Plano Anual de Atividades 2013 Pronac 128976 - Whirlpool
Depoimento de Francisca Azevedo de Almeida
Entrevistada por Eliete Pereira e Marcia Trezza
Manaus, 25/04/2014
WHLP_HV015_Francisca Azevedo de Almeida
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Francisca, bom dia!
R –...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 Pronac 128976 - Whirlpool
Depoimento de Francisca Azevedo de Almeida
Entrevistada por Eliete Pereira e Marcia Trezza
Manaus, 25/04/2014
WHLP_HV015_Francisca Azevedo de Almeida
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Francisca, bom dia!
R – Bom dia.
P/1 – Francisca, pra gente começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo.
R – Francisca Azevedo de Almeida.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Eu nasci aqui em Manaus, na Balbina Mestrinho
P/1 – Qual foi a data?
R – Dezesseis de setembro de 1963.
P/1 – Você falou que nasceu aqui em Manaus, mas você morava em outro município.
R – Morava no município do Careiro da Várzea.
P/1 – Qual o nome dos seus pais, dona Francisca?
R – Meu pai é Luís Sousa de Almeida e Marines Azevedo de Almeida.
P/1 – E como eram os seus pais?
R – O meu pai… eles trabalhavam na agricultura e também, meu pai tinha fazenda e a minha mãe tomava conta da casa e dos filhos.
P/1 – E quantos irmãos a senhora tem?
R – A minha mãe teve 18 filhos, mas só tem cinco vivos.
P/1 – Mas chegaram a crescer, seus irmãos, houve um momento que estavam ali, os 18?
R – Não, não houve, porque na época, era muito difícil no interior. E a minha mãe ficava gravida e depois, às vezes, os meus irmão morria no parto. A minha mãe teve um casal de gêmeos também, que os dois faleceram e alguns filhos que conseguiram sobreviver foram aqueles que ela veio fazer o parto em Manaus.
P/1 – E quanto tempo que era lá do município de vocês, que vocês moravam pra chegar a Manaus?
R – Um barco que não era muito potente, ele durava seis horas pra chegar aqui em Manaus, mas se fosse um bem mais potente, três horas, quatro horas chegaria aqui.
P/1 – Dona Francisca, na roda de historia, a senhora falou do nome assim, da senhora. A senhora pode falar um pouquinho pra gente assim?
R – É porque a minha mãe tinha escolhido o meu nome quando ainda tava no interior, dai ela ia colocar Celia e ela veio aqui pra Manaus, e quando foi na hora do parto, foi um dia de domingo que eu nasci, na Balbina Mestrinho e lá tinha as parteiras, e a minha mãe disse que tava lá, sentindo dores e as parteira disseram que ainda não era naquela hora que eu ia nascer, a minha mãe… elas foram lá pra frente que era um dia de domingo. E a minha mãe disse que a dor foi se alterando, alterando e ai, de repente, ela se sentiu sozinha. Ai, ela fez uma promessa que se nada de mal acontecesse comigo ali, naquele momento, ela ia colocar meu nome de Francisca, que ela fez a promessa com São Francisco, foi por isso que eu tenho o nome de Francisca.
P/1 –
Mas te chamam de Celia?
R – Mas me chamam de Celia. E na escola, quando eu comecei a estudar, eu me apresentava como Francisca, usava meu nome mesmo. E as pessoas que foram me conhecendo ali naquele interior, eu acho que até hoje, não sabem que eu sou Francisca, eles acham que eu sou a Celia. E isso tem muito conflito, porque os meus tios… nem meus tios sabia que eu era Francisca e o meu avô que me chamava de Francisca. O meu avô sempre chamou pelo meu nome e um dia, eles conversando, o meu avô falou pro meu tio que lá, o meu pai tinha uma filha que era Francisca e ele disse… meu tio dizia que não. Ai, quando viram a minha mãe, perguntaram dela e ai, a mamãe teve que contar toda a historia, que eu era a Francisca. E aqui em Manaus, quando eu cheguei pra morar lá na Betânia, eu me apresentei como Francisca, só que a minha família me chamava de Celia, e ai, na Betânia, muita gente me conhece por Celia. E quando eu cheguei aqui no Zumbi, que eu vim morar aqui, eu me apresentei como Francisca. Então, as pessoas aqui me conheceram Francisca. E uma moca que me conheceu da Betânia, ela mora aqui e ela me chamava de Celia, ai ela trouxe pra igreja, a Celia, só que uns me chamam Francisca e outros, chamam Celia. E quando foi agora, mudou toda a direção, da igreja e me indicaram como tesoureira da igreja. E ai, a moca preencheu a ficha e colocou Francisca, mas é a moça que me conhece da Betânia, ela me colocou lá, o meu nome Francisca e não prestou atenção e passou a ficha pro padre. E ai, o padre ligava pra ela e perguntava, porque ele queria ir na casa da Francisca tesoureira e ela dizia que não, que a Francisca era a Francisca, que ela achava que confundia, ela dizia que não, que essa Francisca já tinha saído da comunidade, que não tava mais, que ela tinha mudado. Ai o padre: “Não, mas o nome dela tá aqui”, ai ficou aquela confusão, ai quando ele disse pra ela: “A Francisca é a tesoureira, a moça que você passou o nome que vai ser a tesoureira da igreja”, ai ela disse: “Mas ela não é Francisca, ela é Celia”, e ele disse: “Mas como é que você preenche uma ficha com o nome da moça de Francisca e você não percebeu?” (risos), ai, foi que ele foi na minha casa e ele já me chamava de… ele já me conhecia, o padre já me conhecia, só que ele me conhecia como Celia, porque ela me chamava de Celia. Ai, ele foi na minha casa, ai foi… ai ele perguntou como é que eu queria ser chamada: Francisca ou Celia, e ele já era acostumado a me chamar de Celia, e me chamava de Francisca. Ai, eu acho que toda vez que ele ia na minha casa, ele ia treinando…
P/1 – Pra não errar?
R – Pra não errar, porque a gente foi num encontro em outra comunidade, quando a gente chegou lá, eu acho que ele não sabia que eu ia tá lá, na hora que ele foi chegando, eu fui chegando também. Ai, ele: “Oi, Celia, tudo bem?” (risos), ai ele: “Não, é Francisca”, ai eu disse: “O senhor me chama como o senhor quiser”, e ele só me chama de Celia (risos). Já tinha acostumado. Ai, aqui agora tá aquele impasse, porque uns me chamam de… aqueles que me chamavam de Francisca, agora já estão me chamando de Celia, quem me chamava de Francisca, me chama de Francisca, quem me chamava de Celia, continua na Celia (risos). Agora, eles inventaram, a Celia Francisca.
P/1 – Inventaram os dois nomes.
R – Os dois nomes, Celia Francisca.
P/1 – E dona Francisca, como que a senhora descreve os pais da senhora? Como que eles eram?
R – O meu pai, ele era um pai assim, muito cuidadoso com os filhos. A minha mãe, também, eles faziam assim, de tudo para que não faltasse nada pra gente. Naquele tempo, no interior, tinha muita fartura. E foi passando o tempo, quando foi no ano de dois… 1967, meu pai veio aqui pra Manaus, o meu pai tinha fazenda, meu pai tinha barcos. Ai, ele veio fazer um frete aqui em Manaus, e quando ele veio pra cá, ele viu a oportunidade de vim do interior e trazer os filhos pra estudar, porque alguém fez uma proposta pra ele de trocar um barco que ele tinha novinho por um terreno já com a casa e um comercio aqui em Manaus. E ele quando ele voltou pra lá, ele já voltou decidido a vender…
P/1 – Tudo?
R –
Vender tudo o que tinha lá, e vir pra Manaus, trazer os filhos pra estudarem.
P/1 – O quê que ele plantava assim, você falou que ele era agricultor…
R – Agricultor, mandioca, ele trabalhava com farinha. Plantava cebola, cheiro verde, todas essas coisas e vivia lá na época, da venda do leite e desses produtos, porque o leite era todo dia, e o…
P/1 – Ele tinha gado, então?
