Meu nome é Sônia Gonçalves Claro dos Santos, nasci em São José dos Campos em dezenove de agosto de1965. A minha mãe era do lar e o meu pai era mecânico. O que mais me lembro da infância é meu pai levando a gente pro parquinho, deixando a gente se divertindo e indo jogar a bolinha dele, que ...Continuar leitura
Meu nome é Sônia Gonçalves Claro dos Santos, nasci em São José dos Campos em dezenove de agosto de1965. A minha mãe era do lar e o meu pai era mecânico. O que mais me lembro da infância é meu pai levando a gente pro parquinho, deixando a gente se divertindo e indo jogar a bolinha dele, que era sagrado, todo sábado e domingo. Eu era boa de pular corda, e pular muro, nossa, viver nas alturas é especial pra gente mesmo.
Eu vim pra Rio Claro logo que eu fiquei viúva. O meu filho largou os estudos pra poder batalhar. Como a gente pagava aluguel lá e a firma pagava aqui pra ele, viemos pra cá pra ficar todo mundo unido, pela união da família, a gente tava sentindo muito a ausência dele.
Quando chegou aqui, ele trabalhando, a gente morando, ele: “Mãe... aqui tem uma UNESP e eu queria estudar”... O sonho dele sempre foi fazer faculdade. “A mãe ajuda então, vamos lá.” Ele pegou os livros, chegava tarde do serviço, começou a estudar e foi indo, foi indo... Eu já meio assim, cabreira, porque eu pensei numa faculdade à noite. Ele falou: “Não, mãe, o que eu quero fazer não tem à noite, é período integral”, eu: “Mas é seu sonho?”, ele: “É, mãe, eu preciso disso pra garantir também o seu futuro, o do [sobrinho] Cauã e da [irmã] Ta”, Ele chegava da gerência da loja, e ficava estudando à noite, sozinho, eu falava: “Ai, meu Deus, coitado do meu filho, estudando sem cursinho, enquanto os outros têm cursinho particular, tudo”. Mas eu nunca desincentivei, levantava de madrugada, levava copinho de leite e ficava rezando pra que desse certo. Quando chegou no final do ano ele fez a prova, passou na primeira fase, eu já fiquei assim: “Vichi”, porque eu fiquei preocupada, sabia que ia terminar ele não podendo trabalhar. Aí ele fez a segunda prova... primeira lista não saiu, “Nossa”, aí eu fiquei meio chateada, ao mesmo tempo fiquei um pouco despreocupada, porque eu falei: “Não, pelo menos, se não der certo”. Na primeira chamada, ele não passou, ele ficou cabisbaixo, falei: “Não, Ti, tenha fé, ainda tem a segunda”, na segunda chamada saiu o nome dele, graças a Deus. Mas foi um novo recomeço, porque a firma não fez acordo, mandou ele embora sem direito nenhum, sem fundo de garantia, sem nada. Eu ganho pouco do INSS, a pensão do meu marido é bem pouca, falei: “Nossa, e agora?”. Mas a gente, naquele período, tava com tanta alegria dele ter passado que segurou, assim, a preocupação, mas foi difícil, foi bem complicado.
A gente teve que entregar o apartamento. E, assim, não tivemos dez dias pra arrumar as coisas e sair... Ele falou e o patrão na hora pegou a chave, pedindo o apartamento, que já tinha que mandar outro gerente, mandou embora sem os direitos. A gente sem guardar quase, porque não tinha como ter muita reserva com pouco dinheiro no bolso: “E agora? Vamos lá, vamos ver o que a gente vai fazer”. A minha família em São José não tinha condições de ajudar, porque cada um cuida da sua vida e é vida batalhada, minha mãe também não tinha como. Mas a gente contou com bons, embora poucos amigos, ótimos, que a gente fez aqui, duas famílias maravilhosas nos ajudaram, uma guardou as nossas coisas e o meu filho ficou morando num quartinho, porque eu voltei pra casa da minha mãe até a gente poder arrumar uma casa. Essa família cedeu um quartinho pro meu filho, que não tinha vidro na janela, era bem bagunçado de coisa, meu filho jogou um colchão.
“Thiago, vou pra casa da vó até vocês aqui achar uma casa, porque não tem outra solução”. E foi uma choradeira na rodoviária, porque ninguém queria se separar, todo mundo preocupado. Mas eu falei: “Você vai, filho, porque você precisa começar essa faculdade e a mãe fica lá até achar”, mas foi acho que o pior mês da minha vida, a separação, a dificuldade. Nisso a minha filha tava começando a trabalhar na farmácia. Ela tem uma amiga também muito boa e deixou morar uns dias no apartamento dela. Quando fazia quase um mês e pouquinho, uma amiga nossa achou essa casa onde eu moro...
Começar minha vida nova numa casa com o meu filho e ajudar ele nessa empreitada de faculdade, de vida. Quando todo mundo não botava esperança da gente conseguir: “Nossa, mas você já ganha tão pouco, a sua filha tá começando agora, vocês vão pagar aluguel, seu filho desempregado”. Quando todo mundo colocava que não ia dar certo, ninguém me botava pra baixo... Momentos muito difíceis, mas foi superado.
Na época ficou apertado porque pagar aluguel, ele sem trabalhar, minha filha também não ganhava muito: “E agora? Como é que eu vou me virar?”. Aí um dia: “Nossa, eu faço doce”... tinha umas latas de Leite Moça, um chocolate: “Ti, tive uma ideia, você leva brigadeiro e vende na faculdade, um dinheirinho nós vamos tirar daí”. Só que ele é bom demais, ele levava os brigadeiros, vendia fiado, dois ele trazia, o outro ele deixava e nunca negava nada pra ninguém... “Não, mãe, ele vai pagar tal dia, tal dia, tal dia”. Um dia na aula, deu uma muvuca num cantinho, o professor falou o que tava acontecendo, ele explicou que vendia o beijinho e o brigadeiro pra poder ajudar em casa por causa da faculdade. O professor: “Você vai na minha sala”, ele foi pensando que ia ser repreendido. O professor pediu explicação da nossa vida. Ele falou... o professor se comoveu com aquela história e ajudou, levou ele pro laboratório pra ter uma iniciação científica e ajudou ele a conseguir uma bolsa, na época 400 reais, que até hoje ele ganha, é o que ajuda a gente interar o dinheiro do aluguel. Só que ainda não era o suficiente, porque Thiago deixava tanta gente ficar devendo, aí fui trabalhar de fazer faxina mesmo, pra poder ajudar na renda da casa.
Foram dias meio difíceis, tinha feito faxina, mas como tudo sobe, foi um mês meio apertado, que o Thiago também tinha tido uns gastos extras na faculdade, minha filha também tava meio apertada, porque o meu neto também tava passando por cirurgia, era remédio, um tratamento de alergia, tava meio apertado. Eu lembro que estava com dois reais no bolso e ainda faltavam três dias pra eu receber, eu olhava aqueles dois reais, falava assim: “Meu Deus, eu compro pão ou compro leite? Eu compro leite ou compro pão?”. Nesse dia eu me lembro que tinha uma moça que entregava pão na rua, cheguei pra ela, expliquei que faltava, se ela venderia o pão pra mim. “Não, a senhora pode ficar com o pão”. Fui lá, quebrei o cofrinho, tinha um dinheirinho do leite. Aí, cheguei pro meu filho: “O leite e o pão a mãe conseguiu, mas a mistura do Cauã a gente não tem”. Meu filho falou: “Mãe, não vai faltar, eu vou cobrar o pessoal que tá me devendo”, Ele cobrou, ninguém tinha dinheiro pra pagar no dia. Mas tinha um amigo: “Eu tenho dez reais, você pode levar” e ele veio com a bicicletinha, passou no mercado, comprou frango: “Tá aqui a mistura do dia”.
Eu vim pro Consulado numa época que estava querendo perder as forças, mas eu falava: “Não, eu tenho que continuar” e hoje eu acho que tudo valeu a pena! Eu me lembro até hoje o primeiro pagamento no Consulado, eu falava: “Nossa, agora eu vou passar no mercado”... foi uma felicidade, levei pro meu neto coisas que fazia mais de meses que ele não comia.
A hora que eu ver os dois formados, porque eu sei que ele é um irmão maravilhoso, quando ele se formar, vai vir ajudando a irmã e meu neto. Aí eu sei que a minha missão vai tá cumprida. No ano passado, com todas as dificuldades, ele ficou em primeiro de 45 alunos... Então nada é impossível, tem os percalços, mas pra sonho de um filho não tem sacrifício.
Eu quero que eles dêem valor a tudo o que têm e que possam conseguir, mas que nunca percam a raiz de onde vêm, que continuem na simplicidade. Embora eles possam ter um futuro melhor, que não percam aquilo que a gente ensina, a simplicidade de vida, ajudar os outros. Porque a cada ensinamento que o meu pai deu de vida, porque ele foi uma pessoa simples, não pode dar luxo, mas a educação pra ele era a base de tudo, a educação leva a vários lugares e abre portas. Era sempre isso que ele falava, e esse ensinamento eu passo pros meus filhos, eu quero que eles aprendam isso, lição de vida.Recolher