Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Luiz Henrique Froner Souza Goes
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 05/11/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_25
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Pr...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Luiz Henrique Froner Souza Goes
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 05/11/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_25
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Luiz, fala pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome completo é Luiz Henrique Froner Souza Goes. Eu nasci em São Paulo, São Paulo capital, em 18 de novembro de 1963.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, mãe e pai, e data e local de nascimento se você souber.
R – Meu pai chama Leonan Luiz Souza Goes. Ele nasceu no dia 16 de fevereiro de 1932 em Barretos, São Paulo. E minha mãe também nasceu em Barretos. Ela é do dia 10 de março de 1938, se não me engano. Ela chama Maristela Goes.
P/1 – O que os seus pais faziam profissionalmente?
R – Minha mãe foi professora de geografia, formou-se em Geografia, História e chegou até iniciar aulas. Ela se formou na PUC em São Paulo. E o meu pai é dentista também.
P/1 – Conta um pouquinho como é que eles eram como pessoa, de personalidade, temperamento.
R – Meus pais sempre foram muito alegres. Minha mãe muito dedicada, logo a gente já teve minha mãe como uma dona de casa mesmo e mãe e ela se dedicou a isso plenamente. Ela foi muito feliz porque a gente percebe nos meus irmãos, a gente é uma família muito feliz e a gente dedica isso muito a minha mãe, que era alegre, levava pra parque, levava pra passear, pegava os primos todos. E meu pai, como todos os homens daquela época, muito trabalhador e trabalhava no consultório particular dele como dentista, na Avenida Santo Amaro, e durante muitos anos ele chegava em casa tarde, mas sempre como fim de semana, estava junto, íamos pro clube. Eles sempre foram muito participativos. Como a família é do interior eu acho que isso tem uma importância muito grande também porque a gente viajava junto pra Barretos, no caso a viagem era longa e sempre estávamos unidos. E meus pais, família, avós, todos em Barretos.
P/1 – Quantos irmãos você tem e qual que é o nome deles?
R – Eu tenho dois irmãos. Mariângela Froner Souza Goes e meu irmão Carlos Henrique Froner Souza Goes. O meu irmão Carlos tem hoje 45, a minha irmã 51.
P/1 – Você sabe qual que é a origem da sua família, Luiz? Assim, seus antepassados da onde vieram.
R – Na verdade assim, a minha origem mesmo eu tenho muito orgulho de ser bem brasileiro. Mas assim, meus bisavós não. tataravós por parte de mãe têm uma origem austríaca na região do Tirol, que vieram pra cá depois e na origem dos meus pais da Ilha da Madeira. O Souza Goes vem da Ilha da Madeira, de Portugal, também antes de bisavô. Mas dos bisavós pra cá todos brasileiros.
P/1 – Conta um pouquinho pra gente como é que era a casa em que você passou a infância. Descreve mesmo a casa, o bairro.
R – Foi muito interessante porque eu morei numa vila e justamente o bairro chamava Vila Olímpia, aqui em São Paulo. E essa vila teve uma característica muito legal que foi construída pelo meu pai e pelos meus tios, então as casas da vila já eram de famílias também. Então o meu vizinho era meu tio, minha tia, irmã do meu pai e outros tios e eles construíram as casas nesta vila, Rua Casa do Ator ali na Vila Olímpia. Nisso não tínhamos praticamente muro entre as casas e eu e os meus primos às vezes a gente não sabia onde tava dormindo um, onde dormia o outro, porque a gente dormia na casa do outro: “Ah, seu filho está aqui, está bom?”. Então era muito tranquilo. Foi uma infância em que a vila, era um início de cultura de vilas em São Paulo também, então não existiam prédios de apartamento então tinha uma cultura de rua muito gostosa. Então se brincava o tempo inteiro, bicicleta, rua, aí tinham outras vilas surgindo, então a gente invadia outra vila, os primos todos. Foi uma infância de muita brincadeira de rua. E muitas viagens também. Mas a minha casa especificamente era muito legal porque era uma casa pequena, dois quartos, um quarto ficavam os filhos e agregados, no caso, por exemplo, eu tinha primo que morava comigo que o meu tio faleceu cedo e um dos primos veio morar comigo. Então no nosso quarto dormiam a maioria das vezes quatro a cinco crianças em um quarto. Pra entrar no quarto entrava e pra sair à noite não saía, não dava pra ir no banheiro porque eu tinha que armar a cama no meio do quarto e não saía. E o outro quarto era dos meus pais. A gente vivia muito bem, isso era um sobrado, na parte de cima eram os quartos, a parte debaixo a sala, uma cozinha e uma área, um quintal. O quintal pequeno, mas era um quintal muito divertido, quintal que a gente fazia muita bagunça também. Então era uma casa pequena, não deve ter uns 60 metros quadrados a casa inteira, mas confortável e acomodou tão bem que hoje essa casa mora a minha irmã. Então essa casa que foi construída pelo meu pai até hoje é minha irmã que mora lá com o filho dela e tudo. Então é uma casa bem permanente, viveu durante a minha vida.
P/1 – Ficou na família assim.
R – Ficou na família.
P/1 – Você citou um pouquinho as brincadeiras de infância na rua, queria que você contasse um pouco quais eram essas brincadeiras, do que vocês brincavam.
R – Olha, a gente tinha muito, por ter uma vila, a gente brincava muito, por exemplo, de semáforo de rua, a gente montava dentro da vila, um trânsito. Então tinha guarda, a gente fazia poste de luz e construía. Só que não tinha necessariamente que ser de bicicleta. A gente pegava caixa de papelão e construía carros na caixa de papelão. Então a gente ia arrastando papelão como se fosse... E aí tinha que parar porque o guarda multava, que era o outro primo então a gente brincava muito. E tinha uma das coisas mais gostosas dessa vila em que a gente brincava muito que era uma seringueira gigantesca. Então a gente subia em árvore e passava dia assim horas em cima da árvore, cada um no seu galho, cada um no seu canto da árvore, porque era muito grande essa seringueira e era fácil de subir. Então a gente subia muito em árvore. Outra brincadeira que a gente fazia, que talvez era a que a gente mais gostava, era de esconde-esconde e valia esconder dentro das casas. Então a gente tinha na vila, no caso, eram cinco casas, três eram de primos e tios, mas duas não, mas eles permitiam que a gente invadisse a casa deles e a gente vivia invadindo casa dos outros dois que não eram da família, mas que no fim eram todos amigos. Então teve muita brincadeira de rua, fora brincadeiras que parecem coisas antigas de 50 anos, mas não é, não, pião, todas essas brincadeiras a gente fazia bastante também.
P/1 – Brinquedo vocês tinham?
R – Brinquedos, sabe que eu lembro pouco de brinquedos. Eu me lembro de brincar. A gente lembra muito de brincar, mas nenhum brinquedo que... A não ser bola, essas coisas mais simples, mas o brinquedo não era o auge da diversão, como eu acredito que nos tempos de hoje o brinquedo é fundamental mais do que o brincar. E naquela época era o brincar, era estar junto, então pular corda, puxa, amarrava no poste, ficávamos horas pulando corda. Então os brinquedos eram coisas não tão específicas. Agora você me pegou, não me lembro de um brinquedo específico, não.
P/1 – Você se lembra de alguma história dessa fase de infância assim que tenha te marcado? Uma coisa que você lembra até hoje, conte pra família.
R – Geralmente a gente lembra das tragédias, das coisas que marcam mais. Eu me lembro de uma brincadeira em que a gente jogando bola um pro outro, a rua era toda de paralelepípedo, o que era muito legal, e aí não tinha mais bola, perdemos a bola numa brincadeira, foi parar na outra... Chutando a bola foi parar no vizinho e resolvemos jogar paralelepípedos de um primo pro outro. E aí você sabe que o paralelepípedo é bem pesado e eu fui querer agarrar um paralelepípedo como se agarra uma bola de futebol, e o primo mais velho jogou, na hora que eu agarrei o paralelepípedo eu lembro que foi a primeira vez que eu desmaiei. Então por isso que é muito marcante porque eu fui acordar num sofá, aquilo foi inédito pra mim. Eu falei: “Mas como eu estava na rua brincando e agora eu estou num sofá?”. Então era sempre essas brincadeiras meio sem noção que a gente faz como criança e andar em telhado, por exemplo. Ali a Vila Olímpia eram casas e a gente conseguia ir pelo telhado das casas em outra vila, então a gente invadia a outra vila, porque era divertido invadir outra vila pelo telhado. Então, quer dizer, são coisas que sem noção, que se a gente falar hoje, como que você vai deixar um menino de dez anos, oito, nove anos, andar em telhados de casas de uma casa pra outra que se comunicavam? Mas era isso, brincadeiras, eram fatos divertidos e também tristes, que nem essa do paralelepípedo, né?
P/1 – Você lembra o que você queria ser quando crescesse quando você era criança?
R – Tá aí uma pergunta que é engraçada, porque eu nunca tive assim grandes sonhos em termos de quando criança do que queria ser. Eu lembro que eu tive uma época só que me marca mais era astronauta. Astronauta é uma coisa que eu sempre quis ser quando criança, mas é a única que eu lembro. Mas logo depois eu já fui passando semanalmente por uma nova experiência, hoje eu quero ser ou amanhã eu quero ser, mas assim, de lembrança inicial, na minha profissão que era dentista só veio bem depois, mas no início era realmente ser astronauta, ser piloto de avião, sabe? Realmente coisas bem ligadas a voar. Lembrei-me de outra que foi quando comecei no colegial era ser engenheiro naval. Também queria construir navios e daí também passou rapidinho, graças a Deus, passou rapidinho. Nada contra os engenheiros navais.
P/1 – E essa ideia do astronauta você lembra por quê? Quando é que você teve essa ideia, o que estimulou isso?
R – Na verdade tinha em São Paulo que funcionava muito e que era muito comum meus pais me levarem era no Planetário. O Planetário acho que inclusive fechou recentemente, ou reabriu, eu não tenho certeza, no Ibirapuera. Mas era um hábito a gente fim de semana ir. Então sempre gostei muito de estrelas, de saber um pouquinho do céu e o lance de voar também, né? Eu acho que o voar faz parte do imaginário de criança até o momento que você descobre que não é fácil voar, mas enquanto você acha que é possível eu acho que tem ligação também com essa coisa do astronauta. Mas eu acho que essa parte do Planetário me incentivou bastante.
P/1 – E da escola, Luiz, quais são as primeiras lembranças que você tem?
R – A primeira lembrança que eu tenho foi ainda no primário, no pré-primário quando eu fiz um teatro infantil. E eu lembro direitinho que eu era o personagem, o ator principal da peça de encerramento todo ano. Então eu tenho que é o Externato Amazonas, que não existe mais, na Vila Olímpia mesmo. Logo depois eu fui pro Pequenópolis, que era outra escola que eu fiz aí sim o primário mesmo, que também foi uma escola muito boa, que existe o local até hoje, não existe mais a escola em si, mas o local existe. E logo depois eu fui pro Porto Seguro quando ele ainda estava no centro da cidade e depois ele mudou pro Morumbi, e aí também fiz todo o meu resto de educação no Colégio Visconde de Porto Seguro. Mas assim de escola eu lembro muito bem de amigos que depois permaneceram, inclusive mudaram pro Porto Seguro, fizeram o pré-primário e mudamos juntos, as famílias. Mas assim, as primeiras lembranças é aquilo que eu falei pra vocês, aquela do teatro me marca muito. E de professores também, a gente sempre tem um carinho ainda com a memória de professores.
P/1 – Você teve algum professor marcante?
R – Eu tive um professor de matemática muito marcante, eu não lembro se era porque ele era muito chato ou ele exigia muito, mas eu lembro que ele era um senhor de idade. Era um fato incomum, a gente lembra sempre um professor, a gente lembra sempre aquela tia bonita, simpática, novinha e ele era ao contrário. Ele era um senhor, eu lembro muito bem, de cabelos brancos, professor Geraldo, de matemática e isso me estranhava e ao mesmo tempo desde criança eu tinha o respeito. Eu aprendi a ter um respeito pelo mau humor dele, pela cobrança dele, do início de estudo de tabuada e eu acho muito diferente, hoje você não consegue ter esse respeito. Eu vejo pelas crianças pouco respeito e pouco também professores insistindo em ser professor. Isso me marca muito, professor Geraldo de matemática.