R – Tinha, a minha mãe fala que o meu pai, desde novo, assim, 17 anos, ele já trabalhava e o dinheiro que ele conseguia, ele invertia em boi. Meu pai tinha uma fazenda assim, bem grande no interior, tinha dois terrenos e a minha avó, mãe dele, ela também era bem sucedida. Minha avó tinha as coisas dela e o meu avô tinha as coisas dele.
P/1 – Ah, e todos eles dali mesmo, então?
R – Dali, dali mesmo, mas todo mundo tinha o que era seu. Minha avó tinha o que era dela, meu avô tinha o que era dele…
P/1 – E você veio pra cá, com quantos anos, pra Manaus, pra ficar?
R – Dezesseis anos, com 16 anos.
P/1 – E como que foi a sua infância lá?
R – Lá no interior?
P/1 – Lá no interior.
R – Eu era feliz e não sabia (risos), porque eu queria vim pra Manaus, o sonho era Manaus, e lá, era muito bom, a gente brincava, à noite assim, aquela lua, as estrelas, o céu estrelado era lindo, maravilhoso, aqui em Manaus, o céu não é tão lindo…
P/1 – Dona Francisca, a senhora tava contando como que era lá no interior, das estrelas…
R – Estrelas são muito mais lindas lá no interior do que aqui em Manaus, o céu lá no interior é muito mais estrelado, à noite, a gente brincava, juntava os filhos dos vizinhos com a gente, a gente brincava, tinha um quintal assim, bem grande, que não tinha mato, era tudo limpinho, as casas eram altas, e a gente brincava de esconder, brincava de amarelinha, uma corria atrás da outra, outra escondia, lá era… a gente era muito feliz.
P/1 – Tinham outras crianças então? Vocês não estavam, ali sozinhos?
R – Não, não… porque tinha a nossa fazenda, ai tinha a cerca, pra dividir as fazendas, ai a de lá já tinha outros, aquelas crianças de lá vinham, as senhoras vinham pra conversar, a casa do meu pai era avarandada, colocava… enquanto os pais conversavam na varanda, as criança iam brincar. Naquele tempo, chamava-se terreiro, ia pro terreiro, no interior, eles falam assim: “Iam pro terreiro…” e a gente brincava no luar, era maravilhoso.
P/1 – Vocês moravam próximo ao rio?
R – Morávamos próximo ao rio.
P/1 – Qual rio?
R – Rio Amazonas.
P/1 – Rio Amazonas.
R – Rio Amazonas. E tinha assim, na época, tinha muito peixe, bastante peixe. Meu pai… chamava-se lá era… cardume de peixe quando tava na época da piracema, tinha esse nomezinho lá: “Tá na piracema”, vinha muito peixe. Isso acontecia, as pessoas todas… os vizinhos passavam ali quase a noite acordado, pegavam a tarrafa pra ir tarrafiar, era peixe, um monte de peixe que eles pegavam.
P/1 – Todo tipo de peixe?
R – Todo tipo: pacu, curimatá, sardinha, vinha bastante peixe. Ai, de manhã… aquilo era uma festa, a gente amanhecia o dia, vinha todas as vizinhas pra gente tratar peixe, tratava o peixe, ticava, lavava, tudo certinho, ai tinha uma tenda que chamava, colocava, salgava todo aquele peixe e colocava lá em cima pra secar no sol. Ai, guardava que era pra comer durante o mês. Também tinha muito tambaqui. Isso que eu falo assim: “A Elisangela conta a mesma historia pra mim”, aquela minha amiga que tava… a gente comia muito tambaqui, hoje em dia, o pessoal fala de tambaqui, um peixinho desse tamanho, lá é um tambaqui, um tambaqui de verdade, que um homem sozinho carregava aquele tambaqui, pirarucu. Ai, eu dizia pras meninas: “Lá, eu só comia peixe de ponta, peixe mesmo de qualidade” (risos), é isso que eu falo, eu sinto falta, o sabor da carne do interior não é o mesmo sabor dessa carne daqui, o sabor é completamente diferente de lá.
P/1 – E você ajudava a salgar?
R – Ajudava tudo, tudo eu ajudava. Sempre nós, todos os filhos ajudava a nossa mãe a cuidar de tudo, porque lá também era difícil assim, pegar água pra botar em casa pra fazer as coisa, mas lá, todo mundo ajudava…
P/1 – Todo mundo tinha sua função?
R – Tinha uma função, tudo… depois que terminava, ai todo mundo ficava livre.
P/1 –E geralmente, você fazia o quê, dona Francisca?
R – Eu fazia uma coisa que eu tenho uma raiva até hoje (risos).
P/1 – O quê que era?
R – A gente faz salgados aqui pra… salgado de macaxeira, então, a gente tem que ter o moinho pra moer assim, a macaxeira. Ai, a gente faz isso pra arrecadar dinheiro pra café da manhã. E lá no interior… toda vez eu conto isso pras meninas, quando eu vou pro moinho moer a macaxeira, eu digo: “Odeio moinho”, elas: “Por quê?” “Porque a minha mãe criava muita galinha, pintos, muitos, duzentos, trezentos, eu tinha a função de moer pra fazer o xerém”, a minha mão é tudo calejada.
P/1 – O xerém, o quê que é?
R – O xerém quebrava o milho em pedacinho pra dar pros pintos comer. E eu tinha essa função e de debulhar o milho, ai tinha outra máquina que debulhava, botava a espiga de milho lá dentro, ai assim, debulhava o milho. E ai, tinha o moinho que era pra fazer mais fino, que era pros pintos comerem.
P/1 – E ai, você fazia isso, era a sua função?
R – Fazia isso, era a minha função e eu tenho trauma (risos) de moinho. Fazia isso.
P/1 – Dona Francisca e a escola, a senhora estudava?
R – Lá no interior, tinha… a gente estudava até a terceira série lá. Estudava. Eu conto uma historia pro meu filho que naquele tempo era tempo da palmatoria. Mas naquele tempo, eu acho que as pessoas não aprendiam muito, porque tira palma de pegar o bolo, porque se você não soubesse, você tinha que estudar tabuada. Se não… lá, tinha uma menina que ela era crânio em matemática. Hoje, ela é engenheira, eu sei noticia dela, eu pesquiso sobre ela na internet, porque eu admirava aquela menina. Crânio em matemática. Ai, tinha a prima dela que não era tanto. Ai, eu estudava tabuada, estudava que era pra mim dar um bolo naquela menina (risos). Ai, a tia dela era a nossa professora. E tá, ai, um dia quando ela errou, digo: “agora que eu te pego” (risos). Eu conto isso pro meu filho, peguei as mãozinha dela, assim, delicada, bonitinha, torci assim bem (risos)…
P/1 – Era você que dava, não era a professora?
R – Os colegas…
P/1 – Os colegas?
R – Aquela que acertava. Vinha, ficava todo mundo em pé, numa fila, ai aquela que acertava é a que ia dar o bolo. Digo: “É hoje que eu te pego”, a bichinha era magrinha, hoje eu me arrependo desse bolo que eu dei nela até hoje (risos). Mas eu estudava…
P/1 – E ela chorou?
R – Chorou, e ela tava… passou uma semana… e ela era minha amiga, mas só porque eu tinha ficado com raiva dela por causa de uma coisinha… eu conto pro meu filho, ela passou uma semana todinha, fazia um buraquinho no caderno pra olhar (risos). Era, naquele tempo… hoje em dia, eu fico vendo como era que a gente pra estudar, tinha que apanhar. Que isso ai era… era uma violência, bolo, tinha que pegar bolo. Mas hoje em dia, o povo não sabe matemática, só aqueles que querem aprender mesmo. Eu acho que também tem muita gente que não aprendeu com trauma daquele bolo, também, que pegava. Mas eu ainda fui do tempo da palmatória. Ai foi depois disso, depois que a gente fez a terceira série que o meu pai trouxe a gente pra Manaus pra estudar. Mas naquele tempo, tinha o vestibular e era tudo muito difícil, ai o meu pai colocou um comercio, quando ele trouxe nós, que ele vendeu o barco dele… a fazenda foi a ultima que ele vendeu. Ai, ele colocou um comercio, nós todas trabalhávamos naquele comercio, mas aquilo era muito cansativo, também.
