Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128976 Whirlpool
Depoimento de Daniele Aparecida Serrão
Entrevistada por Marcia Trezza e Eliete Pereira
Manaus, 27/04/2014
WHLP_HV022_Daniele Aparecida Serrão
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Daniele, nós vamos começar...Continuar leitura
Plano Anual de Atividades 2013 – Pronac 128976 Whirlpool
Depoimento de Daniele Aparecida Serrão
Entrevistada por Marcia Trezza e Eliete Pereira
Manaus, 27/04/2014
WHLP_HV022_Daniele Aparecida Serrão
Realização Museu da Pessoa
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Daniele, nós vamos começar a entrevista, fala o seu nome completo.
R – Daniele Aparecida Serrão.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Eu nasci em Manaus, na capital.
P/1 – Quando? Qual a data?
R – Eu nasci dia 14 de fevereiro de 1976.
P/1 – Qual o nome dos seus pais, Daniele?
R – O meu pai, eu não sei o nome dele. Eu não fui reconhecida por ele. A minha mãe é Raimunda Serrão.
P/1 – E ela trabalhava?
R – Trabalhava. Trabalhava na área industriária.
P/1 – Que tipo de indústria?
R – Ela trabalhava no distrito, em uma fábrica de bicicletas, Caloi.
P/1 – Que lembrança você tem dela, Daniele?
R – Da minha mãe?
P/1 – Quando você era criança, depois mais tarde.
R – Olha, eu tenho pouca lembrança da minha mãe, porque eu não fui criada por ela mesma. Fui criada pelos meus tios e avós, lá no interior. Eu só nasci em Manaus e fui pra Itapiranga, interior, município de Manaus.
P/1 – Com quem você foi pra lá, quem te levou?
R – Ela mesma, ela me levou e me deixou lá. E retornou pra Manaus.
P/1 – Ela deixou você na casa de quem?
R – Ela me deu pra uma família, uma família me criar. E essa família já me passou pra outra família, ai meu tio, que foram os meus tios que me criaram, fez ela ir me buscar na casa dessa família… É uma longa história.
P/1 – Mas é isso que a gente quer ouvir.
R – Aí parece que houve uma confusão familiar, né, parece que o meu tio forçou ela a ir me buscar. Ela foi, mas já não me encontrou nessa família, na qual ela tinha me entregado, já tava com outra pessoa. Aí quando foram me buscar, parece que eu tava doentinha, aí o meu tio me resgatou e me criou até os 13 anos.
P/1 – Esse tio é irmão da sua mãe?
R – É irmão dela.
P/1 – E você, então, você falou dos seus avós também, moravam com seus avós?
R – É, minha avó, morava um pouco com a vó e um pouco com esse tio. Ficava assim, entre cá e lá (risos).
P/1 – Você, então, que lembranças tem da sua infância com os seus tios?
R – A minha infância foi bem sofrida. Eu tenho lembranças muito boas e ruins, né, boa que a gente brincava, tinha liberdade pra brincar na rua, mas eu não tinha pai e não tinha mãe. Eu sentia falta.
P/1 – Tinha primos nessa casa?
R – Tinha.
P/1 – E como é que era com os primos?
R – Era bom, era bacana.
P/1 – Vocês conviviam bastante?
R – Convivia (pausa/choro). Complicado, porque você convive com os primos, com os irmãos, mas não é como você ter pai e mãe. Nas festas, dia das crianças, eu via os filhos dos meus vizinhos, meus coleguinhas ganhar presente, e eu não. Eu via eles comendo coisas boas, pudim, bolo e eu não tinha isso. Eu sentia falta, eu achava que se tivesse com ela seria bem melhor, né?
P/1 – Daniele, como era a rotina de vocês? Sua, nessa casa, o seu dia a dia?
R – A rotina? Quando eu acordava, tomava banho, ia pra escola e quando voltava, ia ajudar nos afazeres de casa: lavar a louça, ajudar a dobrar uma roupa, essas coisas que eles colocam meninas pra fazer. Era assim.
P/1 – E com o seu tio e com sua tia, você tinha uma relação bacana?
R – Tinha, tinha. Eu digo que tudo o que eu sou hoje, tudo o que eu aprendi, eu devo a essa tia que me educou, que me ensinou a me comportar, que me disse que eu tinha que estudar, né, e que ela me formou, me ensinou a ser uma cidadã honesta, ser boa com as pessoas. Eu devo isso a ela. Ela já morreu.
P/1 – Como ela chamava?
R – Maria Garcia.
P/1 – E seu tio, qual o nome dele?
R – Azamor, Azamor Serrão.
P/1 – E como era o seu tio, você tem lembranças dele?
R – Tenho. Ele era bem bravo, muito bravo. A gente tinha uma rotina em casa que se não cumprisse, ele chamava atenção. Ele tinha uma voz, assim, que eu tremia quando ele falava. Como ele lidava com gado, ele era um homem bravo, eu morria de medo, né? Então se houvesse, assim, uma reclamação da minha tia sobre nós pra ele, ele ia pra cima mesmo, chamava atenção e ameaçava de peia. Então a gente procurava não contrariar.
P/1 – E você fez alguma arte alguma vez, alguma travessura?
R – Não, não. Eu sempre fui, assim, eu fui obediente. Eu procurava entender que eu não tinha pai e mãe, então, eu tinha que aprender o máximo, pegar pra mim, o máximo possível daqueles que tavam me dando, né, o pouco que eles tinham pra me oferecer.
P/1 – Daniele, você foi pra casa dos seus tios com que idade?
R – Com oito anos.
P/1 – Com oito anos? E você tava dizendo, agora pouco, que a gente não tava gravando, como que você lidou com essa situação, ao longo da vida. Você quer falar?
R – Sim. Na época, quando a gente é criança, a gente vê os coleguinhas ganhando presente e eu não ganhava esses presentes, né, então, eu sofria com isso. Mas assim, quando a gente é criança, a gente sofre por um momento e de repente, você esquece, você brinca, você vai pra um lado, vai pro outro e você esquece. Você sofre naquele momento, com aquela emoção, com aquele clima de Natal, dia das crianças, Dia das Mães. Então, assim, eu sofria naquele momento, depois, passava.
P/1 – Mas ai, você disse que assim, como que você foi lidando com isso e hoje, né, você tava contando…
R – É, pra mim, eu acho que eu lidei muito bem com isso, porque a minha tia que me criou, ela me ensinou muita coisa. Então, hoje, eu já procuro ver que foi até bom passar por tudo isso, agora, eu acredito que eu faço a diferença. Eu sou uma das pessoas na sociedade que faz a diferença. Acho que a minha história, ela até serve pra muitos que vivem apegados a esse sofrimento a se desapegar e perdoar, porque a minha mãe biológica nunca me falou exatamente porquê que ela não quis me criar e criou os meus irmãos. Ela nunca me falou.
P/1 – Quantos irmãos você tem?
R – Comigo, quatro. Eu tenho mais três irmãos.
P/1 – Homens, todos?
R – Não, só tenho um irmão homem.
P/1 – E quantos primos conviviam com você?
R – Quatro também.
P/1 – Além de você?
R – Além de mim.
P/1 – Homens e mulheres?
R – É, homens e mulheres.
P/1 – E você foi pra escola?
R – Fui pra escola. Eu estudei até a metade do fundamental lá no interior, vim pra Manaus com 13 anos, já pra viver com essa mãe biológica.
P/1 – Na escola ainda do interior, que lembrança você tem dessa escola, Daniele?
R – Ai, era muito bacana. Eu gostava do horário da merenda, pra mim, era o melhor horário (risos). Era o melhor horário, porque como a família era muito humilde, né, a gente não tinha assim, muito com o que se alimentar. Então, pra mim, quando chegava o horário da merenda era o melhor, eu ia pra escola pra comer (risos), pra comer mesmo.
P/1 – Tinha uma coisa especial que você gostava muito?
R – Eu lembro que na época que eu morava lá que eu estudava, eu gostava de estudar Matemática, e acho que até foi isso que me levou a fazer esse curso de Engenharia.
P/1 – Bom, ai você passou até essa idade lá, e depois, veio, como foi essa mudança? Por quê que você mudou?
R – Ela foi até o interior buscar os filhos pra criar, pra ficar com ela e ela me trouxe.
P/1 – Sua mãe biológica?
R – Minha mãe biológica. Ela me trouxe pra Manaus.
P/1 – E como foi essa vinda pra Manaus?
R – Eu lembro que a gente veio todos de barco. Todo mundo de barco.
P/1 – Você já tinha andado num barco parecido?
R – Já, já tinha. Parecido não! Já tinha andado de barco, mas o barco que ela nos trouxe, eu nunca tinha andado. Um barco muito grande, pra mim, era tudo muita novidade. Cidade grande, muito carro.
P/1 – E como foi quando você chegou em Manaus? Você lembra?
R – Eu lembro, sentia muita falta, falta de lá. Falta de lá, das minhas coleguinhas que eu deixei lá, da minha avó, da minha tia que me criou.
P/1 – Você morava perto de rio, lá?
R – Morava bem em frente ao rio.
P/1 – E como era? O quê que vocês faziam nesse rio?
R – Eu não me aproximava do rio, porque eu tinha pavor, eu não sabia nadar. Não sei nadar até hoje, então, ela não deixava eu ir, né? Eu não ia, eu obedecia muito, porque ela sempre falava: “Quem não sabe nadar, corre o risco de morrer afogado, portanto, não vá. Se lhe convidarem, você não vá”. E eu não ia mesmo, eu sempre tive muito medo das coisas, assim.
P/1 – E você sentia falta das pessoas e do lugar, alguma falta?
R – E do lugar, que a gente brincava, né, e as colegas …
P/1 – Que brincadeiras vocês faziam?
R – Bom, a gente brincava de tudo: brincava de corda, de pular elástico, de se esconder, ia pra casa das minhas coleguinhas, brincava de fazer comidinha, essas brincadeiras de criança.
P/1 – E aí, você vindo para Manaus, você já tinha 13?
R – Treze anos.
P/1 – Você continuou estudando em Manaus?
R – Eu continuei estudando e já fui mesmo trabalhar. Em Manaus, quando eu vim pra cá, tinha um órgão em Manaus chamado IEBEM, onde eles pegavam as crianças, e eles colocavam, era tipo um programa infantil, eles pegavam essas crianças e arrumavam um trabalho dentro do distrito, que é a área industrial de Manaus e eu fui trabalhar numa dessas empresas, com 13 anos. Trabalhava durante o dia, horário comercial e à noite, ia pra escola.
P/1 – Que trabalho era?
R – Eu trabalhava com relógio, na área de montagem.
P/1 – Como chamava a empresa?
R – Orient.
P/1 – Fábrica de relógio, né?
R – Fábrica de relógio.
P/1 – E você assim, seu primeiro dia de trabalho, você lembra, nessa fábrica?
R – Vagamente. Eu me sentia muito presa, porque é o que a gente é no distrito, na verdade, é uma grande prisão, você passa o dia todinho preso dentro de uma empresa, ali você tem horário pra tudo, pra ir ao banheiro, pra sair, pra comer. Então, eu me sentia presa, né? Eu era uma criança, 13 anos, então eu me sentia muito presa.
P/1 – O que é o distrito?
R – O distrito é onde ficam as fábricas, é a Zona Franca de Manaus, onde ficam as empresas de que são montadas televisão, relógio, moto, celular, toda a área eletrônica.
P/1 – Daniele, era perto da sua casa?
R – Não.
P/1 – Como é que você ia pra lá?
R – De rota. As empresas, elas disponibilizam rota para os funcionários.
P/1 – E tinham outras mulheres ou meninas que trabalhavam?
R – Tinham. Tinham várias menores de idade. Era sempre grupos de meninas que iam pra trabalhar.
P/1 – E tinha algum momento bom nessa empresa? Nesse trabalho?
R – Tinha, tinha. Eu passei a gostar, porque eu sempre fui bem pequenininha e as pessoas me adotavam como filha, né? Tinha uma senhora e tinham várias pessoas que elas gostavam de mim como filha. E dentro das empresas tem o grêmio. O grêmio, onde eles selecionam as moças dentro da empresa pra representar esse grêmio, desfilando e eu fui uma dessas. Então eu passei a viajar muito com eles, desfilando e representando a fábrica.
P/1 – Vocês desfilavam?
R – Eu desfilava representando o grêmio da empresa…
P/1 – Mas que tipo de desfile?
R – Desfile de moda, de biquíni, de roupa, assim, com a roupa da empresa.
P/2 – Era um desfile de beleza, então?
R – De beleza, é.
P/1 – E você mostrava o quê da empresa, os relógios?
R – Sim, todos os desfiles que eu ia, eu ia sempre com relógio da empresa, ou com a farda da empresa.
P/1 – Pra que lugares você viajou?
R – Sempre em torno de Manaus, Novo Airão, ficava mais assim, no interior e na própria capital. Não ia pra fora do estado, não.
P/1 – Ai, esse momento era bom?
R – É (risos), era bom.
P/1 – Quanto tempo você ficou nessa fábrica, Daniele?
R – Acho que uns três anos, mais ou menos, aí eu fui pra outra fábrica.
P/1 – E você nesse período, entre 13 e 16, você tinha alguma diversão?
R – A minha diversão era essa, quando eu saía pra desfilar, porque eu me sentia importante naquele âmbito ali, eu tava representando uma empresa, eu que vim lá do interior, né, e sempre pensava assim. Eu me sentia importante e me divertia com isso. Eu ganhava presente. Quando o grêmio ganhava, eu desfilando, representando, que eu ganhava, eu ganhava presente.
P/1 – Esse grêmio era como?
R – É o grêmio recreativo. É a área de lazer da empresa, onde eles formam o time de futebol, a qual eles escolhem uma rainha e essa rainha é quem representa eles foram da empresa.
P/1 – E você era a rainha?
R – Eu era a rainha do grêmio (risos).
P/1 – Esse grêmio tinha um nome diferente, ou era o nome da empresa?
R – Era o nome da empresa.
P/1 – Você tem fotos?
R – Eu tenho. Acho que eu tenho uma foto (risos) desfilando.
P/1 – Nossa, e o desfile era onde? Acontecia onde esses desfiles?
R – Era nos clubes em Manaus. Eu tenho uma foto também numa praia que eu desfilei, numa praia de Novo Airão.
P/1 – Aí várias empresas iam pra essa praia, por exemplo?
R – Várias empresas, isso. Várias empresas. Iam várias moças.
P/1 – Então, da sua fábrica era você?
R – Era eu. Era!
P/1 – Por quanto tempo, assim, cada rainha ficava?
R – De ano em ano mudava.
P/1 – E você depois com os 16, foi pra onde?
R – Dezesseis, eu fui pra uma outra fábrica de relógio, Technos, Technos da Amazônia. Lá eu permaneci, acho que um ano e meio.
P/1 – E teve alguma diferença de uma pra outra?
R – Teve de pessoas só, amizade, que muda, né? Mas o meio de trabalho lá era o mesmo, porque é relógio, né? Só mudei de setor: na Orient, eu trabalhava montando pulseiras de relógio e na Technos, eu já fui pra pesquisar, pra achar o defeito, tipo um processo de qualidade, pra que ele saia da fábrica e vá pra loja sem nenhum defeito. Já fui pra um setor mais…
P/2 – Por que você saiu da Orient, da fábrica?
R – Porque tem um tempo pra ficar. O menor fica um tempo, aí ele sai, vai pra outra empresa.
P/1 – Nessa outra empresa ainda era o mesmo tipo de vínculo?
R – Era. Era o mesmo vínculo, desse tipo como eu falei, era um órgão que colocava a gente pra trabalhar, né? Era o mesmo.
P/1 – Daniele, você consegue falar um pouco dessa linha de produção? Como que você se sentia nessa linha de produção e depois? Você só via mais a parte da qualidade, né? Como que você se sentia numa linha de produção, você consegue lembrar?
R – Olha, dentro do distrito, cada uma tem a sua função, a sua responsabilidade. Então a gente trabalha várias pessoas próximas a uma esteira. O relógio, ele vai passando na esteira, e você vai pegando e você tem que ser muito rápida: montou, já vai passando para a colega fazer outro processo. Então, cada um tem a sua importância, se eu faltar, a minha falta ali vai vai fazer diferença, porque eles vão ter que achar uma outra pessoa com a mesma capacidade e a mesma agilidade que eu. Às vezes isso traz problemas pra quem tá ali na frente da linha, responsável pela produção, que às vezes, não chega naquela soma de produção no final do dia. Que nós temos que dar tantas produções no final do dia, por falta daquela pessoa que faltou, entendeu? Porque a minha agilidade pode não ser a sua, então isso já faz diferença dentro de uma linha de produção.
P/1 – E ao final do dia, você fazia todo dia o mesmo movimento?
R – Todo dia, a mesma rotina, todo dia. Já na outra, na Technos, eu tinha uma quantidade de relógio pra pesquisar, pra achar o defeito.
P/1 – Individualmente, você fazia?
R – Individualmente. Ficava cada uma numa mesa, já era numa sala fechada, que já vão pra essas salas as pessoas que já têm um conhecimento melhor com o material que tá trabalhando, no meu caso, era o relógio.
P/1 – Você gostou de fazer esse trabalho?
R – Gostava. Eu achava muito interessante. Gostava mesmo, gostava. Acho que eu trabalhei o tempo no distrito o tempo que eu gostei. Depois, eu compreendi que não era bom mais pra mim continuar, que eu tinha que sair para me dedicar aos meus estudos.
P/1 – Você disse que trabalhou até ser bom pra você. Aí começou a não ser bom em que sentido?
R – Como eu falei, o distrito tira toda a sua liberdade, porque muitas vezes a gente tem que trabalhar final de semana. Você fica muito cansada pra estudar, você já começa a ter aquele… Dá vontade de desistir: “Ai, vou desistir, porque não aguento trabalhar e estudar, trabalhar e estudar”. Aí deu, não queria mais.
P/1 – Você morava ainda com a sua mãe?
R – Até os 16, sim.
P/1 – E você continuou estudando direto, você não parou assim?
R – Não, eu parei. Eu desisti.
P/1 – Conta um pouco como foi, pode ir contando, mesmo que eu não pergunte.
R – Eu desisti, porque eu casei. Com 17 anos, eu tive a minha primeira filha. Eu me casei. Nesse casamento, o meu marido não deixava eu estudar, eu consegui encontrar um homem que ele achava que a mulher era propriedade dele. Eu não tinha direito a estudar, só de tomar conta da casa e da filha, né? E passei muito tempo vivendo assim. E pra eu conseguir a minha liberdade de volta, eu tive que voltar para o distrito, trabalhar novamente no distrito. Me separei e voltei.
P/1 – A menina, sua filha, era filha dele?
R – Sim. Nesse casamento, eu tive dois filhos.
P/1 – Ela e mais um menino?
R – Mais um menino.
P/1 – Daniele, você conheceu o seu marido, esse que você acabou de contar, como?
R – Então, eu já tinha saído da Technos, e fui trabalhar na prefeitura, como secretária em uma secretaria da prefeitura. Fui trabalhar como secretária dessa pessoa que passou a ser o meu marido, que depois foi ser meu marido.
P/1 – E perguntando até como que acaba acontecendo, né, de você, de uma empresa, de uma fábrica, conseguir trabalhar na prefeitura, teve algum concurso?
R – Não, não. Aqui em Manaus funciona, assim, a gente é muito pelo conhecido, então, quem conhece: “Consegue pra mim”, foi assim que aconteceu. A minha mãe achou que era melhor que eu fosse trabalhar na prefeitura, aí ela conseguiu pra que eu fosse, conseguiu um trabalho e eu fui, como sempre, muito obediente.
P/1 – A sua mãe que conhecia?
R – É, a mamãe que conhecia.
P/1 – Aí conheceu seu marido?
R – Foi. Conheci meu marido. Ela conheceu, justamente, o homem que foi ser o meu marido. Ele conseguiu o trabalho e futuramente foi ser meu marido.
P/1 – E você teve as crianças?
R – Então, tive dois filhos com ele, e depois não deu mais certo e a gente acabou se separando.
P/1 – Ai, você tava contando que voltou a trabalhar no distrito…
R – Voltei a trabalhar no distrito.
P/1 – E essa volta, como é que foi?
R – Também voltei, porque como eu já conhecia pessoa lá, eu precisava… Eu conversava com uma irmã mais velha e dizia que eu não tinha condições mais de continuar casada, né? E ela disse: “Então, vamos falar com fulano de tal”, que era conhecido nosso, aí ela falou e ele pediu pra que eu fosse fazer o teste e eu fui, fiz o teste. Como já tinha todo o conhecimento de operária, passei nos testes e eu acabei ficando. Mas já não foi mais no meio do relógio, foi pra uma outra empresa de injeção plástica. Mas estava envolvida com relógio, porque nessa fábrica de injeção plástica, eu trabalhava em máquinas que faziam o estojo do relógio, onde o relógio vai guardado pra loja.
P/1 – E o quê que você fazia nesse processo? Qual era o teu trabalho específico?
R – As empresas de injeção plástica, elas funcionam assim: vai o material, que é a matéria-prima e sai o estojo. Aí quando a máquina abre o molde, que cai a peça, você vai tirar os pequenos defeitos, que são as rebarbas e procurar se ela tá perfeita, limpar, polir, encaixotar e mandar para outro setor.
P/1 – E daí, você ficou bastante tempo nessa fábrica?
R – Fiquei eu acho que uns dois anos, mais ou menos.
P/1 – E as crianças? Como que você fazia?
R – A minha filha mais velha cuidava do mais novo. Eles ficavam só.
P/1 – Que idade ela tinha, Daniele?
R – Ela tinha oito e ele era mais novo que ela três anos, de três a quatro anos, eu acho.
P/1 – Ele tinha cinco?
R – Ela cuidava dele. Mas eu já deixava, assim, tudo meio que encaminhado pra ela. Eles comiam muito aquelas comidinhas de caixa, só frita, esquenta, e era assim que a gente levou até onde Deus quis (risos).
P/1 – Oito anos, ela tinha e ele cinco? E você trabalhava o dia todo?
R – Trabalhava o horário comercial.
P/1 – Como ela chama, sua filha?
R – Natacha.
P/1 – E seu filho?
R – Carlos.
P/1 – E você, nessa época ainda não estudava?
R – Então, eu voltei a estudar novamente, fui fazer o supletivo, porque como eu perdi muito tempo, eu também não tinha mais esse pique todo pra começar tudo de novo. Aí fui fazer o supletivo, desisti de novo, porque não dava pra conciliar, não dava mesmo. Era filho, trabalho e estudo, já não dava mesmo, desisti de novo.
P/1 – E daí? Pode continuar, o que aconteceu?
R – Aí eu conheci o segundo marido (risos), a segunda pessoa dentro dessa fábrica, né, que é essa pessoa que tá aí. Ele ia fazer manutenção dessas maquinas, então eu conheci ele. A gente começou uma amizade primeiro, aí foi que ele conheceu a minha história, falei que eu era mãe de duas crianças já, ai, começou uma amizade, que depois, começou um namoro e que terminou em casamento. A gente vive junto até hoje.
P/1 – E você, Daniele, nessa vida de trabalhar, a sua filha ficar cuidando do seu filho, você ficou muito tempo nessa rotina?
R – Fiquei muito tempo.
P/1 – Quantos anos, mais ou menos?
R – Eu não tenho ideia de quantos anos. Deixa eu me achar: Eu saí da prefeitura, fui trabalhar, conheci o João, já vim trabalhar numa outra empresa também na área de injeção plástica; aí já saí dessa empresa, já fui pra Springer, pra área totalmente diferente, já fui pra área de acabamento de ar condicionado. Quando eu saí da Springer, eu já não trabalhei mais, já fiquei só em casa. Aí ela não tomava conta mais do irmão, já passou a tomar conta da outra irmãzinha (risos).
P/1 – Ai, você já tava casada?
R – Aí eu já tava casada novamente.
P/1 – Tem outra irmãzinha, como que chama?
R – Tem. Maria Rita.
P/1 – Tudo isso em Manaus?
R – Tudo isso em Manaus
P/1 – Como é que você veio parar aqui, morar nesse lugar?
R – Pois é, ele já conhecia.
P/1 – Como ele chama?
R – O João Carlos, ele já era daqui. Ele conhecia toda essa área, que o pai dele já tinha terreno aqui, no lugar. Agora eu, não. Eu nunca tinha vindo, não tinha conhecimento nenhum desse trabalho que ele desenvolve, trabalho social. E eu não gostava muito, como eu falei lá, não gostava, eu não admirava, porque eu achava assim, você se doa muito e no leva nada em troca.
P/1 – Ele morando lá, ele vinha sempre pra cá, nesse trabalho?
R – Vinha. Vinha também, porque o pai morava aqui, no sítio.
P/1 – Você não vinha junto?
R – Não, eu não vinha. Quando eu passei a vir, foi quando ele se envolveu muito com a cooperativa, aí eu passei a vir.
P/1 – Conta um pouco assim, desse trabalho dele, inicial.
R – Ele sempre gostou muito da área rural, já diferente de mim. Eu queria estar era na zona urbana, porque eu achava muito bonita, e ele vinha bastante. Com a inauguração dessa fábrica, tomou muito o tempo dele, tirava muito ele de dentro de casa, e eu não gostava. E toda vez que ele vinha era uma briga, quando ele voltava pra casa. E eu percebi, eu identifiquei esse problema, né?
P/1 – Fábrica do quê?
R – Aqui, Agrofrutas Tarumã, a cooperativa.
P/1 – É de polpas?
R – De polpas. Eu via muita dedicação dele com a fábrica e não com a família, né? Aí pensei: “Vou me juntar, senão vai ter que separar”, e passei a vim. E passei a fazer parte de todos os eventos da cooperativa. Então, quando tinha um evento na cooperativa, que ele precisava receber o pessoal da prefeitura, o pessoal de outros órgãos que vinham de fora, não tinha uma pessoa pra fazer a parte de coffe-break, de receber, de oferecer, aí eu: “Bom, eu vou fazer isso”, e comecei a fazer, foi assim que começou o sorvete.
P/1 – Você que preparava as coisas pro café?
R – Pra receber as pessoas de fora. Eu fazia essa contrapartida, entendeu, com ele. Aí eu passei a gostar. Com isso, eu fui percebendo que na cooperativa tinha muitos homens. Tinha muitos homens. “E as esposas?”, eu ficava perguntando. Ficam ansiosas dentro de casa, e eu sei que a gente, esposa, muitas vezes, quando não trabalha, tudo tem que pedir do marido: pra comprar um absorvente, pra comprar um batom, pra comprar hidratante, e eles nunca dão, assim, eles sempre querem saber: “Pra que tu quer? Em que tu vai gastar?”, e isso às vezes chateia a gente, mulher, né? Eu me colocava no lugar delas. Eu pensei: “Eu sei fazer esse sorvete, eu vou juntar essas mulheres, nós vamos ganhar dinheiro”, eu sempre trocava essa ideia com ele, ele dizia que não ia dar certo. E fiz! Juntei essas mulheres, convidei o Consulado.
P/1 – Você teve essa ideia de fazer sorvete, como? Porque você fazia outras coisas pro café.
R – Fazia, mas já fazia o sorvete.
P/1 – Mas como é que apareceu essa ideia?
R – O sorvete, quando tava em casa, assistia TV e via um programa da “Globo”.
P/1 – Qual é?
R – Da Ana Maria Braga. E tinha uma pessoa que ia lá para preparar o sorvete, e eu vi todo o processo como é que ele fazia, só que eu não queria fazer daquele jeito. Eu queria fazer com o que a gente tinha aqui e sem agregar aquelas coisas lá, que eu percebia que aquilo fazia mal. E tentei fazer isso em casa, só que a gente já sabia fazer aquele creme de cupuaçu, aquele mousse de cupuaçu, mas não era isso que eu queria. Eu queria sorvete natural! E fui fazendo, fui fazendo, até que deu certo. E quem foram as minhas cobaias foram meus filhos, ele, e depois o pessoal que vinha visitar a cooperativa. Eu percebia que todo mundo elogiava, né, elogiava o sorvete. Aí passei a pensar em formar um grupo de mulheres. E quando veio a antiga gerente do Consulado, ela veio fazer uma visita na cooperativa, encontrei essa moça casualmente, porque eu sempre tava acompanhando ele, ele veio falar com essa moça e eu encontrei ela e comentei com uma delas, que é a Gelizandra e Daila. Comentei com elas a ideia, e elas gostaram. E eu sempre passava lá nesse Consulado e ficava querendo saber: “Que Consulado é esse? O quê que eles fazem com as mulheres?”.
P/1 – Que época foi essa, Daniele?
R – Acredito que foi 2008. Eu não lembro exatamente a época que inaugurou a cooperativa, mas acho que foi por volta de 2008, por aí. Eu sempre passava lá e ficava curiosa pra saber, né, o quê que faziam com as mulheres, Consulado da Mulher, tudo passa na cabeça da gente. Aí, ela ficou: “Nos procura que a gente vai tentar, vamos ver o que a gente pode fazer”.
P/1 – Você já falou dessa ideia sua, do sorvete?
R – Já, já falei. Como que a gente vai juntar tantas mulheres num dia só? E juntamos no Dia das Mães, elas vieram com a contrapartida delas, trouxeram presente, a gente fez aqui. Juntou bastante mulheres, aí preencheram fichinha, tudinho e foi quando a gente formou o grupo de mulheres.
P/1 – Agora, você fez esse encontro de mulheres no Dia das Mães onde?
R – Foi na residência de uma antiga associada nossa. A gente reuniu tudo junto, na casa dela.
P/1 – Daniele, conta um pouco com um pouco mais de detalhes, como que acontece esse movimento de você chamar as mulheres, porque você não morava aqui.
R – Já morava, que eu passei essa parte.
P/1 – Porque como que as pessoas se aproximam, como é que você consegue chamar e atrair a vontade delas. Fala um pouco mais em detalhes, mesmo.
R – Através da cooperativa, eles faziam reunião e juntava bastante gente. Eu não morava realmente aqui ainda, mas a partir da minha ideia, a gente começou a conversar, eu e o marido, pra gente mudar pra cá, né? Porque pra gente ficava mais fácil morando aqui na localidade. Só assim eu ia conseguir identificar as necessidades de cada uma, se eu viesse pra localidade delas, morar. Aí a gente veio morar pra cá, a gente passou um ano pensando se era isso mesmo que a gente queria, se era isso mesmo que ia ser bom para os nossos filhos, porque depois de um mês se quisesse voltar, não ia dar pra voltar. E a gente veio morar aí. Mas já existia o grupo de mulheres.
P/1 – Vocês vieram morar onde?
R – No nosso sítio.
P/1 – Tinha já esse sítio?
R – Já. Já tinha esse sítio.
P/2 – E você já não trabalhava mais no seu emprego?
R – Não. Não trabalhava mais.
P/1 – E aí vocês resolveram mudar, mas já tinha o grupo de mulheres, isso que eu ia falar.
R – Já, já tinha.
P/1 – Esse grupo era o quê? De onde?
R – Era daqui mesmo: “As Mulheres de Fátima”.
P/1 – Sim, mas elas se agrupavam onde?
R – A gente se reunia na casa dessa, que era uma das associadas, que mora ali na frente. A gente se reunia na casa dela.
P/1 – Esse grupo era um grupo só de convivência, ou grupo de igreja?
R – Não. Era um grupo de mulheres, de esposas de cooperados, entendeu? Eu consegui chamar elas, porque eu conhecia os maridos. Através dele que fazia as reuniões, eu consegui conhecer as esposas e fiz esse convite pra uma, que vai passando pra outra, que vai passando pra outra, e foi se juntando.
P/2 – E como que foi a recepção dessas mulheres com essa tua ideia de fazer o sorvete, de produzir?
R – A princípio, pra elas, fica assim, meio que duvidoso: “Será que vai dar certo, será que vou ganhar dinheiro”, mas como é novidade, a pessoa vai até pra aventurar, mesmo, né? Quando perceberam que veio o Consulado, ‘bom, vai dar certo’, elas achavam até que era um curso, somente um curso. Ainda não tinha aquele entendimento de que a partir desse sorvete, elas iam ter uma renda, uma renda que ia ajudar em casa com seus maridos.
P/1 – E você fez esse encontro no Dia das Mães?
R – Foi, no Dia das Mães. Até pra atrair mais e pra alegrar, né, fizemos sorteio, todas ganharam presente. Acho que até hoje, elas ainda devem ter esses presentes que foram dados.
P/1 – E nesse dia que foi o Consulado?
R – O Consulado veio nesse dia.
P/1 – E como você disse, algumas ficaram em dúvida, outras toparam?
R – É. Quando o grupo se formou, eram 18 mulheres.
P/1 – Que toparam, que fizeram, como você falou, uma ficha?
R – É, preencheram uma fichinha com todos os dados pessoais e elas levavam pro Consulado, até pra fazer um documento da formação do grupo.
P/1 – Ainda não era uma cooperativa, nem uma associação?
R – A cooperativa já existia, mas a cooperativa era lá com os homens, com o João. O grupo de mulheres era aqui com a Daniele.
P/1 – Mas vocês, depois, constituíram um grupo de vocês, uma associação, ou uma cooperativa?
R – Associação de Mulheres, né, que anda junto, faz a mesma parceria com a cooperativa.
P/1 – E foi nesse dia que se constituiu a Associação, ou teve um processo?
R – Não. Foi depois de anos, depois quando se foi estudando pra ver realmente se dava pra fazer uma associação. Não tem um ano ainda que é uma associação.
P/1 – Entendi.
R – Como Associação tá belezinha.
P/1 – Essas mulheres toparam e depois, como foi?
R – Então, aí o Consulado entra com a parte educacional, né, pra ajudar a gente na pesagem de todos os agregados. Porque no olho, eu sei fazer tudinho, mas eu não sabia fazer tudo no peso: quanto vai disso, quanto vai daquilo. Eles vieram pra nos ensinar, e pra ajudar a gente a precificar o nosso produto, pra ele não sair nem caro e nem barato demais. Eles entraram com toda essa parte educacional nos ajudando.
P/1 – Eles vinham aqui?
R – Vinham aqui.
P/1 – E essa formação era pra todas essas mulheres?
R – Pra todas as mulheres.
P/1 – Quantas você falou que eram?
R – Eram 18, começou com 18.
P/1 – Conta um pouco do processo, até hoje, como é que vocês foram evoluindo, isso que a Eliete perguntou.
R – Olha, a gente começou a fazer o sorvete, começou a participar de eventos, de fórum, de feiras e ia vendendo bastante, e ia tirando, não era muito em dinheiro. Tem pessoas que vêm já pensando: “Eu quero ficar rica hoje, amanhã”, não dá certo. Aí, não conseguiu, já vai se afastando, porque isso é um processo mesmo, o empreendedorismo é isso, a sua insistência, sua persistência ali naquele negócio. E foi evoluindo, porque a gente não tinha uma identidade visual, agora a gente já tem uma logomarca. Tinha mulheres que não iam pra Manaus pra participar de feiras, hoje elas já conhecem Manaus. A Graça já foi até pro Rio de Janeiro! Isso tudo é consequência do trabalho, de todo esforço, da persistência, né? A gente, hoje, os Sabores do Tarumã é bem conhecido dentro dos órgãos, dentro das feiras, acho que vocês já ouviram falar da Expoagro em Manaus, que acontece, a gente sempre participou da Expoagro.
P/1 – Expoagro é promovida por quem?
R – Pelo Governo. É uma feira.
P/1 – Você falou da marca. Como foi, vocês fizeram sozinhas ou teve nesse momento a participação do Consulado?
R – A participação do Consulado era para trazer a pessoa para trabalhar em cima de toda a parte de design, mas o nome foi tudo interno, nós! Eles sempre deixaram a gente à vontade pra escolher o nome, as cores e o profissional, ele dizendo: “Olha, isso aqui não dá, essa cor aqui não vai dar certo, por isso, por isso”, ia nos explicando. Começou com o nome; o primeiro nome que eu dei foi “Sabores da Floresta”, mas as meninas do Consulado foram pesquisar e viram que já existia esse nome, que já tava patenteado, que já tava registrado, e a gente não podia usar. Aí vamos procurar outro nome, e agora? Fizemos reuniões e pega aqui, pega ali. Aí surgiu: “Sabores do Tarumã”, aí vem aquela outra coisa: “Alguém, um dia, vai perguntar pra vocês por quê que é Sabores do Tarumã”.
P/1 – E quem que deu essa ideia de Tarumã?
R – Sabores do Tarumã?
P/1 – Tarumã, porque era Sabores da Floresta, ai ficou Sabores do Tarumã.
R – Eu só fiz pensar, como a gente tá muito ligada a cooperativa, o grupo existiu através da cooperativa. Então se lá já é Agrofrutas Tarumã, vamos juntar só mais um nominho. Eu pensei: Sabores do Tarumã e ficou, e por sorte nossa, não tem outro nome (risos).
P/1 – E ai, falaram que vocês tinham que saber o que era.
R – Sim, porque alguém, um dia, ia perguntar, né? E a gente passou a… Elas mesmas, lá dentro, elas têm acesso a internet, procuraram saber. Elas trouxeram, e eu, logicamente, me aprofundei mais, junto com as meninas e eu vou sempre passando pra elas: “Alguém vai perguntar um dia e vocês têm que saber. Tem que saber a lição de casa”, tem que saber que Tarumã é uma árvore, que ela só é encontrada nas margens do Rio Tarumã e que o fruto dela é muito parecido com o açaí. Quando há contato com a água, ela explode. Alguém vai perguntar: “Mas isso aqui é uma cereja?”, não é uma cereja. Isso aqui é o fruto da árvore do Tarumã.
P/1 – Tarumã, que é um rio aqui da área?
R – É um rio, esse rio que a gente atravessou é o Rio Tarumã.
P/2 – Vocês produziram sorvete no sabor do tarumã?
R – Não, porque ela não é uma fruta comestível.
P/1 – Não é comestível?
R – Só quem come são os peixes (risos).
P/1 – Então, ai vocês começaram com 18 mulheres, algumas foram saindo e hoje, vocês são em quantas?
R – Em nove.
P/1 – Nove?
R – São nove mulheres, mas atuantes mesmo, só três, quatro comigo.
P/1 – E as outras? Você disse que são nove na Associação?
R – É, porque assim, como elas não conseguem tirar uma renda, muitas são mulheres sozinha com seus filhos, não têm marido. Outras tem marido, mas precisam trabalhar pra ajudar mesmo, que seja uma coisa fixa. Então elas conseguem trabalho, elas vão saindo. Elas vêm uma vez ou outra. Fixo só a Maria das Graças, a Rosa, a Sandra e eu.
P/1 – Daniele, essas que você disse que vêm de vez em quando, dentro dessas nove da Associação?
R – Isso.
P/1 – Elas têm alguma participação também na divisão de lucro?
R – De lucro?
P/1 – De lucro.
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Aqui rege o seguinte: eu ganho se eu vender, se eu participar. Se eu não vender, eu não ganho. Até pra não ser injusta com as outras. É muito fácil: eu não venho, não faço nada e ai, no final do mês, eu venho só receber? Isso não existe. Na minha concepção, não.
P/2 – E no caso, também trabalha na produção do sorvete?
R – Sim, na produção e na venda do produto.
P/1 – Todas vocês trabalham em todas as atividades, produção, venda, alguma outra coisa?
R – Sim, sim. Todas se envolvem muito, né? Elas estão mais aqui dentro, eu fico nesse vai pra lá e vem pra cá, porque eu estudo. Mas elas estão aqui, as mesmas que produzem são as mesmas que vendem.
P/1 – Certo. E Daniele, na hora da gestão dos recursos, das finanças, e outras coisas que precisam, como é que vocês fazem? Como é que vocês funcionam, essas quatro pessoas?
R – Elas ganham por hora, né? Três reais a hora delas. Elas combinam um horário, elas têm essa liberdade, fazem uma reunião, concordam, né, fica tudo direitinho. Então, elas vendem aqui e com o faturamento dessa venda, no final do mês, elas assinam ponto, tem o livro de ponto, elas fazem a contagem, que quem faz essa contagem é a Maria das Graças, ela é a tesoureira do grupo, faz essa contagem e paga para as três. Se Maria das Graças tem só oito horas trabalhadas, ela vai receber somente essas oito horas. Então, se tiver 500 reais em caixa, elas vão tirar o pagamento delas, funciona com um fundo de reserva, que é 20% pra tirar do fundo de reserva desses 500, e o que sobra é pra compra de produto.
P/1 – Você não entra nessa divisão? Eu não sei, se você não quiser responder, não precisa, porque como é uma empresa autogestionada.
R – Então, eu não tô muito participando da parte… O que serve pras outras tem que servir pra mim também, né? Eu sou presidente do grupo, da Associação. Então, eu não posso impor uma lei pras outras e pra mim fazer diferente. Não! O que é pra elas, é pra mim, também. Então, assim, como eu não tou muito participativa na produção e aqui, na venda direta, eu acho justo que eu não receba por isso, né? Agora, quando eu vou pras feira, elas mesmo consegue perceber que eu tenho direito, não sou eu que tio vendo, elas também percebem, aí sim, eu faço parte dessa lista de pagamento.
P/1 – Das horas, né?
R – Das horas.
P/1 – E Daniele, falando um pouco assim, a produção tá bem encaminhada ou tem coisas que tem que mudar? Na produção.
R – Olha, elas estão bem preparadas, elas todas fizeram curso, né, elas sabem bem os seus deveres. E sempre tem alguma coisinha para mudar, mas coisas, assim, pequenas.
P/1 – Assim, a infraestrutura, como é que vocês conseguiram os equipamentos, os instrumentos, o que for necessário para fazer?
R – Então, justamente por isso que eu busquei o apoio do Consulado, né, quando eu descobri o quê que era o Consulado da Mulher, aí eu disse: “É aqui mesmo que eu vou ancorar” (risos). Então, o Consulado, ele veio na hora certa, no momento certo, porque eles nos doaram freezer, a gente não tinha freezer e nem dinheiro para comprar. Eu tinha a ideia, mas e aí? Quem ia bancar a minha ideia, né? O Consulado entrou com o freezer, com os cursos, e a primeira produção do sorvete foi toda comprada pelo Consulado da Mulher.
P/1 – Pra quê? Para fazer o que com ele?
R – O sorvete.
P/1 – Não, mas assim, eles iam usar onde o sorvete?
R – A gente ia produzir o sorvete pra gente ter a remessa de produto pra gente vender, pra a partir daí, começar a guardar dinheiro pra que a gente pudesse já ir comprando, gerar dinheiro pra comprar.
P/2 – Pra investir?
R – Pra investir.
P/1 – Então, mas o Consulado comprou de vocês pra…?
R – Não.
P/1 – Oferecer pra quem assim?
R – Não, eles não compraram. Eles compraram apenas a matéria-prima para que a gente fizesse o sorvete.
P/1 – Ah, entendi. Pensei que era o próprio sorvete.
R – Não. Eles compraram a matéria-prima pra que a gente produzisse, tivesse produção pra vender. Foi isso. Eles nos doaram freezer, nos doaram material, os baldes, eles compraram da colher ao copinho. Tudo o que a gente precisava, eles fizeram uma lista do que a gente precisava e eles compraram.
P/1 – O carrinho também?
R – Não. O carrinho, não.
P/1 – Como é que foi o carrinho?
R – O carrinho é uma história (risos).
P/1 – Então conta.
R – A gente precisava de um carrinho pra vender o produto, porque na caixinha é complicado, não chama muita atenção, a mulher não fica muito bonitinha com a caixinha do lado, apesar de parecer uma bolsa, mas é uma bolsa bem feia. Aí quando eu fui na loja pra comprar o produto, eu vi esse carrinho e comecei a namorar esse carrinho. Vi o preço, “bom, não dá ainda pra mim”, e nem com o lucro daqui também não dava. Aí, eu: “Quer saber? Eu vou meter a cara e vou comprar esse carrinho”. Eu tinha o cartão: “Vou comprar esse carrinho”, então o carrinho foi eu, Daniele, que dei pra dentro do Sabores do Tarumã.
P/1 – E fez diferença?
R – Com certeza. Elas que p digam (risos).]! Fez diferença, porque o sorvete, ele consegue permanecer congelado ali por umas quatro horas dentro, se não ficar abrindo muito. Consegue ficar bacana ali dentro.
P/1 – E no isopor?
R – Na caixa, não. Eu já vejo assim também, esteticamente, como um pouco de falta de higiene, porque a caixa vai ficando feinha e não é legal. Também não dá pra levar muito, se levar muito, vai ficar pesado, aí a pessoa que vai vender vai ficar doente e funcionário doente não rende.
P/1 – Daniele, e pra divulgação do sorvete, tem algum esquema?
R – Divulgação do nosso sorvete mesmo é o boca-boca. Quem come, gosta e vai passando.
P/1 – E onde vocês venderam a primeira vez? Quais foram as pessoas que compraram? Foi por aqui, vocês foram pra algum jogo?
R – A primeira vez, eu acho que foi aqui mesmo. Foi aqui mesmo, numa dessas reuniões da cooperativa, eu acho. Foi aqui mesmo que a gente vendeu.
P/1 – Como é que foi essa primeira venda? Você lembra? Pra você, para as mulheres que tinham feito.
R – Pois é, né, não foi muito… Eu não sei nem explicar exatamente como foi, porque como eu já tinha oferecido bastante o sorvete, agora ele vem em forma de dinheiro, retorno dele já foi fazendo a diferença. Porque no meu ponto de vista, eu já achava assim: “Poxa, vai vender, pessoal gostaram, então, vai dar dinheiro”, né? E eu já penso assim, eu achava que logo, logo, também a gente ia começar a fazer um salário bem alto pra cada uma. Só que também, eu fui pensando: “Isso é gradativo, isso não vai ser assim, rápido, como uma avalanche. Isso vai ser gradativamente’. Ai, você vê o dinheiro entrando e você comprando já a matéria-prima pra você fazer a sua própria produção é bem gratificante.
P/1 – Vocês têm um CNPJ?
R – Temos. Temos o CNPJ.
P/1 – Que veio com a Associação?
R – Que veio com a Associação.
P/1 – Antes de ter o CNPJ, como é que funcionava?
R – Antes de ter o CNPJ, a gente era apenas um grupo de mulheres.
P/1 – E podia vender?
R – Poder, poder, poder, não pode, porque tem a Vigilância Sanitária em cima, né? Mas a gente vendia aqui mesmo, na localidade. Fazia tudinho direitinho, com toda higiene, com toda técnica que a gente aprendeu, né, do curso e vendia.
P/1 – Daniele, sobre a produção, você disse que já respondeu pra gente. E tem alguma coisa em relação à distribuição do sorvete, à venda?
R – Tem. Assim, eu acho que se a gente tivesse um meio ou uma forma de distribuir esse sorvete pra Manaus, para ter um ponto fixo lá de venda, ou até nos mercadinhos, para que a gente pudesse estar vendendo esse produto, quinzenalmente estar levando uma quantidade pra lá, eu acho que aí sim, o sonho ia chegar mais perto, o tal salário pra cada uma. Eu acho que aquele ânimo também maior ia bater nelas, porque assim, pra eu me sentir motivada, eu preciso ver a coisa funcionar, a coisa dar certo. Porque eu vejo potencial, eu vejo. Eu, Daniele, vejo que o sorvete, as pessoas gostam do sorvete, o sorvete tem uma qualidade boa, mas tem essa deficiência, o nosso gargalo maior é a venda. Tem condições pra eu, por exemplo, vender, tenho vontade de colocar, de ver o nosso sorvete com o rótulo no copo: “Sabores do Tarumã”, dentro do DB, do Carrefour, como eu posso fazer isso? Eu preciso ter o registro da Anvisa, da Vigilância Sanitária e como é que eu consigo? Eu não sei. Eu preciso de apoiadores, né? Alguém que me mostre um norte: “Daniele, você faz isso, procure alguém, vamos lá, eu pego na tua mão e você…”, aí sim, aí eu sei que eu tenho capacidade para oferecer o meu produto e vender.
P/1 – Daniele, falando da comercialização do sorvete, como é que dá essa comercialização?
R – A comercialização do sorvete é o grande problema, a venda, porque na verdade o que a gente quer é não só produzir e deixar estocado dentro do freezer, a gente quer produzir e vender, que é um produto perecível, ele tem uma data determinada. Então a gente quer vender não só por isso também, mas pra que entre logo, né, pra que a gente veja o resultado do nosso trabalho. E o nosso grande gargalo é a comercialização, mesmo, do nosso produto.
P/1 – Atualmente, vocês estão fazendo como? Estão vendendo onde?
R – Aqui mesmo, na comunidade. Como aumentou a quantidade de moradores, aí a venda aumentou também. Aí, as meninas, elas conseguiram fazer uma dinâmica, uma vai para um lado com a caixinha e duas descem aqui pro flutuante. Como tem parada de barco pra várias comunidades, elas ficam lá e elas conseguiram a clientela lá mesmo, vende bastante.
P/1 – O pessoal vem aqui buscar, também?
R – Vem, vem aqui buscar.
P/1 – E o pessoal também da comunidade?
R – Da própria comunidade e o pessoal de fora também, já conhece, passa e ai já encomenda 15, dez, vinte.
P/1 – E para melhorar essa comercialização, o que você acha que deveria ser feito?
R – Eu acho que pra alavancar mesmo, assim, seria a certificação do produto para que a gente pudesse colocar nos pequenos mercados de Manaus, já seria um grande começo.
P/1 – Você já procurou saber dessa certificação, como é, vocês do empreendimento?
R – Eu não. Eu ainda não fui lá na secretaria, né, do governo, Anvisa. Mas eu fico com várias dúvidas, porque se a nossa matéria-prima maior é certificada pelo mapa, pelo Ministério da Agricultura. Os agregados do sorvete também são todos certificados, então eu quero saber aonde, ainda, que é preciso certificar o sorvete ou se é apenas a parte nutricional que tem que ter na rotulagem da embalagem.
P/1 – E essa certificação, depois pode ir no rótulo?
R – Pode ir no rótulo, porque eu tenho visto nos outros sorvetes, não há certificação, apenas o número do CNPJ. É aí que eu tenho a dúvida, se precisa dessa autorização, ou se é apenas a parte nutricional, porque nos outros tem a parte nutricional.
P/1 – E não tem nenhum carimbo, nenhum número de certificado, nada?
R – Não. Só CNPJ.
P/1 – Esses outros, você viu onde, assim?
R – Em Manaus. Esses potinhos que a gente compra nos pequenos mercados, eu tenho observado que não tem certificação.
P/1 – E pra você conseguir a certificação, como que funciona, você sabe se alguém aqui já procurou em outro produto? Tem que ir em algum órgão?
R – Tem que ver na Anvisa ou na Devisa, que Anvisa é estado, tem o estado e município, Anvisa e a Devisa. Então tem que ir lá na secretaria ou entrar no site deles e ver a normativa deles, ver o que realmente precisa pra esse produto.
P/1 – Daniele, além dos mercados, enquanto não vem essa certificação, teria outra forma de distribuição, assim, além do que você já faz? Por exemplo, em rede com outros empreendimentos?
R – É muito complicado eu oferecer um produto sem uma garantia. Eu não posso chegar em qualquer local em Manaus, que a pessoa tem autorização pra aquele estabelecimento funcionar, e levar um produto que eu não tou dando a garantia dele e eu vou estar colocando em risco aquele estabelecimento. Então essa pessoa não vai, ele tem até a vontade de querer me ajudar, mas ai, não tem condições, né? Então, eu tenho essa convenção de que não dá. Então, a gente tenta fazer essa comercialização em feiras, aqui mesmo no local.
P/1 – E com a certificação, você acha que tem mercado pro seu sorvete, tem gente que vai comprar?
R – Tem, tenha certeza, tem.
P/1 – Como é que você consegue medir isso?
R – Porque, assim, você consegue saber quando o teu produto é bom, é bem aceito, pelo tempo que ele tá. Se ele continua permanecendo no comércio, é porque ele é bom, é porque ele oferece uma qualidade diferente dos outros, né? E como o nosso sorvete, apesar de não ser certificado, ele é bem conhecido pelas pessoas, a gente percebe isso. Porque quando a gente fica ausente de uma feira, e quando a gente volta, as pessoas falam: “Poxa, cadê vocês que sumiram”.
P/2 – Vocês já apresentaram o produto de vocês fora de Manaus?
R – Não.
P/1 – Mas quando vocês foram ao Rio de Janeiro, vocês não foram por causa do sorvete, então?
R – A gente não pode levar o sorvete, justamente por causa dessa certificação. Porque a coordenadora da feira, ela falou pra mim o seguinte, que poderia dar problema na hora do embarque no aeroporto, entendeu? Foi por isso, eles iam pedir toda documentação do produto, né?
P/1 – Qual o nome da feira?
R – Fenafra.
P/1 – O grupo aqui da comunidade levou algum outro produto?
R – A cooperativa. A gente levou pelo grupo só as balas. As balas não precisaram de certificação, a gente rotulou com a nossa logomarca e levamos as balas.
P/1 – Quem faz as balas?
R – Outras mulheres, né? Outras mulheres, que a gente faz outra parceria. E a gente fica fazendo esse intercâmbio, quando elas não podem ir, a gente leva o produto delas.
P/1 – Interessante as balas não precisarem, que também é um produto comestível, né?
R – Pois é, mas eles não pediram.
P/2 – E como eram feitas essas balas?
R – Essa bala, ela é tipo um brigadeiro, só que tem uma técnica diferente do brigadeiro, que o brigadeiro, ele fica assim, meio pegajoso. Essa bala, ela fica crocante. Aí, tem o recheio de castanha, de coco, elas fazem parece que de maracujá também, cupuaçu, que não pode faltar, né?
P/2 – E houve uma boa recepção?
R – Houve, foi bacana, foi muito bom.
P/1 – E a polpa, você disse que a cooperativa tá produzindo a polpa das frutas. Faz tempo que tem essa cooperativa aqui?
R – Faz. Faz tempo. Eu só não sei exatamente quantos anos, mas o João sabe.
P/1 – E vocês fazem parceria com eles pra produção do sorvete?
R – Fazemos. A gente se coloca como um braço da cooperativa. Onde o Sabores do Tarumã está, a cooperativa vai estar presente, porque ele só existe porque a cooperativa existiu primeiro, né? Uma coisa ligada a outra e ela também, porque alguém vai perguntar: “O que eu posso fazer com essa polpa?”, alguém vai dizer: “Você pode fazer sorvete”, vai fazendo aquele comercial, um faz o do outro. Quando a gente levou as polpas, a gente falava da cooperativa e o que a gente fazia derivado das polpas.
P/1 – Tem mais algum grupo que poderia entrar nessa rede, nessa produção? Você vê alguém da comunidade, alguma produção ou mesmo, pessoas que tenham as frutas? Pra ampliar essa rede, essa cadeia. Ou só eles e vocês já são suficientes?
R – A gente tem outras colegas que trabalham com geleia e também, elas têm dificuldade por ser muito longe. Então, a gente também tá fazendo essa parceria, onde o Sabores do Tarumã for, que elas não puderem ir, a gente vai levar o produto delas, entendeu? E uma das coisas que eu me comprometi com elas é que a partir do momento que o Sabores fizer o convênio com o governo, através da cooperativa, a gente vai inserir o produto delas, porque a cooperativa, com o número CNPJ, com toda documentação, com o registro do Mapa, ela conseguiu fazer um convênio com o governo.
P/1 – Que convênio é esse?
R – É um convênio de merenda escolar. A cooperativa, ela fornece a merenda escolar da rede estadual e municipal, as polpas. A gente coloca uma quantidade, cinco toneladas, por exemplo, dez toneladas de polpa mais cinco de geleia, cinco de bananada. Assim, a gente vai pegando um pouquinho de cada Associação que não pode fazer o convênio como Associação ou pessoa física e a cooperativa pode, como cooperativa. E a gente pega dos parceiros.
P/1 – Vocês acabam legitimando o produto delas?
R – Sim, se fazendo até conhecer, né?
P/1 – Porque se vocês já conseguiram esse convênio. E Daniele, falando um pouquinho de cooperativa, o trabalho de vocês não é, ainda é uma Associação?
R – Sim.
P/1 – Mas de qualquer forma, trabalhar aqui na região, mesmo a cooperativa ou associação, tá indo bem, ou o que falta pra deslanchar? Tou dizendo de modo geral, não só no seu empreendimento, não sei se dá para você responder.
R – Sim, sim. Aqui no Amazonas é meio que bem complicado, digamos assim, trabalhar no sistema de cooperativismo, porque as pessoas ainda são muito “eu”, né? E cooperativismo não é mais “eu”, somos “nós”. A gente trabalha no termo de cooperativismo, associativismo, você tem que aprender a viver em comunhão com os outros, partilhar ideia e a partir daquela ideia, fazer a coisa crescer. E é complicado, porque a gente não tem o apoio que deveríamos ter: apoio técnico através do governo, das prefeituras. Eles colocam a criança na tua mão e não te ensinam a criar. Fica complicado.
P/1 – Eles têm programas que incentivam a cooperativa?
R – Têm. Têm programas.
P/1 – Vocês já tiveram contato com alguns?
R – A cooperativa Agrofrutas, ela tem parceria com o IDAM, com a Sescoop e tínhamos com a prefeitura.
P/1 – Esses dois anteriores são programas do governo federal?
R – O IDAM é governo, é Amazonas. E a Sescoop é um sindicato, sindicato cooperativista. Eles nos apoiam, fazem a assessoria técnica administrativa.
P/1 – E se tivesse esse apoio, você acha que seria uma alternativa pro lugar, aqui?
R – Sim, porque tem a propriedade, aí você tem que tirar licenciamento para fazer um certo desmatamento pra plantar uma certa cultura. Você precisa dessa autorização para desmatar, que não é fácil conseguir. Aí você precisa do apoio técnico, porque eu sei como plantar, mas nós temos uma terra muito ácida na nossa região e esse solo, ele precisa ser corrigido. Eu que não tenho conhecimento técnico nenhum, de correção do solo, como é que eu vou saber aplicar o adubo? Eu preciso de um apoio técnico. Então é esse apoio que a cooperativa não tem, aquele apoio continuo. Eles vêm e somem. Aí fica difícil, né?
P/1 – Você tá fazendo faculdade, né?
R – Sim.
P/1 – Qual é o curso?
R – Engenharia Ambiental.
P/1 – E a escolha foi feita pensando em quê, assim, por quê que você escolheu fazer Engenharia Ambiental?
R – Primeiro pelo lugar onde eu vivo, onde eu nasci, me criei, que é uma Amazônia tão bonita, e que a gente vê que nós moramos aqui, mas que a gente não tem posse ou domínio daquilo que é nosso, tem que vim de fora para pegar aquilo que é meu e que eu tenho direito, mas que ninguém me dá, ninguém me permite usufruir disso.
P/1 – Como, assim, ninguém te permite?
R – Como eu falei ainda agora, eu tenho um terreno de mil por 500, mas pra mim desmatar um hectare, ou um certo hectare, eu tenho que ir lá no IPAAM pegar uma autorização; se eu não tenho conhecimento de causa, eles não vão me dar, eles vão ficar me dando chá de cadeira e ficar me empurrando, entendeu? Aí vai uma construtora com bastante dinheiro e leva um projeto, consegue desmatar uma área como fizeram aí perto da Ponta Negra, rapidinho.
P/1 – Para construir o que ali?
R – Prédio! Por que são pessoas que têm dinheiro? Eu não acho muito justo, né? Porque pessoas que compram apartamento daquele nível ali têm muito dinheiro. Por quê que eu não dou oportunidade pro pequeno que quer produzir em grande escala para abastecer os mercados e feiras em Manaus. Se eu não tenho apoio do governo, vou ter apoio de quem?
P/1 – E ai, você acha que fazendo o curso… qual a tua expectativa?
R – Eu penso em me formar e voltar para ajudar aqui, as pessoas aqui que precisam.
P/1 – Ajudar como, você diz?
R – Orientação das formas de documento, porque eu também, com a minha formação, eu não vou poder liberar, porque esse poder não me dá, vai me dar conhecimento de causa, eu vou poder te orientar: “Olha, tu pode. O teu limite é esse, eu vou te acompanhar”, é esse o meu pensamento.
P/2 – E o curso tá correspondendo as suas expectativas?
R – Com certeza, tá.
P/1 – Tipo, tá achando que tá agregando?
R – Sim. Tá, bastante.
P/1 – Daniele, e pra sua família, esse empreendimento teve alguma influência? Esse seu aqui do sorvete.
R – A minha família, meus filhos?
P/1 – Pode falar da sua família e até da comunidade.
R – Olha, pra mim…
P/1 – Vamos falar da família, primeiro.
R – Pra mim é bom. Meus filhos, eles falam o seguinte, eles ficam: “Poxa mãe, fiquei feliz que eu te vi na TV, eu te vi no Amazon SAT”, você entendeu? Aí se eu tiro uma foto: “Olha, eu tou em tal lugar” “Poxa mãe, que legal”, né, quando eu falo do Sabores do Tarumã, eles ficam felizes, dizem: “Eu fico feliz, mãe, se você tá feliz com aquilo lá, o que é bom pra você, é bom pra gente”.
P/1 – Com que idade eles voltaram? Eles estão morando aqui, seus filhos?
R – Não, eles estão morando em Manaus.
P/1 – Ah tá! Que idade eles têm, agora?
R – Uma tem 22, outro tem 18 e uma tem 12.
P/1 – Vinte e dois, 18 e 12. Parece que você tem uma neta?
R – Três (risos).
P/1 – Filhas da menina?
R – É, da filha mais velha, dois. E uma do filho de 18.
P/1 – Qual o nome deles?
R – Dos netos? Manuela, Gabriel e Ana Julia.
P/1 – Dos filhos você já falou naquela hora.
R – Já.
P/1 – Então, é impressionante, né, a floresta faz bem pra… (risos). Que idade tem seus netos?
R – Eu tenho um de seis, uma de dois e uma de dois meses. Dois meses, tá bem bebezinha.
P/1 – Seis aninhos. Daniele, e pra sua família foi essa satisfação por tabela, né, vamos dizer.
R – É.
P/1 – E aqui, pra comunidade? Você acha que teve alguma influência pra comunidade?
R – Eu acho que sim, eu acho que sim, porque com a inauguração da cooperativa, depois do grupo de mulheres, trouxe pessoas novas, trouxe a TV. O Amazon SAT esteve aqui filmando, então ele não veio filmar só o Sabores ou só a cooperativa, ele mostra toda a comunidade e com isso, o quê que a comunidade ganha? O conhecimento! As pessoas lá fora passam a conhecer Nossa Senhora de Fátima e, assim, os problemas da comunidade Nossa Senhora de Fátima. E a partir do momento que isso aqui começou a aparecer, vieram pessoas novas; quando vem pessoas novas, elas vêm fazer o quê na comunidade? Deixar dinheiro, porque elas compram produto da comunidade. Vem gente de fora, quer levar o cupuaçu, a pupunha e eu acho que isso agrega valores aqui dentro.
P/1 – Com certeza.
P/2 – Daniele, você tem o empreendimento do Sabores do Tarumã, da associação também, né, dessa ideia que vocês tiveram de trabalhar com as mulheres. Você disse que nesse momento, você não tá compartilhando renda porque você não tá produzindo diretamente e nem também, tá vendendo. Como você, a sua família, tem o seu marido que tá ai na cooperativa, como que vocês conseguem gerar renda? A cooperativa dá essa possibilidade de vocês manterem a família?
R – Como nós temos a propriedade que tem plantações, que tem fruto, se a gente tira produtos da nossa propriedade e injeta na cooperativa, isso, obviamente, vai nos trazer dinheiro. Mas isso não tá acontecendo, né? O trabalho do João Carlos é mais voluntário mesmo, da cooperativa, é porque gosta mesmo, né, se doa mesmo a isso e é um sonho. A gente quer crescer e sabe que se a cooperativa crescer, obviamente, nós vamos junto, né? Ele, agora, no momento é industriário, voltou pra indústria, e também faz faculdade. É isso.
P/1 – Daniele, além do grupo que você trabalha diretamente no empreendimento, tem um grupo de mulheres, uma associação não com CNPJ, mas de mulheres, além do grupo do empreendimento?
R – Não. Deixa eu ver se eu entendi a pergunta, você tá perguntando…
P/1 – Existe um grupo de mulheres que além do empreendimento, continuam se reunindo para outros fins? Se existe isso aqui?
R – Na comunidade?
P/1 – É! Que você faça parte.
R – Não, não, eu não faço parte. Mas existem outros grupos com outras mulheres que fazem outro tipo de produto, mas eu não faço parte, até porque quando eu faço parte de uma associação, eu não posso me vincular a outra associação, porque a lei de associativismo não me permite.
P/1 – Certo. Eu pensei mais ações na comunidade, sem ser associação.
R – Ah não, não!
P/1 – Agora, a última pergunta em relação a isso, pra região aqui, essa perspectiva de cooperativa, de associações, esse tipo de economia é viável? Seria bom que desse certo ou é uma proposta paralela, alternativa? Você e o João já pensaram sobre isso?
R – Sim. Olha, eu e o João, a gente tem plena certeza e convicção de que cooperativa é uma coisa que dá certo sim. Quando você consegue caminhar e pensar na mesma sintonia, dá certo. Por que é que dá certo pro Sul e não dá certo no Norte? Tem que dar certo, tem que dar certo. Tem porque nós temos uma riqueza muito grande aqui, o que tá nos faltando são apoio e organização.
P/1 – Apoio de quem?
R – Governamentais.
P/1 – E organização?
R – Interna.
P/1 – Da comunidade?
R – Dos associados.
P/1 – E pra essa comunidade, que produção, devia ter produção do que aqui, além do que você já faz, teria outras linhas, outros produtos?
R – Olha, aqui nessa localidade, além das frutas que chegam na cooperativa in natura e são transformadas em polpas, tem coisas derivadas disso: “n” coisas que eu posso tá fazendo com essa polpa, que eu posso estar fazendo dessa casca. O cupuaçu, por exemplo, a casca do próprio maracujá. Se eu fizer parte da cooperativa ou do grupo de mulheres e for trabalhar só com a parte das cascas, da parte que a gente chama de refugo, eu também vou ganhar dinheiro. Porque tem outros empreendimentos, tem outras empresas que elas compram esse produto, trabalham com esse produto, lapidam, né? Saem da parte bruta e fica bem bonito, bem artesanal e passa a ser uma embalagem pra outra coisa que eles fazem. Então é uma forma de ganhar dinheiro, tem “n” formas de ganhar dinheiro aqui dentro.
P/1 – A gente já tá terminando. Eu queria saber se você tem alguma coisa mais sobre a sua própria vida e sobre o empreendimento que você gostaria de falar que a gente não perguntou.
R – Não, não.
P/1 – De desafios, por exemplo, de metas, de necessidades?
R – Tem, todo mundo tem suas necessidades, né? A minha necessidade maior é financeira mesma, porque se eu conseguisse um trabalho paralelo a esse aqui, eu conseguiria fazer acontecer mais rápido, eu acredito. Porque quando a gente tinha mais condições financeiras, que nós tínhamos uma pequena granja dentro da nossa propriedade, então a gente tinha um ganho extra, eu ajudava mais o Sabores.
P/1 – Entendi.
R – Agora, tenho um desafio que pra mim é um grande desafio: é conseguir me formar e fazer o meu Mestrado ou a minha Pós-graduação no Chile e ir pra outro lugar fora daqui.
P/2 – Por que no Chile?
R – Por que no Chile? Porque eu vejo o Chile como um desafio mesmo pra eu explorar, entendeu? Pelo meu curso, Engenharia Ambiental.
P/1 – Qual é a universidade que você tá?
R – Nilton Lins.
P/1 – E aqui? Você disse que voltaria pra cá?
R – Sim. Eu penso que todo conhecimento que eu buscar lá fora, eu quero trazer pra cá.
P/1 – Então, você pensa em um Mestrado lá, mas a proposta não seria continuar morando lá?
R – Não, de forma alguma (risos). Voltar pra cá.
P/1 – Daniele, isso é um desafio, é uma meta. E um sonho?
R – O sonho?
P/1 – Sonho, a gente pode sonhar bem alto.
R – Com certeza! Além do sonho, um sonho pessoal é me formar. Esse é o meu sonho, me formar e ter uma condição financeira boa pra mim, lógico, um bem-estar melhor. E um sonho pro Sabores seria ver como a gente tem no livro, como a gente fez uma foto bem bonita, ilustrou, uma grande sorveteria com o nome Sabores, com pessoas trabalhando, com filhos de associados trabalhando nessa sorveteria, todos uniformizados, ver o nosso produto em cada esquina de Manaus, ver esse nosso produto sendo exportado. Isso pra mim é um sonho.
P/1 – Que pode ser uma meta, né?
R – E como eu falei pra coordenadora do Consulado, que a única coisa que eu quero deles, eu não quero presentinho, eu não quero agradinho, eu quero a certificação. Eles têm poder, eles têm um nome no peito, Consulado da Mulher, então eu tenho que fazer valer o nome Consulado da Mulher.
P/2 – Vocês já começaram a se organizar e tentar obter essa informação sobre a certificação?
R – Já. Eu com eles, já. Eu venho batendo nessa tecla não foi de hoje, nem de ontem, há tempos atrás. Porque o ano passado, eu queria inserir o sorvete na merenda escolar municipal, já que a gente tem uma escola aqui, municipal, e temos várias escolas rurais, distrito aqui, administrada pelo distrito, pela prefeitura. Então eu tinha essa vontade de inserir o sorvete, já que ele é natural, ele seria bom para os filhos, pras crianças até a valorizar aquilo que é da sua própria terra, né? Por que é que eu tenho que dar valor pro morango ou pra maçã, se ele não é meu? Ele vem lá de fora. Eu tenho que, primeiro, valorizar o meu produto, o meu local. Não tirando valor de frutas de outros locais, mas primeiro eu tenho que sentir o sabor do cupuaçu, gostar dele, falar bem dele, falar das importâncias dele, da vitamina dele pra mim do que passar para outros. Eu tinha vontade de colocar o sorvete, inserir na merenda escola. Não consigo, porque ele não é certificado e comecei a cobrar dele, já que eles nos assessoram, né? Se eu tenho esse apoio, e se eu dou esse apoio…
P/1 – E qual foi a resposta?
R – Que eles iam providenciar. E eu tou no aguardo.
P/1 – Então, a gente tá terminando, Daniele. O que você achou de fazer essa entrevista? Era o que você esperava?
R – Sim.
P/1 – Como é que você avalia essa entrevista?
R – Eu acho muito importante, porque vai pra fora. Alguém mais, muitas pessoas mais vão nos conhecer, vão saber que o sabores do Tarumã existe. E vocês mesmas, tem comercial melhor? Tem propaganda maior do que o boca-boca? Não existe. Se eu for lá no teu mercado e sair satisfeito, eu vou falar pro meu vizinho, que o meu vizinho vai falar pro outro vizinho, né? E eu tenho certeza de que se vocês gostaram do sorvete, vocês vão fazer esse comercial lá em São Paulo para outras pessoas, onde vocês trabalham, onde vocês estudam. Então pra mim é satisfatório, pra mim é isso que eu recebo do Sabores, esse conhecimento, essas oportunidades. Não é dinheiro que vai me trazer alegria, também seria, mas o fato foi pelo Sabores, foi pela Agrofruta que eu tive a oportunidade de conhecer o Rio de Janeiro. O que as outras pessoas trazem pra mim, as oportunidades de conhecimento, isso pra mim é valioso.
P/1 – Muito bom. Obrigada.
R – De nada.
P/1 – Pra gente também, viu?
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