P/1 – Você falou desse teatrinho, você lembra qual que era a peça ou que personagem você fazia? Por que será que isso ficou marcado assim?
R – Lembro bem. Porque na verdade era um garoto que dormia e sonhava com brinquedos, que ele estava numa fábrica de brinquedos. É uma peça eu acho que famosa no mundo infantil. E aí no sonho ele conversa com cada um dos brinquedos e o menino é solitário, o menino está num momento de tristeza e aí vem a bola, o personagem da bola, ele conversa com o personagem da bola, vem o personagem do soldadinho de chumbo. E ele não sabe que está sonhando, até que depois ele acorda, ele estava meio que perdido da família, aí ele acorda, encontra os pais, mas é praticamente esse relato dele sozinho com os brinquedos. E coincidentemente era uma coisa que eu sempre também fui um pouco introspectivo na minha infância, não fui muito extrovertido. Então tinha muito a ver comigo esse personagem. Eu não sei nem por que eu fui escolhido pra ser o garoto, mas hoje fazendo essa reflexão eu vejo que tinha muito do Luiz ali naquele personagem, de conversar com quem não existe, de se identificar, de falar consigo mesmo, de interiorizar. Eu tive uma infância que eu interiorizava bastante também.
P/1 – E nessa mudança pra Porto Seguro, você vai pra Porto Seguro bem o que? No que seria hoje o fundamenta II, o ginásio?
R – Isso seria hoje o primeiro ano do ginásio. Seria o quinto ano eu acho, equivalente. Mas é exatamente, primeiro ano do ginásio, dez anos. Acho que nove, dez anos que a gente entra pro ginásio. Foi essa mudança mesmo. Primário no Pequenópolis e daí fui pro Porto Seguro.
P/1 – E aí no Porto Seguro um pouquinho mais velho, que é essa transição de pré-adolescência pra adolescência que você viveu lá, queria saber o que mudou na sua vida assim em termos de lazer, de práticas, de amizades. O que se transformou nessa transição pra adolescência?
R – Foi muito legal. Essa transição teve uma coisa bem marcante que foi também uma mudança de casa. Eu saí dessa vila, desse microcosmo, que eu chamo de microcosmo porque era realmente tudo micro, e já fomos morar no Morumbi numa casa grande, com um quintal enorme, jardins e era próximo do Porto Seguro, muito próximo. Então dava até quase pra ir a pé pro Porto Seguro. Então veio junto uma mudança talvez até de um padrão de vida, no sentido porque o Porto Seguro, não sei se vocês sabem, mas ele foi no Morumbi, é uma escola que até hoje é muito grande, você imagina pra um padrão de 30 anos atrás. Era gigante, era uma coisa que era muito grande. Então você tinha muitos alunos, eu não tinha mais uma classe. Então você começa a ter a adolescência já povoada de amigos, de muita gente e gente indo pra sua casa. Então antes não tinha muito, você como está perto, eu tinha sempre amigos em casa, dormindo em casa. Porto Seguro então acabou tendo uma influência muito grande por ser um colégio grande. Isso influenciou pra mim bastante porque você começa a também ser extrovertido. É aquela pré-adolescência que você é cutucado a ser... Para, chega de introverter e vamos que você tem um monte de amigos agora. Nesse período aconteceu também outra coisa muito interessante, eu comecei a fazer acampamentos de férias e isso... Chamava Acampamento Pioneiros, um acampamento muito tradicional, isso também fez com que eu me tornasse menos intimista, mais extrovertido e aí acabei crescendo dentro desse acampamento. Quem diria que dez ou 15 anos depois eu fui até sócio do acampamento, fui monitor de acampamento, mas a minha adolescência teve essa transformação principal de intimista pra extrovertido. E aí você começa a descobrir que pra você lidar com outros adolescentes você também tem que abrir mão dessa sua interiorização pra ser um pouquinho igual a todo mundo, e aí você convive socialmente melhor. Então acho que eu tive isso também.
P/1 – E aí você saía? Quando é que você começa a sair sozinho? Pra onde que você vai com os amigos?
R – Então, na verdade assim, o fato, o início de começar a sair sozinho, sair com os amigos, eu acho que tem uma coisa muito marcante, pelo menos na minha vida e na maioria. A gente tem até uns 17, 18 anos, a gente vive quase que culturalmente sob a influência dos pais. Tudo que eles acham certo é o que no fundo você está achando. Tudo que eles te colocam pra comer é o que você vai comer. Então quando eu tive essa transformação mesmo de indivíduo Luiz começando a descobrir, foi praticamente quando eu saí do colegial pra entrar na faculdade, inclusive pra sair à noite. Hoje parece que é muito comum você ver um moleque de 15 saindo pra balada, pra minha época não era. Você vai sair pra balada? Você não vai sair, nem balada tem, então você não vai sair. Geralmente o programa dessa fase de adolescência eram diurnos. Então vamos pra clube, eu praticava muito esporte, sempre pratiquei tênis, natação, eu sempre fui ligado ao esporte, então eu sempre fui um menino mais diurno do que de sair à noite. Agora já entrando no início de faculdade eu fui morar fora, eu não fiz faculdade em São Paulo, eu fiz em Ribeirão Preto e aí sim começa outra fase que aí eu brinco até, eu falo que aí começa o Luiz. O resto era o Luiz do Leonan, o Luiz da Maristela. Agora o Luiz do Luiz Henrique mesmo começou com 18, 17, 18.
P/1 – Vou te perguntar dessa fase de faculdade então, deixa-me só retomar uma coisa que eu queria ter perguntado no começo, você sabe qual que é a história do teu nome? Quem que escolheu, por que você tem esse nome?
R – Puxa, eu acho que eu vou ficar te devendo porque eu sabia, mas eu não lembro. Não lembro. Mas foi meu avô. Ah, tem uma curiosidade sim sobre o lance do nome que eu acho que eu comentei com você anteriormente. Meu avô era um estudioso de numerologia, ele gostava muito, então todos os nomes quem decidia era meu avô, não que escolhia, mas que ia ser com Z ou com S, que ia colocar o sobrenome X ou Y e naquela época se podia mudar. Hoje não pode, mas ali você podia colocar, por exemplo, o Souza com Z, o seu pai sendo Sousa com S. Então ele montava tudo pra dar um número exato. Então todos os meus irmãos têm na numerologia o mesmo número na somatória. Então ele que decidia a decisão final. E meu pai meio que passou isso, esse passou pro meu pai, meu pai passou pra mim e não é que meu filho eu também fiz a numerologia perfeita pra poder bater o número?
P/1 – Ficou na família também.
R – Ficou.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho então dessa decisão, essa entrada da faculdade, antes de dizer como é que foi esse ingresso, como é que veio a decisão de que curso prestar. Quando você decidiu isso e por que você decidiu isso?
R – Tá. Perfeito.
P/1 – Quando isso surgiu na sua vida?
R – Na verdade foi assim, eu tive um... Como eu sempre fui ligado a esporte, quando chegou nessa época eu com certeza, na minha certeza da época, eu queria fazer Educação Física. Eu cheguei a prestar a Educação Física, meus pais sempre deram liberdade pra eu poder estudar, fazer o que eu quisesse. Cheguei a prestar e passar na USP em Educação Física, fiz os testes e tudo, mas na hora eu tive aquele clique e falar: “Mas isso é um hobby. Será que eu quero mesmo?”. Fui conversar com o professor de Educação Física do Porto Seguro, sabe? Será que é isso mesmo que eu quero? E todos me falaram: “Luiz, você gosta de esporte e isso é uma coisa. Ser professor de Educação Física é outra coisa”. E nisso eu negava, aquela negação adolescente, da influência do seu pai, mas eu gostava de odontologia, eu sempre gostava de ver meu pai trabalhar. Eu ia pro consultório, ficava ajudando ele manipular o amálgama, fazer aquelas coisas, desde criança, mas eu tenho a fase da negação, não quero ser que nem meu pai, que ele já tem a profissão dele. Fui totalmente, logo em seguida que eu decidi, foi a primeira coisa que eu fiz: “Vou ser dentista”. Aí eu tomei essa decisão, fiz um ano de cursinho, porque daí eu tive que fazer cursinho, e entrei daí na USP em Ribeirão Preto. Foi ótimo também, é uma profissão que depois a gente pode até falar, mas eu adoro essa profissão, é uma profissão muito legal.
P/1 – E aí como é que foi essa entrada na universidade e essa mudança? Porque você mudou de cidade então foi uma mudança grande, né? Como é que foi a experiência universitária pra você e essa mudança de cidade, a relação com a faculdade, com o curso?
R – Eu acho que foi uma das melhores fases da minha vida porque Ribeirão Preto é uma cidade muito interessante. Uma cidade quente, alegre, e você ser estudante fora de São Paulo, a 300 quilômetros de São Paulo, na época também era muito legal, porque você não vinha pra São Paulo. Eu passava um semestre e vinha duas vezes, três vezes porque tinha que estudar o final de semana. E morar em república, outra fase interessantíssima, porque você começa a dividir o quarto com mais dois, dividir a cozinha. Então foi realmente marcante porque eu nunca tive tanta liberdade e autonomia. Como era uma fase que a gente não tinha tantas condições financeiras, toda a minha república no caso, todos eram de pessoas que passaram na USP estudando muito, então não tinha essa de poder pedir dinheiro pro pai a todo momento. Não, pelo contrário. A gente vinha, às vezes de carro, na 25 de Março, comprava calça e vendia calça pros estudantes, sabe? Pra fazer uma viagem pra Bolívia de trem. Tudo foi muito legal, foi dando autonomia e foi te dando a cada tempo que passava em Ribeirão Preto novas experiências, mas muitas experiências. Então é ali que você começa a descobrir a bebida, os limites dela. É ali que você começa a descobrir o amor e o que ele significa. As namoradas e tudo mais. E tudo muito intenso, muito rápido. E não estando com a proximidade pra mim, por isso que eu incentivo o meu filho hoje e ele desde que nasceu eu acho que ele ouve isso: “Filho tem que estudar fora. Tem que estudar fora”. É que é ali que surge, você vai se questionar como ser humano, porque enquanto você está na casa dos seus pais, mesmo eles te dando toda a liberdade, a chave da casa pra você voltar a hora que você quiser, é ele que está pagando aluguel, é ele que está cuidando da sua casa, é ele que sua roupa está limpinha. Então ali não. Ali desde a roupa a compra do supermercado era a gente que tinha que fazer e a gente que tinha que decidir. Então foi muito boa essa época. Realmente ali começa a surgir muita coisa nova pra mim.
P/1 – Você lembra assim de alguma experiência, uma história, um episódio marcante desse momento, dessa vivência na faculdade?
R – Olha, tem várias. Mas uma das coisas marcantes era assim, em Ribeirão Preto tem uma festa tradicional que é a Peruada. A Peruada os estudantes da USP, os estudantes principalmente da Odontologia e Farmácia, a gente sai na rua fantasiado com trio elétrico. Hoje isso é quase que uma tradição, tem as micaretas, aquelas coisas, naquela época não tinha e era uma festa esperada pela cidade inclusive. Ficavam tudo na rua esperando ver. E a minha república era a república que todo mundo tinha expectativa, o que vocês vão aprontar esse ano? O que vai ser a fantasia desse ano? Então era uma coisa que a gente passava dois, três meses nos preparando pra essa festa. Então eram festas incríveis, a gente ia um ano de anjo, outro ano de bombeiros, e aí sempre, como nós da nossa república também éramos coincidentemente os presidentes do centro acadêmico da Farmácia e da Odontologia, a gente também que fazia a organização da festa. Então a gente meio que conduzia a festa pra gente ser o show business ali da festa.