P/1 – E a senhora lembra quando a senhora chegou em Manaus, assim? Ou a senhora já conhecia Manaus?
R – Não… eu já conhecia assim, porque a minha mãe, às vezes, ela vinha pra casa da minha tia, pra ir ao medico, essas coisas, eu vinha na casa da minha tia no tempo da matinê, não sei se você ouviu falar de matinê, você lembra de matinê? Era o tempo da matinê, tinha ali, mas eu nunca tinha ido, eu achava aquilo maravilhoso e queria ir, mas nunca fui, quando tava lá. Hoje em dia, eu nem gosto disso.
P/1 – E o quê que era matinê?
R – Matinê, você ia assistir os filmes, lembra, Gi? Mas eu queria entrar lá dentro pra ver o que era, mas eu nunca tinha entrado. Mas eu lembro, a gente passava assim, na porta do cinema, tava lá o que ia acontecer, eles colocavam a foto lá, tudo certinho.
P/1 – E você lembra de algum filme assim, da época?
R – Não, não lembro. Eu nem fui assistir. Eu passava pelo lado de fora, que a minha tia morava ali perto da rua principal, no Educandos, então eu passava por fora e via aquilo. E ai, foi a gente veio… lembra da foto, que eu disse pra ti assim, que eu te mostrei a foto e disse: “Olha quando eu cheguei aqui e um ano depois”, que eu mostrei a foto.
P/1 – Lembro.
R – Ai, a gente veio morar na Betânia. Pegamos um taxi, minha família veio na frente, eu não queria vim, fiquei lá, porque o meu pai tinha feito uma casa linda, maravilhosa e eu não queria me desprender da casa. Isso eu tinha 16 anos, toda minha família veio, mas meu tio morava perto, minhas primas iam dormir lá comigo, mas papai não achava certo eu ter ficado lá sozinha e eu não queria vir. E quando chegou o ano novo, ele me trouxe no ano de 80. Ele disse: “Tu vai passar o ano novo, depois tu volta”, ai ele não deixou mais eu voltar (risos), e eu fiquei até hoje, mas eu não queria vir pra Manaus, pra morar.
P/1 – Mas continuou os estudos, aqui em Manaus?
R – Aqui, continuei os estudos, me matriculei na quarta série e fui estudando, estudando. Mas ai, quando eu comecei a namorar (risos), larguei…
P/1 – Então, nos conte. Você começou a namorar aqui em Manaus?
R – Aqui, em Manaus. Lá, quando eu morava lá no interior, tinha 14 anos, eu namorei com um rapaz, que ele é pastor aqui hoje, muito famoso, aqui em Manaus.
P/1 – É?
R – É (risos).
P/1 – Esse foi o primeiro amor, então?
R – Foi, o primeiro amor, ai vim embora pra Manaus, mas quando eu cheguei aqui eu ainda encontrei ele aqui, vivia indo lá na casa da minha mãe, ia lá visitar e tal, mas o namoro não…
P/1 – Vingou…
R – Não vingou mais e lá, a gente namorou bastante, quatro anos, mas depois, eu fiquei muito tempo lá e ele muito tempo aqui. Ele veio primeiro do que eu e não vingou mais.
P/1 – E como que era a adolescência em Manaus? Você veio com 16 anos?
R – Vim com 16 anos e o meu pai não deixava a gente sair do lado de fora do balcão, porque…
P/1 – E nisso, vocês… qual o nome dos seus irmãos?
R – A minha irmã Lurdes, ela já morava aqui em Manaus, na casa da minha tia, então, ela já tinha trabalhado em uma empresa lá no Educandos mesmo.
P/1 – Lurdes é a mais velha?
R – A mais velha. Ai, tinha a Neide, a outra minha irmã depois da Lurdes. Ai, tinha meu irmão Carlos, o Carlos era o mais velho dos homens, ele não trabalhou na taberna. Ele gostava muito de trabalhar, ele comprou umas bancas na Ceasa, quando montaram a Ceasa e ele foi trabalhar lá, lá na Ceasa e a Lurdes saiu da empresa e veio pro comercio pra tomar conta do comercio, porque tinha que ser muita gente pra ajudar a atender, era muito freguês. Naquele tempo, não tinha os supermercado, só tinha, eu acho que era CB o nome do supermercado e CO, que era Casa do Óleo, só esses dois. E tudo muito caro, naquele tempo, a taberna ainda vendia muito.
P/1 – A taberna era o comercio do seu pai?
R – Do meu pai.
P/1 – O que vocês vendiam lá?
R – Vendia de tudo. Ele comprou uma taberna que já tinha tudo. Vendia pirarucu, quando eu cheguei aqui que eu vi aquele povo comprar aquele pirarucu pra comer, aquele pirarucu seco, feio, eu digo: “Meu Deus, como a gente era tão feliz e não sabia, esse povo compra isso aqui pra comer desse jeito?”, eu achava aquilo um absurdo. Coca-Cola eu não suportava Coca-Cola, não gostava, mas depois, eu fui, fui e acostumei a tomar Coca-Cola. Ninguém tomava refrigerante no interior. Comia fruta saudável, tudo saudável lá. Eu demorei a acostumar com refrigerante. Mas também depois que acostumei (risos), bebia bastante água, era tudo maravilhoso.
P/1 – E Manaus, pra você, quando adolescente chegando lá, o quê que representava pra você, Manaus?
R – Manaus… assim, quando eu cheguei… eu aprendi andar em Manaus sozinha, que eu ia lá no centro comprar uma roupa, comprar um sapato pra mim, a minha mãe me disse o caminho que era uma vez, dai eu já aprendi a ir, andei lá e voltava pra casa, porque o Educando ficava… o centro ficava próximo a Betânia, então, a gente pegava um ônibus, não era muito difícil, isso tudo aqui era mato na época em que eu vim morar aqui em Manaus, tudo mato. Do Aleixo… lá de onde vocês estão hospedadas, pra cá, tudo era mato, não tinha, residência, nada, só mata mesmo, virgem. E ai, me matricularam num colégio, eu fui lá cursar a quarta serie. Ai, a minha irmã já tava aqui, já tava na quinta, sexta, mais ou menos por ai, e eu ia pra aula e voltava certinho, ia e voltava, voltava e tal… ai depois, foi… o meu namorado eu não conhecia. Aquele namorado lá, aquele que é pastor hoje não vingou mais, não fluiu. E quando eu estudei no colégio Mourão Antovila, lá só fazia quarta série, no próximo ano, o colégio mesmo remanejava a gente pra outro colégio. Hoje não, você tem que procurar vaga, mas naquela época não, eles tiravam daqui e colocavam em outro e eu sai desse colégio fui pro Adalberto Vale e eu morei do lado da rua e o meu esposo é cearense, a irmã dele tinha um bar, eu morava aqui do lado, do outro lado, e trouxe ele do Ceará pra tomar conta do bar dela, foi lá que eu conheci ele.
P/1 – Você passou no bar e conhecia…
R – Não, eu morava aqui na taberna, tomava conta da taberna do meu pai e do outro lado da rua, ele veio morar.
P/1 – E você se lembra quando vocês se conheceram, o primeiro dia?
R – Eu lembro, eu não gostava dele.
P/1 – Por quê?
R – Não, não gostava, ele era antipático, ninguém bateu, o santo não bateu. Vichi, demorou muito pra gente começar a namorar. A minha irmã começou a namorar com o primo dele, foi ai que a gente ficou mais próximo. Começamos a conversar, porque eu não conversava com ele, não puxava conversa com assunto com ele. Porque o meu pai dizia assim: “A gente não conversa com quem a gente não conhece”, e a gente tinha vindo do interior, então, tinha tudo isso. Ai, eu não conhecia, também não conversava, ai, depois que a minha irmã namorou com o irmão dele, ai a gente foi conversando e foi ai que o namoro foi, e casou (risos).
