinha imaginado. E naquela época o processo de montagem foi muito grande, então o ICA parou realmente, contratou uns sete artistas, então tinha o Monteiro, e esse é o professor que marcou mesmo a minha vida.
P/1 – E por quê?
R – Pela intimidade que ele deu, pelo carinho dele. Então acho que essa fase de já não ter meu pai, sempre procurei na arte. E aí veio ele todo dedicado, o trabalho dele é o que eu sigo, sabe, o lúdico, o palhaço, o acreditar, até a maneira que ele lidou com a gente. Aí tinha a Patrícia também, faleceu esse ano, infelizmente, tinha a Paulinha, tinha a Karen, tinha a Renê, então veio um grupo imenso pra fazer esse espetáculo, e o ICA abraçou a causa. E a gente fazia um pouquinho o estilo... Dividia os meninos com as meninas, então tinha a trupe dos meninos e a trupe das meninas, depois juntava tudo. A gente foi fazer uma apresentação pra Fiesp. Acho que foi um prêmio que o ICA ganhou e a gente foi apresentar no prédio. Então era a primeira maquiagem bem maquiagem forçada, maquiagem pesada, então ele trouxe uma linha de palhaço que a gente não sabia. Eu era o mais mascotinho da turma, então tudo que era pra fazer, eu fazia. Eu era o único menino que estava no meio das meninas fazendo cena, o que destacava, que fazia ponta de pé (risos). Então na verdade foi o que mais me marcou. E o dia que chegou lá foram as fotos, a dedicatória, o público mais adulto. Porque a gente sempre apresentava em escola, em Viação Santa Cruz. Lá não, já era um público mais formal, teve o primeiro coquetel, nunca sabia o que era um coquetel, um elevador, nunca soube o que era um elevador. Então teve coisa que marcou. E a felicidade da Císia. Eu lembro que no ônibus a gente até pediu uma camiseta, que era uma camiseta amarela, ela falou: “Olha, vocês podem ficar com a camiseta amarela, vocês pode usar como uniforme do ICA”. E naquela época era muito forte, quem apresentava vinha depois e se achava. Então gostei muito dessa parte, de estar nesse evento do Ibirapuera, não pela apresentação, mas pelo processo, a gente ficou nas férias inteiras treinando, então todo dia almoçava, todo dia tomava café, se precisasse dormir, a gente dormia no ICA. A gente foi na segunda, por exemplo, a gente dormiu no domingo no ICA, então a gente ficou vivendo isso mesmo. E foi uma equipe muito grande. Gostei muito. Tenho foto até hoje e tenho até DVD e vídeo cassete.
P/1 – Tinha um nome o espetáculo?
R – Ai como era? Eu não lembro, mas tinha uma música, era: “E o palhaço o que é? Ladrão de mulher”. Aí começava a falar: “O sonho, o sonho do circo é um sorriso”. Aí tinha um pipoqueiro, eu era um dos pipoqueiros. Era bem tradicional, mas a gente coloca o nome de Fiesp, foi na Fiesp, mas a linha do trabalho era tradicional. Então tinha as meninas, que eram as bailarinas, os palhaços, que eram os pipoqueiros, e os acrobatas, que eu fazia também. Então era bem lúdico. E a música também que marcou a minha vida, nesse dia, foi a música da Alegria, que a gente ensaiou, que era do Cirque du Soleil, só que no dia mudou. Mas o processo de montagem foi Alegria também. E essa música diz tudo, então eu particularmente levo pra mim também.
P/1 – Por quê? Explica um pouco pra gente.
R – Além de ser do Cirque du Soleil, que eu gosto muito, mas... É porque música de circo pra mim é diferente das outras, é o que me inspira. Então todo treino meu eu escuto umas três. Mudo de música, mas sempre estou escutando algumas. Os meus trabalhos todos que eu faço artísticos sempre pegam mais ou menos uma linha do Soleil. Não pego a música deles, mas tento pegar algumas parecidas. Tem alguns vídeos deles que olho, tem espetáculos deles que eu tento me inspirar também, eu acho que é disso, pelo meu trabalho. Então a minha linha de trabalho é bem Soleil, o lúdico, o que o lúdico pode proporcionar e a experiência.
P/1 – É a sua maior referência, você acha?
R – De circo você fala? Sim. Eu não tenho muito contato com eles, acho que fiz três formações com eles, uma mais intensa, que foi na Antena da Alegria, que a gente ficou uma semana lá fazendo com eles, aprendendo maquiagem, aprendendo o básico do básico. Eu tinha 13 anos quando o ICA levou.
P/1 – E como foi essa experiência?