P/1 – Em quantas pessoas vocês moravam?
R – A gente morava em seis. Dois estudantes da Odonto num quarto, eu e o Flávio, dois da Medicina num outro quarto e dois da Farmácia no outro. Era bem mista. A gente fez, de propósito a gente não quis só morar com gente da Odonto ou só da Medicina. A gente misturou cursos pra justamente intencionalmente a gente ter uma república bem frequentada.
P/1 – E vocês tinham um nome pra república?
R – Chumbrega. A Chumbrega a gente tinha e uma das coisas que a gente até ganhava, que a gente fazia camiseta todo ano da Chumbrega. As camisetas eram tão bonitas, porque cada vez a gente bolava uma estampa que aí as pessoas da faculdade queriam comprar a camiseta da Chumbrega, então a gente já tinha aquela ideia de ganhar até um dinheiro com o nome da Chumbrega.
P/1 – Você mencionou assim rapidamente essa questão mais amorosa, dos primeiros namoros, eu queria saber se teve alguém marcante nessa fase na sua vida, um primeiro amor.
R – Então, teve. Teve e é muito marcante que ela era estudante da Farmácia e a gente se conheceu porque eu morava junto com farmacêutico. Então eu convivia muito com a Farmácia. No caso eu convivia tanto que às vezes eles até me homenagearam no final deixando eu jogar com a camisa da Farmácia, porque eu vivia na Farmácia e queria competir pela Farmácia nas interfarmas, interodonto. Mas essa pessoa foi muito especial porque ela era do mesmo ano, só que fazendo o curso de Farmácia. No segundo pro terceiro ano a gente começou a ficar junto e aí vamos ficando, mas daí era uma festinha de república aqui, a outra não, aí a outra ficava de novo, aquela coisa. E aí nós fomos ficando, acabou a faculdade nós começamos a namorar e hoje ela é minha esposa, há 30 anos que a gente está junto praticamente, somando do início a gente está há 30 anos. Então eu acho que foi muito marcante essa fase pra mim, determinou a minha vida, né?
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – É Merciana Vandeveld.
P/1 – A gente vai falar sobre o casamento depois, só quero conversar um pouco mais sobre a faculdade. E a sua relação com o curso? Qual que foi a sua impressão assim que você entrou? Com o curso mesmo de Odontologia.
R – Então, foi muito legal porque é um curso, pra mim foi um curso muito prático, muito... Você apesar de ter que estudar muito, que a gente sai daquela fase de cursinho achando que tudo é muito fácil, colegial, e aí difícil é realmente quando você entra numa faculdade. Ainda mais o nível lá era muito forte, o nível da USP era muito exigente, mas eu me dava super bem porque você tinha a parte prática também. Então você tinha um laboratório de anatomia, depois você tinha todas as cadeiras dentísticas, todas as partes clínicas, atendia, e tinha a parte teórica. Então é um curso divertido, eu diria, eu curso que é um curso dinâmico, você não fica só em livros, você tem a parte prática. E eu tinha o lance do meu pai, então, quer dizer, quando eu voltava de férias às vezes eu até ia pro consultório dele pra aprofundar em algumas coisas, muito pouco. Mas procurava viver mesmo com estudante na verdade pra seguir a vida de estudando ao fundo, não queria trabalhar, tanto é que uma coisa que eu não fiz durante a minha faculdade foi trabalhar. Hoje a gente vê muito estudante já no segundo ano procurando trabalhar e eu tive essa liberdade dos meus pais de: “Não, vem pra São Paulo, pode ficar de férias. Não precisa se preocupar”. Então eu sempre gostei muito dessa parte da faculdade de Odontologia, uma faculdade dinâmica, muito legal e a turma fazia com que fosse muito divertido porque 90% dos alunos eram que nem na minha situação. Menos de 10% eram da cidade de Ribeirão Preto, o resto vinha de São Paulo, muitos de São Paulo, do interior de São Paulo, então estava todo mundo naquela carência afetiva, todo mundo naquela busca de novos amigos, morar em pensão, morar em república, sabe? Então o curso acompanhava, mas quase em segundo plano, não era o foco. O foco era morar em Ribeirão Preto, o foco era viver a rua de Ribeirão Preto, os bares de Ribeirão Preto. Ah, tem faculdade também? Tem. Tem faculdade também.
P/1 – Você falou que você não trabalhou durante a faculdade, mas você chegou a fazer estágio?
R – Sim. Na verdade mesmo lá eu procurei trabalhar em instituição. Lá eu tive o meu primeiro contato com trabalho voluntário. Trabalhei numa igreja como dentista e também foi muito legal, durante uns seis meses eu ia à igreja trabalhar com as crianças, ainda como estudante. E também, logicamente depois a gente acaba sempre tendo que fazer um estagiozinho, mesmo que seja no consultório do seu pai, mesmo que você já está na hora de chegar a conclusão do curso. Mas o meu primeiro contato mesmo foi lá em termos de triagem, educação de ensinar crianças a escovar dente. Desde o primeiro ano de faculdade a gente foi incentivado a isso.
P/1 – Você falou que foi lá, você diz na igreja?
R – Lá em Ribeirão Preto na igreja. Isso.
P/1 – Conta um pouco como é que é essa questão da igreja. Então como é que você chegou nisso e começou a fazer esse trabalho? E como é que foi a experiência assim dos primeiros atendimentos, como é que você se sentia?
R – Na verdade foi através de um professor. Um professor, ele sentia pelos alunos quem ele convidaria. Na verdade não era uma coisa explícita. E aí ele convidou, por exemplo, nessa época me convidou mais dois colegas se não queríamos conhecer esse trabalho. Aí nós fomos, achamos muito legal, só que ele jogava a gente numa fogueira, porque você era estudante, praticamente não sabe lidar, fazer uma cárie tão bem, uma restauração, tratar uma extraçãozinha de um dente. Então era uma coisa que assustava um pouco a gente, mas era um trabalho focado principalmente em crianças carentes, bem carentes. Então o trabalho basicamente era ter que tirar a dor. Foi aí que você começa, eu tive o primeiro contato com a dor, é uma coisa realmente muito ruim pra quem não tem tanta condição financeira. Você tem condição financeira você escolhe, no momento eu tenho disposição, eu vou ali e tiro. Acabou. Nem sei conviver com a dor, hoje as pessoas nem sabem conviver. Ali eles tinham que conviver. A gente via criança que tava com dor há muito tempo, não tinha condição. Ou era o Luiz que ia aparecer uma vez por semana na igreja pra tratar meu dente, então agora vai esperar outra semana porque não tem. Tipo, não tinha como tem hoje um desenvolvimento de SUS muito maior, consultórios da prefeitura. Ali era trabalho voluntário mesmo. Mas eu sempre fiquei um pouco assustado, não durei muito, eu acho que eu fiquei nesse trabalho uns seis meses, cinco a seis meses só porque realmente assusta um pouco, você tem um pouco de medo, você ainda é jovem, 20 anos de idade você já ter que tirar a dor de uma pessoa. Então isso mexe um pouco, porque eu tirar a dor na odontologia implica em às vezes passar um pouco mais de dor. Vocês sabem qual que é a dor de dente, então você vai no dentista você sofre mais do que está chegando antes.
P/1 – Que idade você tinha quando você fez isso?
R – Tinha nesse 20 anos. Eu entrei na faculdade com 19 e aí já foi no segundo ano de faculdade já, logo quando eu tava aprendendo os primeiros passos da odontologia já entrei nessa daí também.
P/1 – Você lembra qual que era a igreja ou a comunidade?
R – Olha, eu não lembro. Eu me lembro de ser uma igreja católica, com certeza, e o local que era na estrada pra Sertãozinho. Eu lembro perfeitamente porque uma das coisas que mais me assustou nessa época foi quando eu saí e eu vi um atropelamento na estrada de uma criança que estava indo. Então, quer dizer, é uma coisa que pra mim marcou muito também porque ela estava ido atravessando a estrada. Então eu me lembro da igreja ser próxima e ela atravessando a estrada. Então é uma cena muito marcante também.
P/1 – Eu queria saber dessa primeira experiência com atendimentos com crianças se teve alguma criança ou algum atendimento que tenha te marcado também, uma história que você tenha vivido.
R – Então, na verdade eu tive uma experiência com criança não nessa, mas aí já um pouquinho mais pra frente, como é uma história engraçada eu acho que vale a pena. Foi uma das primeiras vezes que eu estava também atendendo e eu dei uma anestesia, e a criança também era uma das primeiras vezes que estava sendo tratada e nunca tinha levado uma anestesia. Aí quando ela está levando a anestesia você sabe que dá aquele formigamento, amortecimento e uma sensação de inchaço. Aí eu brinquei, era uma menina toda vaidosa, uma garota toda novinha, mas vaidosa, eu falei: “Nossa, você está parecendo que tem uma batata na boca de tão grande”. Ela nem quis eu ouvir falar que era brincadeira ela já levantou correndo da cadeira e saiu correndo: “Eu estou feia, eu estou feia”. E saiu na rua e eu com o espelho correndo atrás dela pra falar que era mentira, falei: “Não, eu estou brincando com você. Olha aqui, você está normal”. Então foi muito engraçado, nunca mais eu brinquei com isso, da minha vida profissional eu nunca mais. Mas foi logo também quando eu comecei a atender crianças carentes também, que daí já tava mais pra frente, mas eu tive essa experiência.
P/1 – E você lembra assim de um momento nesse começo de carreira também que tenha sido um desafio profissional, um momento difícil?
R – É assim, na verdade logo no começo de profissão eu fui trabalhar na Siemens junto com uma clínica de dentistas que atendiam na Siemens. O que acontece? Todos os que estavam ali tinham pelo menos dez anos de profissão e eu recém-formado mesmo. Eu me formei em dezembro, no dia 26, e comecei a trabalhar quatro de janeiro na Siemens. Então eu não tinha nem começado a minha vida, estava começando a minha vida profissional. E trabalhar junto com profissionais já experientes, tudo, tinha o lado muito bom, que eles poderiam me auxiliar, mas tinha um lado que eles faziam: “Se vira. Nós estamos ocupados e você tem que... Porque a gente sabe fazer isso. Ah, você não sabe? Você vai aprender”. Então eu era jogado muito com casos muito complicados, que na época eram muito difíceis, entendeu? E eu sempre tive um pouco de medo, nessa época você tem medo até de extrair um dente, fazer um tratamento de canal, e você tinha o exemplo e aí esse exemplo era um exemplo um pouco intimidatório. Você tem ali dez, cinco profissionais, todos profissionais já de muito tempo, e eu não posso ficar atrás, sabe? E a agenda era distribuída aleatoriamente. Então muitos pacientes meio que me desafiavam: “Olha, eu já passei com o doutor Fulano de tal, agora eu estou com você.” “Ah, tá bom. Muito obrigado tal”. Então foi um desafio. Realmente era, trabalhar com pessoas experientes logo de recém-formado foi um desafio pra mim.
P/1 – Você se lembra de um caso específico dessa experiência?
R – Olha, eu lembro foi um caso de uma senhora que ela já tinha feito umas quatro, cinco dentaduras, inclusive naquela clínica e não dava certo. Eu falei: “Não é possível que vai cair justo comigo, vou ter que fazer uma dentadura nova pra senhora”. E caiu justo comigo pra eu ter que fazer esse trabalho. Ou seja, você fazer uma dentadura hoje, eu com 29 anos de profissão já acho uma coisa difícil, você imagina com nove dias de profissão você já tem uma dentadura pra fazer. Então eu sei que eu sofri, mas foi perfeito. Eu perdi a noite de sono, chegava em casa não dormia pensando em dentadura. Acordava pensando em dentadura, o que eu vou fazer com essa dentadura. Mas pelo meu pai ser dentista, ele começou a me dar dicas. Eu não trabalhava com ele nessa época ainda, eu trabalhava só na Siemens, mas ele começou a passar e aos poucos eu terminei essa prótese dessa senhora e eu acredito que foi a última das cinco que ela já fez antes, porque ficou tão boa que no fim ela gostou. Mas eu nunca pensei que sonhar com dente eu ia sonhar tanto como foi nessa época aí.
