Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Karen de Jesus Pedro
Entrevistada por Marina Simões Galvanezi
Mauá 14/11/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_28
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Então, Karen, eu vou pedir pra você falar de novo seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Karen de Jesus Pedro, data de nascimento 22 de julho de 1996, Mauá, São Paulo.
P/1 – E o nome de seus pais?
R – Cléber de Souza Pedro, Aparecida Maria de Jesus.
P/1 – E o que seus pais fazem?
R – Então, minha mãe é costureira e meu pai no momento não trabalha com nada. É que eu não moro com eles, eu moro com a minha avó.
P/1 – Ah. Tá bom. E o nome da sua avó?
R – É Justina Alves de Souza Pedro.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã.
P/1 – Como ela chama?
R – Kátia Celina de Jesus Pedro.
P/1 – Tá bom. Quantos anos ela tem?
R – Dezessete.
P/1 – Mais nova.
R – Dezessete.
P/1 – E você passou a infância aqui em Mauá mesmo?
R – Sim.
P/1 – E como é a casa onde você cresceu?
R – Então, eu moro lá há 18 anos na mesma casa não, era uma casa que tinha na frente, no mesmo quintal. Aí enquanto construía a de trás, a gente morava nessa da frente. Eu, meu avô, meu tio, minha mãe, meu pai também e minha irmã, nessa mesma casa. Aí a gente se mudou pra outra, que é maior, há 18 anos a gente está lá.
P/1 – E como é essa casa? Como é o bairro?
R – Ah, o bairro é mais ou menos. Tem muita gente que quer saber muito da vida dos outros. E a minha avó foi sempre muito reservada, a gente faz tudo ali quieto pra ninguém ficar sabendo muito. O que é família fica ali dentro mesmo. A casa é grande, somos só eu e ela que moramos na casa, não mora mais ninguém, então pra gente está ótimo.
P/1 – E desde quando que são só vocês duas?
R – É que eu moro com ela desde pequena, desde que eu nasci. Eu saí do hospital e já moro com ela, então com ela são 18 anos. Com a minha irmã, ela saiu lá de casa com 15 anos. E meu avô faz dez anos que faleceu, aí somos só eu e ela só.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe mora em outro lugar com a minha irmã, que quis ir morar com ela com 15 anos. E eu continuei com a minha avó até hoje. Mas ela mora aqui em Mauá também.
P/1 – E por que você continuou com a sua avó? Foi uma escolha?
R – É. Desde pequena eu moro com ela. Eu saí do hospital e já fui direto por uns problemas que aconteceram, e minha mãe também trabalhava, não tinha com quem ficar as duas, aí a gente ficou com a minha avó.
P/1 – Com a sua avó.
R – Com a minha avó desde pequena. Aí minha irmã com 15 anos quis ir embora.
P/1 – E você sente falta desse convívio com a sua irmã e com a sua mãe?
R – Ah, mais ou menos. Mais ou menos.
P/1 – Mas vê sempre?
R – De vez em quando, final de semana às vezes, mas a gente se fala por mensagem.
P/1 – E como era a alimentação quando você era criança? Mudou alguma coisa?
R – A alimentação?
P/1 – O que vocês comiam?
R – Ah, nunca faltou nada pra gente. Nunca. Mesmo o sacrifício todo. A minha avó já passou por necessidade, lógico, lá na terra dela, que ela é do Piauí, mas com a gente nunca. Nunca deixou faltar nada. Meu avô nunca deixou faltar nada pra gente. Nada.
P/1 – E eles trabalhavam, os seus avós?
R – A minha avó sim, e meu avô também, mas depois meu avô faleceu e minha avó já não estava mais trabalhando, porque meu avô também não gostava muito que ela trabalhava. Mas aí ela arrumou um serviço na prefeitura, aqueles de contrato, aí ficou dois anos. Agora ela só é aposentada.
P/1 – Mas ela trabalhava com quê antes?
R – Na prefeitura? Era refeitório que ela trabalhava.
P/1 – E seu avô?
R – Meu avô era firma. Firma que ele trabalhava. Eu não lembro muito, porque eu pequena quando ele faleceu.
P/1 – E a sua mãe trabalha?
R – Minha mãe é costureira.
P/1 – Ah é, você já falou, desculpa.
R – É (risos).
P/1 – E quais eram suas brincadeiras favoritas quando você era criança? Você brincava do quê?
R – Então, eu era meio homem, eu gostava de jogar bola, skate, patins. Até hoje eu ando de patins, que eu gosto.
P/1 – No bairro?
R – No bairro não dá muito pra andar, é mais quando a gente vai pra parque, essas coisas, até com a Casa Mateus mesmo, aí eu levo meus patins pra andar.
P/1 – De fim de semana.
R – Que lá a rua é alta, é morro, aí não dá pra andar lá. (risos)
P/1 – Perigoso?
R - É.
P/1 – E o bairro mudou muito de quando você era criança pra agora? Teve alguma...
R – A rua que era paralelepípedo ainda, agora já é tudo asfaltado já. Algumas casas, que na época era muito mato. Muito mato. Ainda na minha casa tem um pouco no terreno. Mas mudou bastante, construíram muitas casas, mais do que já tinha antes.
P/1 – E esse terreno continua tendo duas casas, ou agora só tem a casa de trás?
R – Não. Agora só tem... A gente tirou a da frente.
P/1 – Tá. E você foi pra escola com quantos anos? Pequenininha?
R – É. Pequena. O pré.
P/1 – Qual a primeira memória que você tem da escola?
R – No prezinho. Eu lembro que eu não queria ir muito, aí eu ficava agarrando lá na saia da minha avó, porque eu não queria ir muito. Mas foi no prezinho. Desde pequena.
P/1 – E teve algum professor que te marcou mais, uma professora que você lembre?
R – Do pré, eu não lembro. Do pré, eu não lembro, mas da escola normal, agora só esses últimos tempos lá, que os professores são bem legais, na minha escola que eu estudei esse ano. Ano passado.
P/1 – E o que você gostava mais na escola?
R – Dos amigos (risos). A matéria que eu mais gostava era Matemática, sempre gostei. Português, eu não era muito boa, não, mas Matemática eu sempre gostei. Educação Física também eu gostava. E dos amigos, das amizades também.
P/1 – Então você tava falando da escola, dos professores. Como você ia pra escola quando você era criança? Quem te levava?
R – Sempre foi a minha avó. A minha avó que me levava, aí tinha aquele negócio, a vizinha levava, aí a outra buscava, era alguma coisa só. Mas a minha avó sempre que levou a gente pra escola. E eu estudava na quinta série, que era aqui perto de casa, aí eu ia a pé às vezes, às vezes a minha avó ainda ia lá. Depois eu comecei a estudar no Centro.
P/1 – Nossa!
R – Quando eu fui para o primeiro ano. Eu comecei a estudar no Centro, aí eu ia sozinha. Só que era à noite, aí eu ia e voltava sozinha, de ônibus.
P/1 – E como foi essa mudança de escola?
R – Ah, no começo foi meio chato, porque a escola lá tem muita “patricinha”, muita gente metida que se acha. E eu vindo de uma escola pública. Lá é pública também, mas é modelo escola particular. E eu vindo de uma escola pública de bairro, aí foi... Nossa... E as lições, os professores... É uma mudança que eu não gostei no começo muito, mas aí como eu conheci uma menina que já era bem popular na escola, aí foi bem mais fácil pra eu arrumar amizade.
P/1 – E por que você mudou de escola?
R – Então, essa escola era um pouco ruim, a Emília Crem. Era um pouco ruim a escola. Botavam fogo nas cortinas, jogavam bomba, e eu, nossa, não tava conseguindo estudar. No meio do primeiro ano, eles me colocaram numa sala que não tinha nada a ver, só tinha aquelas pessoas que não faziam nada, e eles achavam que os bons iam ajudar. E não ajudou, piorou mais. Aí a minha avó decidiu. E eu tentava entrar nessa escola desde a quinta série, lá do Centro. Que é difícil pra entrar. Ela é pública, mas ela é muito difícil. Aí até que conseguiu, até por esse emprego que a minha avó trabalhava na lá prefeitura, que uma chefe entrou lá e a mandou ir pra rua, aquelas pessoas que vão à rua pra carpir mato, essas coisas. E justo nesse dia era pra ir à escola. Aí ela conversou com a diretora, aí a diretora me mandou ir lá pra conhecer, aí eu já entrei.
P/1 – E mudanças de matéria foi difícil, tirando as colegas?
R – Ah, as matérias, eu acho que não. Só que lá é bem mais puxado. Coisas que já era pra eu ter aprendido há muito tempo aqui, e não, fui aprender só lá.
P/1 – E teve algum professor que te marcou mais nessa escola ou na outra?
R – Os professores lá são muito bons. Muito. São bem prestativos. A professora de Matemática, eu gostava bastante. Que já é uma matéria que eu gosto, então a professora, eu me identifiquei um pouco.
P/1 – Tem alguma história com ela que você lembre?
R – Não, só de gostar mesmo, mas nada além disso, não.
P/1 – E aí você ficou lá até terminar o...
R – Até o terceiro.
P/1 – Terceiro. E você já pensava no que você queria fazer depois, quando terminasse a escola?
R – Então, eu sempre gostei de música. Música, nossa, eu sempre gosto. E eu penso em fazer isso. Mas primeiro eu tenho que arrumar um emprego, porque como somos só eu e minha avó, então ela prioriza o emprego primeiro. Ela já me esperou terminar a escola, e agora ela quer que eu trabalhe.
P/1 – Você não trabalhava enquanto estava na escola?
R – Não. Nunca trabalhei. Nunca. Ela queria que eu terminasse primeiro os estudos. Como a escola é bem forçada, o ensino, então ela queria que eu terminasse com calma, pra depois continuar. E nisso já passou um ano e eu ainda não consegui arrumar emprego.
P/1 – Mas está procurando.
R – É. Procuro, mas está um pouco difícil ainda.
P/1 – E era à noite, e você fazia o quê durante o dia?
R – Aqui, Casa Mateus.
P/1 – Ah, você já vinha pra cá. Então a gente fala disso, espere um pouquinho (risos).
R – Já. Eu venho aqui desde os nove anos de idade.
P/1 – Tá bom. A gente já vai nisso. E quando você começou a sair sozinha com os amigos? A sua avó te deixava sair?
R – Vixe, é ruim, hein, eu sair. Nossa, ela não gosta. Não gosta nem um pouco que eu saia. Ela tem certa insegurança, porque a minha irmã sempre foi mais esperta que eu, até nas coisas de casa e tal, e com 15 anos ela já saiu, e agora ela já tem um filho. Com 17 anos ela tem um bebezinho. Então minha avó é muito presa, ela acha que eu vou fazer as mesmas coisas que minha irmã vai fazer. Então eu só saio com pessoas que ela já conhece, conhece a família, conhece tudo, senão esquece.
P/1 – E esses amigos com quem você sai são do bairro, são da escola?
R – É, são perto. Dessa escola não é muito, porque como eu entrei lá há dois anos, não tinha muito, mas mais as minhas amigas que vêm a minha casa. Agora, pessoas que eu saía são mais vizinhos, tal.
P/1 – E o que mudou? Quando você era criança, a sua avó te deixava mais solta, brincar? Não, nunca?
R – Não também. Não. Era pior. Porque aí tinha o meu avô, era bem pior.
P/1 – Nossa!
R – Porque o meu avô não gostava. A gente só ia lá pegar sorvete, essas coisas, mas tudo... Um já olhando ali da esquina pra ver se já vinha logo pra entrar e acabou. Não gostava muito que a gente ficava na rua.
P/1 – Tá bom. E você está procurando trabalho em quê?
R – Então, eu fiz o curso aqui na Casa Mateus de Rotinas Administrativas, cálculo, essas coisas, aí eu estou procurando atendente, essas áreas assim, de atendente.
P/1 – Tudo aqui por Mauá mesmo?
R – É. Eu já entreguei em Santo André também. Bastante lugar eu já entreguei, agência de Santo André, muitas já. Cadastro em site, essas coisas.
P/1 – Então agora fala um pouquinho então como você entrou aqui na Casa Mateus. Como foi?
R – Então, eu entrei até mesmo pra gente não ficar na rua, porque lá na família a gente não gosta de ficar na rua e tal. E como é perigoso... Já era perigoso antes, imagina agora. Aí não gostava muito que a gente ficava na rua. Aqui na Casa Mateus antes era um negócio de costura, aí a minha avó já fazia aqui. Depois se tornou a Casa Mateus, e demorou um pouco, quando deu a idade, a gente entrou. Aí estou aqui desde os nove anos. Eu e minha irmã entramos aqui.
P/1 – Só podia entrar a partir dos nove?
R –Agora é seis que eu acho que pode entrar. Mas na época a gente entrou com nove aqui. Eu nove; ela, oito. E aí a gente deu um tempo, eu estou aqui até hoje, 18 anos.
P/1 – E como foi essa entrada? O que vocês faziam no início?
R – A gente entrou aqui em capoeira e informática. Capoeira eu até fiz depois, que daqui saiu. A capoeira eu continuei fazendo, mas depois comecei a estudar à noite, aí eu parei de fazer. Mas foi capoeira, informática e canto, que a gente entrou aqui.
P/1 – E aí como era? Vocês entravam que hora? Vinham todos dias?
R – Era de segunda, quarta e sexta no começo. Segunda, quarta e sexta, capoeira, aí eu acho que segunda, canto e informática. Era mais desses dias, salteado.
P/1 – E aí nesse período que vocês começaram a vir, a sua avó ainda vinha por causa dessa coisa da costura?
R – Não. Não tinha mais.
P/1 – Acabou isso, mudou completamente.
R – É. Isso é faz tempo. Só virou Casa Mateus. Aí ela vinha atrás da gente, tal, só.
P/1 – E aí você começou a mexer com música. Como foi?
R – É. Com música vai fazer quatro anos, porque não tinha o projeto ainda da música. Entrou esses tempos, faz quatro anos que a gente está aqui.
P/1 – E o que você toca?
R – Toco violino. E a minha irmã até tocava violão também, mas ela saiu daqui, aí só fiquei eu tocando violino.
P/1 – Certo. E como... E tem algum educador aqui da casa que você lembra mais?
R – Então, muita gente já passou por aqui, muitos professores, e eu gosto de todos. Nossa, eu gosto muito deles. Com a professora Marlene, acho que eu estou uns dois anos, três anos, por aí, com ela. Eu gosto bastante da professora de canto. Já tive muitas professoras de canto aqui. De violino também me identifico bastante com ela, gosto muito dela.
P/1 – E você fez amigos aqui?
R – Nossa, todo mundo aqui me conhece, porque eu estou aqui já há muito tempo, muito tempo, então todo mundo me conhece já. Então eu falo com todo mundo, a maioria já.
P/1 – E aí você falou que esse projeto começou há pouco tempo. Esse projeto é financiado pelo Criança Esperança, tem o apoio do...
R – Quatro anos.
P/1 – E você sabe como foi esse processo? Como você soube desse projeto em específico?
R – Acho que faz dois anos, eu não sei se o projeto ainda está. Até então eu não sabia, depois que começaram a falar do projeto, aí que a gente ficou sabendo que tinha o projeto, mas até então eu nem sabia. Eu não sei se ainda está o projeto.
P/1 – E você tinha quantos anos quando você começou?
R – Eu entrei aqui com nove anos.
P/1 – Não, mas aí no...
R – No projeto?
P/1 – Sim. De música e tal, e a tocar?
R – Quatro anos.
P/1 – Quatro anos. E você já apresentou? Vocês fazem apresentação?
R – Já. A gente apresenta todo ano. Todo ano.
P/1 – Onde?
R – No teatro já é fixo, todo ano eles doam o espaço pra gente se apresentar. A gente se apresentou dia 3, agora lá. Tocamos e cantamos. Foi tipo um show de talentos, aí cada um podia fazer o que se identificou do curso mais, se é do canto, da dança. Dança já teve também, mas aí você podia fazer o que você quisesse lá no dia. Mas todo ano a gente se apresenta no teatro, ou uma apresentação fixa do curso e uma apresentação nossa por fora, que foi a primeira vez que a gente fez agora. E a gente se apresenta em outros lugares também. A gente se apresentou no Brooklin Fest, que teve esses dias também, paróquia, a gente se apresenta na paróquia também, Santo André, e na Cantareira também. Todo ano na Cantareira a gente se apresenta lá.
P/1 – E você toca sozinha violino ou é numa orquestra? Como é?
R – Então, a gente toca... Aqui no curso é com o grupo, com o grupo todo. Aí eu estou tentando também tocar em orquestra. A gente está vendo com a professora pra gente tocar também, alguns, só as mais velhas, pra tocar. Mas aqui a gente toca em grupo.
P/1 – E o que você canta? Que tipo de música que vocês cantam?
R – Ah, então, as músicas do curso. Música mais voltada para o coral, não é nada fora muito.
P/1 – E o que você gosta mais: cantar ou tocar violino?
R – Ah, eu gosto do canto (risos), porque eu canto já desde que eu entrei. Que eu entrei já foi o canto. O violino como é há quatro anos, eu gosto mais, eu acho que tenho mais facilidade. Que o violino é muito difícil, é um instrumento muito difícil.
P/1 – Você tem um violino seu, ou não?
R – Tenho.
P/1 – Tem?
R – Minha avó comprou.
P/1 – E treina sempre?
R – É, eu tento. Eu tento. Mas de quarta-feira nós arrepiamos aqui no curso. Ontem mesmo... Ontem não, antes de ontem.
P/1 – Tá. E você tem alguma história mais marcante que tenha acontecido aqui, desse tempo todo que você está aqui, ou desse tempo do projeto com o violino, com o canto?
R – Ah, então, eu não tenho uma história fixa, não. Só o que as pessoas veem, que todo ano eu falo que eu vou sair, por causa da idade. Já era pra eu ter saído, porque o projeto, eu acho que é só até 16 anos, eu tenho 18. E todo ano eu falo que eu vou sair, é aquela choradeira, as mães falam: “Não, que a Karen não tem que sair daqui, que não sei o quê”. Aí no outro ano eu estou aqui de novo. Aí esse ano eu já não sei. Porque agora eu tenho 18, eu não sei como vai ficar. E como eu tenho que arrumar um emprego, então eu não sei, mas eu não queria sair daqui, não. Eu gosto daqui.
P/1 – E não pode ficar aqui dando aula de canto?
R – Aí tinha que conversar lá com o povo pra ver.
P/1 – O que mudou na sua vida, você acha, a partir do momento que você começou a tocar violino?
R – É, então, a partir do momento que eu entrei aqui, eu acho que mudou tudo, porque se eu tivesse fora, tem muitas coisas da vida, droga, essas coisas, eu acho que eu podia estar no meio. Às vezes não por causa da minha cabeça, mas olha a minha irmã o futuro que teve.
P/1 – Mas a sua irmã também frequentou aqui, mas ela saiu?
R – Frequentou. Mas aí ela saiu. Então ela viu o mundo de outro jeito lá. Agora ela está com uma criança. E eu não quero isso pra mim, não. Eu acho que se eu estivesse lá... Agora não. Nesse momento não. Eu estou muito nova ainda, tenho que curtir um pouco a vida. Mas eu acho que se eu estivesse lá fora, eu poderia não estar do jeito que eu estou hoje. Não sei se estaria melhor ou pior, mas eu acho que não, porque é muito ruim lá. E aqui a gente ocupa a mente, se diverte, se distrai, tem amigos.
P/1 – Então nessa época que você estudava à noite, você ficava aqui o dia todo quase?
R – É, eu já vinha da escola... Não, eu comecei lá no primeiro ano, então era de manhã ainda. Aí eu ia pra lá e ficava aqui o dia todo. Que até eu fazia o curso também dos jovens, que era de Rotinas Administrativas, que era de tarde, da uma às três. Até que eu estudava à noite, aí eu fazia o curso de manhã, o da Rotinas Administrativas de tarde, e de noite ia pra escola.
P/1 – E como era esse curso, você gostou?
R – É, eu gostei, mas só que é só o básico, foi alguns mesesinhos. Até que eu tava acelerada, porque eu ia viajar também, eu ia para o Rio de Janeiro, nessa época que eu fui lá ver o Papa. Aí foi bem corrido, mas eu gostei bastante. Eram só jovens, então bem legal.
P/1 – E como foi essa viagem para o Rio pra ver o Papa?
R – Nossa, foi muito bom. Muito bom. Eu não sei como a minha avó me deixou ir pra longe.
P/1 – Você foi sozinha?
R – Eu fui com dois amigos. Da minha comunidade só eu e dois amigos, mas tinha das outras comunidades que se juntaram, então eu acho que um ônibus lotado. E foi muito bom. Uma experiência única. Eu pretendo ir de novo, só que vai ser pra Polônia agora. Mas aí eu tenho que trabalhar (risos). Porque eu quero ir de novo.
P/1 – Mas como é? Você é parte de uma comunidade...
R – É. Comunidade da igreja, a Santa Luzia, que eu participo. Aí tem a São Felipe, que é a paróquia, aí tem as comunidades.
P/1 – E o que vocês fazem?
R – Então, na igreja eu sou catequista dos coroinhas e da catequese. Porque eu já fui coroinha, agora eu sou catequista. Aí eu ajudo lá.
P/1 – Bem ocupada a sua vida (risos).
R – É. Desde que eu entrei aqui, eu sou muito ocupada, nossa! Faço muita coisa.
P/1 – E você está na igreja também desde a mesma época, mais ou menos, que está aqui?
R – É, da igreja é desde pequena, eu acho que faz bem mais tempo lá. Não, faz 18 anos. Aqui não faz 18 anos, lógico, mas na igreja, desde que eu sou pequena, eu caminho com a minha avó lá.
P/1 – E sua irmã também nunca foi pra igreja?
R – Não, até quando estava com a gente sim, participava de tudo. Mas quando foi pra lá, aí já mudou. E agora com o bebê ficou bem mais difícil pra ela. E ela trabalhava. Ela era mais esperta que eu, ela já trabalhava.
P/1 – E agora então qual é o plano? É arranjar um emprego, e depois o que você quer fazer?
R – Arranjar um emprego e faculdade.
P/1 – De música?
R – É.
P/1 – Onde? Você sabe?
R – Então, música eu queria fazer fora, eu não queria fazer aqui, não. Eu queria fazer...
P/1 – Então, você quer fazer fora aonde?
R – Tem uma faculdade. É que eu não lembro o nome, mas tem uma faculdade que é fora, não sei se é Estados Unidos, ou outro lugar, que tem uma faculdade boa de música. Porque aqui no Brasil, música é um pouco difícil, eu acho. Aqui eu queria fazer uma faculdade normal, comum mesmo, tipo, Logística, ou Administração, alguma faculdade assim. E fora eu queria...
P/1 – E como você pensa em ir pra lá?
R – Ah, primeiro trabalhar e depois a gente vê como vai.
P/1 – Mas quando você sair daqui, você vai parar de cantar se você tiver que sair esse ano? Como faz?
R – Se tiver que trabalhar, aí vai ter que parar. Vai ter que parar. Só se eu conseguisse um emprego que... Nem que fosse de sábado, ou até sexta-feira, pra eu poder fazer... Ou dependendo do horário que eu entrasse no emprego, que eu pudesse fazer aqui de manhã. Ou outro lugar pago que eu pudesse fazer, que eu não queria parar, não.
P/1 – Continuar estudando música.
R – É.
P/1 – E você descobriu que gostava de música e de cantar aqui?
R – É.
P/1 – Nunca tinha pensado nisso?
R – Desde pequena, como eu já entrei aqui, então já foi encaminhado na música.
P/1 – E você teve apoio aqui dos professores? Como foi?
R – Ah, os professores sempre incentivam, sempre perguntam: “Aí, Karen, o que você vai querer fazer?”. Aí eu: “Não, eu vou continuar na área da música, eu gosto disso, mas primeiro fazer alguma coisa que eu consiga apoiar a música. Alguma coisa que eu consiga me manter, pra aí eu poder conquistar o que eu quero”.
P/1 – E tinha alguma coisa que você gostava mais nesse projeto específico do violino? Era o contato com as pessoas? Era a música... Só a música?
R – Até então, no começo eu vim porque minha amiga quis. Porque eu nem: “Ah, violino? Nem sei o que é isso. Instrumento tão difícil”. Como ela falou: “Não, Karen, vamos”. Eu comecei a gostar. Eu fui e estou até hoje.
P/1 – E como foi no início aprender a pegar no instrumento?
R – É meio difícil. É muito difícil, porque, nossa, eu não tinha nem noção do que era um violino. A gente não tinha esse contato. E depois que veio, no começo era muito difícil, mas depois já acostumei agora.
P/1 – E foi só o violino, ou passou por outros instrumentos?
R – Não, a gente tocava flauta também no canto. Só. E violino. Mas eu tenho vontade fazer violão também, porque pra cantar, pra acompanhar é bem mais fácil do que um violino.
P/1 – É. Do que um violino.
R – E aqui também tem violão, curso de violão também.
P/1 – E você escolheu violino por causa dessa sua amiga também, você nem pensou em nenhum outro?
R – Não, que eu achei bonito, falei: “Ah, vamos tentar, né?”. Eu falei pra minha avó, ela também achou legal, aí eu fiz.
P/1 – Sua avó incentiva a...
R – É. Ela gosta também bastante.
P/1 – Vê você tocando em casa?
R – Ela reclama às vezes: “Ai Karen, você não sai dessa Casa Mateus, que não sei o quê. Vá arrumar um emprego, menina. Vai dormir lá na Casa Mateus, não sei o quê?”. Mas quando eu me apresento, aí ela fica toda emocionada lá: “Ai que orgulho”. Mas ela fala bastante também. Nossa, ela fala demais, meu Deus do céu. Ela reclama muito. (risos)
P/1 – E sua mãe e sua irmã vêm às suas apresentações também?
R – Vêm. Estão presentes também. Até na do dia três, elas... Sempre que podem, elas vão. Até no Brooklin elas foram também.
P/1 – E como são essas apresentações? Você gosta de ter público? Não fica nervosa?
R – Ah, eu gosto. Não, eu já acostumei, porque é desde pequena. Eu fiquei uma vez nervosa, eu acho que eu tinha uns dez anos, por aí, que a professora atrasava muito. Ela nunca ia com a gente, ela sempre ia por fora: “Não, tal hora eu estou lá na apresentação”. Aí chegou o dia que ela não estava, ela não chegou, e a gente tinha que apresentar. Aí a Luciana falou: “Karen, você vai ter que ir”. Aí eu fui lá reger o povo pra cantar.
P/1 – Foi reger? (risos).
R – Nossa senhora, quase morri aquele dia lá. Mas depois daquele dia, não tenho vergonha mais não.
P/1 – E como foi isso, dessa experiência de reger?
R – Meu Deus do céu, quando a Luciana falou, eu não sabia onde enfiar a cara lá, porque muita vergonha, e reger do nada. Aí eu fiquei lá na frente do povo, não sabia nem o que fazer direito.
P/1 – E deu certo?
R – Deu certo.
P/1 – Você não desafinou tudo (risos).
R – Depois a professora chegou, eu: “Professora, segura que é seu agora”. Ela chegou e deu tudo certo. Mas o povo já me conhecia, porque eu vou lá, desde pequena a gente frequenta lá também, então... Mas foi engraçado.
P/1 – Tá bom. E o que é importante pra você hoje? Estar aqui e o que mais?
R – Ah, eu acho que tudo que eu já consegui. Tudo que eu já consegui já é muito importante na minha vida. O respeito, a amizade que eu conquistei até hoje, tudo isso é importante pra mim.
P/1 – Amigos daqui?
R – Sim.
P1 – E que respeito é esse? Fale um pouquinho dessa sensação.
R – Ah, é a gente saber até aonde a gente pode ir, até aonde a gente não pode ir, saber respeitar a opinião do outro, o sentimento do outro. Eu acho que é isso.
P/1 – E quais são seus sonhos? É ir para os Estados Unidos?
R – Não ir para os... Pode ser outro lugar também. Alemanha eu acho legal, que até uma menina já ficou lá na minha casa, intercâmbio, ela ficou um mês lá em casa.
P/1 – Como foi isso? Como ela veio parar aqui?
R – Foi através da Casa Mateus. Que a Casa Mateus tem contato com as pessoas da Alemanha. Aí vieram. Veio uma menina. A gente manda foto pra lá, eles escolhem a casa, aí escolheram a minha casa, aí ficou lá um mês. A gente foi pra Santos com eles, com todo o grupo lá, ficamos numa pousada, foi muito da hora, bem legal.
P/1 – E não dá pra fazer o contrário?
R – É. Bem que poderia, que aí eu já tava lá. Eu converso com ela ainda também. Tenho o contato também.
P/1 – Ela falava português?
R – É, mais ou menos. Mais ou menos. A minha avó ficava nas mímicas lá: “Quer tomar banho?”. Ela ficava com a menina: “Quer comer?”. Só no gesto. Eu pegava o dicionário e já entendia um pouco lá, aí conversava com ela um pouco.
P/1 – Olha só. E você estuda alguma língua estrangeira?
R – Não. Não estudo. Mas eu tenho vontade estudar também, porque como eu quero ir pra fora conhecer, então é bom.
P/1 – E que outros sonhos? O que mais você espera?
R – Então, cantora. Eu queria ser cantora. Mas eu acho um pouco difícil. Mas é só ter força de vontade, né? Vamos ver. Era pra eu ter me inscrito no The Voice esse ano.
P/1 – Olha!
R – Mas o ruim é por causa da língua, porque lá tem que cantar música em inglês também e é um pouco difícil. Eu até entendo um pouco, mas na hora, outras... Tem que saber bem, e eu não sei bem. Mas eu tenho vontade de me inscrever ainda no The Voice. Só não me inscrevi esse ano por causa da insegurança de não conseguir, até mesmo por causa da questão da língua, mas só por isso.
P/1 – Tá bom. E que mais, além de cantar?
R – Dar aula também, eu acho que seria uma boa. Quem sabe abrir uma escola de instrumentos, até pra ajudar as pessoas, igual a Casa Mateus também. Interessante.
P/1 – E tem alguma coisa mais que você queria falar que eu não tenha perguntado sobre a sua vida, sobre a sua experiência aqui na Casa Mateus, no projeto?
R – Ah, eu acho que tudo leva para o bem se você souber absorver. Então todos os anos que eu passei aqui, na minha casa, na minha vida, eu soube entender bem tudo. Tudo foi para o bem, nada foi para o mal. Todos os conselhos, incentivos, tudo leva ao bem.
P/1 – Que conselho que te deram aqui?
R – Que a gente nunca pode desistir. Se a gente quer um sonho, a gente tem que correr, correr atrás.
P/1 – E você sabe dizer, desse projeto mais específico, que é patrocinado pelo Criança Esperança, o que você acha disso? Você acha que é uma coisa...
R – Nossa, é ótimo. E aqui a Casa Mateus é muito boa, porque ela acolhe pessoas sem saber se a pessoa é pobre, se ela é rica, ou qual a condição dela, o que ela passou. Lógico que a Casa Mateus tem que saber o que a pessoa... A família dela, saber sobre a vida, lógico. Mas aqui não tem distinção de cor, de raça, nada. Se você vem pra fazer o curso, você vai vir pra fazer o curso e já era. Não tem aquela indiferença. Qualquer intriguinha já: não, vamos conversar, ver o que está pegando ali, pra não ter aquelas coisas, não.
P/1 – Tá bom. E como foi contar a sua história agora aqui?
R – Ah, eu já falei algumas vezes também, pra mim é... Eu só fico um pouco nervosa às vezes. Dá uma emoção, mas passa.
P/1 – Tá bom. Então lembra o seu primeiro contato com o Criança Esperança?
R – Foi na TV mesmo. A gente via na TV: “Não, eu acho que nunca vai acontecer isso aqui em Mauá”. Então, o primeiro contato que eu tive lá com o Criança Esperança, que a gente teve, é bem o contato com a TV, com o povo. A gente não acha que vai acontecer com o nosso meio aqui. Eu mesma nunca pensava. Via na TV e falava: “Nossa, isso daí nunca acontece aqui em Mauá, nada”. Mas quando veio o Criança Esperança pra Casa Mateus, a gente ficou, nossa, surpreso.
P/1 – Como você soube?
R – Até mesmo pelas oficinas, por causa do apoio. E foi assim.
P/1 – E qual foi a sensação? Você lembra o que falavam aqui, como ia ser?
R – Ah, foi muito bom. Porque é sempre bom um apoio. Porque como a Casa Mateus é uma instituição, uma ONG, então é sempre bom o apoio das pessoas. Então foi até mesmo pra acolher mais crianças que gostam. Até mesmo quem não gostava de cantar, mas gosta de um instrumento. Então foi muito bom. Tinha até teclado também, mas o teclado saiu. Mas tinha teclado também.
P/1 – E você sabe como esse recurso é usado aqui, onde ele foi exatamente, quais projetos?
R – Então, eu acho que é para os cursos. Para os cursos, que são os recursos.
P/1 – Curso de música, que outros?
R – Mais para os cursos de música, porque eu sei que o canto é. A ONG lá da Alemanha, eles que ajudam o canto, especificamente o canto. É mais a Alemanha.
P/1 – Que tem esse outro apoio.
R – É.
P/1 – Tá bom. Ok. Mais alguma coisa que você lembre?