Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Marinalva Pereira da Silva
Entrevistada por Márcia Trezza e Eliete Pereira
Conceição do Coité, 21 de maio de 2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV034_Marinalva Pereira da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
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Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 Whirlpool
Depoimento de Marinalva Pereira da Silva
Entrevistada por Márcia Trezza e Eliete Pereira
Conceição do Coité, 21 de maio de 2014
Realização Museu da Pessoa
WHLP_HV034_Marinalva Pereira da Silva
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Marinalva, a gente vai começar a entrevista. Por favor, fale seu nome completo.
R – Marinalva Pereira da Silva.
P/1 – Você nasceu em que cidade?
R – Nasci na cidade de Valente.
P/1 – Em que estado fica esta cidade?
R – Estado da Bahia.
P/1 – Que data você nasceu?
R – Doze do dois de 53.
P/1 – Você tem algum apelido?
R – Nalvinha.
P/1 – Quem te deu esse apelido, Nalvinha, você lembra?
R – Quando me entendi, já foi por Nalvinha, deve ter sido os pais, né?
P/1 – E seus pais, qual o nome dos seus pais?
R – Laurinda Pereira da Silva e Catarino Pereira da Silva.
P/1 – No que eles trabalhavam, Nalvinha?
R – Minha mãe eu tenho bem conhecimento, mas meu pai eu não conheci, quando ele faleceu eu era novinha. Não conheci, mas era produtor rural.
P/1 – E sua mãe ficou sozinha depois com os filhos?
R – Minha mãe ficou só um tempo, na época não existia aposentadoria. Ela distribuiu os filhos pros irmãos, ela não tinha como criar os filhos. Ela ficou quatro filhos e eu fui criada com um tio.
P/1 – E seu pai faleceu doente?
R – Meu pai faleceu trabalhando na roça, cortando um pau. O machado pegou no pé e cortou. Na época não existia hospital perto, nem nada, esgotou em sangue até morrer.
P/1 – E você era a mais nova?
R – Eu tinha quatro anos na época.
P/1 – Tinha irmãos mais novos do que você?
R – Tinha mais dois irmãos mais novos.
P/1 – Quantas mulheres e quantos homens, Nalvinha?
R – Três mulheres e um homem.
P/1 – E cada irmão seu ficou com uma família diferente?
R – Não. Ficaram só dois irmãos, os outros ficaram com ela.
P/1 – E você foi morar desde sempre só com esse tio?
R – Só com o tio.
P/1 – Com a mesma família sempre?
R – Com a mesma família.
P/1 – Você lembra do dia que você teve que ir pra casa dele, Nalvinha?
R – Lembro. Eu já tinha seis anos na época que eu fui morar com eles. Na época eles não moravam em Valente, eles estavam morando em Retirolândia, no Estado da Bahia também. E eu fui morar com eles. Lembro que eu cheguei, eles tinham mais dois filhos e eu vim por ali. Eram primos, mas eu não tinha tanto conhecimento, fui me enturmando e me tornei a chefe da casa (risos). No fim, sendo a mais velha, eu tornei sendo a chefe da casa (risos).
P/1 – Os outros dois eram meninos, meninas?
R – Dois meninos e uma menina.
P/1 – E você logo ficou sendo a chefe?
R – Foi (risos).
P/1 – E seus tios? Seu tio, sua tia, como eles eram com você?
R – Eu agradeço muito a eles, porque eles me deram uma boa educação na época. Trabalhei muito também, mas é o de todo pobre, tem que botar os filhos pra trabalhar, né? Mas eu agradeço que eles me deram escola, não foi a escola completa, o tempo, porque na época também, quando a gente estudava, estudava na zona rural, quando completava quarta série não tinha nem transporte pra ir pra cidade, nem condições, já ficava na roça trabalhando. Eu vim concluir agora, em 2010, depois de quase aposentada que eu vim estudar pra concluir.
P/1 – Depois a gente vai falar disso, mais pra frente, dessa volta aos estudos. Mas eles moravam, então, em área rural.
R – Na área rural.
P/1 – E você falou que trabalhava muito. Onde você trabalhava?
R – A família toda trabalhava no motor de sisal.
P/1 – Ah, era sisal.
R – O meu tio tinha um motor de sisal e a família quase que trabalhava. Era trabalho mais leve, mas era a gente que tinha que trabalhar também pra ajudar na criação, porque senão só ele não dava conta.
P/1 – Sua tia também ia?
R – Minha tia também ia.
P/1 – As crianças quando iam faziam o quê nesse trabalho?
R – A gente só fazia estender a fibra, que era o trabalho leve que tinha.
P/1 – Não ia na parte de corte.
R – Não, não, só pra estender a fibra.
P/1 – E teve alguma vez que você lembra até hoje que aconteceu um fato muito marcante nesse trabalho do sisal?
R – Não. Teve uma época que teve um acontecimento, mas não foi um acontecimento ruim, foi acontecimento bom.
P/1 – Pode dizer (risos).
R – Porque meu tio trabalhava e sempre aparecia pessoas pedindo trabalho. E apareceu um rapaz, menino, que veio de uma cidade longe e apareceu no motor pedindo trabalho. Ele deu. Foi um acontecimento bom, porque foi mais um irmão que a gente ganhou. Ele pegou, botou dentro de casa pra trabalhar também e hoje, tem vários anos, ele tem a gente como irmão.
P/1 – Nunca mais saiu da família?
R – Não, nunca mais saiu.
P/1 – A senhora ainda era criança?
R – Era criança. Ele também era criança, era menino na época.
P/1 – E as brincadeiras, Nalvinha? De que brincadeiras você lembra nessa época?
R – Ah, brincadeira eram várias (risos).
P/1 – Conta um pouco como era.
R – A gente brincava de Bandeirinha, Cair do Poço.
P/1 – Como que era Bandeirinha?
R – De Bandeirinha.
P/1 – Como era essa brincadeira?
R – Bandeirinha eram dois grupos, colocava uma bandeira na frente, aí um grupo rival com o outro pra ver quem pegava a bandeira primeiro. Eram essas brincadeiras.
P/1 – Poço, como era?
R – Cair no Poço? Cair no Poço brincava lá quando já era grandinha, era mocinha já interessando a namorar (risos). Brincava de Cair do Poço pra, quando um pegava o outro perguntava: “O que é que você quer receber, beijo ou abraço?”, a menina com os olhos fechados. E aí, se ela via que era um menino que ela tava gostando era beijo, senão era abraço (risos). Esses tipos de brincadeiras.
P/1 – E tinha festa, Nalvinha, na época?
R – Tinha.
P/1 – Quais festas?
R – São João, mais era somente festa de São João na época.
P/1 – E vocês participavam?
R – Participava. Os meus tios, que eram meus pais, eram festeiros.
P/1 – É?
R – Eram festeiros e onde tinha festa, a gente tava lá.
P/1 – Todos eram festeiros.
R – Eram.
P/1 – Esse tio era irmão do seu pai?
R – Irmão da minha mãe.
P/1 – E sua mãe ficou com seus dois irmãos mais novos.
R – Foi.
P/1 – E aí vocês tinham contato?
R – Tinha, a casa era perto. Ela ficou morando com meus avós e os dois filhos na época.
P/1 – E que lembranças você tem da sua mãe depois que você já tava com a sua tia? Vocês conviviam?
R – A gente convivia, mas era muito pouco, era muito pouco. Eu acho que eu peguei mais amizade à minha tia. E minha mãe era, assim, a minha mãe não aparecia muito, aí demorava de se ver.
P/1 – Não teve nenhuma tristeza nessa fase?
R – Não. Não senti falta, não me importei com isso, não.
P/1 – E além das brincadeiras, das festas, aí você disse que tinha escola também.
R – Tinha.
P/1 – Você foi desde pequena pra escola?