P/1 – A Siemens foi o seu primeiro trabalho remunerado?
R – Primeiro trabalho remunerado, sem dúvida. Ali eu tive uma experiência muito legal, carteira assinada, salário. Tanto é que era uma experiência que você não queria abrir mão. Mesmo depois de uns anos que eu fiquei lá, eu percebi que estava na hora de abrir mão, mas você tem aquela coisa da segurança, né? Tanto é que aqueles outros dentistas de dez, 15 anos que estavam ali também passavam essa falsa segurança, porque eles também não queriam abrir mão daquele trabalho. Também eu acho que foi pra minha vida profissional a melhor fase quando eu abri mão deles e aí é que eu fiz o meu consultório particular, que eu comecei a desenvolver outras coisas e eu via aqueles meus amigos de dez anos formados ficarem 15, quase 20 anos trabalhando no mesmo local, na mesma profissão e o meu foi dando saltos muito maiores, no consultório particular.
P/1 – Quantos anos você ficou na Siemens?
R – Eu fiquei quatro anos na Siemens.
P/1 – E você lembra o que você fez com os seus primeiros salários, se você comprou alguma coisa que você queria?
R – Eu lembro perfeitamente. Eu lembro que eu convidei o meu pai, minha mãe, minha irmã, o namorado da minha irmã, não vou esquecer porque foi o namorado da minha, eu não mereço, mas tudo bem. Foi o namorado da minha irmã, o meu irmão e eu quis pagar um jantar pra eles num restaurante japonês famoso que era Suntory que se chamava, ali nos Jardins. Enfim, eu levei e foi mais do que meu salário e eu não tinha condição e eu fiquei com vergonha, meu pai na hora que viu a conta ele falou: “Eu te ajudo.” “Pai, por favor. Eu pego o meu salário do mês que vem e depois eu te ajudo a pagar.” Tá bom, mas eu nunca vou me esquecer que uma conta de um restaurante ficou um salário de um mês de trabalho. Depois nunca mais fiz comemorações, não.
P/1 – Nessa época quando você voltou de Ribeirão você voltou a morar na casa dos seus pais?
R – Voltei por pouco tempo. Eu fiquei de seis meses a um ano na casa dos meus pais até eu encontrar um apartamento pra mim. Isso foi muito interessante porque os meus pais também moraram fora. Enquanto estudantes meu pai veio fazer faculdade, meu pai fez faculdade de Odontologia em Araraquara, ele era de Barretos. Então ele fez república em Araraquara, viveu vida de estudante. Minha mãe era de Barretos, veio fazer na PUC em São Paulo. Então viveu república, viveu tudo. Eles sempre incentivaram a gente também a estudar fora. Quando eu voltei de formado eu logo, não que eu não me ambientava, pelo contrário, como eu te falei pai te dá a chave, pode voltar a hora que quiser, o quarto está aqui, a roupa está lavada em cima da sua cama. Mas eu não me sentia mais à vontade, então eu queria ter o meu e o meu pai me ajudou. No caso na época eu fui procurar, procurar, procurar, ao invés de alugar eu achei um apartamento tipo quitinete, um estúdiozinho pra comprar mesmo. Comprei esse apartamento, dei uma entrada e com o meu salário eu pagava, o meu pai pagou a entrada. Aí eu fui pagando pra ele, com o passar dos anos eu quitei a minha parte com o meu pai e aí fiquei 20 anos pagando essa quitinetezinha, paguei financiamento 20 anos bonitinho.
P/1 – Nesse meio tempo eu queria entender um pouco assim, quando é que você se casa com a sua...
R – Com a minha namorada.
P/1 – É. Com a sua namorada que é atualmente a sua esposa. Vocês ficam quanto tempo de namoro?
R – Então a gente ficou assim, de namoro cinco anos. Por cinco anos ela morava, eu morava nesse apartamento meu, pequenininho, e ela morava também, ela era farmacêutica, estava morando em São Paulo. Coincidentemente arrumou um emprego também em São Paulo na Merck, depois foi pra outras indústrias farmacêuticas e ela morava na Vila Mariana. Só que o que acontecia, era muito engraçado porque chegava quarta, quinta e sexta eu ia pro dela. Na segunda, terça e quarta ela vinha pro meu. Então, sabe, começava a fazer uma coisa assim, duas escovas de dente. Quando que nós resolvemos casar? Na verdade é engraçado que até hoje nós não casamos em igreja, nada disso. A gente vive junto desde essa época, quando eu chamei o marceneiro pra aumentar o armário de cá. Aí isso foi o pedido de casamento, falei: “Inclusive esse é o marceneiro, estou aumentando...” “Oh, meu Deus, que bom”. Então aí a gente passou a morar juntos quando o marceneiro aumentou o armário, senão não dava porque não cabia, não tinha onde colocar a roupa dela. Então aí nesse... Isso cinco anos depois que a gente se formou, foi em 91 que a gente começou a morar junto mesmo.
P/1 – E aí ela foi morar contigo?
R – Aí ela foi morar comigo. Exatamente. Ela foi morar comigo nesse pequenininho. Nós ficamos nesse apartamento mais uns cinco, seis anos, morando nesse apartamento que era muito gostoso. A gente dividia a sala com a bicicleta dos dois, que não tinha jeito, tinha que dividir e quando iam amigos dormir em casa era ótimo porque um tinha que dormir no chão da cozinha, outro no chão da sala, outro no chão do intervalo entre a sala e o quarto. Então era muito bom.
P/1 – Vocês ficaram cinco anos mais.
R – Cinco anos.
P/1 – E aí essa sua experiência com o trabalho voluntário, Luiz, ela é depois disso? Em que momento que isso... Ou não, começa na faculdade com essa experiência da comunidade da igreja e continua a partir dali?
R – Não.
P/1 – Como é que é essa história?
R – Então, aí vem uma mudança muito grande na minha vida que foi quando eu comecei a, logo depois de formado eu também comecei a estudar Filosofia. Eu comecei a fazer cursos de Filosofia na Associação Palas Athenas que fui apresentado e eu fui estudando e fui fazendo curso de Kant a Platão, passando por hinduísmo, passando por várias coisas e estudando, estudando. Até um momento, por volta do ano dois mil mais ou menos, em que eu vi que todo esse estudo não tava migrando pra nada a não ser pra mim próprio. Então aquilo tava ficando, toda aquela culturização, aquela coisa, tudo dentro sem ação e cada vez mais claro ficava de que não serve pra nada, não vai te trazer nada a mais se você não por isso pra prática pra outras pessoas. E aí dentro da própria Palas Athena eu comecei a fazer alguns trabalhos: “Luiz, você não gostaria de falar sobre esse tema na escola, no CEU ou na escola pública?”. Aí eu ia, dava uma palestrinha, sabe? Nisso eu fui começando a falar e fazer trabalho voluntário e cada vez foi aumentando, e cada vez eu fui me aprofundando em temas mais específicos sempre ligado, no caso, eu sempre gostei de trabalhar muito cultura de paz. Então nos temas que eu procurava fazer esses trabalhos voluntários eram sempre embasados nos ideais de Martin Luther King, nos ideais de Gandhi. Então eu criei uns projetos pessoais pra aplicar isso, porque eu comecei a não acreditar muito de que o aprendizado tem que ser pra você, o aprendizado é só um veículo. Eu tinha desde a época da educação física, que eu prestei, eu sempre tive uma coisa de professor. Então eu comecei a fazer, professorar–me em fazer isso daí, tornar uma coisa prática e voluntária, nunca deixe de abrir mão de ser um trabalho voluntário. O trabalho remunerado que eventualmente me chamavam, de alguma forma eu fazia drenar essa remuneração pra algo maior, mais em 95% do trabalho que eu faço até hoje, em outras áreas que eu faço, é voluntário.
P/1 – E como é que você conheceu a Palas Athena e como é que surgiu, como é que você identifica que começou a surgir esse seu interesse por estudar filosofia? O que te motivou nesse sentido e como é que você chegou até a Palas Athena?
R – Por isso que eu falo que o momento talvez mais importante da minha vida tenha sido morar em Ribeirão Preto, república. Porque um dos meus amigos de república, de Bauru, mas ele já era assim eu diria espiritualmente evoluído, sabe? Ele já era um cara que tava mais ligado, enquanto eu estava pensando em coisas banais ele já tinha todo um envolvimento e ele me falou, logo depois que a gente tava se formando ele falou: “Luiz, você tem que conhecer a Palas Athena, que lá você vai estar”. Porque era um momento que coincidentemente voltou muito forte aquela minha interiorização de infância. Aquela coisa tímida, introspectiva voltou nessa época pra tentar descobrir esse Luiz melhor, posicionar-me como que, porque o certo e o errado e a Palas foi uma fonte inesgotável até hoje pra te esclarecer as três perguntinhas básicas, quem somos, da onde viemos, o que vamos ser. Então isso tudo fez com que esse meu envolvimento de filosofia foi o questionamento e foi orientado justamente por um amigo comum de república que foi me levando pra Palas Athena.
P/1 – Explica pra gente um pouco assim em linhas gerais qual que é o trabalho da Palas Athena.
R – A Palas Athena na verdade tem 35 já ou mais, 38 anos de existência e no começo era uma escola, praticamente um centro de estudos filosóficos. Era um local pra se estudar filosofia. E é engraçado que a própria Palas Athena em que você ia, que eu ia 20 e poucos anos, 28 anos atrás, a gente ia pra estudar filosofia, ela também foi evoluindo junto. De um centro de estudos filosóficos ela passou a trabalhar com projetos sociais muito grandes. O envolvimento hoje da Palas Athena, 28 anos depois, é praticamente em 68 projetos que a gente toca e fez e acontece, desde prefeitura no Pará até polícia militar com cultura de paz em São Bernardo do Campo. Então técnica de meditação pra médicos em Santo André. Então são projetos que acabaram crescendo porque a própria Palas Athena e nós membros dela evoluímos pra nada do que essa filosofia tem que dar que não tenha que ser retribuída pras pessoas, é só o veículo. E lá, principalmente por ser uma coisa muito não unicamente, por exemplo, ligada a uma religião, não era uma coisa ligada a religião católica ou budista, mas por transitar você relaxa todas as formas de julgamento, você relaxa todas as formas e você passa a aprender ouvindo muito mais. No que ouvir você respeita o outro, no que você respeitou você age melhor. Então a Palas Athena foi, hoje ela não é mais um centro de estudo filosófico somente, ela é uma ONG famosíssima, uma ONG premiada, uma ONG correta, porque a gente fala em ONG a gente tem um pouquinho de, né? É uma ONG corretíssima em que você tem desde uma editora, que a gente edita livros do Dalai Lama, trouxemos o Dalai Lama, quem traz o Dalai Lama para o Brasil todas as vezes é a Palas Athena. Então fazemos palestras com personalidades. Ontem mesmo teve no Masp palestras, a gente faz cultura de paz, o século de cultura de paz, a Palas Athena que organiza junto com a Unesco. Trabalhamos junto com várias entidades internacionais. Então evoluiu. Evoluiu o Palas, evoluiu o Luiz e todos os membros dela. Não parou, porque a gente quando fala filosofia a gente sempre remete a uma coisa meio antiga, né? Nossa, aquela coisa de Platão, aquela coisa Sócrates, estagnada. E não. Realmente a gente evoluiu no sentido que somos só um veículo.
P/1 – E no seu contato assim, Luiz, com a filosofia, com todo esse conhecimento, esse estudo, queria saber se teve também um momento que tenha sido especialmente marcante assim. Uma descoberta sobre você, uma coisa que tenha feito um sentido especial, uma coisa que você tenha vivido que tenha sido forte.