R – Ah, nossa, estar no Cirque du Soleil pra mim, eu me sinto completo. Eu não sei se eu posso chegar até esse lugar ainda, eu falo: “Tiago agora, mas a experiência que eu tive, que eu o ICA me proporcionou, foi muito boa”. Então é aquele negócio de ídolo, você imaginar que um dia você pode estar nesse lugar, e um dia você está. Você chega, você vê o que é atrás do palco, como funciona, então tem escada, tem figurino, realmente tem a lona de treino. Então as minhas experiências com o Soleil é muito forte, porque atualmente a gente vai ao Cirque du Soleil ainda. No ano passado a gente foi ao Varekai. O Varekai que eu assisti foi gravado em 2003, em Sidney, tem alguns artistas que são DVD, sabe? Então tem coisas que me marcam muito. O dia que eu fui assisti o Alegria foi o espetáculo que mais marcou na minha vida. Além do Saltimbancos, foi o primeiro que “nossa, primeira vez no Soleil”, mas Alegria é o que mais marcou pelas músicas, que eu gosto de todas, e pelo contexto do espetáculo, chorei mesmo na plateia (risos). Então todos que eu vou, eu não nego paixão de ir, me esforço bastante. E a ligação é muito forte. Então eu levo comigo, independente de onde eu estiver, ou se eu parar com arte, ou não, eu vou sempre valorizar isso, sabe? O contato que eu tive com eles e o que eles proporcionam. Não sei quem é o cara, não sei se o cara me conhece, sabe? Porque é muito grande falar de Cirque du Soleil, a empresa é... Mas, tudo que eu posso estar envolvido com eles. Faço parte do clube deles, recebo notícia deles. Já recebi e-mail de teste pra fazer, já tentei, mas senti que eu não estava pronto, preciso treinar bastante. Mas é isso, é uma paixão que está aqui, está guardada. Não sei se vai ser o sonho ideal, mas é o que me sustenta, uma das paixões que me sustenta.
P/1 – E você começou aqui no ICA, eu queria falar um pouco da sua trajetória no ICA, você começou como aluno e hoje em dia você é educador, né? Como é essa mudança? Qual a diferença de ser... Como você se tornou educador? Eu queria que você contasse um pouco a história pra gente. E qual a diferença de educador e de ser aluno? O que muda na relação com o ICA e com a prática do circo, da dança?
R – Então, estar no ICA como educando foi uma experiência muito boa. Eu depois que entrei no grupo de circo tentei aproveitar o máximo de todas as aulas, menos música, que eu tinha muita dificuldade, mas eu fazia aula de música também, sei um pouquinho o básico também. Mas as três vertentes, teatro, música e circo, são as que me especializei. O circo é em primeiro lugar, dança é em segundo, e teatro já está nas duas vertentes. Como educando aproveitei o máximo, nunca neguei esforço pra estar. E eu acho assim, mudar de educando para educador, eu acho que além de ver o trabalho do ICA crescer, que eu me sinto muito privilegiado de estar aqui dentro, hoje como educador tento proporcionar para os educando o que eu tive e o que não tive também. Às vezes a gente acaba tendo algumas frustrações, ou querendo mais, então eu tento sempre estar com eles, tentando entendê-los. Por isso que eu falo, eu tendo me comparar quando era criança e agora os vendo. E pra mim é muito bom estar no ICA agora onde eu estou. Então eu saí do ICA com 18 anos, eu completei o ciclo, não fui um dos monitores. Sempre quis ser monitor, mas nunca consegui pelo fato da minha mãe, que a minha mãe queria que eu saísse do ICA. Então teve alguns momentos do ICA que a minha mãe sempre falou: “Ah, eu vou tirar você do ICA. Se você não passar na escola, eu vou tirar você do ICA”. Aí tirava, aí voltava. Teve uma vez que eu fiquei uma semana fora do ICA, porque minha mãe queria dar um castigo em mim. Então foi por mais dessa linha, querer sair do ICA. Com 18 anos eu completei, saí, comecei a trabalhar em farmácia. Fiz curso de Farmácia, fiquei um ano trabalhando em farmácia, farmácia, farmácia, esqueci o ICA. Aí voltei, entrei em contato com o ICA: “E aí, vocês estão? Eu queria voltar para o ICA. Como eu faço?”. Porque na época, ex-aluno podia voltar ao ICA, podia atuar no grupo de sábado, podia fazer alguma coisa. Eu comecei a voltar no grupo de sábado, e nesse grupo de sábado eles me convidaram, aí pelo meu destaque artístico, “ele puxou bastante, ele faz isso...”
P/1 – Você estava falando que saiu com 18. Eu vou retomar só pra você contar um pouquinho melhor pra gente essa passagem da farmácia. O que aconteceu? Esse foi o seu primeiro remunerado?
R – Isso.
P/1 – Como você decidiu que você ia fazer um Técnico em Farmácia e trabalhar em farmácia? E como foi essa experiência?
