Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Gilmar Santos da Silva
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 07/10/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_20
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Primeiro, G...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Gilmar Santos da Silva
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 07/10/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_20
Transcrito por Liliane Custódio
P/1 – Primeiro, Gilmar, fala pra gente o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – O meu nome é Gilmar Santos da Silva. Nasci em Rio Formoso dia 8 de junho de 1984.
P/1 – Agora o nome completo do seu pai e da sua mãe e se você lembrar data e local de nascimento. Só se lembrar.
R – Arnóbio Ferreira da Silva e Maria do Carmo Santos da Silva. Local de nascimento dos meus pais é Rio Formoso, Pernambuco, Brasil.
P/1 – E o que os seus pais faziam ou fazem profissionalmente, Gilmar?
R – Bom, o meu pai, ele era cortador de cana. Como morava lá em Formoso, enfim, ele começou a trabalhar com oito anos de idade por conta de ter perdido o pai muito cedo, uma família de 15 irmãos, muita gente pra minha avó estar sustentando. Então ele foi praticamente obrigado a procurara alguma coisa realmente pra ganhar dinheiro pra sustentar também os outros irmãos. Essa é a história que ele me conta sempre, eu gosto muito e abraço muito essa história do meu pai.
P/1 – Quando você era pequeno ele continuava sendo cortador de cana?
R – Isso. Ele ficou cortando cana até 1992 que foi a época que a gente mudou pra aqui pra São Paulo. Então os outros anos anteriores ele sempre cortou cana, enfim, eu sempre o acompanhava, algumas vezes ia com ele também. Às vezes quando tinha que receber o pagamento ia com ele, tudo. Sempre acompanhando.
P/1 – E quando ele chegou a São Paulo ele foi trabalhar com o que?
R – Olha, meu pai não sabe ler, não sabe escrever de jeito nenhum. Até que a gente lá em casa tentou varias vezes ensinar, mas ele é pernambucano, nordestino e às vezes é cabeça dura. Então não quis de jeito nenhum aprender. Eu não sei se é não quis, eu acho que tem dificuldade, chegando tarde em casa, o dia inteiro de serviço, enfim, batendo o cansaço e mesmo a gente insistindo foi realmente difícil. A única coisa que ele sabe fazer realmente é escrever o nome dele com muita dificuldade, Arnóbio Ferreira da Silva, com muita dificuldade mesmo. E assim que ele chegou aqui foi muito difícil, uma pessoa sem saber ler, sem saber escrever, sem saber outra profissão, que a profissão que ele sabia realmente era cortar cana, boia-fria, cortar cana. Chegou aqui foi procurar alguns empregos, o emprego que ele encontrou foi de encanador, na época foi de ajudante de encanador, 92.
P/1 – Ele trabalha até hoje?
R – Olha, até hoje ele está trabalhando, sim. Agora como ele cansou de morar aqui em São Paulo realmente, ele percebeu que os filhos, eu estou com 30 anos, tem a minha irmã que está com 27, a outra está com 24, todo mundo já trabalhando, enfim, ele e a minha mãe decidiram voltar. Ele falou assim, o emprego que eu tenho aqui hoje eu posso conseguir lá também e lá ele trabalha por conta. Ele agora pega os serviços, vamos dizer que agora ele é um autônomo.
P/1 – E a sua mãe?
R – Bom, a minha mãe sempre foi dona de casa, dona do lar, sempre cuidou da gente, enfim. Mas mesmo assim quando chegou aqui em São Paulo foi procurar alguns serviços como diarista. Ela chegou aqui, algumas casas de família, tudo, pra conseguir o dinheiro, conseguir tudo e foi muito difícil, difícil mesmo. Porque assim, com três filhos, eu na época tinha oito anos, a Gilvânia que é a minha irmã tinha cinco e a Gilderlânia tinha três anos. Então praticamente eu que ficava em casa cuidando das minhas duas irmãs. Cuidava, a gente tinha que levar na escola, buscar na escola, às vezes tentar fazer alguma coisa em casa pra gente almoçar, tudo. Enquanto isso ela estava lá trabalhando e quando dava ela levava a gente lá pra casa da patroa dela, que era próximo lá da minha casa realmente. Isso quando dava, não era sempre.
P/1 – E como é que os seus pais são assim de jeito, de personalidade, se você fosse descrevê-los assim pra alguém que não conhece, como é que você descreveria o seu pai e sua mãe?
R – Meu pai e minha mãe eu posso falar que eles são muito divertidos demais. Por todas as dificuldades que aconteceram, que ocorreram, que teve, sempre tentou levar e passar pra gente tranquilidade, sabe? Nunca deixar aquela dificuldade chegar na gente. Como posso dizer mais sobre eles? É que é difícil a gente descrever os nossos pais, minha mãe e meu pai são pessoas que eu adoro, que eu amo muito, sinto muito a falta deles aqui próximos da gente. Vai fazer uns três anos já que eles fora embora, decidiram. Essa alegria que eu sinto falta. Meu pai e minha mãe gostam muito, adoram ter as pessoas próximas, principalmente família, amigos. Descrevê-los assim.
P/1 – Gilmar, você sabe qual que é a origem da sua família? Os seus antepassados da onde que vieram, como é que é a formação da sua família?
R – Olha, eu já tentei algumas vezes buscar, perguntar pro meu pai, enfim. Meu pai não sabe, ele sempre fala que o pai dele era lá do sertão, lá de Pernambuco, mas a origem realmente ele não consegue descrever. Não consegui identificar que realmente é uma coisa que eu gostaria de saber. Mas o que minha mãe fala é que minha avó era quilombola. Tem um bairro lá em Rio Formoso que é considerado uma comunidade quilombola. Eu acho que é um pouquinho isso.
P/1 – Você conheceu sua avó?
R – Conheço minha avó. Conheci o meu avô também, quando o meu avô faleceu eu tinha sete anos de idade, aí logo depois nós viemos aqui pra São Paulo. Tenho vaga lembrança dele assim, mas minha avó conheço até hoje, ela está viva ainda.
P/1 – E essa sua avó que sua mãe diz que viveu numa comunidade quilombola você conhece, ela está viva?
R – Conheço. Tá viva.
P/1 – E ela já te contou alguma história nesse sentido alguma vez?
R – Olha, ela fala muito que o avô dela era sábio. Não consigo identificar o que era sábio. Já perguntei pra ela várias vezes, mas não consegui identificar mesmo o que era realmente esse sábio que ela fala. Ela fala sabido, né? Sabido.
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – A gente chama muito de Bia, dona Lia. Os nomes mais...
P/1 – Conta pra gente um pouco, Gilmar, como é que era a casa em que você passou a infância. Foi em Rio Formoso, né?
R – Foi em Formoso.
P/1 – Como é que era a cidade, como é que era a sua casa, o bairro? Descreve um pouco pra gente.
R – O nome do bairro era Cossocó. Cossocó o nome realmente. E assim, minha casa era casa de, não sei como é conhecido aqui, mas de taipa, de barro, sabe? De taipa ou pau a pique, não lembro o nome realmente, mas era de barro, que era de madeira chapada de barro. Morei dois anos nessa casa até mudar pra outro espaço, até minha mãe conseguir um terreno, até fazer a casa, construir, eu morei lá por dois anos.
P/1 – E essa casa e quem você se mudou como é que era?
R – Olha, nós ficamos morando dois anos, a casa de aluguel na época da minha tia, depois não deu muito certo, enfim. Aliás, não que não deu muito certo, mas minha mãe conseguiu um terreno, meu pai conseguiu comprar um terreno com todo o esforço dele cortando cana, tudo. Conseguiu comprar o terreno, conseguiu comprar os materiais pra construção e fez toda a casa e na época lá não tinha luz. Morei muito tempo com luz de candeeiro que fala, muito tempo com luz de candeeiro lá.
P/1 – Foi seu pai que construiu a casa? Ele mesmo que construiu?
R – Não. Lá foi com a ajuda de alguns amigos. Com a ajuda de alguns amigos que construiu a casa.
P/1 – E você acompanhou a construção? Você tem recordação da casa subindo?
R – Olha, da casa lá eu não tenho muita recordação, mas eu tenho recordação dela pronta.
P/1 – E como é que ela era, essa casa?
R – Ela tinha eu acho que três ou quatro cômodos, não era de reboco, era de tijolo mesmo, era de telhado, não era de laje, era telhado como a maioria das casas lá eram assim de telhado e tijolo mesmo.
P/1 – E o bairro como é que era?
R – O bairro? O bairro se chama Olho D’Água. Olho D’Água II, como até hoje é chamado, Olho D’Água II. Na época foi uma das primeiras casas que foram construídas lá. Depois de voltar lá muito tempo cresceu, outras casas, enfim.
P/1 – E a estrutura assim do bairro? Você comentou que durante muito tempo vocês não tinham luz...
R – Não tinha água encanada, não tinha nenhum saneamento básico, não tinha luz, a gente tinha que buscar lá na bica. Eu novo não conseguia pegar água de jeito nenhum, ia com um baldinho, minha mãe fala, eu ia com um baldinho buscar água lá na bica, tudo. Olha, é difícil!