R – Teve sim. Na verdade assim, eu monto, até eu ia mencionar, o ponto marcante de tudo isso é quando você descobre de que você precisa realmente passar isso adiante. Eu acho que é muito importante, eu vejo hoje estudantes de filosofia que ainda não perceberam isso, mas estão ali, estão no caminho. Eu tive uma coincidência também, com o nascimento do meu filho eu percebi que não poderia, eu poderia facilmente migrar pra um amor exclusivo à família, por um foco total no meu filho, aquela coisa do meu, né? Eu quero você o melhor filho. Não. Eu fiz exatamente o caminho contrário, o meu amor por você vai ser o meu amor por outras crianças, vai ser pela criança inclusive diferente de você, a carente mesmo, aquela que vai faltar. Então eu quero amar os outros como eu amo a você. Então nesse momento especial o meu salto da filosofia saiu pro salto prático e aí eu consegui passar pra essas crianças, que hoje eu trabalho principalmente com crianças, justamente essa importância de que mesmo eles, eles vão ser veículo. Então, por exemplo, falam pra mim: “Poxa, Luiz, por que você trabalha na Fundação Casa? Esses jovens não têm jeito. Essa molecada não tem jeito”. Mas até hoje quando eu vou numa palestra em uma unidade, quando eu vou falar sobre Gandhi em uma unidade da Fundação Casa eu vejo ali uma criança de 13 anos, eu vou lembrar do meu filho que há 13 anos eu pensei exatamente nisso, eu falei: “Eu estou há 13 anos batalhando essa justiça, esse amor distribuído”. E eles percebem, é impressionante, eles percebem. Então eles levam dali uma mensagem de Gandhi que eu passo na mesma equalidade, na mesma coisa que eu falo pro meu filho e pros meus sobrinhos eu vou passar pra eles. Quando você entra numa unidade de Fundação Casa você só vê uma coisa, são crianças.
P/1 – Eu queria que você contasse pra gente, se você lembrar agora, uma dessas experiências, uma vivência, um episódio com a Fundação Casa que tenha sido também marcante pra você assim, pra gente poder visualizar um pouco esse trabalho, entender essa interação sua com as crianças.
R – Olha só que experiência incrível. Eu tinha ido numa Fundação Casa na unidade Itaquera e durante a palestra, eu lembro que foi uma palestra muito difícil, os meninos tinham acabado de sair de uma rebeliãozinha, uma coisa assim, então tava um clima um pouco bélico e eu insisti, eu insisto sempre, né? Porque falar Gandhi você tem que insistir, depois ele faz luz, mas no início você tem que insistir. E aí eu subia na mesa, eu andava de um lado pro outro e os recursos sempre foram muito pequenos pra falar de Gandhi, era uma televisão, hoje graças a Deus as coisas melhoraram muito, eles recebem o trabalho de Gandhi com telão, sabe? Já me oferecem muito mais recursos. Mas era a televisão, o filme do Gandhi com alguns trechos que eu selecionei e falando, falando. O foco não é atingir a todos, não tenho essa pretensão, mas no final eu vi dois olhinhos assim, dois, três brilhando muito e um dos garotos veio pra mim e falou: “Poxa, tio, que legal. Esse Gandhi fez isso...”. E começou a perguntar. Fez, aí tal, e como é que foi isso? Foi isso. E nisso esse garoto se mostrou muito especial e eu tenho, a gente costuma ir com a biografia do Gandhi que é um livro Autobiografia do Gandhi, que é editado inclusive pela Palas Athena editora. E aí tinha lá, eu cheguei pra diretora, falei: “Isso aqui fica pra vocês”. Hoje a gente já também sempre dá um livro pra unidade. Enfim, foi ótimo. Saí satisfeito, percebi aquela criança. Seis meses depois eu estou indo com a condução da Fundação Casa pra uma unidade outra no Brás, quando tem uma funcionária fala: “Você não é o Luiz do Gandhi?” “Sou, tal.” “Nossa, eu sou diretora, fui diretora da unidade Itaquera.” “Ah, então.” “Puxa, Luiz, eu queria te falar, lembra aquele garoto no final da palestra que falou com você?” “Lógico que eu lembro, ele ficou super interessado e tal.” “Pois aquele garoto saiu da unidade e na hora que ele saiu ele escreveu uma carta e na carta ele fala de um dia um homem veio e mudou a vida dele”. E nesse dia eles acompanharam, esse garoto até hoje é um menino perfeito e ele nesse momento mostrou todo o efeito de que é você tentar não apagar o incêndio de uma floresta, mas levar a gotinha. Então foi uma cena muito marcante, eu me emociono ao falar disso, mas nesse dia da Kombi, que era uma Kombi, eu comecei a chorar no meio da Kombi, todo mundo: “Calma, Luiz, não, desculpa, tal”. Mas é impressionante realmente porque nenhum trabalho é mensurado com o resultado do que você muda, mas um que muda é um que já fez a diferença.
P/1 – Além da Fundação Casa, Luiz, você também atua em outros locais, em outras organizações, instituições?
R – Sim. Eu tenho feito, por exemplo, eu fiz vários projetos ligados a cultura de paz. Então desde projetos como, por exemplo, CEU, Semana Gandhi, em que eu vou pra escolas públicas falar, mostrar vídeo também de Gandhi, mas também falo de Martin Luther King em outros projetos também. E atualmente eu faço um trabalho junto ao EJA que é essa antigo Mobral misturado com supletivo em que também montei um projeto, junto com a ajuda da Palas, que a Palas incentiva muito esse trabalho, um projeto voluntário em que eu dou uma aula mensal pra esses idosos, pra essas pessoas mais velhas, que eu escolho um tema de filosofia, um tema da vida, do cotidiano pra falar pra eles naquela horinha e meia que eu fico com eles. Então são temas muito interessantes, eu escolho felicidade, eu escolho temas como o belo, viver e o morrer, temas como política, agora véspera de eleição eu falei sobre ética e política. Temas como permanência, educação. Então cada mês, como esses meus alunos falam, cada vez eu falo pra alma deles alguma coisa, aí eles vão sendo tocados pra criar um pouco de diferenças, pra você não ficar sempre só pensando que estudar matemática é o mais importante, que aprender a escrever bem é o mais importante. Então eu fiz esse contraponto quando eu levei esse projeto pro EJA, eu fiz esse contraponto, eles precisam pensar de coração um pouco do que só achar que a vida vai precisar de resultados. Porque você estudar matemática, português, você está sempre visando um salário melhor. É óbvio que isso é importante, mas eu queria que eles fizessem o contraponto do humano também.
P/1 – E como é que eles recebem, esse público do EJA, como é que é a reação deles a esse conteúdo que você leva?
R – É incrível. É incrível. Eu realmente fique impressionado porque, por exemplo, você falar pro adolescente é uma coisa... Pra criança e adolescente eles naturalmente ainda não têm pontos de vistas tão fortes. Agora você, por exemplo, falar pra uma pessoa de 60 anos ou mesmo 30 anos de idade, ele já tem muito ponto de vista, ele já tem posições, então você ter que falar pra ele que a felicidade pode ser o oposto do que ele está fazendo, ele vai ter posições. Então quando eu vi que eu quebrei muitos paradigmas deles e que eu via neles não o olhar daquela criança, o olhar de: “Nossa”. Não. É o contrário. Eles olhavam como se tivessem olhando: “Vish, que caminho que eu tava? Que barca furada. Agora que existe essa...”. Então eles receberam muito bem. Aí uma vez que eu percebi que estava indo no caminho certo foi quando eu não pude ir num mês, que eu faço uma vez por mês, e aí todos escreveram depois e-mail, não sei o que, tal: “Professor da alma não veio, professor da alma...”. Achei muito interessante. Então é um jeito de fazer um trabalho e eles perceberem de que aquilo é importante. No começo era uma atração, depois virou fundamental. Eu percebo que hoje eles querem ouvir coisas mais profundas.
P/1 – E essa história de o professor da alma da onde surgiu isso? Por que eles te chamam assim?
R – Na verdade porque todos os professores falam coisas práticas e o único que... Numa das primeiras palestras eu trabalhei o tema de alma também, eu trabalhei o tema, poxa vida, Onde estamos, o que nos leva, aonde nos leva, será que nós estamos fazendo isso. Então em permanência, toda essa coisa, então eu trabalhei e aí eles, a gente vive tão racionalmente, a vida é tão racional que praticamente o corpo é separado de alma, volta essa dicotomia, né? E pra eles é muito nítido, então ninguém fala pra esse outro ladinho que eles até esquecem, que pensa que é só religião, que eu quis mostrar pra eles que alma não tem essa visão religiosa ligada ao cristianismo ou ligada a qualquer coisa. Não. É outro ser deles que eles não estão trabalhando, então daí que brincam de falar de professor que fala pra esse outro aqui.
P/1 – E tem algum aluno do EJA ou algum episódio também que tenha sido mais significativo pra você?
R – Olha, lá são muitos alunos. Eu trabalho com cerca de cem, de 80 a 120 numa palestra que eu faço lá. Mas assim, especificamente teve uma coisa muito engraçada, a empregada da minha irmã vai no EJA então é tão engraçado porque eu já encontro, convivo na casa da minha irmã, encontro com ela. E aí eu percebi uma mudança nela, sabe? Tipo assim, apesar de ela ouvir, a minha irmã já comentou, então eu pude mensurar um pouquinho pelo dia a dia de ver como que a empregada da minha irmã começa a ter uma atitude mais de valorizar o ser humano, menos a posse, menos esse mercantismo, essas coisas. E ela refletiu, passou a falar pra minha irmã, minha irmã comentava comigo e às vezes eu percebia isso. Então eu tive um contato próximo durante esse ano inteiro das minhas palestras ver nela, na empregada da minha irmã, uma evoluçãozinha nesse sentido.
P/1 – E aí você fala de mudanças, mas essas mudanças são assim em termos de atitude? Como é que você sente essa transformação?
R – Valores. Valores, né? Eu acho que assim, tudo que eu tento passar pra eles são valores. O que você está dando valor, o que você não está dando valor. Porque, por exemplo, você tem medo de falar sobre a morte, será que você está vivendo apegado a posses? Então toda essa parte, porque eu parto do princípio bem gandiano, sabe, tipo assim, de que adianta você importar o desejo de felicidade que existe nos Estados Unidos? Sabe? Aquilo é um desejo pra quem tem dinheiro, é um desejo pra quem tem posse. A felicidade pra mim é ter isso e ter aquilo, então eu tento trabalhar como a gente nunca vai ser feliz se a gente for precisar disso porque você é pobre. Não dá. Muda o seu foco, você vai ver que vai ser feliz mais fácil. Se você for depender... Então essa mudança de valores é que eu consigo perceber, sabe? Pra que você vai trabalhar feito louca de empregada doméstica só pra trocar o celular? Então essas mudanças de valores é que eu pude notar e ela mencionar. Nada do que eu faço, nada do que eu quero eu não quero que passe do micro, eu quero que ela passe pra família, filho, marido e ali do filho vai passar pro primo, o marido vai passar pra cunhada e é assim, só isso que eu queria. Eu não quero que ninguém saia dali pra fazer palestra pro bairro dele. Não. Chama que eu vou. Mas no micro é você que tem responsabilidade, pelo seu filho é você que vai passar. Então é isso que eu acho legal, é você passar para o primeiro, pelo próximo mesmo.
P/1 – Eu queria retomar a questão do nascimento do seu filho, saber assim quando é que vocês ficaram grávidos e como é que foi essa notícia, como é que foi esse momento na sua vida.
R – Isso, nossa, foi incrível. Incrível porque assim, eu sempre fui, eu e a Merciana a gente viajava muito. Gosto muito de viajar, experiências incríveis, pra mim uma parte marcante, por exemplo, da minha vida foi quando eu fui pra Ásia na Índia a primeira vez, fiquei 40 dias pela Índia sozinho e aí fiquei em templos, fiquei com Dalai Lama em Dharamsala. E aí eu fui fazendo... Então viagens pra mim são experiências, experiência é a vida. E a Merciana divide esse mesmo pensamento. Então durante muitos anos a gente não pensava em filhos, pensava em viajar, voltava de uma e já planejava a próxima. Então eram quatro meses planejando pra daí três meses viajar, quando você vê passou um ano, passou um ano, duas viagens, o outro ano duas viagens. Então nisso se passou muito. Quando resolvemos ter filhos, ela já tinha 32, eu também tinha meus 35, então está ótimo, não sei o que, tal. E aí vieram as dificuldades que a gente não sabia. Ela tinha problema e eu também, a gente não sabia e tivemos cinco experiências de aborto pra ter um filho. Então isso foram anos de tratamento, anos de sofrimento, anos de busca, mas não desistimos. Em nenhum momento também partimos pra falar: “Não. Precisamos fazer as inseminações”. Não. a gente achou que ia ter o jeito, sabe, o tratamento teria que ser mais natural do que radical até que aconteceu. E foi muito interessante que foi a sexta gravidez dela que deu certo e nessa gravidez, quando o Diego nasceu, a gente ouviu uma vez de um ser aí, um ser iluminado, que ele falou pra nós, que falou: “Ele é o mesmo. Ele insistiu as cinco vezes, tá? Então não pensem que é um novo, não. Ele está ali batendo na porta porque ele queria vocês”. Então ele foi uma criança, ele é uma criança muito amada e ele é muito amoroso, muito. Eu não conheço uma criança que seja mais amorosa naturalmente, de paz e amorosa. Então eu acho que ele veio mesmo, ele escolheu mesmo, aquela coisa que eu vou, são vocês dois aí, preparem-se, não vai ser dessa vez, não desiste que eu estou batendo aí. Então ele é uma criança muito amorosa, o Diego, é incrível, um menino incrível.
P/1 – E você acompanhou o parto, Luiz?
R – Sim.
P/1 – Como é que foi essa experiência?
R – Foi incrível também. Porque assim, o parto em si, o momento do parto você fica assim sem saber se você tira a fotografia, olha o relógio ou chora. Então você tinha três, quatro situações pra falar agora eu choro, precisa fotografar e precisa ver a hora. Nossa Senhora, então o instante do parto eu nem acho que seja tão mágico. Pra mim o momento mais mágico foi quando eles tiraram o bebê, o Diego, e depois que colocaram o bebê na Merciana, no peito, logo em seguida daí eles tiraram. E enquanto vai fazendo, era cesárea, eles levam o Diego pra outro quarto e aí vai só o pai. E aí eu fiquei sozinho, não tinha ninguém, era quatro horas da manhã, eu fiquei sozinho com o meu primeiro contato, ele recém-nascido, e daí nós tivemos o primeiro diálogo, foi aquela coisa incrível. Então aí eu me apresentei, ali eu mostrei quem eu era. Incrível. E depois volta pra mãe, mas é muito incrível, realmente o nascimento foi um momento bem mágico mesmo.
P/1 – E como é que é ser pai assim? O que isso mudou na sua vida? Como é que é a experiência da paternidade?
R – É uma experiência eu acho... Eu não vou falar porque eu acho que tem um ser humano, cada um é um ser humano, então é que nem você falar que toda mulher tem que ser mãe, isso é uma redundância, não é, e todo homem tem que ser pai. Mas é uma experiência incrível e é uma experiência assim de exercer, porque é fácil ser pai, mas continuar pai, você tem que exercer diário, sabe? E é uma coisa que é a todo instante. Então pra mim é a experiência mais incrível de todas. Tudo que permeia, eu brinco assim que na vida existe só um momento pra mim, veja que é uma redundância isso que eu falei, não é pra todos, mas pra mim só existe um grande momento na vida que foi o nascimento do Diego, porque ali se fez sentido todo o meu passado inteiro. Por que eu fui estudar em Ribeirão Preto? Por que eu não passei na faculdade aqui? Por que eu não tropecei naquela pedra que eu não poderia ter visto a namorada no ônibus? E aí vai culminar no nascimento. Aí vem outro ser e aí vai determinar a outra fase, que é a fase em que você já não é mais sozinho, algo está preso pro resto da eternidade a você. Então esse momento pra mim é determinante que é o ser o pai mesmo. Você perguntou o que é ser pai, simplesmente é o momento que marca, pra mim, marcou a vida porque o passado e o futuro fazem “fsh”, enxugam-se ali naquele momento e a responsabilidade do ser pai, eu não tenho esse peso porque pra mim é natural. Ser pai é estar presente, ser pai é amar, ele não vê a hora de ir pra Fundação Casa comigo, eu falei: “Calma, mais um ou dois anos você vai...” “Pai, eu quero falar de Gandhi com você”. Então isso é ser pai, é você mostrar o que você gosta e o que você faz e ele também adquirir isso daí, você tá ali presente percebendo.
P/1 – Com quantos anos ele tá hoje?
R – Onze. Ele está com 11, adora esporte, é excelente nadador, já disputa campeonatos e tudo, estudioso e, como eu falei já, amoroso, muito carinhoso.
P/1 – Eu queria que você destacasse pra gente também uma experiência dessa viagem pra índia que você mencionou assim, uma vivência, uma experiência.
R – Eu acho que assim são pontos marcantes no meu ser humano, o lance do pai é incrível, mas a viagem pra Índia, por exemplo, foi talvez como indivíduo, o Luiz, uma das mais incríveis também. Porque ali eu tive contato, eu fui mesmo em busca. Ao mesmo tempo em que eu não fui com nada, porque eu comprei o Lonely Planet no avião, no aeroporto, eu não sabia o que eu ia fazer na Índia. Eu fui pra Índia. Então lá eu fui escolher, eu não tinha data de volta no voo, era uma passagem só de ida e só a primeira cidade, que era Nova Deli. E ali nem hotel, nem nada. Então tudo se foi construindo durante a viagem e cada dia era uma experiência incrível até que culminou numa cidade que chama Pushkar, que é uma cidade num deserto praticamente na Índia em que é um oásis e você tem um lago sagrado, é uma cidade sagrada de Brahma também. E nesse dia eu estava maravilhado com aquela cidade, mas eu já tava indo embora. Eu tava na rodoviária pra pegar o ônibus pra ir pra outra cidade e aí senta um guru praticamente do meu lado, aquela pessoa totalmente sagrada, um monge do meu lado, não fala nada, eu fico ali, não falo nada até que um momento ele falou: “Por que você está indo embora?”. E ele começa uma conversa comigo, falei: “Não, porque eu quero ir pra outra cidade.” “Por que não te completa aqui?”. Aí ele começou só com perguntas muito profundas, muito profundas e que me fez enquanto o ônibus não chegava fazer reflexões incríveis. Aí ele fez uma proposta no final, ele falou: “Fica mais uns dias comigo. Te espero...” me apontou a casa dele na beira do lago, do outro lado do lago, falou: “A minha casa é aquela casa lá. Eu te espero amanhã às sete horas da manhã, nós vamos fazer ioga na frente da minha casa e a gente vai conversar mais, tá bom?” “Tá bom”. E eu fiquei mais cinco dias, que era pra eu ir embora, e aquilo foi uma experiência incrível a ponto de eu ir pra um telefone público, que só tinha um na cidade lá, peguei o telefone e eu ia ligar pra cá pra falar pra minha namorada, no caso era a Merciana, pra ligar pra minha mãe pra falar que eu não ia mais voltar, que eu ia ficar uns seis meses. Eu ia ficar no mínimo seis meses. Eu segurei aquele telefone, foi um dos momentos mais mágicos da minha vida em que eu não liguei, porque eu me lembro de um mito... Desculpa se eu estou me alongando muito.
P/1 – Não. Tá ótimo.
R – Nesse momento eu me lembrei de um mito de Ariadne, praticamente do fio de Ariadne em que ela quer seguir pro céu, ela quer descobrir onde moram os deuses. E aí ela vai seguindo, vai seguindo, aquilo é a vida, aquilo é o fundamento da vida dela até que ela chega no céu e quando ela encosta os deuses falam pra ela: “Você descobriu o caminho, mas aqui é lugar dos deuses. Então você volta pra terra porque é lá que você vive”. Basicamente isso. Não é bem assim o conto, mas é isso que eu senti. Eu estava num momento tão mágico nesse dia, tão incrível e aí eu parei pra pensar: “Não. Não é aqui. Eu tenho é que justamente voltar”. É aí que surge um Luiz mais profundo, que é aí que surge o Luiz com vontade de passar adiante as experiências que eu estava vivendo, que eu estava estudando, não era só eu, eu era um veículo. Então foi nesse momento que eu queria ser deus, aí eu voltei rapidinho pra terra. Então esse é momento da viagem pra Índia e por isso que eu voltei tantas vezes pra Ásia depois, eu já fui umas três, quatro vezes pra Ásia porque lá você tem o contato com religiões, com cultura muito diferente. Então ali você percebe por que é oriente e ocidente, né, essa divisão tão grande e você aprende a ver hinduísmo, budismo, islamismo, como eu tive contato bastante também. Você vê todas essas outras culturas que te levam pra um universo absolutamente diferente do nosso universozinho, na minha opinião um pouquinho mais enxuto de um mundo metade de um ocidente praticamente num pensamento único e lá você tem diversidades enormes de pensamento. Aí eu voltei pro Brasil, fiquei mais uns 30 dias por lá pela Índia, fiz outras experiências incríveis, poderia fazer um livro aqui de experiências lá, rapidinho vou contar mais uma.
P/1 – Conta. Pode ir, não precisa ter pressa, não. Pode contar no seu ritmo.
R – Era só uma última experiência da Índia, foi quando eu estava de bicicleta, eu sempre que vou pra um lugar, desde 20 anos, mais, eu procuro achar bicicletas, porque pra mim é o meio de transporte que eu uso até hoje, até falar mais sobre isso posso falar. Mas na Índia eu achei e aí eu tava numa cidade de Jaisalmer, fronteira com o Paquistão, deserto. Peguei uma bicicleta e fui pro deserto. Deserto, deserto, deserto, até que fura o pneu da bicicleta, o da frente e o de trás, naqueles espinhos de deserto e volta, tem que voltar pra cidade, o dia vai escurecer e eu vejo um templo pequenininho no alto de uma duna de uma montanha. E aí quando eu chego cansado eu largo a bicicleta e subo as escadarias do templo e o templo era como se fosse uma capelazinha minúscula, né? Aí eu estava tão cansado que eu já sentei, tinha um alpendre grande assim e eu deitei e dei uma cochilada eu acho que de uns dois minutos. No que eu acordei tinha um prato de comida. Juro-te, não é mentira. Tinha um prato de comida quentinho na minha frente, colocado do lado ali no alpendre. Eu fiquei estático assim, fiquei impressionado, mas na primeira reação, eu não sei se era porque... Foi realmente comer, agradecer ao nada. Depois eu fiquei muito curioso, falei: “Mágica não existe assim”. E aí existia um monge que vivia atrás desse templo, uma micro cozinha, e que ele só fazia isso, ele vivia pra cuidar daquele templo e cozinhar pra se viesse alguém. Então isso é um hábito muito comum dentro do hinduísmo, Krishna, todos eles têm. Então eu falei, gente, a Índia é repleta dessas experiências. É incrível. A Índia é repleta dessas experiências. Daí eu comi, agradeci o monge, peguei a bicicleta de pneu furado mesmo, voltei de barriga cheia, cheguei a cidade à noite, entreguei a bicicleta destruída, tadinha, mas foi uma experiência incrível.
P/1 – E essa sua relação com a bicicleta, Luiz? Conta um pouco pra gente quando é que começa isso e como é que isso continua na sua vida.
R – Então, eu acho que é muito de viajar também que começou. Quando você vai, há 30 anos pra Holanda e você vê todo mundo andando de bicicleta, quando você vai há 35 anos pra Paris e um monte de gente andando, você começa a falar por que não? Por que não eu também? E eu sempre gostei de esporte, então no começo eu tinha bicicleta pra uso de esporte. Então praticava, fim de semana fazia trilha, pá, pá, pá, até que eu falei: “Mas eu tenho consultório e eu tenho chuveiro no consultório”. Aí eu tinha lugar pra fazer, coloca o chuveiro. Aí comecei a ir trabalhar de bicicleta. Eu chegava lá tinha a minha roupa branca bonitinha, tomava meu banho e nisso foram passando anos, aí você vai ampliando no consultório. Ah, mas eu dou aula na Fundação Casa. Por que não ir de bicicleta? Aí eu vou de bicicleta também. Ah, mas fica longe. Não tem problema. A gente vai, vai devagar, vai indo. E nisso hoje eu faço, aumentei, estendi um pouco mais essa coisa da bicicleta pra viajar também. E um dos meus hobbies preferidos é fotografia e durante um tempo eu estive em Madri e resolvi fazer um projeto sobre Dom Quixote, um projeto incrível porque eu me sentia um Dom Quixote na vida, estava na época de sonhos e tudo mais. E aí eu resolvi fazer o caminho de Dom Quixote, não é o caminho de Santiago, é fazer um caminho que Dom Quixote fez no livro do Cervantes. Então durante dez dias de bicicleta sozinho eu fingia que a minha lança era a minha câmara fotográfica e eu fui documentando as passagens do livro. Capitulo 23 ele está na cidadezinha, então eu ia praquela cidadezinha. Ali ele conheceu em El Toboso conheceu a Dulcinéia. Vamos pra conhecer a Dulcinéia. E aí eu fui fazendo essa peregrinação baseada no livro de Cervantes. E sempre com bicicleta. E aí eu passei a usar bicicleta pela França numa outra viagem, aí viajei, nessa pra Índia alugava bicicleta. Nisso fui fazendo em todos os lugares hoje que eu viajo, eu não fico mais usando carro, a gente aluga bicicleta. A minha esposa também gosta.
Eu filho é viciado em bicicleta também, então nós já estamos planejando pra o ano que vem fazer uma viagem de bicicleta os três. Ele já vai estar com 12 anos, aí já vai estar melhorzinho pra pegar estrada de bicicleta. Então bicicleta foi um hobby. Fui um ativista durante um tempo também de tentar convencer as pessoas do uso, realmente como a bicicleta pode ser bom pra corpo, pra cidade, cheguei a falar pras pessoas sobre isso. Hoje eu sou só um usuário, não falo mais nada sobre, mas eu acho que hoje está virando já uma coisa endêmica já. Já está crescendo demais. Só pra vir aqui hoje eu já cruzei com 15 ciclistas na rua pelo menos. Pelo menos ou mais.
P/1 – E como é que é se locomover de bicicleta em São Paulo? Como é que é essa experiência?
R – Olha, eu acho ótima experiência assim. Apesar de todos sofrerem críticas, a gente houve muito mais críticas, então de mim você vai ouvir muito mais elogios do que críticas, porque criticar é mais fácil. Mas eu acho que estão aprendendo. Está se aprendendo o motorista a respeitar, o ciclista a respeitar, é tudo uma evolução. Eu acho que quem vai usufruir disso vai ser o meu filho daqui cinco, seis anos, mas eu acho que cinco, seis anos pra isso é pouco. Eu acho que vai ser rápido. Uma coisa que está de massa mesmo, sabe? Então eu sinto que cinco anos atrás era zero praticamente, em cinco anos hoje eu vou trabalhar de manhã, eu já paro no farol já tem dois ciclistas. A gente ainda sofre porque não tem ciclovias, ciclofaixas, mas isso também não é fundamental. Na minha opinião hoje, porque nós não somos culturalmente nem somos tão fáceis de lidar com ciclovias ou ciclofaixas. Nós somos brasileiros, a gente vai querer subir na calçada, pegar contramão. Tem que ter esse cuidado, tem que ter essa educação, mas vai ser mais demorado. Agora, o hábito da bicicleta é uma coisa que está crescendo. Eu acho que assim, mais do que o uso correto está sendo o uso. Eles primeiro estão usando a bicicleta, fazendo um monte de besteira, você vê um monte de gente reclamando de ciclista e um monte de ciclista reclamando de carro, mas vão se adequar, vai se educar. Importante é sair do passeio de domingo pra uma tentativa de segunda-feira, de um passeio de domingo pra, ah, vou tentar então... Ligam. Até hoje tem vários pacientes que ligam pra mim: “Luiz, dá uma dica. Estou querendo ir trabalhar de bicicleta.” “Luiz, eu estou querendo ir fazer isso de bicicleta. O que você acha?”. Então eu acho que está tendo um movimento muito legal.
P/1 – Tá certo. Vou querer conversar um pouquinho agora então contigo sobre o Criança Esperança.
R – Por favor.
P/1 – Primeiro eu queria saber assim desde quando você conhece e como você conheceu o Criança Esperança e qual que é a relação do projeto com a Palas Athena.
R – Na verdade é assim, de conhecer o Criança Esperança eu conheço há bastante tempo. Logicamente como todo brasileiro é pela televisão mesmo, só aqueles eventos, festas em que você passa durante muitos anos da sua vida pensando que era só aquilo que era o Criança Esperança. Talvez seja aí uma sugestão pro Criança Esperança de aumentar o conhecimento das ações que o Criança Esperança tem que não é só o show do Criança Esperança. Então eu passei muito tempo pensando que era isso daí, mas eu não sabia que era muito maior. E como a Palas Athena sempre teve ligada a projetos... Sempre não. Como eu te falei, a gente evoluiu pra ser uma ONG que trabalha com assistência, cultura de paz, nós tivemos um convite, a Palas Athena mesmo pelo Criança Esperança pra fazer um projeto, um projeto específico em determinada escola. Na verdade eu não lembro, faz muito tempo já, se não me engano foi 2008, então eu não lembro especificamente o local, mas era pra desenvolver ali um plano de aplicação de cultura de paz. Então eles fizeram que nós da Palas Athena tivemos a carta branca do apoio do Criança Esperança pra escolher os temas, escolher os professores, o período, o período era mais ou menos pré-determinado, e colher os frutos disso. Então foi um projeto incrível porque enquanto eu estava indo pra falar sobre Gandhi, pra falar sobre os ideais de Martin Luther King, na outra semana tava indo outro pra falar de ética, pra falar de cultura de... E outro professor, então ficou uma corrente, um projeto incrível, muito bem descrito, muito bem desenhado e executado que nós fizemos em convide da Unesco e Criança Esperança. Porque somos parceiros, a Palas Athena é parceira da Unesco há muito anos e nesta parceria entrou esse convite do Criança Esperança. O meu papel foi muito gratificante, que falar de Gandhi e os ideais dele pra essas crianças, esse CEU, essa escola, foi muito importante, muito mágico também pelo fato de ter alternativa. Eles têm alternativa que não seja um caminho de violência pra conseguir as coisas, um caminho único, o poder. Não. O poder pode ser o oposto desse poder que você acha que é que a violência te traz. Então isso tudo, esse projeto Criança Esperança foi incrível porque ele nos deu a liberdade de montar esse projeto nas bases de cultura de paz. Então foi muito legal a experiência mesmo.
P/1 – Teve um nome esse projeto de vocês que foi desenvolvido pela Palas com o apoio do Criança Esperança?
R – Olha, eu vou ser sincero, teve um nome, mas eu não lembro realmente especificamente o nome do projeto, entendeu? Mas é sempre algo ligado a cultura de paz, paz pede parceiros, sabe? É um projeto que a gente sempre liga, o tema dele tá ligado... Tanto é que eles falam: “Poxa, mas a Palas não é gandiana demais?” “Mas é, qual o problema disso?”. Tipo a gente realmente tem uma ligação muito grande com os princípios de Dalai Lama, do Gandhi, como eu te falei de Martin Luther King além de uma escola de filosofia. Então o nome específico do projeto eu não lembro, posso até pesquisar, é fácil eu conseguir.
P/1 – Mas não tem problema. Era se você tivesse isso de cabeça mesmo. Aí eu queria que você falasse um pouco pra gente qual que é a importância que você acha desse projeto especificamente que foi uma parceria com o Criança Esperança, a Unesco e a Palas nas escolas e a ideia da cultura de paz pra essas crianças. O que você vê de importante nesse processo de levar isso pras crianças?
R – Certo. Na verdade é assim, eu acho que o principal é porque elas são crianças e elas são facilmente pela palavra corruptível é terrível, mas elas são facilmente influenciadas. Você levar pra eles de que existe algo em que você possa ser feliz sem possuir, que você possa ser ético sem estar querendo levar vantagem, de que você possa valorizar um caminho, o dia a dia, não o resultado final. Então tudo isso trabalha com a ideia de cultura de paz. Você fazia, por exemplo, uma palestra, tudo bem, você está falando de Gandhi, mostrando Gandhi, mas você fazer um exercício em que você mostra que você tem que ter o companheirismo do lado e que você vai aprender com o passar de uma bola, pro exemplo, aqui só pode falar aquele que está com a bola e o resto ouvir. Então a ética do respeito, essas crianças vão aprendendo desde cedo. Então a mensurar isso é muito difícil, como eu falei do trabalho da Fundação Casa é muito difícil mensurar, mas a gente percebe o aprendizado por essas práticas também. A Palas não trabalha só a teoria, a gente trabalha ações práticas. Então nós temos grupos lá dentro que trabalham com práticas meditativas, por exemplo. Então cultura de paz é prática meditativa? Com certeza. E a gente fazer isso com criança, com certeza. Então a gente via essas crianças refletindo, interiorizando, mudando conceito e é difícil, é difícil porque você tem aquela linha do videogame, do possuir, do ter, da televisão, tudo isso querendo te por pra outra discussão, quem é mais rico. Mas isso é o caminho fácil da violência que é a diferença, que isso vai pregar o caminho da violência. A gente faz exatamente esse trabalho de cultura de paz pra mostrar que é possível chegar. Por que eu uso, por exemplo, exemplo do Martin Luther King, do Gandhi? Poderia só falar a teoria de cultura de paz. Eu queria usar exemplos humanos pra mostrar que existem humanos reais, não só Jesus, Buda, não, não, humanos reais que conseguiram resultado, mudaram a constituição, mudaram independência de país e são tão adolescentes quanto vocês foram. Fizeram besteira na adolescência, sabe, escorregaram, cometeram erro e podem fazer. Então exemplos humanos, cultura de paz tem esse trabalho de exemplificar. Não só estoo falando pra você que paz é melhor do que violência, isso daí você pode ler em qualquer lugar, mas vamos agir. Você vai ver a ação como dá resultado. A ética que a gente sempre fala pra essas crianças, não é nem falar, a gente quer que eles se convençam de que ética é ação. Se você está tendo resultado da sua ação positiva causando o bem você está sendo ético. Dois estão causando bem pra dois, mas tem um que está causando mal. Espera, vai ver que sua ação ética não está tão ética, entendeu? Não pode ser dois, dois estão com vantagem, então vamos... Então tudo isso pra criança é muito interessante. Não dá pra você dizer, mensurar exatamente se eu vou colher o resultado, porque isso é a outra cultura que quer, o resultado, quanto que foi, quem que está melhor. Vocês aplicaram? O projeto deu certo? Mostra o número do projeto. Então não. Nosso projeto é ideológico, ideologia e mudança de atitude e mensurar atitude, ainda não se criou cronogramas tão perfeitos pra mensurar isso.
P/1 – Você lembra nesse caso específico do projeto em parceria com o Criança Esperança de uma situação com uma dessas crianças assim, uma reação, um tipo de resposta àquilo que vocês estavam levando?
R – Eu me lembro de uma situação conflitante em que existia... Como era um trabalho que era totalmente fora... Isso é um problema na verdade a se adequar que você é extracurricular, você não está dentro de um currículo. Então de qualquer maneira aquele jovem está ali a mais do que ele deveria. Eu não preciso ouvir o Luiz falar, sabe? Tipo, eu já estou a tempo demais aqui dentro. E como você está lidando com, sabe, com jovens que vêm de um ambiente violento também, você está na periferia, não que todas sejam, mas ela está mais próxima de uma ação, de uma tensão em função social mesmo, eu digo essa violência social, essa violência de carência mesmo, então eles estão mais sujeitos a essa carência. Então eles também têm uma revoltazinha um pouco com algo que seja imposto pra eles. Nesse dia eu lembro muito bem que dentro da sala tinha um piano no canto da sala, um piano, não sei como foi parar um piano naquele lugar, mas tinha um piano e tinha meia dúzia de jovens que estavam de costas pra mim e mexendo no piano enquanto eu falava, enquanto eu expunha, enquanto os outros 30, 40 estavam ali prestando atenção, mas que também nem estavam prestando muita atenção nesse instante. Até que esse liderzinho dos seis que estavam lá de costas, algo despertou quando eu falei de Gandhi nele, foi uma frase que eu falei que tocou acho que especificamente na família dele, algo que ele falou: “Nossa...”. E no que ele virou, ele virou pra prestar atenção, todos os outros seis viraram também, que ele era o meio líder da classe, os outros garotos viraram, o silêncio, sabe? E de repente esqueceram do piano. Falei: “Pô, graças a Deus ganhei de um piano”. Sabe, tipo que eu estava perdendo pro piano. Então é sempre esse desafio, você está falando com alguém que nãoes tá ali tão a vontade assim. Esse tão a vontade vem com os anos. Eu quero ir lá, ouvir cultura de paz. Eles nem sabem o que é isso, mas eles vão sentindo. Então é uma conquista incrível.
P/1 – E qual que você acha que é a importância, Luiz, dessa parceria do Criança Esperança com esse projeto? Desse apoio especificamente no caso desse projeto.
R – É muito simples, aí a gente tem que ser muito direto também. A importância é que você consegue uma exposição maior, um âmbito maior de ação. Se você, por exemplo, fizer esse trabalho, esse mesmo trabalho unicamente com ação da Palas Athena, por exemplo, você vai ter âmbito, você não vai chegar em tantos locais com tanta divulgação. Eu uso aqui até outro pensamento do Gandhi, ele falou: “Pra que eu vou mostrar uma injustiça só pra mim? Eu tenho que divulgar essa injustiça. A injustiça só vai ser consumada como justiça se outros souberem que ela tá sendo executada, senão vai sofrer só eu”. Ele falava. Então ele chamava em todo lugar que ele iria, ele chamava um repórter. Nem que fosse um repórter. Eu brinco que eu falo que se fosse hoje Gandhi vivo ele seria o rei do Facebook, de todas as redes sociais, internet no quarto, onde ele tivesse porque tem que divulgar. Então a ação conjunta com o Criança Esperança ela potencializou todo um processo de cultura de paz que a gente estava ainda no micro, entendeu? É um projeto que pode crescer muito mais. Pô, então agora a Criança Esperança no Pará, ali você vai falar no interior do Acre, nós vamos levar você pra falar de Gandhi lá, um lugar... Então isso tudo não dá. Como que a Palas vai bancar levar o Luiz pro Acre, quem é o contato? O Criança Esperança tem o contato, tem as redes, tem a divulgação necessária e aí entra um corpo, por exemplo, de atuação como a Palas Athena junto. Então essa parceria é fundamental. Uma coisa leva, a outra vai junto, entendeu?
P/1 – Vocês tiveram oportunidade já de multiplicar isso em outros lugares? A partir dessa experiência, esse que você me contou foi a primeira vez, né? E aí isso continua, essa parceria, esse contato do Criança Esperança com vocês continua de alguma maneira?
R – Olha, na verdade de outras formas. O Criança Esperança mesmo eu não tenho certeza se ele duplicou, se ele replicou com a gente na Palas, só se realmente está em outro nicho além do que eu estou fazendo atualmente. Mas pelo Criança Esperança muita coisa foi apresentada, muita coisa foi... Por exemplo, hoje a gente está com o projeto Beija-flor, uma rede Beija-flor que fica em Diadema, sabe? Então um projeto bem parecido com o Criança Esperança, um projeto em que se trabalha a base de uma comunidade, anos trabalhando a base, dois anos de palestras, tudo, pra ver, mensurar o crescimento, baseado nisso, nesse apoio todo que tivemos no Criança Esperança. Mas foi uma experiência que replicou, uma experiência que nós da Palas replicamos. Mas assim especificamente o projeto Criança Esperança e Palas eu não sei se houve hoje em dia, por exemplo, eu acho que foi mais no passado que aconteceu.
P/1 – Foi aquele momento específico?
R – Foi aquele momento específico. Que eu acho que seria muito interessante voltar, mas foi um projeto incrível.
P/1 – Você mencionou a questão de viagem... Assim, de o Criança Esperança abrir um pouco os horizontes pra Palas e pra esse trabalho que vocês fazem ganhar mais repercussão, mais visibilidade e ter mais entrada também em mais lugares.
R – Isso.
P/1 – E aí eu queria entender um pouquinho como é que foi isso, porque pra vocês foi uma espécie de piloto, depois disso a Palas conseguiu viabilizar em outros lugares ou porque houve mesmo um auxilio, no caso do Criança Esperança, pra poder localizar outros espaços em que vocês poderiam fazer esse trabalho. Pra entender um pouquinho do jeito mais concreto como é que foi essa...
R – Entendi. Na verdade assim, o Criança Esperança ele praticamente indica um local de ação e o que você vai fazendo. Mas o que acontece? Essa indicação abre, fatalmente você está lidando com uma escola estadual pública Monsenhor não sei o que tal. Pô, mas ali tem um professor que também trabalha na outra: “Luiz, pô, você está fazendo aqui, você não gostaria de fazer algo parecido lá na minha escola lá em Diadema?”. Então é nisso que também replica, num sentido de... Na verdade tudo são teias, né? A gente trabalha com teias, eu principalmente acho que a gente tem que criar promotores, a gente tem que estar, tem até um termo mais específico que é facilitadores. Então quer dizer, tudo é pra facilitar e vamos criar facilitadores. O projeto do Criança Esperança veio, facilitou alguma coisa pra nós que nós usamos muito bem, entendeu, e melhoramos o projeto, aprimoramos. Hoje está muito mais, de 2008 pra cá nossos projetos estão andando sozinhos e com muito mais redes, mas não tenha dúvida de que essa redezinha abre com o Criança Esperança, entendeu? É aquilo que eu falei, um Criança Esperança, por exemplo, ele vai te dar uma porta aberta em São Joaquim do Meriti lá na Goiânia. Agora dali você vai poder fazer a sua rede e aquele professor vai fazer a rede, ele vai ser o facilitador seu em outro lugar. A gente gosta muito da ideia, na Palas Athena, de criar facilitadores, não são nem professores, igual a gente brinca, eles são facilitadores, vamos facilitar as coisas.
P/1 – Ficou claro agora. Era isso mesmo, era essa mesma minha dúvida. Então isso abriu caminhos mesmo no sentido de contatos, de estruturar.
R – Exatamente.
P/1 – Nesse modelo, não sei se esse é o melhor termo, mas esse projeto nesse modelo a primeira vez que vocês fizeram foi com o Criança Esperança?
R – Não. A gente já tinha tido outros projetos parecidos, mas assim sempre voluntariado próprio. Até essa época assim a gente tinha pouca ação de parceria, eram ações Palas Athena mesmo, braçal. Então era como Semana Gandhi, que é um projeto que a Palas Athena tem há 20 e poucos anos, em que a gente nesta semana vai a colégios, vai dar palestra no Masp, faz um monte de atividades em várias frentes, tudo ligado a Gandhi, nesse caso. Aí tem Semana Martin Luther King, a gente também vai, vai a colégio, CEUs, centros e nisso a gente fazia sempre, mas tudo bancado por nós mesmos, por ações unicamente dos professores e dos funcionários da Palas, diretores, enfim, todos nós funcionários da Palas. Agora, com o apoio governamental, o apoio de prefeituras, isso veio crescendo num crescente que entrou junto com o Criança Esperança. Você fazer uma parceria, por exemplo, hoje, ser referência e contato e referência no Brasil da Unesco, pra nós é um orgulho. Tudo que a Unesco quer saber em termos de cultura de paz a primeira entrada no Brasil ela vem pra Palas Athena. Vamos lá, olha, gente, vamos fazer isso, isso. Estamos fazendo esse projeto e tal. Então se abre um monte de ações e se abre até ações demais. Às vezes a gente sente falta, tem pedidos, pedidos crescentes de, poxa, vamos trabalhar sobre cultura de paz na prefeitura, como eu falei no início, a gente às vezes não tem professores, não tem verba também pra poder fazer esse trabalho, porque tudo precisa sobreviver também nesse sentido. Não dá pra ser só voluntário, esse é o mecanismo também que precisa.
P/1 – Você mencionou que esse trabalho do Criança Esperança era num CEU ou numa escola, você não lembra exatamente se era um CEU e qual era?
R – Não.
P/1 – Era só por curiosidade mesmo. Se não lembrar não tem problema.
R – Não. Eu não vou lembrar mesmo.
P/1 – Mas era uma situação de educação, era uma instituição de educação, né?
R – Sem dúvidas. Instituição de educação, com certeza. É diferente de, por exemplo, o projeto Beija-flor que é um projeto que na verdade não está ligado a nenhuma escola, ele está ligado a um centro em que um senhor, se não me engano belga, há 30 anos montou como se fosse um orfanato e daquilo virou uma coisa enorme. Então não tá ligado nem a uma escola... Então é diferente. Eu lembro que o projeto Criança Esperança era ligado a educação mesmo.
P/1 – Uma instituição de educação formal assim.
R – Isso. Exatamente. Formal.
P/1 – E a faixa etária mais ou menos, o número de crianças ou adolescentes que participaram você tem uma noção?
R – Sim. A gente abrangia ali da idade de 14 anos mais ou menos, eram adolescentes, início de adolescência, 14, 15, até um pouquinho antes, 13 anos também. E em termos de número eu lembro que assim cada aula que a gente dava, cada ação, eram sempre na classe 40 a 50, daí outro grupo de 40, 50. Isso multiplicando com vários grupos durante o ano aí, durante o período que foi o projeto todo, que eu também não posso te dar a data exatamente, eu não lembro o período que foi, mas foi longo, um projeto grande.
P/1 – Cerca de um ano você acha?
R – Isso. Isso mesmo.
P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar pras perguntas finais então agora, Luiz. São duas questões que a gente sempre faz pra encerramento, antes disso eu queria saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você gostaria de falar.
R – Nossa, falei demais. Está ótimo. Eu achei que foi muito bem conduzida e foi muito legal.
P/1 – Bacana. Então as duas finais agora, a primeira é quais são os seus sonhos hoje.
R – Então, meus sonhos hoje, por incrível que pareça eles não estão mais meus. Assim, os meus sonhos hoje eles passaram a ser sonhos coletivos. O meu grande prazer, a minha grande vontade é de ter menos vontades próprias assim. Lógico, sonhos fáceis de falar como viajar, essas coisas tudo bem, mas o meu sonho mesmo é eu ser esse fluxo, entendeu? Quanto mais eu puder estar distribuindo, quando mais eu puder estar espalhando, isso é um sonho. Na verdade então ele sai do eu pra um nós. O meu sonho não é mais eu, é nós, é nosso sonho.
P/1 – E por fim como é que foi contar a sua história?
R – Nossa, foi incrível. Gostei muito porque eu até brinquei com o meu filho esses dias, falei: “Nossa, o papai está ficando velho, filho, porque eu estou entrando pra museu. Eu vou ter que falar a minha vida”. E aí eu fiquei dois, três dias agora pensando nessa situação, falando: “Mas como vou falar minha vida? Eu estou no meio dela”. Eu ainda não vivi, minha vida é o dia a dia, minha vida é hoje, é amanhã, ainda não tenho uma história e a minha história é uma história qualquer, não é uma história... Então foi muito legal poder falar uma coisa que eu acho que eu nunca tinha feito mesmo, de sentar e conversar sobre quando eu nasci até agora. Muito bom.
P/1 – Tá certo. Muito obrigada então, Luiz. A gente encerra aqui.
FINAL DA ENTREVISTARecolher