P/1 – Vocês namoraram quanto tempo?
R – Um ano.
P/1 – Um ano?
R – Um ano.
P/1 – E ai, já decidiram se casar?
R – Ai, já decidiram se casar.
P/1 – Ai, você fez festa, fez… como que foi…?
R – Não, foi tudo muito rápido (risos), não teve nada disso, nada disso. Mas também não engravidei rápido não. O meu primeiro filho, eu vim ter com seis anos depois que a gente já tava junto e o meu segundo filho, eu vim ter com seis… ai depois, seis anos, ai passou mais três anos pra poder engravidar do segundo e já mandei fazer uma laqueadura. Na minha família, todo mundo só… as minhas irmãs tudo só é dois filhos, tudo dois.
P/1 – E quando você se casou, dona Francisca, a senhora já… a senhora continuou morando no mesmo bairro?
R – Continuei morando no mesmo bairro, porque a casa da minha mãe tem dois pisos e no piso de baixo, não morava ninguém e o meu pai, por causa da taberna, meu pai me colocou pra morar ali naquele… e continuar…
P/1 – Trabalhando?
R – Trabalhando lá, porque as outras minhas irmãs tinham casado, já tinham ido embora, então, ia ficar faltando gente ali. E continuei trabalhando lá, trabalhando, trabalhando. Dai, tive o meu primeiro filho, e depois, tive o segundo. Ai, tinha que tomar… ai, ter filho já atrapalha um pouco. Quando… e eu parei de estudar. Eu só retomei o meu estudo quando eu já cheguei aqui, que os meus filhos já estavam maiores e eu deixava eles sozinhos e ia ao colégio, porque o colégio é logo ai perto, pertinho. Ai, eu vi a oportunidade do colégio ser próximo, ai eu fui lá e me matriculei pra terminar o ensino médio.
P/1 – E a senhora mudou pra cá, com a família, por quê?
R – Com o meu esposo… porque ai, eu já consegui… eu comprei um terreno, porque lá, era do meu pai. Ai, nós compramos um terreno e construímos nossa casa. Ai, eu já vim morar
no que era meu, no caso de morar no que era meu, ai eu vim.
P/1 – Mas também, deixou de trabalhar?
R – Deixei de trabalhar com o papai, não fui mais. Ai, ficou… ai foi tempo que veio o supermercado, as tabernas já não… veio o cartão de credito, ia no supermercado, ai as pessoas já iam mais, ai a taberna já foi caindo mais um pouco…
P/1 – O movimento?
R – O movimento.
P/1 – Mas o da senhora chegou a fechar?
R – Só fechou depois que o meu pai faleceu, a minha irmã… eu tenho uma irmã que ela tomou conta, ficou tomando conta mesmo, meu pai adoeceu, ai o meu pai faleceu, ai a minha irmã já… ai, continuou, continuou, depois recebeu uma proposta, porque ela conhecia muita gente pra ir trabalhar no… ela trabalha numa empresa de petróleo, APEM, que tem muito… ela trabalha na distribuidora. Ela recebeu uma proposta pra ir trabalhar lá e ela trabalha lá até hoje. E já construiu a casa dela, a ,minha irmã não casou, essa minha irmã.
P/1 –
Qual, a Lurdes ou a Neide?
R – Não, a Valdenira.
P/1 – Ah, a Valdenira.
R – É, a Neide casou, ela mora aqui, próximo. Construiu a casa dela, não casou, essa minha irmã, ela é solteira, a Valdenira, e mora próxima a minha mãe. Ficou lá.
P/1 – E a mãe da senhora tá…
R – Minha mãe mora lá, já tem 75 anos, agora ela tem problema de artrose, ela já não caminha direito, tem que ser com a bengala, já tá bem debilitada.
P/1 – E dona Francisca, quando a senhora veio pra cá, a senhora falou que no inicio era… tinha só mata, então…
R – É, ai começou as invasões. Começou a invasão no São José, pessoal invadiu e criou esse bairro lá, essa invasão foi muito grande. Ai depois, depois de São José, o pessoal invadiram aqui no Zumbi.
P/1 – O Zumbi, então, no inicio foi planejado?
R – Não foi planejado, não. Não foi planejado, tudo de invasão.
P/1 –
Mas a senhora comprou o terreno?
R – Comprei, comprei o terreno. Tinha uma casinha de madeira, ai eu vim, naquele tempo, sete mil cruzeiros, que era assim, a moeda foi quanto eu dei num terreno e não era asfaltado. Ainda não tinha o asfalto e nem água.
P/1 – Como que a senhora fazia?
R – Tem uma torneira mais ali na frente que as pessoas pegavam água. Então, a moca lá do lado da minha casa, ela fazia esse trabalho, tinha um carrinho de rolimã, colocava o tambor lá, empurrava lá e enchia. Tinha muita gente que enchia os camburão, ai isso que eu fazia. E a pessoa que tinha morado antes de mim nessa casa, tinha puxado um cano que vinha não sei da onde, que esse cano sumiu, se perdeu, puxava e ele passava por trás da minha casa e lá, de vez em quando, aparecia água e eu enchia assim, um bocado de vasilha. Mas eu pagava essa moça pra ela encher. Depois, vinha uns carro-pipa, apareceu uns carro-pipa que vendia água. A gente comprou um tanque e pagava na época, cinco reais, era bastante dinheiro. A gente ia lá, mandava eles encher, pegava agua da chuva. Mas logo depois que eu vim pra cá, sete meses depois, a água… colocaram água.
P/1 – A água encanada?
R – Água encanada.
P/1 – E a senhora tava já com o primeiro filho da senhora?
R – Os dois.
P/1 – Os dois.
R – Já tinha os dois.
P/1 – Qual o nome do primeiro filho da senhora?
R – É o Francisco Tiago.
P/1 – E a senhora ficou, então, cuidando deles?
R –
Fiquei cuidando… foi, me dediquei a cuidar deles mesmo. Cuidei deles, até eles terminarem o ensino médio.
P/1 – E estudaram aqui, também, no Zumbi?
R – Estudaram no Zumbi, escola publica. Meus filhos são de… logo que eles eram menores, eu paguei escola particular pra eles estudarem, tinha escolinha por aqui, já. E depois, a professora disse: “Olha, se quiser colocar em escola pública, tu pode, eles já estão prontos pra escola publica”, ai eu coloquei num colégio que tem bem aqui. Eu digo pro meu filho… ele não quer que eu diga que ele estudou nesse colégio, não (risos), não sei, isso que eu digo pra ele. Ele diz assim, olha… eu digo assim: “Olha, tu é o exemplo desse colégio, tu é… tu pode dar exemplos, como, porque tu saiu desse colégio aqui”, eu falo pra ele.
P/1 – É aquele filho da senhora que fez Pedagogia?
R – Isso! Esse mesmo.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Diego.
P/1 – O Diego que fez Pedagogia?
R – É, o Diego que fez Pedagogia.
P/1 – Dona Francisca, então, a senhora tá ali, cuidando dos filhos da senhora, aqui no novo bairro…
R – No novo bairro…
P/1 – Combatendo em casa ali, com agua… e o marido da senhora, trabalhava com quê? Tinha um bar ainda?
R – Não, não. Meu marido era eletricista, ele foi trabalhar numa empresa como motorista de uma família que chegou de São Paulo, que era dono de um estaleiro. Ai, o irmão dele trabalhava lá, ai depois o irmão dele voltou pro Ceará, e colocou ele como motorista lá, da família, que os meninos lá tudo eram pequenos e estudavam no CIEC, ai ele levava esses meninos pra escola, ia pegar, levava a esposa pra passear no shopping, do dono do estaleiro. E depois, ele pegou… quando os meninos cresceram, aprenderam a dirigir, ai ele falou assim: “Olha, agora, eu vou te ensinar como trabalhar no estaleiro, na parte elétrica, a fazer quadro…”, ele disse: “Tu vai pra dentro do estaleiro e lá vai ter um rapaz que vai te ensinar”, e ensinou todo o trabalho pra ele e ele aprendeu rápido.
P/1 – O teu menino?