P/1 – E hoje em dia mudou muito?
R – Mudou. Mudou assim, mudou por conta... Agora tem luz, tem água, tem outros moradores ao redor. O bairro cresceu bastante. Como a casa agora ela mudou, não é mais aquela casa, aquela casa meu pai há três anos foi pra lá com esse objetivo de construir, de fazer uma nova casa e já conseguiu construir.
P/1 – Seus pais voltaram pra essa mesma casa em que vocês viviam?
R – Mesma casa. E derrubou essa casa e construiu outra porque não tinha mais condições de morar nessa casa, já estava uma casa muito antiga, abandonada, muita gente ficou morando lá de aluguel. Então assim, as pessoas não cuidam e a gente morando aqui não tinha como ficar toda hora controlando isso. Minha tia que controlava, mesmo assim ela não tinha a responsabilidade, a responsabilidade não era dela, fazia o possível, às vezes as pessoas ficavam um, dois, três meses e não pagavam o aluguel. Então ela pedia sempre a casa, então quando chegou lá a casa estava num estado crítico. É por isso que teve que derrubar.
P/1 – E quando você era pequeno, Gilmar, nessa época, você lembra como é que eram as refeições na sua casa? Quem que cozinhava e o que vocês comiam?
R – Lembro sim. Lá em Pernambuco a gente come muita macaxeira com jabá, a gente fala jabá ou carne seca, enfim. Essa é a principal refeição. Lógico, tinha o arroz, tinha um feijão, tinha muito cuscuz também com ovo, bastante. É o que eu lembro, recordo-me assim.
P/1 – E quem que cozinhava na tua casa?
R – Minha mãe. Sem contar os frutos do mar tipo caranguejo, guaiamum, que é uma das principais fontes de renda lá também, que são os manguezais, né? Pra tirar, vamos dizer, o sustento também da família, de algumas famílias.
P/1 – E nos momentos das refeições assim vocês comiam juntos? Como é que era o momento da refeição na tua casa?
R – Olha, na minha casa a família são cinco, né? Eu, meu pai, minha mãe, minhas duas irmãs, sempre jantava junto. Jantava junto, né? Sempre. Isso já era, aqui mesmo em São Paulo como meu pai chegava umas seis e meia, sempre esperava ele chegar pra gente jantar todo mundo. E quando atrasava já ficava preocupado, será que aconteceu alguma coisa? Porque ele saía quatro e meia da manhã daqui, de casa, pra trabalhar longe, sem saber se ia voltar ou não.
P/1 – Você diz isso aqui em São Paulo já?
R – Isso. Aqui em São Paulo.
P/1 – E lá você lembra como é que era o cotidiano do trabalho do seu pai?
R – Lembro sim. Como ele trabalhava como cortador de cana, ele ia de madrugada, trabalhava até no máximo meio dia. Meio dia por conta do sol muito quente, tudo. Meio dia. Sem contar que ele era jogador de futebol, né? Ele conta várias histórias que já jogou contra o Rivaldo, enfim. Eu não acredito muito, não, mas ele fala: “Não. Eu já joguei sim. O Rivaldo na época tinha 17 anos, joguei contra ele”. Não vi nenhuma foto, não vi nada, mas eu acredito agora porque assim, alguns dos meus primos que viram, o pessoal sempre viu na época, que já me falou, já contou.
P/1 – Mas como é que é essa história de ele ser jogador de futebol? Quando é que ele começou a jogar? Onde ele jogava?
R – Ele sempre gostou. Assim, lá no Nordeste um dos principais lazeres também é o futebol. Tem vários campos de futebol, então toda vez quando chegava do corte de cana ia jogar. Não só ele, assim como os irmãos dele sempre iam jogar. Ele teve algumas oportunidades de ser jogador profissional, mas ele não quis.
P/1 – Não quis? Por quê?
R – Não quis. Não sei, ficar longe da família e outra coisa, naquela época era muito diferente do tempo de hoje. Muito diferente mesmo. E não quis de jeito nenhum ficar longe da família, daquela vida que ele tinha.
P/1 – Ele chegou a jogar em algum time pequeno?
R – Não. Na cidade tinha um time chamado Atlético, que era o melhor time da região de tudo. Ele sempre falava que era o melhor time da região, mas nunca jogou em nenhum time grande profissional lá de Pernambuco, não.
P/1 – Mas jogou no Atlético?
R – Mas jogou contra o Santa Cruz, que é um time grande lá de Pernambuco que foi lá na minha cidade pra jogar. É a história que ele sempre fala.
P/1 – Mas quando você já era nascido ele ainda jogava?
R – Jogava. Eu o acompanhava e tudo, levava-me pros campos de futebol. Acompanhava tudo sempre, sempre fui com ele.
P/1 – E onde que ele jogava, ele e os irmãos?
R – Jogava no campo próximo a casa dele e nas cidades vizinhas, que tinha bastante campo.
P/1 – Você chegava a acompanhar, você mencionou rapidinho assim no começo, que quando você era pequeno você chegou a acompanhar algumas vezes ele no trabalho, né? Você lembra como é que eram esses momentos ou como é que era o trabalho, acompanhar no corte de cana mesmo?
R – Lembro sim. Alguns momentos eu consigo lembrar, porque assim, como na época eu não estudava, ainda era muito novo, ele me levava algumas vezes. Não era sempre, já fui algumas vezes com ele, enfim, esperava ele cortar, tudo. E assim, o filho se espelha muito no pai, vendo o pai cortando cana eu também queria fazer aquilo. Eu agradeço até hoje de ter saído daquele lugar. Não que lá é um lugar ruim, mas a oportunidade que eu tive aqui em São Paulo.
P/1 – E quando você era pequeno, Gilmar, do que você brincava? Com quem você brincava e do que você brincava?
R – Olha, gostava muito de brincar de bolinha de gude, pião, pião que meu pai fazia na época, ele cortava lá, fazia os meus piões, ele que me ensinou. Carrinho, na época não tinha carrinho, na verdade era lata, a gente pegava lata de leite, de óleo, enfim, emendava uma na outra com arame e saía arrastando. Isso era o carrinho que tinha na época lá. Essas eram as principais brincadeiras. E futebol também.
P/1 – E o pião você falou que o seu pai fazia, como é que ele fazia?
R – Ele confeccionava com a madeira da goiabeira, acho que era goiabeira que era uma das melhores pra fazer o pião na época, eu não sei hoje, que falavam que era melhor, enfim, pra brincar, pra jogar. Era a melhor.
P/1 – Você o acompanhava fazendo?
R – Acompanhava.
P/1 – E como é que era?
R – Ele fazia mesmo com a faca. Com a faca mesmo ia eu não sei se é retalhando, ia retalhando e fazia mesmo, aí pegava o prego, colocava o prego, depois cortava e ia fazendo a ponta do peão. Você tá me lembrando de muita coisa, viu?
P/1 – E futebol? Você falou que você gostava também.
R – Gostava.
P/1 – Onde você jogava?
R – Gostava porque eu acompanhava com ele. Acompanhava muito com ele, não era tão bom quanto meu pai nem sou tão bom como meu pai.
P/1 – Mas onde você costumava jogar?
R – No campo mesmo onde meu pai jogava. Era pequeno, mas só brincava de futebol, não jogava mesmo, só brincava.
P/1 – Você torce pra algum time?
R – Torço.
P/1 – Pra qual?
R – São Paulo Futebol Clube.
P/1 – E você lembra como é que você se tornou são-paulino? Quando você decidiu assim que ia ser são-paulino?
R – Olha, decidi quando eu vim pra São Paulo. São Paulo assim, vou pra São Paulo. Chegar lá que time vou torcer? Na época de 92, eu tenho 30 anos, na época de 92 pra 93 foi a época que o São Paulo estava ganhando tudo, né? Ganhando Libertadores, Mundial, e justamente foi quando eu cheguei aqui em São Paulo que realmente vim assistir televisão, porque lá em casa não tinha televisão, aí acompanhar. Foi nesse... Aí eu assim: “Vou ser são-paulino”.
P/1 – E quais são as primeiras lembranças que você tem da escola, Gilmar? Que idade você tinha quando você começou a frequentar e quais são as recordações que você tem?
R – Olha, eu estudava lá em Pernambuco. Com oito anos eu estudava lá em Pernambuco, até hoje quando eu vou lá eu vejo a escola, estudei em duas escolas, que uma era Paulo Guerra e outra era Silvério, lembro até hoje o nome das escolas. Agora, da sala de aula não lembro tanto, da sala de aula mesmo não lembro muito. Lembro mais de alguns passeios que foram feitos. Que nem na época era: “Vamos passear no Sítio de Siqueira”. O que é Sítio de Siqueira? É um local onde tinha uma bica, enfim, minha mãe fazia meu lanchinho, fazia tudo pra ir pra esse sítio. Agora de aula mesmo não lembro muito.
P/1 – E professora assim ainda em Pernambuco teve algum professor marcante?
R – Teve a Neuza. Professora Neuza. Acho que era Neuza, professora que depois de muitos anos que eu vim reencontrá-la em Pernambuco quando eu viajei, aí vim reencontrá-la.
P/1 – Por que ela foi marcante pra você?
