Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Hélio Gomes Rosemberg
Entrevistado por Tereza Ruiz
Santos, 10/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_35
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Hél...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Hélio Gomes Rosemberg
Entrevistado por Tereza Ruiz
Santos, 10/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_35
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Hélio, fala pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Hélio Gomes Rosemberg. Eu nasci em Santos no dia 12 de abril de 1981.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe e também data e local de nascimento se você souber.
R – Meu pai é Felipe Musto Rosemberg Neto. Meu pai nasceu na Bahia, em Vitória da Conquista. E minha mãe Valéria Gomes Rosemberg, nasceu no Rio de Janeiro.
P/1 – O que os seus pais faziam ou fazem profissionalmente, Hélio?
R – Meu pai faleceu no ano de 2008, logo que eu entrei aqui na Proeco. Meu pai era comerciante, foi por muitos anos representante comercial e quando faleceu era comerciante, tinha duas lojas em shoppings. E minha mãe sempre na área de educação, desde que eu conheço minha mãe ela é educadora, sempre envolvida com a Proeco, foi a fundadora da instituição, presidiu por muitos anos e até hoje trabalha na área.
P/1 – Você falou que o seu pai trabalhava com comércio, de que área?
R – Meu pai tinha uma franquia da Lupo, meias e cuecas. Muitos anos eu trabalhei com ele também na loja, esse tipo de coisa. Minha mãe como eu falei sempre educadora, sempre gostou da área.
P/1 – Você sabe qual que é a história do seu nome, Hélio? Quem que te deu esse nome e por que você se chama Hélio?
R – Então, diz a minha mãe que Hélio, eu vi no livro que era sol, significava sol que era o centro do universo, que o sol que iluminava as outras pessoas. E pelo que eu sei é isso, não sei se eu sei certo, se eu sei errado, eu sei que Hélio pelo que eu vejo é o sol que ilumina todos os outros, enfim, que irradia todas as pessoas.
P/1 – E a origem da sua família? Você sabe da onde vieram os seus antepassados?
R – Por parte de pai meus antepassados eram ligados a parte árabe e alemã. Minha avó, minha família da parte da minha mãe todos portugueses e assim por diante. E cheguei, acredito que até hoje boa parte desse pessoal ainda esteja morando no Líbano e em Portugal.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho. Tenho três.
P/1 – Como é que é o nome dos seus irmãos?
R – Felipe, Fábio e Débora.
P/1 – Eles trabalham aqui contigo também alguém?
R – Não. Não tenho contato com os meus irmãos há muitos anos. Desde o falecimento do meu pai não tenho contato com eles. É triste, mas...
P/1 – Descreve um pouquinho pra gente como é que é a sua mãe e como é que era o seu pai de personalidade, de temperamento.
R – O meu pai era um cara muito sério, meu pai sempre uma pessoa muito séria, ao mesmo tempo muito carinhoso também, mas profissionalmente sempre foi muito rígido. Eu trabalhei dos 16 até meus 22 anos junto com ele, segui a mesma trajetória que ele então sempre cobrou muito, sempre exigiu de mim muito perfeccionismo. E a minha mãe é uma pessoa perfeccionista, mas com um pouco mais de leveza, menos rígida. Ela é muito amável, profissionalmente falando ela é muito amável. Tem momentos que a gente fica um pouco mais ríspido, um pouco mais rígido devido a necessidade daquele momento, mas ela é uma pessoa sempre muito doce com todo mundo, até porque a formação dela exige isso, exige doçura com as crianças, com as pessoas. Então acho que eu estou conseguindo mesclar um pouquinho de cada um, no momento certo ser rígido que nem o meu pai, ser doce como minha mãe. Aos poucos eu estou mesclando aí.
P/1 – Conta um pouco pra gente como é que era a casa em que você passou a infância. Descreve um pouco a casa, o bairro.
R – Olha, minha vida teve muitos altos e baixos, porque graças a Deus quando eu era pequeno minha família sempre teve uma condição de vida muito bacana, muito melhor que grande parte da população brasileira. Em algum momento da minha vida eu tive tudo e depois de 13, 14 anos que teve uma queda, até mesmo por questão de negócio, de comércio muito grande, aí eu fui morar em Itanhaém. Morava em Santos, fui morar em Itanhaém com essa queda de condição e ali eu vi outro lado da vida muito difícil, porque eu morava numa rua que não tinha asfalto, que eu demorava dois quilômetros pra chegar no ponto de ônibus, era tudo lama. Às vezes eu tinha que sair, eu fazia faculdade na época, eu descia do ônibus meia noite, chegava na minha casa uma hora da manhã porque eu tinha que caminhar uma hora no escuro, aí você tinha que fugir de bicho que vinha atrás de você, tinha boi que vinha atrás da gente andando. A minha vida foi muito difícil, eu conheci pessoas muito humildes que me ajudaram muito no que eu sou hoje, muito, devo muito. Minha vida acho que mudou quando eu fui pra Itanhaém que aí eu vi realmente outro lado, amizades que se aproximavam de mim pelo que eu sou, não pelo que eu tinha. E dei muito valor ao ser humano lá em Itanhém, eu me recordo muito disso da minha infância. Eu sempre tive tudo quando era mais novo, aí você cai, você começa a ser feliz com uma bola na rua, com tomar banho de rio, com ir à praia, aí você vai se formando ali. Eu acho que eu me formei como ser humano a partir de quando eu me mudei pra Itanhém e comecei de fato a ver as pessoas como elas são, não pelo que elas têm, pelo que elas têm a oferecer, enfim.
P/1 – Você falou que você foi pra lá com 13, 14 anos.
R – Com 13, 14 anos. Isso.
P/1 – E antes disso aqui em Santos como é que era a casa em que você passou a sua infância?
R – Ah, eu tive uma infância dos sonhos eu acho com pai e mãe presente, com a família sempre presente, morava pertinho da praia. Acho que eu tinha a vida do típico santista que é pegar final de semana andar de bicicletinha na orla da praia, tomar um banho de mar com o pai, com a mãe. Sempre tive tudo que eu queria, carinho, sempre tive brinquedo, sempre tive oportunidade pra o que eu quisesse fazer, a família sempre me proporcionou isso. Olha, minha infância foi uma infância mágica, não tenho o que me queixar, eu tive tudo, tive tudo mesmo.
P/1 – Do que você brincava? Quais que eram as suas brincadeiras favoritas?
R – Ah, eu sempre gostei de andar de bicicleta. Andava de bicicleta, jogava bola, era ruim pra caramba, mas jogava bola, andava muito de bicicleta. Sempre gostei de mar, sempre nadei muito, mergulhei muito e agora depois de velho comecei a surfar. Então acho que agora é a infância com a juventude. Acho que é isso, de infância eu sempre gostei de jogar bola e vídeo game. Vídeo game acho que o pessoal da minha idade todo mundo gosta de vídeo game, né? É mais ou menos isso.
P/1 – Você se lembra dessa fase da infância, o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que você pensou numa profissão o que era que você queria ser?
R – Lembro-me de alguns acontecimentos da minha vida que hoje me mostram que eu acho que eu já sabia o que eu queria. Quando eu tinha mais ou menos os meus dez, 11 anos eu fui pego uma vez pela professora desenhando, que eu tinha o hábito de desenhar logomarcas. Eu via uma imagem na televisão, uma empresa na televisão começava a desenhar isso na classe. Começava a desenhar, desenhava marca de A, de B, de C. Eu guardava tudo numa pastinha e eu gostava de fazer aquilo, não tinha um por que de fazer aquilo e uma vez a minha professora pegou e abriu aquilo na frente da classe inteira, falou: “Olha que ridículo o que ele fez. Olha que coisa horrível, não sabe nem desenhar, não sabe isso, não sabe aquilo, tal”. E aquilo ficou comigo aquilo ali uma mágoa enorme, né? Fui exposto na frente de todo mundo, a gente fala de bullying hoje em dia, tive bullying pela professora. Tudo bem que eu não devia estar desenhando na aula, mas sofri esse bullying pela professora e anos depois me formei em publicidade e propaganda, formei-me em marketing. Hoje eu lido com logotipo, hoje eu ganho dinheiro fazendo logotipo, eu ganho dinheiro trabalhando com a imagem. Então eu acho que eu já sabia mais ou menos o que eu queria, mas não: “Eu sei o que eu quero”. Eu estava sendo induzido pelo meu instinto a ser o que eu sou hoje. Eu acho que a única coisa que eu me lembro de profissional, eu nunca quis ser jogador de futebol, eu nunca quis ser astronauta, eu sempre quis desenhar, gostei de desenhar. Não aprendi até hoje, mas gosto de desenhar.
P/1 – Nessa fase de infância tem alguma outra história que tenha te marcado? Um episódio que você tenha vivido ou um momento que tenha sido marcante, ficado na memória.
R – A minha saída de Santos pra ir pra Itanhaém. Aqui eu tinha muitos amigos, aqui eu tinha pessoas que viviam na minha casa, vivia com a minha casa sempre cheia, todo mundo me adorava, eu era superquerido na escola, esse tipo de coisa. E quando eu fui pra Itanhaém com aquela dificuldade financeira que eu comentei com você eu fiquei com três amigos só. De 20, 30 que eram meus amigos, que frequentavam a minha casa só dois, três que me acompanharam pra Itanhaém. Então eu comecei ali a ver que as coisas eram um pouquinho mais cruéis, o mundo era um pouquinho mais cruel. E essas pessoas estão comigo até hoje, graças a Deus, são meus amigos de sangue, eu brinco.
P/1 – Fala mais um pouquinho pra gente dessa mudança pra Itanhaém. O que aconteceu na sua família pra essa mudança acontecer? Como é que você vivenciou isso? O que você se lembra desse processo pra você?
R – Aqui em Santos meu pai era representante, minha mãe educadora como eu lhe falei e em alguns momentos a parte de comércio não estava dando muito resultado financeiro. Então a gente teve realmente uma dificuldade financeira muito grande na família, meu pai não vendia como conseguia vender antes, só minha mãe não conseguia segurar e a gente morava numa casa na época muito grande, o aluguel muito caro. A gente não tem casa própria até hoje. A gente não tinha condição de se manter com o alto custo que existe aqui em Santos hoje, então nós fomos pra Itanhaém que era a única casa que nós tínhamos, casa própria. Só que era um sítio bem afastado do centro da cidade, era como eu falei quase dois quilômetros da pista onde passava o ônibus, a rua era de lama, não tem saneamento básico, não tinha ponto de ônibus, não tinha asfalto, não tinha nada. Era realmente uma coisa bem abandonada. Eu saí de Santos como um playboyzinho, como todo mundo chamava, com o melhor tênis, com melhor isso, melhor aquilo, fui pra um lugar que não tinha nada. E ali eu comecei a andar descalço, comecei a jogar bola, ali as pessoas gostavam de mim, o filho do rapaz que era pedreiro, o filho do rapaz que colocava a cerca, que cortava a grama. Esses foram meus amigos que eu comecei a criar e que estão comigo até hoje, faço questão de sempre visitá-los, eles sempre vêm até aqui quando possível. E é uma coisa que me marcou muito, o choque de realidade da vida que eu tinha, uma vida muito boa, pra uma vida que eu acredito hoje ser muito melhor do que a que eu tinha. Porque ali eu vivi realmente como uma criança, como uma pessoa sem querer nada de ninguém, querer a amizade das pessoas, que as pessoas quisessem o mesmo de mim. E ali as coisas mais simples da vida foram as que me fizeram mais feliz, isso é uma coisa que me marcou muito, de coração.
P/1 – Queria voltar um pouquinho, saber quais são as primeiras lembranças que você tem da escola.
R – Eu sempre detestei estudar. Eu nunca gostei de estudar. Eu sofri muito bullying na escola quando eu era mais novo. Eu sempre fui gordinho, quando era mais novo era bem gordinho, tal. Sempre fui muito educado, nunca respondi a ninguém, isso era taxado de maneira negativa, até hoje acho que a pessoa que é muito educada é taxada de maneira negativa. Então existe esse preconceito e isso desde pequeno eu sofri muito bullying, eu era o gordinho, eu era o barril, eu era isso, eu era aquilo. Eu não gostava da escola eu acho que por causa disso. Eu tive esse preconceito da professora para comigo, nunca fui um aluno muito... Nunca gostei muito de estudar na verdade. Tinha minhas matérias prediletas, mas nunca gostei muito de estudar e sofri muito na minha infância, acho que por isso que a escola é uma coisa que se afastou muito de mim. Hoje eu tento recuperar esse tempo perdido, eu estou tentando voltar a estudar, estou tentando fazer coisas novas aí, mas na infância eu acho que por causa do sofrimento que eu passei. Quando eu fui pra Itanhaém eu também sofri porque eu fui pra lá e continuei estudando em escola particular. Eu lembro que na época a Perua não queria me pegar porque minha rua era uma rua de lama, os alunos que estudava comigo eram todos filhos do prefeito, filho do vereador, filho não sei da onde e tal e eu era o pé de lama, era a pessoa que morava na lama, nem o perueiro queria me buscar. Então até isso são coisas que eu sofri bastante. Eu acho que minha infância foi mais ou menos isso em termos de estudo. Eu sempre tive uma escola muito ruim pra mim.
P/1 – Você se lembra de algum professor que tenha te marcado?
R – Essa professora da área de educações artísticas, que disse que os meus desenhos eram ridículos, que eu não levava jeito pra nada e que, olha que coisa, expôs tudo pra todo mundo, pra todos os meus amigos da classe. Hoje, como eu falei, eu me formei em publicidade e propaganda, em marketing também, tenho uma agência de propaganda e eu acho que ela tava errada, pelo jeito ela estava errada. Hoje eu creio se ela está onde ela está. Lamento.
P/1 – E essa mudança sua pra Itanhaém coincide um pouco com a entrada na adolescência, né, 13, 14 anos. Aí eu queria saber nessa transição o que mudou na sua vida, além dessa mudança que foi intensa que você já falou um pouquinho pra gente, de amigos, de hábitos, se você saía, pra onde você saía, o que você fazia pra se divertir.
R – Aqui em Santos eu tinha uma vida muito presa ao apartamento, porque cidade grande a gente acaba ficando muito preso ao ambiente onde a gente está, é aquela coisa do shopping, shopping, cinema, dentro de casa vídeo game porque ainda não tinha tanto computador como tem hoje. Indo pra Itanhém meus hábitos mudaram totalmente, eu comecei a jogar taco na rua, comecei a jogar bola na rua, comecei a surfar com os meninos que estavam surfando, todo mundo com um monte de prancha velha, a gente achava às vezes prancha na rua, ia surfar com prancha na rua. Andava cinco, seis quilômetros pra poder pular num rio, andava muito de bicicleta também, porque é o que tinha pra fazer lá, não tinha nada que fazer. Brincava de esconde-esconde no meio do mato, de noite a gente acendia fogueira, coisa bem de campo mesmo e aquilo, poxa, foi muito gostoso. Teve a parte das namoradas que era tudo mesmo coisa de se encontrar no meio da rua mesmo, atrás do muro da escola, atrás do muro de casa. Enfim, foi acho que uma infância muito pura, uma pré-adolescência muito pura longe desses vícios da cidade grande, longe de droga, longe de assalto. A gente tinha uma vida parecia que a gente estava em outro planeta ali, eu vejo isso hoje. Tudo muito puro. Não tinha internet, não tinha tecnologia, ninguém tinha um computador, ninguém tinha o vídeo game, tudo era muito simples e aquilo, nossa gente, aquilo ali foi tudo pra mim. Hoje eu continuo sendo a mesma pessoa que eu era lá, não mudei nada.
P/1 – Essa questão de surfar você lembra quando é que você começou a ter vontade de surfar e como foi a primeira vez ou uma das vezes mais marcantes? Tem uma história com o surfe?
R – Eu gostei sempre muito de mar, uma das poucas diversões que a gente tinha era ir pra praia e aí comecei a ver o pessoal surfando, falava: “Poxa, vamos fazer isso um dia”. Eu mudei uma época próxima da temporada e lá em Itanhém quando acaba a temporada às vezes o pessoal joga a prancha fora, prancha que está um pouquinho mais velha, esse tipo de coisa, tal. A gente conseguiu achar umas pranchinhas ali pra surfar, eu falei: “Vamos começar a surfar?”. O pessoal topou, tal, começamos a surfar. Aí um ou outro tinha dinheirinho pra comprar uma prancha, tal, um ou outro comprou prancha, a gente começou a surfar e me apaixonei. Aí me apaixonei. A primeira vez que a gente fica em pé é uma coisa, pô, contato com a natureza, uma coisa supergostosa. E na época como a gente era muito jovem as menininhas adoravam meninos que surfavam, então isso também incentivou muito todo o grupinho nosso a surfar porque a gente fica mais conhecido na praia, aquela coisa de jovem, né? E até hoje eu surfo. Meu filho está começando a surfar agora também, acabou de fazer aniversário eu dei uma prancha pra ele de presente, está surfando comigo, está sendo a maior alegria da minha vida hoje poder ter ele comigo dentro da água, acho que é saudável, ele também estava gordinho. Então a gente está tentando ter uma vida mais próxima porque aqui afasta muito a gente também, o trabalho aqui é muito intenso, então eu tento resgatar o pouco momento que eu tenho com ele eu tento resgatar essa coisa de pai pra filho.
P/1 – Você se lembra de algum momento mais marcante surfando, mais intenso?
R – Eu lembro alguns que a gente salvou algumas pessoas que na época de temporada o pessoal vai pra praia surfar, vai pra praia nadar, bebe muito e de repente o mar é uma coisa muito traiçoeira. E algumas vezes a gente já teve, por Itanhaém ser uma praia muito extensa são poucos salva-vidas e por muitas vezes, não foram poucas, não, foram muitas vezes o nosso grupo salvou muitas pessoas que bebiam, começavam a se afogar, a gente saía da onde a gente tava pra poder resgatar. São coisas que são muito marcantes. Por pouco a gente não perdeu algumas pessoas, por pouco mesmo.
P/1 – Você se lembra de um caso específico desse que você tenha participado do salvamento?
R – Eu me lembro de um senhor lá que eu fui salvar uma vez lá, tomei tanta pancada dele porque ele estava assustado pra se afogar, eu fui, dei um soco nele, ele apagou, eu levei ele pra terra. Ou eu me salvava, salvava ele ou iam os dois embora. E aí eu lembro que ele estava se afogando, ele era muito grande, eu era magrinho na época e eu não tinha como salvá-lo, eu estava tentando salvar, ele estava me puxando pra baixo e eu não conseguia nadar porque ele estava me empurrando. Aí eu lembrei que uma vez eu vi na televisão que o rapaz falou: “Poxa, se você está se afogando, está tentando salvar alguém, dá um soco na pessoa, faz ela apagar”. Eu fiz isso. Nunca bati em ninguém, bati lá, o cara apagou daí resgatei o cara pra areia. E aí tudo... Foi acho que o mais marcante da minha parte mesmo.
P/1 – E da sensação que você teve, você lembra?
R – Pô, senti-me um herói. Senti-me um herói. Todo mundo olhava na praia: “O menino puxou, puxou”. Virei o popular na praia, novinho ainda, então era maior legal, maior legal.
P/1 – E você falou que você começou a trabalhar cedo com 16 anos, né? Então foi um pouco depois dessa fase de mudança pra Itanhaém, é isso?
R – Então, oficialmente eu comecei com 16. Eu sempre gostei de trabalhar, quando eu morava em Santos, na época de playboy ainda, o meu pai assinava vários jornais, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, o jornal aqui de Santos que é a Tribuna, tal. Meu pai assinava todos os jornais e eu com 12 anos tinha já as minhas vontades de ter minha coisinha, ter um teniszinho, sei lá, sair no cinema, alguma coisa. Eu sempre tive condição, mas eu nunca gostei de pedir, eu nunca gostei de depender de ninguém e aí eu juntava durante a semana toda os jornais que o meu pai assinava, chegava no sábado na frente da minha casa tinha uma feira, o pessoal em casa acordava por volta de nove, nove e meia e eu sempre acordei bem cedo. Eu pegava os jornais todinhos de final de semana, amarrava tudo, era seis horas da manhã o pessoal estava montando a feira, eu pegava os jornais escondido sem ninguém saber, levava pra feira e chegava pra vender na barraca de peixe e na barraca de frango. Eu lembro que todo o domingo eu vendia jornal na feira com 12, meus 12 até os meus 16 anos eu vendia escondido todo o domingo jornal na feira pra barraca de peixe, pra barraca de frango. Aí eu conseguia lá um negocinho, um, dois, três reais, não tinha nem real acho que na época. Aí conseguia, comprava minhas coisinhas com isso aí. eu acho que minha primeira experiência de trabalho foi essa mesmo, de escondido de todo mundo, sem ninguém saber porque senão iam brigar comigo, aí eu pegava, levava jornal na feira. A minha mãe foi saber disso faz pouco tempo. Acho que faz um ano e meio que a minha mãe ficou sabendo disso, que eu pegava os jornais, levava, o pessoal da feira sempre comprava porque via que eu era esforçado e foi a primeira experiência profissional. Aí depois já comecei a trabalhar com o meu pai, já com carteira assinada e aí foi. Daí por diante minha vida seguiu direitinho.
P/1 – Com essa venda do jornal na feira você lembra o que você fazia com esse dinheirinho?
R – Ah, eu comprava gibi, eu comprava revistinha gibi. Na época tinha muito gibi, hoje não tem, tinha gibi de X-Men, comprava um monte de gibizinho. Comprava às vezes bala que eu queria, alguma coisinha que eu não queria pedir pro meu pai, pra minha mãe, ia lá, comprava. É bem pouquinho dinheiro, mas dava pra fazer alguma coisinha. Eu juntava pra isso mesmo.
P/1 – E com 16 quando você começa a trabalhar com o seu pai como é que foi isso? Quando é que você decidiu ou como é que foi essa decisão de começar a trabalhar com ele e o que era a sua função? O que era esse trabalho?
R – Desde os meus 14 meu pai trabalhava na... Meu pai sempre trabalhou na Lupo, praticamente toda a minha pré-adolescência meu pai sempre trabalhou na mesma empresa acho que quase 15 anos. Com 16 ele me deu a oportunidade de trabalhar com ele como promotor de vendas. Na época como ele vendia meia o que era o meu trabalho? Eu ia às lojas que o meu pai tinha como cliente, eu o acompanhava, ele ia vender, eu tinha uma pastinha com um monte de saquinho de embalagem de meia. Aí enquanto ele atendia o cliente eu pegava todas as meias que já estava na loja, eu trocava saquinho por saquinho, espanava pra ficar tudo limpinho, coloca no melhor posicionamento pro cliente poder pegar, tal. Eu fiz isso por três, quatro anos seguidos quase. Isso em todas as regiões da Baixada, desde Ubatuba até divisa com Paraná, eu fazia isso eram quase 600 clientes. Então eu fazia isso constantemente e todo dia eu ia com ele trabalhar, ele ia pra um lado, eu ia pro outro. E aí com 17 mais ou menos, intercalando esse período, paralelo a esse período a gente também tinha algumas coisas aqui no mercado, no mercado Carrefour aqui do lado, meu pai montava alguns estandes também da empresa que ele vendia meia e eu ia fazer o mesmo serviço, eu reabastecia o expositor, limpava. Fiz isso sempre paralelo a esses clientes todos que a gente fazia. Aí com 18 ele abriu uma loja no shopping dessa mesma empresa, eu comecei como vendedor ali da loja dele, depois ele me colocou como gerente, aí ele abriu outra loja, eu comecei a tomar conta das duas lojas do meu pai. Em 2008 eu recebi uma proposta pra trabalhar numa multinacional como supervisor de quatro cidades daqui da região, era Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe. Optei, pedi pro meu pai se o meu pai me liberava, o meu pai me liberou, achava uma ótima oportunidade, fui trabalhar. Quatro anos depois eu já tinha assumido toda a Baixada Santista, divisa com Paraná, divisa com Rio de Janeiro, era o único. Quando eu entrei eram quatro supervisores, quando eu saí só tinha eu porque eu tinha assumido todas as regiões sozinho. Ficava muito tempo fora de casa, ficava 15 dias no litoral norte, 15 dias no litoral sul e eu fiquei muito longe de casa, da família, não vi o meu filho crescer, não consegui acompanhar o crescimento do meu filho, fiquei longe da minha mãe, do meu pai, tudo. Foi quando a minha mãe me confidenciou que ela queria contratar alguém pra trabalhar no Proeco na área de marketing. Porque até então eu só fazia um negócio ou outro no Proeco, tinha até rixa com relação ao Proeco, eu falava: “Pô, o Proeco afasta a minha mãe de mim”. Eu brigava muito com ela, falava: “Pô, mãe, você fica lá cuidando dos seus filhos e não cuida do seu filho de sangue?”. Porque isso aqui, gente, é uma coisa de doido, a gente chega e se apaixona e não consegue sair. Aí quando eu tinha 20 e poucos anos minha mãe falou: “Pô, preciso de alguém de marketing, tudo. Tem alguém?” “Eu tenho. Eu vou procurar”. Mentira. Não procurei nada, eu falei: “Vou pedir demissão, vou trabalhar com ela. Vou trabalhar com ela, vou fazer o Proeco”. Porque na época que era multinacional eu me considerava um número porque eu tinha uma meta a ser atingida, se não atingisse eu era ruim, se atingisse eu era ótimo. Eu nunca gostei de ser um número, eu sempre quis ser uma pessoa, isso em Itanhaém, morar em Itanhaém me mudou muito nesse ponto. Eu queria que as pessoas me dessem valor pelo que eu sou e não pelo que eu produzo somente. E aí pedi demissão na empresa sem ninguém saber, quando eu fui falar com ela, falou: “Seu profissional sou eu. Contrata-me aí.” “Você é louco. Você é louco pra deixar uma multinacional pra trabalhar no Proeco”. O Proeco na época a gente vendia o almoço pra ter a janta aqui, não tinha certeza de nada se ia pra frente, se não ia pra frente, era tudo muito simples ainda. “Você é louco. Você vai deixar de trabalhar aqui?”. Meu pai: “Você está de brincadeira que você vai fazer isso. Você vai largar uma carreira numa multinacional pra trabalhar no Proeco?”. Na faculdade o pessoal era muito preconceituoso na época: “Vai trabalhar com pobre, com maloqueiro, vai deixar de ter o status de uma multinacional pra trabalhar com maloqueiro”. Eu falei: “Vou. Eu vou porque ali eu vou fazer diferença. Vou porque ali eu vou fazer diferença como profissional e vou fazer como pessoa. Ali as pessoas vão me enxergar como eu de fato sou”. E vim pra Proeco, contra tudo e contra todos vim pra Proeco.
P/1 – Que ano que foi isso?
R – 2008. Dia 1º de agosto de 2008.
P/1 – E qual que era a multinacional que você trabalhava e qual que era sua...
R – Eu trabalhava na Unilever. Eu era supervisor da Unilever aqui na região da baixada... Supervisor de campanhas promocionais da Unilever aqui na Baixada Santista.
P/1 – Deixa-me só te interromper e voltar e a gente vai chegar aí de novo daqui a pouco, falar do seu trabalho da Proeco.
R – Tá bom. Lógico. Eu falo pra caramba.
P/1 – Eu quero voltar quando você começa a trabalhar com o seu pai, queria saber com os seus primeiros salários se você... Foi o seu primeiro trabalho registrado, né, esse trabalho com o seu pai?
R – Isso.
P/1 – Se você comprou alguma coisa que você queria com os primeiros salários. Como é que você gastou?
R – Meu pai era maior mão de vaca. Meu salário era 140 reais. Eu me lembro disso. 140 reais, está até na carteirinha carimbado lá, 140 reais. Não comprava nada com 140 reais na época. Eu trabalhava, trabalhava, trabalhava, não comprava quase nada. Mas ele me ensinou muito com isso. Ele sempre quis me ensinar a dar valor ao dinheiro que a gente ganha, isso ele sempre falou desde que eu era jovem e por eu ter tido essa oscilação de vida, de ter dinheiro e não ter dinheiro e recomeçar ele sempre quis me ensinar isso, que eu tivesse valor a tudo que a gente conquistasse. Eu lembro que era 140 reais, o que eu comprei? Acho que eu comprei roupa, aquela coisa do cara estar sempre bonitinho. Eu comprava acho que é roupa, se eu não me engano foi roupa que eu comprei, eu torrei meu dinheiro em roupa. E adorava comprar roupa. Até na loja, o meu primeiro salário da loja foi sempre roupa, roupa, roupa. As lojas do shopping sabiam que dia 5 quando eu recebia torrava tudo, não tinha mais nada. E foi assim por muito tempo, queria me arrumar. Época de querer ter namorada, essas coisas todas, era roupa e perfume, roupa e perfume. Era só isso.
P/1 – E nessa fase de adolescência, você mencionou agora namorada, até o final do colegial, ensino médio, teve alguém marcante na sua vida, uma paixão?
R – Não. Não tenho. Tenho a atual, a atual é muito marcante, mas... Todo mundo foi importante, acho que todas ensinaram muitas coisas pra mim. Toda pessoa que se aproxima de mim, seja ela quem for, seja atrás de amizade, seja um coleguismo, seja o rapaz do barzinho aqui da esquina eu procuro colher o melhor dele pra mim. Então elas me ensinaram muita coisa. Eu namorei pessoas bem mais velhas, pessoas bem mais novas, acho que todo mundo tem algo a te passar. E todas foram marcantes. Eu acho que foram marcantes e importantes, agora não vejo alguém que tenha balançado de vez não, a não ser a última, a atual, que essa balançou.
P/1 – E com que idade você foi pai? Queria saber com que idade você foi pai.
R – Fui pai com 20 anos. Com 20 anos.
P/1 – Foi um pouquinho mais pra frente então dessa fase que a gente está falando, né?
R – Foi. Foi um pouquinho mais pra frente.
P/1 – Então antes de te perguntar disso quero saber quando você decidiu o que você ia fazer de faculdade. Quando é que veio a ideia clara? Você falou que hoje em dia você até vê lá atrás que já tinha um pouco essa inclinação, mas quando que você fez essa decisão e por que você decidiu?
R – Em 96 eu prestei o meu primeiro vestibular. Por morar em Itanhaém a gente tem muita dificuldade de locomoção da cidade de Itanhaém pra Santos que é onde tem as universidades, pro Guarujá, pra Cubatão hoje e tal. Quando eu me inscrevi em Itanhaém pra faculdade eu me inscrevi eu lembro na Unaerp pra publicidade e propaganda porque é uma coisa que eu sempre gostei mesmo. Sempre gostei de comunicação, eu acho que eu sou uma pessoa muito comunicativa, eu precisava achar algo que pudesse alavancar ainda mais esse meu lado. Então optei por publicidade e propaganda, na época eu passei, eu fiz vestibular na Unaerp e na Unisantos que é a universidade aqui da cidade. Passei nas duas, optei na Unaerp, na Unaerp eu passei em sexto lugar, que eu lembre, no vestibular, tive um monte de prêmio lá de bolsa de não sei do que, desconto de um monte de coisa lá, tal, fui pro Guarujá. Só que fiz uma infeliz escolha porque era a faculdade mais longe que tinha da onde eu morava. Então eu saía da minha casa quase quatro horas da tarde pra chegar à faculdade às seis e meia, saía da faculdade às 11 e meia porque é a única faculdade que tinha uma aula quase uma hora depois das outras todas. Tinha que fazer ficar todo mundo me esperando, porque eu ia de ônibus fretado. Então mais uma vez eu sofri bullying porque eu era o último a ser pego, o último, todo mundo me esperava pra poder voltar. Então eu saía da faculdade quase meia noite, chegava à minha casa uma e meia da manhã todos os dias e ficava muito complicado de eu estudar desse jeito. Aí parei a minha faculdade, transferi pra outra faculdade que foi aqui na cidade de Santos, só que aí eu me perdi porque eu fui pra uma faculdade que o pessoal vê muito pouco o lado educativo e sim o lado de festa. Deixei-me levar pra esse lado da festa, da zoeira, e faltei pra caramba, dediquei-me muito mal aos estudos, tranquei a faculdade um ano, recomecei no ano seguinte de novo a faculdade, aí sim com a cabeça um pouquinho mais no lugar. Formei-me, depois me formei em outra faculdade, enfim. Mas acho que 96 foi o ano que eu decidi saber que rumo que eu tinha e nunca desisti desse caminho. Todo mundo sempre falava: “Você tem que sair de Santos pra ir pra São Paulo. Você tem que sair de Santos pra ir pro Rio, pra Minas, ali que está o dinheiro, ali que estão as oportunidades”. Muita gente que eu conheço saiu, voltou hoje, muita gente saiu também deu certo e eu sempre bati nessa tecla, estou aqui, sou de Santos, vou vencer em Santos doa o que doer, vou passar o que for passar, vou vencer em Santos, vou vencer na minha cidade, não saio daqui. Gosto muito desse ambiente de Santos, de Praia Grande, de Itanhaém e acho que estou vencendo, estou conseguindo, hoje eu me sinto um vencedor com essas escolhas que eu fiz.
P/1 – Conta um pouco agora então como é que veio o seu filho, em que momento da sua vida, como é que você soube da gravidez. Como é que foi isso?
R – Isso aqui mexe bastante que isso aí é um lado complicado. Eu conheci uma pessoa no mês de março, logo após a temporada eu conheci uma menina, tal, envolvi-me com ela um mês mais ou menos e aí no dia do meu aniversário eu lembro que eu fui terminar com ela. Era jovem, queria curtir bastante e tal aí fui terminar com ela no dia do meu aniversário. Aí fui a casa dela, sempre fui uma pessoa muito preocupada em não magoar ninguém, então fui a casa dela, eu falei: “Vamos conversar e tal. Queria terminar com você, não sinto mais o que eu sentia por você, tudo. Obrigado.” “Ah, não. Você não vai terminar comigo.” “Por quê? Por que eu não posso terminar com você?” “Porque eu acho que eu estou grávida.” “Ah, Jesus...”. Molecão de tudo, falei: “Ai meu Deus. Vamos fazer exame”. Desesperei. Fui fazer exame e deu positivo. Falei: “Ai meu Deus, agora ferrou de vez”. Gente, naquela idade que eu tinha muita coisa passa pela minha cabeça, até aborto mesmo, uma coisa que até eu mesmo na época procurei uma maneira de abortar, de fazer porque ela muito jovem e eu também. Pra abortar, pra procurar abortar, não conseguia, falei: “Agora ferrou. Vamos que vamos. Vamos ver o que dá”. Aí falei com o meu pai e com a minha mãe tremendo, morrendo de medo de como eles iam entender isso. Aí eles foram supercarinhosos, eles foram supercompreensíveis. Ufa, deu tudo certo. Durante a gravidez eu não estava mais com ela, a decisão que eu tomei foi tomada mesmo, eu não estava com ela, aí pedi pra que ela fosse morar em casa no período da gravidez dela porque ela também era uma menina que tinha uma situação muito simples, então uma menina muito humilde. Então ela foi morar comigo em casa, fiz o plano de saúde pra ela na época, pra ela poder ter a gravidez pelo plano, tal. Continuei a trabalhar levando a minha vida normal, tudo. Eu achei que aquela curtição do primeiro filho eu não tive porque eu trabalhava muito, foi uma situação que na época eu não queria, então eu fui um pouco frio nessa coisa da relação. Eu fui começar eu acho que a curtir no último mês mesmo quando estava um barrigão, aquela coisa grandona, curtir um pouquinho que você já sentia mexer, essa coisa toda, tal, mas sempre uma coisa muito leve. E no dia que estava previsto nascer, ele nasceu um pouco acima, depois do tempo que foi previsto, eu lembro que ela passou mal, a gente foi pro hospital, o médico não queria fazer a cesárea nela: “Não, porque é perigo, não sei o que”. Foi a primeira vez que me coloquei como pai, que eu discuti com o médico, eu briguei com o médico, falei: “Não, você vai fazer nascer”. Aí foi, fez a cirurgia, nasceu graças a Deus com muita saúde, mas teve um probleminha no pescoço quando ele nasceu porque ele ficou muito tempo preso na barriga, então o pescoço ficou curvado e logo com uma semana ele teve que passar por tratamento como se fosse uma fisioterapia. Ele teve que esticar a cabeça e foi uma coisa muito ruim pra eu ver porque você pegava, torcia a cabeça do menino, ele ficava roxo, chorava. E aí desde que ele nasceu ele mora comigo. Ele nasceu no dia 29 de novembro, aí nesse primeiro mês ela passou esse mês em casa, mas ela sempre foi uma mãe muito dispersa. Ela nunca deu de mamar, quis dar de mamar, ela sempre queria dormir, eu sempre tinha que acordá-la pra ela poder dar de mamar pro menino, minha família tinha sempre que ir lá: “Vai lá. Dá de mamar. Está chorando, tal”. Ela sempre fugia dessa responsabilidade. Depois de uns 20 dias que ele tinha nascido, por volta do dia 20 de dezembro ela pediu se podia ir pra casa dela, tudo. Lógico, ia pra casa dela, ela foi com ele pra casa dela aí ela passou o Natal e o Ano Novo na casa dela. Após o Natal eu fui visitá-lo, após o Natal, eu cheguei lá. Ele tava cheio de micose, estava com muita micose no corpo, tal, perguntei: “Pô, por que ele está com micose?”. Tinha levado ele pra praia. Não tinha nem um mês o menino estava na praia, plena temporada, tem toda a sujeira da areia, o menino ficou todo empipocado, todo ruinzinho. Aí a mãe dela falou: “Poxa, leva ele pra sua casa, cuida dele lá”. Aí o levei pra casa de novo, a gente cuidou dele até dia 30 mais ou menos, dia 31 ele voltou pra casa dela que ela queria passar o ano novo com ele, é mãe, a gente obviamente tem que deixar, no dia primeiro eu fui buscar. O menino agitado, chorando, chorando, chorando. “O que aconteceu?” “Eu o levei pra ver a queima de fogos.” “Poxa, gente, com um mês de vida vai levar o menino pra ver a queima de fogos?”. O menino superagitado. Aí desse dia em diante a própria mãe dela virou pra mim, falou: “Helinho, se eu fosse você eu o levava pra sua casa de vez. Vocês não são um casal, vocês não estão casados, ela não tem condição de cuidar da criança, ela não gosta de criança, ela deixou muito claro que ela não gosta de criança. Leva ele pra morar com você”. Eu falei: “Poxa, com o maior prazer”. Minha família sempre me apoiou nesse ponto, levei-o pra morar comigo. Meu filho hoje tem 13 anos, acabou de completar 13 anos. Hoje é dia nove, dia dez, ele completou dia 29 de novembro agora 13 anos. Se em 13 anos de vida ela o viu 30 vezes, 30 dias seguidos foi muita coisa. Ela não tem contato nenhum com ele, ela não liga pra ele, ela não o procura, ela não sabe onde ele estuda, se ele passou de ano, se ele repetiu, como foi a juventude dele, se está nascendo pelinho debaixo do braço, se não está, se ele tem namoradinha, se ele não tem, se ele tem dificuldade em matemática ou em português. Ela não sabe nada da vida dele. Ela sabe onde a gente mora, ela nunca foi até a minha... Ela foi uma vez até minha casa, minto, ela foi... Não, minto. Ela foi duas vezes a minha casa e nunca mais apareceu, nunca mais ligou. A gente nunca deixou de mostrar pra ele quem é a mãe dele, hoje se a gente mostrar: “Olha, essa aqui é a sua mãe.” “Ah, não tenho mãe. Não tenho mãe, ela me abandonou”. E hoje a mãe dele é minha mãe, é minha avó. Meu pai foi pai por muitos anos quando eu trabalhei muito. Então hoje eu sou pai e mãe graças a Deus. Não falta nada pra ele, não deixo faltar nada e ele não tem contato com a mãe praticamente desde que nasceu.
P/1 – Qual que é o nome dele?
R – Cristian. Esse foi o nome que ela deu, foi até o nome que ela deu. Cristian.
P/1 – E como é que foi ser pai pra você, Hélio? O que mudou na sua vida?
R – Olha, no começo admito que nada. Todo mundo fala que filho prende, que filho isso, que filho aquilo. Eu acho que quando você tem uma família grande, boa, ele não prende. A família entende que às vezes eu tenho momento de passear, eu preciso curtir um pouquinho minha juventude. Então minha família sempre esteve comigo: “Mãe, quero sair, quero dar uma voltinha, posso? Você fica com o Cristian?” “Fico”. Até pela imaturidade eu me considero hoje pai depois dos oito, nove anos do Cristian. Eu me considero um pai de verdade principalmente depois que o meu pai faleceu. Eu acho que depois dos sete anos do Cristian eu comecei a ser um pai presente, atuante, de ir a escola, de acompanhar, de ver nota, de ver o primeiro joguinho dele de futsal, de ver a primeira natação dele. Então hoje eu sou um pai realmente, pô, eu falo que eu sou um paizão, mas até os seis anos dele meu pai era o pai dele. Aí o meu pai faleceu, eu tive que assumir essa... De ser o homem da casa, coisa que eu não era, e de ser um pai que eu não era também. Então é algo muito marcante essa morte do meu pai, mudou muito também a minha vida. Muito.
P/1 – Em que ano que foi que o seu pai faleceu?
R – Meu pai faleceu dia primeiro de dezembro de...
P/1 – 2008.
R – 2008. Primeiro de dezembro. Um dia depois do aniversário do meu filho, da festinha de aniversário do meu filho. A festinha a gente reuniu toda a família em casa, pra festinha do meu filho, aí no dia seguinte o meu pai morreu.
P/1 – Ele estava doente?
R – Não. Nossa, foi chocante pra mim porque eu estava na praia, ele tinha vindo comigo me ver aqui na praia, bater um papo, desabafar um pouquinho porque o comércio também é difícil, então precisava de alguém pra desabafar, sempre era eu. Ele nunca fazia isso com os outros filhos, sempre era eu o queridinho. Ele veio desabafar comigo, então a gente saiu, foi pro shopping conversar, tomamos um café, lanchamos, tal, fui pra casa. Eu estava assistindo um filme, ele assistindo novela. A minha mãe gritou: “Filho, teu pai está passando mal”. Aí eu saí correndo, quando eu fui ver o meu pai estava tendo uma convulsão, eu pedi pra ela chamar a ambulância, tentei socorrer o meu pai. Eu lembro até hoje, isso era 11 e 58 da noite. Aí o meu pai começou a tremer, ter convulsão, tal, começou a vomitar, travava, travava e eu comecei a tentar fazer respiração boca a boca nele. Virei-o de lado, tal, eu sei que teve uma hora que eu peguei no meu braço, o meu pai não era tão grande, mas com aquela coisa da convulsão ficava muito pesado e eu tentei virar. Virei, quando eu o coloquei aqui no meu braço eu lembro que isso aqui dele ficou tudo preto, ele olhou pra mim, ficou tudo preto. Acho que alguma coisa deve ter estourado, não sei, pra mim foi muito marcante. Aí eu parei, ele parou, olhou um tempo pra mim, aí chegou vizinho, chegou um monte de gente que tentou socorrer e tudo, mas eu falei: “Gente, não dá mais. Não dá mais, meu pai foi”. Foi uma coisa muito forte, o meu filho estava atrás de mim, eu não tinha visto meu filho. Filho era em novinho, tinha seis anos. Então meu filho assistiu tudo, ficou chocado. E eu passado, meu pai, gente, aquilo ali foi uma coisa... Às vezes eu sonho até hoje isso vem tudo e não sei por que com tanto filho, com tanta gente conhecida porque que tem que morrer no meu braço. Aí fomos pro hospital correndo, a moça veio: “Teu pai faleceu, tudo”. Trouxe uma correntinha que ele tinha, uma coisinha que ele tinha, até hoje eu tenho guardado e aí, poxa, mudou tudo. Mudou tudo. Meu filho foi chorar pela primeira vez depois da morte do meu pai quase um ano e meio depois. Meu filho não derrubou uma lágrima desde que meu pai morreu, uma lágrima. Aí uma vez no cinema, um ano e meio depois a gente estava assistindo um filme de comédia, se não me engano, meu filho começou a chorar. Chorar, chorar, chorar no meio do filme, ele desesperado, chorava, chorava, chorava. Eu falei: “O que foi, filho?” “É o vovô, pai, que o vovô me trazia sempre no cinema”. Aí desse dia ele começou, sabe, acho que a soltar um pouquinho dessa coisa do meu pai e aí ele começou como um todo a se soltar, começou... Eu mudei... Mudou tudo na nossa vida, o meu pai era a base da família inteira, era um homem forte, o cara que segurava tudo, era homem da conversa, era homem que tinha que segurar a gente quando estava muito impetuoso. Era um cara que segurava tudo e, poxa, eu lembro que foi muito difícil pra mim. Porque depois que o meu pai morreu eu fiquei um ano longe da Proeco. Um ano não. Minto. Dois meses longe da Proeco aqui, a minha mãe, pra tratar das coisas do meu pai, tudo. Foi muito difícil essa fase da gente chegar em casa tudo cheirava o meu pai, eu ia a loja do meu pai as coisas do meu pai cheiravam, tinha o cheiro dele no escritório dele. Tanto é que logo depois que ele morreu a gente vendeu tudo que ele tinha de comércio, a gente desfez de tudo porque a gente não queria seguir esse ramo dele. Eu sempre dizia que o comércio matou o meu pai, então eu vendi tudo que ele tinha. Eu voltei pra Proeco, nossa vida sempre foi aqui então a gente veio pra cá. Pintei minha casa toda, mudei os móveis de lugar, comprei móvel novo pra mudar um pouquinho o ar pra ver se as pessoas conseguiam se sentir um pouco mais a vontade. E está dando certo, graças a Deus está dando certo, a gente conseguiu se recuperar, hoje o meu pai serve de exemplo pra gente em muita coisa. E é isso a, não tem muito mais o que falar senão a coisa desanda aí tudo. É muito marcante.
P/1 – Eu quero conversar um pouquinho contigo sobre a Proeco agora, mas antes só queria fechar uma coisa da sua vida mais pessoal, se bem que a Proeco é pessoal e profissional, está tudo misturado. Mas você mencionou essa pessoa que você tem hoje que é a mais significativa e a mais importante e aí queria que você falasse um pouquinho sobre isso. Como é que vocês se conheceram? Desde quando vocês estão juntos?
R – A pessoa mais importante da minha vida é a minha mãe, minha avó, meu avô, meu pai, meu filho. Essas são as pessoas mais importantes da minha vida, essas estão no pedestal lá em cima. Depois vem ela. Eu estou com ela há dois anos, é uma pessoa que apesar de ser mais jovem que eu, tem quase dez anos a menos que eu, tem uma cabeça muito boa, ela tem uma cabeça muito madura. Ela me orienta muito porque eu sou uma pessoa muito carinhosa com todo mundo, com quem trabalho, com amigo, com estranho. Eu sou muito carinhoso. E às vezes a gente tem que se bloquear de ser carinhoso com algumas pessoas porque isso é uma coisa... Quando você abre demais, eu sou muito transparente, quando você abre demais tudo que você é você tá suscetível a tomar pancada de tudo quanto é lado. É uma pessoa que me orienta muito nesse sentido, guia-me muito nesse ponto, você tem que ser mais sereno, você tá numa posição hoje de liderança, você tem que ser exemplo, você não pode cometer falha. Então eu brinco que é o meu pai de saia, ela tem esse jeito todo ligado ao meu pai de ser muito rígida com relação ao trabalho. Então nesse ponto ela me ajudou muito, ela me orienta muito, eu ouço muito ela. Eu não falo isso pra ela, mas eu sigo muito umas coisas que ela me fala, posicionar-me como pai, de ser um pai presente, de estar atento a fazer lição de casa com meu filho, de acompanhar ele todos os passos. Porque até então todas as pessoas que apareceram na minha vida sempre quiseram a atenção toda pra elas, nunca pra um todo. E eu tenho pai, eu tenho pai, apesar de não estar presente comigo hoje, estar em coração, eu tenho pai, tenho mãe, tenho avó, tenho avô, tenho filho e eu sempre disse pra me ter como inteiro tem que ter minha família. Não adianta me amar se não amar minha família. Então eu nunca tive uma pessoa na minha vida que tivesse uma relação tão boa com a minha família quanto essa pessoa tem. Muito queria pela minha mãe, pela minha avó, pelo meu avô, pelo meu filho. Sei que pelo meu pai de longe também é querida. Então é uma pessoa que acolheu minha família e que minha família acolheu. Então acho que não precisa mais nada, o resto a gente constrói junto. Ela mudou muito minha vida nesse sentido, a primeira pessoa que chegou na minha vida, minha família aceitou, minha família acolheu 100%, minha mãe a tem como uma filha e vice-versa. Ela é uma pessoa que é toda independente, não precisa de ninguém pra nada então mostra quão boa ela é, isso tudo. E eu espero seguir minha vida por muito tempo com ela, seguir as orientações dela também, amadurecer um pouquinho. A mulher é mais madura do que o homem, não tem jeito.
P/1 – Como é que vocês se conheceram?
R – A gente se conheceu dois anos atrás quando eu fui fazer pela agência uma campanha de um candidato a vereador aqui da região, eu coordenava a parte de comunicação do candidato e ela foi chamada pra administrar a parte de site. E foi aí que a gente se conheceu, no dia a dia do trabalho, orientar a fazer algumas coisas que eu gostaria que fossem feitas no site, tudo, e a gente começou a ter uma intimidade, essa coisa toda. Na época eu namorava, ela também, a gente nunca teve nada, a gente começou a se gostar sem ter nada um com o outro. Aí ela acabou com o relacionamento dela, eu também terminei o meu na época e a gente acabou se encontrando um tempo depois e tudo aconteceu. Tudo aconteceu de uma maneira muito legal. Achei muito natural, deferente de como foi com todas as outras relações, que é uma coisa muito de impulso, aqui eu acho que foi uma coisa muito crescente de bem devagarzinho, se conhecer como pessoa, as famílias, tal. E aí aconteceu da gente estar junto e estamos até hoje, graças a Deus.
P/1 – Como é que ela chama? Pode falar?
R – Nicole. Posso. Sem problema.
P/1 – Antes de vir agora pra Proeco eu queria que você falasse um pouco dessa questão da agência. Você montou uma agência? Como é que é isso? Que é um trabalho que você tem em paralelo, né?
R – Tenho. Então, é meu outro bebê. Eu tenho três bebês, o Proeco, o Cristian e a Criativus. A agência em 2006 quando eu fazia faculdade ainda eu sempre quis montar algo que fosse diferente das agências comuns que existem na região. Porque o sonho de todo publicitário é sair e montar a sua agência, conseguir grandes contas, conseguir ter a Globo, conseguir ter a Unilever, conseguir trabalhar só com gente grande. Eu nunca tive esse desejo de ter o grandão. O grandão já está lá na mão de quem é grande, eu nunca vou atingir o grandão. Nunca não, tem um tempo muito grande pra atingir o grandão, então eu sempre fui muito pé no chão, com relação a negócio eu sempre fui muito pé no chão. Eu falei, poxa, eu vou montar uma agência diferente. Hoje as agências o que elas fazem? Elas têm todo um trabalho que é terceirizado. O cara cria ali dentro aí precisa criar o material tem que pagar a gráfica, tem que criar um banner tem que pagar a empresa de comunicação visual, tal. Eu falei, gente, eu vou fazer diferente, eu vou criar uma empresa, vou construir o patrimônio dela aos poucos. Vou comprar uma máquina disso, uma máquina daquilo, uma máquina daquilo pra quando eu de fato falar hoje eu sou uma agência eu não precisar pagar nada pra ninguém, eu vou ter tudo pronto, vou fazer tudo dentro da minha própria agência. E hoje a Criativus é mais ou menos assim, a gente tem máquina de tudo, a gente faz de tudo um pouquinho, a gente não tem a ambição de anteder o grande cliente. Eu gosto de atender aquele cliente que dá abertura de eu me mostrar como pessoa, de não ser só uma imagem. Eu acho que isso a Proeco me ensinou muito em não querer só vender uma imagem, tem que vender o sentimento que vem com ela, o conceito que vem com ela. Então hoje a gente busca atender clientes de pequeno e médio porte que é o cara que tá aqui do lado da Proeco, que é o que está do lado da Criativus, é o cara da padaria, é o cara do mercadinho e de grão em grão a galinha enche o papo. Eu não preciso pegar grande conta, pego cem contas pequenininhas que vamos chegar a uma grandona. E essas cem pessoas que eu atendo são pessoas que vão ser meus amigos, que vão me respeitar como pessoa, que vão tomar um café comigo, coisa que uma grande empresa a gente não tem, é só resultado, visa-se muito resultado. Então eu tentei criar alguma coisa que fosse mesclada. Juntei-me com alguns amigos agora nos últimos anos pra poder dividir um pouquinho a responsabilidade porque a Proeco me toma muito tempo. 90% do meu tempo é Proeco, 10% é agência. Isso aqui é minha vida. Isso aqui é minha vida. Isso aqui eu não saio nunca, não abro mão nunca disso daqui. E a agência anda em paralelo com os meninos, eu só vou, ajudo, eu preciso ajudar e tal. Hoje é mais deles do que minha, eu brinco, eles fazem mais do que eu. Eu só gerencio de longe o que acontece, tal. E é isso. Realizei os dois sonhos da minha vida, acho que é fazer a Proeco crescer, chegar onde ela tá hoje e fazer a Criativus crescer, chegar onde ela está hoje. E hoje a Criativus faz tudo pra Proeco. Tudo que precisa de material a gente faz tudo pra cá. Eu acho que todos têm a essência da Proeco na Criativus, então é muito fácil você criar quando você tá criando pra você mesmo. Muito bom.
P/1 – Queria que você falasse pra gente um pouquinho agora então da história da Proeco, que eu imagino que você acompanhou desde o início, então qual que é a história da instituição e qual que é o trabalho de vocês de uma maneira geral?
R – Como eu lhe falei... Apesar de que foi fundada pela minha mãe. Antes de ser Proeco ela sempre desenvolveu em escolas atividades extracurriculares com os alunos. Porque hoje, partindo aqui da gente, a gente tem droga, a gente tem violência, a gente tem a um quarteirão da praia a maior favela sobre palafita da América Latina. Então você tem muita desigualdade social aqui pertinho da instituição, ao nosso redor de uma maneira geral, não só da instituição. E ela sempre quis desenvolver alguma coisa que tirasse as crianças da rua, que fizesse o aluno ficar mais tempo na escola, fizesse o aluno ter prazer de estudar, que é uma coisa que é dificílima. A educação hoje é muito formal, ela é muito quadrada, aquela coisa de na sala de aula lousa, giz, eu falo, você copia, decora. Gente, ninguém mais aguenta isso. Então ela procurou criar uma tecnologia nova, um método novo de trabalho que pudesse fazer com que as crianças e os adolescentes gostassem de estar na sala de aula. Então ela começou a desenvolver atividades extracurriculares onde os alunos estivessem presentes, onde a comunidade também estivesse presente, o pai, a mãe daquele aluno, a avó, o tio. E aí se criou um projeto chamado MESH que é Movimento Estudantil de Solidariedade Humana, que foi num colégio aqui pertinho onde é a Proeco hoje. Dali ela se mudou pra outra escola bem pertinha do Proeco, que foi onde o Proeco iniciou, que é no Pedro Crescenti e minha participação sempre foi acompanhando. Eu era criancinha, então vinha, olhava, brincava, participava de uma coisa e outra que tinha que eu podia ajudar, sempre me envolvi muito com os alunos da Proeco, até porque a idade era muito parecida, então me sentia às vezes aluno da Proeco. Aí ela fundo a Proeco no Pedro Crescenti, alguns aninhos depois teve o convite dessa instituição se tornar de fato uma ONG, de alugar um imóvel, de receber as crianças ali porque a instituição cresceu de tal maneira que na escola não absorvia mais. Então a gente precisou alugar um imóvel... Minto. Não alugamos. Nós recebemos um imóvel cedido por empréstimo por um órgão da igreja católica que cedeu uma casinha pra gente, a gente começou a atender as crianças ali na casinha. Minha participação na Proeco foi sempre involuntária no sentido de coisas bem pequenininhas mesmo. A Proeco fazia um evento pra arrecadar fundos, um evento talvez na área de alimentação, eu ia lá ser chapeiro. Fazia um evento ligado a artesanato da banana, eu ia lá, fazia atendimento pra vender suco de banana que a gente vendia suco de banana, sorvete de banana. Eu já fiz de tudo um pouquinho aqui dentro. Aqui eu já pintei, aqui eu vinha pintar, eu vinha cortar grama, eu vinha vender alguma coisinha pra Proeco em evento, eu já fui chapeiro, eu já fiz pastel, eu já fiz vinho quente e quentão. Tudo que tinha pra fazer que eu pudesse fazer eu estava fazendo, eu sempre gostei. Só que chegou uma época que eu entrei em atrito com a minha mãe porque eu queria muito a atenção dela e eu não tinha, porque a Proeco toma muito tempo. Eu falava: “Poxa, meu, você fica com os teus filhos, não fica comigo que sou o teu filho de sangue e tal”. E ela sempre tentava me levar. Teve um tempo que eu falei sabe de uma coisa? Eu não vou mais. Aí eu vim mais, tal. Até o dia que ela falou dessa coisa do marketing, de que queria alguém pra trabalhar na área de marketing, se eu conhecia alguém que quisesse trabalhar na área de marketing, eu lembro que o salário na época era 1500 reais, eu ganhava quase quatro vezes mais na empresa onde eu tava. Ela falou: “Conhece alguém?” “Conheço e vou ver pra ti”. Aí deixei, passou uns dias, tal, como eu falei, pedi demissão na empresa que eu estava, aí eu falei: “Tem alguém que sou eu. Tá aqui, tal”. Todo mundo foi contra, a família, amigos, todo mundo foi contra eu trabalhar aqui na Proeco. A faculdade o pessoal foi muito crítico: “Você vai largar o status de uma multinacional pra trabalhar com pobre e com maloqueiro”. Isso é uma coisa que me marcou muito e eu falei que vou porque ali a gente vai fazer a diferença, ali na Proeco eu vou ser uma pessoa que vai ser valorizada pelo que eu sou e não pelo que eu produzo somente. Vim pra Proeco no dia 1º de agosto de 2008, na época eu lembro que eu pedi um tempinho pra eu me adaptar a instituição, porque você sai de uma empresa que é totalmente... É uma empresa maravilhosa, fantástica, só que é um lado comercial, tem condutas comerciais, tratam você de maneira comercial, pra uma instituição que é toda humana e que naquela época que eu entrei é humana de tudo. A Valéria era a presidente, fazia o trabalho na cozinha, fazia... Todo mundo fazia de tudo um pouquinho, ninguém tinha uma função pré-determinada. Então era uma grande bagunça organizada, eu brinco. E você chega com um conceito todo certinho de setores, disso, daquilo, daquilo outro, porque tem que ter presidente, tem que ter a pessoa que cuida da faxina, a pessoa que cuida da comida. Aí teve um choque de gestão logo que eu entrei, eu falei: “Meu Deus, onde é que eu vim parar?”. Porque você ver isso como voluntário é uma coisa, você estar vivendo ali dentro é outra coisa totalmente diferente. Eu cheguei aqui com uma instituição que todos eram voluntários... Não. Minto. Que grande parte eram voluntários, outra recebia cachezinho por RPA, uma era registrada, tal. Você fala: “Caramba, está tudo errado”. Onde está o registro? Onde está o imposto sendo pago? Onde está isso? Onde está aquilo? Você fala, meu, estou ferrado, caí no ninho dos inimigos aqui. Aí comecei a ter alguns choques de gestões porque eu tentava passar de uma maneira empresarial algumas coisas pro pessoal que trabalhava aqui, o pessoal não tinha esse conhecimento e me tinha como chato. Eles falavam: “Chegou o chato do Proeco. Chegou o chato do Proeco. O irritante chegou”. E por um tempinho eu tive esse rótulo aqui de ser o irritante, de ser o chato, tal. E eu sofri muito com isso porque eu falei: “Está tudo errado. Estou vindo com o conceito de uma empresa pra um projeto social”. Eu acho que o projeto social tem que se empresariar, mas ele tem que ser no tempo dele, do jeito dele. E aí eu posso dizer que eu me reformulei como profissional. Passei três meses aqui sem fazer nada a não ser estudar. Eu vim pra fazer um site na verdade, pra fazer um material de comunicação, eu fiquei três meses aqui eu não fiz nada a não ser sentar e ver como cada um aqui dentro trabalhava. Como trabalha a tia da cozinha, como trabalha o educador de grafite, como trabalha o educador de dança, como trabalha a presidente, a vice-presidente, a psicóloga, a assistente social. Eu quis entender toda a mecânica da instituição e fiquei três meses entendendo essa mecânica. Muita gente falava: “Cadê o site? Olha lá, você é o filho da Valéria, ninguém vai te mandar embora porque você é o filho da Valéria, porque não sei o que. Você é o filho da presidente e tal então você pode ficar aqui, está ganhando no mole, tal, sem fazer nada.” “Gente, calma, vai acontecer, dá tempo pra eu entender porque eu vou dar um resultado legal”. E fui muito cobrado por isso: “Porque você é o filho da Valéria, você é o filho da Valéria”. Aonde eu ia: “Ah, o filho da Valéria chegou. O filho da Valéria chegou”. Isso me incomodava, falava: “Meu, eu não sou o filho da Valéria, eu estou aqui trabalhando, eu sou um profissional que vim, estou trabalhado, estou me dedicando”. Chega em casa, trabalhei muito na minha casa, não tinha sábado, não tinha domingo. E aí um pouquinho antes do meu pai falecer eu apresentei pra todo mundo um plano pra gente poder seguir pros próximos quatro anos. Falei: “Gente, vamos tentar seguir esse planejamento aqui que eu montei pros próximos quatro anos”. Sentei todo mundo: “Porque se a gente fizer isso a gente vai dar certo, a instituição vai deixar de ser uma ONG...”. O terceiro setor mudou muito, isso é uma coisa que ajudou muito, o terceiro setor era muito amador, era o aposentado que não tinha o que fazer em casa, vinha, fazia benfeitoria pra comunidade, vinha dar cesta básica, vinha fazer um artesanato, tal. Hoje mudou muito, hoje pra você manter um projeto social você tem que ser uma empresa. A gente paga imposto que nem qualquer empresa paga, a gente tem que registrar um funcionário como qualquer outra empresa senão a gente toma processo trabalhista. Então eu tentei implantar esse conceito dentro da instituição, no começo foi chocante, mas todo mundo começou a entender: “Vamos seguir esse caminho que eu acho que é o melhor. Vamos ter um planejamento, vamos procurar mudar essa maneira de contratar as pessoas. Vamos fazer uma seleção, não vamos trazer qualquer pessoa porque o Fulano indicou. Vamos ter um conceito empresarial”. Algumas pessoas foram contra na época, que eu lembro muito bem, que foi a vice-presidente e foi a psicóloga. Eu não entendi ainda por que iam contra, eu falei; “Poxa, gente, eu estou mostrando uma coisa que é legal pra todo mundo”. E aos poucos a gente começou a... No primeiro mês a gente começou a tentar mudar algumas coisinhas básicas, tal, meu pai faleceu. Meu pai faleceu logo em seguida, uma semana depois, duas semanas depois dessa reunião. Meu pai faleceu, fiquei um tempo fora, quando nós voltamos, foi em março já, a instituição estava de pernas pro ar, tudo tinha ruído. Tudo que a gente estava começando a construir tinha ruído. Se nós não éramos uma empresa organizada, todo mundo se dava super bem, todo mundo se relacionava super bem, não tinha competição, não tinha nada, quando a gente voltou isso aqui estava de pernas pro ar literalmente. Nós tínhamos sido roubados, nós tínhamos tido confusões internas de funcionário pedir pra sair, estava um clima horrível aqui na instituição, falei: “Caramba, o que está acontecendo?”. Minha mãe: “O que está acontecendo?”. Eu falei: “Já sei o que aconteceu, mãe. Alguém está passando a gente pra trás na nossa ausência, acho que fizeram isso de propósito”. A gente teve uma conversa com as pessoas que estavam aqui, tudo, as pessoas que são muito antigas, tem pessoas que estão aqui até hoje que começaram aqui com sete anos de idade, estão com 21 hoje. Então pessoas que nasceram e viveram aqui dentro, então as pessoas sabem tudo, quem nós somos, o que nós queremos, sobre a nossa índole, tal. A pessoa: “Aconteceu isso, isso, isso, tudo”. A gente foi tomar algumas providências, fomos falar com algumas pessoas. Na época eu lembro que minha mãe como presidente cuidava da parte pedagógica da instituição e de escrever projeto. O administrativo era por parte da vice-presidente e o marketing era por minha parte. Aí passou, a gente teve uma discussão com a vice-presidente e com a psicóloga, ambas saíram da instituição. Aí com essa situação do meu pai falecer, que a gente voltou, tudo, poxa, minha mãe estava humanamente esgotada, psicologicamente destruída, eu falei: “Meu, eu tenho que tomar uma atitude. Ou a instituição vai fechar ou a instituição vai ter que andar”. Não dá, minha mãe... Todo mundo abatido, mas eu acho que por ser homem acho que eu acabei sendo um pouquinho mais forte no sentido emocional, conseguia separar um pouquinho o pessoal do profissional aqui dentro. Eu falei: “Gente, a gente precisa dar um jeito. O que a gente vai fazer? Ou a gente vai fechar ou a gente vai continuar. Tem hoje 600 crianças sendo atendidas, 20 e tantos profissionais e tal”. A gente optou em continuar, sentei com a minha avó, com o meu avô: “De que maneira que a gente vai continuar?”. Meu, a gente vendeu tudo que a gente tinha, vendi carro, vendi moto, ela vendeu outro carro, nós tínhamos um imóvel em Itanhaém que é aquele que eu falei que eu mudei, nós vendemos o imóvel. Todo este dinheiro que foi vendido das coisas, foi pro Proeco, pra injetar no Proeco porque a gente estava com o nome sujo, porque a CND que chama que é a Certidão Negativa de Débitos, a gente estava devendo os impostos pra Receita Federal. Então a gente desfez de tudo pra poder quitar, pra diminuir essa dívida, pra pagar as coisas que estavam atrasadas, tal. E a gente sentou e falou: “Gente, a gente precisa refazer isso aqui. Vamos mudar tudo?” “Vamos”. Aí acabamos tendo a eleição, entrei como presidente da instituição, tudo, e a gente começou a mudar o conceito de trabalho aqui dentro. Nunca perdendo a essência que a gente tinha que é essa coisa de um se dar bem com o outro, do respeito, da solidariedade, de que cada um aqui tem espaço pra conquistar o seu lugar independente do que você faz aqui dentro. A primeira coisa que eu lembro que eu fiz como presidente foi mudar o lanche. Isso é uma coisa que me chamou muito atenção, o pessoal falou: “Caramba, você mudou isso aqui. Que legal”. Porque antes a gente tinha um lanche que era servido pras crianças e um lanche que era servido pra quem trabalhava. Pra quem trabalhava a gente não tinha recurso pra comprar comida, então a gente fazia uma vaquinha com todo mundo que trabalhava, cada um dava 50 reais por mês, a tia ia lá todo o dia no mercado e comprava uma coisinha diferente, um bife, uma coisa pra gente e tal e as crianças ficavam com uma comida um pouco mais simples. Falei: “Gente, está tudo errado. O que a gente come todo mundo vai comer”. Foi a primeira coisa que eu fiz, eu lembro que eu tive essa atitude, todo mundo até hoje fala: “Caramba...”. Todo mundo fala disso até hoje, é muito engraçado, é uma coisa tão simples que foi marcante pra todos. Todo mundo vai comer a mesma comida. Então a partir de hoje a vaquinha que foi feita pra cá vai ser dividida pra todos os alunos. Então a gente começou a comer junto com os alunos, antes a gente almoçava num refeitório, os alunos no outro. Hoje todo mundo come junto, naquela época todo mundo começou a comer junto a mesma comida. Depois disso a gente começou a criar alguns conceitos mesmo empresariais de dividir setores, de criar o que cada um vai fazer, de sentar com cada um: “Sua função é essa. Sua função é essa”. A gente começou a registrar alguns funcionários conforme os convênios fossem chegando a gente começou a registrar as pessoas. Tomamos muitos processos trabalhistas pela época que nós não tínhamos registrado. Então a gente começou a tentar criar aqui dentro uma rotina empresarial de verdade Ter horário pra chegar, ter horário pra sair, ter registro de funcionário, ter livro ponto, ter controle de patrimônio, saber quantos lápis a gente tem aqui dentro. Todo mundo roubava tudo que tinha aqui dentro, era a farra do boi aqui dentro, todo mundo roubava tudo. Hoje a gente sabe quantos lápis a gente tem, hoje o patrimônio da Proeco é todo documentado. Vamos começar a trabalhar planejamento de captação de recurso, a gente começou a criar esse planejamento, uma pessoa só pra isso que é hoje a Valéria que é a minha mãe. Hoje a Valéria trabalha coordenando de uma maneira geral os projetos em si, mas a grande função dela hoje é escrever projetos pra que a gente capte recurso. Então essa hoje é a principal função dela, é captar recurso que é o que ela sempre fez de melhor. Ela nunca foi uma gestora de mão cheia, ela esteve gestora, mas nunca se formou pra gestora, mas teve necessidade de ser gestora. Tocou por muitos anos, conseguiu tocar, tudo, mas quando eu cheguei eu peguei todo o buraco de toda a gestão dos últimos anos. Eu falei: “Gente, estou no lugar realmente de doido”. A dívida de empréstimo, tudo, e a gente começou a diminuir essa dívida e começamos a crescer em patrimônio. Eu assumi em 2010 praticamente. 2010, nós estamos no ano de 2014, hoje a Proeco tem quase um milhão de patrimônio, na época tinha 200 mil reais de patrimônio. O que tinha de patrimônio não cobria a dívida que a gente tinha. Então a gente tinha mais dívida do que patrimônio. Hoje a gente tem um milhão e pouco de patrimônio, que hoje a gente tem ônibus, tem van, tem carro, de brinquedo a gente tem muito dinheiro, tudo sendo construído de maneira muito regrada, tudo aos poucos. Nós nunca omitimos uma articulação política empresarial muito grande. Então eu comecei a fazer esse papel de ir às prefeituras, de ir às empresas, tentar criar uma... No marketing a gente chama de business to business, que é trocar serviços e produtos. Então, poxa, o que a Proeco tem de legal que pode ser oferecido pra outra pessoa, pra uma empresa, pra uma prefeitura? Hoje a Proeco tem brinquedo, hoje a Proeco tem um trabalho de recreação infantil que é referência na região, senão hoje a nível Brasil. Vamos oferecer esse serviço pra prefeitura, quem sabe isso começa a fazer as pessoas entenderem a gente com outro olhar. E a gente começou a fazer um eventinho ali, um eventinho ali, um eventinho ali e tal aí a coisa começou a crescer. Por muito tempo eu fui o filho da Valéria, onde é que eu fosse eu era o filho da Valéria, ninguém me via como profissional. Hoje graças a Deus eu conquistei o meu espaço dentro da Proeco, dentro da prefeitura, dentro da relação com os parceiros, hoje eu sou o Hélio, o Hélinho como todo mundo chama. E a Proeco hoje eu posso dizer pra você com toda a segurança do mundo, uma dos maiores casos de sucesso da região, uma das instituições mais renomadas hoje no país, a gente tem hoje prêmio... O Proeco vai receber agora semana que vem um prêmio da câmara municipal pelos 20 anos de serviços prestados, três anos de Criança Esperança, dois anos semifinalistas do prêmio Itaú-Unicef. Então nós temos hoje uma repercussão a nível nacional. O Criança Esperança mudou a vida da instituição. Desde que o Criança Esperança chegou tudo se volta a instituição, todo mundo quer conhecer o Proeco, todo mundo quer fazer estágio na Proeco, as faculdades querem fazer de saúde, de marketing, querem fazer os seus cases, os seus TCCs no Proeco. Então isso é um motivo de muito orgulho pra gente, eu me sinto muito importante nesse processo porque eu fui uma sementinha, um pedacinho da sementinha que fez isso tudo acontecer. Sozinho a gente não faz nada, a Valéria é fundamental e é, foi, até hoje é fundamental. Todos que trabalham aqui são parte disso tudo porque acreditaram na proposta, porque você estar dentro de um lugar que está ruindo e você acreditar nas pessoas que estão ali na frente falando: “Gente, a gente vai crescer, a gente vai acontecer”. Eu tenho que agradecer todo mundo, gente. Todo mundo hoje é fundamental. A Adriana que é a próxima a ser entrevistada é uma pessoa que é nosso bração direito aqui hoje, que lida com tudo que a gente faz aqui hoje. A comunidade que abraçou a gente, a prefeitura que abraçou a gente em alguns momentos. A gente tem passado também por dificuldades com relação... Esse meio político é um meio que tem muito ego, né? Então no ano passado nós passamos um ano sem convênio praticamente com a prefeitura porque a antiga secretária não sei por qual motivo não gostava do nosso projeto, não gostava das nossas pessoas, enfim, cortou o nosso convênio. Então a gente ficou um ano sem receber recurso da prefeitura praticamente. Então mais empréstimo que a gente tirou, mais dívida que foi acumulada, mas a gente está aí, a gente tá forte. Mais um ano de Criança Esperança. A prefeitura agora está pra renovar o convênio com a gente. Foi muita luta, viu? Foi muita luta pra gente estar onde a gente está hoje, muito sofrimento. A gente teve que desfazer de um imóvel próprio pra poder se manter vivo, a gente vendeu agora no começo do ano um imóvel pra poder pagar dívida porque chegou a um ponto que não tinha nem empréstimo mais pra tirar porque eu já tenho um monte de empréstimo, minha mãe também, avó, avô. A gente acabou colocando a família tudo nesse meio, né? Então ninguém mais tem pra onde correr, a gente teve que vender a casa. E hoje a gente está conseguindo graças a Deus pagar tudo que a gente deve, a gente tá conseguindo crescer como instituição. Eu acho que o conceito de empresa fez muito bem na Proeco. Hoje eu agradeço todos os dias, todos os funcionários que estão aqui são registrados, têm os seus direitos segurados pela instituição, pelo lado federal, enfim. Hoje a instituição é uma instituição sólida, posso sair daqui hoje que quem assumir vai assumir uma instituição que tem dívida? Tem, mas é uma instituição que consegue sobreviver sozinha. Hoje a gente consegue gerar renda anualmente pra mais de cem pessoas. Hoje aqui dentro da Proeco são 25 profissionais registrados. Agora no mês de janeiro e fevereiro a Proeco faz uma ação na praia que é o Santos Verão que nós empregamos 80 pessoas com um cachê de 1800 reais, pessoas que são da comunidade que não estão se inserindo no mercado de trabalho em hipótese alguma porque são pessoas de 50, 60, 65 anos de idade ou que acabaram de fazer 18. Então a gente está trazendo todo mundo pra trabalhar com a gente no verão, são dois meses... São quase dois meses aí com um cachezinho mensal de 1800 reais, então é muito legal...
P/1 – Que ação que é essa? Que vocês fazem nessa ação?
R – É a Santos Verão 2015. Nós fizemos a 2014, agora estamos fazendo a 2015. A prefeitura de Santos monta aqui na praia cinco estações de entretenimento onde existe uma tenda enorme, são cinco tendas enormes com shows e apresentações culturais e cinco tendas com espaço kids, que é um espaço que a gente começou a criar em 2008 e hoje cresceu. A gente monta um espaço na praia, uma tenda na praia só pra recreação infantil, que funciona das sete da noite às 11 da noite de segunda a segunda durante o verão todinho. Então o turista vem, à noite não tem o que fazer, pode deixar o seu filho brincando com a gente lá enquanto ele vai assistir a um show. Tudo gratuito. E a praia consegue empregar nessa temporada 80 pessoas. Tem núcleos familiares com seis pessoas que fazem parte da mesma tenda, então é pai, a mãe, o tio, a tia, o irmão, a irmã na mesma tenda trabalhando. Uma família que não tem emprego durante um ano consegue numa temporada fazer quase 12 mil reais. Então uma coisa que eu... Hoje a grande menina dos meus olhos são essas ações de geração de renda, porque a gente vê que de fato a gente consegue ajudar. Porque dinheiro é fundamental. Eu acho que hoje duas coisas que a sociedade precisa é de dinheiro e de educação. Educação é a base de tudo, sem dúvida nenhuma, sem educação você não consegue construir nada e não adianta você não ter o dinheiro. Como é que eu posso dizer? O pai e a mãe pra ser tranquilo com o filho, pra poder dar uma boa educação ele tem que ter dinheiro porque hoje a educação municipal é falha, a educação estadual é falha, a particular tem suas falhas também, mas é um pouquinho melhor. Então o dinheiro é fundamental, a ação de geração de renda pra mim é a coisa mais gostosa que eu faço aqui na Proeco. É poder negociar com as prefeituras, vamos fazer festa, vamos fazer evento, vamos capacitar o pessoal pra trabalhar como recreacionista. No começo ninguém dava muito valor pra recreação infantil porque o pessoal diz que é um subemprego: “Ser recreador é um subemprego”. Poxa, hoje tem gente que vive conosco que vive de recreação infantil. Isso é um motivo pra gente de superorgulho, né? E eu faço um convite pra quem quiser conhecer o trabalho, tá aí.
P/1 – Da onde vem o nome, Hélio, Proeco? O que significa e quando surgiu o nome?
R – Proeco é uma sigla, é Projeto Educacional de Conscientização e Orientação. Poucas pessoas sabem disso porque Proeco lembra ecologia e a gente tem ações ligadas a ecologia, mas não é o grande ponto. É Projeto Educacional de Conscientização e Orientação. Nós temos como missão envolver em uma ação integrada a escola, a família e a comunidade. Isso graças a Deus a gente consegue fazer hoje com muita competência, as pessoas que estão aqui conseguem desenvolver um trabalho maravilhoso, o corpo de educadores, a coordenadora, a diretora de projetos, eles têm um carinho, sabe, um tato pra lidar com essa relação escola, família e comunidade que hoje eu to pra ver igual, é uma coisa fantástica.
P/1 – Fala só um pouquinho pra ficar um pouco mais claro pra gente como é que é essa relação. Onde vocês desenvolvem o trabalho, fora esses trabalhos que são de eventos mais pontuais, o trabalho cotidiano mesmo onde que ele é desenvolvido e quais são as atividades que estão envolvidas nesse trabalho? Como é que isso envolve escola, comunidade e família?
R – Hoje o trabalho principal da Proeco o que é? É envolver numa ação integrada a escola, a família e a comunidade. De que maneira que isso acontece? Todos os dias a Proeco tem duas ações paralelas, ela tem uma ação fixa num colégio municipal aqui em Santos que ela trabalha no contraturno escolar com cerca de 600 crianças levando atividade de arte, de cultura, de lazer, atrás de uma educação bem diferenciada onde a criança aprende brincando. Nós temos aula de taekwondo, nós temos aula de dança, de música, de tecnologia com os tablets, nós temos um momento só pra recreação e pra lazer, nós temos aula de esportes cooperativos, esportes individuais. Nós temos teatro, contação de histórias, alimentação saudável, atividades de meio ambiente. Isso tudo interligado transforma a criança através dos princípios que nós queremos trabalhar. Então todas as atividades juntas têm um tema uniforme que é o respeito, que são os princípios básicos da cidadania, posso dizer pra você. Antes da gente ensinar o meio ambiente a gente ensina o meio ambiente através da cidadania. Não adianta querer formar um artista ou um músico.
P/1 – Se você puder retomar essa parte dos princípios de cidadania, que é a abordagem que vocês dão.
R – As atividades da Proeco juntas buscam trabalhar um único tempo que de uma maneira geral é a cidadania. É fazer com que a criança tenha disciplina, que a pessoa seja uma pessoa que trate os outros com respeito, que preserve o meio ambiente, que preserve a relação familiar. Além das atividades que são desenvolvidas com as crianças nós temos atividades desenvolvidas com os adultos. Os adultos são sempre chamados às escolas não pra falar do filho que está se comportando mal ou do filho que está se comportando bem e sim pra agregar ao filho, pra participar de uma atividade junto com o filho. Pra ter o prazer de repente, fazer um taekwondo junto com o filho dele, de fazer uma aula de meio ambiente junto com o filho dele, e sim participar do processo. É muito gostoso quando o filho vê o pai junto ou a mãe junto, principalmente pai que é uma figura pouco presente hoje, é algo que é mágico. A gente consegue fazer isso graças a Deus, todos os dias a gente consegue ter o envolvimento da família, a escola. Sem a escola a gente não consegue desenvolver nenhuma atividade então a escola, a direção da escola é fundamental que ela esteja de comum acordo com tudo que acontece. Então esse envolvimento é algo que a gente faz já há quase 20 anos, a Proeco nasceu dentro de uma escola, a Proeco nasceu dentro de um projeto educacional, por isso o nome Projeto Educacional. Foi um projeto que a Valéria desenvolveu dentro de uma escola que cresceu e hoje a gente atende paralelo a 680 crianças numa escola fixa, nós levamos o trabalho pra nove regiões da Baixada Santista que é Santos, Guarujá, Bertioga, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe, Cubatão e... Acho que eu ia repetir Guarujá de novo. Então são nove regiões que nós atendemos simultaneamente com essas atividades. Então nós temos um corpo de educadores que fica na escola e um corpo de educadores que vai aqui os nove municípios da Baixada Santista com o apoio do Criança Esperança. Essa acho que é a grande menina dos nossos hoje, é essa relação da Proeco com o Criança Esperança, é o que mudou muito o nosso trabalho. Desde que o Criança Esperança chegou a gente consegue levar com muito mais facilidade o trabalho a outras regiões, porque quando você é de Santos e quer levar um trabalho pra Itanhaém se você não tem um forte argumento é muito difícil. Então você levar junto com você o nome Criança Esperança, o nome da Globo, o nome da Unesco você...
P/1 – Se você puder retomar a partir dessa coisa de levar pra Itanhaém sendo de Santos é difícil, mas com o nome do Criança Esperança. Se puder retomar dessa...
R – Porque quando você é uma instituição que não tem nome forte por trás fica muito difícil de você criar essa relação com outros municípios. Você é de Santos, existe talvez certa competição, não sei se existe ou não, mas eu acho que existe uma competição de município com outro e você ter uma marca por trás tão poderosa como a Unesco, como a Rede Globo e como o Criança Esperança fortalece muito a nossa entrada no município. Hoje quando a gente pega o telefone e liga pra um município como Itanhaém: “Olha, eu sou do Proeco apoiado pelo Criança...” E hoje quando a gente faz um contato com outra prefeitura fala: “Eu sou da Proeco, projeto que é apoiado hoje pelo Criança Esperança, pela Unesco.” “Poxa, sério? Que legal. Vem pra cá”. É uma coisa mágica. Você entra em qualquer município, você faz um trabalho em qualquer lugar do mundo com essas marcas junto a você, com essas instituições tão fortes. Então hoje a gente leva esse trabalho, além de Santos, pra os outros nove municípios da baixada. São atendidas por meios hoje uma média de 4500 crianças. É muita criança, é muita gente. E em todo local onde a Proeco atua a escola está envolvida nesse projeto e os pais desses alunos, a comunidade de uma maneira geral tá envolvida, por isso a missão escola, família, comunidade.
P/1 – Os municípios que vocês atendem também é nas escolas que vocês desenvolvem as ações?
R – Também nas escolas municipais. Normalmente... Antes da vinda do Criança Esperança esse trabalho já ocorria, só que nós ligávamos oferecendo o trabalho. Muitas pessoas gostavam da ideia, tudo, mas depois da vinda do Criança Esperança as pessoas ligam pra gente. Dificilmente eu pego o telefone e ligo pra alguém oferecendo meu trabalho. As pessoas ligam, a gente tem uma agenda, graças a Deus, muito cheia. Chega em março a gente já tem agenda até novembro quase fechada, então o pessoal começa a ligar no meio do ano: “Quero um evento na minha escola. Quero que a Proeco vá levar caravana na minha escola.” “Poxa, só o ano que vem”. Porque a gente tem agenda todos os dias, graças a Deus, o ano inteirinho. O Criança Esperança é uma benção pra gente. Existe o antes e o depois do Criança Esperança na Proeco.
P/1 – Conta um pouco como é que começa então essa parceria com o Criança Esperança, esse apoio. Vocês inscreveram projeto? Como é que isso começou? Em que ano que isso começou?
R – Acho que em 2004 nós escrevemos o primeiro projeto pro Criança Esperança e não foi aprovado. Se eu não me engano o Criança Esperança nunca patrocinou um projeto em Santos antes do nosso. É a primeira vez que o Criança Esperança patrocina um projeto aqui na região. São Vicente teve um projeto patrocinado há muitos anos, depois desse projeto nenhuma instituição na região tinha projeto aí em 2012 nós mandamos o projeto, mas é aquela coisa, é tão difícil que a gente só vê de longe, né? A gente só vê o show, a gente só vê a Globo cobrindo as matérias, a gente não vê de perto a coisa acontecendo, então você fala: “Caramba, será que existe mesmo? Será que o Criança Esperança é uma coisa real?”. A gente manda projeto nunca aprovaram, nunca tem feedback, o retorno por que não foi aprovado. E um dia estoi lá em casa conversando com a minha mãe, abri o meu e-mail, Unesco, um e-mail da Unesco, tal, você foi aprovado, assim, assado. Falei: “Ah, mentira, né? Está de brincadeira. Isso é uma mentira. Nunca vi projeto aprovado por e-mail. Isso é golpe. Isso aí são aqueles golpes lá, mãe, que você manda e-mail, pega os seus dados e depois usam nossos dados pra coisa ruim”. Aí eu dormi com aquilo lá, beleza, acordei no outro dia, liguei de novo, falei: “Eu vou ligar pra esse lugar”. Aí minha mãe: “Liga lá. Liga lá”. Liguei, atendeu uma moça chamada Cristiane Nogueira, ela pegou o telefone eu falei: “Poxa, olha moça, eu sou aqui de Santos, tal, eu recebi e-mail da Unesco, olha, eu não sei se é verdade, mas dizendo que eu tive um projeto aprovado, a instituição que a gente representa aqui.” “Parabéns, não sei o que.” “Sério mesmo, moça?” “Sério.” “Ah, meu Deus. Moça, só um minuto que eu estou começando a chorar”. Aí eu comecei a chorar, minha mãe me abraçando, a gente começou a chorar a moça ria sozinha no outro lado da linha. Eu falei: “Moça, só um pouquinho, eu ligo pra você daqui a pouco”. Desliguei, a gente começou a chorar, abraçar-se, porque é um sonho, você vê uma coisa tão longe da gente, a gente conseguir ter isso. Eu falei: “Eu não acredito”. Começamos a chorar, chorar, chorar e começamos a ligar pra todo mundo: “Gente, a gente teve um projeto aprovado. O Criança Esperança está em Santos, está na baixada, não sei o que, tal”. E até a ficha cair passou acho que uma semana, a ficha cair. Aí começou a trocar e-mail com a Unesco, essa coisa toda, tal, a Globo já começou a entrar em contato com a gente aqui da região, a TV Tribuna começou a entrar em contato com a gente: “Vocês tem um projeto aprovado, pô, parabéns. A gente vai fazer algumas ações com vocês, matérias, tal”. A gente começou a ver o tamanho da coisa, a responsabilidade que era. E o trabalho começou a acontecer. Logo no primeiro ano que a gente teve o projeto aprovado achamos muita dificuldade porque era o último político aqui na região, ia haver uma mudança política, ano de eleição, essa coisa toda, tal, então isso acabou ofuscando, essa mudança política ofuscou um pouquinho o que o trabalho da Proeco realizou. Porque nós tivemos dificuldades demais nesse ano político, demais porque infelizmente as pessoas misturam as estações, politicamente falando algumas pessoas misturam as estações, então o que puderam fazer também pra prejudicar a gente na época fizeram. 2013 o projeto continuou, mas o projeto andou, em 2013 fomos aprovados novamente aí já muito mais seguros do que ia acontecer. Fizemos o projeto acontecer de maneira, graças a Deus, brilhante aqui na região, sem o apoio na época do poder público porque, como eu disse, a secretária de educação não era muito adepta ao nosso projeto, não apoiou. E agora tivemos pela terceira vez o projeto aprovado pra 2015. 2015 eu acho que vai ser um ano de grande força pra instituição porque eu acho que dois anos apanhando muito com o poder público e sendo muito realizado pelo Criança Esperança, pode-se dizer assim, você tendo um lado bom todinho do Criança Esperança e tendo todo o lado ruim politicamente falando você se fortalece muito. Em 2014 é o ano que a gente conseguiu articular muita coisa, tanto com o poder público, que hoje nos recebe de braços abertos, das nove regiões, não só de Santos, como o Criança Esperança ao nosso lado a gente vai fazer um trabalho que a gente vai mudar muita coisa. A gente vai mudar conceito esse ano. Eu acho que a Proeco vem pra 2015 pronta pra mudar conceito. O nosso trabalho de 2015 é levar pros nove municípios da região a nossa metodologia de trabalho, é implantar em nove escolas as ações que hoje são desenvolvidas aqui em Santos, as atividades da maneira que são desenvolvidas, fortalecer em termos de equipamento todos os nove municípios. Então a gente vem muito forte pra 2015 pra de fato tentar mudar a educação da região. Educação é a base de tudo, né? E educação começa lá quando a gente é pequenininho, então é mudar o conceito da criança desde que ela é pequenininha. A gente vem muito forte. Graças a Deus o poder público abraçou esse ano, o Criança Esperança acreditou mais uma vez, são três anos consecutivos, a TV tá junto, o que ajuda a divulgar, a multiplicar ou que traz parceiros também pra aqui pra Proeco. Enfim, a gente vem que vem em 2015. 2015 é o ano. É o ano da virada. É o ano que a gente vem pra...
P/1 – Esse apoio do Criança Esperança, se você pudesse falar um pouco pra gente em termos de estrutura, material e recurso, no que ele auxiliou vocês nesses dois anos que já foi aprovado e no que você acha que pode auxiliar pro ano que vem.
R – A vinda do Criança Esperança pra gente fortaleceu não só a nossa credibilidade, eu acho que dá credibilidade pro projeto que é aprovado porque você concorre com milhares de projetos e, você ser o único aqui da região é motivo de muita credibilidade e muita honra. A visibilidade que esse projeto atrai pra gente também é muito grande porque as pessoas ficam de olho, a cobrança é maior, a responsabilidade é maior, mas isso é muito bom porque a visibilidade também aumenta. Em termos práticos e financeiros o Criança Esperança soma muito com relação aos equipamentos que nós adquirimos. Os nossos projetos enviados pro Criança Esperança, nenhum deles contempla o RH. Por que não contempla o RH? Porque a gente entende que hoje o RH é algo que passa, não permanece dentro da instituição. Você dizer que eu executo o trabalho, a nossa ideia é passada, a nossa metodologia é absorvida pela criança só que a instituição não fica com nenhum dado físico real pra se guardar. Nós optamos em escrever o projeto pedindo somente equipamentos pra instituição, pedindo brinquedo, pedindo veículo, pedindo máquina, pedindo tudo aquilo que vai fortalecer uma próxima gestão na instituição. Porque antes a gente tinha essa visão de que nunca vai acabar a gestão e hoje não, hoje minha gestão pode acabar, o próximo que assumir tem que pegar algo bom, algo funcionando. Eu não quero que a pessoa que assuma após a minha saída assuma uma bucha que nem eu assumi. Eu quero que ela assuma uma instituição sólida e que faça crescer ainda mais. Então a gente procura equipar essa instituição, então hoje o Criança Esperança vem nos três anos que nós estamos com a parceria somente colocando equipamentos a nossa disposição. Então são máquinas que estão chegando, veículos que chegaram, muitos brinquedos, muitos materiais pra desenvolvimento das atividades. Então hoje se a gente for conhecer o nosso depósito tem muita coisa legal. Eu brinco que isso aqui é a Walt Disney da educação, você vem aqui você tem material pedagógico de todas as áreas, de esporte, de música, de dança, de capoeira. É um mundo. O educador que hoje tem a possibilidade de trabalhar na Proeco ele tem ferramenta que poucas pessoas têm. Aqui o educador consegue fazer a diferença. A gente procura ter o RH através de outras parcerias e pagar bem pra que o educador trabalhe motivado e dá toda a retaguarda que ele precisa pra desenvolver um bom trabalho. Dá um bom espaço físico pra ele planejar, dá um bom conforto pra ele e dá equipamento. Educador sem equipamento não consegue executar, não adianta dar mais uma lousa pro educador, um giz porque a criança está cansada, a criança não aguenta mais livro, lousa e giz de cera. A criança chega em casa ela tem um Tablet, ela tem um celular com acesso a internet, ela tem o computador, ela vê televisão, ela vê tecnologia entrando pelos poros da gente todo segundo, se a gente não acompanhar essa tecnologia, não acompanhar as novas tendências a gente vai parar, a gente vai ter uma educação burra o resto da vida aqui no Brasil. Então a gente procura levar tudo que tem de melhor e mais moderno hoje pra escola. Então os alunos nossos têm aulas com Tablet, tem brinquedos mais modernos que existem, têm vídeo game. Hoje a gente dá aula com Kinect, com Xbox, trabalhando a expressão corporal, trabalhando a socialização de uma criança com a outra, a cooperação através de vídeo game. Então, poxa, é algo novo, é algo que hoje a escola está anos luz de chegar a acontecer. Então hoje a Proeco possibilita isso pra criança, ela aprender, ela se socializar, ela se tornar um cidadão brincando. Não tem coisa mais gostosa, né? Eu acho que a gente brinca junto. O educador que está lá está brincando junto, é muito gostoso, gente, é muito gostoso. O trabalho é fundamental e o Criança Esperança fortalece esse lado do equipamento. Sem eles a gente não tinha condições de adquirir 20% do que a gente tem hoje.
P/1 – Hélio, você se lembra de algum caso, queria que você desse um exemplo pra gente. Não sei se você tem contato direto com as crianças, com a comunidade, com os pais, mas se tem alguma história nesse tempo que você tem de Proeco que tenha te marcado nesse sentido de mudança ou de resposta mesmo deles a partir do trabalho com vocês, do trabalho de vocês.
R – Pô, essa parte é a parte que emociona porque quando eu disse que eu queria deixar de ser um número numa multinacional, vim trabalhar num projeto social pra ser alguém eu dei de cara com muitas questões empresariais que a gente tinha que mudar e a gente foi mudando aos poucos isso tudo. Só que isso também é empresarial, eu queria sentir o lado humano, eu queria sentir o lado que de fato eu estou fazendo a diferença como pessoa. Na comunidade que a gente atuava pode-se dizer que 80% das crianças que eram atendidas pela Proeco tinham a figura paterna muito distante. Ou a figura estava presa, ou o pai estava preso, ou o pai estava drogado, ou o pai batia, em alguns momentos o pai até abusava sexualmente da criança. Então a figura masculina de pai era horrível, a grande parte do público que a gente atendia. E você vai passando, vai convivendo com as crianças, vai brincando. Como eu falei, eu já fui motorista de ônibus da Proeco, eu já fiz de tudo um pouquinho aqui dentro, eu sempre tive na minha cabeça a ideia de que pra você cobrar algo de alguém você tem que saber fazer. Então eu fiz de tudo aqui dentro pra poder chegar ao ponto de falar: “Olha, Fulano, você está fazendo isso aqui, faz de outro jeito.” “Ah, mas você não sabe.” “Não. Eu sei porque eu fiz isso”. Então eu procurei de tudo participar um pouquinho, de tudo fazer parte. Já toquei instrumento, já fiz capoeira, já fiz taekwondo, já fiz tudo um pouquinho. Foi só uma, duas aulas, mas eu já fiz de tudo um pouquinho. E você com essas participações você vai se integrando com as crianças, as crianças vão tendo você como referência, principalmente me marca muito o ônibus, dirigir o ônibus que eu levava todo mundo pra passear. E chegou uma época, dia dos pais, que muitas crianças chegaram pra mim, não foi um, não foram duas, foram muitas, fizeram cartinha: “Pai, não sei o que... Você é meu pai. Você é não sei o que”. Eu falei: “Não acredito, gente”. Criança que às vezes não tinha dinheiro pra comer, passava necessidade, juntou um dinheirinho, foi numa loja como na época eu lembro que na Água de Cheiro ou na... Foi na Água de Cheiro, comprou um perfume pra mim, comprou um creme pra mim. Eu falei: “Vocês estão de brincadeira, gente. Vocês vão me matar desse jeito”. E as crianças começaram a criar esse hábito de me chamar de pai. Muitas me chamavam de pai. Eu falei: “Meu Deus, eu tenho um filho em casa, agora eu tenho 200 aqui na instituição”. Então isso me marcou demais, eu falei: “Eu estou fazendo a diferença como pessoa. Estou no lugar certo. Minha missão está sendo cumprida”. Além dessas questões de ser pai, de ser tudo você começa a ver que a criança que às vezes não tinha condição ou não queria às vezes se vestir um pouquinho melhor, tal, começou a se vestir do meu jeito com a camisa polo, que eu sempre gostei de camisa polo, usar um teniszinho parecido com o meu, usar o tipo de bermuda que eu uso, comportar-se como eu me comporto. Eu tenho mania de chamar as pessoas de anjo, então às vezes começavam a chamar as outras de anjo. Eu falava: “Caramba, meu, virei referência”. E até porque eu era um dos poucos homens na instituição na época, eram muitas mulheres. Aí você fala: “Caramba, estou virando referência pra essas pessoas, o modo de se vestir, o modo de se comportar, de ser educado”. Eu me considero uma pessoa muito educada, com muito tato pra lidar com as outras. Aí você fala: “Caramba, meu, está acontecendo, a mudança está acontecendo”. Tem um menino que trabalha conosco hoje, o nome dele é Wilson, ele está conosco desde os sete anos de idade, ele passou por todas as ações da Proeco. Tudo. Teve aula com todos os educadores, já foi monitor da Proeco, já foi recreacionista, hoje ele é educador de taekwondo na Proeco, tem sua carteira assinada, tem a sua vida inteira quase toda aqui dentro da Proeco e me chama de pai. Manda presente de dia dos pais, liga pra mim todos os dias: “Como é que você está, pai? Como é que você não está, pai? Pai, estou com um problema assim, assim assado”. Divide as coisas dele comigo, então poxa, é um filho que tem quase a minha idade, tem 20 e tantos anos. As tias aqui da Proeco que estão conosco há 15 anos quase, as tias aqui que estão na Proeco. Então hoje ganhar o respeito dessas pessoas que construíram a Proeco junto com a minha mãe, que foram fundamentais junto com a Valéria e hoje têm um respeito por mim, falarem: “Poxa, não quero nunca mais que você saia daqui da presidência, eu quero que você sempre continue assim porque desde que você veio tudo mudou”. Poxa, são coisas que você fala: “Meu, está acontecendo. Minha missão está sendo cumprida”. E eu acho que é isso, são coisas muito marcantes. Crianças que chegaram uma época... Teve uma época que uma coisa muito marcante tinha uma criança que ela não acreditava em Papai Noel, eu juro que eu não me recordo o nome dela, ela não acreditava em Papai Noel. “Poxa, por que você não acredita em Papai Noel? Por que você não acredita em Papai Noel?”. Todo mundo querendo entender por que ela não acredita em Papai Noel. Ela: “Pô, porque tudo que eu peço desde que eu nasci eu nunca ganhei”. Eu falei: “Caramba, meu”. Isso, pô, matou todo mundo, né? O povo começou a chorar na época, o pessoal soube disse. “O que você pediu?” “Eu pedi um bonequinho eu não ganhei. Eu pedi uma bola eu não ganhei.” “O que você vai pedir pro Papai Noel esse ano?” “Eu vou pedir quatro bonequinhos de um desenho japonês”. Eu falei: “Vai pedir quatro bonequinhos? Você já fez a cartinha?” “Já, já fiz a cartinha, mas ele não vai me dar tio Helinho.” “Então está bom. Dá a cartinha que o tio Helinho vai levar lá pro Papai Noel pessoalmente”. A gente fez a vaquinha lá, a gente comprou os brinquedinhos pra criança. Aí todo ano a gente faz Papai Noel, então Papai Noel foi levar aí por último a gente deixou essa criança. Ela já tava com aquela carinha amuadinha, né? Tipo: “De novo o Papai Noel não vai me dar nada. Nada que eu pedi ele vai me dar”. Aí ele chamou o nome dela. Juro que eu não me recordo, gente, juro que eu não me recordo. Ele chamou o nome dela. Quando chamou, gente, a cara daquela criança, meu, a satisfação, aquela cara de surpresa. Ela fez um rosto, aquela coisa tipo: “Não acredito. Meu Deus”. Quando ela abraçou Papai Noel ela veio correndo: “Acredito em Papai Noel, acredito em Papai Noel”. Ela abraçou a gente e todo mundo chorou, mas todo mundo chorou, chorou, chorou de chorar muito. Aquilo pra gente foi muito marcante, gente. Falei: “Caramba, gente, olha só o pouco que a gente faz como muda. Como muda”. Aí a criança: “Tio Helinho, eu acredito em Papai Noel agora. Eu acredito em Papai Noel”. Eu falei: “Nossa, olha que legal, né?”. E são coisas que essa foi uma das várias coisas que aconteceram. Tem muitas pra contar. Tem muitas. Acho que as mais marcantes são essas. E só assim de marcante. E eu estou sempre presente, não consigo ultimamente estar acompanhando todas as ações porque conforme a gente vai crescendo as responsabilidades também vão aumentando, o administrativo, o número de reuniões que eu tenho hoje são enormes, então tem que fazer a parte chata da coisa. Eu não consigo estar no dia a dia muito com as crianças, mas a gente criou agora um sisteminha de computador que eu consigo saber tudo que está acontecendo. Bate foto, pelo celular eu consigo ver o que está acontecendo, então eu procuro estar o mais próximo possível pela distância que eu estou. E é isso, o dia a dia nosso hoje é esse.
P/1 – Tá certo, Hélio. Eu vou encaminhar pras perguntas finais agora. Acho que foi bem bacana, deu pra ter um panorama legal. São duas questões finais, queria saber antes de te perguntar essas duas questões se você tem alguma coisa pra dizer que eu não tenha perguntado. Se tem alguma coisa que você gostaria de deixar registrado.
R – Não. Não tenho.
P/1 – Não faltou nada.
R – Isso aqui só cresce com todos juntos. Sem as pessoas juntas a gente não cresce. Se tem uma coisa pra falar hoje pra todo mundo é isso, a gente só cresce porque a Proeco é uma família. É uma família que sabe dividir o que é trabalho e o que é pessoal e uma família que é muito comprometida. Se não fosse todo mundo a gente não estava onde a gente está hoje. A gente deve muito a todo mundo, a todos que passaram, a todos que não fizeram bem, a todos que tentaram prejudicar. Todo mundo foi importante nesse processo porque o lado ruim se torna algo bom porque é algo com que a gente aprende. Então sem todo mundo nós não somos ninguém. Quero agradecer realmente todo mundo da Proeco. Se não fosse essa equipe toda aqui do meu lado, essa família aí a gente não conseguiria, não. Obrigada, viu?
P/1 – Então a penúltima pergunta antes da gente encerrar, quais são os seus sonhos?
R – Ah, menina. Meus sonhos? Meus sonhos acho que são poucos, eu acho que eu tenho só dois. Eu acho que é ser feliz e fazer feliz. Acho que é ser feliz e fazer feliz. Eu acho que eu sou feliz pelo que a Proeco consegue proporcionar as pessoas e a felicidade das pessoas me faz feliz. Eu acho que é isso. Meu sonho eu acho que é esse, poder fazer essa instituição crescer cada dia mais. Quanto mais a gente cresce mais a gente atende, quanto mais a gente atende mais a gente transforma. A transformação causa felicidade, essa felicidade volta pra gente em resultado da felicidade dos outros. Eu acho que é isso. É isso.
P/1 – E por fim como é que foi contar a sua história? O que você achou da experiência?
R – Poxa, sabia que é a primeira vez que eu tenho a oportunidade de contar a minha história pra todo mundo, acho que de uma maneira geral pra todo mundo? Eu guardo a minha história muito guardadinha, eu sou uma pessoa muito reservada. Quem tá com a gente aqui há muito tempo sabe de tudo que eu passei na minha vida, o lado ruim, todo o preconceito, tudo que a gente fez pra chegar aonde a gente chegou, mas eu sempre deixo muito guardado os meus sentimentos. Eu nunca expus meus sentimentos desde a minha infância pra ninguém, agora eu estou expondo ao público, né? Expor situação de bullying, expor o que aconteceu de ruim na Proeco, altos e baixo pessoais e profissionais. Eu acho que isso pra mim é uma vitória muito pessoal, eu acho que hoje eu estou muito seguro de chegar e falar, aconteceu isso na minha vida, estou aqui, mas eu devo tudo, o fato de eu estar aqui eu devo a tudo que passou. Eu acho que tudo que passou me fez ser o ser humano que eu sou hoje, os altos e baixos financeiros, os preconceitos, a morte do meu pai, tudo fez eu me tornar o ser humano que eu sou hoje. Eu acho que, meu, é isso. Eu me sinto muito feliz de poder abrir, tá sendo uma grande terapia. É verdade.
P/1 – Tá certo.
R – E agradeço muito a você, a vocês.
P/1 – A gente que agradece.
R – De coração, Muito obrigado, viu? Espero que vocês tenham gostado, viu, gente e que seja útil aí.
P/1 – A gente gostou sim. Claro.
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