R – O meu marido.
P/1 – Ah, o marido da senhora?
R – Isso, isso. Ai, ele trabalhou… quando ele faleceu, ele trabalhava na área, mas já por conta própria, saiu do estaleiro e foi trabalhar por conta própria. Ele ainda não tinha aberto uma empresa, mas esse já era os planos, abrir uma própria empresa pra ele.
P/1 – Mas dona Francisca, como que aconteceu, ele veio a falecer quando a senhora tava ali cuidando dos meninos, os meninos já eram grandes, então?
R – Já! O Diego já tava cursando a Pedagogia, já cursava a Pedagogia, ele trabalhava no INPA e cursava Pedagogia… não, o Diego não tava cursando… ele tava terminando o ultimo ano do ensino médio, porque foi quando ele faleceu que o Diego começou a cursar Pedagogia, foi isso mesmo e ele levava o Diego pra ir pra escola, e trazia, tinha o carro dele. E ai, foi trabalhar, era na época do ano novo, Natal, ano novo, época de final de ano…
P/1 – Que ano que era?
R – Em 2007. Em 2007, foi trabalhar, e quando ele voltava pra casa, aqui em Manaus tinha tido um prefeito que o… tava tudo cheio… esburacado, a rua, ai ele foi desviar de uma caçamba, e ele caiu dentro de um buraco, caiu assim, o buraco furou os dois pneus do carro dele. Ai, ele tinha um, que era o estepe, ai os funcionários dele que vinham com ele, foram lá, tiraram tudinho, certinho, ai ele ligou pro rapaz da lancha vim pra mandar consertar o pneu. Ai, o rapaz veio e chamou ele: “Vamos comigo lá?”, ele disse: “Não, eu não vou não”, porque a estrada do Tarumã era escura. Ai ele disse: “Eu vou ficar aqui com eles, tu vai lá, conserta o pneu e volta”, ai escoraram ele assim, atrás do carro, sinalizou tudo certinho, colocou lá, ai tinha uma lâmpada, ele colocou aqui, colocaram bem aqui, era escuro, colocou. Ai, ele disse… ele disse, não, porque ele faleceu e ele não me falou, já foi o rapaz… as pessoas que estavam com ele vieram me falar que quando eles saíram de lá, esse rapaz que bateu e atropelou ele tava bebendo. Ai, esse rapaz não gostava muito dele, o rapaz falou pra mim, porque…
P/1 – Foi uma pessoa conhecida, então?
R – Ele conhecia, mas eu nem sabia que ele conhecia esse homem, conhecia de vista do estacionamento, onde todo mundo deixava seus carros lá na marina. Ai, porque assim, o meu marido, ele ia lá, colocava o projeto dele, varias pessoas colocavam, ai ele ia numa lancha que ele já tinha trabalhado e mostrava o serviço que ele fazia. Ai, todo mundo fazia isso, pedia do dono da lancha, ai ele deixava lá pra ver o trabalho que ele fazia e ele tava sempre ganhando…
P/1 – Trabalho que ele fazia era de eletricista.
R – Exatamente. Ele fazia o painel de uma lancha, divulgava, tirava foto, tinha um álbum. Ai, ia lá, mostrava pro dono da lancha como é que era feito. Ai, as pessoas gostavam, todos achavam que ele era engenheiro, quem via o trabalho, achava que ele era engenheiro e ele não era, ele só tinha a quarta série.
Ai, ele pegou… ai, o rapaz viu, ai veio… vieram, ai o rapaz disse que mudaram o pneu, ficaram esperando o outro e eles três se escoraram, o meu marido se escorou do lado do acostamento mesmo e o outro rapaz no meio e o outro, aqui. E o cara veio de lá. E eu acho que pelo fato dele ter colocado a… alguém tinha colocado uma proposta e o meu marido tinha terminado de ganhar essa proposta e ele não tava gostando disso, porque se uma pessoa indicasse a outra pessoa, por exemplo, você conhece alguém que trabalha numa lancha, faz um trabalho bom, ai eu indicasse o fulano, eu levava cinco mil reais, entendeu? As indicações. E esse rapaz, ele era só um pintor da lancha, o meu marido nunca tinha trabalhado com ele, nunca tinha pedido pra ele pintar a lancha, nunca tinha. Ai ele pediu pro meu marido ensinar o trabalho que o meu marido fazia pra ele. Ai, meu marido disse que não, que ele não ensinava, o trabalho dele era… ele tinha prendido e não ensinava. Ai, eu acho que ele foi ficando com raiva disso e por causa da indicação. Então, tinham indicado e o meu marido tinha ganhado pra fazer o trabalho de uma lancha e eu acho que ele ficou com raiva, e ai, quando ele viu de longe, que ele tava com aqui… e ele viu quem era, tanto é que desviou os dois que tavam do lado e pegou o meu marido de cheio, ele botou o carro em cima, assim. Ai, o meu marido tava escorado, o carro foi pra frente, afastou meu marido caiu no chão, saiu arrastando, assim, bem longe.
P/1 – Então, a senhora acha que foi premeditado?
R – Foi premeditado e todo… diz que o pessoal ficava gritando, gritando pra ele parar e ele não parava, diz que depois, ele só olhou assim.
P/1 – E ele foi processado?
R – Não foi, ele não tinha carteira, dirigia um carro, não foi, porque quando eu cheguei, eu passei uns três dias pra poder ir na delegacia, ele já tinha ido. Eu acho que ele comprou o delegado, não sei quanto ele deu, porque o delegado tava do lado dele e não do meu.
P/1 – A senhora falou que depois, a senhora processou-o.
R – Ai, eu fui lá… arrumei um advogado… mas lei de transito hoje, sabe, você… ai, depois, me disseram assim: “Tu só vai gastar dinheiro e nada vai acontecer com ele”.
P/1 – A senhora processou ele, então?
R – Exatamente, mas tá solto, nem foi preso, tá solto. Com tudo aquilo que aconteceu, ele foi ouvido pela Juíza, ai ele disse que não, que ele prestou socorro. Ele não prestou socorro, ainda levou trás testemunhas lá. e o outro rapaz, tem um rapaz que foi batido, um dos rapaz, bateu bem aqui nele que ele caiu lá e hoje em dia, ele toma remédio, ele esqueceu muitas coisas, então ele não foi nem testemunha do meu marido, esse rapaz. Só o senhor, eu só tenho uma testemunha, eu, e ele vai lá, conta uma historia, sabe, tudo… que ele socorreu o meu marido, que ele chamou o SAMU, que ele levou pro hospital, não levou, fugiu, tava morto de bêbado. As pessoas que estavam ali, viram.
P/1 – Dona Francisca, como foi pra senhora se tornar viúva, sem estar ali no mercado de trabalho.
R – É, a gente perde o chão. Mas antes disso, eu já tinha feito os cursos oferecidos pelo Consulado, esses cursos, eu já tinha feito, eu já tinha curso de costura, eu já tinha vindo aprender a costurar, que eu falei ontem, da irmã Leonilde, que tinha feito o projeto. Quando a gente começou, a gente só tinha uma máquina e pelo menos, costurar, eu já tinha feito o curso, e já sabia e a Gi, pra eu participar das reuniões da Economia Solidaria, ela fez o mapeamento, quando ela trabalhava na Fucapi, e ela conseguiu mapear o nosso empreendimento e lá, eu tinha deixado o numero do meu telefone, que é o telefone da minha casa e ela ligou, marcou uma visita e veio visitar e tava fazendo acompanhamento com a gente, e a gente se qualificando, ela dava assessoria, como a gente prestando, fazendo o nosso trabalho, fazia precificação dos nossos produto, a qualidade.
P/1 – Dona Francisca, pra entender um pouco, a senhora conheceu o Consulado onde e através de quem?
R –
Da Gi.
P/1 – Ah, e você conheceu a Gi onde?
R – Ela… eu tinha ido na reunião no… ela tinha feito o mapeamento quando ela trabalhava na Fucapi, trabalhava na Fucapi, tinha feito o mapeamento…
P/1 – O quê que é Fucapi?