R – Ah, foi praticamente a minha primeira professora, foi ela que eu me recordava assim ligeiramente. Foi ela.
P/1 – E como é que foi esse reencontro?
R – Olha, foi engraçado que foi até em um passeio que eu fiz lá, depois minha mãe falou: “Gil, você se lembra da Neuza?” “Mãe, eu lembro pouco”. Aí ela foi falando: “Essa aqui foi sua primeira professora, enfim”. Mas eu lembrava pouco dela sim.
P/1 – E você lembra assim quando você era criança o que você queria ser quando crescesse?
R – Olha, quando era criança, não, mas quando eu já tinha meus 13, 14 anos já sabia o que eu queria ser. Não sabia se eu ia conseguir ou não, que eu queria ser professor de educação física, que sou hoje.
P/1 – E você lembra por quê?
R – Lembro. Posso te falar tranquilamente. É porque eu ficava incomodado com as atividades que eram realizadas nas escolas. O professor chegar na escola e praticamente falar: “Toma a bola, pode jogar”. Eu acho que não é isso. Eu queria mudar, queria fazer outras coisas. Queria mudar essa realidade. Eu acho que eu estou conseguindo depois de alguns anos desenvolver isso lá no Eremim, não nas escolas, né? Que os educandos que estão lá no Eremim têm muita diferença dos educandos que estão na escola hoje, eles sabem muita coisa, sabem muita coisa mesmo.
P/1 – Já com 13, 14 anos você se sentia incomodado com as aulas...
R – Sentia incomodado. Muito. Porque sempre foi a mesma coisa. Nunca mudou, se eu tive uma aula foi muito, bem ministrada, bem desenvolvida foram poucas. E assim, o interesse dos educandos era pouco na época também.
P/1 – Você se mudou pra São Paulo com oito anos, foi isso?
R – Com oito anos.
P/1 – E antes dessa mudança pra São Paulo, eu queria saber se tem alguma história, algum episódio que você tenha vivido ainda lá em Pernambuco que tenha te marcado assim. Uma coisa que você lembre até hoje. Qualquer tipo de coisa, essas histórias que ficam na memória assim.
R – Histórias. Deixa-me ver. Isso antes?
P/1 – Antes da mudança.
R – Antes da mudança?
P/1 – É. Uma coisa que você sempre lembre assim do seu passado, mas dessa fase de infância ainda em Pernambuco.
R – Olha, eu era um pouquinho meio arteiro quando eu era mais novo, quando morava lá. Eu lembro uma história assim que é um pouquinho chato, mas na época minha mãe estava grávida, enfim, como eu te falei, eu era um pouquinho meio arteiro, tudo, e eu lembro ela correndo o campo atrás de mim querendo me bater, querendo me bater. É uma história assim, aí ela não conseguiu, ela pegou e jogou um pedaço de madeira, uma peça de madeira, cruzou minha perna, depois ela deu uns tapas. Uns tapas assim, é uma história que eu lembro.
P/1 – O que você tinha feito, você lembra, pra ela ficar brava assim?
R – Não lembro. Não lembro. Outra história também que eu lembro o meu cachorro quando faleceu, eu chorei muito.
P/1 – Conta pra gente que cachorro era esse.
R – O nome dele era Lobão. Lobão. Eu adorava esse cachorro, esse cachorro acompanhava meu pai lá pro corte de cana, tudo. Adorava. Quando meu pai chegou em casa e falou que ele tinha falecido, porque tinha uma pista, tinha as estradas, são estradas que cruzam praticamente o Nordeste, então ele falava pista lá. Aí foi cruzar e o carro atropelou. Aí chegou e falou assim que o Lobão tinha falecido, não o deixou... Chorei tanto. Imagina. Aí peguei mais um cachorrinho, mas não era a mesma coisa. São umas histórias...
P/1 – Você lembra quando é que você ganhou o Lobão ou desde que você lembra vocês já o tinham?
R – Desde que eu lembro já o tinha. Que eu lembre, né? É muito tempo já. Lembro-me de muita coisa ainda.
P/1 – E essa mudança pra São Paulo, Gilmar, você sabe por que sua família decidiu se mudar e como é que foi essa mudança? Que recordações você tem assim, do deslocamento mesmo até São Paulo, do processo de mudança?
R – Como eu te falei, o meu pai era cortador de cana e minha mãe lá não tinha nenhum emprego, não tinha nada com três filhos e ganhava pouco, pouco demais. Ainda mais depois que meu avô faleceu, antes de 92. 92, 91 ele faleceu aí que minha mãe realmente decidiu mudar. Aí já tinha nossa casa lá, tinha os móveis, tinha tudo, começou a vender tudo até pra comprar a passagem pra vir aqui pra São Paulo sem saber como que ia ser aqui, com muito receio mesmo. Tinha na minha cabeça uma imagem de São Paulo que quando eu cheguei aqui totalmente diferente. Vim morar no bairro Rochdale sem estrutura nenhuma também, sem nada, sem casa, ficar na casa de parente, morar num espaço menor que esse aqui que nós estamos, pra cinco pessoas, e assim foi. Foi doido assim e é difícil quando você chega num lugar que você pensava ser de um jeito, é totalmente de outro. E na época minha mãe falou: “Quero voltar. Quero voltar”. Porque meu pai o emprego que ele conseguiu aqui foi de ajudante de encanador, não é lá essas coisas, o salário era pouquíssimo. Ela falou assim: “Quero voltar. Quero ir embora. Não quero ficar mais aqui”. Por quê? Não ia ficar a vida toda morando na casa de familiar. E assim, depois ela falou assim: “Eu vou fazer o que aqui se não tem emprego direito?”. O que meu pai ganhava era pouco, aí ela foi atrás de uma casa. Tanto que ela conseguiu.
Conseguiu uma casa não, conseguiu um terreno, ficou indo na prefeitura sempre: “Olha, tem tal espaço em tal lugar, X lugar lá que tem um espaço que dá pra fazer uma casa”. Ficou indo lá várias vezes, várias vezes, tanto que um dia chegou um rapaz lá, não vou falar o nome, tá? Chegou um rapaz lá e a chamou pra medir o terreno. Ela saiu de casa muito feliz, lembro como se fosse hoje, medir o terreno, o terreno era cinco por 15, na verdade tinha outros espaços também, mas acabou dividindo pra três famílias, deu o espaço que eu moro hoje. Aí que ela não foi embora, continuamos aqui. Aí até conseguir pra construir a casa, tudo, é o mesmo processo lá de Pernambuco, com a ajuda dos amigos pra construir a casa.
P/1 – Mas aí então na insistência ela conseguiu o terreno?
R – Conseguiu. Porque senão a gente ia embora, a gente não ia conseguir ficar aqui, porque as dificuldades que tinham ela falou: “Não, prefiro ficar na minha terra lá”.
P/1 – E como é que era essa casa que vocês construíram aqui?
R – No início foi aquele negócio, aquele desespero, pegar, levantar logo, fazer só a parte debaixo, fecha com madeirite, vamos pra dentro. Só tinha a cozinha e um quarto, só dois cômodos. Aí aos poucos foi construindo, hoje já está um pouquinho maior.
P/1 – E essa viagem de Rio Formoso pra São Paulo como é que foi? Que recordações você tem da viagem mesmo? Como é que vocês vieram assim de meio de transporte, quanto tempo durou e quais são as suas lembranças?
R – Olha, a gente fala que dura três dias, mas na verdade são o que? 48 horas de Pernambuco pra aqui pra São Paulo. São dois dias, conta dois dias. E assim, é uma viagem cansativa, todo mundo novo, enfim, incomodado. Quando nós retornarmos pra lá também foi de ônibus. A recordação que eu tenho foi essa.
P/1 – E o que vocês levaram do Rio Formoso pra São Paulo? O que vocês trouxeram, né? De coisas mesmo pessoais.
R – Roupa. Roupa mais de calor porque frio lá tinha pouco e algumas coisas, umas panelas da minha mãe. Acho que foi mais isso que trouxe. Foi pouca coisa. Não foi muita coisa, não.
P/1 – E você se lembra da chegada em São Paulo, do desembarque em São Paulo?
R – Lembro. Foi na rodoviária do Tietê. No Tietê com alguns amigos, uns vizinhos foram lá buscar, ao invés de ir de carro nós viemos de ônibus também, foi todo mundo dentro do ônibus até chegar ao bairro do Rochdale.
P/1 – E você falou que a imagem que você tinha da cidade era muito diferente do que você encontrou. Por quê? Que imagem que você tinha?
R – Porque assim, as pessoas sempre falavam São Paulo é isso, São Paulo é aquilo, São Paulo tem prédio, então chegava aqui, via aquele monte de prédio, vou morar num prédio. Não foi bem isso, né? Fui morar em um cômodo próximo do rio, quando chovia entrava água em casa, enchente, tudo.
P/1 – Como é que era o Rochdale naquela época, o bairro?