R – Então, eu saí com 18 anos, não queria sair do ICA. Só que naquela época era assim, você fazia 18 anos, terminava o ciclo e trabalho. E eu fiquei num ponto que o ICA não dava mais pra segurar o Tiago. Teve alguns alunos que foram. Só que alguns alunos que ficaram foram os que foram escolhidos para monitores. Tentei, fiz teste já, nunca consegui ser monitor. Fiquei nesse tempo de farmácia. Aí foi aquele desespero, saí do ICA: “Ai, pra onde vou trabalhar?”. E como meu pai trabalha em farmácia, ele tinha o filho do dono lá e o dono falou: “Ah, meu amigo está montando uma farmácia agora, acho que posso te indicar”. Porque na época de ICA também, eu ia para o ICA, mas nas férias eu ficava ajudando meu pai na farmácia, então limpava prateleira, aí o dono da farmácia: “Nossa, olha, dedicado, tal”. Aí indicou para o amigo da farmácia lá, que é o Marcelo, foi o primeiro emprego meu, aí a gente começou junto. Ele começou a abrir a farmácia e éramos só eu ele de funcionário, então ele patrão e eu funcionário. E a farmácia era pequena, era muito pequena, era um cômodo só. Então eu cuidava da parte de perfumaria, o caixa, e o balcão coisa básica, comprimidos. Ele falou: “Você quer que eu te ajude? Eu te ajudo sim”. Comecei a trabalhar, depois de três meses comecei a me formar, fui fazer curso, workshop, encontro, fiquei o ano inteiro trabalhando em farmácia e em formação, me ajudou bastante. Então depois de um ano de ter vivenciado a farmácia, eu falei: “Nossa, preciso voltar”. Porque desde o começo sempre quis isso. Então sempre quis dar aula no ICA também, que teve alguns que eu fiquei: “Nossa, por que não?”. E os meus amigos daqui estava falando: “A gente vai ser educador agora. A gente passou da fase de monitor, a gente vai poder dar aula, vai ser professor também”. Porque na época de aluno, a gente queria ser professor um dia também. Aí eu fiquei esse um ano fora, depois eu voltei. E no voltar, eu já peguei um projeto, que a Lona Itinerante, quatro em quatro meses em cada escola, em cada bairro, e aí eu peguei, depois disso não parei mais.
P/1 – O que é esse projeto?
R – Na verdade foi um convite: “Olha, a gente vai contratar você, só que você vai trabalhar na Lona Itinerante”. Nessa Lona Itinerante, eu fui ao primeiro como aluno, então eu fiquei acho que umas três semanas nesse último ponto, que era o Oscar, que era o professor de circo na época. Eu fiquei com eles e até acabei participando como palhaço apresentador. Ajudei a ajudar no espetáculo. Aí ele começou a explicar algumas funções. Esse projeto é um projeto itinerante, então é uma lona que monta na escola, fica quatro meses de duração na escola, aí tem essas atividades. O foco é o circo, só que dentro do circo tem educação social, tem um pouquinho de dança, tem um pouquinho de teatro, tem literatura, aí a gente fica quatro meses lá. No encerramento, a gente faz um espetáculo. Então são três meses de experiência, atividade diária, e no final do mês a gente faz um espetáculo de encerramento, aí junta todos os familiares, a comunidade da escola também. Isso é uma parceria com a prefeitura. Aí entrei nesse ano e já fui direto. Ela falou pra mim: “Olha, o professor está saindo, então você não vai assumir com ele, você vai assumir sozinho”. E na época eu não tinha noção nenhuma de dar aula, eu sabia a prática. Você fazer prática é uma coisa, você ensinar é outra. Então eu tive uma formação básica de livros: “Olha, vai à biblioteca, dá uma lida, vê como é”. Aí a Taci na época mostrou alguns vídeos, mostrou como funciona os circo no Brasil, algumas coisas da rede do circo, o que representa o circo dentro do ICA, essas coisas mais pedagógicas. Aí explicou, eu fiz a primeira semaninha de inscrição, me marcou muito também, que foram bastantes pessoas. E no final do projeto, o primeiro ponto que eu fiquei, eu finalizei com 60 crianças, o projeto era até 50. Todas as crianças foram, gostei muito de trabalhar. Nessa eu fui sozinho. Então eles estavam desmontando lá, eu já estava começando a semana seguinte sozinho. Aí comecei, depois não parei mais. Acho que fui uns dois a três anos só em ponto externo, ponto externo, só girando, girando. Aí fui ao Tucura, fui ao Maria Beatriz, fui ao Geraldo Filomeno, na Santa Clara, fui no Planalto, fiquei o ano inteiro no Planalto, este foi o mais difícil pra mim, porque a realidade era muito mais difícil, então o tempo todo estar com eles, o tempo todo, até ajudar a escovar dente, a gente tinha que fazer isso com eles. E lá era ao mesmo tempo professor, ao mesmo tempo diretor, ao mesmo tempo coordenador, ao mesmo tempo pai, ao mesmo tempo mãe, então foi uma experiência muito boa. Depois a Eliane junto comigo, a gente ficou em dois lá, ela ajudou bastante. E todas as experiências que eu tive do ponto foi assim, o contato com as crianças. E até hoje eu sou assim como educador, além da técnica eu tento tentar entendê-las, estar junto com elas, tentar conversar bastante. Elas me ajudam também, o que me fortalece cada dia que passa. E é isso. Foi uma experiência muito grande. Esse ano de 2014 consegui vir pra sede, que