Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Vera Maria Vaz de Mello
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Lourenço, 10/06/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV026_Vera Maria Vaz de Mello
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então primeiro, Vera, eu vou pedir pra você falar pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. Meu nome é Vera Maria Vaz de Mello, nascida em 24 de agosto de 1966, na cidade de Abaeté, norte de Minas.
P/1 – Agora se você... O nome completo do seu pai e da sua mãe e, se você lembrar, também data e local de nascimento.
R – Tá. O meu pai, Peri Carlos de Mello, nascido em 31 de maio, o ano eu não me recordo. Minha mãe, Vera Maria Vaz de Mello, nascida em São Lourenço, aos 21 de setembro de 1939.
P/1 – Seu pai é de São Lourenço também?
R – Meu pai é nascido em Caeté, Minas também, perto de Belo Horizonte.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Minha mãe era uma jovem, aos 17 anos se casou. E meu pai trabalhava no IBGE aqui em São Lourenço. Eles se casaram, tiveram os três primeiros filhos aqui em São Lourenço, e os três caçulas em Abaeté.
P/1 – Vocês são seis então?
R – Somos seis irmãos.
P/1 – Qual o nome dos seus irmãos?
R – Eles não tinham muita criatividade, não. Vânia Hercília, Valmir Heleno, Vilmar, Valquíria, Vera e Carlos Alberto.
P/1 – Todos com V.
R – Todos com V. Só o Carlos que saiu... O “rapinha” do tacho saiu... Resolveu colocar o nome de um tio e do meu pai.
P/1 – E a sua mãe era dona de casa? Foi dona de casa a vida toda?
R – A minha mãe era dona de casa. Uns dez anos após o casamento, eles se separaram. Tiveram seis filhos e se separaram. Ela retornou para São Lourenço, voltamos todos pra casa de meu avô. Então eu fui criada pelos meus avôs maternos. Não mimada, eu fui criada só (risos). E minha mãe voltou a estudar, foi embora pra São Paulo. Ela se formou em Direito aqui na cidade de Varginha, próximo a São Lourenço. E com isso, São Lourenço era muito restrito, ainda mais uma mulher, sozinha com os filhos, ela resolveu ir embora pra São Paulo, levou os três maiores, e os três menores ficaram aqui. Então a trajetória dos três maiores... Essa separação foi muito dura, mais dura até do que a própria separação dos meus pais, porque eu tinha um ano e 11 meses só, então não tenho tanta recordação assim, não lembro. Tenho vagas lembranças, algumas memórias.
P/1 – Você era a mais nova?
R – Eu sou, das mulheres, a caçula. Abaixo de mim tem um menino, que é o Carlos Alberto. Então assim, não tenho essa recordação. As recordações que tenho são da casa de meu avô e de minha avó aqui em São Lourenço. A minha infância toda aqui.
P/1 – Como seus pais eram? Descreva um pouco, de temperamento, o jeito deles.
P/1 – Meu pai era um homem muito bravo, muito severo, filho assim de uma família muito grande, 22 irmãos, por aí. Mas um homem muito duro, muito bravo mesmo. Minha mãe era um doce de pessoa, uma mulher muito benevolente, muito carinhosa, amorosa. Então eram pessoas muito diferentes de gênio.
P/1 – Você sabe qual a origem da sua família?
R – Eu sei a origem. A origem da família de minha mãe é origem descendência de portugueses e espanhóis. A mãe dela, a minha avó, o nome Herzinda é de família espanhola, família Garrido, e foi um dos pioneiros, um dos fundadores da cidade de São Lourenço.
PAUSA
P/1 – Então só pra retomar, Vera, você estava falando dos seus avôs. Seus avôs eram imigrantes, ou não, é mais antiga a vinda para o Brasil?
R – É mais antiga.
P/1 – Bisavôs, você sabe?
R – É. Meus bisavôs vieram fugidos e fazer a vida aqui no Brasil. Passaram pelo Rio de Janeiro e vieram direto pra São Lourenço.
P/1 – Por que eram fugidos? Conte-me o que você sabe dessa história.
R – Eles não gostavam muito de falar sobre isso, não, mas com certeza eles estavam fugindo de guerra. Com toda a certeza. Mas era um assunto assim que a minha avó não gostava de comentar. Quando alguém falava na família, ela olhava com um olharzinho 43 assim: “Fica quieto que isso não te pertence”.
P/1 – E você sabe com que seus bisavôs... Chegaram ao Brasil, com que eles foram trabalhar?
R – Eles vieram trabalhar com o turismo no Rio de Janeiro. Trabalharam em alguns hotéis. Isso, pessoas contam que como cozinheira de hotel, como garçom, enfim. E com isso, levantaram um dinheiro, vieram pra São Lourenço. Não existia absolutamente nada. E se juntou, à época, a um empresário, quer dizer, na época ele não era nem empresário, ele era fazendeiro, e com isso eles fizeram uma sociedade e começaram a comprar terras em São Lourenço, e ele construiu um hotel, um dos primeiros hotéis em São Lourenço, que é o Hotel Sul América. Então o meu bisavô construiu esse hotel aqui em São Lourenço.
P/1 – E sua família continuou com o hotel, nessa área de hotelaria?
R – Continuou por um tempo. Perdurou aí, passou até pela minha avó. Então meu bisavô, minha avó, depois eles resolveram... A família era muito grande, resolveram vender. Tinha três tios só tomando conta do hotel, e com isso passaram o hotel adiante e cada um foi seguindo a sua vida. Mas já eram pessoas mais idosas, então não dependiam diretamente do hotel. E como os filhos, os netos, não queriam trabalhar nessa área, então eles passaram o hotel.
P/1 – Conta um pouco pra gente como era a casa da sua infância? A casa em que você viveu na sua infância, o bairro, como era a cidade na época?
R – Eu não me recordo muito da minha cidade natal, de Abaeté. Tenho uma vaga lembrança de eu ficar num banco de madeira, um banco com umas ripas largas, eu sentada ali na porta de casa e brincando com uma senhorinha, sempre no colo dela, é o que eu me recordo. E ela era cega. Essa senhora era cega. E realmente ela existe, não é da minha memória, não, só.
P/1 – Você sabe quem ela é?
R – Eu sei quem ela é, a dona Ana, já é falecida e tudo. E não a conheci, mas vi fotos dela. Meu pai depois mostrou algumas fotos e eu reconheci, falei: “Gente, eu não saía do colo dessa pessoa”.
P/1 – Era uma vizinha?
R – Era uma vizinha. Era uma vizinha. Na verdade, nós éramos vizinhos de uma Vila Vicentina. Então essa senhora fazia parte, ela era moradora da Vila Vicentina, e com isso ela ia muito à casa da minha mãe, com as crianças todas pequenas ali, mas ela tinha um problema, ela não enxergava absolutamente nada. Então me lembro disso e lembro muito de São Lourenço. Aqui foi a minha infância, aqui é a minha casa. Eu nunca mais voltei. Eu saí de Abaeté e nunca mais voltei. Tenho uma vontade muito grande de conhecer a minha cidade natal, mas São Lourenço é a minha terra, é a minha cidade, me sinto daqui, a família toda é daqui.
P/1 – E como era a casa que você viveu na sua infância?
R – Ah, a casa da minha avó era uma casa enorme, parecia um hotel. Na verdade, ela tinha sido uma pensão, há muitos anos. Eles tinham o hotel e, como tinha muito veranista, era época de veraneio, as pessoas vinham muito para o verão, por isso o nome de veranista, e com isso, a casa da minha avó era muito grande, era uma casa que não era de dois andares, mas ela tinha porão. Então eram quartos grandes, enormes, e ela também alugava na época de temporada em São Lourenço. Então eu me recordo muito assim. Era uma casa muito grande. Ela tinha 25 metros de frente e 50 de fundos. Ela era uma chácara. Uma mina d’água, meu avô tinha criação de vaca, galinha, porco, cachorro, gato, tudo quanto é bicho. Tinha um papagaio maravilhoso, o Loro, muito amado. E era uma casa cor de rosa, os azulejos...
P/1 – Que bairro era?
R – Bem no Centro. Ela fica em frente ao Hotel Sul América, no Centro da cidade de São Lourenço. Os azulejos portugueses, da varanda, então assim, tenho muitas recordações de frutas, de pés de laranja, limão, adorava chupar limão com sal, manga verde com sal. Eu tive uma infância muito rica, muito boa, com pessoas muito boas ao meu lado, os meus vizinhos. Muita saudade dessa época. Muita saudade mesmo.
P/1 – Vocês moravam em quantas pessoas nessa casa?
R – Ai, olha, avô, avó, eles tinham alguns filhos de criação, a Neuza, a Vilma, que ajudaram a criar a mim e aos meus irmãos. Tinha o seu Tião, que ajudava o meu avô. O meu avô era dono de uma colchoaria. Fazia colchões de mola, de capim, de crina. Na verdade, é clina que fala. E ele punha a gente pra trabalhar lá, cortar borboleta, ajudar a pontear o colchão.
P/1 – Era aqui em São Lourenço?
R – Aqui em São Lourenço, nos fundos da casa.
P/1 – Como era o nome?
R – Chamava Colchoaria São Jorge. Então meu avô era famoso por isso. Ele teve tropa de cavalos muito grande também, ele alugava, ele era alugador. O primeiro filme de São Lourenço, Fogo na fronteira, foi filmado com os cavalos do meu avô: Marajá, Baiano, enfim.
P/1 – Esse foi o primeiro filme filmado em São Lourenço?
R – Em São Lourenço. Em São Lourenço, por uma pessoa falecida recentemente, seu Ferrer, um homem de muita cultura em São Lourenço.
P/1 – Ele era de São Lourenço, o diretor?
R – São Lourenço. Ele era de São Lourenço.
P/1 – Conta um pouco como eram as refeições na sua casa na infância? Quem cozinhava? O que vocês comiam?
R – Tá. A minha infância, assim, tinha um fogão à lenha, claro, naquela época todas as casas tinham. E quem fazia comida era a minha avó e as duas secretárias dela do lar: Neuza e Vilma, que eram irmãs. Comida farta, mas não existiam muitas guloseimas, não. As guloseimas, a gente que providenciava, a gente que fazia. Então assim, minha avó fazia... Lembro que aos finais de semana era festa, porque fazia pizza. E domingo era macarrão, arroz, maionese, farofa, era comida de domingo. Nesse dia podia ter refrigerante, os demais dias, não. Interessante é que tomava café da manhã... Eu sempre acordei muito cedo, fui de dormir cedo. Sou até hoje de dormir cedo e acordar cedo. Cinco horas da manhã, eu estava de pé pra ajudar o meu avô a apartar as vacas, colocava os bezerros pra mamar e pra tomar o café da manhã ali. Então pegava um cafezinho, que ele fazia, eu já tinha ido lavar os úberos das vacas, apartava os bezerros e ficava esperando-o ali com uma canequinha com café, fundinho de açúcar, e ele tirava, o primeiro leite era pra mim. Era uma canequinha azul, uma delícia, curtia muito, muito.
P/1 – Como ele fazia o café. Você lembra como era preparado o café?
R – Olha, o café era um bule muito antigo, ele mesmo acabou construindo aquele aramado pra poder colocar o coador de pano. A minha avó fazia o coador. E ele passava o café, esquentava a água, ligava o fogo muito cedo e passava o café, coava o café, deixava em cima do fogão, na taipa do fogão. Eu pegava o meu golinho de café e descia com ele pra poder ajudá-lo.
P/1 – Você se lembra de onde vinha o café que vocês consumiam?
R – Olha, meu avô tinha cinco pezinhos só, então não dava pra gente fazer uma torrefação, ter alguma coisa assim. Então comprava num armazém, tudo pesado, meio quilo, 250 gramas, era assim que se comprava. Eu lembro que esse café vinha de uma padaria e esse café era de São Lourenço, de um produtor aqui, que depois ele acabou construindo, tendo uma fabriqueta, mas ele era de São Lourenço mesmo.
P/1 – Você lembra o nome?
R – Lembro. Café Rizza. Café Rizza. Eu lembro assim, você comprava os grãos torrados e você podia moer em casa. Meu avô tinha o moedor. Outra coisa que meu avô fazia muito bem era paçoca. Paçoca de carne, então era fantástico. Como tinha criação de porcos, tinha certa época, principalmente próximo do Natal, então era farra, matava os porcos, os capados, pra fazer o tal do sarrabulho, que é uma comida espanhola. E não tinha geladeira, isso eu lembro.
P/1 – Como conservava?
R – Conservava em latas, aquelas latas enormes de margarina, que comprava para o hotel. Ali fazia o toucinho, do toucinho fazia a banha de porco e colocava as carnes ali. Era uma delícia. Uma carne fantástica, não estragava, não azedava. Mas tinha todo um cuidado pra poder preparar também.
P/1 – Você citou esse cafezinho que tava pronto, botava um fundinho de açúcar e vinha o leite tirado na hora.
R – Na hora.
P/1 – Você lembra assim, do cheiro, o sabor?
R – Lembro-me do cheiro, lembro-me do sabor. De vez em quando me reporta a minha memória quando eu sinto o cheiro de café. Eu amo. Não sou barista, mas eu amo café, porque ele lembra realmente a minha infância. E é sabido que parte desse café vem de Carmo de Minas, vinha na época também de Carmo de Minas, eram os maiores produtores. Meu avô nasceu na cidade de Carmo de Minas, então trouxe muita coisa de lá. E como é muito próximo, então era muito mais fácil. As padarias, os armazéns, tinha o armazém do seu Zezinho, que eles compravam, e ele trazia esse café de lá.
P/1 – E como eram as brincadeiras de infância, Vera?
R – Ah, as brincadeiras de infância, eu fui um verdadeiro hominho. Eu não usava camiseta, só ficava descalça e de short o dia inteiro. Mas assim, até sete e meia da noite eu podia brincar, depois disso, dentro de casa, banho tomado, jantado e assistir Jornal Nacional junto com o meu avô. Começava a novela, ele falava assim: “Não, novela ninguém pode assistir, só os mais velhos, só as mulheres mais velhas”. Aí a gente ia dormir ouvindo rádio.
P/1 – E você lembra assim as... Quais eram... Do que você brincava?
R – As brincadeiras. Passa-anel, soltar pipa, bolinha de gude, eu era campeã de bolinha de gude, bafo, que é aquela figurinha. O que mais? Bicicleta, eu não tinha, corria atrás das bicicletas das meninas da rua e acabavam que elas me davam carona, colocavam quatro numa bicicleta só. Carrinho de rolimã, carrinho de sebo. Eu gostava muito de brincar de casinha, adorava. Eu tinha minha criação, eu tinha uma galinha e eu pintava a unha dela de vermelho, e ela olhava pra patinha e caía, porque devia desequilibrá-la. Eu brincava muito com ela. Muito. Muito. Muito. Com meus bichos. Tinha gato, cachorro, tinha uma bezerrinha que era minha, chamava Vitória. Então assim, foi muito boa a minha infância. Eram brincadeiras de criança mesmo, a gente não via maldade nas crianças. Eram coisas assim, muito próximas a gente. Nós construíamos os nossos brinquedos.
P/1 – O que vocês faziam de brinquedos assim? Conta um pouco.
R – De brinquedo, eu brincava muito com limão, chuchu, pegava fruta na horta assim, fazia vaquinha, fazia bonequinha. Meu avô tinha uma habilidade muito grande com as mãos, além da colchoaria, ele fazia alguns carrinhos pra gente. Eu tinha um carrinho de boneca que ninguém tinha. As meninas podiam ter da Estrela, do que fosse, de qualquer outra marca, mas o meu não, o meu era feito de madeira de caixote de maçã e meu avô que fez pra mim. Eu tinha uma bonequinha preta, a coisa mais linda, cada dia eu mudava o nome dela, um dia eu chamava Vilma, porque a Vilma era minha referência, que ajudou a me criar, outro dia que colocava o nome dela de Neuza. Enfim, era uma bonequinha que era variada, trocava a roupinha dela. Outra coisa que tinha também na minha época eram umas bonecas de papel e você podia mudar a roupinha dela. Nossa, brincava muito com aquilo. Muito. Muito. Muito.
P/1 – Teve uma infância rica.
R – Rica. Muito rica. Muito rica. Assim, foi perfeita a minha infância. Perfeita. Em todos os aspectos. Da minha idade assim, de dois anos, até os 12 anos, eu era uma molecona.
P/1 – Você lembra assim, dessa fase de infância, de uma história ou de um caso que tenha sido marcante? Sabe aquelas histórias que ficam depois na família, que você conta mais de uma vez?
R – Ah, tem uma história que não é muito bonita, muito boa, não. Porque meu avô era um homem muito bom, coração muito bom. Minha avó era muito dura, talvez até pela formação, pela raça. E meu avô meu deu essa galinha e eu coloquei o nome dela de Cocota. Então aonde eu ia, a Cocota ia comigo. E a Cocota já tava mais velhinha e tudo, e um dia eu cheguei da escola, tomei banho... Não, mentira, tomei banho não, tomava banho só na hora de dormir, era assim que acontecia. Fui brincar na rua, quando voltei, tomar banho, vamos jantar e dormir. Tava jantando e falei para o meu avô: “Vô, a Cocota não veio me ver hoje. O que aconteceu? Será que alguém pegou a Cocota?”. Aí minha avó chegou do lado, falou assim: “Você tá procurando quem?”. Eu falei: “A Cocota, vó”. Ela falou assim: “Uai, você não tá reconhecendo? Ela tá no seu prato”. Eu chorei muito aquele dia. Fiquei muito triste. Muito decepcionada, porque eu acabei comendo a Cocota. Tomei birra.
P/1 – Era de estimação…
R – Ainda mais uma criança. Meu bichinho de estimação e tudo. Então assim, isso me marcou muito, eu achei ruindade por parte dela de fazer isso. Mas de contrapartida, no dia seguinte, meu avô, não sei como, arrumou um patinho filhotinho e dois pintinhos pra mim. Esse ela não matou, não. Não deixei, não. Esse eu tomei conta.
P/1 – Pra te compensar.
R – Pra compensar. Pra compensar.
P/1 – E quantos anos você tinha quando você começou a frequentar a escola, Vera?
R – Ah, eu comecei a frequentar a escola, eu tinha quatro pra cinco anos. Eu sempre fui muito magrinha, esguia, então assim, eu me recordo, eu tava no pré-primário, as pessoas achavam que eu tava no segundo ano. Então me recordo assim da minha primeira professora, a tia Ilda, uma fofa, é viva até hoje, sempre a encontro aqui em São Lourenço, faço questão de falar que eu fui alfabetizada por ela.
P/1 – Qual era a escola?
R – A escola era uma escola engraçada, ela era particular, mas assim, não era cara, nem nada. Chamava Externato São Francisco. Depois ela passou a se chamar Frei Osmar Dirks, que é até hoje. Mas ali eu fui só o pré-primário. Ali era a nata da sociedade que frequentava.
P/1 – Era uma escola grande?
R – Uma escola grande. Uma escola grande. Quer dizer, pra São Lourenço não existia essa coisa da escola muito grande. Mas ali tinha uma turminha de pré-primário... De jardim de infância, na verdade. Eu fiz o jardim da infância e pré-primário lá. Depois eu fui pra uma escola pública, que era o grupinho da Vila Carneiro, chamava Doutor Eurípedes Prazeres, existe ainda, e era um grupinho feito de lata. Então assim, me recordo de eu estar indo pra escola no meu primeiro dia, uma vizinha e amiga, Fernanda, a mãe dela era diretora da escola e a gente era muito amiga, somos até hoje, a gente mantém essa relação, e a Fernanda queria que eu ficasse na sala dela, que ela já tava um ano adiantada. Aí ela me colocou sentada do lado dela, a professora falou assim: “Vera, você sabe ditado?”. Ela cutucava, falava: “Ela sabe, sim”. Ela respondia por mim. Acabou que eu fiquei ali, fui fazer um teste, e fiquei ali por insistência da Fernanda. Ou seja...
P/1 – Você pulou um ano.
R – Eu adiantei um ano graças a Fernanda.
P/1 – Essa escola, você já tava com que idade quando você foi pra lá?
R – Eu tava com seis anos. Eu tava com seis anos. Seis anos, eu fiz a primeira série. Na verdade era com sete anos.
P/1 – E foi a escola que você fez o primário todo, ou não?
R – Foi a escola que eu fiz o primário todo. E assim, era muito próxima da casa do meu avô, andava questão de 600 metros, então eu ia sozinha pra escola. Era uma escola muito simples, mas com excelentes professoras. Gostava muito da merenda. Ô coisa boa!
P/1 – O que tinha de merenda?
R – Ah, tinha sopa de fubá com couve, com queijo, macarronada, cada dia era uma coisa. Eu tenho muita saudade. Inclusive, essa senhora cantineira é viva e ela fazia uma sopa de triguilho, aquilo que faz a massa de quibe, na verdade, que aquilo era uma delícia, muito bom. E outra coisa que eles guardavam sempre pra mim, que a família é muito pobre, muitos netos e tudo, sobrava um mingau de fubá e ela fazia picolé daquilo, aí ela guardava sempre dois pra mim, eu não precisava pagar.
P/1 – Mas ficava bom?
R – Uma delícia. Uma delícia. Colocava uma canelinha. Então assim, como não tinha realmente essa questão do chocolate, essa facilidade com bala, com esses trens, a gente não tinha isso, não. Se tivesse, era final de semana, ou um tio quando vinha do Rio de Janeiro e trazia pra gente pirulito, sacos, pacotes, e a minha avó escondia e dava só no final de semana um pra cada um.
P/1 – Você lembra, nessa fase, o que você queria ser quando crescesse? Você tinha isso assim?
R – Ah, eu tinha. Eu queria ser jornalista. Muito falante, não sei o quê, falei: “Ah, eu quero ser jornalista”. Uma vez falaram assim: “Mas por quê?”. Eu falei: “Não, porque eu acho que eu me comunico bem” – falei pra um tio. E acabou que eu caí em outra área e tudo, mas eu tinha essa vontade. Nunca pensei: “Ah, quero ser professora”. Não. Eu queria fazer jornalismo, sempre pensei quando criança. Não tive oportunidade, mas também não me arrependo, não. Gosto muito da minha profissão.
P/1 – E você tinha uma matéria favorita na escola?
R – Ah, adorava Inglês. O Inglês, eu dominava. Eu achava que eu era a rainha do Inglês. Gostava muito. Muito. Muito. Geografia também eu gostava. Eu era uma aluna acima da média. Eu me esforçava. E meu avô cobrava muito também. Meu avô me cobrava, me puxava muito pra que eu fosse uma pessoa melhor, pra que eu fosse uma criança saudável. Tinha as artes, lógico que tinha, tocar campainha na casa de vizinho, essas coisas que criança faz mesmo, mas ele sempre fez com que a gente estudasse, ele sempre incentivou. Mesmo não tendo dinheiro pra colocar no colégio particular, nem nada, caderno de um passava pra outro, roupa de um passava pra outro. Eu tenho mania de sapato, eu acho que isso foi o meu avô, porque quando a gente era criança, era um tênis e ele tinha que durar o ano inteiro. Então era o conga e assim, chegava no meio do ano, tava apertado, aí ele cortava a biqueira, aquela parte branca, eu ia com os dedinhos pra fora. Então assim, eu não tinha vergonha, nem nada, mas as crianças, os colegas, caçoavam, riam. Mas eu não tava nem aí, não. Estudei muito, quer dizer, nesse momento, nessa época. E isso foi muito bom.
P/1 – E você mencionou no comecinho da entrevista essa questão da mudança da sua mãe com três de vocês, dos seis filhos.
R – Sim.
P/1 – Isso foi em que fase? Foi nessa fase de primário? Foi posterior?
R – Foi na fase de primário.
P/1 – Conte-me como foi isso então.
R – Tá. Quando minha mãe se separou do meu pai, voltou pra São Lourenço com os filhos pequenos, eu tinha um ano e 11 meses, meu irmão já tinha um aninho, nossa diferença são 11 meses. E com isso, nós ficamos aqui em São Lourenço, os três menores, e ela seguiu, foi pra lá pra poder trabalhar, ficou um bom tempo em São Paulo. Todos os outros filhos foram morar com a minha mãe, eu fui aos 14 anos. Eu saí de São Lourenço pra morar com ela. Acabou que ela teve um problema no joelho, teve que voltar pra São Lourenço, eu fiquei morando com minha irmã mais velha lá por mais dois anos. Na verdade, eu fiquei três anos lá.
P/1 – Em São Paulo?
R – Em São Paulo.
P/1 – E essa saída daqui, essa mudança, você lembra como você sentiu isso, como foi essa decisão, a saída dela primeiro?
R – A saída dela, eu não me recordo. Eu sei assim, que teve uma briga com o irmão dela mais velho e ela pegou os três filhos maiores e falou: “Não, eu vou embora, não vou ficar na casa do meu pai”. Meu avô achou por bem que os três menores ficassem aqui. Foi uma separação muito dolorida, assim, de os filhos menores deitarem no chão, de chorar, de se acabar, afinal de contas, já não tinha mais o contato com o pai, e a mãe indo embora. Mas assim, meu avô conseguiu fazer com que a gente superasse isso. Quando a minha mãe vinha, era uma festa, foram anos dessa forma. Vou colocar aí de meus quatro, cinco anos, até os 14 anos, essa ausência da minha mãe, eu não via todo dia. Na verdade, assim, ela pouco podia vir a São Lourenço, mas com o amor e o carinho que o meu avô tinha por mim, essa relação era muito gostosa, muito junto, muito próximo dele, sempre. Então sentia falta, muita falta da minha mãe, com certeza, mas o meu avô ficou no lugar, conseguiu substituir. Apesar de ser homem, tudo, mas era uma pessoa que me entendia muito, me incentivava. Eu tinha muito mais afinidade com ele do que com a minha avó, muito mais.
P/1 – E quando você vai pra São Paulo, como foi essa decisão? Com 14 anos e onde você foi estudar lá? Como foi a vida lá?
R – Eu sempre tive vontade de um dia morar com a minha mãe, eu acho que é um sonho de todo filho que tá longe dos pais. E chegou a época de formar o primeiro grau, oitava série, eu conversei com o meu avô, falei que eu tinha vontade, e ele falou: “Olha, não é fácil, é uma vida muito diferente, mas se você quiser ir, minha filha, você vai ter a minha bênção, você pode ir”. Quando aproximou o final do ano, era formatura de oitava série, eu não fui à festa, nem nada, que não tinha condições financeiras pra isso e eu queria ir embora. Então queria ficar com a minha mãe. Ele que foi levar, só eu e ele. Ele tinha Kombi branca, JP0234 era a placa. Ele foi me levar à rodoviária.
P/1 – Aqui em São Lourenço?
R – Aqui em São Lourenço.
P/1 – E como foi pra você essa...
R – Ah, foi um baque muito grande. Ele falou: “Filha, a cama que você faz é a cama que você deita”. E foi com isso que eu cheguei a São Paulo. Minha mãe me esperando na rodoviária, e a minha irmã mais velha, me colocaram no metrô e eu assustada, muita gente, e eu me lembrei do que meu avô falou: “A cama que você faz é cama que você deita”. Senti muito a primeira semana. O primeiro mês em São Paulo, eu sentia muita saudade dele. Ele tinha me dado um dinheiro pra que se eu precisasse de alguma coisa, ou... Ele falou assim: “Olha, não pode faltar leite pra você, menina. Você gosta de leite”. Ele me deu um dinheirinho, me mandou esconder aquele dinheiro, e se apertasse alguma coisa, era pra pegar um ônibus e vir embora, voltar pra São Lourenço, que ele estaria de braços abertos. E no primeiro mês em São Paulo, eu consegui emprego, fui trabalhar como recepcionista de vasilhame numa empresa, era no subsolo de um supermercado na Teodoro Sampaio. E eu sempre ligava pra ele, passava no orelhão, falava assim: “Vô, to trabalhando. Vô, aconteceu isso”. Então assim, ele era meu confidente. Meu primeiro namorado, eu contei, tudo eu contava para o meu avô.
P/1 – Que região vocês moravam lá em São Paulo?
R – Eram seis pessoas morando numa quitinete na Praça das Bandeira, Edifício Brasilar. Eu pegava um ônibus só. Eu era tão assim, abençoada... Sou. Era não, sou. Pegava um ônibus só, enquanto colegas meus pegavam cinco, seis conduções pra poder chegar. E legal assim que era próximo, relativamente próximo da minha casa. Eu era muito menina, com 15 anos. Fiz boas amizades lá, inclusive com o gerente de lá, era um senhorzinho já com bastante idade, lembrava meu avô, seu Souza, e ele era da cidade de Pouso Alegre. E fui ficando em São Paulo, minha mãe teve um problema no joelho, teve que voltar pra São Lourenço pra fazer uma cirurgia. Aí meu avô não a deixou retornar mais.
PAUSA
P/1 – Então pra retomar, Vera, queria saber o que você fez, se você lembra o que você fez com seus primeiros salários desse emprego que você encontrou em São Paulo.
R – Ah, assim, sempre foi muito dividido dentro da casa da minha mãe, cada um tinha que contribuir de uma forma, e o meu salário era pra ajudar na alimentação, na compra de comida pra casa. E recebia, a primeira coisa que tinha que fazer era todo mundo para o supermercado. Eu fazia dessa forma, a minha mãe pagava o aluguel, o outro irmão ajudava nas despesas também com alguma coisa, de médico, dentista. Cada um tinha a sua obrigação. E é bacana, porque é uma forma de... Não é só de ajudar, de se ajudar, mas uma forma de ter responsabilidade desde cedo, saber “olha, o que você ganha, você tem que gastar com isso, tem isso pra fazer”. Então foi uma experiência muito boa, que acho que todo mundo deveria fazer dessa forma, de contribuir de alguma maneira com seus pais, seus avós.
P/1 – Quando você chegou a São Paulo, você se matriculou na escola logo no começo? Como foi isso?
R – É. Eu me matriculei numa escola, que era próxima, e assim, pra minha surpresa, a minha irmã já tinha estudado lá. Aí eu fiz o segundo grau lá, só que era escola não tinha reconhecimento do MEC. Quando eu retornei pra São Lourenço... Eu fui assaltada em São Paulo duas vezes e eu chorava muito, falava assim: “Gente, não é possível, eles não conhecem meu avô. Nossa, seu Tonico Vaz aqui ia ficar muito bravo”. E com isso, eu resolvi vir embora. Eu falei: “Não, não vou ficar nessa cidade de selva”.
P/1 – Qual era a escola? Você lembra?
R – Colégio Dom Pedro. Colégio Dom Pedro. Ele ficava... Não sei se era Rua Paulínia, eu não lembro, não me recordo o nome da rua, não. Perto da Líbero Badaró, era por ali.
P/1 – Você estudou três anos lá?
R – Três anos lá. Quando eu cheguei, quando eu retornei pra São Lourenço, eu já tava com 17 pra 18 anos, fiz vestibular, passei pra Direito, cursei determinados períodos, aí nós descobrimos que o curso não tinha validado pelo MEC, ou seja, tinha que fazer tudo de novo. Por sorte, na época tinha um prefeito aqui em São Lourenço, o Orestes Silvestrini, eu fui atrás dele, ele falou que eu era uma menina de sorte, que tava abrindo em São Lourenço o supletivo, que ele tinha certeza que eu ia passar, que era pra eu fazer as provas. Foi um grande incentivador, ele. Mas foi assim, torturante, você chegar, estudou três anos e não ter validade nenhuma daquilo.
P/1 – Mas aí você fez o supletivo?
R – Eu fiz, passei e continuei fazendo o meu curso, que não concluí, mas foi uma experiência muito grande, muito boa.
P/1 – Deixe-me voltar um pouquinho. Essa fase de adolescência, que começa em São Lourenço, você entra na adolescência, ainda tá em São Lourenço.
R – Sim. Sim.
P/1 – E depois você vai...
R – Pra São Paulo.
P/1 – Pra São Paulo. Eu queria saber assim, o que você fazia? Mudam, normalmente mudam as nossas práticas, o nosso lazer, as relações da infância pra adolescência. O que mudou na sua vida em termos de amigos, daquilo que você fazia pra se divertir, você passeava, tinha um tempo de sair?
R – Essa mudança pra São Paulo, com 14 pra 15 anos, assim, aqui eu era uma menina da roça. Lá eu era mais uma e uma ilustre desconhecida. Era assim que eu me sentia em São Paulo. Então eu tinha meus amigos apenas no meu trabalho, pouco conhecia os vizinhos, tentava cumprimentá-los, “oi, bom dia, boa tarde”, mas não tinha o retorno. Mas mesmo assim, ainda os cumprimentava. Mas os meus amigos se tornaram amigos dentro do meu trabalho. Interessante assim, que nessa loja onde eu trabalhei, nesse departamento, que depois eu fui passando por várias etapas dentro da empresa, e eu fui conhecendo muito os mineiros, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Sete Lagoas, enfim, vários mineiros. Acabou que a gente tinha uma tribo ali dos mineiros, e com isso, estreitando laços com essas pessoas.
P/1 – E o que vocês faziam pra se divertir? Fora o trabalho e o estudo, sobrava um tempinho pra fazer alguma coisa na cidade?
R – Sobrava. Eu fui descobrir shopping center e cinema, eram o que a gente mais fazia.
P/1 – E onde você frequentava o cinema?
R – Cinema, normalmente em shopping. Mais seguro, até mesmo por questões de segurança e questões de facilidade. Tem ali a área de lazer, então a gente preferia ir pra um shopping, que era o Shopping Ibirapuera. Depois a gente ia pra outro shopping, que era recém-inaugurado, mas assim, tinha muita loja fechada, eu falei assim: “Ah, não, vamos voltar para o nosso mais velhinho?”. Bia e Cidônio eram pessoas... São pessoas ainda de minha relação e são pessoas que me ajudaram muito lá em São Paulo, porque já conheciam. Todos os dois mineiros, um é de Malacacheta, e a Bia é de uma cidade... Ai, eu não me recordo agora, mas é mineira também.
P/1 – Trabalhavam com você nessa empresa?
R – Trabalhavam comigo em São Paulo. Comigo em São Paulo.
P/1 – Qual era a empresa que você trabalhava?
R – Pode falar o nome?
P/1 – Pode.
R – Tá. Na época era o Jumbo Eletro, o Grupo Pão de Açúcar. Quando eu entrei ali, como recepcionista de vasilhame, um mês depois me tiraram dali, me colocaram no cadastro de cheques, um mês depois me passaram pra um departamento de sessão de discos e fitas gravadas na época. Cada vez que eu chegava a casa com um uniforme novo, minha mãe falava assim: “Nossa, eles estão fazendo um teste com você, vão te mandar embora, você é muito ruim de serviço”. Mas a verdade não, é porque eu tava mal aproveitada, eu tinha um potencial um pouquinho maior, eles foram me aproveitando, absorveram bem isso, até eu trabalhar na gerência. Eu fui secretária desse gerente, seu... Eu vou lembrar o nome. Eu já falei o nome dele aqui. Seu Souza. Fiquei do lado dele, mas depois de dois assaltos à mão armada, eu decidi voltar. Mas não tinha muito momento de lazer, não, porque eu trabalhava inclusive aos sábados. Então só tinha o domingo, mas o domingo era pra lavar roupa, preparar as coisas, almoçar com a família, e aí sim a gente dava uma volta pra ir ao cinema, alguma coisa. Mas não tinha essa coisa de barzinho, de balada, não. Era muito diferente. Muito diferente.
P/1 – E você mencionou lá atrás sobre seu primeiro namorado, que você contou para o seu avô e tal, isso foi em São Paulo?
R – Isso foi em São Paulo. Foi em São Paulo. Aqui tinha namoradinho, não tinha nem jeito de namorar. Mas meu primeiro namorado mesmo foi em São Paulo e eu liguei para o meu avô e eu o trouxe a São Lourenço pra conhecer meu avô. Minha preocupação não era pai, família, porque assim, na separação, depois que a minha mãe se separou de meu pai, eu fui reencontrar meu pai, eu tava com 14 anos, então não tinha essa referência de pai, a não ser o meu avô. E eu queria que o meu avô conhecesse. E foi muito bacana. Ele era uma pessoa mais velha, o namorado, tinha uma diferença grande de idade. E meu avô ficou encantado com ele. Namoramos dois anos, não deu certo, mas assim, foi muito bacana, porque meu avô pôde conhecer e estreitou uma relação saudável, legal com ele, e manteve.
P/1 – Onde vocês se conheceram?
R – Nós nos conhecemos no trabalho. No trabalho. Ele era um cliente na loja onde eu trabalhava, no supermercado, e começou a passar várias vezes, aí um dia eu estava almoçando num restaurante, num sábado, ele parou e veio conversar comigo, a gente começou de paquerinha, uns dois meses depois a gente tava namorando, namoramos dois anos.
P/1 – E praticamente o tempo que você ficou em São Paulo.
R – Exatamente. O tempo que eu fiquei em São Paulo.
P/1 – E você mencionou esses dois assaltos que foram, talvez, a principal razão pra você retornar pra São Lourenço.
R – Sim.
P/1 – Como foi? Foram assaltos violentos? Como foi isso?
R – Os assaltos não foram violentos, não. Inclusive, a forma como eu fui abordada, estávamos eu, minha irmã e um delegado dentro do carro esperando o marido da minha irmã, que na época também era delegado, e nós fomos abordados no Jardins, dois rapazes: “Boa noite, isso é um assalto”. Foram muito educados. Muito educados. O garoto que tava do meu lado, muito nervoso, com toda certeza ele era menor de idade. Muito clarinho, muito branquinho, lembro até hoje do olhar dele. Ele: “Tira tudo, tira tudo”. E eu tinha o cabelo compridinho e assim, tinha acabado de cortar o cabelo muito curtinho, orelhinha de fora, a minha irmã: “Ah, vou te emprestar um brinquinho de ouro maravilhoso, não sei o quê”, coloquei, ele levou. Ele levou tudo. E na hora que ele pediu a chave do carro, eu falei: “Agora eles vão matar a gente”. Mas graças a Deus eles jogaram a chave naquelas árvores ali, aquela grama pelo de urso, eles jogaram ali e a gente conseguiu recuperar. E a madrugada a gente foi fazer reconhecimento de algumas pessoas que tinham caído nas delegacias. Mas infelizmente aconteceu comigo, como acontece com outras pessoas. Mas esse não me traumatizou, não. O que me traumatizou foi andando na rua, um trombadinha, na época chamava trombadinha, ele me trombou, eu fui tirar satisfação com ele, aí o cara que tava atrás dele, mais velho, colocou a arma na minha cabeça e falou: “Vaza, corre que eu vou te matar”. Eu cheguei a casa chorando, falei: “Não quero ficar mais aqui, quero ir embora”. Fui pedir contas, seu Souza não queria me dar de jeito nenhum, acabou que chorou junto comigo, entendeu os motivos e eu acabei retornando pra São Lourenço em função desse episódio. Mas não traumatizou, não.
P/1 – E como foi a sua volta pra São Lourenço? Onde você foi morar? Como você se reestabeleceu na cidade?
R – Tá. A minha mãe já tava morando aqui, que ela tinha feito uma cirurgia de joelho, tava com uma casa alugada e eu vim morar com a minha mãe. E comecei a trabalhar com ela, ela advogada, tinha um escritório, montamos uma firma de segurança, olha que loucura. Naquele tempo não tinha nada disso. Chamava Irmãos Fiel, depois virou Irmãos Vaz, porque outro tio veio ser sócio da minha mãe. Então eram essas rondas de bairro, coisas que minha mãe vivenciou, experimentou, experienciou em São Paulo, acabou trazendo pra cá. E junto ao escritório de advocacia tinha essa prestação de serviço. Aí fui trabalhar com ela, um tempo depois conheci um rapaz, começamos a namorar, fomos morar juntos, e é o pai da minha filha, é o Flávio, é um fofo, é uma pessoa muito querida.
P/1 – Como vocês se conheceram? Conta pra gente.
R – Ah, São Lourenço é uma cidade muito pequena, e assim, todo mundo se conhece. E tinha o Ferro da Viúva, era onde é o Hotel Metrópole, hoje é o calçadão, tinha ali o Ferro da Viúva, então a garotada toda passava a tarde ali. Então trabalhava, saía do serviço, todo mundo passava no Ferro da Viúva pra ficar batendo papo com os amigos, pra namorar, aquela coisa de cidade que não tem praça. Nós, infelizmente, não temos pra ficar dando voltinha na praça, então ficávamos sentados no Ferro da Viúva.
P/1 – O que era o Ferro da Viúva?
R – Ferro da Viúva era o muro do hotel. E como a dona do hotel era uma viúva, então ficou Ferro da Viúva, sempre conhecido assim. Eu paquerava um menino, que era amigo desse Flávio, e a gente tinha marcado um encontro numa tarde, e quando ele passou de carro, ele passou com o Flávio, aí ele perguntou: “Ah, você conhece a Vera?” “Conheço, não sei o quê”. Ele falou: “Ah, então, hoje à noite eu combinei com ela, a gente vai sair”. Ele falou: “Ah, bacana. Onde ela mora mesmo?”. Esperto. Ele falou. Ele foi a minha casa: “Ah, você ia sair com o Camisa?” “Pois é, a gente ia dar uma volta”. Ele falou: “Ah, não, vamos passear”. E acabou que o Camisa não apareceu lá em casa, o Flávio foi, nós saímos. Tinha por hábito subir no mirante, ali o pessoal fazia fogueira, ia tomar vinho, violão. E ficamos ali batendo papo, conversando, ele tava recém-chegado também de Curitiba, apesar de a família dele ser daqui, e tempos depois a gente tava namorando.
P/1 – Quanto tempo vocês namoraram?
R – Ah, foi super-rápido ali, viu? Três meses nós namoramos, fomos morar juntos, tivemos a nossa filha, Tatiana, ficamos casados 12 anos.
P/1 – Bastante tempo.
R – Bastante tempo. Bastante tempo. Muito nova.
P/1 – Vocês chegaram a se casar formalmente, ou foram...
R – Não. Não. Nós não nos casamos formalmente, não. Éramos muito jovens, muito novos, 20 anos eu tinha; ele, 21.
P/1 – Nesse momento, você já tinha começado a faculdade de Direito?
R – Já. Já tinha começado. Já tinha começado, tinha trancado, aí quando a minha filha nasceu, eu fui retomar, e foi onde eu vi que realmente não tinha mais a ver comigo. E a Tatiana era muito pequena, não tinha condições de ficar deixando à noite pra poder... Porque eu tinha que ir pra cidade, em São Lourenço não tinha na época.
P/1 – Onde você fazia faculdade?
R – Varginha. E pra isso, muito mais difícil, distância, então resolvi não continuar e cuidar da minha filha. E fui trabalhar em hotel, trabalhei nove anos num hotel, nessa coisa de turismo.
P/1 – Essa coisa da faculdade, só pra gente voltar um pouquinho, você lembra como você decidiu o que você ia fazer, como foi essa decisão?
R – Na verdade, eu não decidi, não, viu? Acho que foi minha mãe que me influenciou. Minha mãe que me influenciou. Assim, uma mulher muito forte, muito altiva, advogada, tinha um poder de persuasão fantástico e ela me induziu, mas não era o que eu queria realmente, tanto não era, que eu não... Podia ter retomado, como outras pessoas, quem quer faz, eu não queria, então não fiz nenhum movimento pra poder voltar.
P/1 – Conte-me um pouco como foi esse começo de vida junto com o Flávio, é isso?
R – Flávio.
P/1 – Onde vocês foram morar quando vocês decidiram se mudar? Como foi essa decisão?
R – Interessante que eu falei pra ele assim: “Olha, eu quero ter um filho”. Ele falou: “Ah, mas eu não quero, eu sou muito novo”. Eu falei: “Não, mas eu vou ter um filho com você”. E acabou que nós tivemos realmente a Tatiana. Nós fomos morar... A gente morava na casa da minha mãe. Ficamos uns seis, oito meses morando na casa da minha mãe. E depois, o pai dele tinha um prediozinho aqui em São Lourenço, o apartamento ficou pronto, nos mudamos pra lá. Mas assim, tudo... Eram três pratos, três garfos, três facas, uma mesinha de ferro, essa de bar, um sofá cana da índia, ele tinha comprado, ele era muito preocupado e comprou madeira pra mandar fazer os móveis, então assim, foi uma coisa que demorou mais. Na cozinha tinha a geladeira e o fogão, mais nada. Na sala era uma TV e um sofá de cana da índia. Então assim, com muita dificuldade, mas assim, com muito amor. Quando a gente casa, quando a gente se relaciona, a gente aposta todas as fichas. Não conheço ninguém que tenha casado: “Ah, não, mas eu vou me separar”. Não. Mas foi muito bom, muito bacana, valeu toda a experiência. Se eu tivesse que voltar atrás, eu voltaria tudo de novo, faria tudo igual, não mudaria nada, não.
P/1 – Você engravidou logo no início? Conte-me como veio a gravidez assim.
R – Tá. A gravidez, a gente já tava morando junto, eu engravidei, nós estávamos juntos há um ano, mais ou menos. Eu engravidei e com isso que a gente foi morar no... A gente queria já morar, ter uma casa nossa, e nós resolvemos sair da casa da minha mãe, mesmo porque com o bebê, como ia fazer? E eu tava grávida de recém barriguinha, supernovinha. Aí nós fomos pra esse apartamento, compramos as coisas, a irmã dele deu um jogo de panela. Aliás, eu o tenho até hoje, de tão bom que ele é. Enfim, fomos morar juntos, tomamos a decisão. Os pais dele me receberam muito bem na família, mas quando a gente falou de casar, de formalizar, a mãe dele foi contra. Ela falou que era um erro pra consertar outro. E aquilo ficou gravado na minha cabeça e eu falei: “Não, realmente, eu acho que ela tem razão. Vamos tentar do jeito que está. Quem ama com fé, casado é”. E foi o que aconteceu com a gente.
P/1 – E como foi a descoberta da gravidez? Quando foi que você descobriu que tava grávida? Como foi a sensação? Como foi com a relação?
R – Ah, a sensação quando você descobre, desconfia que tá grávida... Bom, primeiro que mulher não desconfia, ela tem certeza, desculpa. Não existe desconfiança por parte da mulher. Eu tinha certeza que eu tava grávida. Acho que eu queria tanto um filho, a verdade é essa. Eu não engravidei por acaso, eu quis engravidar. Não era uma menininha que: “Ah, não, engravidei”. Não. Eu tinha certeza que eu estava grávida, comentei com ele, ele se assustou, claro, um menino, mas assim, em nenhum momento ele questionou. Quando eu fiz o exame, primeiro eu mostrei pra minha mãe, chorei muito, lógico, assustada. Mesmo querendo, assustada, porque afinal de contas é uma vida, é uma criança, uma incerteza, porque você tá num namoro, num namorico, numa coisa que não tá formalizada ali, aquela coisa do casamento, ou seja, queimei etapas, óbvio. E com isso, entreguei pra minha mãe e chorei demais, porque eu tinha certeza absoluta que a família dele iria ser contra. A minha família é uma família mais humilde, a família dele é um pouco mais de grana. Mas assim, fui bem recebida. Eles assustaram muito, é claro, mas não vi assim com descaso, nem nada, por parte deles, não. Tanto é que a minha filha é uma neta muito querida por eles, até hoje tratam os avós com muito carinho, tem uma relação muito boa. Eu, apesar de ser separada dele, tenho uma relação excelente com ele, com a família inteira. Somos amigos. A mãe dele, eu a tenho como minha sogra até hoje. (troca de cartão). Tem um fato muito interessante, que quando eu peguei o resultado de exame, o teste de urina que eu tinha feito, da gravidez, tinha acabado de sair do laboratório, passou um amigo de moto, Arildinho, falecido já há algum tempo, e ele falou pra mim: “O que você tá fazendo aqui, mulher?”. Eu falei: “Ah, eu vim buscar o meu exame de sangue”. Ele falou: “Eu tenho certeza que você tá grávida”. Eu falei: “Tenho”. Eu falei: “Dê-me uma carona que eu preciso ir a casa contar pra minha mãe”. E ele tava de moto, naquela época não usava capacete, ele falou assim: “Não. Mulher grávida não pode andar de moto. Eu vou a casa pegar o carro e vou te levar até lá”. E me deu uma força, que eu tava chorando, é lógico. Estava feliz e chorando ao mesmo tempo, com medo. E ele me deu muito apoio, sabe? Ele falou: “E eu vou contar pra todo mundo que você tá grávida, que assim você não vai pensar besteira, em tirar essa criança, em não sei o quê”. Mas em momento algum eu pensei em fazer isso. Pelo contrário, eu queria muito. Mas ele foi assim, um cara muito presente. Desde o comecinho da gravidez, o primeiro dia que eu descobri, ele: “Não, não, eu vou a casa buscar o carro”. E ele realmente foi, me levou a casa, ficou esperando, pra depois ir ao supermercado contar para o Flávio que eu estava grávida, realmente grávida, que ele também já tava desconfiado.
P/1 – Ele trabalhava no supermercado?
R – Trabalhava no supermercado do pai dele, então ele era empregado lá do supermercado. Hoje é diferente, hoje ele é sócio. Antigamente não, ele era funcionário do supermercado. Começou assim.
P/1 – Qual é o supermercado?
R – Supermercado Carrossel. Eu trabalhava com a minha mãe, eu ganhava mais do que ele. Aí um dia eu fui pedir aumento de salário para o pai dele: “O senhor não acha que o Flávio merece, seu José?” “Ah, mas por quê?”. Eu falei: “Ah, vai ser pai de família agora”. Ele falou: “Não, vai ganhar a mesma coisa. Vou aumentar só um ‘cadiquinho’”. Mas nunca nos faltou nada, não, mas porque assim, ambos trabalhávamos, a gente resolveu, a gente assumiu uma relação, uma casa, família. Mas foi assim que tudo começou.
P/1 – Como foi seu parto? Você lembra a primeira vez que você viu a sua filha? Como foi a sensação?
R – Nossa! Bom, primeiro eu fiz pré-natal com um médico fantástico, doutor Lessa. E, assim, descobri que o Lessa ia viajar para os Estados Unidos uns 40 dias antes de eu ter a Tatiana. E aquilo me chocou. Eu falei: “Gente, eu confio nesse homem, como ele vai embora?”. E ele me apresentou outro médico. Ele falou: “Olha, é fulano de tal, é um médico fantástico”. Doutor Zé Celso. Celso. Não é José Celso, é Celso. “O Celso é fantástico, você vai lá dia 23 de junho, você faz uma visita a ele.” Eu fui. Eu não sei se, lógico, por medo, insegurança, eu comecei a ter contrações, então a Tatiana ficou encaixada. Um mês antes de nascer, tive que tomar remédio pra segurar, ficar de repouso. E quando foi no dia 23 de julho, eu tinha uma consulta às 13 horas com esse médico que ele havia me apresentado, porque ele estava realmente nos Estados Unidos fazendo um workshop, alguma coisa assim. E eu cheguei lá, acordei cinco horas da manhã, eu não tinha empregada, acordei com muitas dores nas costas. E aquele dia ia começar uma moça, uma faxineira na minha casa. Acordei com muitas dores, cinco horas da manhã, com dor nas costas e não sei o quê. E como durante a gravidez eu fazia muita atividade física, inclusive ginástica pra grávida, eu achava que eu tava... Não sabia que aquilo lá era uma contração. E esperei, fiz almoço, a moça ficou lá em casa. Quando foi meio-dia, o Flávio foi almoçar, e eu com dor, ele: “Come alguma coisa”. Eu falei: “Não. Não quero”. Tomei um suco de laranja e não comi nada, não conseguia comer. E toda hora eu agachava e fazia a respiração cachorrinho. Uma hora nós chegamos ao consultório, eu fui a pé, que era muito próximo. Quando cheguei ao consultório, a minha consulta era 13 e 30 e não 13 horas. Mas ele viu meu estado, falou: “Eu vou colocar a Vera na frente, que a consulta dela é consulta de rotina, pra marcar a data provável do parto, não sei o quê”. Quando ele falou: “Deita aqui”, eu já tava sem roupa, falei: “Doutor, me examina, que eu não to aguentando de dor”. Ele fez o exame de toque, eu estava com quatro centímetros de dilatação, ou seja, a criança ia nascer. “Preparou a mala?” Eu falei: “Não”. “Lavou a roupinha do bebê?” Eu falei: “Não”. Ele falou: “Então vá pra casa, pega o que você tem porque seu neném vai nascer mais no final”. Isso era uma quarta-feira, 23 de julho, chovia torrencialmente, um dia muito feio, ele falou: “Olha, você vai ter mais para o meio...” “Da semana, doutor?”. Ele falou: “Não, querida, do dia”. Saí de lá, fui a casa pegar a mala. Quando eu desci, não tinha telefone em casa, tinha uma loja chamada Dental Andrade embaixo do meu prédio, fui telefonar para a mãe de Flávio pra avisar que eu tava indo para o hospital, que ela tava em frente, e pra tia Almerinda Negreiros, que também é uma tia fofa, é uma tia postiça, não é minha tia de sangue, mas é de alma, de coração, pra avisá-la, que eu queria muito que ela estivesse na maternidade junto comigo. Quando eu desliguei o telefone, minha bolsa estourou. Isso já eram
duas e meia da tarde. Cinco para as quatro eu entrei na sala de parto, quatro e cinco minha filha nasceu. Foi um parto normal, muito rápido. O Flávio assistiu ao parto, ficou do meu lado. Foi um parto muito movimentado, muito agitado, depois eu percebi por que. A Tatiana nasceu com uma paralisia do plexo braquial. Era uma criança muito grande, ela nasceu com 51 centímetros, três quilos, 550, pra uma menina de 20 anos. Então assim, foi um parto rápido, porém ela entalou. A minha família, nós temos o ombro mais largo que o quadril, todas as mulheres são assim. E Tatiana entalou um pouquinho, ele teve que fazer uma manobra, e com isso fez essa luxação. Não foi perceptiva na hora, nós descobrimos isso 48 horas depois, tentamos tratamento e tudo. Isso se arrastou por cinco anos, até ela ter idade pra fazer uma cirurgia. Tivemos que recorrer a Belo Horizonte, usou alguns aparelhos, fez a cirurgia. Teve uma sequelazinha pequena, mas assim, supertranquilo. E com isso... (interrupção). E Tatiana teve essa paralisia então, tratou, ficou com uma sequela pequena, mas não ficou trauma nenhum. Mas foi uma revolução no hospital, né? Uma criança muito bochechuda, muito gorda, muito gostosa, ainda mais parto normal, uma menina tão nova, eu era muito conhecida, a família do Flávio também, então assim, naquele dia, 32 pessoas foram visitar a Tatiana. E foi em 86, aquela época do Collor, não sei o quê, e não tem carne, e falta leite. Teve uma vaca que deu cria nesse dia e colocaram o nome da bezerra de Tiana. Foi muito engraçado porque um amigo do Flávio chegou e falou assim: “Nossa, ela tem uma carinha tão gordinha, carinha de Tiana”. Aí o seu José muito bravo, falou: “Que isso? Tiana não é ela, Tiana é a bezerra que nasceu hoje” (risos). E ficou gravado isso. Então depois a gente comeu a...
P/1 – A Tiana.
R – Infelizmente não tinha carne, tinha que ter carne tanto para o supermercado, pra servir a população, e a Tiana teve que morrer.
P/1 – E como foi ser mãe, Vera?
R – Ah, eu tive depressão pós-parto e não sabia. Eu só chorava. E como ela nasceu com esse probleminha no braço, eu tinha assim, putz, falava: “Essa criança vai morrer na minha mão”. Não conseguia amamentar, foi traumatizante. Eu queria tanto ter um filho, mas eu não sabia que existia depressão pós-parto. E convivi com aquilo assim por um tempo achando que eu era ruim, que ela ia morrer, que meu leite era fraco, que não era falta de paciência, nem nada, não. Mas eu não queria sair de casa, só queria ficar com ela no colo. Tive um problema no seio, meu peito empedrou muito, dei de mamar para as outras crianças no hospital. Tinha crianças lá que não podiam ou não conseguiam mamar leite materno, então eu fui mãe de leite de alguns e mãe de leite em pó também, porque crianças muito carentes, mães carentes, e que não tinham leite mesmo e acabou tendo que mamar NAN, alguma coisa assim, e o pai da Tatiana, como tinha o supermercado, comprava e doava. Mas é um peso muito grande ser mãe. É uma coisa assim, é uma transformação muito grande para o amadurecimento, pra tudo. Eu achava que ela fosse morrer na minha mão. Eu falava: “Gente, eu não vou dar conta de cuidar dessa criatura, dessa criança tão pequenininha”. Ela chorava muito por causa das dores que ela tinha. Enfim, até o segundo mês foi bem traumático. Mas depois, quando a gente descobriu realmente qual era o problema... Eu tinha muito receio de ter uma sequela, de ter uma paralisia naquele braço. Na verdade, o meu medo era esse. O que não aconteceu, graças a Deus. A gente tinha recurso pra poder correr, fomos a Belo Horizonte, Hospital da Baleia, usou um aparelho durante um tempo, até poder fazer cirurgia, que fez aos quatro anos de idade. E com isso, você vai tendo aquela relação mais próxima. Mas ser mãe é tudo de bom. Acho que a melhor coisa que uma mulher pode experimentar na vida é ser mãe.
P/1 – Deu tudo certo.
R – Tudo certo. Tudo certo. E sempre foi uma criança... A Tatiana sempre foi uma criança muito boa, muito carinhosa. Molecona, mas também nunca gostou de brincar de boneca, casinha, não era com ela, não. Ela trocava qualquer coisa, qualquer brinquedo, qualquer Barbie da vida, ela trocava por um caderno, canetinha, jogos. E era uma criança muito, muito presente na minha vida. Quando me decidi separar do pai dela, ela me apoiou demais. Ela tava com dez anos. Lembro no Dia das Mães ela falar pra mim assim: “Mãe, eu tenho um presente pra você”. Era um marcador de texto que ela escreveu: “Mãe, sei que vai ser difícil por causa da separação, mas você pode contar comigo para o que der e vier. Da sua filha predileta e única, Tati”. Eu falei pra ela que eu tenho guardado isso até hoje comigo e que esse vai ser meu travesseirinho de caixão. Faço questão de levar comigo isso. Esse vai ser meu travesseiro.
P/1 – É lindo, né?
R – Vai demorar, viu?
P/1 – (risos).
R – Mas eu faço questão.
P/1 – E uma criança de dez anos com essa compreensão, incrível.
R – Dez anos. Exatamente. Incrível. Incrível. Incrível. Não me deu trabalho a separação, sempre muito amiga tanto de mim, quanto do pai, entendeu? Qualquer separação é traumática. Você gostando ou não da pessoa, é muito ruim. Mas dentro do possível foi uma separação... Não vou falar que bacana, que não existe separação bacana, mas foi uma coisa que a gente conseguiu contornar. E a Tatiana muito bem. Muito bem.
P/1 – E, Vera, você... (interrupção). Vera, eu queria voltar um pouquinho na questão da sua vida profissional agora. Você falou que trabalhou um tempo com a sua mãe.
R – Isso.
P/1 – Que vocês tinham essa empresa de segurança e escritório de advocacia. E depois você mencionou rapidamente que você foi trabalhar em hotel.
R – Em hotel. Exato.
P/1 – Como foi isso? Quanto tempo você ficou em hotel?
R – Depois de trabalhar com a minha mãe, apareceu uma oportunidade de trabalhar num hotel aqui em São Lourenço, entrei pelas mãos da Rebeca, uma grande amiga, ela era enteada do dono do hotel. Hotel Primus, era o melhor hotel de São Lourenço. E fiquei lá por nove anos. Eu entrei no departamento de reservas e assim, tive uma oportunidade muito grande de conhecer muita gente. E assim, de ter uma profissão, porque São Lourenço é uma cidade turística, a gente vive do turismo, especificamente. E tínhamos na época uns 60 hotéis. Tinha mais. Hoje a gente tá com 60 unidades. E era o hotel maior de São Lourenço, um dos maiores. Tive a oportunidade de conhecer alimentos e bebidas, departamento de reservas, departamento de marketing, passei por cada um deles e me encontrei na área de eventos e reservas, onde eu fiquei nove anos trabalhando. Ele teve uma agência de viagens também, a Transcontinental Travel. Trabalhei com ele na Transcontinental. Eu era meio que polivalente. Ficava no hotel um tempo, aí fui pra agência. Era dele também, era uma holding, eu brincava com ele, porque ele teve um bingo eletrônico também, eu fui gerente do bingo eletrônico. Então um baita, um mega patrão. E um hotel muito grande, muitos eventos. A Tatiana era pequenininha, às vezes eu precisava... Eventos normalmente acontecem final de semana, eu acabava que me mudava para hotel. Tinha um apartamento lá à disposição, pra que a Tatiana pudesse ficar próxima a mim, principalmente no final de semana.
P/1 – Você se lembra de que ano a que ano foi isso?
R – Olha, eu trabalhei no hotel de 89... Isso. 88. Eu entrei no hotel em 88 e fiquei no hotel até 94, 95. Porque em 1996, eu fui trabalhar numa concessionária. Nada a ver, né? Hotel, concessionária. E primeiro mês, essa concessionária... Eu fui parar nessa concessionária, que teve um evento aqui dentro do Parque das Águas, onde eu trabalho atualmente, e eu fui locutora de um evento de carros, do Veteran Car Club. Paulo Leite, famosérrimo, gostou da minha voz, falou: “Pô, você podia ser minha locutora lá”. Eu falei: “Eu vou”. E aqui eu conheci o dono da concessionária de São Lourenço, a esposa dele, e eles estavam precisando de alguém na área de vendas. Eu falei: “Ah, eu topo. Quero ir lá pra conhecer”. Só que os primeiros 15 dias você não vende nada, imagina. Eu falei: “Gente, não é possível, eu não sei vender nada, eu não sou vendedora”. Aí eu lembrei que eu era vendedora, sim. Que quando eu morava com a minha avó, tinha uma tia minha que fazia crochê, e aos oito anos de idade eu saía vendendo crochê pra ela na rua, para as mulheres que tinham se casado e tinham neném. Então a mulher casava, eu falava: “Ah, já vai ter neném”. Já marcava quem era e ia a casa pra poder vender. Fui uma excelente vendedora de crochê. E quando eu fui pra concessionária, eu descobri que eu tinha um potencial de venda muito grande. Porque, afinal de contas, aos oito eu vendia crochê, um tempo atrás eu vendia estadia, eu vendia uma coisa que não era palpável. Então era muito mais fácil você comprar um carro, que é uma coisa que você tá vendo, do que uma estadia num hotel, numa cidade, em São Lourenço. São Lourenço é sul de Minas, o que tem pra fazer aí? “Olha o Parque das Águas é o nosso principal cartão de visitas e...” Então eu consegui, fui a melhor vendedora de Chevrolet. Separei-me nessa época do pai da minha filha, voltei pra trabalhar em hotel novamente, aí eu fui trabalhar na prefeitura. Fui chefe de gabinete do prefeito Clóvis Aparecido Nogueira, conhecido como Nega Véia. No segundo mandato dele, eu fui trabalhar com ele. Entrei como assessora de cultura, fiquei três meses como secretária de turismo, cobrindo férias do secretário, e meu nome foi cotado pra ir para o gabinete, ele precisava de alguém lá e acabou que eu aceitei a proposta e fui trabalhar.
P/1 – Desculpa, que ano foi isso?
R – Isso foi em 2000.
P/1 – 2000.
R – 2000. Teve uma enchente no ano de 2000, foi catastrófica, acabou com São Lourenço, com a região. E em São Lourenço todo mundo ficou pobre. Era rico, pobre, o que fosse, qualquer classe social, todo mundo se nivelou com essa enchente.
P/1 – Conte-me como foi essa enchente. Que é uma coisa bem marcante na história da cidade, né?
R – É. É.
P/1 – Você vivenciou assim? Como foi esse dia?
R – Exato. Vivenciei. Nós tivemos um período chuvoso muito grande e com muita tromba d’água na nossa Serra de Itamonte, aqui próximo. E era final de ano, virada de réveillon, com muita chuva e infelizmente a cidade foi assolada com uma enchente. E, assim, a cidade lotada, porque os períodos de pico em São Lourenço: Carnaval, Semana Santa e Réveillon. E aconteceu num Réveillon. Então assim, todos os hotéis lotados, o parque cheio de gente, e aquela água chegando, subindo, e todo mundo... O supermercado debaixo d’água. Foi uma coisa muito, muito avassaladora em São Lourenço, acabou com a nossa região. Mas com a união, prefeito, com alguns hoteleiros, conseguiram lavar a cidade, colocaram o Parque das Águas pra funcionar. E com isso, as pessoas que estavam aqui, a maioria foi embora, lógico, e outras vinham pra ver o que tinha acontecido em São Lourenço. Então assim, foi um momento de solidariedade, foi um momento de todo mundo muito próximo, muito junto da cidade de São Lourenço, pra reerguer, pra lavar a cidade. Um dia de pós-enchente é muito feio. Roupa jogada, animal morto, é assim, parece que teve uma guerra. É muito feio. Foi muito marcante. Mas assim, o que mais marcou, eu penso positivamente, porque em oito, dez dias, a cidade tava lavada, recebendo turista, e o sol já tava escaldante. E com isso também a maioria das lojas teve que fazer uma reforma. Melhorou. Então foi um divisor de águas realmente, foi o ano de 2000, essa enchente, onde todo mundo se uniu em prol maior, que é uma cidade, não ficou aquela coisa intimista. Então nisso São Lourenço saiu à frente de todas as outras cidades que passaram pela enchente também. Nós conseguimos reerguer a cidade.
P/1 – Você tava na prefeitura nessa época?
R – Eu tava na prefeitura essa época. Eu tava na prefeitura. Assim, me recordo de o prefeito estar lá no Hotel Primus, que foi um hotel que não foi assolado, nem nada, desesperado atendendo a população, o dono do hotel de portas abertas lá pra ele. Acabou que ele fez o eu QG nesse hotel, que era uma parte mais alta da cidade. E todo mundo se uniu e conseguiu fazer alguma coisa por São Lourenço.
P/1 – E aí você ficou na prefeitura quanto tempo?
R – Isso. Eu fiquei na prefeitura até 2004. Fiquei lá no segundo mandato do Clóvis. Nessa época, a minha mãe faleceu. Minha mãe morreu em detrimento de uma doença chamada lúpus. Era uma mulher muito nova, morreu com 63 anos. Foi um baque muito grande, porque quando ela descobriu a doença, ela descobriu por acaso. Foi um otorrino que descobriu a doença da minha mãe. Ela tinha passado por vários médicos, ninguém sabia o que ela tinha. Chegou a fazer exame de mielograma pra ver se ela tava com problema de câncer, enfim. Ele falou: “Olha, todos os sintomas são de lúpus”. E realmente se comprovou. Infelizmente, ela faleceu seis, oito meses depois que ela descobriu essa doença. Ela era cardiopata, não usava remédios para o coração, mas o remédio que ela usava para o tratamento de lúpus, tudo à base de cortisona, corticoide, fez com ela viesse a falecer. E nesse dia, 19 de dezembro, eu estava trabalhando, eu a levava e a buscava na fisioterapia. E como era véspera, praticamente, de final de ano, era a última sessão dela. Eu a busquei em casa, fui levá-la, quando no retorno ela falou: “Nossa, hoje eu dormi na hora da sessão de fisioterapia” “Mas como?” “Ah, não sei. Minha pressão tava meio baixa”. Mas não tava, a pressão tava 12 por oito. E ela tinha esquecido a carteirinha dela da Unimed lá nessa clínica. Eu tenho uma irmã de criação, ela pediu pra minha irmã: “Michele, vá lá buscar, que eu posso precisar internar, alguma coisa, eu tenho que ter essa carteirinha da Unimed”. A minha irmã foi buscar a carteira e deixou a minha mãe em casa. Ela não quis... Eu que fazia a comida dela desde que a gente descobriu a doença, porque não podia com potássio, com sal, com nada disso, e eu assumi fazer a comida dela todos os dias. Daí eu fui levar a comida, ela falou: “Não, hoje eu não quero. Não quero comer nada” “Mãe, mas a senhora precisa” “Não, não quero. Não estou bem. Tenho comida aqui de ontem ainda, não sei o quê”. Eu falei: “Mãe, mas...” “Não. Não quero”. Eu estava numa reunião na sala com o prefeito, meu celular tocou, tava dentro da gaveta, que eu tava na reunião, não atendi. Nisso ligaram para o gabinete pedindo que eu fosse correndo, às pressas, à casa da minha mãe, que ela tinha desmaiado. Eu consegui falar com a minha irmã, ela falou: “Não, a mãe desmaiou”. Eu pensei: “Minha mãe tá é morta”. Um colega de trabalho colocou no carro, nós fomos até a casa da minha mãe, eu já liguei pra Unimed, já acionei, cheguei realmente ela já tinha falecido. Mas assim, uma morte muito tranquila. Que era uma mulher muito altiva, uma mulher muito bonitona, muito, sabe, cheia de vida. Ela tava deitada, ela era fumante, tava deitadinha de lado, a caneta tinha falhado, porque ela tava escrevendo algumas coisas que ela tinha recebido um dinheiro e ela tinha que dividir esse dinheiro com um advogado colega. Então ela tinha deixado tudo. Ela sabia que ela ia morrer, ela... O mais interessante, que um dos meus irmãos, o mais novo, ele teve dois filhos com uma síndrome muito rara, Síndrome de Albers. E a mãe os abandonou, abandonou as crianças, meu irmão e as crianças, e a minha mãe que assumiu. As crianças morreram, morrem muito cedo. O Kaique morreu com dois anos e quatro meses, e a Rafaela com quatro pra cinco anos. Logo depois da morte das crianças que apareceu esse lúpus na minha mãe. Então é uma doença autoimune, mas é sabido que é uma doença emocional. Então assim, a morte da minha mãe foi uma passagem realmente, sem sofrimento, que era uma coisa que ela não queria, ficar dando trabalho e sofrendo. E realmente foi o que aconteceu com ela. Acho que ela tinha um pacto tão grande, era uma mulher de tanta fibra, de tanta determinação, e ela tinha um pacto com o papai do céu e... Ela sempre falava assim: “Olha, eu vou morrer dormindo”. E realmente ela morreu dormindo. Então foi tranquila essa passagem.
P/1 – Foi em paz.
R – Meu pai faleceu um ano e meio antes da minha mãe. Ele teve um ataque do coração, teve um infarto, na verdade. Ele morreu em Juiz de Fora. Eu não sei se deixou tantas mágoas assim nos meus irmãos, que nenhum dos meus irmãos foi ao enterro do me pai, eu fui a única filha. Eu fui enterrar o meu pai e, assim, pedi muito perdão pra ele. Eu tinha uma relação muito boa com ele, apesar da distância. Que eu fui revê-lo aos 14 e depois eu tive contato com ele quando a minha filha completou um ano. Ele me ajudou, inclusive, na festa, fazendo bombom, ela era um exímio cozinheiro. Mas eu fui a única filha que fui enterrar o pai. Mas ele era muito querido por mim. Meus irmãos podiam ter, mas não interessa o sentimento deles, eu tinha um sentimento muito bom por ele. Apesar de tudo, quando a gente se conheceu de verdade como pai e filha, a relação era muito boa de pai mesmo e filha e de amigo. Então não ficou mágoa, pelo contrário, uma saudade muito grande, tanto dele, quando da minha mãe. Minha mãe falava assim: “Se o seu pai cair doente, eu cuido dele”. Eu falei: “Gente, como pode? Os dois ainda se amam”. Mas ele se casou depois, casou com uma mulher chamada Vera também, o mesmo nome da minha mãe, teve dois filhos com ela. Mas a minha mãe... Assim, eles sempre tinham... Quando ele vinha pra minha casa, aí saíamos eu, ele e minha mãe pra tomar um café, pra bater papo, eles sempre tocavam no assunto: “Se você precisar, eu cuido de você”. É interessante.
P/1 – Que bom. Que bonito.
R – É. Legal isso. Mesmo numa separação.
P/1 – Vera, e como você... Voltando um pouco pra essa questão da vida profissional, queria saber como você chega até o Parque das Águas, nessa posição...
R – Tá. Ok. Saí da prefeitura, fui convidada pra trabalhar numa concessionária de novo, Chevrolet, eu falei: “Gente, eu vou. Amo carro. Eu vou”. Comecei a trabalhar, mas eu tinha montado já uma empresa, essa com a minha mãe, que depois ela passou a se chamar Ponto de Apoio. E eu comecei a fazer os eventos todos da Nestlé em São Lourenço. Então teve a entrega do balneário, a reforma do balneário, teve a entrega da Ermida, doação de uma área muito grande, que tem uma igreja que é da Nestlé, era da Nestlé, ela entregando pra cúria. Todos os eventos de diretoria, convenção de vendas, de marketing, eu tava fazendo pra companhia. E, com isso, na enchente também eu tive um contato muito grande com um dos gerentes que vieram pra fazer recuperação, que é o Marcelo Henrique Marques. E tudo que precisava: “Ah, procura a Vera. A Verinha vai resolver e não sei o quê”. Por ser da cidade e tudo, ter flexibilidade, conhecer todo mundo. E um dia me convidaram. Eu tava nessa concessionária, um dia me convidaram: “Vera...”. O parque estava sem gerência já fazia dois anos, e tinha uma pessoa que cuidava de RH e se dividia da fábrica com o parque. E me convidaram: “Vera, você não gostaria de trabalhar no Parque das Águas?”. Eu falei: “Gente, isso é um sonho”. É um desafio muito grande, porque isso aqui é uma cidade. Eu falei: “Olha, eu gostei da proposta, mas to trabalhando, não sei o quê”. Enfim. Isso levou nove meses, foi um parto, foi uma criança, uma gravidez. Porque eles precisavam arrumar, porque não existia o cargo de gerente. Gerente era outro cargo, outro nível, e aqui tinha que ter outro nome. Então colocaram como coordenador do Parque das Águas, foi onde eu aceitei a proposta. Eu estava num banco, saindo de um banco, o Laerte e a doutora Simone Garcia na época estavam em São Lourenço pra um evento, passaram na rua, falaram: “Olha, eu preciso falar com você”. Isso era dia 13 de junho, dia de Santo Antônio.
P/1 – De que ano?
R – De 2008. “Dia primeiro de julho, a gente precisa de você no parque trabalhando lá.” Eu falei: “Gente, não dá tempo, eu tenho que dar prazo para o meu patrão e não sei o quê”. Eu era a melhor vendedora de carros, era a que ganhava mais, batia todos os recordes, os bônus, tirava tudo, eu falei: “Não, mas eu tenho que avisá-lo”. Mas aí eu cheguei para o meu gerente, um menino mais novo que eu, e falei: “Marquinho, aconteceu isso, isso e isso, é uma oportunidade muito grande”. A minha filha tava na faculdade, ali eu era comissionada. Eu ganhava muitíssimo bem, mas eu era comissionada, ou seja, eu tinha que fazer o meu, correr atrás. E achei interessante a proposta, porque era uma coisa fixa, os benefícios da própria companhia, e nessa época eu falei: “Não, eu preciso, eu não posso ficar muito com a coisa meio solta, porque tenho uma filha fazendo faculdade de Medicina, então eu preciso tomar uma atitude”. Assim, não fiquei pesarosa, nem nada, mas deixei muita saudade lá no meu trabalho. Mas vim pra cá assim, dia primeiro de julho me apresentei como coordenadora do Parque das Águas. Um ano depois me colocaram como gestora do parque, que é essa maravilha desse local.
P/1 – Tava reabrindo em 2008. Teve uma reforma?
R – Teve uma reforma aqui do balneário. Em 2007 começou a reforma do balneário, em 2008 foi a entrega. Nós entregamos... Nessa época eu não era colaboradora, prestava só serviço pra companhia. Em fevereiro, nós entregamos o balneário, e quando foi primeiro de julho, eu comecei a trabalhar aqui no parque.
P/1 – Conte-me um pouco assim, em linhas gerais, Vera, qual é o trabalho da coordenadora, da gestora do Parque das Águas. Qual é a sua função?
R – A função da gestora, do coordenador do Parque das Águas é de gerenciar, é de fazer gestão de pessoas, gestão do próprio negócio, aumento de bilheteria, enfim, é uma gerência total. Além de ter uma boa comunicação com a sociedade, com a comunidade. Uma coisa que foi muito positiva da minha vinda pra cá, junto à comunidade, a questão de eu ser de São Lourenço, família daqui de São Lourenço, conhecer as necessidades do povo da cidade. E dentro desse cargo, dessa função, eu tenho essa função de receber o turista, de receber o morador, receber os projetos, fazer um filtro, passar pra gerência da fábrica e ir cascateando até chegar a quem de direito. Então assim, tenho autonomia pra fazer o meu trabalho, mas isso foi conquistado nesses seis anos aí. A gente veio de uma realidade de um parque com alguns déficits na época, e hoje ele é altamente sustentável, nós nos pagamos. Tem muito investimento da companhia aqui, isso reflete na comunidade. Nós tínhamos aí em torno de 270 mil pessoas durante o ano. O ano passado, nós fechamos com 427 mil. Então assim, é um número muito expressivo, mas por conta desse trabalho, desse trabalho da companhia junto à comunidade, junto com seus projetos sociais. Esse parque aqui, a gente fala muito com as crianças sobre o cuidar das águas, cuidar do meio ambiente, cuidar dos animais. Então assim, é uma forma que a Nestlé tem de mostrar o seu trabalho, o seu comprometimento. O Parque das Águas é o cartão de visitas, é o cartão postal da cidade. E essa relação que a gente tem, que a companhia tem junto com a Secretaria de Educação, com as escolas em si... Semana passada, fizemos uma semana inteira da Semana do Meio Ambiente. Dia seis, a gente fez a premiação. É o sétimo ano que a gente faz o concurso de frases com as escolas da rede municipal. Esse ano, nós recebemos 345 frases, pra selecionar seis, difícil. E foi muito bacana. É muito. É um trabalho muito bonito, de as crianças apresentarem isso, de serem premiadas, reconhecidas, e tudo dentro do Parque das Águas. Que o Parque das Águas é o coração da cidade. Ele é o coração, ele é o pulmão da cidade. Tudo acontece em função de ter o Parque das Águas. A cidade cresceu no seu entorno. Então assim, tem que deixar isso muito claro pra população, eles estão enxergando dessa forma também, que o parque, tudo acontece em função do parque. O parque recebe, ele atrai, então a gente tem que estar sempre alinhado com as boas práticas, tanto de gestão ambiental, de recursos hídricos, de tudo. Porque nós vivemos e dependemos do Parque das Águas de São Lourenço.
P/1 – Conte-me um pouco. Você tá falando que teve muitas transformações desde quando você começou até hoje.
R – Isso. Isso.
P/1 – Eu queria entender um pouco assim, também em linhas gerais, quais foram as principais mudanças na gestão do parque, quais foram os investimentos e qual é o impacto disso pra população de São Lourenço, pra cidade de São Lourenço.
R – Tá. Tempos atrás, o antecessor à Nestlé era uma empresa que não tinha nenhuma comunicação com a comunidade, não atendia ninguém, pedidos de “olha, eu tenho um projeto, eu tenho uma ideia, eu tenho uma sugestão, ou uma crítica, reclamação”, não atendia ninguém. Então assim, criou o ranço muito grande por conta disso. E a postura da Nestlé foi exatamente o oposto, de mostrar que: não, nós estamos de portas abertas. A partir do momento que fez aquela transição toda, que logicamente demora, demanda muito tempo. Então eles conseguiram. Eles fizeram o quê? Conseguiram que o gestor do Parque das Águas fosse alguém de São Lourenço. A primeira transformação foi essa. Que sempre o gerente do Parque das Águas era gente de fora: São Paulo, Rio, francês. Diretores, todo mundo era de fora. Então uma mudança muito grande. Eu percebo isso na fala do Grupo Amigos do Parque, da própria população, de morador de São Lourenço, do charreteiro falar: “Nossa, dona Vera, mudou muita coisa, que coisa boa”. Essa proximidade, essa coisa de: “Oi, bom dia, vem cá, vamos tomar uma água, vamos conversar, olha eu tenho um projeto...”. De receber, de estar disponível. Esse foi o grande diferencial. Além dos investimentos, é claro. Então o parque tava sucateado, com alamedas quebradas, calçadas quebradas. E hoje não, tudo muito limpinho, muito bem cuidado. Nós temos um livro de críticas, sugestões, elogios, e assim, a gente tem muito mais, muito mais elogios do que qualquer outra coisa. Lógico, nós temos pontos de... Lógico, todo mundo tem. O parque são 490 mil metros quadrados, uma área muito grande. Então tem assim, pontos de melhorias: mil. Mas a companhia investiu muito: balneário, nós tínhamos três banheiros só. Imagina um parque de águas com nove fontes, como você tem três banheiros, três sanitários? Então cresceu muito. Hoje a gente tem suficiente pra receber meio milhão de visitantes ao ano. O playground era de ferro. Imagina. Ferro com o tempo, nada de... Não tinha manutenção. Hoje ele é um playground feito de madeira, madeira tratada, tudo com certificado. Então assim, a empresa preserva pela qualidade que ela tá oferecendo para o seu turista, para o seu cliente. Não é o principal negócio da Nestlé. Imagina uma empresa, uma multinacional, que tem um Parque das Águas. Então assim... (troca de bateria).
P/1 – Vera, eu queria que você me dissesse qual é o público que o Parque das Águas recebe.
R – Olha, o nosso público maior são famílias com dois filhos, provenientes a grande parte do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas e demais estados, nessa proporção. É um turista que vem buscando qualidade de vida e tem aquele turista que vem pra fazer o tratamento com as águas minerais, que é a crenoterapia. Mas a maioria vem pra prevenção, qualidade de vida, “eu quero um ar bom, eu quero uma água boa”. A gente tá numa região muito rica de águas, uma diversidade muito grande. E esse perfil do turista, eu consegui detectar fazendo uma pesquisa na portaria do parque em parceria com a Faculdade São Lourenço, faculdade de Turismo, pra saber qual era o nosso público e o que a gente quer com isso. Então a gente quer manter esse público, sim, mas a gente quer buscar o jovem, o adolescente, então algumas inovações no parque, a gente tá fazendo com que o parque dois seja específico pra atividade física e pra afins. A gente tem uma escolinha de rúgbi, nós temos uma escolinha de futebol, inclusive, assim, todas com um lado social muito grande, um apelo social muito grande. Conseguimos trazer pra dentro do parque um circuito de arvorismo, então são novos atrativos, tem o entardecer com as garças, que é maravilhoso, acontece sempre e tá dentro do nosso calendário.
P/1 – O que é o entardecer com as garças?
R – O entardecer com as garças é porque nós temos um ninhal aqui de garças, que fica na Ilha dos Amores, e elas vêm todos os dias às seis horas da manhã... Quer dizer, elas saem às seis horas da manhã e chegam ao final da tarde. E uma turista... Uma turista não. Uma ex-turista, atual moradora de São Lourenço, é uma locatária nossa, ela teve a ideia de fazer o entardecer, ela viu isso em algum lugar, é claro, e trouxe pra cá porque a gente tem esse apelo com as garças. Então tem um senhor, Ney Mello, ele toca saxofone, então sai um barco branco atrás da Ilha dos Amores tocando Ave Maria, de Rembrandt, e outra música. E as garças vão fazendo sobrevoo, as pessoas ficam sentadas ali escutando isso, dura em média de uns 20 minutos, 30 minutos, mas é fantástico. É um atrativo muito grande e tá crescendo a cada dia.
P/1 – Um momento de contemplação.
R – Muito de contemplação. O parque um é exatamente de contemplação e o parque dois é pra atividades físicas. E a gente tá deixando essa marca, imprimindo bem essa marca, por conta dessa percepção das pessoas, a diferença de um parque para o outro.
P/1 – Essas escolinhas que você citou, elas atendem a população local?
R – Elas atendem a população local, tudo em parceria. A de rúgbi veio primeiro e assim, tá crescendo muito e faz um trabalho social com a Casa dos Meninos, em São Lourenço. E a escolinha de futebol em si, que é a (Fut Parque?), ela trabalha também junto às escolas. Ela é particular, mas ela tem um cunho social que crianças de baixa renda que são bons alunos, a escola detecta como um provável jogador, “ah, ele gosta de futebol, ele quer fazer”, Bom de Bola, Bom na Escola, uma coisa assim. Então é um trabalho social muito grande. Além do Nutrir Crianças Saudáveis, que é um programa de responsabilidade social da empresa. Nós temos, eu sou voluntária, fui coordenadora por seis anos, continuo voluntária, dia 11 agora, amanhã, nós teremos nossa primeira Ecofolia dessa nova instituição.
P/1 – O Nutrir aqui atua onde?
R – O Nutrir atua nas creches. Então nós temos uma... O Educandário Santa Cecilia foi escolhido pra esses próximos dois ou três anos, com 145 crianças na faixa etária de quatro a 14 anos. É um bairro complicado, um bairro carente, mas a gente tá chegando com gás total pra envolver as famílias, as mães, pra envolver essa comunidade. A gente tem experiência disso, a gente é bom no que faz e amanhã a gente vai fazer a nossa primeira Ecofolia nessa instituição.
P/1 – Vocês têm ações do Nutrir também no parque?
R – Não. Capacitação. A gente faz muita capacitação. A gente usa muito o Parque das Águas para as capacitações, tanto do Nutrir, do Cuidar, do ETE (?) que é um programa também, vindo da França, que é um programa que de forma lúdica você vai ensinar as crianças sobre as águas, o cuidar delas, quanto de água tem no nosso organismo, por que não desperdiçar. Então é uma forma... Com várias brincadeiras, e a gente faz isso no Dia Mundial da Água, dia 22 de março. Esse ano, nós tivemos 810 crianças dentro do Parque das Águas, fazendo atividade na parte da manhã e à tarde. E assim, uma experiência muito legal. Já coloquei pra Secretaria de Educação como proposta para o ano de 2015, que cada escola traga, não só a gente apresentar o projeto, o ETE (?), as crianças das escolas trazerem alguma coisa pra gente, vamos começar a trocar. Foi muito bem aceito, foi muito... Então assim, muita capacitação aqui dentro tem, tanto dos nossos programas, quanto dos programas de escolas, de faculdades. Tem uma escola particular aqui que faz um trabalho de biologia, de identificação, de classificação de plantas aqui dentro e tudo com registro. Então assim, a gente tem uma riqueza, uma diversidade muito grande dentro do parque e isso também atrai o morador, isso envolve a comunidade.
P/1 – Eu queria te perguntar um pouco isso, como é que é a frequentação da população local, da comunidade mesmo?
R – Tá. Logicamente, o perfil do nosso frequentador é mais turista, infelizmente. Não que eu não goste de turista, amo todos, mas assim, o povo de São Lourenço tem que frequentar mais o parque. Cresceu muito uma percepção que eu tinha das pessoas fazendo caminhada, atividade física na rua. O parque tem uma cobrança de ingresso pra manutenção, é claro que tem que ter, e o morador compra um passaporte com cinco entradas, ele tem 50% de desconto, então não é caro para o morador. Mas percebendo que algumas pessoas caminhavam fora do parque, eu passei a perguntar: “Você pagaria um real pra uma atividade física dentro do parque?” “Pagaria. Por quê?”. Eu falei: “Não, porque eu to pensando em fazer um negócio diferente lá”. E assim, consegui mostrar isso pra diretoria, pra gerência, que eu ia trazer mais gente de São Lourenço pra dentro do parque, porque também é uma cartela específica pra morador. Então hoje ela custa 12 reais, um real e 20 centavos, são dez entradas, você pode entrar das sete às oito da manhã, ou depois de cinco horas da tarde. E as pessoas estão vindo, nós crescemos em 43% o número de frequentador. Nós fazemos o dia primeiro de abril, é o dia de emancipação político-administrativa da cidade de São Lourenço, a gratuidade para o morador, para as pessoas. Todo mundo vem de graça. Parque das Águas, a nossa bilheteria é fechada nesse dia. Esse ano nós tivemos nove mil 575 pessoas aqui dentro do parque. Então é muita gente. É uma forma de estar muito próximo da população, de mostrar que o parque tem suas belezas, é pra vir todos os dias. Não podemos fazer isso todos os dias, essa gratuidade, mas já estamos pensando, o atual presidente, diretor nosso de waters, ele quer fazer outro momento pra cidade. E a gente está achando por bem dia dez de agosto, dia do padroeiro, fazer nesse mesmo dia, no dia dez, essa gratuidade também. Então em dois momentos, primeiro e segundo semestre, sem contar, assim, a população de asilos, creches, escolas. A APAE faz caminhadas todos os dias aqui dentro e tudo isso é franqueado pela companhia. Acho que a gente não fala as coisas que a gente faz. Infelizmente a gente tem uma má comunicação, isso já está mudando, a gente vem percebendo isso ao longo desses seis anos aí, quase sete anos, mas a gente tá começando a se movimentar pra falar pra população o que a gente faz, pra comunidade, pra tê-los mais próximos a gente. Os nossos presidentes... A associação de moradores de bairro fica maravilhada quando consegue trazer os velhinhos, os idosos pra fazer caminhada, atividade física. Temos uma parceria com o SUS, são 300 pessoas fazendo o tratamento com as águas, tem uma médica que prescreve. Tem segundas e quartas e sextas caminhada com Agita São Lourenço, que é um projeto fantástico pra diminuição de pressão arterial e, enfim, doenças adquiridas ao longo da vida. Então assim, tem muito projeto, muita coisa que a gente faz e a gente acaba não divulgando. Ter essa maravilha, essa diversidade, desse paraíso que é o Parque das Águas. Sem contar a benção das águas, todo dia seis, nós temos um padre que vem aqui, o nosso pároco faz a benção. Tem uma gruta, uma capelinha pra ela, ali você tem milhares de placas de agradecimento. Só que a gente tem que fixar isso com o calendário. E é o que a gente tá fazendo pra poder divulgar, pra trazer mais pessoas pra dentro do parque, pra contemplar mais morador dentro do parque nessas atividades todas e conhecer o que a empresa, o que a companhia faz pelo colaborador, pela cidade, pela população e pelos nossos visitantes que aqui vêm pra descansar, relaxar e encontram esse parque maravilhoso.
PAUSA
P/1 – Vera, eu queria te perguntar uma coisa, você já falou um pouco sobre isso, mas assim, qual você acha que é a importância, tem uma série de ações aqui dentro do parque e o movimento grande, pelo que você descreveu, de aproximação do parque e da população, qual que você acha que é a importância dessa aproximação entre a população de São Lourenço e o Parque das Águas? O estreitamento dessa relação, frequentação...
R – O estreitamento dessa relação com a comunidade é muito importante porque assim, veem a empresa como uma multinacional, “ah, vai chegar aqui, vai explorar, vai embora”, sendo que a ideia não é essa, pelo contrário, é de investir, de buscar e de fazer com que as pessoas, os moradores, tenham o parque como seu. Esse aqui é o bem maior que nós temos. É visto pela diretoria como assim, um patrimônio da humanidade, o Parque das Águas. Então ele não é da companhia, ele não é meu, ele é de todo mundo, ele é nosso. Tem que ter alguém pra tomar conta, alguém pra administrar, alguém pra investir. É o papel da empresa. E o outro lado vem o papel social que ela tem com a comunidade, gerando emprego, gerando renda, impostos pra São Lourenço. E esse estreitamento com a população, essa coisa da gente querer que eles frequentem é pra saber, “não, isso aqui é nosso, nós estamos aqui”. O Parque das Águas existe, a comunidade tem um apelo muito grande pelo parque. Então tem que estar aqui dentro, tem que vivenciar, tem que experimentar estar aqui todos os dias.
P/1 – O que você acha que a população tem a ganhar com essa aproximação?
R – Além da qualidade de vida que a população vai ganhar frequentando o parque, tomando as suas águas, fazendo atividade física, vindo fazer uma oração, ela ganha também assim na visão. O Parque das Águas, ele tem um público muito diverso. Então você tá caminhando, você vê ali um senhorzinho de 90 anos que vem todos os dias fazer a sua atividade física aqui, vem ele e a secretária, você vê um casal de americanos passeando pela primeira vez no Brasil, vem a São Lourenço porque ouviu falar do parque. Você vê pessoas praticando ioga aqui dentro, tai chi. Então assim, você tem uma diversidade maior, uma visão maior, e consegue enxergar que isso aqui é o nosso pulmão, o nosso coração. Trazer essa população pra cá é falar pra ela: “Olha, vocês são muito bem-vindos aqui. Nós queremos vocês aqui dentro. Vocês fazem parte do Parque das Águas, da história da cidade, da história da nossa empresa junto à cidade que nós estamos hoje e permanecemos, vamos ficar”. É essa a sensação que o morador tem que ter.
P/1 – Vera, esses tempo todo que você tá aqui, tem alguma história, uma situação, uma história que você tenha vivenciado dentro de alguma dessas ações que vocês realizam dentro do Parque das Águas que tenha te marcado?
R – Uma atividade... Deixa-me pensar aqui direitinho. São tantas.
P/1 – Uma situação, uma coisa que, sei lá, te venha à mente, você sempre se lembra.
R – Olha, eu tenho uma recordação assim, nós estávamos com o projeto Nutrir Crianças Saudáveis numa instituição e eram 80 crianças que a gente assistia, era um sítio, então fogão à lenha, aquela coisa bem do interior, crianças muito carentes. Tinha uma menina mais velha, com uns 12, 13 anos e ela cuidava dos irmãos. O pai e a mãe meio comprometidos com bebida, enfim. E essa instituição era uma instituição que só aos finais de semana que você ficava lá na instituição enquanto o pai e a mãe estivessem trabalhando na roça, colheita de café, o que fosse, e essa menina cuidando dos irmãos, a casa dela pegou fogo, o pai e mãe não estavam em casa. No dia seguinte ia ter a nossa Ecofolia na instituição. Ela não poderia ir, porque a casa tinha pegado fogo, ela tinha perdido tudo, aí como o bombeiro foi lá pra apagar o incêndio, fazer o resgate das crianças, levar pra um lar, uma casa de passagem, aí ela mandou um recado pra mim: “Fulano, bombeiro” – Ronei o nome dele – “o senhor conhece a Verinha Vaz lá do Parque das Águas, a tia lá do Nutrir?”. Ele falou: “Conheço” “Faz um favor pra mim? Fala pra ela que amanhã eu não vou poder ir, que ela não vai contar comigo que eu não vou ajudar na cozinha porque minha casa pegou fogo. Mas tem que avisá-la”. Então a preocupação dela era de me avisar porque eu ia contar com ela. Ela era uma das meninas que me ajudava na cozinha, que tem a equipe que vai para as brincadeiras, cada tema da folia você tem uma brincadeira específica para o tema, e ela tinha pedido pra me avisar. Então assim, isso ficou muito marcado, eu tenho um carinho muito grande por ela, continuo assistindo meio à distância essa família, porque ela se tornou a mãezinha das crianças. Tudo quanto é instituição que a gente tá ela tenta entrar porque é uma forma dela estar perto da gente, do Nutrir. Já está com certa idade hoje, mas cuida dos irmãos, então isso ficou muito marcado. Muito marcado a história dela. E a história de uma menina, moradora de São Lourenço, que numa atividade de Water Day do ano passado, ano retrasado, a criança entrou, começou a chorar, aí eu perguntei: “O que foi? O que foi?”. Ela falou assim: “Eu to chorando porque é a primeira vez que eu venho ao parque. A minha mãe nunca me trouxe ao parque” “Mas por que não te trouxe? Tem o dia primeiro... É porque é caro, alguma coisa?”. Ela falou assim: “Não. A minha mãe não pode andar, ela ta numa cadeira de rodas, não sei o quê, e é a primeira vez que eu to entrando aqui”. E chorou muito, ficou muito emocionada e acabou que ela ficou brincando com as crianças, ela é menorzinha, mas com as crianças mais velhas, porque todo mundo queria pegar ela no colo de tão fofa que ela era. Então foram dois momentos que me marcaram muito. Agora, isso aqui tem muita história. Muita história com turista, com o próprio morador, com os frequentadores do parque, pessoas assim que você costuma ver todos os dias naquele horário, aí chega determinado dia aquela pessoa não vem: “Uai, o que aconteceu?”. Aí eu ligo pra casa, pergunto se tá tudo bem, porque afinal de contas, eu conheço o meu cliente. E o meu cliente é a comunidade, é a população, são os turistas. Então assim, eles me enriquecem muito, enriquecem o meu trabalho com sugestões, com críticas. Nós estamos abertos a qualquer pessoa que queria: “Olha, eu tenho uma ideia, um projeto”. Essa é a função do coordenador, do gestor do Parque das Águas, que graças a Deus essa pessoa sou eu. Eu sou uma mulher abençoada em toda a minha vida. E esse meu trabalho eu amo o que faço e faço porque amo. Lógico, além de a empresa me pagar bem (risos).
P/1 – Claro (risos). É necessário também. Vera, eu queria que você dissesse assim, nessa sua experiência com a coordenação, com a gestão do Parque das Águas, que aprendizados você recolheu, colheu? Que aprendizados você teve nessa experiência, tanto na esfera pessoal, quanto na esfera profissional?
R – Tá. Bom, eu tiro com tudo isso assim, que eu falo que hoje eu sou uma pessoa pronta. A empresa me ensinou a ser uma gestora. Hoje eu consigo profissionalmente estar à frente de qualquer instituição. Sou capaz porque a empresa investiu e eu consegui absorver. Então assim, é uma cobrança diária, mas é uma cobrança do próprio colaborador, e eu como gestora me cobro também. Então estou pronta pra isso. E assim, no meu lado pessoal, eu tenho muito mais tolerância, menos reativa, porque é uma característica da gente ser reativo e a empresa conseguiu me mostrar algumas dificuldades que eu tinha, e hoje eu consigo absorver muitíssimo bem. Antigamente, eu tinha certa aversão por críticas, hoje as aceito com muito bom coração, sabe, e transformo isso. Se você vier com uma crítica, pode ter certeza que eu vou tirar alguma coisa dali pra poder melhorar. Esse é o papel do gestor, a gente ser transformador. E a empresa, a companhia na minha vida foi uma transformação muito grande, pessoal e profissional. Sou reconhecida pelo meu trabalho, sou valorizada pelo meu trabalho, não só pela companhia, pelos meus gestores, pelos meus pares, mas pela comunidade, pela população e pelas pessoas que frequentam o Parque das Águas aqui de São Lourenço. Então isso foi a empresa, foi a Nestlé que conseguiu trazer através dessa parceria de colaborador-empresa.
P/1 – Bacana. Eu vou encaminhar agora para as perguntas finais, são duas questões finais de fechamento mesmo, mas antes eu queria saber se tem alguma coisa que a gente não tenha perguntado e que você gostaria de falar.
R – Não. Nós falamos de tudo: da enchente, falei da minha mãe, do meu pai. Falei pouco da minha filha (risos). E que eu sou gateira.
P/1 – (risos) Eu sou gateira também.
R – Acho que da minha filha. É. Da minha filha nós não falamos tanto.
P/1 – Você quer dizer alguma coisa sobre ela?
R – Não. Eu falei que ela é benevolente, não sei o quê, falei que ela se formou em Medicina. Não, eu falei tudo dela.
P/1 – Parceira. Bastante parceira
R – Parceira. Eu me esqueci de falar que eu sou gateira, que eu amo bicho.
P/1 – Você tem muitos gatos?
R – Não. Infelizmente eu tenho dois gatos só, porque eu moro em apartamento. Mas aqui no parque eu tenho um monte e cuido deles. Fiz parceria, consegui fazer parceria com a Secretaria de Zoonose pra castração. Porque os gatos não são do Parque das Águas, são pessoas que jogam os gatos aqui dentro. Então assim, não é o papel da empresa cuidar dos gatos, mas já que estão aqui dentro, a gente trata. E conseguimos aí... Eu tenho cinco parceiros aqui dentro, são cinco gateiros, e eu sou a sexta gateira. Então tomo conta, amo meus bichos de paixão. Aliás, tem um que tá sumido desde sexta-feira, já chorei muito por conta disso, mas eu tenho certeza absoluta que vão achá-lo. Ele vai voltar pra casa.
P/1 – Tá certo. Então a penúltima pergunta: quais são os seus sonhos hoje?
R – Ai, os meus sonhos? Meu maior sonho hoje... São vários, mas o meu maior sonho hoje é fazer com que o Parque das Águas seja reconhecido como o melhor parque do mundo. Parque de água mineral, o melhor que tem no mundo ser o Parque das Águas. Esse é o meu maior sonho. Pela qualidade que a gente tem, pela diversidade e pelo trabalho realizado aqui dentro. Então esse é o meu maior sonho e tá aí breve. Tá perto isso acontecer.
P/1 – Tá no caminho.
R – Caminho a gente tá. Sempre buscando.
P/1 – E por fim, como é que foi contar a sua história? Como é que foi dar o depoimento?
R – Ah, é muito gostoso. Primeiro que vocês nos deixam bem à vontade. Eu estou muito à vontade aqui. E assim, faz a gente reviver, buscar muita coisa. Aquela história daquela senhorinha cega da minha infância. Nossa, ela tá tão guardadinha, coisa assim, que nem a minha filha sabia disso, quer dizer, não sabe, vai saber agora. Então assim, é muito gostoso. É reviver um passado, memórias, mas sempre com projeção pra frente. Eu penso assim, passado é uma coisa muito gostosa, mas eu não vou conseguir mudar absolutamente nada, então eu não me apego a ele. Tenho saudades, mas não fico presa ao passado. Eu também não vivo o amanhã porque eu não sei se ele vai acontecer. Meu lema é: aqui e agora, o poder do agora. Então estou aqui dando essa entrevista de corpo e alma nesse momento, é o meu momento. Quando eu estiver trabalhando, vai ser o meu momento de trabalhar. Então é um dia de cada vez. E contar a história é muito gostoso, é muito gratificante. Eu agradeço a vocês, a minha gratidão por terem me escutado. E assim, vejo no olhar de vocês também que se emocionam.
P/1 – Sim. Claro.
R – Não tem aquela coisa fria, não. Pelo contrário, é uma coisa muito gostosa, prazerosa, espero que gostem da minha história, porque eu gosto muito da minha história.
P/1 – Tá certo, Vera. Muito obrigada.
R – Eu que agradeço. Gratidão.
P/1 – Foi ótimo o seu depoimento. Foi muito bonito.