R – Desde pequena, estudei...
P/1 – Como era a escola, Nalvinha?
R – Primeiro eu comecei a estudar numa escola, chamava Reinaldo Ramos Rios. Depois que fui estudar na terceira série em diante já foi em outra escola, mas era uma escola que na época não tinha, era numa casa que acho que a prefeitura alugou e a terceira série já foi pra lá. Eu só estudei até a quarta.
P/1 – Nessa casa.
R – Foi.
P/1 – E antes era escola mesmo?
R – Antes era escola.
P/1 – Mas não tinha até terminar?
R – Não, não tinha. Era pequena a escola, não cabia, já era um povoadozinho o lugar em que a gente morava, não cabia os alunos todos do Pré até a quarta série, aí dividiu.
P/1 – E você gostava da escola?
R – Gostava muito.
P/1 – Do que você mais gostava?
R – Hoje eu tenho lembrança ainda da minha primeira professora.
P/1 – Como é que você lembra dela?
R – Ela era carinhosa demais. Até hoje, ela tá velhinha, quando ela encontra a gente ela ainda faz um carinho.
P/1 – Ela mora aqui na região?
R – Ela mora em Santa Rita de Cássia, município de Valente.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Marivalda. Era uma professora excelente.
P/1 – Você tem alguma lembrança da escola com os colegas?
R – Tenho (risos).
P/1 – Então conta!
R – Eu tenho a lembrança que depois que eu comecei a estudar a terceira série, eu achava, assim, não sei se era porque eu não era muito boa de leitura, eu tinha um pouco de cisma que achava que a professora gostava mais de uns colegas e ajudava mais do que me ajudava. Lembrança de criança.
P/1 – Que nem sempre são boas, né?
R – É.
P/1 – E aí você parou de estudar depois.
R – Parei de estudar. Depois, no ano de 2005, foi que eu retornei aos estudos.
P/1 – A escola na época da sua infância ia só até o quarto ano.
R – Até o quarto ano. Tinha, mas era na cidade, era longe, a gente não tinha condições de ir.
P/1 – E vocês mudaram de Valente, ou como foi que a senhora veio pra cá?
R – Eu vim pra cá porque eu conheci meu marido lá em Valente, aí casei e vim pra cá.
P/1 – A senhora continuou trabalhando com o sisal ou a senhora depois foi trabalhar em outra coisa?
R – Não, o sisal foi só enquanto eu tava lá. Depois que eu vim pra Coité meu trabalho foi fazer beiju.
P/1 – E, Nalvinha, você ficou na casa dos seus tios até quando?
R – Até 22 anos.
P/1 – Sempre trabalhando com sisal.
R – Sempre trabalhando com sisal.
P/1 – E a família vendia essa produção?
R – Vendia.
P/1 – E como era o retorno, era um bom retorno? Como vocês viviam financeiramente?
R – Era pra sobreviver.
P/1 – Vocês plantavam alguma coisa também?
R – Não. Na época que eu morava lá não plantava, não.
P/1 – E dava pra sobreviver de que forma, Nalvinha?
R – De forma digna, viu? Nunca passamos fome. Sobrevivia, dava pra comprar comida, roupa. Não era tanta porque a época também não era de ninguém ter tanta roupa, né? Mas a gente não passou fome, não. Não tinha tanta coisa, mas dava pra sobreviver.
P/1 – E você e os outros filhos dos seus tios recebiam algum dinheiro nesse trabalho do seu tio?
R – Recebia, assim, o dinheiro do doce. Ele dava o dia de domingo que ele fazia pagamento pros outros trabalhadores e aí a gente, que eram os filhos, a cada um ele dava um dinheirinho, que era o dinheiro do doce. E outra que a gente recebia era roupa, calçado.
P/1 – E esse dinheiro do doce o que você fazia, Nalvinha?
R – Bala, geladinho (risos). Na época era comprar bala.
P/1 – E depois você foi crescendo e continuou comprando bala?
R – Não. Depois que eu fui crescendo, eu já comprava minhas roupas. Aí que eu fiquei grande, já mocinha, ele já me dava o meu dinheiro, eu que comprava minhas roupas. Eu comecei a comprar coisa pra casamento.
P/2 – O enxoval.
R – Já o enxoval de casamento e foi indo assim.
P/1 – A senhora achava que era um valor suficiente pra comprar suas coisas?
R – Era, era.
P/1 – E quando ele deu o primeiro pagamento mesmo pra senhora, a senhora lembra?
R – Alegria, muita alegria (risos).
P/1 – E o que a senhora fez com esse primeiro? Primeiro era bala, mas depois foi o pagamento. O que a senhora fez com o primeiro pagamento?
R – Eu acho que foi roupa, viu? Parece que eu comprei roupa.
P/1 – E como a senhora conheceu seu marido?
R – Ele é daqui de Conceição do Coité e na época ele tava trabalhando lá em Valente. Não sei, lá pelas festas ou no barzinho, não sei, na pracinha, sempre tinha pracinha, começamos a namorar e casamos.
P/1 – O que ele fazia lá?
R – Ele trabalhava de garçom na época.
P/1 – Ele ficou muito tempo trabalhando lá, Nalvinha?
R – Uns três anos.
P/1 – Sim, aí vocês se conheceram. Como foi esse encontro?
R –Eu esqueci (risos). Deixa eu ver (pausa). Primeiro a gente começou se conhecendo lá pela pracinha. Depois ele foi na casa de meu pai, que eu chamo de pai. Meu pai conheceu ele, acharam que era gente que dava certo, aí casamos.
P/1 – Aprovou o namoro.
R – Aprovou o namoro e juntamos os trapos (risos).
P/1 – Logo depois que ele foi na casa do seu tio vocês já casaram?
R – Não, foi uns seis meses só.
P/1 – E como foi? Foi um casamento só de papel ou teve alguma cerimônia?
R – Não teve nada de papel (risos).
P/1 – E nem cerimônia?
R – Não, não teve nada.
P/1 – Conta esse dia como foi.
R – Esse dia.
P/1 – Que vocês se juntaram.
R – Esse dia, eu engravidei antes. Aí meu pai conversou com ele, combinamos e ele veio me trazer aqui.
P/1 – Ele era daqui.
R – Ele já tinha vindo embora, tava trabalhando aqui. Aí meu pai combinou e a gente veio, ele veio me trazer aqui. Aí desse dia em diante ficamos.
P/1 – O seu atual marido veio te trazer pra cá?
R – Não. O meu pai veio me trazer, porque meu marido já tava morando aqui.
P/1 – Mas seu marido sabia que você tinha ficado grávida.
R – Sabia, foi combinado, foi combinado.
P/1 – Nasceu o primeiro filho com qual nome?
R – Elenildo.
P/1 – Nalvinha, você disse que ele foi conversar com seu tio, aí antes de você vir pra cá ele já tinha vindo.
R – Já. Porque ele já morava aqui, tava trabalhando lá passando uma temporada de trabalho. Depois que acabou o trabalho ele veio embora.
P/1 – E vocês continuaram namorando à distância?
R – Foi. Aí eu engravidei, eles combinaram e veio me trazer (riso).
P/1 – Aí chegou aqui, como foi pra você?
R – Não sei. Foi bom, porque quando você está mais o namorado ou mais o marido é bom, não é? Mas eu não conhecia ninguém, só conhecia ele. Na época eu fui morar com a sogra, que não tinha casa. Ela é gente boa também, viu, a minha sogra morreu velhinha, mas eu gostava muito. Ela era minha segunda mãe.
P/1 – Ela tratou bem de você?
R – Tratou bem. E a gente morou ainda cinco meses na casa dela. Meu primeiro filho nasceu na casa da sogra. Depois a gente trabalhou, construiu a casinha pequena e foi crescendo e rendendo família.
P/1 – Vocês foram morar na sua própria casa.
R – Foi, eu já tinha um filho quando fui morar.
P/1 – Já tinha um filho. E quando a senhora mudou pra sua casa, qual foi sua reação, sua sensação?
R – Muito boa.
P/1 – A senhora lembra desse dia?
R – Lembro.
P/1 – Conta pra gente.
R – Lembro que não tinha muita coisa, muito móvel, essas coisas. Eu improvisei um armário com uns caixotes de tomate (riso). A gente só tinha uma mesa, parece que duas cadeiras, umas quatro cadeirinhas. Improvisei uns arranjos com aquele bueiro de fogão que faz aqueles de barra. Improvisei uns arranjos nos cantos da casa, pra mim tava a coisa mais linda do mundo!
P/1 – Arranjo, como assim?
R – Arranjo de flores nos cantos, assim. Pra mim estava uma coisa mais bonita (riso). Foi uma sensação ótima, estar dentro da sua casa é bom demais.
P/2 – E onde vocês construíram essa casa?
R – É essa daqui da frente aqui.
P/2 – Era no terreno da sogra?
R – No terreno da sogra.
P/1 – E o neném, ele foi crescendo, o primeiro filho.
R – O primeiro ainda nem bem cresceu e eu já tive foi outro (riso). Quando o primeiro tinha um ano e um mês nasceu a outra.
P/1 – Como ela chama?
R – Elenilda.
P/1 – E teve mais filhos, Nalvinha?
R – Tenho, tive mais um só, três filhos.
P/1 – Qual o nome do terceiro?
R – Clécio.
P/1 – E o seu marido trabalha com o quê?
R – Trabalhava com agricultura, plantação de mandioca, feijão, milho. E eu trabalhava com beiju. Depois que eu saí de lá, de Valente, que eu vim pra aqui, tive o primeiro filho e aí já comecei logo um trabalho de beiju, fazendo beiju e fui vendendo nas feiras.
P/1 – Por que a senhora foi trabalhar com beiju? Como aconteceu isso?
R – Porque era o meio de sobrevivência que existia na época. Aqui já tinha a cultura de fazer beiju, tinha algumas pessoas, poucas, mas tinha algumas pessoas que já faziam beiju. Na casa da minha sogra tinha um forno, que minha cunhada já fazia beiju, e eu comecei a fazer e levava pra feira, pra vender.
P/1 – O beiju que a senhora fazia, a farinha era comprada?
R – Quando a gente não tinha mandioca, a gente comprava na região, comprava das vizinhas que tinham a goma, na época.
P/1 – Nalvinha, vocês também plantavam mandioca?
R – Plantava. A gente planta até hoje. Hoje a gente não tá com muita plantação de mandioca, porque depois daquela seca acabou muitas coisas e pra gente arrumar, pra estar hoje com muita plantação tá difícil.
P/1 – Como foi? Conta dessa seca, dona Nalvinha. Quanto tempo ficou sem chover?
R – Foi uns dois anos.
P/1 – Sem chover nada?
R – O ano de 2012 foi triste pra gente! Não teve nada, nada de plantação, de roça.
P/1 – E como fazia? Como as famílias fizeram?
R – As famílias ficaram alguns vivendo da Bolsa Família e outros comprando a fécula de Paraná, na época, pra fazer o beiju, até ter o da região.
P/2 – Já havia acontecido uma outra seca?
R – Igual a essa não, não me lembro não.
P/1 – E a sua família, como fez nessa época da seca?
R – Os filhos já estavam casados. Eu tenho uma nora, a nora também, que na época eu vendia beiju, depois que eu terminei de criar os filhos, tudo, que todo mundo casou, eu peguei o ponto do beiju que eu tinha na cidade, eu vendia na cidade de Santa Luz, eu peguei o ponto e entreguei pra nora, foi passando de geração.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Lucineide. Foi passando de geração pra geração. Aí só tinha eu e o marido, eles é que precisavam mais pra sobreviver do que eu que já tava com família, aí eu peguei o ponto e passei pra ela. Aí ela foi, ela trabalha até hoje, ela trabalha há mais de dez anos.
P/1 – A senhora também teve que comprar do Paraná?
R – Foi. Na época foi comprada do Paraná. Mas depois, o ano passado já teve um pouquinho, este ano vai ser melhor.
P/1 – Nalvinha, e as famílias que, pra comer, não tinham mais como fazer o beiju e não tinha plantação? Além da Bolsa Família, tinha outra alternativa?
R – Eu tenho um filho que trabalha ganhando o dia fazendo beiju nas casas e tem a mulher que vende beiju. O outro é feirante, vende umas besteirinhas na feira, e com isso ia lutando, adquirindo o que comer.
P/1 – E as outras famílias, o que a senhora observava?
R – Mas aqui na região tem muita família... Graças a Deus, aqui é assim, a maioria das famílias aqui, todo mundo é beijuseiro, todo mundo é beijuseiro. Quando não dá certo achar a goma na região se vira em outra região, pede à outra cooperativa, ela traz e foram se virando.
P/1 – E a gente tava falando do seu trabalho, que a senhora começou a fazer beiju quando veio pra cá.
R – Foi.
P/1 – E quem ensinou pra você?
R – Eu sempre fui observadora. A minha cunhada fazia, eu comecei olhando por ali, pegando o jeitinho, depois já desarmei, comecei fazendo.
P/1 – E seu esposo trabalhando como? Que atividade aqui?
R – Ganhando o dia na roça do povo, dos vizinhos.
P/1 – A família dele não tem roça?
R – Tinha, mas é tudo pouquinho, terra pouca.
P/1 – Quanto ganhava, avaliando assim?
R – Na época era o valor de um quilo de carne.
P/1 – O dia todo.
R – Um dia era valor de um quilo de carne na época. Ganhou um quilo de carne já tava bom, pros fazendeiros que pagavam.
P/2 – Dona Nalvinha, e da mandioca, o que mais faziam além do beiju?
R – Ó, eu comprava mandioca na roça dos vizinhos, transformava ela na fécula. Da fécula eu já ia transformar no beiju, na farinha tapioca, o beiju recheado na feira, a farinha já vendia também, a gente fazia esses trabalhos.
P/2 – A gente comeu agora com a senhora, a senhora fez uma espécie de mingau.
R – De mingau.
P/2 – Aquele mingau vem o quê, da tapioca?
R – Já vem da mandioca, é.
P/2 – Mas da mandioca e da tapioca?
R – Ali é tapioca que tira da massa da mandioca, já é derivado da mandioca.
P/1 – Depois a senhora foi fazendo beiju, vendia onde que a senhora falou? A senhora falou que vendia na feira, que feira?
R – Eu vendia na feira livre, vendia em Conceição do Coité e na cidade de Santa Luz. Pegava duas feiras.
P/1 – A senhora ia sozinha?
R – Não, eu ia com o meu marido. O meu marido vendia farinha em Santa Luz, ele passou a vender uns saquinhos de farinha depois.
P/1 – E quando tinha a farinha mesmo vocês também produziam na época?
R – Produzia.
P/1 – Nalvinha, eu tô insistindo em saber como você foi aprendendo a trabalhar com tudo isso. A casa de farinha, a família do seu marido não tinha.
R – Na casa deles tinha já o forno e a prensa. Tinha aviamento já da mandioca lá, só não era industrializada como é hoje, era manual, mas já existia.
P/1 – E você disse que seu marido produzia farinha pra levar na feira. Era nessa casa que ele fazia?
R – Era, era.
P/1 – Conta o processo de fazer farinha, tudo, desde que colhe a mandioca, pra gente deixar registrado. Desse jeito manual.