sempre quis trabalhar na sede, então isso faz desde a minha época de aluno, que era sempre dar aula de circo aqui dentro. Porque lá, professor de circo sempre passou assim, vários. Então um ano era o professor X, outro ano era o professor X, então enquanto aluno era bom pra aproveitar, mas tinha a parte da perda, acostumar com o educador novo e tal. Esse ano eu consegui estar aqui. Esse ano eu fiz a minha história aqui assim, fiz tudo que eu quis fazer, então a semana do circo, apresentação, eventos culturais, as técnicas, as modalidades eu trouxe todas do circo. O circo é muito amplo, não consegui ensinar tudo, mas todas as turmas conseguiram vivenciar um pouquinho de cada coisa. Ajudei na parte da dança também, estava dando aula de dança. Aí veio a parte do cultural, então todos os eventos que teve cultural ajudei de alguma maneira. E o mais “desafioso” que foi pra mim foi o final do ano, que foi o espetáculo de inauguração. Então contrataram dois caras de São Paulo pra ajudar, e esses dois passaram a ideia, mas a gente ficou meio: “Nossa, o que fazer? O que fazer?”. A gente foi conversando, eu comecei a acreditar nessa ideia, fui acreditar, meio que fiquei sozinho à frente, e aí a gente foi trocando experiências com os outros educadores e deu no que deu. Foi um projeto muito grande, um espetáculo de grande porte, e consegui segurar sozinho.
P/1 – Conta um pouco desse espetáculo pra gente, qual era a proposta, como foi.
R – Então a proposta inicial nossa, dos educadores, era uma coisa bem lúdica, bem trabalhada, bem técnica, números. Tinha sim os personagens, mais era coisa mais virtuosa: “Nossa, olha”. Os acrobatas, os malabaristas e tal. E aí veio a ideia de contratar os dois de foram, até então a gente ficou meio assim: “Como contratar? Eu estou aqui”. Aí veio o convite, eles falaram, tal. E a proposta deles era bem cênica, bem teatral, teatro de rua. No comecinho eu fiquei assim: “Nossa, ai, mas nossas ideias e tal”. Então eu peguei um pouquinho da minha ideia e tentei aplicar em cima dele. Então a gente mostrava pra ele, ele falou: “Olha, Tiago, semana que vem eu preciso que você monte a cena da tempestade. O que você acha? Bola aí”. Então eu gostei muito deles porque eles deram carta branca. Aí bolava a cena, ele vinha e dirigia a cena. Então ele cortava um pouquinho ali, aumentava uma coisinha ali, mas não deixava o que eu montei também, então fiquei superfeliz. Daí em diante entrei. Só que é um processo muito difícil, a gente fez uma seleção do elenco, no começo tinha 80 crianças, então selecionar essas crianças, ver quem está se dedicando nas aulas. Não eram só as crianças da sede, teve algumas crianças externas também que entrou no espetáculo, teve os adolescentes, que é difícil de lidar com os adolescentes. Então foi um processo muito desgastante, mas ao mesmo tempo evoluiu muito. Então no começo a gente estava caminhando, chegou ao final, a gente conseguiu já ter uma grande resposta. Eu como educador avalio no seguinte termo, acho que falta muito pra eles, falta muita gratidão um pouquinho da parte deles, mas enquanto artístico são revelações. Então o cara que não conseguia fazer nada aula se tornou o palhaço do espetáculo, e o palhaço. A dona do circo, a que chama mais atenção, que puxa a cena, que puxa o grupo. A sonhadora que traz a release, a sonhadora que pesquisa quando a gente pede, a que não falta. Aí tem o palhacinho que é o fofinho, a criança que só de olhar encanta. Aí tem aqueles que quer colocar o grupo atrás, que bate de frente, que discute mesmo, que são os adolescentes. Mas eu não tenho nem o que reclamar. Acho que a experiência maior é o contato com eles e o eles puderam contribuir com a gente. E a história do espetáculo falava sobre uma trupe, essa trupe tava em busca de um ideal. E eles tinham acrobata, tinha bailarina, o dono do circo, tinha a palhaça também, a exagerada, o palhaço do circo, e eles estavam em busca. E aí vem o arauto do reino e fala que sei reino está precisando de felicidade e o rei tá disposto a dar uma recompensa. Então tem todo um percurso. E o mais legal dessa experiência da produção, que a gente conseguiu utilizar o espaço do ICA. Então como ele falou, a proposta é a inauguração do ICA, então a gente vai usar o espaço do ICA. Então isso como educador não tinha essa sacada, como o espaço pode mudar tanta coisa. Então a gente construiu cenas na escada, a gente construiu cenas dentro das salas artísticas, dentro da sala da educação social. Aqui no pátio, a gente conseguiu transformar vários ambientes, então isso me cresceu muito, sabe? Ele deu vários conselhos, várias dicas, e no final de tudo eu fiquei de apoio. Fiz uma semana de apresentação, consegui entrar também no espetáculo. Na segunda semana, pelas outras demandas fora, eu fiquei mais na produção, então consegui inventar cabelo, desenhar maquiagem. Maquiagem é um ponto forte meu também, faço muita maquiagem, gosto de fazer também essa parte de produção. E foi acontecendo. Através da experiência fui me descobrindo também. Então os vendo crescer, eu consegui crescer também. Foi muito bom.
P/1 – E, Tiago, nesse seu percurso como educador, teve algum educando que tenha te marcado em especial? Ou algum episódio, algum momento dando aula que tenha sido mais marcante, mais significativo, mais forte?
R – Então, tem muitos. Estou meio emotivo (risos). Mas tem o Miguel. O Miguel é um carinha muito forte, difícil, o tempo todo xingando, o tempo todo batendo, o tempo todo brigando, brincando. Porque aqui eu estou falando dele, mas é o menos assim, mas é o que mais marcou atualmente. Mas no Planalto teve vários mais difíceis que ele. Mas ele é uma pecinha que eu vou levar pra sempre. É aquela pessoa que xinga, xinga, xinga, mas a gente sente que gosta. Então ele, desde o começo do ano tive dificuldade com ele. No primeiro semestre, nossa, difícil, difícil, aí consegui fazer a semana do circo, consegui resgatá-lo, então ele veio mostrar pra mim: “Ah, quero aprender três bolinhas”. Então tive esse contato de ensinar três bolinhas pra ele, ele ficou feliz que aprendeu. E aí foi descobrindo, descobrindo, descobrindo, depois ele teve as recaídas dele de novo. E eu me sinto meio que um guardião, sabe? Nas horas difíceis, eu vou lá e converso. Por mais que ele me xingue, me bata, mas ele se acalma, ele me escuta. Atualmente, agora, no final desse ano, ele está muito, pra mim numa melhora crescente. Tem pontos negativos também, mas é o que abraça, você sente que o abraço é verdadeiro. Eu sinto que é aquela criança que espera por um abraço. Eu sinto que eu preciso vê-lo também, se ele vai estar aqui ou não, então ele me marcou muito, o Miguel, o nome é muito forte. Então é história. Então o tempo todo me ajudando em aula, ele queira ou não queira foi um dos meus queridinhos, sabe, de tirar de outra aula e pedir para o ICA deixá-lo me ajudar, pra tentar resgatar de alguma forma, tipo, que não desistiu mesmo. Mas teve outros que marcaram. Todos marcam, mas teve alguns que foram difíceis e através da dificuldade consegui me aproximar, e através dessa aproximação consegui ter respostas. E eu fico muito feliz de estar saindo também do ICA, saber que tem alunos que eu marquei. Isso é o mais forte pra mim. Além da técnica, eu pude ensinar o respeito, o carinho pelo próximo, conseguir respeitar o outro, ser educado, se impor, ser crítico também na hora certa: “Eu não concordo. Ah, eu concordo”. Ajudar o próximo também. Então o meu trabalho é mais nisso mesmo, bem circo social. Então tem o meu lado artístico e a técnica, mas tem o social. E com ele foi muito isso, foi muito intenso. A gente trabalhava a parte artística, ele gostava de virar trampe, só que ele é turma um, ele não pode virar ainda, porque ele não está na idade. Então eu falei pra ele: “Não, vamos treinar, vamos tentar”. E através dele, eu consegui resgatar outros alunos. Porque a maioria da tarde é criança de dez a 12 anos, é uma faixa etária bem difícil, muitas brincadeiras, infantis, tudo é brincadeira. E ele tem muita dificuldade com palavrão, tudo era palavrão. Então com ele, eu fiz alguns combinados, deram certo. Eu falava pra ele não fazer, ele me escutava, respeitar os outros, tentou melhorar. Esses dois meses pra cá eu consegui vê-lo. Depois teve a época do espetáculo, eu não consegui ficar muito com ele. Então todo dia me cobrando: “Ah, você não vai dar aula mais pra mim?”. Teve um dia que marcou também ele, eu falei: “Miguel, aonde você tá indo?” “Ah, eu vou fazer piquenique” “Você vai fazer piquenique?”. Eu falei: “Olha, quero um pedaço de bolo, hein?”. Ele veio, trouxe um pedaço de bolo pra mim, coisas marcantes com ele. E a resposta final, ele conseguiu melhorar um pouquinho através da consciência que eu transmitir pra ele.
P/1 – E qual foi a importância do ICA na sua vida, Tiago?
R – Vixe, aí... Nossa, aí é uma pergunta tensa.
P/1 – O que você sente? Olhando hoje pra sua história, tal, qual foi a importância do ICA na sua vida? O que mudou em termos de perspectiva?
R – Deixe-me ver. Acho que sem o ICA, eu não sei o que eu seria. Acho que depois que eu entrei no ICA, além de crescer, ter visões futuramente, mas acho que o ICA me acolheu realmente. Acho que o que eu estava precisando. Aqui eu me considero muito que eu trabalho em casa. Chego aqui, não me vejo como funcionário, me vejo como aluno mesmo. Tenho as minhas funções como educador, mas eu me sinto bem, sinto que é a minha casa. É bom estar aqui, é contagiante, ao mesmo tempo tem as coisas positivas, mas tem as coisas negativas também. É muito intenso. Então você entra de um jeito, mas você não sabe o jeito que você sai. Mas falando de vida, acho que é isso mesmo. Se eu não conhecesse o ICA, o que eu seria hoje? Não sei se eu teria tanto essa capacidade de me descobrir, sabe, esse talento que todo mundo fala pra mim. Então eu não sei se eu me descobriria tanto. Não sei se eu seria aquela pessoa fechada. Eu não me vejo fora do ICA, eu não me vejo fora do universo do ICA. Então se eu não conhecesse o ICA, eu não sei se eu seria uma pessoa que eu sou hoje. Sou feliz no que eu sou, agradeço muito a Deus pelo que eu tenho, pelo que eu consigo ter, em termos até de ser o Tiago, entendeu? Porque ser o Tiago é difícil (risos). Mas acho que o ICA me contribuiu muito em todas, sabe, indecisões, em família, em futuro. Então desde o simples detalhe que eu falei de comer uma couve-flor, entendeu? Então o fato de você vir com a meia branca, de colocar um sapato, se vestir bem, escovar os dentes. Então isso vem de casa, e às vezes não tive muita resposta em casa e acabei tendo aqui. E acho que não vou ter em lugar nenhum.
P/1 – E em termos de perspectiva profissional e tal?
R – Ah, profissional, evolui bastante, acho que a mesma fala, se o ICA não me desse essa oportunidade, oportunidade de confiança mesmo, porque eu converso com a Císia quando ela vem, ela fala que ela confia mesmo em mim. E eu sinto essa confiança dela. E é muito gratificante profissionalmente. Aqui é seguro, aqui você consegue dar opinião, você consegue falar as coisas. Esse ano principalmente eu me destaquei muito, e eu consigo ver isso porque tudo que eu pensei eu consegui fazer. Teve muito mais coisas. Mas esse ano eu consegui muita coisa. Foi um ano que demorou pra passar e eu vivi cada minuto mesmo. Por isso que hoje eu saio feliz. Eu sei que a minha missão está cumprida. Então acho que o fato de estar profissionalmente aqui é confiança.
P/1 – E quando você pensa como educador, quando você olha para as crianças e jovens com os quais você trabalha hoje, qual você acha que é a importância que o ICA tem na vida deles?
R – Acho que além do acolhimento deles, acho que algumas falas, até alguns alunos estão saindo esse ano, eles falam que é a saudade que vai marcar muito e tudo que eles aprenderam aqui. Então eu sei que eu estando nessa posição, outras pessoas poderão estar. Eu não sei se vão sentir a mesma coisa, mas é muito intenso e forte o ICA na vida da gente e das pessoas. Então essas crianças que eu vejo hoje aqui, só o fato de eles estarem vindo todos os dias, terem a experiência que eles têm aqui dentro e irem embora, tenho certeza que eles têm resposta muito grande lá nos familiares. Então eu também tenho a oportunidade de conversar com alguns pais e a resposta é muito grande. É muito bom estar no ICA, não vejo a hora de voltar ao ICA. Está nas férias, tem aluno meu me perguntando: “Ah, a gente vai treinar?”. Então eu acho que o ICA é um segundo lar.
Eu falo pra mim e acho que o que vai marcar. E o que eu peço pra essas crianças, pra eles aproveitarem. Eu sempre falo pra eles: “Façam a história de vocês, aproveitem”. Porque a época que a gente vivia não tinha tantas condições que a gente tem hoje. Então esse prédio maravilhoso, a sala que eu tenho hoje, os equipamentos de circo não eram os mesmos. Então o que eu tento passar pra eles é aproveitar o máximo. Como tem o Projeto Carpe Diem, aproveite o seu dia. Acho que o que vai marcar é isso mesmo, o acolhimento, sabe? Tudo. Todos os espaços do ICA, desde a chegada até o final tá te acolhendo, tá te ouvindo. Acho que é o que mais marca.
P/1 – Eu queria falar um pouquinho agora da ligação com o Criança Esperança.
R – Ah, tá.
P/1 – Primeiro eu queria saber o que você sabe sobre o Criança Esperança? É uma pergunta bem pessoal mesmo, o que você, Tiago, sabe e desde quando você conhece o Criança Esperança e como você conheceu?
R – Então, como eu falei pra você, sou viciado em televisão, sempre quis estar em televisão, sempre quis atuar em televisão também. A parte do Criança Esperança, eu gostava pelo show. Assim, não tinha tanto conhecimento na época que juntava dinheiro, não sei o quê, arrecadava, tal, mas eu gostava muito do show, que era muito mágico, descia cenário, subia aquilo, bailarino de lá, cantor cantando e nã nã nã. E eu só fui conhecer realmente o que era o Criança Esperança quando eu passei no teste pra ir. Eu tinha 12 anos, fiz uma audição em Campinas no Ballet & Cia, aí eu passei e apresentei duas coreografias: uma no final, não sei se você lembra esse tempo, que o Didi descia do balão.
P/1 – Como era? Conta pra gente como foi.
R – Então, foi uma experiência muito boa. Na época, eu não tinha tanta experiência, mas a gente fez uma adição básica, então era passinho pra lá, passinho pra cá, e roupa colorida. É isso que eu lembro. Vou trazer a foto pra você ver. Ganhei um certificado, usei o crachazinho da Globo, então foi muito bom. E aquilo que eu te falei, estou vendo na televisão, e agora eu estou aqui, então que bom. E depois desse contato com o Criança Esperança, eu consegui bastante coisa, vários convites, várias oportunidades, conheci bastante contato, conheci alguns cantores, então foi nessa época meio, tipo, isso que é o mundo de televisão, sabe, ser filmado: “Ai, volta, grava, volta, repete”. E na época eu era muito criancinha. Foi uma experiência muito boa pelo tamanho, eu não tinha essa noção do que era o Criança Esperança.
P/1 – Você chegou a gravar o programa?
R – Cheguei. Cheguei. Tenho a gravação também, tenho o diploma, aí tem o Criança Esperança, o logo, e tem o da Globo também e da academia.
P/1 – Foi o show ou foi no programa?
R – Na verdade foi no Ibirapuera. A gente gravou no Ibirapuera. A gente foi gravação pra passar. Lá em Campinas a gente fez o teste, o teste foi superdifícil também. Eu tinha passado na primeira fase, depois não tive mais resposta, aí chamou pra segunda fase. A segunda fase era meio difícil, tinha que cantar, tinha que fazer um monte de coisa. Mas aí eu passei pelas acrobacias, então eles estavam precisando na época. E foi bom. Foi uma experiência muito boa.
P/1 – Então você fez parte do show?
R – Fiz. Fiz parte.
P/1 – E como foi a sensação?
R – Esse ano eu não tive mais contato, porque os meus amigos que faziam, eles não estão fazendo mais. E de audição, eu não estou tendo mais contato, que eu mesmo parei um pouquinho disso, falei: “Esse foco não dá mais pra mim”.
P/1 – Mas naquele momento você fez o teste e fez parte?
R – Fiz. Fiz.
P/1 – Você lembra como foi a sensação de participar?
R – A sensação foi que eu consegui, aquela questão de tudo novo, eu olhava para as coisas, ficava assim... “Nossa, isso está acontecendo.” E era uma coisa meio boba, eu ficava lá atrás batendo palminha. O mais difícil que eu fazia eram as acrobacias que eu fazia no começo, que era abertura. E coisas mais assim, cênicas: “Ah, você vai entrar nisso, dá a mãe pra ela”. A questão da maquiagem também é diferente, muita gente envolvida. Você vê, tipo: “Nossa, realmente acontece isso?”. Porque na televisão é tudo pronto. Então foi a questão do novo. E tudo que eu faço é assim: “Nossa, estou aqui mesmo? Nossa, que bom que eu consegui”. E eu não sabia até então o que era o Criança Esperança. Depois fui estudando, fui estudando, aí sim, agora sim eu entendo que tem um porquê, não só por causa do show. Porque na época era muito: “Ah, é um show, é um programa que o...”. Porque eu achava que era um programa da Globo na época. Mas depois que passou... Nos outros anos eu tentei também, mas não tive resposta. Porque como são fechadas as audições, então eles mandam e-mail ou não mandam. Então hoje em dia eu só recebo coisas, do Show da Virada, mas não do Criança Esperança mais. E mudou o negócio, está sendo mais no Rio as gravações. Antigamente era em São Paulo e Rio. Então foi isso. Mas foi muito bom.
P/1 – E qual você acha, depois que você descobriu que o Criança Esperança faz essa arrecadação também de recursos, que direciona pra organizações que têm o trabalho social, qual você acha que é a importância de um projeto como o Criança Esperança? Para o ICA, por exemplo, pra organizações como o ICA?