R – O bairro? Era uma situação muito precária. Horrível. Assim, porque não tinha estrutura também nenhuma. Hoje é totalmente diferente. Eu falo totalmente porque mudou muita coisa. Visualmente mudou demais, chegaram outras pessoas, quando foi chegando as pessoas chegaram outras coisas lá também, eu falo em relação ao tráfico, muita gente chegando. Por pouco eu não quase entrei nessa vida assim, graças a Deus eu tenho pai e tenho uma mãe que me protegem muito. Umas das lembranças que eu tenho do bairro é essa enchente, mas uma enchente mesmo.
P/1 – E quando você chegou você começou a frequentar a escola logo de cara? Como é que foi?
R – Cheguei numa semana, na outra já fui pra escola. Fui pra escola com muita vergonha, demais, principalmente do sotaque que às vezes quando você chega, é algum nordestino chegando aqui em São Paulo as pessoas já começam a dar risada. Eu falo até hoje que eu nem respondia a chamada, porque a primeira vez que eu respondi a chamada eu falei: “Presente”. A sala toda começou a dar risada. Toda, toda e depois nem consegui mais responder a chamada. Quando chamava Gilmar eu levantava o braço. Era isso. E assim, muito tímido mesmo. Muita vergonha demais na sala, acho que algumas vezes minha mãe foi chamada na escola pra saber como que eu era, se eu tinha algum problema porque eu não conversava na sala, não conversava com ninguém, mas era por conta disso, com a vergonha mesmo de conversar, de falar na sala. Aí a minha mãe: “Não. Não tem nenhum problema porque em casa ele é totalmente diferente, conversa, dá risada, diverte-se”.
P/1 – E como é que foi essa adaptação assim? Você lembra como é que você foi se sentindo mais a vontade? Teve alguma situação que tenha te ajudado na adaptação na escola?
R – Olha, até a quinta série, enfim... Hoje é quinto ano, mas a quinta série eu era do mesmo jeito, tinha muita vergonha. Tímido demais. Agora eu acredito que eu comecei a melhorar depois que eu entrei lá no Eremim. Tem algumas atividades que eu fui realizando, fui fazendo. Hoje tenho muita vergonha, sou muito tímido mesmo, mas acho que eu consigo conversar mais tranquilamente assim.
P/1 – E a impressão que você teve dessa primeira escola, você lembra se era muito diferente da escola que você tava habituado? Além dessa questão do sotaque tinha outras coisas? Qual que foi sua impressão? Em termos de ensino foi tranquilo? Como é que foi?
R – Tive dificuldade, muita dificuldade, principalmente em questão de ensino. Algumas vezes tinha ficado não de recuperação, mas quando todo mundo já saía de férias eu ainda ficava na escola, alguns anos aconteceu isso. Tipo, ele não vai repetir, mas precisa ficar mais uma semana, duas semanas na escola pra ainda... O que eu mais me recordo é isso.
P/1 – E teve aqui já em São Paulo durante o ensino básico algum professor marcante?
R – Professor marcante?
P/1 – É. Alguém que tenha sido mais significativo, especial. Dentro do ensino básico até você terminar o ensino médio.
R – Olha, tinha a professora Andréia, professora de Matemática e tinha o professor Luiz de História.
P/1 – E por que assim você se lembra deles?
R – A professora Andréia porque todo mundo da sala adorava e assim, era uma ótima professora, por exemplo, de conversar com os educandos, com os alunos, na escola é alunos, com os alunos, de dar atenção realmente, acho que foi o principal. E do professor Luiz era mais, lembro-me, recordo-me pela idade dele, de estar uma idade já avançada e ainda se dedicando a dar aula.
P/1 – Você tinha uma matéria preferida?
R – Se eu tinha uma matéria preferida? Olha, tinha, Educação Física. Assim preferida, mas não era do jeito que eu queria.
P/1 – E como é que você ia e voltava pra escola nessa época?
R – Na época ia a pé. No início minha mãe começou a me levar, depois ia sozinho com os meus primos, com os vizinhos.
P/1 – Você fez até o final do ensino básico nessa escola, nessa mesma escola?
R – Isso. Lá no Casabona. Eu cheguei aqui eu comecei na segunda série até o ensino médio, terceiro ano, na mesma escola.
P/1 – E você mencionou aqui pra gente que no bairro pra qual você se mudou, Rochdale, tinha problema de tráfico e aí que em algum momento você talvez pudesse ter se envolvido com aquilo, mas que conseguiu sair disso. Teve uma situação específica ou uma história específica em que você tenha tido contato.
R – Eu falo assim porque vários amigos meus... Amigos não. Colegas de brincadeira na rua, enfim, todos a maioria se envolveu de ser usuário, de vender mesmo. Tiveram algumas situações tipo não que me ofereceram, mas falaram segura, eu sem saber direito segurei, mas depois eu: “O que é isso?”. Tanto que essas pessoas alguns já faleceram, outros estão presos.
P/1 – E seus pais chegaram a conversar contigo sobre isso?
R – Olha, conversa realmente eu não me recordo, conversa mesmo. Mas eu acho que não precisava da conversa, acho que a partir do momento que você tem um pai, uma mãe que te dá atenção, preocupa-se com você, igual o meu pai sempre fala: “Gil, eu quero que você estude. Só”. Eu levo isso assim ao pé da letra realmente. “Eu quero que você faça o que eu não fiz”. Ele não teve a oportunidade de estudar, acho que ele estudou até a segunda série e não aprendeu nada, ele falou assim: “Eu ia pra escola, saía a trabalhar...”. Enfim, não aproveitou... Ele sempre falou pra nós três, pra mim, pra minha irmã Gilvânia e a Gilderlânia estudar. Só isso.
P/1 – E teve alguma situação de amigo seu, de colegas nessa questão, na relação com droga, com tráfico que tenha te marcado?
R – Que me marcou? Assim específico não. Específico não. Foi como eu te falei, depois que eu comecei a perceber que começaram a chegar essas pessoas e o tráfico muito forte eu praticamente me afastei. Sabe, eu brincava muito na rua, soltava pipa, jogava bola, bolinha de gude, essas coisas também na época tinha aqui em São Paulo, quando eu percebi essas coisas eu fui me afastando. Tanto que depois era escola e Eremim, escola e Eremim direto. Isso eu tinha 15 anos.
P/1 – O Eremim você começou com que idade?
R – Quinze anos.
P/1 – Quinze. Nessa transição assim da infância pra adolescência, começa até um pouquinho antes dos 15, o que mudou na sua vida assim, Gilmar, em termos de amigos, lazer? O que você fazia pra se divertir? Mudou o cotidiano assim? Tinha festa, você saía?
R – Não. Eu nunca fui de sair muito. Uma porque não tinha dinheiro pra sair, pra me divertir mesmo, e quando saía era pra um local mais próximo, mais perto mesmo de casa. Não saía muito não. Sempre fui um pouco mais caseiro.
P/1 – E assim adolescência e juventude nem festa de vez em quando, casa de amigo? O que você fazia pra se divertir nessa fase de adolescência e juventude?
R – De 15, 16, 17 anos aí sim eu comecei a sair mais um pouco. Depois que eu entrei na Eremim tive outros amigos. Ah, vai ter festa em tal casa? Então vamos pra festa. Vai ter a quermesse, vamos pra quermesse. Essas fases.
P/1 – E como é que eram essas festas, quando você começou a ir pra festa?
R – Olha, na verdade a gente tinha outros interesses, né? Ah, vou pra festa, tenho 17 anos, vou namorar bastante, divertir-me, mas era muito tímido. Não adiantava muito, era tímido demais.
P/1 – E de música você gostava nessa fase de juventude e adolescência?
R – De música? Olha, nunca fui de curtir muita música. Era mais samba, gostava de samba, pagode.
P/1 – O que você escutava de samba e pagode?
R – Samba e pagode? Gostava muito de Sensação, Fundo de Quintal. Esses grupos.
P/1 – Tem alguma canção preferida?
R – Tenho.
P/1 – Qual que é?
R – É do Fundo de Quintal, Amizade.
P/1 – E por que ela é...
R – Porque eu acho que além da nossa família a gente precisa de alguns amigos próximos, né? Teve algum momento da minha vida que eu precisei desses amigos e eles me ajudaram muito, muito mesmo, principalmente quando eu descobri que ia ser pai. Então esses amigos foram os que estavam próximos de mim e me ajudaram muito.
P/1 – O que ela diz essa canção? Você lembra um trechinho?
R – Lembro. É (cantando): “Amigo, hoje é minha inspiração, se ligou em você em forma de samba mandou te dizer um outro argumento o qual nesse momento me faz viajar por toda a nossa amizade...”. Acho que é assim. Estou muito nervoso pra cantar a música, não sei cantar direito, não.
P/1 – Tá ótimo. Eu queria saber o que ela dizia mesmo.
R – Aí canta assim, tem outra parte assim (cantando): “Amizade, nem mesmo a força do tempo vai nos destruir, somos verdades...”. Vocês conhecem essa música, gente, ajuda-me.
P/1 – Uma canção sobre amizade mesmo essencialmente. Então conta pra mim como é que você conheceu o Eremim.
R – O Eremim. O Eremim é o seguinte, eu sempre gostei de esporte, de atividade física, aí no bairro colocaram algumas faixas que ia ter um projeto envolvendo esporte. Aí eu vi essa faixa, falei: “Mãe, inscreve-me, inscreve-me, inscreve-me, quero fazer, quero fazer”. Isso eu estava com 15 anos, aí eu fui junto com ela, fiz a inscrição. Aí fazia a inscrição e esperava chamar e esperar chamar era por carta. Aí chegou carta pra um vizinho, chegou carta pra outro vizinho, chegou carta pros meus primos, mas não chegou pra mim. Eu falei assim: “Eu não vou entrar, eu não vou fazer”. Aí depois passou uma semana chegou a carta lá na minha casa, foi onde que eu conheci a entidade, o Eremim, na época, o projeto.
P/1 – E aí como é que foi assim quando você foi lá as primeiras vezes? Que atividades você fazia?
R – Era grupo de jovem. Era mais atividade focando mesmo as modalidades esportivas. O curso que eu fiz era monitor esportivo e recreativo, o curso. Sem contar de cidadania, muita coisa, deixa-me ver ser eu lembro mais.
P/1 – Era um curso de monitor esportivo você falou, né?
R – Isso.
P/1 – Então era pra formar vocês mesmo pra poderem atuar como monitores esportivos?
R – Como monitor esportivo. Isso foi em 99.
P/1 – Incluía, você falou, todas as modalidades. Conta um pouquinho que atividades vocês faziam lá.
R – Olha, atividade de fundamentos de basquete, de voleibol, de natação, de handebol, de recreação. Que eu tive vários professores naquela época. Aula de ética, deixa-me ver, tive aula até de cabelo, de maquiagem, mas não eu, na época as meninas.
P/1 – Mas de cabelo você diz o que? Pra atuar como alguma coisa ou pra poder se arrumar?
R – Isso. Pra poder se arrumar, porque também tinha o foco do trabalho também. Como a pessoa não vai se vestir, mas vai se apresentar pro mercado, pra uma entrevista, enfim. O que eu me recordo é isso.
P/1 – E quantos jovens que eram nesse grupo?
R – Olha, começou acho que com 35, depois foi pra 25 jovens. É que as pessoas foram entrando e depois foi saindo.
P/1 – E era um único grupo de jovens, de monitores pra esporte?
R – Não. Tinha módulos. Cada módulo era um profissional, era um educador.
P/1 – Era um educador, mas o grupo era o mesmo de jovens?
R – O grupo era o mesmo de jovens. O grupo ficou por um ano e meio junto esse grupo. Até fechar todo o curso.
P/1 – E desses educadores que você teve contato lá teve algum que tenha sido especial pra você?
R – Desses educadores? Olha, tem um que foi o Gilson Trindade, professor de basquete, ex-jogador também de basquete. Foi um que eu lembro como se fosse hoje ele falou pra nunca desistir daquilo que a gente realmente quer. Ele falou quando ele saiu do projeto, do curso, parou de dar aula pra gente.
P/1 – Gilson Trindade então.
R – É.
P/1 – Por que ele foi especial pra você?
R – Assim, pela forma dele atuar, de desenvolver a atividade, de explicar. Foi isso.
P/1 – O que você acha que o Eremim mudou assim na sua vida, Gilmar? Quando você pensa um antes, durante e depois assim.
R – Olha, é difícil fazer essa reflexão porque o que mudou eu não sei te explicar. Foi isso, foi aquilo, eu acho que tudo é uma consequência. Não sei o que eu estaria fazendo hoje se não fosse o Eremim. Não sei. Lógico que eu tinha esse objetivo de fazer uma faculdade, de ser professor de educação física, mas já que apareceu o Eremim, não que foi um facilitador, mas foi pra decidir realmente eu quero isso. Eu falo, eu não sei o que eu estaria fazendo hoje se não fosse o Eremim.
P/1 – Você acha que ajudou a afirmar essa vontade assim?
R – Ajudou.
P/1 – E aquela questão da timidez que você tinha mencionado no começo, mudou alguma coisa?
R – Olha, lógico. Mudou. Acho que se não fosse o Eremim nem tava aqui conversando contigo. Lógico que eu tenho um pouquinho de dificuldade, porque até você colocar todas as suas ideias, tudo. Mudou porque eu tive aula de teatro, lógico que na aula de recreação tinha aula de teatro também, de improviso, tudo, várias atividades que isso foi ajudando aos poucos. Conversa em grupo, tinha que falar, acho que isso foi ajudando.
P/1 – Ajudou a se soltar e tudo.
R – Soltar mais. É.
P/1 – E qual que você acha que é a importância assim de um projeto como o Eremim pra comunidade local, pros jovens que fazem as atividades?
R – A importância, acho assim, depende de cada jovem, de cada pessoa querer realmente. Não adianta você ter um projeto naquele local e as pessoas não quererem participar, não estarem afim. Lógico que são os dois aí, tanto a família querer estar e o Eremim ou a entidade querer realmente ajudar. Acho que as duas coisas têm que estar junto aí.
P/1 – Explica um pouco pra gente o que é a Associação Eremim. Do que você sabe o que é a Associação, que tipo de atividade desenvolve, como é que ela é mantida, onde tá localizada.
R – O Eremim está localizado no bairro do Rochdale, Osasco, São Paulo. É um projeto aí que foi iniciado em 1999, então está com 15 anos de entidade, completou esse ano. Então faz 15 anos que eu participo, entrei lá na época jovem. O Eremim é um projeto praticamente não financiado, mas seu principal mantenedor é o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que é idealizador desse projeto. Como lá tinha um clube, então nem todo mundo tinha acesso a esse espaço, pra ter o acesso tinha que ser sócio, tanto que eu fui entrar a primeira vez no clube e realmente aproveitar as atividades e do clube também a partir do Eremim, do projeto Eremim em 99. Que mais?
P/1 – Você sabe por que do nome Eremim?
R – Eremim? Olha, muitos falam que Eremim é minha criança. Muitos falam que é isso, Eremim.
P/1 – E você sabe qual que é a relação que o Eremim tem com o projeto Criança Esperança?
R – Sei. Sei sim. Acho que foi no ano de 2012 onde foi... O Eremim já tinha tentado outras vezes conseguir uma parceria, ser um projeto do Criança Esperança. Tentou várias vezes, não tinha conseguido aí no ano de 2012 conseguiu ser do projeto Criança Esperança, nós fomos convidados a participar na época do programa do Serginho Groisman, no Altas Horas, foi todo mundo.
P/1 – Você foi também nesse programa?
R – Eu fui.
P/1 – E como é que foi essa experiência?
R – Foi boa. Foi ótima. Participar junto.
P/1 – E desde 2012 então até hoje o Eremim recebe recursos do Criança Esperança?
R – O que eu sei, o que eu sei realmente foi no ano de 2012 o ano que recebeu. Eu não sei se hoje recebe ainda, que tem que ser vários projetos, enfim, aí no ano de 2012 foi o ano que recebeu realmente. Não sei se hoje recebe.
P/1 – E o que você acha, qual que você acha que foi a importância, Gilmar, pro Eremim de receber esse recurso do Criança Esperança?
R – Assim, acho que são os materiais. Os materiais pra desenvolver as atividades. Na época quando o Eremim recebeu esse recurso focou muito em comprar alguns materiais pra desenvolver atividades. Foi o principal.
P/1 – Que tipo de materiais assim?
R – Instrumentos musicais tipo de corda, tipo de percussão. Foram os principais mesmo que foram comprados, que eu lembre foram esses.
P/1 – E aí qual que é a importância você acha desses materiais pra poder fazer as atividades?
R – Principal. Porque se não tem esses materiais fica difícil o educador desenvolver atividade, por mais que ele seja criativo, tente, enfim, hoje você consegue ter três, quatro, cinco violões pra desenvolver atividade, imagina se você tem só um. Fica um pouco difícil, complicado.
P/1 – E de uma maneira geral assim o que você acha de um projeto como o Criança Esperança? Que importância você acha que tem pra sociedade de uma maneira geral? Pras entidades que recebem o recurso, pra esses projetos sociais.
R – Tem muitos projetos... O Eremim o seu principal mantenedor é o Sindicado dos Metalúrgicos, isso a gente sabe que todo mês vai ter X valor pra conseguir manter a entidade. Agora outros projetos que não são daqui de São Paulo, são de outros espaços, imagina como faz pra conseguir se manter. Então tendo o Criança Esperança é um apoio muito forte, muito grande pra esses... Enfim, eu não sei se esse recurso paga os profissionais, não sei se pode usar, não sei se pode usar pros profissionais, mas em espaço, em materiais acho que dá um superapoio.
P/1 – Você lembra se você tava no Eremim quando vocês receberam a notícia de que vocês iam receber o recurso do Criança Esperança?
R – Tava.
P/1 – E você lembra como é que foi assim?
R – Lembro. A gente recebeu a notícia numa reunião de educadores que foi: “O Eremim recebeu, vai receber...”. Isso já era um desejo muito grande do Eremim pra receber o prêmio do Criança Esperança, na verdade o recurso do Criança Esperança e já tinha tentado alguns anos, não conseguiu entrar. Aí quando conseguiu assim foi uma alegria muito grande pra todos os profissionais que estavam lá, porque é fruto de um trabalho nosso, dos profissionais que estão lá, dos educandos, da coordenação, da direção, de todos.
P/1 – Quantos educandos o Eremim atende hoje entre jovens e crianças?
R – Hoje está com 170 educandos. Já foi mais, mas está com 170 educandos.
P/1 – E qual que é a faixa etária?
R – A faixa etária é de sete, que eu te falei, é de sete, tem uma turma de sete a oito, de nove, dez, tem outra de 11 a 12, de 13 a 14, tem uma turma de 15, 16 e 17 anos.
P/1 – Então de sete a 17?
R – De sete a 17. Sete a 17 anos.
P/1 – E nesse tempo que você participou do curso de um ano e meio, você falou que foi esse grupo de monitores, tem alguma coisa que você tenha vivido, uma história, um episódio que você sempre lembre assim? Uma coisa que tenha sido significativa pra você?
R – Tem. Tem várias.
P/1 – Conta pra gente algum ou alguns.
R – Vish, pra lembrar agora... Tem viagens que foram realizadas.
P/1 – Que viagens vocês fizeram?
R – Eu te falei que tinha aula de teatro e os educandos, nós no caso, tiveram que montar uma peça. O nome da peça era Segurança para o Trabalho. Os alunos tiveram que montar essa peça, fazer todo o roteiro, enfim, escrever tudo, o grupo de jovem, pra apresentar num seminário do sindicato. Foi lá em Caraguatatuba. E assim, como eu era muito tímido, meu, a minha fala foi mínima, foi pouco possível, mas todo mundo tinha que realmente participar. A partir daí dessa peça nós fomos chamados pra apresentar no Pão de Açúcar também, que foi pra segurança de trabalho a peça. É uma das que eu lembro.
P/1 – E como é que você se sentiu?
R – Importante por estar ali atuando, estar participando, fazendo parte daquele grupo com o mínimo possível de palavra, mas me senti útil ali naquele momento, sabe? Eu posso fazer, posso participar. Teve outra também, aí a parte lá de recreação que eu conto até hoje pros meus educandos: “Vocês precisam fazer alguma coisa, precisam realmente tomar algumas ações de querer fazer algo”. Na época na parte de recreação que eu tive também me vesti de palhaço. Ah, vocês precisam fazer uma peça pra mostrar o Projeto Meu Guri na época. O Eremim foi, acho que era de final de ano, aí eu, o Adriano na época: “Quem vai ser?” “Eu posso ser”. Fui, nós fizemos a peça, eu fazendo a peça lá de palhaço e olhava assim pras crianças, nenhuma criança dando risada. Eu: “Poxa, estou pagando mico aqui mesmo”. Mas fui, fiz, sabe? Foi gostoso. Tem outras também, deixa-me ver. Tem mais, tem nossa viagem pro Fórum Social Mundial em Porto Alegre, nós participamos.
P/1 – Como é que foi essa experiência?
R – Assim, primeiro a gente sem saber muito o que era. Não sabia muito o que era realmente. “Vai ter uma viagem.” “Pra onde?” “Porto Alegre.” “É o que?” “Fórum Social Mundial”. Quando chegou lá, ficar no acampamento lá da juventude lá em Porto Alegre, em acampamento, em barraca, tudo, meu, foi uma ótima experiência pra mim. Fui duas vezes lá, acho que teve fórum lá em Porto Alegre acho que foram três vezes, o Eremim foi pra três, eu fui pra duas.
P/1 – E nessa experiência do fórum teve alguma coisa que tenha te chamado a atenção, causado mais impacto?
R – O movimento, de todos que estavam ali. Mesmo sem entender muito o que era,
o movimento mesmo só afim de conhecer, de conversar, de trocar ideias. Tinha oficinas, então nas escolas tinha, tal escola vai acontecer oficinas, então vamos lá fazer X oficinas.
P/1 – Gilmar, quando você terminou esse curso que você falou que é de um ano e meio o grupo, você se desvinculou do Eremim ou você continuou vinculado? Como é que foi?
R – Olha, eu terminei estava com mais ou menos 17 pra 18 anos. Acho que foi 17 pra 18 anos, então a fase de quartel, de servir o Exército, de tudo. Alistei-me, aí fiquei um período afastado do Eremim, acho que foram uns seis meses afastado, sem conseguir trabalho, nada. Essa fase realmente difícil. Aí eu falei assim: “Ah, não. Eu tenho que fazer alguma coisa. Não. Vou lá pro Eremim”. Fui pro Eremim, fiquei um bom tempo na atividade física, mas ajudando como voluntário na época, sem receber nada, custo nenhum. Eu falei assim: “Eu fico. Não tem problema. Fico aqui até completar 18 anos e ver se eu vou servir realmente o quartel ou não”. Aí foi nessa fase de 17, 18 a 18 pra 19 que eu descobri que eu ia ser pai. Eu falei assim: “E agora, meu Deus do céu, eu vou fazer o que da minha vida?”. Sem um trabalho fixo e ser pai. Aí que eu te falo, foi onde que entrou minha família, minha mãe, meu pai. E pra falar pra eles que ia ser pai?
P/1 – Como é que foi que você contou? Conta pra gente.
R – A dificuldade de você chegar, falar assim: “Mãe, a senhora vai ser avó”. Aí ela ficou um bom tempo parada, olhava pra mim, falou assim: “Já desconfiava”. Por conta da situação da mãe do meu filho como já estava, né? Falou assim: “Gil, eu já desconfiava, mesmo assim eu não queria acreditar que realmente ela estava grávida”. Mas estava grávida.
P/1 – E o seu pai, como é que ele reagiu?
R – Meu pai ficou meio assim, mas falou assim: “Fazer o que? Vai ter que criar, então vamos criar”.
P/1 – Deixa-me voltar um pouquinho antes da gravidez, queria saber como é que você conheceu, foi sua namorada a mãe do seu filho?
R – Foi.
P/1 – Então me conta como é que vocês se conheceram? Como é que começou o relacionamento de vocês?
R – Você puxa muita coisa, heim. Foi outra viagem também, que o Eremim tinha o Núcleo de Brincantes, que apresentava, tinha ensaios do Bumba Boi lá no Eremim. Aí tinha peça, tinha música, tinha tudo. Acho que você conhece, né? Aí falou assim, vai ter uma... Foi onde que eu também voltei pro Eremim realmente. “Vai ter uma apresentação. Quem que vai? Quem quer ir?” “Eu vou. Vou tocando”. Aí fui toda sexta-feira para os ensaios, ensaiava, ensaiava, ensaiava, fui. Foi lá em Olímpia, foi acho que a Fefol, Festival de Olímpia é o nome certo, eu não lembro. Festival de Olímpia, aí nós fomos apresentar, ficamos alojados nas escolas, na escola, né? E durante o dia tínhamos apresentações, conhecer outros lugares, tudo e foi lá que eu conheci a mãe do meu filho.
P/1 – Mas como é que vocês se conheceram? Como é que vocês se viram a primeira vez?
R – Na verdade eu já a conhecia daqui que ela fez parte de outro grupo de jovens que tinha lá do Eremim também, mas nunca ela me deu bola, também nunca imaginei ficar com ela, tudo. Aí depois que nós fomos pra essa viagem foi que aconteceu. Ficamos lá, voltamos, eu pensei que ela não queria mais nada comigo e toda história até descobrir que ela ficou grávida.
P/1 – Vocês chegaram a namorar um tempo?
R – Ficamos namorando três meses. Com três meses ela ficou grávida.
P/1 – Como é que ela chama?
R – Kátia.
P/1 – E aí como é que foi o momento em que ela foi te contar que estava grávida? Conta um pouco pra gente como é que ela descobriu, como é que você ficou sabendo.
R – Eu lembro que eu estava na laje da casa dela, ela me chamou na casa dela, enfim. Ela falou assim: “Gilmar, eu acho que estou grávida”. Eu não sabia o que fazer, eu só sabia chorar. Chorava, chorava, chorava, falei assim: “Meu Deus do céu, o que eu vou fazer sem trabalhar? E agora?”. Sem um serviço, sem nada. Fazer o que. Aí a mãe dela, ela era mais velha que eu, na época ela tinha 21 eu tinha 18, e na época a mãe dela falou pra mim: “Ah, não quero nem saber. Vocês vão ter que casar.” “Como assim casar? Eu com 18 anos vou casar? Não. Não vou casar.” “Pode arrumar todos os papéis que vai ter casamento.” “Casamento não. Pode ser que eu vou levá-la pra casa, morar na minha casa, tudo, mas casar eu não quero”. Não quis, não casei. Ela ficou morando comigo lá dois anos, aí entra toda a história de construir a casa em cima da casa dos meus pais, construir tudo, peguei um cheque emprestado de um, cartão pro outro, depois lá do Eremim mesmo comecei a receber um auxílio, uma ajuda de custo que era pouquíssimo, pra hoje pouquíssimo mesmo. Foi onde que eu comecei a construir a casa em cima da casa dos meus pais. Meu pai falou assim: “Pode construir aqui. Isso eu vou ajudando”. Aí eu falei assim: “E agora, e a laje? Quem vai dar a laje?”. Meu pai: “A laje eu compro, a gente compra. Areia, cimento, vou comprar.” “Ah, falta isso, quem pode ajudar?”. E assim foi.
P/1 – Você ajudou na construção?
R – Ajudei. Ajudei na construção. Construí mexendo massa, subindo tijolo, concreto, amarrando os arames da laje, no terceiro andar morrendo de medo e fui construindo e fez. Fez pra durar pouco tempo.
P/1 – Pra durar pouco tempo você diz o que? O casamento?
R – O casamento.
P/1 – Vocês ficaram juntos quanto tempo?
R – Acho que dois anos. Nem chegou a dois anos.
P/1 – E como é que foi o nascimento do seu filho? Você acompanhou o parto?
R – Infelizmente não. Porque ela sentia as contrações, ia lá pra maternidade e voltava, ia e voltava e nada. Aí ele falou assim: “Está demorando demais”. Vamos pra onde? Vamos lá pro Sorocabana na Lapa, aqui na Lapa, que ele nasceu aqui na Lapa. Então vamos pro Sorocabana. Não sei se tem mais o Sorocabana hoje, acho que nem existe mais. Foi onde que ele nasceu. Ela ficou internada lá, eu falei assim: “Agora eu vou embora”. Quando eu cheguei em casa eu liguei pra saber se já tinha nascido, nasceu dez e 22. Foi num sábado de manhã que ele nasceu. Aí eu saí contando pra todo mundo que tinha nascido.
P/1 – Você lembra quando é que você o viu a primeira vez assim qual foi a sua sensação? Primeira vez que você segurou no braço.
R – Lembro. Lembro e fiz uma brincadeira assim que eu falo até hoje. Eu olhei, porque assim, eu sou negro, ela também é negra. Aí quando eu fui lá ao berçário, olhei, falei: “Cadê meu filho?” “De quem?” “Kátia Damiana”. A mulher mostrou: “É aquele”. Eu olhei assim, estava na época eu e a mãe dela, eu olhei, falei: “Ah, não. Esse não é meu filho, não. Branco desse jeito aí, não é meu filho, não”. Aí depois eu fui olhando direitinho e realmente é meu filho, sabe, não tem nem como negar, é a minha cara, parece demais comigo e com ela também. Agora você viu na foto está um negão.
P/1 – Qual que é o nome dele?
R – Caíque Giovani. Caíque Giovani. Ela queira Caíque, eu queria Giovani aí quando eu fui registrar ela queria Caíque com K, com Y, aí o rapaz lá não deixou colocar desse nome aí eu coloquei Caíque normal mesmo com C. Aí coloquei, quando ela viu o registro falou assim: “Está errado o nome dele, não é assim, não.” “Kátia, não deu, o rapaz falou que não tinha como colocar Caíque com K”. E assim, as coisas dele em casa estavam tudo com K, eu sei que deu o maior rolo ainda. Aí eu o registrei como Caíque Giovani. Eu falei assim: “Vai ter que ter o Giovani.” eu falei pra ela. Então eu vou colocar Giovani Caíque ou Caíque Giovani, aí na hora que eu fui registrar coloquei Caíque Giovani.
P/1 – E como é que foi ser pai, Gilmar? O que isso mudou na sua vida?
R – Responsabilidade, né? Muita responsabilidade. Acho que não é fácil você criar um filho. Depois da nossa separação realmente fica difícil essa relação de ex-esposa, ficar indo, ficar visitando. Muita responsabilidade, você tem que pagar pensão, tem que ajudar mesmo, quando precisar você tem que estar perto. Infelizmente hoje eu não estou perto dele, ele está morando longe, fico muito triste por conta disso, foi decisão da mãe dele morar em Minas, isso já vai fazer dois anos que ele mora lá, só encontro com ele final de ano quando ele vem pra cá.
P/1 – Com quantos anos ele tá?
R – Tá com 11 hoje. 11 anos.
P/1 – Tá entrando na adolescência já.
R – Não acredito, não. Eu acho que sou muito novo pra ter um filho de 11 anos.
P/1 – Eu quero conversar um pouco com você sobre a faculdade, mas antes quero só voltar um pouco, você mencionou quando a gente lá fora vendo as fotos que você voltou depois de cinco anos pra Rio Formoso, né? Queria saber como é que foi essa viagem de volta e como é que foi a sensação de voltar pra lá.
R – Depois de cinco anos assim, estou falando, tá?
P/1 – Claro, é pra falar mesmo.
R – Minha mãe tinha muita dificuldade pra conseguir comprar passagem pra ir na época. Eram cinco pessoas pra viajar, pra comprar passagem, tudo, minha mãe conseguiu um emprego aqui em Pinheiros como copeira. Aí a empresa dela era um pouco grande, tudo, e todo final de ano tinha participação de lucro. Ela conseguiu um bom dinheiro nessa participação de lucro, mesmo sendo copeira. “Eu consegui. Agora a gente vai conseguir viajar”. Foi onde que ela comprou a passagem, aí comprou pra gente voltar pra lá pra visitar, depois de cinco anos. Acho que foram cinco anos que a gente ficou aqui, a gente voltou pra lá.
P/1 – E aí como é que foi essa viagem? Como é que você se sentiu quando você chegou lá?
R – Meu, acho que é a sensação de voltar... Na verdade eu sabia que lá tinha praia, diversão demais, sabe? Eu vou porque eu quero ir pra praia, meu interesse em ir pra lá é quero passear, divertir-me. Lógico, rever os parentes que ficaram lá, tio, tia, avó, primos, todo mundo e fica aquela expectativa, né? Pessoal está chegando, pessoal está vindo. Como agora final do ano, por exemplo, estou com o objetivo de ir visitar meus pais, já está todo mundo perguntando: “E aí? Vocês vão vir? Vai vir?” “Não sei. Não comprei passagem ainda”. Fica nessa expectativa de rever.
P/1 – Você lembrava bastante coisa quando você voltou pra lá, que você saiu com oito anos, era pequeno, né?
R – Oito anos.
P/1 – Você tinha bastante recordação?
R – Lembrava. Lembrava que eu te falei das escolas, lembrava-me do sítio que ia, lembrava-me da casa que eu morei, no caso morei próximo lá do campo, da casa que o meu pai construiu que eu lembrava.
P/1 – E quando você chegou lá o que você lembrava batia com o que você tava vendo?
R – Batia. Batia sim. Acho que só a casa de barro que eu te falei, casa de barro que não tinha mais, já tinham derrubado e tinham feito outra casa. Não tinha mais.
P/1 – Então conta um pouco como é que foi sua experiência na faculdade. Quando que você decidiu que ia prestar a faculdade a aí onde você foi fazer a faculdade, como é que foi a experiência assim?
R – O curso que tinha lá no Eremim era monitor esportivo. Na época veio também o CREF, que era Conselho Regional de Educação Física e pra você atuar nessa área você precisava ter esse registro de professor realmente. E assim, chega um momento que aquilo que você aprendeu você precisa de outras coisas também, você precisa de outras experiências, conhecer outras coisas e foi onde eu decidi realmente fazer a faculdade. Eu falei assim: “Isso que eu quero, vou...”. Foi o ano de 2006, fiquei alguns anos... Quer dizer, alguns anos, fiquei um ano cursando o cursinho da Poli, fica ali na Marquês, acho na Marquês ali na Lapa. Fiquei um ano fazendo cursinho, mas mesmo assim nesse período eu já estava trabalhando lá no Eremim e fazendo cursinho, mas é muito cansativo, demais. E praticamente era umas apostilas desse tamanho, muita coisa que eu falei assim: “Meu, eu acho que eu não vi isso aqui na escola”. Muita coisa que, meu, eu não acredito que eu não sei isso, muita coisa diferente, sabe? Algumas coisas eu lembrava, outras não. Aí fiquei um ano fazendo cursinho, depois eu prestei na antiga Uniban na época, antiga Uniban que era uma faculdade próxima da minha casa, que era Educação Física mesmo. Eu não fui porque essa é boa, essa não é, enfim, cada um tem sua opinião em relação a X faculdade, eu acho que quem faz realmente é o aluno que se interessa, vai buscar o conhecimento, né? Eu fiz lá. Próximo da minha casa, ia de bicicleta, tudo. Aí fiz lá onde que eu decidi realmente fazer. Comecei a fazer em 2006.
P/1 – E era o que você esperava mesmo a faculdade de Educação Física?
R – Era mais. Era mais porque eu não sabia que eu estudar tanto. Muita coisa pra estudar, minha cabeça tava: “Educação Física deve ser fácil”. Eu falava pras pessoas, não é fácil, várias matérias, Fisiologia, Cinesiologia, Anatomia. Teve um seminário, lembro-me como se fosse hoje, um seminário que era pra falar sobre os músculos, onde que era a origem e a inserção do músculo. Aí estou eu lá na frente, comecei a falar, comecei a falar, a professora ficou olhando pra mim: “Meu Deus do céu, o que esse menino está falando?”. Falei um monte de coisa lá nada a ver, mas enfim, depois eu falei: “Agora eu tenho que estudar. Tenho que buscar”. Aí tinha a biblioteca da escola, chegava um pouquinho mais cedo, tudo, ia buscar, ia pesquisar.
P/1 – Você aprendeu bastante coisa?
R – Aprendi. Muita coisa. Aí minha casa não tinha computador, falei assim: “Agora você tem que comprar um computador”. Não tinha internet, tenho que colocar internet pra ir buscar também.
P/1 – E na faculdade você já estava trabalhando no Eremim já?
R – Já tava atuando.
P/1 – Com quantos anos você começou a trabalhar mesmo, você falou que você ficou um tempo como voluntário, mas assim remunerado, contratado foi em que momento que você foi?
R – Olha, foi entre os 19 e 20 anos, foi onde eu já comecei a desenvolver algumas atividades lá no Eremim. Ficava acompanhando os outros educadores, mas foi onde realmente eu comecei a desenvolver algumas atividades na parte de educação física.
P/1 – Aí qual que era a sua função nessa época?
R – Não sei se posso falar que já era monitor. Monitor.
P/1 – E esse foi o seu primeiro emprego remunerado?
R – É o meu primeiro emprego remunerado até hoje. Porque eu só trabalhei lá, só lá no Eremim. Além de outros eventos que eu trabalhei também no Cidade Semana como monitor recreativo, sabe o Macarrão que eu te falei que era o professor? Ele tinha, tem até hoje uma equipe de recreação, enfim. Aí ele me chamou pra trabalhar com ele, tudo. Só aos finais de semana. Eram 30 reais por dia que recebia.
P/1 – E nos seus primeiros salários no Eremim, com os seus primeiros salários você lembra se você comprou alguma coisa que você quisesse? O que você fez com esse dinheiro? Teve alguma coisa que você queria e você tenha conseguido comprar?
R – Olha, foi entre os 19, que eu te falei, 19, 20, por aí, nessa época eu lembro o que eu comprei, as roupas do Caíque. Tudo, eu lembro como se fosse hoje, eu fui comprar, aí fui comprando, fui comprando, fui comprando, quando foi pagar tava com acho que 250 reais no bolso, não deu nem pra pagar a metade das coisas que tinha comprado. Mas meu pai me ajudou depois, tudo.
P/1 – Então você gastou com o seu filho?
R – Foi. Na verdade o dinheiro que eu fui recebendo do meu primeiro emprego que foi lá na Eremim foi pra sustentar o meu filho. Sustentar, comprar leite, fralda, tudo.
P/1 – Conta pra gente então agora, Gilmar, qual que é o trabalho que você faz hoje no Eremim. Qual que é a sua função? Que atividade você desenvolve? Qual que é o seu trabalho mesmo?
R – Bom, hoje eu sou, eu te falei, sou educador. Eu fiquei acho que sete, oito anos como educador aí no final do ano passado fui convidado a ser assistente de coordenação. Não tinha isso como objetivo, acho que é uma responsabilidade muito grande ser coordenador, ser assistente de coordenação, mas enfim, aceitei. Hoje fico auxiliando e faço atividades, desenvolvo atividades também, mas atividades físicas, as modalidades específicas, umas básicas e quando eu conheço outras modalidades vou passando pros educandos.
P/1 – E com que faixa etária você trabalha? Com todas?
R – Com todas. É uma coisa que eu falei, não quero perder esse vínculo. Eu posso sim ser assistente de coordenação, mas quero continuar desenvolvendo atividade com os educandos. Eu falei assim não quero perder de jeito nenhum, porque já tive as outras experiências, tudo e assim, não é a mesma coisa. Eu acho que eu não consigo ficar o tempo todo em uma sala, também não é pra ficar em uma sala, se você é assistente de coordenação você precisa conhecer, saber o que está acontecendo na entidade, tudo, qual atividade está sendo desenvolvida, quais atividades os educadores estão desenvolvendo também. Uma coisa é estar no planejamento, uma coisa é estar realmente fazendo. E assim, é uma coisa que eu não quis de jeito nenhum é só ficar só no assistente de coordenação. Eu falei assim: “Posso sim ser assistente, mas quero desenvolver atividade também”. E o Eremim aceitou.
P/1 – Tá certo. Eu vou encaminhar então agora pras questões finais de fechamento da nossa entrevista e queria saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado, que você gostaria de falar. Qualquer coisa que você gostaria de deixar registrado.
R – No momento eu não vou lembrar. Aí eu acabo de sair da sala tem alguma coisa, né?
P/1 – Isso sempre acontece.
R – É. Sempre assim. Deixa-me ver. Tenho. Tenho sim. Além do fórum social que eu participei, participei também de outros fóruns de educação, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, teve em Mogi das Cruzes também participei. Lá no Rio de Janeiro tinha também algumas salas de conversa, de debate, e praticamente o processo também foi esse, na época tinha quatro educadores pra falar a experiência de vida também, experiência de vida, o que tava fazendo, tudo. E eu fui não convidado pelo Eremim, mas o Eremim inscreveu esses educadores, falou assim: “Vai o Gilmar, vai o Alexandre, vai o Adriano, vai a Márcia”. Que o Adriano e a Márcia também foram jovens lá no Eremim. Hoje eles não estão mais. Então a experiência consegui falar um pouco da minha vida, quem era o Gilmar e o que eu passei também. Por exemplo, uma experiência que eu falei lá, lá no Eremim mesmo, como eu te falei, pra ser professor de educação física tinha que ter o CREF, eu tava desenvolvendo atividade lá no clube, aí chegou um professor pra mim, falou: “Você é formado?” “Não.” “Você sabia que você não pode desenvolver atividade?” “Não posso?” “Isso não vai ficar assim”. Eu fiquei morrendo de medo, praticamente ele me ameaçou, falei assim não vou conseguir mais desenvolver. Foi onde que eu também fui buscar ser um profissional da área pra continuar atuando. Aí contei toda essa experiência lá e todo mundo chorou, contou, tudo. Aí vem aquela discussão, será que realmente você precisa ser formado pra se desenvolver a atividade? Será que a sua experiência de vida não conta? Tudo isso.
P/1 – Tá certo.
R – Eu não sei se tem mais.
P/1 – Então a penúltima pergunta é quais são os seus sonhos.
R – Meu sonho? Olha, eu tenho um que é ter o meu filho aqui de volta morando assim comigo, não comigo, mas próximo pra ter mais contato com ele. Acompanhar o crescimento dele. Um dia realmente casar, ter a minha casa. Acho que são os mais principais assim, são esses.
P/1 – E por fim como é que foi contar a sua história?
R – Olha, você me lembrou de muita coisa assim, sabe? Você foi buscando coisas que eu nem pensei em comentar aqui, em falar. Acabei falando, enfim. Falei que eu era solteiro, mas hoje também tem uma pessoa que eu gosto muito que é a Adriana, que eu gosto demais.
P/1 – Você está namorando então?
R – Estou namorando já faz um bom tempo. Acho que vai fazer nove anos, um bom tempo já. Uma pessoa que eu gosto muito, entende-me, gosta muito do meu filho, meu filho também gosta demais dela. É a pessoa que eu pretendo casar. Não sei nos próximos dias, próximo mês, próximos anos.
P/1 – Como é que vocês se conheceram, você e a Adriana?
R – Foi numa festa lá na minha casa. Aniversário da minha mãe... Na verdade eu já conhecia, ela mora perto da minha casa, aniversário da minha mãe, aí eu a chamei. Na verdade minha mãe chamou a mãe dela, ela acabou entrando lá em casa, tudo. Fomos conhecendo realmente, ficamos mais próximos lá em casa mesmo. Tem mais coisa?
P/1 – Você quer complementar pra fechar essa pergunta de como é que foi contar a sua história?
R – Assim, às vezes as pessoas falam é fácil contar da gente, é fácil. Mas você precisa, como você falou, você começou lá bem do início da minha vida, você se lembrar de tudo é um pouquinho difícil pra você organizar todas as suas ideias. É um pouquinho difícil fazer todo esse processo. Ainda bem que você foi pegando alguns pontos que eu fui falando, enfim, aí foi ajudando bastante.
P/1 – E como é que você se sentiu?
R – No início eu tava um pouquinho nervoso. Lógico, eu fico sempre nervoso, eu falei assim, quando eu entrei em contato com você eu falei assim: “Eu sou tímido, eu não gosto de ficar comentando, não gosto de ficar falando, tudo”. Mas depois eu acho que fiquei mais a vontade. Não sei se vai aparecer nas câmeras isso, esse meu a vontade.
P/1 – Tá certo, Gilmar. Muito obrigada então. A gente encerra aqui. Você quer falar mais alguma coisa pode falar.
R – Tenho umas experiências que eu tive também na minha vida, fiz também um vídeo pro Cimpec no ano retrasado, de atividade física de jogos. Depois se vocês tiverem vontade de assistir, coloca atividade física Gilmar, que vai ter lá dois jogos recreativos desenvolvidos com os educandos lá do Eremim. Deve ter mais, eu não lembro.
P/1 – Tem mais, sempre sobra coisa.
R – Acho que é só isso.
P/1 – Tá bom. Obrigada viu, Gilmar.
R – Eu que agradeço.
P/1 – A gente encerra então.
FINAL DA ENTREVISTARecolher