R – Fucapi é uma escola…
R – Fundação Centro de Analise, Pesquisa e Inovação. É uma faculdade, só para vocês entenderem, na época, eu fiz mapeamento da Economia Solidaria do Estado e o grupo tava…
R – Incluído lá, nesse… eu participava das reuniões e a gente assinava uma folha, botava o endereço, o numero do telefone…
P/1 – Por que a senhora participava das reuniões? A senhora já tava…
R – É porque eu já tava envolvida, a igreja católica, ela tem uma parceria com a Cáritas, então, se eu tava tomando os passes aqui na igreja, estava envolvida com as irmãs, a Cáritas mandava: “Vai acontecer isso, vai acontecer uma reunião da Economia Solidaria”, ai a irmã passava pra gente e mandava a gente ir nas reuniões. Ai, a gente ia ver o que ia acontecer, o quê que eles estavam oferecendo, ai foi assim que a gente foi encontrada pela Gi, que o nosso grupo aqui, que a gente já tinha um grupo formado.
P/1 – Um grupo de mulheres que já trabalhava com costura?
R – Isso! Só que ai… era, que já trabalhava com costura.
P/1 – Na igreja?
R – Na igreja. Esse grupo tinha sido formado pela irmã Leonilda, hoje ela já é até falecida.
P/1 – Era aqui?
R – Era aqui.
P/1 – Sempre foi aqui?
R – Sempre foi aqui.
P/1 – Então a senhora fazia parte da comunidade de igreja?
R – Faço parte até hoje. na época que eu cheguei aqui, essa igreja era de madeira, bem pequenininha, nem tinha esse prédio aqui, tudo pequeno, foi logo bem na invasão.
P/1 – E dona Francisca, a senhora, então, começa a participar dessas reuniões e começa a participar também do grupo de empreendedora logo apos o falecimento do marido da senhora?
R – Não, antes. Eu já vinha antes, participando. Desde que quando eu vim morar no Zumbi, em 94, eu acho que 95, 96, eu comecei a participar da igreja, ai lá na igreja, eles davam o aviso: “Olha, vai acontecer isso na comunidade”, ai iam convidando, quem quisesse era pra vim. Os meus filhos eram pequenos, ai, eu fui me aproximando da igreja, fui me aproximando, vinha as missas, ai depois, vim pra cá…
P/1 – Começou a fazer os cursos…
R – Comecei a fazer os cursos, mas era tudo assim, nada… nem tinha certificado, vinha uma senhora só pra ensinar você a costurar, mesmo, que eu não sabia nada, não sabia nem movimentar a máquina, nem colocar ela pra funcionar. Ai, hoje, eu sei que eu já avancei muito, avancei muito no ramo da costura, por quê? Porque eu não sabia nada, nem colocar a linha na máquina.
P/1 – Mas a senhora, então, começou a se envolver, enquanto empreendedora, após o falecimento do seu marido?
R – Após, em 2007. Em 2007, ai eu peguei mesmo pra valer.
P/1 – Ai, a senhora pensou assim: ‘agora, eu tenho que fazer um negocio também’?
R – Agora eu tenho que fazer alguma coisa pra gerar renda pra ajudar o meu filho mais velho, porque depois, terminou o contrato do meu filho mais novo no INPA. Ai, terminou e ele já tava cursando a faculdade, ai, eu: ‘agora, eu tenho que trabalhar mesmo pra gerar renda pra botar dinheiro dentro de casa pra pagar as contas’.
P/1 – E a faculdade do filho da senhora era pública ou particular?
R – Particular.
P/1 – Então, ele pagava?
R – Pagava e enquanto isso, ele ainda juntou dinheiro pra quando terminar o contrato dele, ele pagar o resto, ele juntou um dinheiro. Só… mas tudo ali na ponta do lápis, era tudo mesmo contadinho, tem que pagar isso, tem que pagar aquilo, tudo… a vida maravilhosa que nós tinha lá em casa, lá em função do trabalho… porque eu não precisava nem trabalhar, que ele ganhava muito bem, foi tudo embora, despencou tudo. Aquele que andava só de carro teve que aprender a andar de ônibus.
P/1 – A senhora teve que vender o carro então?
R – Os dois carros, eu vendi os dois, vendi, porque ninguém sabia dirigir, ia ficar fazendo o quê? E a nossa casa tava em construção. Ai, vendi os carros pra… eu digo: “Agora, eu vou… tudo o que eu pegar de dinheiro dos carros, eu vou fazer a casa”, hoje, eu ainda no finalizei, mas vai chegar a hora que eu vou finalizar.
P/1 – Tá certo. E a senhora assim, qual que é a sensação da senhora teve de começar a fazer um empreendimento, assim, de trabalhar com mulheres, com costura e se a senhora já sabia costurar, já tava ali…
R – Já.
P/1 – E o quê que vocês faziam?
R – E já tinha um grupinho formado. A gente já… o grupo já tava formado. Eu acho que ainda não tinha a coisa assim, bem certa, porque a gente fazia calcinha, fazia vestido… porque tinha outras mocas, aqui, que já faziam… trabalham bem mais… já faziam roupa assim, pra usar, uma blusa como a sua, uma saia, que as moças já faziam isso e tinham umas que não, que não sabiam e dai, foi na época que a Gi chegou e foi vindo curso, a gente foi se profissionalizando cada vez mais, e ai, a gente vai aprendendo. E ai, eu tinha mais força quando isso aconteceu, quando ele faleceu, mais força pra ter vontade de aprender mesmo e que desse certo, que desse certo pra gerar renda dali pra ajudar na família.
P/1 – E a senhora conseguiu gerar uma renda que pudesse…
R – Ajudava, com certeza, ajudava os meus filhos a pagar passagem de ônibus, eles pagavam as contas, eu comprava passagem de ônibus pro meu filho, porque era perigoso também, a faculdade não era tão longe, mas ele foi assaltado, ai ele já teve que ir de ônibus, tinha que pagar passagem de ônibus, pagar conta de energia, pagar conta de água, o dinheiro me ajudou muito. Muito, bastante!
P/1 – O Consulado da Mulher, então, a senhora conheceu através dessa rede de Economia Solidaria?
R – Foi. A gente participou, ele levava a gente nas feira da Economia Solidária.
P/1 – E vocês vendiam os produtos lá?
R – Vendia os produtos lá, eles colocavam a gente nas feiras. Fazia os contato, ai mandava a gente ir, a gente ia. Ai, teve também a quali… a gente foi capacitado, nós fizemos cursos pra aprender a… pra botar qualidade no nosso produto.
P/1 – Então, houve uma diferença depois que vocês conheceram o Consulado da Mulher?
R – Com certeza. Com certeza, se tivesse feito muitas fotos, a Gi deve ter muitas fotos, mas como era os nossos pijama naquela época, o antes e o depois, a gente vai aprendendo cada vez mais.
P/1 – E vocês já têm, assim, compradores já fixos ou não?
R – Não, a gente vai naquela feirinha… a feirinha que tem no dia 15 e dia 30 lá na Eurico, lá tem uma feira que a gente vai dia 15 e dia 30, a gente faz vendas na janela, as pessoas encomendam, mas ainda a gente não tem um vendedor fixo.
P/1 – Vocês ainda não tem…?
R – Não.
P/1 –Vocês têm algum tipo de divulgação pela internet do trabalho de vocês?
R – Já teve muito, agora deu uma parada um pouco e a gente tá tendo uma aula lá e o professor pediu que a gente fizesse as foto e colocasse no facebook, que é poderoso e vai. Porque essa moça que eu te falei dos tapetes, ela tá fazendo bastante venda assim, quando ele falou ontem, eu lembrei da venda… essa venda que coloca lá, e um vai curtindo, vai passando pro outro.
P/1 – Vai divulgando.
R – Vai fazendo divulgação.
P/1 – R dona Francisca, a senhora tem uma função… uma única função aqui no grupo de mulheres, ou a senhora faz um pouquinho de tudo?