R – Acho que contribui muito no trabalho do ICA, não só do ICA, mas como de todas as organizações. Eu não sei quem teve a ideia, mas acho que é uma ideia muito boa, porque acho que estava precisando disso. Acho que a gente hoje se unir pra fazer uma causa boa é difícil ver. E faz tempo que o Criança Esperança está atuando assim. Faz muito tempo. Então acho que desde a minha infância, até agora, poder fazer parte disso também é muito importante e tem um peso muito grande. Se todo mundo pensasse assim, seria totalmente diferente. Só que não é assim. Mas eu fico muito feliz porque eles estão fazendo a parte deles, não desistiram, sabe? Não é um programinha básico, é uma coisa muito grande, é mundial mesmo, tem muita coisa envolvida, não é só uma coisinha que passa rápido. Eu fico feliz por estar continuando ainda. Eu não sabia dessas entrevistas, que tinha isso depois, tem muito mais surpresa. Então acho que falar de Criança Esperança, eu preciso estudar mais ainda pra falar. Mas que bom que eles estão continuando fazer isso. É importante. Porque no Brasil acho que não tem muito isso. Tem do SBT lá, mas eu não sei muito. Mas o mais impactante é o Criança Esperança. E hoje em dia, o que eu percebo, as doações são mais fáceis de receber, é muito mais rápido, cada dia aumenta quando tem, não é aquela coisa, incerteza, já conhece, todo mundo já sabe o que é Criança Esperança. Acho que falar de Criança Esperança é bom, porque além de ser um projeto, faz bem pra gente também. Mesmo não doando, mas o que se passa na televisão é muito verdadeiro também... É um projeto que precisa ter no Brasil, entendeu? E precisa ampliar cada vez mais.
P/1 – Tá certo, Tiago. Eu vou encaminhar para o final então.
R – Tá.
P/1 – São duas perguntas finais que a gente faz de encerramento pra todo mundo, mas antes de fazer essas perguntas, eu queria saber se tem alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de deixar registrado, qualquer coisa.
R – Ai, não.
P/1 – Não?
R – Não.
P/1 – Então a penúltima é: quais são seus sonhos hoje? Acho que você pode até aproveitar, talvez, e falar um pouco desses seus planos que você tava mencionando antes.
R – Então, 2014 é meu último ano no ICA, acho que encerra meu ciclo aqui dentro. Saio muito feliz, acho que minha missão está cumprida. E o ano de 2015 é buscar novos focos. O meu sonho mesmo é atuar na área artística, independente, circo ou dança, mas eu preciso estar em cena. Amo estar no palco, amo estar em cena. E pertencer a algum grupo, então seja uma companhia de dança, ou um grupo de circo. O ideal mesmo seria o Soleil, mas eu tenho o pé no chão, acho que não estou preparado ainda. Mas o ano de 2015 é o alçar voo, então estou mudando de cidade, estou indo pra Curitiba, uma cidade grande, conheço algumas coisas de lá por ler na internet, tal, tenho um amigo meu que estou entrando em contato, mas não é nada certeza. Então estou indo com uma mão na frente, uma mão atrás, mas é isso, são desafios. E eu sinto que eu estou na fase, eu preciso passar por isso. Preciso enfrentar, preciso ver o que é, preciso sentir, preciso me entender como eu mesmo, será que eu consigo? Eu acho que eu posso mais. Eu preciso ver até aonde eu consigo ir. Então é uma fase que... É uma decisão muito difícil, deixar casa, deixar família, deixar amigo, deixar os alunos aqui no ICA, que é o mais... Está sendo mais difícil deixar o ICA do que em casa (risos). Mas foi uma decisão tomada, eu estou muito bem comigo mesmo. E é desafio, sabe? Procurar e tentar passar. E é isso, é uma nova vida. Eu não posso falar muito porque eu não sei o que vai acontecer, mas to superansioso e quero que o mundo me conheça, ou o Brasil, pelo menos.
P/1 – E, por fim, como foi contar a sua história?
R – Ah, como foi?
P/1 – O que você achou da entrevista?
R – Então, acho que não esperava isso. Até então estava tendo as entrevistas, o ICA convidou os outros educadores. Acho que veio em boa hora. Eu estava até pensando em casa como seria, porque queira ou não quero, é a última gravação que eu tenho a ver com o ICA. Não sei se vão ter mais alguns eventos, mas eu acho que isso eu vou levar pra mim também. Acho que até vou deixar aqui para o ICA, que é um presente. E é a minha marca. Acho que vai ser uma marca registrada pra mim, entendeu? Porque tudo que eu falei envolve ICA. Tudo que eu faço envolve ICA. Eu sei que onde eu estiver, eu vou levar o ICA pra sempre. E o ICA é muito conhecido no Brasil, tem parceria com o Criança Esperança também, então eu acho que é um encerramento muito bom poder falar da minha vida, ter isso arquivado, e daqui uns 15 anos, ou dez anos, eu puder ver o que eu fiz e onde eu estou, e saber que o ICA fez parte da minha vida, entendeu? E obrigado vocês por me chamarem.
P/1 – A gente agradece.
R – Porque na verdade foi mais por vocês, né?
P/1 – É, foi um contato com o ICA e foi das duas partes. A gente procurou, o ICA sugeriu.
R – É isso.
P/1 – Obrigada, viu, Tiago?
R – Obrigado você.
P/1 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher