Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 – Whirlpool
Depoimento de Maria José Souza de Jesus (Maria Madeira)
Entrevistada por Márcia Trezza
Joinville, 09 de maio de 2014
WHLP_HV025_Maria José Souza de Jesus (Maria Madeira)
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina
P/1...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128.976 – Whirlpool
Depoimento de Maria José Souza de Jesus (Maria Madeira)
Entrevistada por Márcia Trezza
Joinville, 09 de maio de 2014
WHLP_HV025_Maria José Souza de Jesus (Maria Madeira)
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Ana Carolina
P/1 – Maria, nós vamos começar a entrevista, fale seu nome completo.
R – Maria José Souza de Jesus.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Em São João Batista.
P/1 – Fica em que estado?
R – Em Santa Catarina.
P/1 – E em que data?
R – Dia 19 de março de 1970.
P/1 – Você podia falar o nome dos seus pais?
R – O nome dos meus pais é Francisco Eugênio de Souza e Maria Martinha Amelim de Souza.
P/1 – Qual a atividade deles, Maria?
R – Eles são agricultores.
P/1 – Eles estão vivos?
R – Estão vivos.
P/1 – E eles até hoje trabalham na agricultura?
R – Até hoje.
P/1 – O que eles plantam?
R – Batata, aipim, aí tem os gadinhos deles. Antes eles trabalhavam na agricultura, hoje eles se aposentaram, aí eles continuam a rotina deles do dia-a-dia, porque senão, igual dizem eles, se ficar parado, eles encarangam.
P/1 – E, Maria, antes de aposentar, tinha uma produção que eles vendiam?
R – Eles plantavam o aipim pra vender. O aipim, o feijãozinho.
P/1 – E essa produção era suficiente pra manter a família?
R – Sim. Porque depois que a gente... Tipo assim, quando eu comecei, lá dos meus sete anos em diante, eu também já trabalhava. A gente trabalhava na roça plantando fumo também. Então era um dinheiro extra que entrava pra eles.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Eu tenho mais dois. São o Jaime e a Valdirene.
P/1 – E os três trabalhavam na roça?
R – Não. Só eu.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Não. Sou a do meio.
P/1 – E por que só você, Maria?
R – É porque o meu irmão era muito preguiçoso, então ele não queria saber de trabalhar, ele só queria estudar. Aí eu trabalhava e estudava. Só trabalhava meio período e estudava meio período, assim nós fazíamos. Depois, com 11 anos eu passei a trabalhar numa olaria, trabalhei até os 14 anos, numa cerâmica de tijolo comum. E quando eu fiz 14 anos, eu peguei registrado numa sapataria.
P/1 – Sim.
R – Trabalhei acho que foi dos 14 até os 18 anos na sapataria.
P/1 – E a sua irmã não trabalhava na roça?
R – A minha mana nunca trabalhou na roça. Depois, acho que uns 14 anos, ela começou trabalhar na cerâmica também.
P/1 – Na olaria.
R – Na olaria.
P/1 – E como era, assim, a sua rotina, Maria? Você diz que estudava, trabalhava, mas como você conseguia fazer tudo isso?
R – Porque, assim, na época a gente... Há 20 anos, praticamente, a gente trabalhava, não é que nem hoje, que só pode trabalhar dos 16 anos em diante. Quando a gente era na roça, dos sete anos era semear fumo. A gente estudava de manhã, trabalhava à tarde, e à noite a gente fazia tarefa da casa, brincava. À noite a gente se reunia, as criançadas, e brincava tudo no terreiro da casa da mãe.
P/1 – Que brincadeiras?
R – Era pular corda, esconde-esconde, pega-pega. Igual diz a mãe, às vezes o que eles ganhavam não era suficiente pra sustentar a casa, então a gente ajudava eles, assim.
P/1 – E que trabalho você fazia na roça?
R – A gente plantava fumo, cortava cana, cortava lenha, roçava.
P/1 – Com essa idade?
R – Com essa idade.
P/1 – Pegava nessas ferramentas todas?
R – Pegava nas ferramentas. Até tenho um tio que até hoje ele fala: “Essa aí foi a minha melhor funcionária”. Ele trabalhava com boi, eu ia à frente da junta de boi puxar lenha, puxar a carroça de fumo. Era eu que andava com os bois dele.
P/1 – Os bois puxando a carroça?
R – A carroça. A gente amarrava assim nas cangas do boi uma corda e puxava aqueles molhos de lenha, ele ficava atrás e eu na frente, e guiava o boi pra ele. Até hoje ele sempre fala: “Essa aí era trabalhadeira, mas os irmãos eram vadios”. Ele sempre fala assim quando a gente tá junto. Com 18 anos eu me desentendi um pouco com a minha mãe, aí o meu mano já tava aqui em Joinville também, aí ele disse: “Tu quer ir pra Joinville? Eu arrumo um lugar pra tu morar, um serviço”. Foi onde eu vim pra Joinville.
P/1 – Voltando um pouquinho, você disse que colocava lenha para o boi puxar. E quem fazia esse trabalho de colocar a lenha?
R – O meu tio. O meu tio amarrava os bois e eu puxava.
P/1 – E tem algum segredo pra conduzir esses bois?
R – Não. Não tem segredo. Não sei se é porque a gente já foi criado, que nem, tem muita gente que diz assim: “Ah, Maria, mas tu faz tudo”. É porque quando nós morávamos com a mãe, eu sempre fazia tudo. Eu trabalhava fora, eu limpava a casa, eu arrumava a bicicleta que eu ia trabalhar. Tipo assim, a minha mãe também é assim tipo eu, então assim, acho que já puxa da família.
P/1 – E que lembranças você tem do seu pai na sua infância?
R – Lembrança do meu pai? Ele, assim, era um homem trabalhador, mas ele deu muito trabalho pra gente, porque ele bebia muito. Quando tava em casa, ele bebia, para os outros, fora, ele era uma pessoa boa, mas chegava dentro de casa, ele quebrava tudo, e quem sofria era a gente. Então, assim, é uma lembrança boa, mas assim, foi uma lembrança bem sofrida também, porque ele sempre foi assim. Pra gente ele era bom quando tava são, mas quando ele bebia, ele era terrível. Era de botar fogo na casa, de querer se matar. Então pra gente assim foi bem complicado. Até que um dia ele resolveu entrar no AA e deixou de beber, hoje faz acho que 35 anos que ele não bebe mais. E pra gente é uma glória, porque ele muda a rotina toda da família. Igual, minha mana era pequena e ela se assustava muito, porque de vê-lo quebrando, se matando, ele pegava corda, ele se enforcava. Eu com o meu mano, a mãe, nós íamos lá, tirava ele. Então, assim, foi um período bem difícil pra gente, não tem... Por isso que a gente começou a trabalhar cedo.
P/1 – E a sua mãe também, como você disse, trabalhava na roça.
R – Trabalhava na roça.
P/1 – E dela, que lembranças você tem da infância ou da juventude? Mais da infância.
R – Da infância, assim, a infância nossa, ela saía pra trabalhar, quando a gente não trabalhava fora, era o serviço da casa. Ela deixava: “Olha, vocês têm que fazer isso, aquilo, aquilo outro. Quando eu chegar, eu quero tudo limpinho”. E ela sempre apoiava a gente também. Ela levava a gente pra igreja pra participar de turma de jovens, de crianças que tinha lá. A mãe assim, pra mim, ela assim... A minha mãe também bebia, a gente também teve muito problema com a minha mãe, porque ela também bebia. Então pra gente era bem difícil. Quando eu fiz 17, 18 anos, ela também tomava muito, era muito ruim.
P/1 – Seu pai aí já tinha parado? Meu pai já tinha parado, mas ela continuou. E, assim, quando eu trabalhava, meu dinheiro era todo pra mãe, eu nunca ficava com um centavo. E meus manos que já trabalhavam, o dinheiro deles era deles. O meu não, era da mãe. E um dia tudo aquilo ali foi irritando. Aí eu tinha outra família, que eu me dava super bem, eu vivia mais na casa deles do que em casa.
P/1 – Lá mesmo em São João?
R – Lá mesmo. Tanto hoje eu digo que eu tenho a minha segunda família lá. Um dia eu cheguei pra ele, que nós trabalhávamos na sapataria, eu disse pra ele: “Eu vou dar o aviso, tou indo embora”. Ele disse: “Tu vai mesmo?”. Eu digo: “Vou”.
P/1 - Na sapataria?
R – Na sapataria.
P/1 – Aí ele disse assim: “Então nós vamos lá fazer a tua despedida”. E a minha mãe não sabia que eu vinha embora pra Joinville. Meio-dia ele foi lá a casa, falou: “Dona Maria, de noite nós viremos aqui fazer uma despedida, porque Dedé tá indo embora no sábado pra Joinville”. Ela falou: “É verdade?”. Eu digo: “É”. Aí ela ficou triste, tudo, mas ela recebeu os amigos lá em casa.
P/1 – Essa família era dona da sapataria?
R – Não. Não era dona, era outra. Igual hoje, assim, quando eu vou lá pra mãe, eu procuro meus tios, mas também tento procurar eles. Eu tenho duas irmãs que eu digo que são de coração, eles moram aqui, também a gente sempre vai um na casa do outro. Porque pra mim, assim, eu chegava a casa da sapataria, eu almoçava, saía pra trabalhar; à noite eu chegava a casa, tomava um banho, jantava e ia pra casa dessa família. Depois eu voltava pra casa pra dormir. Eu vivia mais lá do que em casa.
P/1 – E a sua mãe quando soube da notícia?
R – Ela ficou triste. Ela ficou meio revoltada, mas depois ela aceitou.
P/1 – E a chegada em Joinville? Você já tinha vindo pra cá antes outras vezes.
R – Já. Já. Porque a família do meu pai morava aqui, tinha bastante tio aqui, meu mano também tava morando. Assim, os primeiros meses foram difíceis, até arrumar serviço, tudo.
P/1 – E você ficou na casa de quem?
R – De uma prima minha. Depois eu consegui serviço, aí se tornou mais fácil, né? Eu trabalhei seis anos na Fiação Joinvillense.
P/1 – Foi o primeiro trabalho aqui?
R – Meu primeiro trabalho aqui. Eu morei dois anos e meio com a minha prima, depois não deu mais certo, aí eu conversando com a minha tia, ela me convidou pra vir morar com ela. Foi ali onde eu conheci meu esposo hoje. Eu morei mais dois anos com a tia, nesse meio tempo eu casei.
P/1 – Então voltando um pouquinho, Maria, nessa empresa que você foi trabalhar aqui em Joinville. Como era essa empresa?
R – A gente fazia fio pra malharias. Eu trabalhava na parte de fiação.
P/1 – Você tecia o fio?
R – A gente tecia o fio. Porque, assim, tinham várias máquinas. Eu trabalhava no passador, do passador eu fui para a maçaroqueira, da maçaroqueira a gente foi para o filatório, que aí que saía o fio pronto.
P/1 – Maçaroqueira o que é?
R – É onde do fio grosso, do algodão grosso, bruto, ela fazia assim um tipo pavio mais fino, que ia para o filatório pra sair o fio da malha, que aí era o fio ideal, a espessura ideal pra nós trabalharmos.
P/1 – E era um trabalho de que tipo assim: tranquilo, não tanto?
R – Tinha tempo que era assim... Tinha dia que era bem puxado, porque quando o tempo tava muito úmido, embolava muito o algodão, chegava até pegar fogo nas máquinas de tanto que embolava. Era bem puxado assim, mas eu gostava de trabalhar.
P/1 – Gostava de trabalhar lá?
R – Eu gostava de trabalhar. Eu quando vim pra Joinville, eu trabalhava mais do que tava em casa. Eu trabalhava de segunda a segunda.
P/1 – Nessa fábrica?
R – Nessa fábrica. De segunda a segunda. Dia de semana eu começava das cinco à uma e meia. Aos sábados eu trabalhava das cinco às nove, ia pra casa, começava a uma hora da tarde, ia até domingo meio-dia, direto.
P/1 – Nossa! E você gostava tanto assim por que, Maria? O que fazia você gostar tanto?
R – É porque quando eu vim pra Joinville, eu não tinha muita amizade, eu não conhecia ninguém. E ali eu queria adquirir alguma coisa pra mim, eu não queria estar morando de pensão. E queria comprar um terreno e vir morar sozinha, só que nesse meio tempo eu conheci o meu esposo. Então, assim, antes de a gente casar, a gente teve a nossa casinha, o terreno foi tudo comprado antes de casar. Então eu trabalhava, eles: “Ah, Maria, vamos fazer hora extra?”. Eu digo: “Vamos”. Tinha vez que ele nem marcava, ele dizia assim: “Olha, tu vem uma hora, né?”. Porque eu vivia mais lá dentro da firma do que em casa.
P/1 – E, Maria, e pra saúde? Não tinha problema?
R – Não, eu nunca tive assim problema de saúde.
P/1 – Por causa do fio?
R – Não. Eu trabalhei seis anos nessa, depois eu saí, aí eu fiquei acho que uns quatro anos parada, depois eu voltei a trabalhar na fiação de volta, que aí já era Campeã, eu trabalhei mais três anos.
P/1 – Com o mesmo tipo de trabalho?
R – Com o mesmo tipo de trabalho.
P/1 – E, Maria, você falando da olaria, é também um trabalho puxado, né?
R – É bem puxado.
P/1 – O que você fazia nessa olaria? Você tinha 11 anos?
R – Onze anos. Eu fazia de tudo na olaria. Eu botava barro na maromba, eu cortava, eu lançava.
P/1 – Como é lançar?
R – Lançar é tirar o tijolo que corta na maromba, bota no carrinho e leva para as prateleiras.
P/1 – Aí já seco?
R – Cru. Verde.
P/1 – Cru.
R – Depois, pra carregar o forno, a gente botava 120, 80 no carrinho. Era o tijolo comum, maciço que a gente chama, levava para o forno. Queimar também, eu queimava. Eu fazia de tudo na olaria.
P/1 – Você levava esse carrinho cheio de tijolos para o forno.
R – Cheio de tijolos.
P/1 – Colocava dentro.
R – Dentro do forno. No forno cabiam 22 mil tijolos. Às vezes pra nós descarregarmos também o forno da olaria, a gente fazia tipo uma bichinha, ficava uma filinha e jogava de cinco em cinco tijolos pra cada um. Era jogado, assim, pra empilhar.
P/1 – Cinco ao mesmo tempo?
R – Aham.
P/1 – E o forno tinha segurança?
R – É, porque aí já tava frio. Ele era aberto em cima, então o tijolo ia em cima, quando a gente enchia, cabia 22 carreiras, aí a gente já tinha os tijolos queimados, aí a gente tampava em cima assim. Tinha segurança.
P/1 – Tinha?
R – A única coisa, assim, quando a gente fazia a bichinha, que nós falávamos, é jogar de um para o outro. Que às vezes o da frente não dava conta, aí caía nos pés. Mas isso fazia parte, que nem dizia o outro, do serviço.
P/1 – Desse lugar, você gostava de trabalhar?
R – Eu gostava de trabalhar. Eu não tinha tempo ruim, porque a gente sabia que precisava.
P/1 – E você tava dizendo que foi pra outra fiação mais recentemente.
R – É.
P/1 – Depois desses quatro anos parada, aí você voltou.
R – Aí peguei na fiação de volta, eles me chamaram.
P/1 – Na mesma empresa?
R – Não, é outra empresa. Antes era Fiação Joinvillense, depois eu fui pra Campeã, que fica na Rua São Paulo.
P/1 – Ah, pensei que tivesse mudado de nome só.
R – Não, não, só troquei de empresa.
P/1 – Sei.
R – Aí quando eu ganhei o Alison, meu segundo filho, eu não tive com quem... Eu não achei creche e não tive... Não achei ninguém também pra deixar, aí eu tive que pedir conta. Faz uns cinco anos, eles me chamaram de volta. Eu falei: “Não, agora eu trabalho, eu tenho meu negócio e agora não” “Mas não quer voltar, Maria?”. Eu falei: “Não. Não tem como”.
P/1 – Então como foi que você conheceu? Você se lembra desse dia?
R – Lembro (risos). Nesse dia foi assim, eu tinha batido umas fotos de um batizado de uma colega minha. E vindo do serviço, eu tinha deixado pra revelar, eu tinha pegado. Aí eu tava olhando assim as fotos, caiu uma foto no terminal de ônibus, ele ajuntou, ele disse: “Oi. Oi”. Ele era muito amigo do meu primo, do meu irmão, só que eu não conhecia ele.
P/1 – E ele te conhecia?
R – E ele também não me conhecia. E no outro domingo a gente tinha um aniversário do meu colega, que era colega dele também, e lá foi onde que começou tudo.
P/1 – Você nesse dia que caiu a foto, você só pegou a foto e pronto?
R – Só oi e oi, e pronto. Depois, no sábado à noite tinha a festa de aniversário do meu colega, que era colega dele também, que morava no fundo da minha casa. A gente foi, eu conhecia a irmã dele também, a Eliete.
P/1 – Já conhecia?
R – Já conhecia, só não conhecia ele. Ele disse assim: “Eu vou te levar em casa”. Eu digo: “Não precisa”. E ali começou. De brincadeira a gente começou. Entre namoro e casamento deu um ano e meio.
P/1 – E quando você, assim, o viu lá no dia da foto, chamou a sua atenção?
R – Chamou a atenção. Porque, igual diz ele: “Ah, o Menca”. Porque o meu primo, a gente o chama de Menca. Ele diz assim: “Ah, a minha prima tá morando lá”. Mas ele achava que era uma velha de 40 anos (risos). Hoje a gente sempre brinca. Sei lá, acho que foi amor à primeira vista. Que nem diz a minha tia, nós namorávamos de segunda a segunda. Quando a gente se conheceu, assim, já to namoro mesmo, foi de segunda a segunda. E logo em seguida, acho que com uns três meses de namoro, a gente abriu uma conta no banco, conjunta, aí juntava todo mês um troquinho, depois a gente deu entrada num terreno também.
P/1 – Poxa, com três meses?
R – Com três meses. Com um ano de namoro nós já tínhamos um terreno, já tínhamos uma meia água de madeira aqui.
P/1 – O que é meia água de madeira?
R – Seria uma casa de três por seis de madeira. Depois, quando a gente casou, logo em seguida a gente começou a construir na frente.
P/1 – É aqui onde você mora hoje?
R – É onde eu moro hoje. Quando eu vim pra cá, nós não tínhamos água, nós não tínhamos luz. Não tinha nenhum vizinho, só tinha uma casa de madeira nesse terreno aqui, mas tava vazia. E tinha um senhor que tinha um campinho aqui atrás, que era o seu Domingos, que aí ele tinha luz e tinha água. Aí nós pegávamos água de poço lá pra cá. Até que depois eu consegui ir à Casan, na Celesc, aí eles botaram luz aqui.
P/1 – Você que conseguiu a luz pra rua?
R – É. Já tinham os postes, tudo, mas eles não tinham ligado ainda. A água, eu ia à Casan, e a Casan dizia que não tinha duto aqui. Eu ia ao Irineu Móveis, ele já disse que tinha água. Aí foi aquela correria, leva planta de um lado pra outro, até que a gente conseguiu a água aí.
P/1 – Mas só pra essa casa?
R – Não, aí foi pra geral. Depois logo em seguida também já veio mais um casal, que morava mais aqui atrás. Aí já foi povoando mais, mas aqui era só mato quando eu vim. E eu levantava três horas da manhã pra pegar o ônibus quatro horas.
P/1 – Pra ir pra fábrica.
R – Pra ir pra fábrica. Meu marido me levava todo dia a pé. Nós passávamos pelo trilho, nós pegávamos cá na frente, o ônibus não passava aqui.
P/1 – Vocês namoravam ainda ou vocês já estavam casados?
R – Não. Aí nós já estávamos casados aqui.
P/1 – É que você falou que seu marido te pegava, eu.
R – É. Três horas da manhã eu levantava, ele também, aí nós saímos três e meia pra pegar o ônibus quatro horas da manhã. Aí ele me levava até ao ponto, porque era tudo escuro.
P/1 – E, Maria, você disse que não tinha luz, não tinha água. Como era o cotidiano sem luz, sem água?
R – Ah, era assim: eu chegava a casa do serviço, eu dava uma capinada no terreno, fazia as coisas, cinco horas eu tomava um banho, esquentava água, tomava um banho, fazia a janta, aí esperava ele chegar. Ele chegava a casa umas sete e meia da noite, a gente jantava e logo ia dormir, porque era tudo escuro, né, à luz de vela. Aí ajeitava as coisas pra ir no outro dia para o serviço. Assim, foi um período do casamento bem difícil, mas foi indo, foi indo e a gente conseguiu vencer.
P/1 – E continuavam...
R – Continuava batalhando. Depois logo em seguida veio o Alessandro.
P/1 – Como diz você, engataram no namoro.
R – Não.
P/1 – Até no casamento.
R – Claro, o casamento tem as suas fases boas, tem as suas fases difíceis, mas a gente... Quer dizer assim, eu posso dizer que eu me sinto muito feliz. Eu sou mais feliz hoje casada do que antes solteira. Não é porque é meu esposo, mas a gente se dá super bem assim, tanto os filhos também.
P/1 – E como ele chama, seu esposo?
R – Osvaldo.
P/1 – Você não chegou a falar no que ele trabalhava.
R – Não. Eu não cheguei. Ele trabalhava na Schneider Motobombas, ele fazia bombas de água. Ele trabalhou dez anos lá.
P/1 – Sei.
R – Quando eu ganhei o Alessandro, com dois anos...
P/1 – Que foi o primeiro filho.
R – O primeiro filho. Ele teve que fazer uma cirurgia da adenoide, tinha que fazer a cirurgia. E na época a gente não tinha dinheiro pra pagar uma anestesista. Aí ele foi pedir pra fazer um acordo com a empresa, um acordo, ou eles emprestassem o dinheiro, na época eu acho que eram 200 cruzeiros pra fazer a cirurgia do filho. Aí eles até emprestaram o dinheiro. Emprestaram não, eles deram férias pra ele, e assim que ele voltou de férias, eles botaram ele pra rua. Quando ele tava no mês de aviso, ele pegou uma herpes. Ele assim: “Mãe...”. Quando ele chegou, que ele foi pra rua, eu nunca esqueço, ele chegou de cabeça baixa, ele disse assim: “Mãe, eu fui pra rua”. Eu falei assim: “Mas tu não nasceu lá dentro”. Eu disse: “A gente vai se virar com o dinheiro que a gente tem aí. A gente economiza até tu arrumar emprego de volta”. E nisso ele pegou uma herpes. Ele começou a sentir uma dor no ombro, aí inchou muito, ele foi ao PA, eles falaram que era um mal jeito, um mal jeito. Ele tava fazendo supletivo também na época. Um dia ele foi pra escola, ele não aguentou. O diretor era muito amigo dele, disse assim: “Não, Osvaldo, eu vou te levar a um hospital, vamos ver o que é isso, porque não é normal”. Começaram a sair umas bolhinhas de água. Quando o médico olhou, ele falou: “É, senhor Osvaldo, você escapou de morrer, porque você tá com um herpes bem grave e já tá indo quase para o pulmão”. E na época, eu nunca esqueço, uma caixa de comprimido eram 300 cruzeiros, 300 cruzados, e fora as injeções. Ele tinha um amigo também que trabalhava na Catarinense, ele disse: “Não, Osvaldo, eu parcelo em três vezes pra ti, o remédio. A gente não pode, mas eu vou parcelar”.
P/1 – Que era uma farmácia?
R – Era uma farmácia. Ele disse assim: “É, mãe, agora você e o Alessandro vão ter que dormir no chão”. Porque só tinha o banheiro, um quarto e a cozinha, e nós não podíamos dormir juntos porque pegava a doença, era transmissível. Eu digo: “Não, nós dormimos na cozinha e tu dorme no quarto”. Ele fez o tratamento, melhorou. Depois ele saiu atrás de serviço, conseguiu na CEB, que trabalhava pra Tigre. Só que ele trabalhou seis meses, aí ele com o patrão não se acertaram no preço, porque lá era torneiro, mas eles não queriam registrá-lo como torneiro. Ele disse: “Ah, mãe, então eu vou sair e vou atrás de outra coisa, porque é melhor”. Ele saiu de lá, no mesmo dia que ele saiu, que foi ao RH pedir a conta lá, ele já pegou na Busscar Ônibus. Ele trabalhou 16 anos na Busscar, até falir.
P/1 – E era uma empresa de ônibus municipal?
R – Não, era mundial. Eles exportavam pra fora, eles têm até empresa na Colômbia, tinham filiais.
P/1 – Fabricam ônibus?
R – Eles fabricavam ônibus.
P/1 – Dezesseis anos?
R – Dezesseis anos ele trabalhou lá.
P/1 – E falindo?
R – Falindo, aí ele trabalhou quase três anos comigo. Artesanato aqui em Joinville tem época que dá bem, tem época que cai. Eu disse pra ele: “Como não deu certo a tua aposentadoria, que faltam uns três meses, volte a trabalhar”.
P/1 – Faltavam três meses só?
R – Três meses só. Ele disse: “Tu acha?”. Eu digo: “Vai”. Porque pra viver do artesanato, tinha mês que nós conseguíamos mil reais, mas tinha mês que eram 200. Ele voltou a trabalhar e meu filho mais velho também começou a trabalhar.
P/1 – Ele tá trabalhando agora, o seu marido?
R – Tá trabalhando. Agora ele deu entrada de volta na aposentadoria.
P/1 – E na empresa que faliu, então não recebe nada?
R – Ele não recebeu nada. Assim, quando tava parado, muitos dias ele trabalhava como diária. Eles pagavam 80 reais. Chegou assim no final, eles estavam trabalhando por diária. Trabalhavam, acho que tinham uns cem, só, funcionários trabalhando. O último dia teve uma votação, o juiz pegou e assinou como firma falida, porque os bancos pediram mais um mês pra analisar, porque era o BNDES, o Santander e o tio do dono da fábrica, que ele também tem a Tecnofibras, em Joinville. E foi o sobrinho que faliu a fábrica. Ele também queria tocar, porque ele tem uma parte. Só que aí o juiz decretou a falência e ele tá até hoje pra receber, sabe lá Deus quando. E, tipo assim, a gente tinha dívida. E isso hoje ainda a gente tá continuando a pagar aos poucos.
P/1 – E você disse que por quanto tempo ele ficou trabalhando com você?
R – Três anos.
P/1 – Três anos? Então voltando, Maria, como você começou a mexer com artesanato?
R – Com artesanato?
P/1 – Desde quando assim esse interesse?
R – O interesse, assim, é igual eu tava comentando com você, eu tinha o meu menino que frequentava a Ecos em aula de violão, aí eles convidaram, fizeram o convite para as mães participarem do artesanato. Ele chegou: “Mãe, vamos, mãe. Vamos”. Eu digo: “Ah, não, filho, eu não vou”. De tanto ele insistir, eu fui. Era uma terça à tarde, fomos eu e ele. Cheguei lá, na época eles davam duas peças pra gente pintar, uma ficava para o projeto e outra trazia. Aí eu gostei de pintar. Quando eu fui pedir à menina aonde comprava as peças, ela falou: “Ah, Maria, a gente vende, assim, assim”. Eu falei: “Ah, mas tá muito caro, Dora”. Ela disse assim: “Pois é, Maria”. Eu disse assim pra ela: “Não tem como tu dar um... Deixe-me levar uma caixinha de chá, uma cestinha pra ver se eu consigo fazer?”. Ela falou assim: “Mas tu tem a madeira?”. Eu digo: “Tem uma marcenaria aqui perto de casa, o Alessandro pega retalho lá”. Porque ele pegava pra inventar os brinquedos dele.
P/1 – Você fazia brinquedo para as crianças?
R – Ele fazia pra ele brincar. O meu menino fazia. Ele inventava as coisas dele.
P/1 – Ele gostava?
R – Ele gostava. Aí eu com ele, com uma serrinha de serrar ferro, essa normal, a gente tirou o desenho, cortou, aí minha mana trabalha com sapataria, eu fui lá, trouxe cola, comecei com a cola de sapataria, aí colei. Eu disse assim: “Ah, filho, e agora pra lixar?”. Ele disse assim: “Ah, mãe, nós temos aquele ventilador velho, vamos cortar as pás, ali eu faço uma caixinha pra mãe”. E nós fizemos a lixadeira. E ali a gente fez. Eu levei pra ela, ela falou assim: “Ah, Maria, mas não foi tu que fez isso aqui”. Eu digo: “Foi, Dora” “Ah, então eu quero ir lá ver”. Ela disse assim: “Eu quero ia lá a tua casa ver”. Eu digo: “Então vamos”.
P/1 – Ela era a professora?
R – Ela era a professora. Aí ela veio aqui, nós já tínhamos um monte cortado daquele, porque tava montando. Aí ela foi encomendando. Meu marido dizia assim: “Ah, mas isso não dá lucro, não sei o quê”. Porque no começo ele reclamou bastante.
P/1 – Ele tava trabalhando?
R – Ele tava trabalhando. Quando ele viu que começou a dar lucro, ele foi lá e me comprou uma serra tico-tico, porque é manual, é mais fácil de fazer os recortes. Eu disse: “Mas eu quero uma lixadeira”. Nós corremos atrás, onde eu fiz a minha lixadeira ali.
P/1 – Você que construiu a sua lixadeira?
R – A gente construiu a lixadeira.
P/1 – Como você fez essa lixadeira?
R – Eu comprei um motor, ele foi ao mecânico, arrumou dois mancais, ele fez a roda ali pra botar a lixa, a gente comprou uns caibros, fez uns pés, aí a gente a montou.
P/1 – Você já tinha visto uma lixadeira assim pra montar desse jeito?
R – Eu já tinha visto de sapataria, mas não era assim. Mas como eu trabalhava em sapataria, eu tinha uma noção de como eram as lixadeiras. Meu marido disse assim: “Não, não vai dar certo”. Eu digo: “Não, vai”. É onde tá até hoje a nossa lixadeira.
P/1 – Na sapataria, você montava o sapato?
R – Eu fazia a sola e solava o sapato. Esse era o meu serviço.
P/1 – Cada um na mão?
R – Tudo na mão. A gente ia ao balancinho, tinha a máquina lá, cortava a sola, a palmilha, depois a gente passava as fitas pra dar o acabamento na sola, lixava e depois colava. Esse era o meu trabalho.
P/1 – Já tinha uma habilidade?
R – Já.
P/1 – Cortava a sola também?
R – Também cortava.
P/1 – Então essa habilidade...
R – Já vem de lá. Sei lá, não sei é um dom. Todo mundo pergunta: “Maria, onde tu fez um curso pra tu fazer tuas peças?”. Eu digo: “Eu não fiz curso nenhum. Eu não tenho curso nenhum, eu faço das minhas ideias”. Eles: “Ah, não pode”. Eu digo: “Mas é”. Ali da Ecos...
P/1 – Ecos é uma ONG?
R – É uma ONG. Só que é uma ONG, que se sustenta sozinha, ela não tem convênio com Governo, com nada. Como eu posso dizer? De doações. Eles vivem de doações. A Noruega, eles mandam as fotos das crianças, e a Noruega lá eles escolhem cada um uma criança e apadrinham, e mandam dinheiro pra cá.
P/1 – Entendi. E o seu filho continuou? Porque o curso era mais pra pintar as peças
R – Sim. Pra mim, sim. Mas assim, tinha o clube de mães e tinha atividade para os adolescentes, para as crianças, e ainda hoje existe. Ele foi ao violão, mas igual ele dizia: “Mãe, o meu violão é só pra jogar tênis”. Porque ele não aprendeu a tocar.
P/1 – (risos) E no artesanato, ele continuou?
R – Não. Ele começou depois comigo no artesanato. Quando a Busscar mesmo faliu, ele trabalhou nessa marcenaria onde a gente pegava pedaços de madeira.
P/1 – Não, aí você tá falando do seu marido, né?
R – Não, do meu menino.
P/1 – Ah, porque ele também trabalhou na...
R – Ele trabalhou na marcenaria, ele ganhava 200 reais, né, agora? Ele trabalhava meio período e estudava meio período.
P/1 – E essa marcenaria, você falou “quando a Busscar faliu”, não tinha nada a ver com a empresa?
R – Não.
P/1 – Mas é que você ia falar que quando a Busscar faliu, seu marido ficou sem trabalho.
R – É. Aí nós pegávamos os retalhos nessa marcenaria. No começo nós pegávamos, então eu trabalhava só com retalhos. Depois não, aí o meu menino trabalhava ali, ele vinha trazer de Kombi aqui os retalhos pra mim. Aí ele tava ganhando muito pouco aqui. A Vanesca conseguiu pra ele um curso no Senai de eletromecânica.
P/1 – Quem é a Vanessa?
R – A Vanesca é uma menina da Ecos da Esperança ali. Ela assim: “Eu ganhei uma bolsa de estudo, Maria, para o Alessandro, não sei se ele quer”. Ele disse: “Não, eu quero”. Aí ele fez. Quando fazia seis meses que ele tava no curso, eles o encaminharam de lá pra emprego, pra uma oficina de carro. Aí ele pediu a conta aqui e foi pra lá, porque lá ele ganhava um salário pra trabalhar quatro horas, e aqui ele ganhava 200 reais.
P/1 – Mas ele aprendeu na marcenaria a fazer...
R – Aprendeu. Aprendeu. Mas igual dizia ali, ele ganhava muito pouquinho. Igual dizia ele, nós precisávamos também, porque a gente passou assim um período bem difícil. Tanto que teve uma época ali que o pessoal da Ecos... Além de eu trabalhar de pintar ali, eu também trabalhava voluntário pra eles. Faz dez anos que eu trabalho voluntário ali. Aí elas me ajudaram com muita cesta básica. Ele foi trabalhar lá, aí quando acabou o estudo do aprendiz, ele foi fazer o técnico. Ele já tinha feito um ano de técnico, o professor o elogiou muito, no outro ano seguido, quando voltou. Tinha um cara lá que tinha oficina de caminhão, que é onde meu marido trabalha hoje, ele falou assim: “Ai, Alessandro, segunda-feira eu quero que tu vai trabalhar comigo, te vira. Pede a conta, te vira”. Ele chegou a casa: “Mãe, lá tem um cara, o Vinícius, ele quer que eu vá trabalhar com ele, ele me paga mil reais. O que a mãe acha?”. Eu disse: “Ah, filho, tu que sabe, só que esse mês tu vai ficar sem pagar o Senai, porque a tua saída não vai dar nada” “Será que eu vou?”. Eu digo: “Vai. Seja o que Deus quiser”. Ele trabalhou acho que foram dois anos e meio lá. O ano retrasado o Senai o chamou pra fazer aquele Jovem Aprendiz. Jovem aprendiz não, as Olimpíadas de Conhecimento. Que em cinco anos, ele foi o melhor aluno do Senai. De cinco anos pra cá, ele é o melhor aluno do Senai. Toda sexta-feira à tarde o patrão dele o liberava pra estudar. Nesse meio tempo, o diretor do Senai o chamou pra ser professor. Aí ele saiu da oficina, e hoje ele é professor do Senai.
P/1 – Olha que bacana, Maria.
R – De manhã ele faz faculdade de Direito, e à tarde e à noite, ele dá aula no Senai.
P/1 – Que orgulho, hein, Maria?
R – É. Igual diz o outro, ele é um menino de ouro assim, ele não sai pra lugar nenhum, é só em casa, ou sai com a gente.
P/1 – Quantos anos ele tem agora?
R – Tá com 20 anos.
P/1 – E você tem outros filhos?
R – Tenho. O Alison tem 12, vai fazer 12 agora.
P/1 – Tá estudando.
R – Tá estudando. E tem a Aline. O Alison, hoje, me ajuda em casa, os brinquedos ele que faz, ele cola aquelas fitinhas ali, ele pinta vidro, palhacinho ele que monta. Aos sábados, ele vai pra feira comigo. Domingo ele ajuda também.
P/1 – E ele gosta de fazer?
R – Ele gosta. Agora quando eu vou às feiras aos sábados ele não vai, porque esse ano ele ganhou uma bolsa no Bom Jesus, 100%.
P/1 – O que é Bom Jesus?
R – É um colégio particular aqui em Joinville. Ele estudava no Estado. Aí como ele nunca teve inglês, e lá tem, ele tá apanhando. Só que pra onde eu consegui a bolsa, eles têm aula de reforço aos sábados, aí ele vai à aula de inglês de reforço.
P/1 – E ele tá gostando?
R – Tá gostando, tá tirando só nota boa. Que nem diz a menina ali do Resgate: “Maria, eu pensei que teu filho não ia acompanhar”. Mas é só oito e meio, nove, dez.
P/1 – O que é Resgate?
R – Resgate é uma ONG também que apoia as crianças, tipo a Eco da Esperança, eles dão aula de violão, aula de reforço.
P/1 – Maria, como os meninos têm acesso? Como eles ficam sabendo dessas ONGs, ou você?
R – Essa ONG daqui foi através dali. Como ele já participava, e eu tinha uma amiga aqui da Ecos, o Alessandro conheceu aqui. E o Resgate foi através do Consulado da Mulher, que aí a Rosângela com a Cleide me chamaram lá, porque tinha uma reunião com a Mônica sobre colégio.
P/1 – Mônica quem é?
R – É a dona do Resgate, da ONG onde o Alison ganha bolsa de estudo. Ela falou assim: “Vocês têm um dia pra arrumar toda a papelada e levar”.
P/1 – Mas só pra você ou tinha outras mães? Como é essa ação do consulado?
R – O consulado, ele assessora. Assim, ele dá um assessoramento, é melhorar o teu produto, às vezes tu precisa de alguma, tipo assim. Hoje aqui tá bonito, mas aqui não tinha fogo. Eles te assessoram assim. Eles reformaram todo o meu ateliê, me deram a serra circular. Então assim, eles assessoram nessa parte assim. Em contrapartida, a gente divulga a Whirlpool, no caso. Assim, filmando, falando do Consulado da Mulher, esse é o nosso papel pra eles.
P/1 – E em relação a essa escola para o seu filho do meio, eles reuniram você e outras mulheres?
R – E outras mulheres que eram assessoradas pelo Consulado da Mulher. A gente foi lá, eu acho que só eu e outra que nos interessamos e conseguimos a bolsa para os filhos.
P/1 – Mas podia ter outras mulheres?
R – Podia ter outras mulheres, que eram assessoradas pelo Consulado da Mulher. Eles chamaram acho que foram umas 20 mulheres pra ir à reunião, acho que foram quatro ou cinco, dessas cinco, só eu e outra que conseguimos. A outra menina tá na Univille e o Alison tá no Bom Jesus.
P/1 – E aí você conseguiu a bolsa.
R – Cem por cento.
P/1 – E ele pode continuar estudando lá?
R – Pode continuar. A única coisa que ele não pode é tirar nota ruim e reprovar, aí ele não fica mais. Mas como ele tá... Quer dizer, ficar até ele pode ficar, mas a gente tem que pagar do bolso. Mas pelo que a Mônica tava falando pra gente, ano que vem ele tá garantido de novo.
P/1 – Bacana, né?
R – É bacana, né? Porque assim, no começo, a gente foi ver os livros pra comprar, só de livro deu mil reais.
P/1 – E aí?
R – Aí eu falei pra Mônica: “Mônica, eu não vou mandar o Alison, eu não tenho condições” “Não, Maria, vai batendo xérox, porque os livros vão vir”. Aí vieram. Eu comprei dois e o restante o Resgate doou. Desde o uniforme, tudo. Eles dão tudo. Então assim, é interesse do aluno e do pai se dedicarem, porque tem a faca e o queijo na mão. É saber aproveitar a oportunidade. É igual com o Consulado da Mulher, muita gente reclama até hoje, eles falam muito mal da Lúcia e das meninas.
P/1 – Por quê?
R – “É, Maria, mas tu ganhou o ateliê, tudo lá. Nós nunca ganhamos nada.” Eu falei assim: “Alguma coisa elas viram em mim, porque eu nunca pedi nada pra ninguém”. Eu nunca cheguei pra Lúcia, ou pra Cleide, ou pra Rosângela: “Oh, Rosângela, eu preciso de uma máquina”. Não, eu ia às reuniões que a gente tinha aqui, escutava o que eles tinham que falar, mas eu vinha pra casa e produzia. Eu acho que foi aí onde que eles viram o interesse. Porque muita gente só queria de mão beijada. E eu nunca cheguei assim a pedir. Até quando foi a inauguração do nosso ateliê, muita gente falou: “Ah, Maria, mas como ficou bonito. Por que é só tu que ganha, nós não?”. Eu falei: “Pergunta para o pessoal do Consulado, eu não tenho nada a ver”. O Consulado pra mim, que nem eu digo, foram as duas diferenças: foi a Eco da Esperança, foi onde eu comecei, que jamais eu posso dizer que eles nunca me ajudaram; e a segunda alavanca foi o Consulado da Mulher.
P/1 – E você disse que seu ateliê era diferente. Como era?
R – Sim. Ele não tinha essa porta aqui na frente. Aqui era tudo aberto. Não tinha forro, a instalação não tinha, tinha assim, só dois bicos de luz, eles botaram toda a instalação nova. Então quem viu e quem vê hoje, é totalmente diferente.
P/1 – E que serra você ganhou que você falou?
R – A serra circular. Até quando eu cortei o meu dedo, que eu sofri o acidente, a Lúcia do Consulado, na época era a Lúcia a coordenadora, ela tava pra fora, o pessoal já avisou, ela ficou que nem louca. Eu falei: “Mas isso acontece, Lúcia, não se preocupe, porque é um acidente de trabalho”.
P/1 – Você já sabia mexer na serra? Porque você já tinha uma, né?
R – Não. A serra circular, não.
P/1 – Você tinha uma serra que seu marido deu.
R – A Tico-tico.
P/1 – Ah, tá.
R – A Tico-tico. Mas assim, eu já fazia dois anos que eu tava trabalhando com serra.
P/1 – E quando a serra chegou aqui, mas você já sabia mexer?
R – Aqui o meu marido já sabia mais ou menos assim, aí eu comecei a serrar. Porque na realidade quem começou a serrar... Ele disse: “Olha, mãe, é assim, assim”. E quem trabalhava na serra era eu direto. Eu sempre trabalhei na serra.
P/1 – Seu marido ou seu filho que te ensinou?
R – O meu filho, o meu marido, porque meu filho sabe mais do que meu marido. Até hoje ele sabe mais do que eu ainda. Ele disse: “Olha, mãe, é assim, assim”. E nós fomos trabalhando. Ela tinha proteção, mas quando é pra serrar madeira, ela trancava, aí nós tiramos a proteção, porque trancava muito. E o dia que eu tava serrando, eu tava fazendo os kits quebra caranguejo, que era para a Festa das Flores. Nós estávamos bem na semana, faltavam acho que 15 dias para a Festa das Flores. Eu tava na produção do kit, aí eu tava cortando, era um taquinho de seis centímetros assim. Eu tava ali, serrando ali, e meu menino tava montando mesa aqui, e meu marido tinha ido comprar parafuso e porca que faltaram para as mesas. E quando eu tava cortando os últimos kits, acho que faltavam dois kits, ele deu um trancão. Aí o sarrafo foi parar lá. A serra tava aqui, o sarrafo foi parar lá. Eu disse para o meu menino: “Filho, a mãe cortou um dedo”. Porque eu achei que era um dedo. Ele já correu, a Aline era pequenininha, tava ali fora na brita, ele pegou a fralda da Aline, já estancou o sangue. Porque tu não sente nada quando corta o dedo.
P/1 – Porque a mão foi por cima?
R – É, levou assim, olha.
P/1 – Você disse que na hora a serra trancou, como é?
R – A serra trancou o sarrafo, ele puxou o dedo. Aí disse para o meu filho: “Filho, a mãe cortou um dedo”. Eu ia pegar até um pano sujo que tinha aqui, ele falou: “Não, mãe, esse aí não”. Ele correu, que a Aline tava na brita ali, no chiqueirinho.
P/1 – O filho mais velho?
R – É. O mais velho. Ele pegou, estancou o sangue, fez os primeiros-socorros, aí ele disse: “Vamos fechar a casa pra ir até o encontro do pai”. Porque ele já sabia dirigir, né? Só a gente não o deixava andar, porque ele não tinha carteira de motorista. Quando ele tava saindo com o carro pra ir ao encontro do pai, o pai chegou. Ele disse: “Não, mãe, a mãe vai, que eu fico com os dois em casa”. Eu fui até ao PA, chegou lá, eu...
P/1 – Alguém te levou?
R – O meu marido me levou. Quando a gente chegou à metade do caminho, começou a doer muito, porque já tava esfriando. A gente pedia... Eu disse pra ele: “Vai com o alerta ligado”. E ninguém dava lugar pra nós passarmos. E a dor, a dor. Eu disse pra ele: “Tu quer ver como eles vão me dar lugar rapidinho?”. Ele disse assim: “Por quê?”. Eu abaixei o vidro e botei a mão pra fora, aí pingava sangue assim. Aí eles já liberaram a via. Quando eu cheguei ao PA, nem precisei fazer ficha, já chamaram o cirurgião. Ele falou assim: “É, mas isso aqui não é caso pra mim, tu tem que ir para o hospital, para o São José. Mas eu já vou te mandar encaminhada daqui”. Aí ele trocou, tirou o pano, botou uma faixa, mandou bater um raio X, me deu uma injeção pra dor. Eu disse para o meu marido quando eu peguei o raio X na mão: “Vê o tamanho do estrago”. Ele disse assim: “É, mãe, foram três dedos”. Ele olhou e disse assim: “Foram três dedos”. Eu peguei toda a papelada do PA e fui para o São José. Cheguei lá, esperei uns dez minutos ainda, passei pela triagem...
P/1 – É na mesma cidade, aqui em Joinville?
R – É aqui em Joinville. É porque a gente aqui tem um PA, assim, tipo um pronto-socorro, e graves maiores vão para o hospital. Chegou lá, eu passei pela primeira sala de cirurgia, que é no pronto-socorro. O médico só tirou a faixa: “Não, isso aqui vai lá pra outra sala do pronto-socorro, lá embaixo”. Quando eu cheguei lá, eu nunca esqueço, o médico tirou a faixa: “Oh, dona Maria, o que você fez na sua mão?”. Eu digo: “Ah, eu tava trabalhando e passou a serra”. Eu nunca esqueço, que ele pegou um papel pardo furado, colocou cada dedo num buraco, deu uma anestesia e disse assim: “Vai doer, porque eu vou dar uma anestesia”. Ele pegou uma escova de aço e botou de baixo d’água, ele escovava assim, olha.
P/1 – Mas aí já não tava doendo?
R – Não tava mais doendo, porque eles deram anestesia, tudo. Ele falou assim: “Agora eu vou...”. Aí ele costurou, tudo.
P/1 – E você vendo?
R – Eu vi tudo. Eu fiquei acordada o tempo todo. Eu disse pra ele assim... Ele falou assim: “Agora a gente vai dar um medicamento forte, você vai ficar aqui no pronto-socorro até ter uma vaga no quarto pra esperar a cirurgia. Talvez sexta-feira nós vamos fazer cirurgia da sua mão”.
P/1 – Só costurou pra parar o sangue?
R – É. Só pra parar o sangue ali. Eu digo: “Tá bom”. Eu falei pra ele: “Pois é, doutor, mas eu tenho uma menina de oito meses que só mama. E como eu vou fazer pra dar de mamar pra ela?”. Ele falou assim: “Então nós vamos mudar, eu vou dar uma carta aqui para o teu esposo, pra ele entrar a hora que ele quiser pra dar de mamar pra menina, e vou trocar o medicamento”. Eu digo: “Tá bom”. Aí nisso lá, depois, que ele falou assim, que eu fiquei na maca, que eu fiquei bem no corredor assim, eu peguei e liguei pra minha mana pedindo pra minha mãe vir ficar com as crianças. Eu disse assim pra ela: “Nena, tem como tu trazer a mãe? Porque eu cortei um dedo, to no hospital” “Mas foi só um dedo?”. Eu digo: “Foi só um dedo”. Porque eu não queria assustá-los. Ela disse: “Não, já vou arrumar um motorista pra ir com o Vilmar – que é meu cunhado – levar a mãe”. Eu acho que eram umas nove e meia da noite, chegaram aqui. Aí a mãe ficou. Chegou quarta-feira de manhã, já conseguiram a cirurgia. Eu fiquei oito horas na mesa de cirurgia pra reconstituir a mão.
P/1 – Pegou osso, não?
R – Osso não, porque cortou toda a junta, não tem como trazer a junta de novo. Eu fiquei acho que quase cinco meses depois ainda fazendo fisioterapia, porque foi colocado pino, tudo, mas não teve jeito.
P/1 – Reconstituiu a mão?
R – Reconstituiu a mão. Ele disse assim: “Vai ficar só bonita, mas tu não vai mais poder trabalhar igual tu trabalhava antes”. E eu não pagava INPS. Porque se eu pagasse INPS, que nem diziam assim, eu ia ser encostada, porque numa firma já é como deficiente. Eu digo: “Mas seja o que Deus quiser”. A gente veio embora na quinta-feira de noite. Chegou segunda de manhã, a mãe brigava, porque eu tava toda enfaixada com tala, os pinos na mão, sentada ali na calçada, com a mão esquerda e com os pés terminando os kits. Eu pintei todos os 15. Quando eu cheguei no domingo lá na Festa das Flores, que eu dei uma voltinha lá...
P/1 – Ainda foi à festa?
R – Eu fui. O meu marido levou as peças, eu vendi todos os meus 15 quites. As meninas falaram assim: “Maria, tu é muito guerreira, porque se fosse outra, jamais ia fazer isso”.
P/1 – Nesse período, entre você ir para o pronto-socorro e sair, quanto tempo você ficou?
R – Uma semana. Uma semana internada.
P/1 – E com uma semana você já pintou os kits?
R – Quando eu saí, eu voltei e fui terminar os kits. Até tinha a Maria, da Jaide, tinha a Cirlanda, a Eliane, eu com a Cirlanda assim, nós botávamos tudo junto o nosso material. Ela disse assim: “Tu tem muita coragem, Maria. Capaz que era pra tu estar pintando”. Eu digo assim: “Mas a gente precisa” – eu falei. “Tu sabe a nossa situação.” Ela falou assim: “Mas tu é muito guerreira”. E nós vendemos todos os 15 kits. Pra mim, assim, é gratificante, porque é difícil. Porque assim, depois o Osvaldo ficou trabalhando, mas eu já não conseguia mais pintar igual pintava antes.
P/1 – Você conseguiu esses kits pintar com a mão esquerda?
R – Com a mãe esquerda e com o pé, porque os guardanapos têm que aguentar. E essa mão aqui era inválida, então eu aguentava os guardanapos com os pés e pintava com a mão.
P/1 – O que é guardanapo?
R – É uma decoupage que a gente usa.
P/1 – Entendi.
R – Tipo do kit do Flamengo ali. Só que aquilo ali hoje eu imprimo, mas antes eram comprados assim uns desenhos de mares. Como aqui em Joinville eu não consigo mais os guardanapos, as decoupages do kit eu faço. Aí eu tive que me virar nos 30, que nem diz o outro.
P/1 – Parabéns!
R – Depois, assim, eu tive bastante ajuda do pessoal com financeiro, com alimento.
P/1 – Que pessoal?
R – O pessoal do Consulado também me ajudou, o pessoal aqui da Ecos da Esperança me ajudou bastante. Porque, assim, na época foi bem uma época de crise mesmo da Busscar. Assim, ele não trabalhava nem de diária, então a gente tava sobrevivendo do artesanato. E como eu não conseguia mais pintar, ele ia pra feira com o que eu tinha pintado. Depois eu não consegui mais produzir e pintar igual eu pintava. Aí o pessoal: “Não, Maria”. Depois até eu conheci a Eunice, aqui da Ecos da Esperança também, que foi outra professora minha, e ela vinha pintar aqui em casa pra mim: “Não, eu vou lá pintar umas peças pra ti”. Depois eu trabalhei como ajudante dela dois anos, ela era professora, eu era auxiliar. O ano retrasado ela foi pra rua, aí eu assumi voluntariamente o grupo de mães de mulheres. Hoje eu dou aula aqui na Ecos voluntariamente. A gente dá tudo, o material.
P/1 – Você dá o material também?
R – A gente dá o material, tudo, é só falta força de vontade. É só ir, aprender a pintar, ou fazer chinelo. Igual, agora dia 21 a gente começa com o curso de tear para as mulheres.
P/1 – E você saber fazer tudo isso?
R – O curso de tear, eu trouxe outra colega minha.
P/1 – Sempre voluntariamente?
R – Tudo voluntariamente. A gente troca curso uma com a outra.
P/1 – E, Maria, você disse que o Osvaldo já não tava mais na empresa, ele assumiu a feira?
R – Sim.
P/1 – E como foi pra ele, isso?
R – Pra ele, no começo, foi bem difícil. Porque assim, ele conhecia um ou outro, ele não tinha amizade. Porque quem tinha amizade era eu. Que nem diz assim, quem conhece a feira é a Maria, não é o Osvaldo. Até o pessoal se acostumar que o Osvaldo era a Maria Madeira, né, porque muita gente ia à feira procurar: “Cadê a Maria Madeira?”. Mas tava o Osvaldo com o filho. Depois ele começou a se enturmar, igual eu dizia ali, hoje ele não sabe viver sem a feira.
P/1 – O Osvaldo?
R – Ele fica doente. Ele fica doente quando nós não vamos fazer feira.
P/1 – Ele vai sempre agora com você?
R – Ele vai comigo. Agora eu to indo e to ficando, mas antes eu ia, ficava um pouco, ele um pouco. Que às vezes tem mesa pra montar, ele vem pra casa montar.
P/1 – Conta um pouco dessas mesas. Que mesas são essas?
R – Essas mesas são as mesas de artesanato. Elas são práticas pra carregar, porque é um rolo. Ela abre dois metros e 20, um metro e meio, você fecha, ela fica um rolo, então não ocupa espaço pra levar, tipo assim, botar no carro pra uma feira. Você pega uma mesa de plástico, ela ocupa muito espaço. Foi uma colega minha que emprestou uma mesa uns dez anos atrás pra eu fazer uma, e dali a gente começou a produzir.
P/1 – Era pra você fazer pra ela?
R – Não, pra mim. Porque eu carregava mesa de plástico quadrada, mas ocupava muito espaço no carro. Aí eu levava menos mercadoria pra feira porque ocupava muito espaço. Aqui em Joinville tinha um senhor, o seu Mário, que ele também fazia. Uma feira que eu fiz da Festa das Flores, o pessoal da Fundação Cultural pediu pra eu fazer dez mesas.
P/1 – A parte de baixo, que são os pés, fecha também a parte de baixo?
R – Ela fecha. Ela é uma sanfona, você abre e fecha. Então ela não ocupa espaço. Eu fiz, eu disse assim: “Mas, Maria, tem o seu Mário que faz” “Não, Maria, porque o seu Mário tá cobrando muito caro, ele tá cobrando 200 reais na mesa”. Ela disse: “Tu faz por quanto?”. Eu falei assim: “Dá pra fazer por 80 reais”, na época. Ela disse: “Então tu faz dez mesas”. Eu fiz numa feira que a gente fez final de ano, as dez mesas ela já tinha vendido. Eu só cheguei e entreguei. E de lá pra cá, eu comecei a fazer as mesas. Porque a mesa que eu vendo hoje a 150, ele vende a 400.
P/1 – Nossa!
R – Eu já tenho uma margem de lucro 100% em cima. Imagina ele? Então o pessoal me procura muito.
P/1 – Maria, então você tava falando das mesas, que a pessoa trouxe de modelo. E aí você mesma que fez a primeira?
R – Sim. As primeiras mesas foi eu que fiz.
P/1 – E é fácil assim?
R – É fácil. Só que assim, até hoje eu monto, mas de vez em quando a gente se perde. Se monta um parafuso errado, ela não abre, ela não fecha. Tem que ser exato.
P/1 – Que técnica que tem pra ficar exato?
R – É saber montar os pauzinhos. Se você troca um de trás pra frente, ela já não vai abrir bem, ela já não vai fechar bem. É igual, assim, hoje eu levo, fazer minha feira com madeira, eu boto oito caixas de mercado dentro de um Siena, a minha barraca e mais três mesas. Então, assim, ela não ocupa espaço. Até eu tava na festa agora do dia do trabalhador, o pessoal, assim: “Ah, Maria, mas ocupa espaço?”. Eu falei: “Não. Não ocupa espaço. Você quer ver?”. Eu fui lá, tinha uma a mais, eu montei, desmontei pra ela. Ela falou: “Não, eu vou comprar, porque a que eu tenho aqui ocupa muito espaço”. Tanto que eu to com dez mesas pra entregar domingo. Então, assim, tá sendo bem puxado, mas só que vale a pena.
P/1 – E você disse que seu marido agora se encantou e tá...
R – Ah, ele tá direto nas feiras. Igual ontem à noite, ele tava fazendo os estrados lá dentro de casa, botando os sarrafos e grampeando, que a gente chama estrado, que é a base de cima. Ontem eu serrei, tá ali no canto, tem seis mesas serradas pra nós montarmos até domingo.
P/1 – E ele monta com você às vezes?
R – Ele monta. O Alison também monta.
P/1 – Quantos anos tem o Alison agora?
R – Onze anos. Faz 12 agora em junho.
P/1 – Além da mesa, o Osvaldo te ajuda em outras peças?
R – Ajuda. Ele corta o kit, ele corta as tabuazinhas do kit, os portas-controle ele também corta. A gente aproveita assim, mais o final de sábado, quando ele tá em casa, pra cortar algumas peças, porque eu sozinha não dou conta. Tipo assim, se eu vou lixar as tábuas do kit, demora muito, porque aí eu corto o pescocinho, faço pra pegar ali, aí tem os taquinhos do kit, que demoram bastante também, porque é tudo manual, né?
P/1 – O cabo?
R – O cabo ali. A parte de lixar, praticamente, e de montar é tudo eu. E de cortar, é ele. Ele corta assim a quantidade, depois eu só vou montando. Igual, quando a gente corta kit, a gente corta 25 kits. Ele deixa tudo cortadinho, depois eu monto, lixo e termino.
P/1 – Eu vou pedir para o Júlio pegar um só pra mostrar como ela faz.
R – Esse aqui a gente compra um cabo de plástico, que ele mais prático, que ele é redondo, aí eu corto tudo cinco centímetros. E aqui são cabos de vassoura que a gente compra já prontos também. E esse acabamento aqui eu faço tudo na lixa manual até encaixar aqui pra dar o taquinho do kit.
P/1 – Então pra ele fica afinado assim?
R – Sim. É feito na lixadeira, tudo na mão, rodando assim.
P/1 – Como você roda?
R – Assim, olha. Tem muita gente que diz que é em torno, mas não é o torno, é à mão ainda.
P/1 – Tá bom. Obrigada.
R – Eu gosto de fazer. Porque meu marido também sabe lixar, mas não fica assim. Cada um tem um jeito, eu tenho o meu padrão de fazer os taquinhos pra ficarem tudo igual, e ele não consegue fazer igual. Então eu digo: “Não, a parte de lixa sou eu que quero fazer”.
P/1 – E ele ajuda bastante? Faz junto com você?
R – Faz.
P/1 – Mas ele se envolve ou ele faz só pra ajudar?
R – Não, ele se envolve. Envolve-se bastante. Porque, que nem diz ele, queira que não queira, é um suplemento pra dentro de casa, é uma renda a mais que ajuda a sustentar a casa.
P/1 – Maria, vocês já viveram só desse artesanato?
R – Eu vivi três anos só do artesanato.
P/1 – Você foi contando como foi acontecendo, e hoje, pra você, o que significa todo esse trabalho assim? Como você se vê?
R – Ah, esse trabalho aqui, eu me vejo assim, é a minha vida aqui dentro. Eu acho que se eu não tivesse isso aqui pra mim, eu acho que não teria mais graça a minha vida, porque é uma coisa que eu adoro fazer e eu gosto de estar envolvida. Não assim, tipo assim, muita gente fala assim: “Ah, Maria, por que você não trabalha fora?”. Eu falei assim: “Pra eu trabalhar fora, eu vou ter que deixar a minha filha numa creche, o meu filho em casa sozinho, e eu não ganho o que eu ganho aqui dentro hoje”. Então eu to em casa com a família e tiro a minha renda que eu fosse trabalhar fora bem mais aqui dentro de casa que estar fora.
P/1 – E, Maria, cada peça... Porque tem uma variedade grande aqui de peças.
R – Sim.
P/1 – Como você vai criando essas peças?
R – Tipo assim, eu vou pra feira, chega lá, o fulano diz assim: “Maria, você não tem um porta-suco?”. Eu falei: “Eu não tenho, mas eu vou criar um porta-suco pra você”. “Maria, eu queria um puxa-saco assim, tu faz?” Então muitos o pessoal vai pedindo e a gente, através do que eles pedem, a gente desenvolve em casa. Eu tenho o meu menino mais velho que ele faz o desenho pra gente no papel, eu dou as dicas, ele faz no papel, do papel a gente passa pra madeira.
P/1 – E aí fala assim: “Um porta-suco”. Esse modelo de porta-suco, como você cria? Como você passa a ideia pra ele?
R – Porque, assim, eu já fiz o porta-suco quase igual aquele porta-filtro ali, não tendo um bulinho, só que faz uma abertura embaixo, você bota os pacotinhos de suco e puxo embaixo.
P/1 – Então, mas essa ideia?
R – É minha. Assim, a gente cria. Porque ela fala assim: “Ah, Maria, pode ser uma caixinha assim, assim”. Eu digo: “Não, então eu vou fazer uma coisa diferente”. Igual teve uma senhora que me disse assim: “Maria, eu quero um puxa-saco, mas eu quero todo branquinho”. Eu falei: “Mas não tem graça”. Eu falei assim pra ela: “Eu vou te trazer um, até não tenho pronto aqui, eu só comecei, mas não terminei. Ele tem um telhadinho e tem uma varandinha na frente, e tem uma janelinha assim, sabe?”. Ela disse assim: “É perfeito. É isso aqui mesmo que eu quero”.
P/1 – E você que criou esse modelo?
R – Esse foi o meu menino que criou. Porque tem aquele ali de galinha, mas ele é diferente. É aquele que tá ali em cima, mas ainda falta botar a varandinha e o telhadinho. Até tenho um na cozinha ali, ele fica bem bonito. Ela disse assim: “É esse mesmo, mas eu quero todo branquinho”. Eu digo: “Não, eu te faço”. Só que eu disse pra ela: “O telhadinho e a varandinha eu vou fazer um branco gelo, e ele eu pinto todo de branco com branco, pra dar uma quebrada”. Ela disse: “Não, não, tá perfeito”. Igual agora, antes, que a menina trouxe o celular, é uma mulher que quer um porta-papel, só que ela quer um porta-papel diferente. Eu disse: “Eu tenho em casa, mas eu vou ter que mudar”. Só que pra amanhã, igual ela quer pra sábado, não vai dar, ela vai esperar mais uma semana.
P/1 – E o que quer esse diferente, você que inventa?
R – Esse “diferente”, eu que invento. Ela quer, assim, como se fosse aquele porta-talher ali, sabe? Esse aqui, olha.
P/1 – Qual?
R – Esse porta-talher que tá aqui. Este. Aqui dentro, em vez de ir o porta-talher, ele vai o pau pra colocar aquele papel toalha aqui dentro. Então assim, é uma coisa que eu vou ter que mudar tudo. Mas o cliente pede, a gente faz.
P/1 – E essa peça, ela diz que quer diferente, aí ela vai ser única?
R – É única. Porque assim, se toda vez que um cliente quiser pedir uma peça, é muita peça pra fazer. Porque às vezes só sai aquela. Igual quando eu comecei o kit caranguejo, eu fiz o kit churrasco, só que o quite churrasco não teve saída. Então a gente tem que trabalhar onde sai mais.
P/1 – Aí você faz um e experimenta?
R – Experimenta. Se tiver saída, a gente faz mais.
P/1 – E fazer uma peça única pra aquele cliente, compensa?
R – Compensa. Às vezes compensa sim, porque você não pode deixar um cliente na mão. É difícil dizer assim: “Ah, não, eu não faço”. Igual chegou uma senhora esses tempos aqui em casa pedindo pra eu fazer um gabinete de máquina. Eu falei assim: “Eu tenho madeira, mas eu nunca fiz” “Ah, mas faz, faz. Eu já sou cliente tua há tanto tempo”. Meu marido disse: “Então nós vamos fazer”. Eu, meu marido e meu filho pegamos e fizemos esse gabinete de máquina. Ela disse assim: “Ficou melhor do que se fosse comprado”. É igual outra que trouxe uma cômoda antiga, que era de família, só que o cupim comeu toda, mas ela queria igual. Meu marido disse: “Não, nós vamos fazer”. Só que o puxador dela, quando ela puxava, trancava os dedos, e era para as meninas dela. Eu peguei e troquei o puxador, botei outro por minha conta. Quando eu fui entregar, ela tava saindo pra trabalhar, ela olhou e disse assim: “Ah, Maria, mas eu não gostei, tu trocou o puxador”. Eu disse pra ela: “Não, tu conversa com o Osvaldo lá na firma, que qualquer coisa eu te levo o mesmo puxador”. Depois, outro dia, com calma, ela foi olhar, ela disse: “Não, realmente, que as meninas viviam com o dedo machucado”. Porque ele era um ferro, era um pininho de ferro e então ele ficava frouxo, ele pegava aqui. Ela disse: “Não, não, tá perfeito. Como tu botou ficou muito bonito. Desculpa, tá?”. Eu digo: “Não, isso acontece”. Outro me pediu um porta-linguiça: “Ah, Maria, eu quero um porta-linguiça assim, assim”. Eu digo: “Não, eu faço”.
P/1 – Porta-linguiça?
R – Pra guardar linguiça defumada dentro. Eu digo: “Não, eu faço”.
P/1 – E como você fez?
R – Até aquilo lá que tá ali, que tá trabalhadinho. Tem um pocinho ali embaixo, aquilo ali é outro. Eu digo: “Não, eu vou fazer pra ti”. Que aí ele tem a portinha, vai a redinha, não pega mosca, nada. Ele disse assim: “Eu vi outro, mas eu não gostei. Como tu fez ficou bom”. Eu falei: “Não, então tá bom”. Muita gente procura, mas eu não tenho tempo de fazer tudo, porque hoje eu to sozinha, né?
P/1 – O Osvaldo só de final de semana?
R – Só de final de semana por enquanto. Então assim, é um pouco complicado.
P/1 – Maria, e esse nome Maria Madeira como apareceu?
R – Esse nome Maria Madeira foi uma amiga minha, que ela teve aqui em casa e falou assim: “O teu nome é Maria e tu trabalha com madeira, por que tu não bota Maria Madeira?”. Eu falei: “É legal”. Aí veio a Lúcia, do Consulado da Mulher, nós conversando, eu disse assim: “Lúcia, o que tu acha de o nome fantasia ser Maria Arte Madeira”. Ela disse assim: “Ah, Maria, tá perfeito. Vai ser esse teu nome agora”. E ali ficou.
P/1 – Ficou Maria Arte Madeira?
R – Maria Arte Madeira.
P/1 – Aí o pessoal tira o Arte.
R – Tira. Chama Maria Madeira.
P/1 – E você gosta?
R – Eu gosto, porque é tão gratificante, né? Igual o Saulo, ele tá fazendo uma feira aqui no terminal de Itaum, chega uma senhora, passou, olhou, olhou, aí foi à outra barraquinha, ela com o marido, daqui a pouco o marido ficou lá, ela voltou: “Você é a Maria Madeira, né?”. Eu digo: “Sou” “Eu já ouvi falar muito da senhora”. Aí eu falei assim pra ela: “De bem ou de mal?”. Ela falou: “Não, de bem”. Ela falou assim: “Eu te conheço como Maria Madeira e como Maria Caranguejo, por causa dos kits caranguejo”. Ela disse assim: “Tu me leva dois domingo lá na feira que eu vou lá buscar”. Eu digo: “Não, eu te levo” “É porque eu tou sem dinheiro”. Assim, é gratificante, a pessoa chega assim: “Ah, tu é a Maria Madeira?”. Muitos me conhecem como Maria Madeira aqui em Joinville. E tem muita gente que eu não conheço, mas eles me conhecem de nome. Igual esses tempos chegou um senhor aqui, ele falou assim: “Ah, tu é a Maria Madeira, a Maria Caranguejo, eu te conheço muito”. Eu falei assim: “Mas eu não conheço você”. Ele falou assim: “Eu te conheço por reportagem, por foto”. Eu digo: “É gratificante”.
P/1 – Sim. Como você conheceu o Consulado da Mulher?
R – O Consulado da Mulher eu conheci através dessa menina que trabalhava aqui na Ecos, a Vanesca, que ela me apoiava muito. E eles trabalhavam com uma parceria com o Consulado da Mulher, porque eles tinham costura, davam aula de costura para as mulheres. E aí ela me apresentou pra Lúcia. E a Lúcia veio até aqui em casa, conheceu o meu trabalho e falou: “Não, de hoje em diante vai ser assessorada pelo Consulado da Mulher”. Eu fiquei dois anos e meio assessorada por eles.
P/1 – Hoje você não é mais?
R – Hoje eu não sou mais.
P/1 – Você já falou um pouco do que significou essa assessoria, mas no seu trabalho mesmo, nas suas peças, teve alguma influência?
R – Teve bastante.
P/1 – Que tipo?
R – Melhoria total das peças. Porque, assim, meu kit, hoje até acho que eu tenho um ou dois aqui em cima do armário de quando eu comecei. E hoje eu vejo o meu kit, é totalmente diferente. A melhoria das peças foi muito... As dicas delas foram muito boas pra nós.
P/1 – Fala uma dica assim, você lembra, uma só?
R – A do kit quebra caranguejo foi uma.
P/1 – No quê?
R – No kit de melhorar a pintura, as tabuazinhas, que eram de pinos, hoje eu trabalho com madeira de tubo, angelim, não são mais pinos. Passar o verniz, que antes a gente passava o verniz nas tabuazinhas, hoje elas vão natural. Então isso tudo foi agregando valores e a venda aumentou mais.
P/1 – E além das peças, você já disse do espaço, mas teve alguma outra contribuição, Maria? Que já é bastante, mas teve alguma coisa?
R – Sim. Veio a serra circular pra nós. Eu consegui registrar o EI. Hoje eu tenho a minha firma registrada.
P/1 – O que é o EI?
R – É aquele empreendedor individual. É tudo através do consulado, que foram eles que me ajudaram a conseguir, porque a minha casa não é averbada, então eu não consegui alvará. E através deles, a gente conseguiu tudo. Então eles me apoiaram bastante, assim.
P/1 – E na parte de comercializar?
R – Também. Eles divulgaram bastante o nosso trabalho. Foi bastante divulgado. Tipo assim, eu fui praticamente uma, eu acho que não foram muitas assim, o foco deles era mais aqui em casa com imprensa, teve a RIC aqui em casa, teve outra imprensa de São Paulo fazendo filme. Assim foi divulgado bastante o meu trabalho.
P/1 – Elas que trouxeram?
R – Elas que trouxeram. Então eu acho, assim, que o pessoal que era assessorado, não só eu, como mais talvez umas dez ou 15, talvez um pouco mais, que se destacaram, que andavam com suas próprias pernas, eles davam uma assistência mais forte. Igual diziam elas: “Tem aquelas, Maria, que nós vamos lá, elas não querem nada com nada”. Eles não veem o trabalho. E aqui em casa, assim, eu sempre falei, eu nunca pedi nada pra eles, eles que deram de coração. Por algum motivo, eles acharam a razão de ajudar, porque eu nunca cheguei a pedir nada pra elas: “Olha, Lúcia, eu preciso de uma máquina, eu preciso disso”. Ali a gente pintava, mas a Lúcia: “Não, Maria, eu vou pagar umas duas aulas particulares pra ti, pra tu pintar os kits”. Ela me pagou duas aulas fora, numa outra casa lá, eu fiz as duas aulas. Foi onde a gente foi aperfeiçoando mais. Cada dia a gente procura mais.
P/1 – E essa comercialização, você faz nessas feiras?
R – Nas feiras.
P/1 – Além das feiras?
R – Aí eu tenho mais três peixarias que eu boto os meus kits e tenho mais uma loja, que aí eu só trabalho com os kits na loja.
P/1 – E você conseguiu como, entrar nessas lojas, nas peixarias?
R – Eu fui de boca a boca. Eu fui, levei meu kit, ofereci, eles gostaram, principalmente essa peixaria, que acho que são... Aqui em Joinville, acho que são 20 peixarias, é uma rede, é uma família só. Eu consegui colocar em duas, porque eu não dei conta de fazer o ano passado pra eles.
P/1 – Eles já vendiam outras peças?
R – Eles vendiam outro kit, mas era um kit simples. Era só um taquinho e não tinha caixinha, não era decorado, nada, eram só os martelinhos com umas tabuazinhas. Igual dizem eles: “Maria, o teu produto perto desse daqui tem bem mais qualidade”. E o outro eles vendem praticamente o mesmo preço que eles vendem o meu, então assim, quem vai comprar, vai comprar o produto, né? “Ah, esse aqui é melhor, vou levar esse.” Não é assim que a gente faz? E é assim, quando eles pedem, é de 50 peças pra cima.
P/1 – E você dá conta.
R – Aí a gente... Quando eles ligam: “Maria, eu quero cem peças de kit”, igual eles já chegaram a pedir. Eu trabalhei só em cima dos kits. Eu parei tudo. Só kit.
P/1 – E tem alguém mais além da família que trabalha com vocês?
R – Não. Aqui é só família. Igual eu tava dizendo pro meu marido, talvez eu vá ter que arrumar alguém pra me ajudar, porque agora eu tou sozinha. A não ser que ele consiga se aposentar e volte de novo, né?
P/1 – Maria, você falou que o Consulado também contribui na comercialização.
R – Sim.
P/1 – Além das feiras, tem outro esquema?
R – Antes a gente fazia dentro da Whirlpool, tinha uma feirinha lá dentro, de 15 em 15 dias a gente botava lá para os funcionários. Depois o Consulado abriu uma loja pra gente também, mas chegou no fim, não deu muito certo, foi fechada a loja. E assim, eles abriram também assim, porque aqui em Joinville era muito fechado o espaço pra fazer feira, tipo assim, em praça, e através do Consulado a gente conseguiu bastante espaço.
P/1 – Foi criada alguma feira?
R – Foi criada a Feira Sustentável, que é da Economia Solidária, tem uma vez por ano. Aí nós temos a Feira da Sapatilha, a gente também expõe. Tem a Mãos da Terra, que esse ano tem aqui em Joinville, a gente também consegue colocar o nosso produto. Tem a Festa das Flores.
P/1 – Esses eventos já aconteciam?
R – Já aconteciam, mas nós não tínhamos espaço para expor. Aí eu com o consulado e com a Fundação Cultural, de tanto a gente batalhar, a gente conseguiu o espaço. Igual, antes a gente fazia era o Mercado das Pulgas. Era na estação ferroviária em Joinville, mas ali eles estavam dando muito espaço para o brechó. E o artesanato eles jogavam nos fundos, e o brechó na frente. Aí nós começamos a brigar, porque assim, nós falávamos: “Vai vir um ônibus de turismo aqui em Joinville, vai estacionar – porque lá é ponto turístico - vocês botam o brechó lá na frente, eles vão levar uma roupa usada pra dar de presente ou eles vão levar um artesanato?” “Ah, Maria, não sei o quê...” “Não, mas pensa, tu vais comprar uma roupa usada?” – eu sempre falo pra elas. “Não, a gente vai comprar um artesanato.” “Então dá um lugar melhor pra gente.” De tanto a gente bater, bater, até que o prefeito abriu a Rua do Príncipe pra gente trabalhar. Aí a gente pegou um lugar assim, tem um brechó, tudo, mas assim, o artesanato fica mais visível.
P/1 – Maria, você falou que durante dois anos você teve essa assessoria, agora não mais?
R – Não mais.
P/1 – E aí? Como é que foi essa transição?
R – Essa transição foi boa, porque assim, a clientela aumentou bastante. Através do consulado, a gente conseguiu evoluir mais o produto, deixar com melhoramento, e as vendas também foram melhores. Quando eu deixei o consulado, assim, um exemplo, eu tirava quase 800 reais por mês. Já faz um ano que eu deixei, mas mesmo assim, a minha renda é de 1500, 1800 todo mês. Igual eu digo para o meu marido, pra quem trabalha com artesanato, é um bom salário. Porque não é fácil viver do artesanato. Igual a gente foi fazer uma Feira do Trabalhador, uma colega minha disse assim: “Ah, Maria, eu vou desistir, porque eu não vendi nada e tu vende super bem”. Eu digo assim: “É, o meu material é decorativo, mas é utilitário”. É tipo assim, é puxa-saco, é lixeira, porta-papel higiênico. Então assim, ele é decorativo, mas ele tem bastante utilidade. Aí eu dizia assim: “Vai muito do produto que tu faz. Você tem que criar uma linha que saia”. Que nem diz a Rosângela do Consulado: “Maria, tu tem que trabalhar com três linhas, vê o que sai mais e foca ali, vai em frente”. É assim o que a gente fez. A minha prioridade hoje é kit e as mesas. As outras são opções, se saiu, saiu; se não saiu, é só pra complementar uma feira, porque tu não vai pra feira só com kit e com mesa. Então a gente repõe outras peças, mas o meu forte são os kits e as mesas. Então é assim, eu foco mais nas duas linhas, tipo assim, trabalhar em linha se torna mais fácil do que fazer uma peça aqui, outra ali, outra lá.
P/1 – Maria, e você disse que vocês brigaram, conseguiram espaço, como é que é essa briga? É uma pessoa, é um grupo, é o Consulado?
R – Não, é um grupo de artesanato. Nós estávamos em base de umas 50 pessoas do artesanato. Aí eles deram muita preferência para o brechó. E nós não aceitamos aquilo.
P/1 – Eles quem?
R – A Fundação Cultural. Porque quem começou a fazer a feira nessa estação foi o artesanato, não foi o brechó. Assim, a parte boa de comercialização eles deram para o brechó e nos jogaram para os fundos. De tanto nós brigarmos, de tanto nós falarmos em reunião, aí eles levaram até para o prefeito e o prefeito resolveu abrir a Rua do Príncipe aos domingos pra gente.
P/1 – E o Consulado ou mais alguma organização participava dessas reuniões nessa briga?
R – Nessa briga, o Consulado não tava com a gente, porque agora foi final de ano assim.
P/1 – Tinha mais alguma outra organização?
R – Não. Só os feirantes mesmo. Só nós, os feirantes mesmo, a gente começou a batalhar, porque a gente queria o espaço pra trabalhar.
P/1 – E tem alguma organização de vocês, além dessa briga por esse espaço, tem alguma organização?
R – Tem as outras associações também que brigam por espaço pra trabalhar. Porque assim, em Joinville hoje são nove associações.
P/1 – De artesãos?
R – De artesãos. Mas só uma tem uma praça pra trabalhar. As outras oito não têm praça pra trabalhar.
P/1 – E qual é a que tem?
R – É a Jaide. Essa já são 30 anos de associação.
P/1 – E vocês estão associados a esse grupo?
R – Não. Eu hoje trabalho independente.
P/1 – Vale a pena se associar, Maria, em sua opinião?
R – Em minha opinião, não. Porque eu acho assim, o artesão que é artesão, ele não pode dar a semana inteira numa praça trabalhando. Porque, assim, eu vou ficar a semana inteira lá na praça vendendo, eu vou produzir como? Pra mim não é artesão. Não sei se eu tou errada, mas, pô, eu entro, vou sete horas armar a minha barraca lá, saio cinco e meia da tarde. Eu vou produzir como? Então eu acho, assim, que o artesão que é artesão, ele tem que ter o espaço pra comercializar, mas também tem o tempo de produzir.
P/1 – Em uma associação por que não poderia ser assim?
R – Como assim?
P/2 – Do jeito que você tá falando.
R – É até eu tava numa associação, mas aí assim, eles deram muita prioridade pra estar dentro do Big aqui em Joinville. E, assim, tu tem que estar dando o plantão e é muito alto o espaço. Também não compensa você tirar dinheiro do seu bolso pra estar lá dentro trabalhando.
P/1 – Por que paga?
R – Paga. Nós estávamos pagando acho que era 220 por cada artesão estar lá dentro.
P/1 – Por mês?
R – Por mês. Mas tem mês que você não tira isso. Então não compensa, eu disse para o meu marido. Eu disse pra ele: “Então mais vale nós sairmos”. Porque aí quando começou a Rua do Príncipe, a gente está vendendo super bem. As duas edições que a gente teve, todo mundo se surpreendeu. Aí a presidente chegou pra nós e falou assim que nós teríamos que pagar 10% pra associação, mas ali é livre, não tem associação. Eu vou se eu quero; se eu não quiser ir, eu não vou. Eu disse: “Eu não acho justo eu ir levar todo o meu produto, eu estar lá vendendo e ter que pagar 10%”. Eu falei: “Não”. Então nós ficamos só com a feira de final de... O domingo uma vez por mês ou fizemos duas durante o sábado e deu, porque a gente vende super bem lá. Então eu não tenho muito tempo de repor tudo que eu vendo lá. Tipo assim, o que eu vendi o mês passado, eu não consegui repor tudo. Porque que nem eu disse para o meu marido, eu tenho encomenda de mesa, eu não vou deixar de fazer uma peça pra ganhar 20 reais se eu posso ganhar cem na mesa. Então eu prefiro as mesas do que uma peça pequena, né?
P/1 – Você prefere fazer as feiras mais espaçadas?
R – É. Mais espaçadas, porque pra mim é melhor.
P/1 – Maria, sobre a organização só mais uma coisa. A organização poderia ser para outros fins? Você vê alguma coisa assim? Por exemplo, vocês fizeram uma briga pra conseguir esse espaço.
R – Sim.
P/1 – Então tem alguma conversa sobre isso?
R – Não. Aí é assim, porque o pessoal da Fundação Cultural falou assim: “Ah, quem libera o espaço não é a gente, é o prefeito”. A gente sempre falava pra elas: “Vocês têm que dar preferência para o artesanato, porque o artesanato se tu vem...” – igual a gente falava pra ela – “se vem alguém de fora, não vai comprar roupa. É um artesanato, a gente tem que ter mais espaço”. Foi onde que ele abriu a Rua do Príncipe pra gente trabalhar. E a gente quer conquistas maiores. Tipo assim, igual eles falaram que os dependentes não podem ir ao Mãos a Terra. Mas como quem ganha o espaço é Fundação Cultural, então assim, nós queremos estar lá dentro também iguais aos outros. E essa é a nossa briga, pra cada vez ter melhores lugares. A gente briga muito também é, tipo assim, Barra Velha, São Francisco, quando tem feira grande, eles ganham espaço de graça aqui. E nós não conseguimos entrar em feira lá dentro, tipo Barra Velha, São Francisco. Eles não abrem espaço pra gente de fora entrar lá dentro. Então essa é a nossa briga, por que aqui em Joinville tem que dar um espaço para o pessoal de fora e não o pessoal de fora dar pra gente? Acho que tem que ser o justo com o justo. E é isso que a gente vem batalhando.
P/1 – Maria, você pretende continuar nesse trabalho ou você tem ideia de fazer outra coisa?
R – Não, com certeza. O dia que eu parar de trabalhar, dizer assim: “Não. Eu não quero mais trabalhar” não fora, mas o meu trabalho é aqui. Eu acho que a minha vida está aqui dentro.
P/1 – E um sonho? Você tem um sonho?
R – Meu sonho, eu quero construir outra parte ali, eu quero comprar uma máquina a laser pra mim.
P/1 – Laser pra?
R – Uma máquina a laser pra fazer esses vazados. Pra cortar até o kit, que ela economiza bem mais material. E o meu sonho é crescer cada vez mais, talvez um dia ter uma empresa com três, quatro empregados. Empresa tem, mas talvez com três, quatro funcionários me ajudando.
P/1 – E quando tem uma máquina a laser, artesanato continua sendo artesanato?
R – Tipo assim, tipo vazado, sim. Porque não tem como você fazer o vazado na mão, entendeu? Conta a pintura, o restante conta como artesanato. Porque, tipo as luminárias ali são cortadas num torno CNC, tanto faz tem o torno CNC, como a laser, mas a pintura, o que você agrega em cima é um artesanato.
P/1 – Sim. A criação, o modelo.
R – A criação é o artesanato.
P/1 – Então, a gente está terminando, você quer falar alguma coisa? Quer registrar mais alguma coisa que a gente não conversou?
R – Eu queria agradecer muito ao Consulado da Mulher por ter dado essa oportunidade pra gente, porque queira ou não queira, agrega valor e muita gente vai conhecer a história da gente. Eu acho que isso é uma gratificação muito importante na vida de uma artesã, não só minha como de outros também. Porque muita gente não conhece o trabalho da gente. E eu acho que uma divulgação, assim, acho que leva a dar inspiração a outras mulheres que às vezes estão em casa e não fazem nada. Através do ler ou uma reportagem: “Ah, mas a mulher cresceu trabalhando assim, quem sabe?”. Tira do estar em casa, às vezes pega uma depressão, muitas ficam doentes, não sabem o porquê, porque não têm o que fazer. É igual eu sempre falo pras meninas, desses dez anos que eu trabalho aqui na Ecos da Esperança, a única que levou a sério o trabalho fui eu. A única que conseguiu dali ter alguma coisa fui eu. Eu digo assim: “Vocês têm tudo na mão. Tudo de graça e não sabem dar valor ao que têm. Não é difícil, é só ter vontade e coragem, porque o resto vocês têm na mão”. Então eu queria também agradecer muito ao Consulado da Mulher, a vocês, por essa oportunidade, pra mim, como pra dona Izilda, como para outras mulheres. E que é muito gratificante o trabalho de vocês também.
P/1 – Obrigada. E a sua mão tá ágil de novo, né?
R – De nada. Tá. Tá ágil de novo. Tá pronta pra batalha de novo.
P/1 – Parabéns, viu, Maria?
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada pela tua história.
R – Obrigada.
P/1 – Parabéns mesmo.
FINAL DA ENTREVISTARecolher