R – Não, a gente faz… eu sou a tesoureira, eu costuro. Todas nós faz… porque agora, ó, nós somos quatro, quem talha… agora, talhar, eu talho menos, mas eu faço calcinha, eu sou mais na calcinha e a minha colega, ela faz mais os pijama, mas quando a outra não vem, eu largo a minha máquina e vou lá, sei fazer o pijama também.
P/1 – E qual a média de produção de vocês, por mês? Quantos pijamas vocês produzem?
R – Uns cem, assim, por mês…
P/1 – Calcinha?
R – Nosso trabalho… calcinha é menos, porque eu mais que trabalho na produção de calcinha, nós somos quatro, a Nazaré e a dona Dalila ficam na produção de pijamas e eu paro as calcinha e vou lá produzir, vou lá, coloco elástico, a Elizangela fecha pra mim, ai eu vou e coloco os elásticos.
P/2 – Dona Francisca, vocês formaram um grupo assim, tem documento, alguma coisa…
R – Temos, nós temos CNPJ.
P/2 – Como foi essa formação?
R – Essa formação, a Gi ajudou a gente, mas é difícil, quando você vai formar o documento, porque tinha uma moça que fez pra gente, a gente lá levava, o cartório não aceitava, cheio de idas e vindas. Demora bastante. Porque quando tu pegou a… veio pra gente, tu ainda foi varias vezes no cartório com a gente, não foi? Foi. Ela foi varias vezes pra poder a gente conseguir.
P/2 – Quem que foi?
R – A Gi.
P/2 – A Gi é de onde?
R – A Gielisandra do Consulado da Mulher.
P/2 – E tem um nome, o empreendimento?
R – É Associação de Costura Ponto de Ouro do Zumbi, ainda tem esse “do Zumbi” (risos).
P/1 – Quem é que pôs o nome? Vocês que…?
R – Foi feita uma escolha, naquele tempo tinha bem mais gente, umas 20, 25, que elas vêm em função dos cursos, que vão… da qualificação, ai, sentaram, fizeram uma roda, ai uma falava uma coisa, outra falava outra e a irmã, na época, ia anotando, ai depois, foi decidido que ia ficar Associação de Costura Ponto de Ouro, porque acharam que era um nome forte, assim, que ia dar certo.
P/1 – E dona Francisca, o quê que a senhora acha que mudou na vida de vocês, no empreendimento de vocês com o Consulado e com esse contato com a Rede de Economia Solidaria?
R – Olha, mudou bastante, porque é aquilo que eu falei assim, do antes e o depois. Antes, quando a gente caminhava sozinha e depois… eu senti a qualidade do… nosso produto ficou bem melhor, o conhecimento com outras pessoas, também veio o conhecimento, a qualidade do nosso produto ficou assim, bem melhor. Ai, naquela época, nós não tínhamos etiqueta, hoje, a gente já tem a nossa etiqueta, Ponto de Ouro, então, eu senti uma melhora grande e até eu mesmo, eu morria de vergonha de falar, eu não conseguia dar… fazer isso que eu tô fazendo agora com vocês, eu tremia. E hoje, eu já sinto que eu tô bem… bem mais…
P/1 – Já tá bem mais…
R – Isso mesmo.
P/1 – Dona Francisca, a senhora… vocês têm assim, reuniões periódicas entre outros grupos que fazem parte dessa rede aqui em Manaus?
R – Não. Não temos, assim como nós somos convidadas pelo Consulado da Mulher, a gente vai lá e faz as reuniões, mas nós mesmos assim, nós vamos se reunir com aquele grupo, nós ainda não temos.
P/1 – Mas aqui, a rotina de vocês, por exemplo, no grupo, vocês têm assim, encontros entre vocês pra decidir…
R – Isso.
P/1 – Modelos, coleção…
R – Isso ai, temos. A gente vê sempre o que tá na moda, a roupa que tá na moda. A gente procura levar isso lá pro pijama, entendeu? Se for uma roupa, mas ai, tira da roupa que tá na moda e procura levar pro pijama.
P/1 – Isso, como que vocês fazem essa pesquisa, é indo em outras lojas?
R – A gente vai nas lojas, a gente vai na Marisa, a gente vai na Riachuelo, a gente vai na C&A. A gente vai lá no shopping, na PUC, eu sempre tô dando uma passada, eu olho o que tem, eu vejo assim o que tem, quando a vendedora não tá olhando, bato uma foto (risos), ai fica olhando assim, pra ver se vem vendedor, olha se tem câmera, ai se não tiver… ai, se nada disso acontecer, a gente compra uma peça (risos).
P/1 –
Tá certo. Ai, vocês produzem e vocês fazem um teste com essa produção, com essa novidade de vocês ou não?
R – Leva pra feira. Ai, se gosta… se as pessoas gostarem, ai a gente vai…
P/1 – Ai vocês aumentam a produção?
R – Exatamente. Olha, também tem mais, tem pessoas que dá ideias, tem clientes que dá ideia, olha, tinha uma cuequinha, que uma moça lá levou pra gente fazer: “Faz isso aqui pro meu filho?”, ai, a gente fez pro filho dela, já fez mais e colocou lá, e já vendemos, olha, já é uma coisa que a gente já vai produzir mais. Sempre elas também estão dando ideias, os cliente dão ideia e a gente pega a ideia deles, faz uma peça, aquela que ela encomendou e faz mais, se der certo, ai a gente vai colocando.
P/1 – Dona Francisca, vocês têm uma rotina fixa aqui, assim, um horário?
R – Segunda à sexta-feira de uma da tarde às cinco. Terça e quinta, pela manhã, das sete às dez, porque eu preciso fazer exercício físico e faço na UFAM, é uma faculdade, acho que vocês já… faço lá, mas faço só duas vezes, e o medico quer que eu faça cinco vezes, mas até agora, eu tô em duas porque eu tenho um problema na coluna que tem dia que u não consigo nem me mexer que tá tudo dolorido. Então, ele pediu que eu arrumasse um local que eu fosse, ele mesmo indicou que eu fosse na UFAM pra melhorar e eu sinto uma melhora assim… só que essa semana, faltei a semana passada e já tô faltando essa semana.
P/1 – Ai, no caso, as outras empreendedoras aqui, do Ponto de Ouro, elas trabalham, ou só a senhora que fica aqui?
R – Agora, a gente tá fazendo… não, nós trabalha tudo no mesmo horário, porque quando eu não venho pela manhã, nós vem pela tarde,, terça e quinta que eu vou na UFAM, eu venho… a gente vem pela tarde. E segunda, quarta e sexta, nós vem… terça e quinta, nós vem de manhã, segunda, quarta e sexta, nós vêm a tarde, quatro horas, todo dia, porque a gente cuida das nossas casas também, tem que fazer comida, tem que lavar roupa, cuidamos da casa e da associação.
P/2 – O quê que vocês fazem sempre juntas, assim?
R – Aqui? Os pijamas.
P/2 – Mas por quê que vocês preferem trabalhar sempre no mesmo horário, todas?
R – É porque… aqui, tem umas meninas que elas fazem outras atividades, elas fazem atividade física, tem uma senhora que tem 70 anos, ela faz na ADCAM, atividade física, a Elizangela, ela já é recomendada a fazer, mas ela ainda não foi fazer. A Nazaré toma conta da neta, porque a filha cursa faculdade, ai, por isso que a gente vai vendo o horário que elas estão fazendo alguma coisa em casa ou se vai fazer exercício físico e a gente vai se revezando.
P/2 – Mas Francisca, por que vocês preferem fazer todas no mesmo… trabalhar todas no mesmo horário, assim?
R – É porque na máquina, a gente depende uma da outra. A Elizangela faz um trabalho aqui e passa pra aquela máquina, pra outra já, porque o trabalho da Elizangela depende de outra pessoa que fica naquela máquina. Ai, a pessoa costura lá e manda de volta pra ela, pra ela finalizar. É assim. E dona Dalila tem que estar sempre talhando, que é pra não faltar, e dona Dalila faz também… faz a limpeza e coloca nos sacos, pra empacotar. E elas não querem muito vim só, assim. Às vezes, eu disse pra dona Dalila: “Se a senhora quiser ir lá só, pegue a chave na minha casa”, não, porque elas têm medo do ladrão na janela. Ai, quando eu venho sozinha pra cá, às vezes, eu venho, mas eu fico de janela fechada, é perigoso a gente sozinha ficar aqui, porque agora, tinha a escola de informática aqui, a escola fechou, não fica mais ninguém, ai fica uma só. Eu tranco tudo, só fico aqui, eu acendo a luz e fico costurando, às vezes, eu venho. Quando eu tô assim, muito atrapalhada, às vezes, se eu sair, fica muita costura pra mim fazer, tem muita calcinha e tem que entregar, ai eu venho, sozinha, ai eu deixo tudo fechado, tranco tudo e costuro aqui, sozinha.
P/12 – Mas todo mundo em rede é melhor?
R – É melhor, bem melhor.
P/1 – Dona Francisca, vocês pagam aluguel aqui, ou é cedido?
R – Não, não, ninguém paga aluguel, mas eu faço uns trabalhos na igreja, assim, que é bem puxado, mas ai eles não cobram nada, nem fala nada, ninguém paga nem energia.
P/1 – E nem água?
R – Não, porque a conta da igreja, ela é taxada, se a igreja, o padre vai lá usa energia, aqui paga 52 reais. Ai, mandam fixa essa conta toda vez, ai ninguém cobra nada de nós. Mas ai, eu faço bastante trabalho na igreja, Elisângela faz menos, mas eu faço…
P/1 – E o quê que você faz?
R –
Na igreja? Eu tenho que chegar cedo, eu tomo conta das chaves, isso é uma… porque tá sempre gente lá saindo da minha casa: “Chave tal pra isso”, “Chave tal pra isso”, dia de sábado e domingo, os meus filhos nem… eles dizem assim: ‘O dia que a senhora não tiver aqui em casa, eu não vou entregar essa chave”, eles falam, mana, não para, às vezes, eu quero… eu tenho cadastro pra fazer no computador, e até agora eu ainda não consegui, porque sempre quando eu me sento na frente do computador, tem gente chamando: “Chave pra isso, chave pra aquilo…”, o pedreiro tá aqui em cima, chegou, o eletricista veio entregar isso, eu tenho que vir aqui, estão precisando disso, tem que comprar aquilo… ai, tem o café da manha, dia do café da manhã, é nós que viemos aqui fazer os salgados, pelo menos os salgados eu aprendi a fazer (risos).
P/1 – Dona Francisca, e o que é importante, hoje, pra senhora?
R – Eu estar… me sentir realizada, eu sei fazer alguma coisa hoje, eu tenho uma profissão. Depois que o meu marido faleceu, a minha vida ficou bem ocupada, que eu não tenho muito tempo de pensar em outra coisa, por isso que eu aceitei todos os cargos da igreja, aceitei a ficar aqui, vou na UFAM, a minha vida é assim, bem corrida, porque quando eu chego em casa, eu já tô bem cansada e durmo e no outro dia, o dia amanhece e começa tudo de novo. Quando… logo assim que o meu esposo… eu não ficava em casa. “Tem que comprar tecido pra Associação” “Eu vou”, ficava pela rua, chegava e mal passava lá em casa… a minha casa, eu só passo, pessoal diz: “Olha, eu fui na tua casa, tua casa tá sempre fechada”, eu digo: “Eu não moro ai, eu só passo e vou dormir” (risos).
P/1 – Dona Francisca, a senhora chegou a ter… a senhora já teve um relacionamento depois que…?
R – Com ninguém! Sete anos, tô sozinha. Sabe que o pessoal fala assim: “Tu tem que arrumar um namorado, não aparece ninguém?”, digo: “Aparece, só que quando eu arrumar, eu tenho que arrumar um de qualidade”, ela diz: “Tu tá esperando o teu marido de novo” (risos) “Tá esperando o teu marido de novo”, digo: “Não tô não, sei que ele não volta, mas tô só”.
P/1 – E dona Francisca, quais são os sonhos da senhora, hoje?
R – O meu sonho… eu pretendo terminar a construção da minha casa, finalizar e tal, tá faltando ainda algumas coisas. Finalizar, ver meus filhos todos formados e eu tá bem também comigo mesma e feliz (risos).
P/1 – Tá certo. Dona Francisca, quer acrescentar alguma informação que eu não tenha perguntado sobre o empreendimento?
R – O quê que eu não falei, Gi, que tu acha que eu deveria ter falado e não falei, que eu esqueci? Eu falei tanto! (risos), eu falei tanto! Eu quero agradecer, o Consulado da Mulher pela oportunidade que deu pro nosso empreendimento, pro nosso grupo, que a gente cresceu bastante com ajuda do Consulado da Mulher, a gente… o Consulado da Mulher doou máquinas pra gente, se a gente tem máquinas, hoje, industriais, foi através do Consulado, doou balança, doou os materiais, assim, que a gente não tinha, maquinário de qualidade. Se hoje a gente tem, foi pelo Consulado da Mulher, foi através, então, eu quero agradecer e obrigada por tudo.
P/1 – Tá certo. E o quê que a senhora sentiu contando a historia da senhora?
R – Foi um resgate lá atrás (risos). Olha, já não consegui chorar quando eu falei da morte do meu marido. Que eu não conseguia, eu nem tocava nesse assunto, eu nem… ainda tem uma coisa, olha, quando um pergunta pelo meu marido, nem todo mundo sabe, o meu sobrinho ainda riu, porque a gente foi na Ponta Negra, que o meu sobrinho, ele toma muita conta assim, de mim, pra mim não viver só, ele vem me buscar pra passear na Ponta Negra, pra ir do outro lado do rio, ele faz muito isso. Ai, ele disse assim… ai, a gente passeando lá na Ponta Negra, ai vem um amigo do meu marido: “Cadê o Lucival?”, digo: “Ele tá lá em casa”, mana, meu sobrinho riu tanto, chega… todo mundo riu, ai ele disse assim: “Tia, por quê que a senhora não disse pra ele que ele faleceu?”, eu digo: “Mas eu não falo pra ele e nem pra ninguém que não sabe, eu não falo, eu digo que tá lá em casa” “Por quê que a senhora fala isso?”, eu digo: “Porque homem é enxerido, se eu vou dizer que tô viúva, ele vai começar dar em cima de mim”, mas é verdade isso. Tinha um… quando eu tava comprando material de construção da minha casa, eu ia com o meu esposo, a gente ia comprar. Quando eu cheguei lá, que ele perguntou por ele, sim, ai eu peguei e falei, foi desde disso que eu usei essa outra estratégia, porque ai, ele chegou lá, ele perguntou por ele, ai eu falei que ele tinha morrido num acidente, tal, contei a historia. Ai, o meu celular… ai, eles faz um cadastro, e o numero do meu celular ficou lá, passou assim, uns dois dias, o meu telefone não parava mais de tocar, o homem dando em cima de mim, meu marido tinha terminado de falecer, ai o que foi que eu fiz? Peguei meu celular, dei pro meu filho e fiquei… não contei nada pro meu filho, ai o meu filho trabalhava no INPA nessa época, ele dizia: “Mãe, tem um homem que não para de ligar pra senhora”, ai eu disse pra ele assim: “Não, tu lembra do curso que eu fiz lá no Sebrae? Deve ser aquele pessoal de lá que eu conheci, deve ser eles que ficam ligando”. Ai, ele disse que o homem ligou, também chegou um dia que não ligava mais. Então, eu usei essa estratégia de não falar por causa disso. É por isso que eu não falo, ai o meu sobrinho não sabia, ele disse: “Tia…”, eu digo: “Tem pessoas que perguntam por ele e eu digo: ‘tá lá em casa’”, ele disse: “Quer dizer que ele nunca foi enterrado?”, digo: “Foi, tu sabe que foi, mas eu falo sempre que ele tá lá em casa” (risos).
P/1 – Tá certo. Dona Francisca, em nome do Museu da Pessoa, nós agradecemos o depoimento da senhora e parabéns.
R – Obrigada (risos).Recolher