Museu da Pessoa

“Uma conquista pessoal muito valiosa”

autoria: Museu da Pessoa personagem: Luciana de Assis Maciel

Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Luciana de Assis Maciel
Entrevistada por Marina Galvanese
Mauá 14/11/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_30
Transcrito por Ana Carolina Ruiz

P/1 – Luciana, vou pedir pra você falar de novo o seu nome completo, local e data de nascimento.

R – Luciana de Assis Maciel, Mauá, 22 de maio de 1979.

P/1 – E o nome dos seus pais?

R – Fátima Aparecida Plaza de Assis Maciel e Lúcio Perotti Maciel.

P/1 – E o que os seus pais faziam, fazem?

R – Meu pai é cearense. Ele veio do Nordeste pra cá pra tentar a vida em São Paulo. Minha mãe nasceu em Promissão, que é interior de São Paulo, e também veio pra cá com os meus avós tentando também a melhor qualidade de vida, naquela época.

P/1 – E ela trabalhava com o que?

R – Minha mãe trabalhou numa fábrica de calças... Na época tinha calça plástica, né? Hoje em dia não existe mais, mas ela trabalhava em confecção de calça plástica. E o meu pai em Fortaleza ele já trabalhou como pipoqueiro, ele veio pra São Paulo, trabalhou como vendedor de enciclopédia, trabalhou numa firma chamada Santa Marina, que trabalhava na confecção de vidros, e aí ele conseguiu emprego na Ford e foi onde ele se aposentou.

P/1 –

E como é que eles se conheceram, você sabe?

R – Sei. Eles se conheceram no trem. Minha mãe sempre ia trabalhar de trem e o meu pai também. Minha mãe sempre ia com uma prima dela e num dia ela brigou com a prima dela e minha mãe mudou de vagão. Aí no dia que ela mudou de vagão ela conheceu meu pai e aí eles começaram a trocar olhares, a conversar, aquelas coisas de trem e viram que tinham uma afinidade. Minha mãe na época tinha 18 anos, meu pai 26. Aí meu pai foi conhecer a família dela já com intenção de casar, namorar pra casar, e eles ficaram nesse tempo, namoraram, noivaram e casaram.

P/1 – E você tem irmãos?

R – Tenho. Eu tenho a Daniela e tenho o Filipe que é o caçula.

P/1 – Você é a mais velha?

R – Eu sou a mais velha. Eu tenho 35 anos, minha irmã tem 33 e o meu irmão agora tem 20... Vai fazer 28. Tem 27, faz 28, no dia 18 de novembro.

P/1 – E como é que você descreveria assim os seus pais?

R – É a base do que eu sou hoje. Eu nem gosto de falar muito.

P/1 – Tá bom. Você se lembra da casa onde você passou a sua infância, onde é que foi?

R – Nós morávamos de aluguel. Então assim, as primeiras casas eu não lembro. Eu lembro muito... Eu fui pra casa dos meus avós por parte de mãe, porque os avós por parte de pai moravam em Fortaleza, então eu tive mais contato mesmo com os avós por parte de mãe. Meus pais moravam de aluguel e aí teve determinada situação que o senhor pediu, minha mãe arrumava as coisas, lavava minhas fraldas e o senhor ia, tinha uma horta, ele limpava a mão nas fraldas que minha mãe lavava. E aí minha mãe não estava mais aguentando essa situação e aí ela conversou com a minha avó e minha avó falou, naquele momento tava difícil alugar casa, falou assim: “Vem e fica aqui com a gente. A casa é grande”. E aí meu pai aceitou. Mas meu pai deu prazo pra minha vó, falou assim... Meu pai chamava minha vó de nega, falou: “Nega, eu vou ficar aqui durante um ano, depois eu já vou pra minha casa”. E isso aconteceu. Meu pai ficou um ano na casa dos meus avós, a gente ficou morando lá e depois meu pai comprou a casa que é onde nós estamos hoje já. Já faz 30 anos que eu moro nesse mesmo local.

P/1 – E a casa da sua vó ficava onde?

R – Fica aqui pertinho.

P/1 – Aqui mesmo.

R – Jardim Santa Lídia, próximo da Casa Mateus.

P/1 – E aí quando vocês mudaram pra essa outra casa como é que foi assim, você lembra?

R – Pra gente foi uma mudança. Assim, realmente uma mudança porque você... Aqui nós sempre tivemos mercado próximo, ruas asfaltadas e quando nós fomos pro Zaíra era um bairro que ainda estava em crescimento, em desenvolvimento. Então não tinha muitos mercados, o comércio era bem fraco, não era rua asfaltada, ainda era rua de terra e aí que aos poucos foi crescendo e foi ganhando e hoje tem uma dimensão muito grande.

P/1 – E como é que era assim a vivência com os seus irmãos? Vocês brincavam na rua? Tinha outras crianças?

R – Eu lembro muito assim, antes era muito eu e a minha irmã porque lá tinha muito menino e o meu pai sempre foi muito ciumento, então ele não deixava a gente brincar com os meninos. Então ficava muito mais eu e a minha irmã e nós tínhamos minhas primas do lado, então era a companhia que a gente tinha até certo momento, porque também depois houve uma discussão em família e aí a gente também perdeu, mesmo morando do lado a gente não tinha mais o contato, o convívio com essa família, com essa parte da família.

P/1 – E vocês brincavam do que assim? O que vocês faziam?

R – Olha, eu lembro assim de criança eu lembro que eu brincava muito mais era com a minha irmã, então a gente brincava dentro de casa e era sempre coisa de casa, de casinha, de escola e aí com o passar do tempo, uma fase se eu for pensar que marcou muito era assim na adolescência que a gente gostava de brincar na rua, principalmente em época de verão. Aí você vai crescendo, você pode já ter um contato maior com os meninos, então você aproveitava pra brincar de vôlei, mas isso foi lá já com 13, 14 anos, por aí. Mas antes com a minha irmã era mais assim mesmo, ou era entrar no quarto, colocar as roupas da mãe, brincadeiras nesse sentido.

P/1 – Tá bom. Você falou que essa casa ficava mais afastada, tinha escola perto? Como é que era? Onde é que vocês estudavam?

R – Tinha. O meu pai por ele trabalhar na Ford nós conseguimos entrar no Sesi. Então eu e a minha irmã, nós duas... Na verdade nós três conseguimos passar pelo Sesi, eu, a minha irmã e o meu irmão. Não é uma escola... É próxima, dá uns 15 minutos, 20 minutos a pé. São sete quilômetros mais ou menos.

P/1 – Mas desde pequenininha entraram no Sesi...

R – Entramos no Sesi na pré-escola. Todos nós. O meu irmão que entrou no jardim, eu e a minha irmã conseguimos entrar na pré-escola e lá naquela época ia só até a antiga oitava série, então nós ficamos no Sesi o período assim.

P/1 – E vocês iam sozinhas pra escola, alguém levava?

R – No início a minha mãe levava e depois quando ela ficou grávida do meu irmão ficou difícil, aí ela pagava perua pra levar a gente. Então a tia Marina passava, pegava a gente, levava e deixava em casa.

P/1 – E como que era assim essa escola? O que você gostava mais?

R – Na escola, na pré... O Sesi naquela época e acho que hoje ainda também, ele tem sempre uma boa estrutura então eles preservavam muito a questão lúdica da gente. Então tinha muitas atividades, ou era no parque, ou era com brinquedos pedagógicos, então era um contato muito bom. Às vezes o que a gente não tinha condições de ter em casa, os brinquedos, a gente tinha na escola. E lá vão se criando... São os primeiros laços que a gente vai tendo com outras pessoas fora da nossa família.

P/1 – E tinha amigos assim na escola?

R – Tinha. Tem uma turma que até hoje a gente se troca Face, a gente se encontrou e que a gente vai conversando, que lembra, às vezes coloca as fotos e começa a marcar. Tem uma amiga que ela não estudou na pré-escola, mas ela era da minha rua que se chama Laine. Então até hoje a gente tem ainda contato, ainda que pelo Face. Mas é uma pessoa que fez parte da minha infância.

P/1 – E tem alguma professora, algum professor que tenha marcado mais assim?

R – Eu acho que a professora Leda, que foi a professora da pré-escola, que ela sempre foi muito carinhosa. Era um exemplo assim de pessoa, de ser humano mesmo, de estar preocupada não só em passar... Hoje como pedagoga eu entendo muito isso, claro que na época não, mas de se preocupar muito com o indivíduo, não só com conteúdo que ela tinha que passar. E uma coisa que marca nesse momento de escola pra mim que são as lições de casa, que uma vez ela... Pode ir falando?

P/1 – Claro.

R – Que ela passou uma lição e a gente tinha que desenhar era alguma coisa com E. Com I. Não, era com I. E aí eu fui pedir ajuda pra minha mãe, minha mãe estudou só até a quarta série, meu pai terminou até a oitava. E aí ela pediu pra desenhar eu levei minha folha, “istante”, né? E não era “istante”, é estante, aí eu fui aprender. E aí aquele dia assim marcou muito. Aí eu cheguei em casa, que eu sempre fui muito chorona, cheguei em casa chorando que eu tinha errado e nesse dia minha mãe ficou muito mal, que ela viu que a falta de estudo dela teve algum reflexo em mim. Mas hoje não, hoje já está superado.

P/1 – E depois você continuou nessa escola até a oitava série...

R – Continuei na escola até a oitava série. Depois na oitava série a gente já começava a pensar o que a gente quer ser da vida e os meus avós sempre falavam que eles queriam ter uma neta professora. E dali foi. Eu fui vendo até os exemplos dos meus professores mesmo de séries e eu pensei: “É isso que eu quero pra mim”. Então no colégio eu fui estudar em uma escola pública e que naquela época tinha o magistério, então eu já saí do Sesi e fui diretamente pro magistério e lá passei quatro anos.

P/1 – Em que escola que era?

R – Therezinha Sartori. Antigamente o pessoal chamava de Viscondão, mas a diretora não gosta.

P/1 – E é aqui em Mauá mesmo?

R – É aqui em Mauá. É no centro.

P/1 – E aí você...

R – Era o tempo que eu ia mais longe, que o meu pai não deixava sair. Sair à noite minhas amigas todas saíam, eu não podia. Era o meu momento de certa forma de liberdade, de casa até a escola. Aí pegava ônibus, tudo certinho.

P/1 – E aí como é que era? Você ia de ônibus, ficava lá o dia todo, voltava pra casa.

R – Não. Eu ia de ônibus, eu estudava na parte da manhã porque o magistério também na parte da manhã ele era melhor do que o da parte da noite. Então eu ia pra escola de ônibus, nós ficávamos das sete até meio dia e meia e depois a gente voltava pra casa se tinha algum trabalho, se tinha alguma outra atividade, passava no shopping com as amigas e depois ia pra casa.

P/1 – Você foi fazer o magistério, terminou, foi dar aula?

R – Fui fazer o magistério e aí no magistério naquela época eram quatro anos, quando ele ainda tinha existência, então quando foi no terceiro ano eu fui procurar emprego já. Porque naquela época também não tinha... Existia fiscalização e não existia, então eu já fui procurar emprego e aí eu consegui primeiro numa... Fui pra dar aula pra educação infantil e consegui ser professora de informática. Eu tinha curso de informática então fui dar aula pra adultos. Aí fiquei um tempo nessa escola, também era no centro, eram turmas na parte da tarde e na parte da noite. E aí no último ano eu fiquei um ano nessa escola, sem registro, depois eu consegui uma oportunidade numa escola de bairro, numa escola infantil lá no Zaíra mesmo. Aí eu fiquei durante aproximadamente entre quatro e cinco anos dando aula, passei por todas as fases, maternal, jardim I, jardim II e pré-escola.

P/1 – Só voltando um pouquinho, o que você fez com o seu primeiro salário assim nessa outra escola, você lembra?

R – Meu primeiro salário? Dessa outra escola não, mas teve outro trabalho que foi um freelance, que era dar aula de informática na época pra Força Sindical e era época de... Tava perto dos 18 que eu ia tirar carta, então nesse momento meu primeiro salário foi voltado pra minha habilitação pra eu começar a dirigir.

P/1 – E aí você foi pra essa outra escola, o maternal, como é que foi assim começar a dar aula, trabalhar com criança mesmo?

R – Pra mim era a realização de um sonho. Era um sonho dos meus avós que se tornou um sonho meu também. Era uma escola próxima de casa, o primeiro contato foi... A primeira semana foi com um berçário pra eu saber se era aquilo mesmo que eu queria, trabalhar com criança e dali eu falei assim: “É isso que eu quero”. Então eu tinha na época sete crianças, sete alunos que ficavam comigo. Eles tinham entre três e quatro anos e a gente ia desenvolvendo as atividades. E lá eu me encontrei.

P/1 – Tem alguma história? Tem alguma história marcante assim que você se lembre de lá?

R – Eu acho que lá quando você está na pré-escola e você consegue que a criança leia a primeira palavra dela, nossa, pra gente é um ganho muito grande porque você fala é isso que eu quero, valeu a pena. Que às vezes você acha que... Muitas vezes as pessoas falam que a profissão de professora é a mais desvalorizada, infelizmente, mas pro professor que gosta mesmo de lecionar, ele vê a questão da alfabetização, a criança, você acompanhar todo o desenvolvimento dela é muito gratificante. Você vê-lo trazendo uma lição ou ele lendo pra você, ele chega: “Pô, olha o que eu sei”. Senta do seu lado e vai ler assim, não tem coisa que pague.

P/1 – E aí depois disso você chegou a fazer faculdade?

R – Aí eu comecei... Fiz. Aí eu fui começar a fazer o curso de Letras. Porque na verdade eu queria fazer fonoaudiologia, só que os meus pais não tinham condição de pagar fonoaudiologia pra mim. E aí eu tava lendo o programa de faculdade e eu vi que na UMC o curso de Letras tinha uma parte bem grande de linguística, e que tem a ver com fonoaudiologia. Então eu prestei e passei. Depois que eu saí, voltando só um pouquinho, depois que eu terminei o magistério eu fiquei um ano sem estudar que eu ainda não sabia o que eu... Eu queria fazer fonoaudiologia, mas eu não tinha a condição financeira e aí foi que eu aproveitei pra pensar nesse período de tempo o que eu faria mesmo. E aí foi quando na UMC eu prestei, foi um tempo também difícil porque eu não queria ficar em casa, mas porque minha avó chegou a falecer só tava eu em casa e minha avó, então aquela situação pra mim foi muito conturbada. Aí eu não queria. Eu falei assim: “É o momento que eu tenho pra estudar”. Aí fiquei um ano parada aí fui. Minha avó faleceu em 98, em 99 eu comecei. Fui fazer letras na UMC.

P/1 – E o que mudou assim quando você entrou na faculdade?

R – Acho que é o contato maior com as pessoas. Eu saía aqui de Mauá e ia fazer a faculdade em Mogi das Cruzes. Então era uma realidade totalmente diferente pra mim. Sempre fui muito presa, como eu disse as amigas iam pra barzinho você não podia ir porque o seu pai não deixava. Você está longe, você está na faculdade, então querendo ou não um dia ou outro você acaba indo pra alguma festa. Então assim, foi divisor de águas. Eu acho assim que a minha liberdade mesmo enquanto pessoa, que meu pai entendeu que a filha dele cresceu, foi quando eu comecei a fazer faculdade.

P/1 – E aí você lembra assim de professores, o que você gostava mais na faculdade?

R – Olha, eu lembro... De professor que eu gostava não, mas eu lembro que tinha a professora chamada Márcia Arouca, era uma professora terrível, ela superinteligente, mas você não podia entrar dois minutos atrasada na aula. Como eu pegava ônibus fretado, quantas vezes eu fiquei fora da sala sem ter culpa, sem depender de mim porque eu pegava ônibus, tinha trânsito. Então você imagina pegar a Tibiriçá inteira até chegar em Mogi você atravessa várias cidades, então por várias vezes. As faltas que eu fiquei com ela era por conta do ônibus e não por minha responsabilidade, mas era uma pessoa muito conhecedora mesmo das temáticas de linguística. E por incrível que pareça era de linguística que era ligado a fonoaudiologia que eu queria, tudo ironia do destino.

P/1 – E nessa época da faculdade você trabalhava ainda ou você parou de trabalhar?

R – Trabalhava nessa escolinha. Trabalhava nessa escola. Então eu trabalhava de manhã, manhã e tarde, e à noite eu ia pra faculdade. Também foi a primeira vez que eu comecei a estudar à noite, sempre estudava na parte da manhã.

P/1 – E aí fez amigos na faculdade? Começou a frequentar...

R – Fiz amigos que eu tenho até hoje o grupo. A gente faz vários, mas uma que permanece até hoje é a Elisângela que é uma amizade bem forte mesmo, que a gente sempre se encontra. É amizade verdadeira, né? Porque você pode ficar o tempo que for sem ver, mas quando você vê parece que você se viu ontem. Eu falo que assim graças a Deus, Deus sempre colocou pessoas muito boas no meu caminho.

P/1 – E de que forma você acha que esse curso te influenciou profissionalmente depois?

R – Eu acho que ele só deu uma orientação mesmo, só reforçou a questão da educação que sempre foi muito forte em mim. Tanto que depois que eu saí, eu saí da escolinha eu já tinha terminado o curso de Letras, fiz os estágios e comecei a dar aula no estado. Só que quando eu fui pro estado era aquela época que ainda existiam muitas eventuais e os professores não faltavam tanto. Então você ia pra escola e você não conseguia exercer sua profissão porque os professores estavam lá. Também na escolinha por não ser um trabalho registrado você começa... Antes, quando você é adolescente eu fazia as coisas por amor, só que depois você vai crescendo, amadurecendo, você vê que não dá pra fazer só por amor, tem um monte de questão financeira e burocrática que reflete na sua velhice. Então eu fui buscar outras oportunidades, que eu queria alguma coisa mais fixa porque o eventual também se ele dá aula ele recebe, o primeiro salário só vem depois de três meses. Então é bem complicado. E aí eu conheci a Casa Mateus por meio de uma vizinha da minha tia, que ela falou: “Olha, lá na Casa Mateus está precisando de recepcionista, você não tem interesse? Lá é registrado”. Eu falei assim: “Ah, tenho”.

P/1 – Já tinha ouvido falar na Casa Mateus antes?

R – Só pela minha tia, porque meus primos faziam oficinas aqui. Então tinha às vezes apresentações de teatro que era que a minha prima fazia, ou de capoeira, então a gente vinha prestigiar o evento deles. Então era essa a relação que eu tinha até antes de começar a trabalhar.

P/1 – Então aí você soube, ouviu falar da Casa Mateus que tinha uma vaga e aí?

R – Isso. Que tinha uma vaga, aí eu fiz meu currículo e enviei pela Renata. A Renata veio, entregou e aí eu vim fazer o processo seletivo. Era eu e mais três pessoas e junto comigo estava a cunhada da Renata, que a Renata tinha indicado duas pessoas. E aí o primeiro momento da entrevista foi com a gerente geral do momento, que era a Silvia, e ela verificou as questões de currículo, tudo, e aí ela falou: “Depois eu ligo pra agendar a segunda entrevista”. Ela ligou, que aí a segunda entrevista era com a psicóloga. Aí nesse momento quem fez? Três pessoas, eu e mais duas que passamos pra entrevista com a psicóloga e depois de duas semanas eles ficaram de entrar em contato até a psicóloga analisar e o meu perfil foi o selecionado. Daí eu comecei... Aí eu tive que sair da escolinha, era no meio do ano então eu já tinha criado vínculo com uma turma e aí eu tive que usar a razão, larguei o coração de lado e vim pra cá e abandonei a minha turma. Pra mim foi difícil porque a questão de vir, eu me dava muito bem e me dou ainda com a dona da escolinha, eu sempre fui muito responsável então parece que sair no meio de uma tarefa, pra mim soava de certa forma irresponsável, mas era o meu momento. Tanto que eu estou aqui já faz 11 anos.

P/1 – E aí você entrou como recepcionista...

R – Entrei como recepcionista. E aí foi até engraçado porque tinha uma voluntária... Nessa época a casa recebia muitos voluntários em todas as áreas e quando eu vim participar da entrevista eu percebi que tinha uma moça diferente, ela era voluntária e aí quando ela ficou sabendo que eles tinham feito um processo seletivo pra contratar uma recepcionista e não ia contratá-la ela saiu e falou: “Agora a recepcionista se vira sozinha”. E aí eu vim, aceitei o desafio, um rapaz do Adm desceu pra me dar o treinamento.

P/1 – E como é que era a casa na época? Quais eram as atividades que tinha?

R – Naquela época nós trabalhávamos ainda com as atividades de educação infantil, então tinham crianças que ficavam aqui período integral. Tinha as atividades sócio-educativas também e algum trabalho, mas era um trabalho bem tímido com jovem. Não voltados pra profissionalização, mas mais voltados pra questões da leitura, de incentivo a leitura literária, projeto Mudando a História. Eu entrei aqui em julho de 2003, a equipe era muito grande porque pra cada... Nós tínhamos três salas de educação infantil, então pra cada sala eram dois educadores. A equipe de apoio nós tínhamos duas moças que trabalhavam na limpeza da casa, três pessoas na cozinha. Tinha uma coordenadora do programa de jovem, tinha a gerente, então era um cenário bem diferente do que está hoje.

P/1 – E como que era essa coisa da educação infantil? Eram professores? Davam aula...

R – Eram professoras, algumas já pedagogas, outras estudantes de Pedagogia que elas vinham e ficavam com a turma e cuidavam nessa... Porque aqui nós temos só, próximas da entidade, duas escolas e elas não dão conta da demanda que o bairro tem. Então a Casa Mateus vinha nesse sentido, só que quando foi em 2004, com a mudança na legislação da educação do município eles iriam prever assim algumas mudanças nas adequações de prédio. Eles não custeariam e a casa tinha que custear e naquele momento nenhum parceiro apoiava esse tipo de manutenção, e aí a diretoria no final de 2003 decidiu que em 2004 nós não trabalharíamos mais com educação infantil, que nós trabalharíamos só com crianças do programa Educação com Arte que são crianças a partir dos sete anos de idade.

P/1 – E aí vinham pra cá fazer atividades...

R – Vinham pra cá fazer as atividades nessa faixa etária. Naquela época nós tínhamos dança de rua, capoeira, teatro, artesanato, informática educativa e o Aprender Aprender. Eram essas seis oficinas. Sempre no contra turno escolar.

P/1 – E você entrou como recepcionista e aí?

R – Isso. Entrei como recepcionista e aí quando foi... Entrei em julho, quando foi em abril do ano seguinte o rapaz do administrativo saiu e aí a gerente falou: “Olha, você é uma pessoa muito responsável, a gente tem te observado, você não quer tentar subir pro financeiro e auxiliar a Rosilda no administrativo?” “Ah, a gente pode tentar”. E aí eu subi e aí fiquei cuidando mais da parte financeira da casa juntamente com a coordenadora. Nós tínhamos a gerente geral, a coordenadora administrativa e eu como assistente de administração. E aí eu fiquei no administrativo financeiro até 2008. 2008, 2009.

P/1 – E como é que foi assim parar de trabalhar com criança diretamente, deixar um pouquinho de lado essa parte?

R – Olha, foi muito... Pra mim foi difícil porque são coisas... Eu gosto de lidar com o público, mas é uma mudança muito drástica, né? Você deixa de atender a criança diretamente pra você atender o adulto. Porque quem trabalha na recepção a gente tem o contato com as crianças, mas não tão direto como eu tinha. Então eu comecei a trabalhar mais com adulto e na recepção você é um pouco de tudo, porque às vezes as pessoas chegam tão carregadas que você é ponto de encontro delas, que elas vêm e despejam várias coisas pra você. Pra mim acho que a maior dificuldade foi uma mudança mesmo de visão de mundo, porque eu sempre... Essas escolinhas que eu trabalhei, trabalhei nessas duas, quando eu comecei e essa que eu saí pra vir pra cá, eram escolas de bairro e particulares então o poder aquisitivo é maior. Quando você vem pra uma ONG que trabalha com crianças que em 2003 eles tinham que ter a renda de meio salário mínimo per capita, é uma mudança de paradigma muito grande. Meus pais falam que eles sempre tiveram dificuldades financeiras, às vezes eles deixavam de comer a mistura pra dar pra mim e pra minha irmã. Bom, vai passando o tempo, a gente vai melhorando as condições, então assim, eu e a minha irmã a gente nunca sentiu essa necessidade, a gente nunca trabalhou com a falta. Então quando você às vezes ouvia a pessoa não tem um real, 50 centavos pra comprar o pão, você pensa: “Imagina. Nunca. O que são 50 centavos?”. E aqui eu me deparei com isso, de pessoas que não tinham nada pra comprar um pão, pra comprar nada assim, uma bala na época. Então pra mim isso era uma angústia muito grande. Eu falo aqui eu comecei a ver mesmo o lado vulnerável, a parte escassa financeiramente das pessoas.

P/1 – E como é que você lidou com isso assim?

R – Olha, às vezes eu chegava em casa eu chorava. Porque a gente começa a fazer a avaliação. Às vezes a mãe vai fazer alguma coisa fala: “O que tem de comida?” “Ah, é isso.” “Ai, credo, isso eu não quero”. E aqui você vê que às vezes aquilo que você reclama por tão pouco que tem pessoas que nem aquilo que você tem ela tem e ela gostaria. Eu lembro que uma vez eu estava na recepção chegou uma senhora, hoje eu não sei nem se ela é viva, ela chegou já chorando e tremendo, ela falou assim: “Filha, eu preciso de um copo de leite, você não pode me dar?”. Assim que ela terminou de falar “Você não pode me dar” ela desmaiou lá na frente. E aí eu fiquei assim parada, eu não sabia o que eu fazia. Eu fui, corri, chamei as meninas aí as meninas trouxeram. Ela desmaiou de fome que ela não tinha mesmo. Então pra mim foi uma realidade totalmente... Eu falo que entrar na Casa Mateus eu comecei a dar mais valor as coisas que eu tinha e olhar... Às vezes até mesmo ser um pouco egoísta, sabe? De você achar que você quer as coisas sempre na hora que você quer ou aquele tênis tem que ser o melhor de todos e não, tem coisas que são muito mais importantes, mais valiosas que um tênis ou uma calça.

P/1 – E hoje você tá...

R – Aí em 2009 trabalhava lá no administrativo, mas eu sempre conversava muito com a diretoria que não é essa que está hoje, é uma diretoria antiga. A gente tinha uma relação de amizade imensa e a gente sempre compartilhava todas as coisas da casa e aí eles me fizeram a proposta. Tinha uma coordenadora de projetos, ela saiu, ela ficou na casa quase 20 anos e aí entrou outra pessoa, mas que tinha uma visão totalmente diferente, a gente sempre falou assim: “Não, essa não é a visão que a casa tem nem que a casa quer passar”. Aí ela saiu. A diretoria falou: “A gente está errando muito contratando então outras pessoas. Você não quer assumir a parte, você ser assistente de coordenação? Porque aí você vai aprendendo”. Eu falei assim, é um desafio muito grande porque eu trabalhava com educação infantil, acompanhava, tinha um contato com os educadores aqui, mas não focada na área sócio-educativa e cultural. Aí eles falaram: “Você não quer?” “Ah, está bom”. Eu aceitei, eu tinha outra coordenadora geral que era a Vera e aí eu fui ser assistente direta da Vera. Então eu desci. Eu falo eu já subi e desci duas vezes. Aí eu fiquei trabalhando com a Vera, isso foi em 2008, quando foi em 2009, em novembro, aí a Vera saiu. Ela casou e ficava longe do marido, o marido morava em Sorocaba e ela aqui aí ela falou: “Não dá pra ficar nessa situação”. Então ela saiu da Casa Mateus e aí a diretoria fez a proposta pra mim, falou assim: “Você não quer fazer pedagogia pra você assumir a coordenação pedagógica da casa?”. Aí eles falaram: “A gente pode ver de que forma a gente pode viabilizar”. Então a Casa Mateus conseguiu custear em partes o meu curso de Pedagogia.

P/1 – E você fez onde?

R – Eu fiz a distância pela Metodista. Então toda quarta-feira eu ia pra faculdade.

P/1 – E aí como é que foi essa nova...

R – É diferente porque assim, geralmente todo mundo pensa a visão, fala: “Nossa, mas curso é a distância, o que você vai aprender? Coisa de preguiçoso”. Eu falo gente, assim, não é. E o que foi bom pra mim, pra eu mudar também essa minha visão, que eu falava assim: “Gente, o que você vai aprender a distância?”. Eu fiz um curso de Letras que era totalmente presencial, que eu ia de segunda a sábado, pra você ver um que só vai de quarta feira. Mas eu tinha uma menina, uma estagiária, que ela também fazia pedagogia, a dela era presencial e era na Metodista, e a gente via que o conteúdo era o mesmo, só mudava mesmo a dinâmica. Mas foi diferente porque eu vi que o empenho, o meu empenho era muito maior do que quando eu fiz Letras, porque você tem os tutores, só que é você que tem que correr atrás. São vários textos. Todo mundo fala, você não vai e estuda um dia só da semana, você tem os cinco dias da semana pra estudar ou senão os sete, porque são textos infinitos. E aí eu comecei a fazer o curso de Pedagogia, pra mim foi muito bom porque eu pude relembrar muitas coisas que eu tinha visto no magistério, principalmente de legislação que muda constantemente, mas foi o momento de renovação mesmo, de falar assim: “Essa é a área mesmo que eu escolhi pra mim”. É uma área que não paga bem financeiramente, mas é o que me satisfaz. Hoje eu falo, eu não me vejo fazendo outra coisa que não trabalhar na área da educação.

P/1 – E aí como é que você conciliou então esse monte de leitura, o trabalho aqui?

R – Final de semana. Final de semana ou à noite você começa a ler mais, você tem que pesquisar, porque é uma pesquisa constante, aí você sempre tem... Eu falo, eu aprendi a me policiar porque às vezes eu acabava levando o trabalho pra casa, daqui. Então eu falo: “Não. Eu não posso mais levar trabalho pra casa porque agora eu já tenho mais trabalho em casa”. Então eu fui me policiando e fui criando mesmo mecanismo pra que eu pudesse me dar bem nessa questão do estudo à distância. Então toda quarta-feira como minha aula começava as sete e eu saio daqui cinco e meia, ao invés de eu ir pra casa eu ficava na minha tia toda quarta-feira, aí quando dava perto do horário eu pegava o carro e ia pra faculdade.

P/1 – E aí então você conseguiu passar a coordenadora pedagógica só depois do fim do curso ou ainda durante o curso?

R – Não, durante o curso eu consegui passar como... É que a gente fala2, né? Aqui a função na carteira é essa, mas a gente acaba fazendo um pouco de tudo. Então a coordenação geral também era uma das atribuições porque até então a gente ainda tá sem coordenação geral, mas ano que vem ela vem. Então a gente acaba, você acaba sendo coordenadora pedagógica e sendo a coordenação geral da casa. Você tem que cuidar além da equipe pedagógica, mas também de toda a parte burocrática que a entidade possui.

P/1 – E o seu contato com as crianças aqui como é que é? Próximo?

R – Ele é próximo, né? É engraçado que a minha sala é meio que escondida, eu fico recuada, mas eles chegam e perguntam: “Cadê a Lu?”. Nos passeios que eles começam a ver, como aqui a rotatividade de criança é muito grande tem alguns que ficam, estão aqui com a gente já... A Karen, ela entrou com oito anos, oito pra nove anos, tem 18 e ainda está aqui. Então nós temos alguns casos que aí você cria os vínculos aqui dentro e também lá fora nos passeios. Eu acho que as atividades culturais quando você consegue propiciar pras crianças e eles veem você brincando com eles, você quebra o paradigma. Porque às vezes eles falam a diretora, eles me chamam de diretora, e aí eles veem que a gente brinca, a gente pula corda, que a gente corre, então eles veem que é uma pessoa mais próxima deles. Então tem muitos que chegam, antes de subir pra biblioteca vão lá me dar um abraço ou um beijo. Então é muito bom.

P/1 – E como que é o processo de entrada das crianças aqui?

R – No início do ano... É que esse ano pra gente é tudo diferente por conta da legislação, da Tipificação Nacional de Assistência Social. Então esse ano nós temos uma parte que é a demanda do CRAS, que o CRAS envia, que é o Centro de Referência e Assistência Social, e outra parte é por busca espontânea. Então quando é finalzinho de dezembro, início de janeiro, a gente coloca uma faixa aí na frente que as inscrições estão abertas. É o que vai acontecer esse ano por conta disso, o CRAS vai enviar todas as crianças ou não vai, nós colocamos a faixa um pouco mais tarde, colocamos em fevereiro, mas o nosso planejamento já pra 2015 é que na segunda semana de janeiro nós já estejamos com as inscrições abertas pras crianças da comunidade também.

P/1 – E aí elas se inscrevem, tem um processo seletivo...

R – Elas se inscrevem, tem um processo seletivo. Elas se inscrevem, os critérios básicos são crianças a partir dos seis anos de idade, dos seis aos 15 anos, terem renda per capita de até meio salário mínimo. Ou às vezes o salário é um pouquinho maior, até 25%, mas as situações familiares são mais fragilizadas. Então a renda que antes pra gente era um critério essencial, hoje já não é mais. E aí eles vêm, fazem a inscrição, escolhem mais de uma oficina e aí nós vamos pra... A gente faz a avaliação, faz a renda per capita, se está dentro dos critérios vai pra visita e a equipe sai pra realizar visita, ver realmente se são aqueles dados mesmo, porque tem muitas pessoas que são parentes de pessoas que moram aqui, dão o endereço do parente e aí na visita a gente consegue ver que não é morador do bairro. Então aí a gente já não coloca porque a prioridade é pros atendimentos que são do Parque das Américas ou os bairros próximos. E aí elas... Então são crianças do bairro Parque das Américas e da região adjacente, que nós temos ainda Santa Lídia, Flórida e até o Parque Aliança que já é um parque de Ribeirão Pires, mas é uma questão de rua. Então quando tá dentro desse limite Parque das Américas, Ribeirão Pires, a gente consegue atender.

P/1 – E aí como é que vocês começaram a receber os recursos do Criança Esperança? Como é que foi essa...

R – Ah, do Criança Esperança foi uma coisa muito bacana pra gente. Em 2009 começou... Pra chegar no Criança Esperança em 2009 nós escrevemos o projeto Acordes para a Vida pela Fundação Volks e aí nós conseguimos o recurso. 2009. Aí em 2010 nós não conseguimos, aí conseguimos que ele fosse apoiado pela Petrobras e aí a gente foi tentando. Quando chegou em 2013 a gente tava com a diretoria, inscreve ou não inscreve? Inscreve ou não inscreve? Aí o diretor financeiro falou: “Não. Diretor presidente se inscreva”. E eu falei assim: “Mas agora?”. Eles demoraram um pouco pra dar a resposta porque eles estavam pensando em conter algumas oficinas. Aí ele falou assim: “Inscreve”. Eu estava entrando em férias, eu estava em Presidente Prudente, ia ser madrinha de casamento e eu estava finalizando o projeto no sábado do casamento da minha prima e aí eu mandei pras meninas, porque a gente sempre divide o trabalho aqui, eu cuido da parte de escrita pedagógica e alguns indícios de orçamento, mas parte de recursos humanos, tributos, é o administrativo que faz. Então sábado eu mandei pras meninas e falei, era coisa assim de terça-feira tinha que enviar, então pra gente foi uma correria, um sufoco. Minha prima falando: “Eu não aguento mais seu trabalho. Sai desse lugar, é o casamento”. Eu falei assim: “Calma, estou terminando”. E aí nós enviamos. Eu liguei pras meninas, elas falaram assim: “Conseguimos enviar na terça-feira”. Aí quando eu recebi a resposta eu estava em casa, estava esperando uma resposta de outro e-mail importante e aí eu vi da Unesco. Quando eu vi eu falei assim: “Eu não acredito”. Aí comecei a chorar, desci... Porque a gente já tinha tentado, a minha coordenadora geral já tinha tentado um ano outro projeto e não tinha conseguido. A gente pensa, a gente sabe que o Brasil é grande, são várias instituições solicitando e a gente tem a certeza e a ciência que tem trabalhos muito bons. Então pra gente era alguma coisa assim inalcançável. Eu sabia do potencial do meu trabalho, do trabalho que a gente realiza aqui, da qualidade do que a gente tinha pensado todo mundo junto, mas era aquela coisa incerta e quando veio foi pra gente, pra mim pelo menos eu falo assim, foi uma conquista pessoal muito valiosa, independente de profissional. Mas você ter um projeto escrito a sua mão, aprovado pela Unesco e pelo Criança Esperança pra mim é algo fantástico.

P/1 – E como é que foi a seleção desse, a escolha desse projeto em específico para...

R – Foi conversando com os educadores, né? Porque até então nós tínhamos só violino, violão e canto. Conversando com a professora de canto, a Marlene, falei assim: “Marlene, o que a gente pode colocar a mais?”. Pensando sempre nas apresentações, eu perguntando: “Vê com as crianças quais que são as oficinas que elas teriam interesse”. E a oficina que teve mais interesse, que gostaria que colocassem na Casa Mateus voltada pra música era de teclado. Então dali no Criança Esperança eu consegui colocar, inserir a oficina de teclado na casa que era uma oficina que não tinha até o momento.

P/1 – E aí de que forma que os recursos ajudaram o projeto? Como é que foi usado?

R – Quando eu fiquei sabendo que nós fomos aprovados no Criança Esperança e aí o próximo passo era comunicar as famílias. Nós fizemos a reunião de final de ano pra comunicá-los e foi uma festa pra eles, que eles terem uma entidade do Mauá, Parque das Américas, tendo a entidade que os filhos deles... E eles tendo esse contato, porque o que acontece? Muitas vezes as pessoas falavam: “Mas será que isso é verdade? Será que essa doação é destinada a isso mesmo?”. E as famílias verem que o Criança Esperança ia destinar um valor pra Casa Mateus, pros filhos usufruírem dessas oficinas, pra eles foi um ganho muito grande e foi a reafirmação de que é um projeto sério, que o dinheiro é investido mesmo em benefício da criança ou do adolescente.

P/1 – E aí como é que foi administrado o recurso? Vocês compraram instrumentos? Contrataram professores?

R – Com o recurso nós mantivemos os educadores de violão e violino, compramos principalmente as cordas, porque é um material que ele quebra muito fácil e que outros parceiros não apoiam. Nós conseguimos adquirir cinco teclados e fazer o custeio do professor de teclado também. Então o recurso foi destinado totalmente mesmo pro projeto Acordes pra vida, que é voltado pro incentivo e pra inicialização musical das crianças e dos adolescentes aqui atendidos. Muitas vezes as pessoas perguntavam: “Criança de periferia vai ter violino? Qual que é o contato?”. E as pessoas que se enganam, porque assim, uma das oficinas mais procuradas é o violão, claro, porque é uma coisa que está clássica, mas o violino também, até em relação ao canto, que é um instrumento de certa forma erudito, mas que as famílias também têm essa questão da responsabilidade e também porque a maioria delas são de religião evangélica. Então a religião de certa forma influencia também bastante nesse sentido.

P/1 – E como é que você acha assim, de que forma que o projeto Criança Esperança... O que mudou na casa assim a partir do momento que vocês ganharam? Como é que foi?

R – O projeto Criança Esperança propiciou uma visibilidade maior pra entidade. Você ter... Porque aí tem as questões que vêm, tem a reportagem, tem a campanha, tem o dia 31 que é o dia da esperança, que naquela época foi dia 31. Você ter uma chamada num jornal pra mostrar, pra divulgar o nosso trabalho, ele realmente abre portas pra outras situações. Tanto que a secretaria de assistente social de Mauá, todo mundo falava: “Olha, nós vimos a Casa Mateus no jornal falando do Criança Esperança, que bacana”. E foi bom que só reafirmou. A Casa é uma das entidades que ela é melhor qualificada na região. Então você ver uma casa ser veiculada e ter essa responsabilidade da Unesco junto a Rede Globo com o projeto do Criança Esperança só viabiliza e só fortalece mais as relações que nós temos.

P/1 – E quantas crianças mais ou menos foram beneficiadas assim?

R – Olha, foram por volta de 280, 290 crianças ao longo do ano foram atendidas, beneficiadas com os projetos. E lá nós pudemos, nós também propiciávamos atividades culturais. Então as crianças foram ver musicais, elas foram ter contato com a Sala São Paulo, que muitas delas o máximo que elas conhecem é o Mauá Plaza Shopping. Então quando você vai pra outro espaço e com a dimensão e com a estrutura mesmo física do local, elas ficam maravilhadas. E elas veem pessoas adultas fazendo aquilo que elas estão fazendo. Então elas começam a ver até onde elas podem chegar.

P/1 – E quais você acha que são as maiores transformações pra essas crianças, olhando pra como elas chegam aqui, como é que elas saem depois tocando e tal?

R – Olha, pra eles é algo que a gente sempre coloca pros pais, que nem a gente às vezes não acredita no resultado que tem. Como que a música pode transformar vidas mesmo e ela não é a música pela música. A gente sempre coloca, região periférica o que você, não só hoje em dia, o que você mais ouve é funk. Então são letras que muitas vezes, na grande maioria não dizem nada com nada e aqui você tem... A gente não tenta desconstruir isso, mas a gente tenta mostrar outro lado da música pras crianças. Então eles terem esse contato é uma ampliação de universo cultural e informacional pra eles. Você ver outra possibilidade, você fazer com que eles prestem mais atenção, que eles não cantem por cantar, mas que eles comecem a prestar atenção no que eles estão cantando principalmente. Eu acho que é a questão de interação, de você saber que você não está... Porque as aulas são em grupo, né? Então você não está só aqui você aprendendo o seu violino, você depende do seu colega. Então essas questões de ajuda mútua, de cooperativismo, de trabalho em equipe mesmo e de fortalecimento de vínculos. Porque nós tínhamos as adolescentes que elas vão até a casa, o ano passado, da professora Simone pra ter aulas também. Então você vê que ultrapassa os muros da Casa Mateus.

P/1 – Tem algum caso de alguma criança, algum adolescente em particular que você lembra assim que foi marcante pra você?

R – Olha, eu acho que o caso do Luciano. O Luciano é um jovem que hoje ele tem 16 anos, ele começou com a gente desde 2009 quando o projeto Acordes deu início a Casa Mateus. Ele veio acompanhando então ele passou 2009, dez, 11, 12 e 13 e o sonho dele sempre foi ter uma banda. Em 2013 ele conseguiu montar a banda dele. Ele continuou participando do projeto e ele tinha esse outro projeto lá pra vida dele. Ele fala que o projeto, o Acordes pra Vida, apoiado pelo Criança Esperança deu a possibilidade dele focar no sonho dele, falar assim: “Isso é possível. Eu posso fazer”. E aí ele ficou. Em 2013 ele teve que parar a banda até agora em 2014 porque o vocalista estava se envolvendo com coisas erradas, palavras do Luciano mesmo, e aí ele parou.

P/1 – E pra você assim, qual é a transformação que você vê em você depois que você começou a trabalhar aqui nesses anos todos?

R – Minha transformação eu falo que a minha base enquanto pessoa mesmo, enquanto ser humano, essa parte mais humana de você saber dividir, de você saber que você tem um direcionamento, você falar assim: “É possível”. Eu acho que trabalhando aqui eu também conseguia acreditar um pouco mais em mim, falar assim: “Você é capaz. Você consegue ir além”. E aqui eu falo, a Casa Mateus eu estou aqui há 11 anos, é uma escola. Quem entra aqui só não aprende quem não quer mesmo aprender, porque eu já passei... Você aprende a lidar com as dificuldades do outro, você aprende a resolver as dificuldades, porque trabalhar com ser humano não é uma coisa fácil, às vezes eu até brinco, preferia trabalhar na adm que era só número, então não tinha, era exato. Mas aí é um desafio você trabalhar com outras visões e você saber respeitar. Eu acho que é a essência da Casa Mateus na minha vida assim é a solidariedade e a esperança de você saber que você contribui, uma parte sua você pode ajudar muitas outras crianças. Eu acho que é isso, é uma experiência de vida muito grande, muito enriquecedora. Eu falo, eu saio um dia, claro, a gente sai daqui, mas toda minha construção enquanto ser humano e também profissional eu devo a Casa Mateus.

P/1 – E você teve contato com algum outro projeto financiado pelo Criança Esperança?

R – Tenho. São dois que eu falo que são dois projetos que estão no meu coração, que um é o Proeco, que é de Santos, e o outro é da Associação Pelicano Afrape, que é em Botucatu. Então nos encontros que o projeto propiciou, teve ano passado uma formação que a Unesco e o Criança Esperança deram pra gente, eu pude encontrar esses dois amigos. Eu falo eles são amigos, são amizades que nascem do trabalho, mas que não ficam só no trabalho, que você leva pra vida toda.

P/1 – E que projetos são esses? O que eles trabalham?

R – O da Afrape Pelicano era um projeto também voltado pra inicialização musical e o do Proeco é pra levar diversão, a parte lúdica pras crianças em Santos. Então eles têm toda uma estrutura de brinquedos infláveis, também tem questão de contação de histórias, todas essas coisas mais voltadas pra ludicidade.

P/1 – E de que maneira que você acha que os recursos do projeto Criança Esperança colaboram pra construção de um mundo melhor?

R – O recurso do Criança Esperança é fundamental pra gente mudar essa visão que as pessoas têm que muitas vezes o lazer, a educação, a cultura são só pras pessoas que têm recursos financeiros, econômicos mais elevados. Não. Diversão, educação e cultura são pra todos, né? Não é porque a minha família é financeiramente um pouco melhor que a sua que eu não vou ter acesso aos mesmos espaços, e os recursos do Criança Esperança garantem isso, garantem a equidade.

P/1 – Voltando um pouquinho agora pra sua vida pessoal nesse tempo todo aqui, você chegou a casar, ter filhos?

R – Não. Não casei. Namorei, falo já namorei três vezes sério, sempre namoros longos, mas que nunca deram em nada assim. Eu acho que se eu tivesse namorado menos, namorado mais em menos tempo talvez teria dado mais certo. Mas eu sonho ainda assim em casar e ter filho. Eu falo que depois do último relacionamento eu falo: “Não quero mais saber de relacionamento que só dá trabalho”. E aí eu foquei muito na minha parte profissional, foi quando eu comecei a assumir a coordenação, assistente de projeto, coordenação pedagógica, consegui viajar pra Alemanha pela Casa Mateus. Então eu falo, esse tempo que eu fiquei sozinha foi bom por isso, porque eu fortaleci o meu lado profissional. E hoje eu vejo que eu tenho que agora cuidar do meu emocional, porque eu não quero ficar velhinha sozinha. Quero casar, quero ter filho.

P/1 – E como é que foi essa viagem pra Alemanha?

R – Olha, essa foi uma oportunidade assim muito rica. Uma porque eu nunca tinha andado de avião, então a primeira viagem de... E morria de medo, falava: “Nunca vou entrar num avião”. E aí a primeira oportunidade que tem pra eu andar de avião é pra ir pra Alemanha representar a Casa Mateus juntamente com um parceiro. Então fui eu e uma amiga daqui da casa também que era educadora, Joelma, é mediadora de leitura a Joelma, então nós fomos pra Alemanha representar a casa. Então é uma visão muito grande. Pra mim foram duas coisas marcantes, uma a primeira viagem de avião e ficar quase 13 horas nele. Então imagina, pra quem nunca tinha andado ainda vai a primeira vez ficar 13 horas é algo meio estranho. E chegando lá você pensa: “Nossa, que país desenvolvido”. É uma cultura muito diferente mesmo, é coisa de primeiro mundo. O que o brasileiro tem de afetivo muito dos alemães não têm, mas é sempre um contraponto, que nós temos muitas coisas boas, eles também têm, e assim as coisas vão se complementando.

P/1 – Tá bom. E o que é a coisa mais importante assim pra você hoje?

R – Pra mim? A minha família. Ter meu pai, minha mãe.

P/1 – E quais são seus sonhos?

R – Eu acho que é ter a minha família. Ter meu marido, ter meu filho ou minha filha. Chegar no final do ano, conseguir montar a árvore de Natal com todo mundo. Eu gosto de muita gente, eu gosto de família grande e a minha família é grande, mas não é daqui. Meu pai eles são 12 irmãos, alguns são falecidos, mas ainda moram no Nordeste, né? Eu tenho o meu pai e tenho um tio que a gente voltou a se falar já faz alguns anos. Então a gente tem uma família que hoje ela é um pouco maior do que a gente tinha. E a família da minha mãe também é pequena, eles são cinco irmãos, duas mulheres e três homens, os três homens já são falecidos, e eu tenho essa minha tia Célia. Então a minha família é grande e é pequena ao mesmo tempo. Então tenho vontade de ter uma família grande, mas com 35 anos eu sei que eu não vou conseguir muito, mas meus filhos quem sabe?

P/1 – E tem alguma coisa que eu não perguntei que você gostaria de acrescentar?

R – Eu acho que não. Eu acho que nós conversamos sobre tudo.

P/1 – E como é que foi contar a sua história assim aqui hoje?

R – Olha, emocionante porque eu sou chorona então eu tenho que me segurar muito. São coisas que você às vezes relembrar... A gente nunca para. Eu acho que o tempo é tão corrido que a gente nunca para pra avaliar o que a gente fez, o que não fez. Quando ontem eu comecei a procurar, que a Tati não tinha dito pra mim das fotos, então quando veio o e-mail das fotos, de falar você tem que encontrar de seis, seria bom de seis a dez fotos, e aí eu comecei a procurar as fotos e eu comecei a voltar, resgatar minha história. Então você começa a olhar cada coisa e ver como que você evoluiu mesmo e com certo saudosismo, que infelizmente ou felizmente o tempo não volta então a gente tem que aproveitar ao máximo. Eu falo, eu prefiro me arrepender as coisas que eu fiz do que das coisas que eu não fiz.

P/1 – Tá bom. Então muito obrigada pela sua entrevista, abrir a Casa aqui pra gente.

FINAL DA ENTREVISTA