R – Manual, arranca a mandioca, vai na roça, os trabalhadores arrancam a mandioca, trazem pra casa de carroça ou de carro. Na época era de jegue com os caçuá, traz pra casa de farinha. Na casa de farinha as mulheres raspam; depois de raspadas tritura, nessa época era até na roda, eram dois homens que se faziam de motor, aí eram eles quem manuseavam a roda pra triturar a mandioca. Depois vai pra prensa, quando tá seca, ela vai pro coxo.
P/1 – O que faz no coxo?
R – Depois ela lá no coxo, sequinha, ela vai pra peneira.
P/1 – O coxo é pra quê?
R – É pra separar a massa que já tá seca com a massa que tá molhada, ainda com a umidade da água. Depois que está lá no coxo é separado, vai pra peneira, peneira. Depois que peneira, joga no forno. Tem um forneiro com rodo, e aí agora já é manual, ele que vai se virar pra dar ela pronta, torradinha já, forno de lenha.
P/2 – Quanto tempo pra torrar?
R – Uma hora e meia a duas horas, mais ou menos, uma fornada.
P/1 – Agora a gente compra farinha de mandioca crua, essa também passa por esse processo?
R – O mesmo processo, só não faz torrar.
P/1 – Pra fazer o beiju é sem torrar?
R – Pra fazer o beiju, o beiju já é o derivado da mandioca, já não é da mesma massa que faz farinha.
P/1 – Do que é o beiju?
R – O beiju, depois que você tritura a mandioca, faz esse processo todo, que tritura ela. Aí, na hora de você botar na bacia, pega uma renda, a gente tira com a renda, tira aquela água dela, coloca lá na bacia pra assentar. Depois, no outro dia, ela amanhece já a fécula, tira a água, joga a água fora, aquela água dela que azeda demais, e já coa pra outra água da cisterna, pra ficar aquele polvilho branquinho.
P/1 – Aí já dá pra usar?
R – Já dá pra usar.
P/2 – E vocês aproveitam a maniva?
R – Aproveita. A maniva é pra plantação de novo e a sobra faz ração animal.
P/1 – Pra fazer essa farinha de mandioca, quanto tempo leva pra fazer um saco assim de quantos quilos?
R – No manual?
P/1 – Num dia, manual.
R – Manual faz cinco sacos no dia, o saco de 50 quilos.
P/1 – Cinco em um dia?
R – Cinco.
P/2 – Mas quantas mandiocas pra fazer os sacos?
R – Olha, no tempo que era carga, eram cinco, seis cargas.
P/2 – E a carga seria mais ou menos quantos quilos pra gente poder entender?
R – Rapaz, acho que na faixa dos 100 quilos.
P/1 – Pra fazer cinco sacos?
R – Não.
P/2 – Seriam cinco cargas pra fazer cinco sacos?
R – É, cinco sacos.
P/2 – Então seriam 500 quilos, mais ou menos?
R – Uns 500 quilos, eu acho que sim. Eu não tenho certa a pesagem, eu acho que sim.
P/1 – É só pra entender se ela era valorizada na hora da venda.
R – Muito pouco. Porque farinha já é coisa de podre, né, o povo já acha que farinha é coisa de pobre. Só que pra gente é a coisa melhor que tem, porque além de ser pra gente comer, a gente sobrevive dela, da mandioca e do derivado da mandioca. E na feira, na época que não tem muita, ela tem valor. Quando tem muita, serve até de assovio no mercado (riso).
P/1 – Como é esse negócio de servir de assovio?
R – Quando tem muita, que chega no mercado, o povo fica fazendo chacota que não vai vender tudo, pra levar pra casa (riso).
P/1 – Servir de assovio (riso).
P/2 – Nalva, uma dúvida com relação à farinha, porque tem farinha que é mais amarela e tem aquela farinha mais branquinha. E a gente viu que a farinha daqui é bem branquinha.
R – É. Porque a gente não produz a farinha amarela ainda. A farinha amarela eu não sei se é algum produto que coloca porque não tem, a mandioca aqui, a gente nunca... A mandioca amarela que a gente conhece aqui é a macaxeira, que tem amarela, mas não dá a farinha sempre amarelinha daquele jeito, a gente aqui só produz dessa branquinha.
P/1 – Macaxeira nem dá pra fazer farinha, né?
R – Dá.
P/1 – Dá?
R – Dá.
P/1 – Dá pra comer?
R – Só é um pouco doce a farinha, mas dá pra fazer.
P/1 – Nalvinha, voltando, você começou a aprender a fazer tudo isso e como é que você se sentia fazendo esse novo trabalho? Beiju, farinha.
R – Rapaz, quando eu comecei, porque tudo é assim, tudo é o que a gente tem necessidade, né? Eu tinha necessidade, que eu tinha precisão do dinheiro pra sobreviver e também do dinheiro pra adquirir alguma coisa que a gente não quer somente ganhar só o que comer, né? Precisa de ter casa, a gente precisava comprar um pedaço de terra, a gente precisava criar os filhos, dar educação. Então, pra mim, quando eu comecei a fazer, que continuei fazendo, já me sentia uma mulherona, porque já sabia faze beiju, já sabia ir para as feiras vender e achei ótimo.
P/1 – E na hora de vender, como foi a primeira experiência? A senhora se lembra?
R – Rapaz. A primeira experiência foi boa, porque era o meio que a gente tinha, mas na época a gente ia de pé daqui pra cidade.
P/1 – Nossa, quanto tempo?
R – Com a bacia na cabeça na época. A gente saía daqui umas três horas da manhã, umas três ou quatro mulheres que vendiam na feira e lá... Mas a sensação era boa, foi assim, diferente, né, diferente. Porque na época, quando você não tem costume é diferente, mas logo peguei a prática e...
P/1 – Quanto tempo era de caminhada, quantas horas?
R – Umas duas horas.
P/1 – E vocês iam uma vez por semana?
R – Uma vez por semana, no dia de sexta-feira, que é o dia da feira em Coité.
P/1 – E depois como é que começou esse movimento da associação que hoje a senhora participa? Primeiro fala o nome da associação pra nós.
R – Associação, primeiro eu era sócia no povoado de Onça, aqui não existia associação na época. Eu era sócia...
P/1 – E como antes da senhora vir pra cá contar a história dessa, como a senhora ficou sócia lá da associação de lá?
R – É assim, eu sempre fui uma pessoa que, depois que eu tive meus filhos, que comecei amizade com o pessoal da comunidade, eu sempre fui uma pessoa que gostava de fazer aniversário, eu gostava de fazer as coisas assim pra ter muita gente. Porque na casa dos meus pais onde eu fui criada eles eram um povo pobre, mas tinha um achego de gente na casa. E quando eu vim pra aqui eu senti necessidade disso, porque antes a comunidade não era tão assim, achegado uns com os outros. Eu sentia aquela necessidade e fui chegando e conversando com o povo, aí se fundou a associação em Onça e eu fui pra lá.
P/1 – Mas a senhora conhecia o pessoal de lá?
R – De Onça? Conhecia.
P/1 – Como a senhora conheceu? Porque é longe.
R – Eu trabalhava em Onça, numa escola.
P/1 – Como? Do que a senhora foi trabalhar lá?
R – Eu fui trabalhar de zeladora na escola de Onça.
P/1 – E como a senhora começou esse trabalho lá?
R – Na época eu morava aqui e fundou uma escola lá na Onça e eu era amiga do secretário de educação e eu pedi.
P/1 – Como a senhora fez essa amizade?
R – Eu não sei, ele era uma pessoa que gostava de vir aqui na comunidade, na casa da minha sogra. Depois que aconteceu a escola na Onça, ele era secretário de educação, aí eu pedi um trabalho a ele. Eu disse a ele que trabalhava com beiju, mas era muito pouco, não tava dando muito pra sobreviver, aí ele me deu o trabalho. Eu comecei a trabalhar e aí fundou a associação em Onça. Quando fundou a associação eu já trabalhava lá. Aí eu já fui uma das fundadoras da associação de Onça.
P/1 – E como é que a senhora se reuniu com esse grupo? Porque a senhora trabalhava na escola, mas como a senhora se reuniu com esse grupo, começou?
R – Porque o povoado é pequeno, todo mundo se conhece, todo mundo sabe o que tá acontecendo, né? Primeiro eles passaram fazendo as fichas pra fundar a associação, passaram fazendo as fichas, aí eu me inscrevi e passei a ser sócia de Onça, da Associação de Onça. Fui sócia lá uns 15 anos, aí eu senti que a gente precisava de uma aqui na nossa comunidade. Aqui na comunidade teve uma época que teve um senhor que fundou uma associação, mas eu não tinha conhecimento na época. Ele fundou a associação, mas foi aquele povo que... Eu acho que quando a associação é fundada por interesse próprio, ela não vai pra frente. Aí fundou a associação e lá mesmo ela tornou a afundar. Depois a gente soube que existia uma associação aqui na comunidade.
P/1 – O que associação lá no Onça promovia? O que acontecia por meio da associação?
R – Na época só tinha a Casa de Farinha pra gente arrancar mandioca. A gente era sócia lá, apanhava mandioca aqui, a gente deixou de produzir na casa de farinha manual porque o trabalho era muito. Passou a existir na Onça a casa de farinha elétrica, a gente se associava lá, apanhava as mandiocas daqui e levava pra fazer a farinha lá. De lá a gente fazia a farinha, tirava a goma e trazia pra cá pra fazer os beijus. E aí eu senti necessidade de ter uma na comunidade. Eu fui ao secretário de agricultura na época, pedi a ele pra reativar a associação daqui, ele ficou, assim, meio mole, mas...
P/1 – Na prefeitura?
R – Na secretaria de agricultura.
P/1 – Da prefeitura.
R – Da prefeitura. Depois o pessoal da comunidade se juntou e a gente reativou a associação, foi em 98.
P/1 – E aí, o que aconteceu?
R – Aí a comunidade se juntou. Mas na época a gente só pensava numa casa de farinha, porque já tava longe, a gente começou a achar que era longe pra levar pra Onça. Aí a gente se reuniu e reativamos a associação que não estava ativada e começamos a trabalhar nessa época.
P/1 – A senhora disse que conversou com o secretário.
R – Foi.
P/1 – E aí? Conta um pouco pra gente saber como foi essa construção. A senhora que começou, se teve mais gente, pode contar em detalhes pra gente.
R – Na época quem começou fomos eu e um professor que tem em Onça. Ele era professor, tinha a profissão dele, mas ele era plantador de mandioca também. Ele gostava muito do associativismo e sempre ajudava. Aí na época que eu disse a ele: “A gente precisa reativar a associação de Pedras, senão a gente vai ficar só em Onça e a comunidade lá vai ficar sem ter nada. Pra ver se a gente adquire um jeito de fazer uma casa de farinha”, na época era só a casa de farinha. A gente precisou conversar com o secretário, porque na época a gente não tinha fundo nenhum pra casa de farinha. E também não tinha tanto conhecimento de projeto, dos projetos do governo, que nem é hoje. A gente não tinha conhecimento dos projetos do governo. Conversamos com o secretário, ele trabalhava na prefeitura, mas era um homem da roça também, ele gostava muito de ajudar as comunidades. Aí reativou a associação, daí começamos a trabalhar. Na época ele ,o secretário, me chamou, eu e Cecéu, pra gente fazer: “Vocês topam a gente fazer uma feira de beiju no parque de exposição?”. A gente topou. Na época a gente não sabia fazer o beiju recheado, mas ele sempre caminhava pra Salvador e ele que trouxe o cardápio pra gente. A gente fez uma feira de beiju no parque de exposição. No forno, a gente não tinha esses fornos que a gente tem hoje, fez um forno de barro no parque. Daí, ele trouxe o secretário e um pessoal pra conhecer, foi uma coisona essa feira de beiju.
P/1 – Essa feira foi em que cidade?
R – Em Conceição do Coité. Daí agora eu dizia a ele que eu tinha vontade da gente ter uma casa de farinha. Dessa casa de farinha, depois da feira do beiju, ele foi no secretário de agricultura do Estado da Bahia, conversou com ele e ele disse assim: “Você tem esse projeto pronto?”. Ele é um homem muito esperto, interesseiro, e ele disse: “Tenho um projeto”. Ele disse: “Traga daqui pro final da semana”. Ele veio, quando chegou aqui conversou com a gente, juntou com um projetista aí, fez o projeto. Quando pensou que não, nós já ganhamos foi essa unidade. Foi em 2002 a inauguração da unidade.
P/1 – Com a casa junto?
R – Tudo junto aqui, saiu tudo junto aqui de vez.
P/1 – Já começou com quantas salas?
R – Uma casa de farinha equipada com os equipamentos da produção da mandioca, esse salão de capacitação e uma fecularia, que era de tirar a tapioca. E aquele outro salão, que na época a gente não sabia nem pra que era que a gente queria ainda. Depois a gente foi lutando, começou a vender o beiju pro Pnae, em Conceição do Coité. Primeiro a gente começou a vender pro Pnae em Coité. Depois em 2007 a gente fez um projeto com a Conab, o projeto foi liberado em 2008. Aí pronto, o pessoal tomou gosto, foi o tempo da formação dos grupos, formaram os grupos e começaram a trabalhar. Aí, antes a casa de farinha produziu muito, antes da seca produziu muito, era muita mandioca, a semana todinha, meses.
P/1 – E como é que se organizou as outras mulheres? Como é que você fez essa articulação?
R – Primeiro a gente começou a vender pro Pnae, era pouco.
P/1 – Mas quem fazia?
R – Foi dessa época que a gente formou um grupo de quatro mulheres.
P/1 – Quem eram elas?
R – Na época foram Sueli, Lurdinha, Catiane e Janúbia.
P/1 – E você.
R – Esse grupo foi pra bolachinha. E eu fiquei no beiju.
P/2 – Que bolachinha?
R – É o sequilho. Eu fiquei já na produção de beiju com as outras mulheres, que elas não trabalham aqui dentro. Tem várias mulheres que trabalham em suas casas, que têm os fornos em casa e produzem lá na casa delas.
P/2 – Como surgiu essa ideia de fazer sequilhos, fazer essas bolachinhas? Porque até então vocês estavam só com a casa de farinha.
R – Foi. A ideia surgiu, assim, a gente via nos lugares onde tinha. A gente começou participando das feiras fora, mas a gente só ia com beiju. Lá a gente via que nas feiras também vendiam o sequilho, aí foi onde a gente sentiu necessidade e corremos pra prefeitura pra comprar pro Pnae, aí começou, a prefeitura começou a comprar e a gente começou com esse grupo pequeno de quatro mulheres. Depois do projeto da Conab, em 2008, aí o grupo já ficou grande, que a Conab já entrou polpa de fruta e mais sequilho. Aí o grupo já cresceu, já foi pra 20 pessoas.
P/1 – Sequilho é feito da mandioca, não?
R – O sequilho é feito do derivado da mandioca, da goma.
P/2 – Nalvinha, você disse que vocês fizeram esses cursos, fizeram esses sequilhos, essas bolachinhas, estavam vendo em outras feiras e também tendo ideias, né? Você tinha mostrado pra gente antes uma foto que estavam todas ali ao redor do forno, que parecia que foi o primeiro curso que vocês fizeram.
R – Foi.
P/2 – Você pode contar pra gente como foi?
R – Posso. Eu pulei isso aí, esqueci. Primeiro o Sebrae começou a visitar a gente, e foi um parceiro ótimo na época pra gente. Foi ele que nos incentivou também a fazer o sequilho. O Sebrae veio nos capacitar, aquela turma de mulher com aquela alegria tirando a primeira bandeja do forno foi o curso que o Sebrae deu pra gente a primeira vez.
P/1 – Nalvinha, você falou que as mulheres começaram a fazer nas suas casas.
R – O beiju.
P/1 – Ou melhor, já faziam ou não?
R – Já faziam.
P/1 – Mas qual foi a mudança que teve com a associação, com a casa de farinha aqui? Qual a mudança para as mulheres?
R – A mudança foi que elas começaram a vender mais. Além da feira, elas tinham o beiju do Pnae, o beiju do projeto junto, aí já começaram. Primeiro elas só tinham o dinheirinho da feira, depois que elas começaram a vender pro Pnae e pro PAA, isso aí já era uma sobra pra comprar algumas coisas pra dentro de casa, já foi aumento de renda.
P/1 – Certo. E qual foi a forma pra conseguir o Pnae, o PAA? Elas já produziam, qual foi o caminho pra conseguir?
R – Foi a associação.
P/1 – Essa associação que vocês fundaram?
R – Essa associação se filiou, a gente conheceu a Arco do Sertão Bahia. Aí a gente se filiou a Arco do Sertão e da Arco do Sertão tinha o pessoal do MOC, que foram elas que nos incentivaram a fazer o projeto do PAA. Elas que nos ajudaram.
P/1 – E pras mulheres fazerem nas suas casas, elas fazem o beiju, fazem mais alguma coisa nas suas casas pra oferecer pra merenda e pro PAA?
R – O beiju e a farinha de tapioca.
P/1 – A farinha. Pra elas produzirem isso, pra poderem vender por meio desse movimento que a senhora falou, tem alguma exigência? Como que funciona?
R – Tem. Quando elas começaram a vender, a não ser só individual, a feira delas, quando foi pra vender pros programas, a Vigilância Sanitária foi pra casa delas dizer o que necessitava, a mudança que elas tinham que fazer pra ser entregue esses produtos pra merenda.
P/1 – E no início tiveram aceitação?
R – Algumas tiveram resistência.
P/1 – E aí, como foi?
R – A que tinha resistência ou se adequava, ou não entrava no programa. A associação teve que fazer isso, porque senão bagunçava.
P/1 – E a senhora diz que melhorou a renda delas.
R – Melhorou muito.
P/1 – Como que dá pra perceber isso, Nalvinha?
R – Dá pra perceber pela maneira de viver, né? Você vê, na região da gente quase todo mundo tem suas casinhas arrumadas, compram seus móveis dentro de casa, quem não tem carro tem uma moto, quase todo mundo. E sobrevive disso, é da renda que melhorou, né (risos)?
P/1 – E como veio o Consulado? Como vocês ficaram conhecendo o Consulado da Mulher?
R – O Consulado, a gente ficou conhecendo através da Arco do Sertão.
P/1 – Conta essa história também pra gente.
R – O pessoal da Arco do Sertão falou com a gente que existia esse projeto do Consulado, era somente para mulheres, associação que tinha mais mulheres. E na nossa associação os homens eram muito poucos, só tinha no projeto mesmo uns quatro homens, o restante era tudo mulher. Eles fizeram os projetos, o MOC ajudou, fez o projeto. Depois elas ligaram, avisaram que a gente tinha sido beneficiada com os produtos brancos do Consulado e foi uma alegria enorme. Porque a gente produzia, mas não tinha como produzir muita polpa, essas coisas porque não tinha onde armazenar, não tinha freezer. E na época que a gente ganhou do Consulado, a gente ganhou dois freezers, uma geladeira e um fogão. Foi a maior alegria pra gente! Que já foi mais um aumento de renda.
P/2 – E vocês tiveram que se inscrever em algum edital ou vocês fizeram a solicitação diretamente com a Arco do Sertão para esses equipamentos?
R – A Arco do Sertão e a MOC que fizeram a solicitação.
P/1 – E o dia que os equipamentos chegaram?
R – Só faltou soltarmos foguete (risos). Só não soltamos foguete porque era longe, mas o prazer foi muito.
P/1 – Quem que estava no momento, você lembra?
R – Tava eu e mais umas duas mulheres, que estavam aqui quando o carro chegou. Minha filha, que era presidente da associação, Nilda, a menina do MOC ligou pra ela, ela tava na cidade, aí ela ligou pra mim: “Vai abrir os portões que vai chegando carro com os freezers!!!”. A gente veio com tudo, com vontade de receber e ver o que era que tinha, era com gosto mesmo, pra gente ter mais um aumento de dinheiro pra aumentar mais já, a ideia depois que a gente recebeu os freezers já aumentou mais o número de pessoas no grupo. O grupo era menor, porque não tinha como produzir mais, depois dos freezers já teve um aumento de pessoas no grupo.
P/2 – Quantas pessoas são agora?
R – Agora 20 pessoas nos grupos.
P/2 – Todas mulheres ou tem homem também?
R – Só tem dois homens.
P/1 – Esse grupo trabalha neste prédio da associação.
R – Neste prédio, é.
P/1 – Eles se dividem em que atividades agora, nesse momento?
R – Eles se dividem na atividade de beiju, polpa e sequilho.
P/1 – E ao todo, nessas três atividades, são 20 pessoas.
R – Vinte pessoas.
P/1 – E quantas pessoas são associadas aqui?
R – Tem umas 60 pessoas associadas.
P/1 – E que fazem essa atividade nas suas casas?
R – Todas as pessoas associadas, quem não está aqui, faz atividade nas suas casas.
P/1 – Todos associados.
R – É.
P/1 – A atividade do...
R – Do beiju.
P/1 – Sequilho não.
R – Não. Sequilho é só aqui na unidade.
P/2 – E o marido da senhora participa?
R – Meu marido só não é sócio, nunca quis se associar. É um banana, não quis se associar. Mas ele também apoia, me apoia, porque pra onde eu preciso sair, pras reuniões, ele nunca achou ruim, ele dá apoio.
P/2 – Porque além da Nilda, que é a filha da senhora, quem mais participa, dos filhos?
R – Dos filhos, tudo.
P/2 – Todos participam?
R – Todos participam.
P/1 – De que maneira eles participam?
R – Assim, eles não trabalham aqui, mas a participação deles é se houver qualquer necessidade, de quebrar uma coisa que eles possam consertar, eles estão aqui ajudando. Não medem esforço, não, pra dizer: “Não vou lá”. Já criaram naquilo, se eles não tiverem coragem também!
P/1 – E a sua nora, que a gente soube que foi pra Brasília, qual foi o motivo dela ir agora há pouco tempo?
R – Ela foi, porque tem alguns membros da associação que vão participar dos estandes que vão botar produto da agricultura familiar na Copa. Aí, ela foi pra ver como estava a organização e se inscrever.
P/1 – E a gente tava falando ainda da associação, as mulheres que participam da associação e como podem vender, fazer parte dessa associação. Como vocês fazem a gestão disso, também pensando na parte financeira? Como que organiza isso?
R – Olha, no grupo de sequilho tem a Sueli que fica com a parte do sequilho pra resolver. Ela é quem faz as compras, faz o pagamento e ela é quem divide quando a prefeitura paga, ela é quem divide a sobra que fica com as outras meninas do grupo que produzirem. E a polpa fica com a Nilda. Ela divide, faz o pagamento, tira as despesas e a sobra é dividida com “x” pessoas que produziram.
P/1 – Elas recebem igualmente.
R – Igualmente. O dia que deu, viu? Se eu só trabalhei dois dias, eu vou receber dois dias. Se o outro grupo trabalhou mais do que eu, porque pra fazer a polpa é dividido em cinco grupos. Porque não faz muita no dia também porque, às vezes, a gente não tem nem encomenda pra fazer tudo no dia. Divide em cinco grupos: às vezes, um grupo faz três vezes, o outro só faz duas, aí não é justo dividir com quem não trabalhou, divide a sobra de x pra esse grupo que só fez duas vezes e o outro pro grupo que fez três vezes.
P/1 – E como vocês fazem pra eleger a diretoria da associação?
R – É de dois em dois anos. Tem a eleição da associação, aí aqui ainda não precisou, nunca teve duas chapas porque sempre Elenilda ficou. O estatuto aqui era vazio, não dizia que quantos anos o presidente tinha que ficar, depois a gente mudou o estatuto, mas aí Nilda que era presidente ficou muitos anos.
P/1 – Ela foi a primeira.
R – Foi a primeira e ficou muitos anos. Depois ela disse que estava cansada, que não podia ficar só ela, que tinha outras pessoas na comunidade que tinham que aprender a tomar conta também e ir pra frente. Depois elegeu Sueli. Teve eleição, não apareceu outra chapa, a maioria elegeu Sueli.
P/1 – Então teve essas duas presidentes até hoje.
R – Só duas presidentes. E os outros membros de secretário e tesoureiro, a assembleia mesmo elege.
P/1 – A senhora estava dizendo, quando mostrou as fotos, que vocês tiveram que se organizar, mudar e mexer no estatuto pra poder vender os produtos pela associação.
R – Foi.
P/1 – Conta essa situação pra gente.
R – Porque tinha que mudar de chapa porque Elenilda é funcionária pública.
P/1 – Ela é o quê?
R – A Nilda é funcionária pública. E depois sempre vendia, ela sendo presidente vendia. Depois tem a lei hoje que o funcionário público não pode estar em frente de associação pra vender pra prefeitura, pro Pnae e pro PAA. Aí agora a gente teve que se organizar de outro jeito com outra presidente pra gente poder estar participando das licitações.
P/1 – Mas como associação vocês não podem vender, né?
R – Vende.
P/1 – Como associação?
R – A gente vende como associação, ainda.
P/1 – E pode vender?
R – Ainda pode vender.
P/1 – Mas o dinheiro vai pra associação mesmo?
R – Não, o dinheiro a associação é somente a proponente. O dinheiro é rateado, é dividido: o que vendeu é com o pessoal dos grupos.
P/1 – Agora, a gente também ouviu naquela roda que nós fizemos que tem duas cooperativas aqui.
R – Tem.
P/1 – Dentro da associação?
R – Várias associações. Já existia uma cooperativa em Conceição do Coité, só existia uma. Depois dessa notícia que a gente teve que associação não podia vender mais pro Governo do Estado, a gente reuniu várias associações e daí tirou o sócio que queria se associar à cooperativa e fundamos outra cooperativa, pra gente poder participar das licitações.
P/1 – Entendi. Aí tem duas cooperativas.
R – Tem duas cooperativas. Antes a cooperativa Coopafam, que a sede é aqui na unidade, quando ela ganhava licitação, ela dividia com a outra cooperativa, chamava o presidente da outra cooperativa e entravam num acordo, porque só participavam as duas, aí uma ganhava, a outra perdia. Aí ela chamava elas, sentavam e dividiam os produtos pra nenhuma ficar sem, porque todo mundo é agricultura familiar, não é? Se um fosse ficar com todos os produtos, os outros agricultores iriam ficar sem. Quando foi este ano, a outra cooperativa foi quem ganhou a licitação, aí elas chamaram a Coopafam, que é a Cooperativa de Agricultura Familiar de Conceição do Coité. Chamaram a Coopafam e entraram em acordo, fizeram a parceria e dividiram os produtos também. Ficou: elas produzem e a gente produz.
P/1 – Agora essa estrutura as duas podem usar?
R – Não. Porque elas é longe daqui, a outra cooperativa é de Salgadália, é longe daqui de Pedras. Elas têm a estrutura delas.
P/1 – Ah tá, os equipamentos só vieram mesmo pra essa cooperativa que faz parte da associação de vocês, diretamente.
R – É, diretamente.
P/1 – E vocês estão pretendendo continuar com esses projetos.
R – Ave Maria, Deus o livre, a gente não pode parar (risos)!
P/1 – Como é que você imagina daqui pra frente?
R – Na minha cabeça, na minha vontade, eu imagino coisa grande, né? Não sei se vai acontecer. Mas na minha vontade é a gente ter vontade de ter uma marca dos nossos produtos e um código de barra, porque uma vontade da gente é vender nos mercados grandes. A gente tá lutando pra isso.
P/1 – E pra ter esse rótulo o que falta ainda?
R – Grana (risos).
P/1 – Pra fazer o quê?
R – Pra gente poder comprar o código e fazer a marca.
P/1 – Tem a ver com a Anvisa isso, ou não?
R – Tem. Tem, porque acho que pra você ter a marca precisa ter selo, tem uma burocracia no meio e a gente ainda não teve condição. O nosso sonho é vender em mercados grandes, nosso sonho não é parar. Eu disse às meninas aqui mesmo que eu não aguento mais trabalhar tanto, mas enquanto eu puder, eu disse a elas assim: “Todo mundo sabe que eu gosto de associação. E quando eu não puder ir pra reunião ou estar no meio de vocês, vocês me levam para eu estar sentadinha lá, mas eu quero estar vendo vocês” (risos). E daqui pra lá eu não quero parar, daqui pra lá eu quero na luta com elas, que é pra ver elas ganharem o dinheiro. Elas não, nós. Ganhar um dinheirinho a mais.
P/1 – A senhora ainda produz alguma?
R – Produzo, muito não, mas ainda produzo.
P/1 – E seu esposo trabalha hoje no quê?
R – Hoje ele só trabalha na roça plantando alguma coisinha, um feijãozinho, uma besteirinha. Ele não aguenta mais trabalhar muito.
P/1 – E a renda sua e do seu marido?
R – É aposentadoria.
P/1 – A gente já tá quase terminando. A senhora que começou esse movimento, pelo que a senhora contou, mas a senhora nunca foi presidente da associação.
R – Não, nunca quis, não tenho vontade.
P/1 – Por que a senhora não tem vontade?
R – Não sei. Eu sou assim, eu gosto de ficar por trás imaginando o que a gente tem que fazer, se aquilo vai dar certo, mas não gosto muito de estar em frente de nada, nunca gostei.
P/1 – Mas a senhora participa de alguma coisa desse processo todo?
R – De quase tudo (riso). De quase tudo eu tô no meio. Às vezes, se eu saio em um lugar ou cidade que não seja de Coité, ou mesmo em Coité, que eu vejo uma coisa diferente ali, eu tô de olho, eu tô comprando pra trazer, pra mostrar ao grupo se aquilo não dá certo pra gente. Eu não paro, não quero parar por esses tempos.
P/1 – Como é que são tomadas as decisões aqui? Vamos fazer isso, vamos comprar isso, não vamos?
R – As decisões são tomadas com o grupo, com assembleia. Tudo o que tem necessidade, vai pra assembleia. Presidente até hoje nunca tomou decisão só, leva pra assembleia e a assembleia é quem decide.
P/1 – Tem assembleia sempre?
R – Tem, mês em mês. E se tiver necessidade forma uma no meio, antes da assembleia do mês.
P/1 – E o pessoal participa, dona Nalvinha?
R – Participa.
P/1 – Todo mundo?
R – Porque é assim, a gente não deixa, mesmo tendo os grupos trabalhando, mas associação, reunião, a gente sabe que é coisa cansativa. E a gente não deixa o povo vir pra reunião só pra escutar. Às vezes tem gente que acha que a coisa é boa, que o que tá falando é coisa boa, mas tem outros que já acham que é blablabá. A gente também não deixa só aquele negócio cansado, só falar, só falar. Quando tem Dia das Mães a gente faz um evento, Dia dos Pais a gente sorteia o presente. Dia das Crianças a gente faz evento. A gente não fica só a Associação-Beiju-Farinha, né? A associação faz o São João, quadrilha, aí não fica somente naquilo de ser associação somente pra ter a casa de farinha e pra ter o beiju, a associação já é pra tudo, pra tudo que a comunidade necessita. A gente faz sorteio de cesta básica pros associados, faz sorteio no Dia das Mães, além de fazer o cachorro quente delas, faz sorteio. É assim. Em São João tem a fogueira da associação. A gente fala “a fogueira da associação”. Aí os sócios vêm todos, a gente faz a fogueira, cozinha, faz as comidas típicas de São João. No Natal a gente faz a confraternização.
P/2 – Onde vocês fazem, aqui?
R – É, tudo aqui na unidade.
P/1 – E vêm os sócios ou vêm também...
R – Quando tem esses eventos vêm sócios e não sócios, vem o pessoal da comunidade.
P/1 – E os jovens, Nalvinha? Como é a participação dos jovens?
R – Muito pouca, muito pouca. Às vezes os pais, não sei se é o jovem em si, ou os pais que não voltam pra estar junto, né? Mas é pouco, jovens são poucos. Só depois que casa, que nem aquelas que casaram com 15 anos, já tinham necessidade de ganhar algum dinheiro, que vêm, mas a participação do jovem é pouca.
P/1 – E vocês pensam sobre isso? Sobre como vai continuar esse trabalho?
R – A gente sempre conversa com os grupos. A gente diz assim: “A nossa geração já está ficando todo mundo mais velho, a gente precisa ir capacitando, tentar capacitar aquelas pessoas mais novas que não têm ainda trabalho fora, que ainda não têm trabalho, pra não ter que sair da comunidade”. A gente conversa com eles, se para os pais está dando pra sobreviver, se criaram eles na comunidade, então não tem necessidade da gente deixar jovens saírem da comunidade, trabalharem fora, ganhando, às vezes, o mesmo dinheiro que ganha na comunidade. O nosso pensamento é esse, trazer eles pra quando os velhos começarem a caducar já tem os jovens pra tomar conta (risos).
P/1 – Mas ainda não tem nenhuma ação concreta.
R – Ainda não, ainda não.
P/1 – Nalvinha, você voltou a estudar, né? Agora fala como foi.
R – Rapaz, foi bom.
P/1 – Como foi essa decisão?
R – Teve um programa na Bahia da Secretaria de Educação, era o programa...
P/1 – Não precisa lembrar do programa.
R – Era um programa que era pra ensino de adultos na Escola Agrícola. Aí eu fiquei com vontade de estudar, achava difícil por causa dos trabalhos, mas o ensino era só sábado e domingo. Eu me matriculei, foi no ano de 2005. O maior prazer foi eu ter ido buscar minhas notas na primeira escola que estudei, cheguei lá e achei minha pastinha, ô gosto na vida (risos)! Achei minha pastinha lá, chega estava amarelinha, os papéis, voltei, foi o mesmo que ter voltado à infância. Aí voltei a estudar, estudei três anos na Escola Agrícola, Programa Saberes da Terra, era na Escola Agrícola. Estudei três anos lá, sábado e domingo. Depois concluí a oitava série.
P/1 – Sempre sábado e domingo.
R – Sempre sábado e domingo. Depois que concluí a oitava série eu digo: “Ah, eu já fui até aqui, agora vou continuar”. Fui pro colégio, ali em Juazeirinho. Todo dia de noite. Trabalhava, o ônibus passava aqui seis e pouco, me “panhava”, e eu ia pra escola. Chegava onze e tanto.
P/1 – De ônibus também, voltava com o ônibus.
R – Voltava de ônibus. Teve até gozação (risos). Teve um menino que me disse um dia: “Nalvinha, tu tá estudando?”, eu disse: “Tô!” “Vó disse que não sei pra quê tu quer mais estudo” (risos). Aí eu não dei resposta a ele, porque ele veio, ele não sabia nem o que estava dizendo. Aí eu conversei com ele, pra que era que eu queria o estudo, era porque eu tinha vontade de estudar, eu tinha dificuldade. Eu disse a ele que eu tinha dificuldade em algumas coisas, que eu ia pra uma reunião e eu tinha dificuldade em alguma coisa, conversei com ele o porquê que eu queria estudar. Ele disse: “Ah, tá bom”. Aí eu estudei mais dois anos no colégio, fiz o supletivo, me formei no ano de 2010. Fiz uma formatura que nem jovem (risos). Fiz uma formatura com meus amigos e tudo, foi ótimo.
P/2 – E a família apoiou?
R – Apoiou.
P/1 – E o marido apoiou?
R – Apoiou, os filhos apoiaram, todo mundo apoiou. Mas se não apoiasse, eu iria também! Porque eu tinha vontade, não tinha mais filho dentro de casa pra olhar menino pequeno, não tinha, se não apoiasse eu ia também, eu tava com vontade.
P/1 – E mudou?
R – Ah, mudou muito. Mudou, porque assim, a gente nunca aprende tudo, mas às vezes, antes de eu começar a estudar, eu ia numa reunião, tinha palavra que eu ficava lá pelejando pra entender o que era, lutando pra entender. Até hoje a gente ainda luta, né, pra entender o que era. Mas depois que eu comecei a estudar, não aprendi tudo, mas teve o desenvolvimento, pra mim, desenvolvi até demais (riso). Ficar velha, já perto de 60 anos e estudar, pra mim foi ótimo.
P/1 – E qual o seu maior sonho agora, Nalvinha?
R – Meu maior sonho hoje é ver minha família em paz, não ver família desestruturada, é ver a família em paz e a comunidade bem. Estando isso aí pra mim tá bom.
P/1 – Você quer contar ou falar mais alguma coisa sobre tudo isso que a gente te perguntou, ou que a gente não te perguntou? Sobre a sua história, sobre alguma pessoa, sobre a associação?
R – Eu queria falar sobre minha família, os vizinhos. Graças a Deus até hoje é a família que não me deu desgosto, tive três filhos, os filhos moram tudo pertinho da minha casa. Tenho neto rapaz, neta moça. Todo mundo me respeita. Tenho neto até que não é neto mesmo, mas pra mim é neto. E a comunidade. E a comunidade, que quando eu cheguei aqui a comunidade me recebeu com respeito e até hoje todo mundo me respeita. E não sei se eu dou lugar de ser respeitada, mas a comunidade pra mim, a comunidade de Pedras hoje, e a cidade Conceição do Coité é tudo o que eu tenho, é tudo na vida. O meu sonho é ver todo mundo bem, eu vendo todo mundo bem...
P/1 – A senhora tava falando da comunidade.
R – Eu ia dizendo, assim, além da comunidade que eu gosto muito, o que eu quero também é agradecer a vocês que estão aqui hoje, vão levar a minha história que o pessoal que tá lá do Museu eu não conheço e eu tô conhecendo vocês, vão levar minha história. E agradecer às outras pessoas que mandaram vocês aqui, o pessoal do Consulado, Arco do Sertão Bahia. O Sebrae que não está aqui, não sei se vocês conhecem, mas foi nosso parceiro, parceiríssimo mesmo, que nos ajudou muito. E a todo mundo que já nos ajudou. E pedir também que os governos nos ajudem a ter mais projetos, pra ter mais renda pra comunidade.
P/1 – O que a senhora achou de contar essa história?
R – Excelente, ótimo. Eu acho que eu contei história que eu não tinha contado ainda pra ninguém. Eu disse à Márcia ali, “todo mundo já sabe”, mas eu acho que eu contei história que eu não tinha vontade. E foi bom demais ter contado.
P/1 – E pra nós foi muito bom ouvir também, viu Nalvinha? Muito obrigada!
P/2 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher