Museu da Pessoa

Cantando e chorando

autoria: Museu da Pessoa personagem: Karin Poliana do Vale Ludwig

Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Karin Poljana do Vale Ludwig
Entrevistada por Tereza Ruiz
São Paulo 24/09/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_17
Transcrito por Ana Carolina Ruiz

P/1 – Primeiro, Karin, eu vou pedir pra você falar pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.

R – Tá. É Karin Poljana do Vale Ludwig, 29 de janeiro de1971 e nasci em São Paulo.

P/1 – Agora o nome completo, data e o local de nascimento do seu pai e da sua mãe.

R – Putz. Espera aí. Do meu pai é na Iugoslávia, minha mãe é Marieta do Vale Santos, nasceu em 1941 em Ilhabela. Meu pai é Salvino Ludwig... eu sou ruim de conta.

P/1 – Não tem problema se não souber a data. Só o local de nascimento.

R – Ele nasceu na Iugoslávia.

P/1 – Você sabe por que ele veio pro Brasil?

R – Olha, ele veio com a minha avó e com o meu avô, a história que eles contam é porque eles estavam fugindo da Segunda Guerra, estava meio tumultuado, meu avô tinha sido recrutado pra lutar por Hitler e não queria. Meu avô é austríaco. Basicamente tentando fugir da guerra, fugindo daquela situação de guerra.

P/1 – E teu pai tinha qual idade quando eles vieram?

R – Olha, meu pai chegou aqui antes de 62, antes de 1960. Eu sou ruim de conta, eu não sei te falar, mas eu sei que foi antes de 1960 que ele chegou aqui.

P/1 – E você sabe os seus avós paternos quando eles vieram pro Brasil com o que eles foram trabalhar? Onde eles se estabeleceram e o que eles foram fazer?

R – Então, meu avô, e meu pai depois seguiu essa carreira também, eles sempre cuidaram de navios. Meu pai é engenheiro náutico e meu avô também trabalhava nessa área.

P/1 – E quando eles vieram pro Brasil eles se estabeleceram onde?

R – São Sebastião.

P/1 – Conta pra gente então um pouco o que seu pai fazia profissionalmente, você já citou um pouco, se você puder desenvolver um pouco mais, e a sua mãe. O que os dois faziam profissionalmente?

R – Meu pai chegou a fazer a Marinha Mercante na Itália uma época também, então ele sempre cuidou da parte de embarcação basicamente fazendo vistorias em navios. Ele seguiu a vida toda fazendo isso. A minha mãe é formada em Pedagogia e a vida toda ela deu aula pra criança. Ela preferia os menores e minha mãe tinha uma peculiaridade, ela gostava de dar aula pra aluno pobre, carente, com problemas em casa. Ela dava aula, trazia alguns alunos pra passar o final de semana com a gente, tinha todo um cuidado assim. Ela sempre gostou dos mais carentes. Teve a oportunidade de ser diretora, nunca quis apesar de ter se formado em Pedagogia, ela sempre quis lecionar mesmo. Ela escolhia escola de periferia. Ela escolhia os mais carentes, os mais pobrinhos. Era engraçado porque ela tinha uma fama de brava assim e os alunos não queriam ter aula com ela, só que quando acabava o ano letivo, eles choravam porque eles não queriam desgrudar dela. Ela era assim bem mãezona mesmo.

P/1 – Ela era professora no ensino público ou particular?

R – Público. Até quarta série. Só até quarta série, os menorzinhos.

P/1 – E desses alunos que ela trazia pra casa você se lembra de algum em particular ou de alguma história que você tenha vivido com alguma dessas pessoas que tenha sido aluno da sua mãe?

R – Olha, lembro. Lembro-me de uma história assim, ela trazia os alunos e a gente não tinha distinção. Então a gente comia junto, brincava junto, se a gente ia pra um parquinho as crianças iam também, se a gente ia pro restaurante eles iam também. tudo junto. E teve um caso assim, deu um, como vou dizer, um probleminha. Ela trouxe acho que era uma menina... Era uma menina? Não. Acho que era um menino e no final de semana a gente tinha um casamento pra ir. Minha mãe arrumou a gente e os alunos e fomos todo mundo pro casamento. Só que ela não explicou, a gente vai num casamento assim, assado. Ela: “Vamos pro casamento”. Chegou lá as crianças eram evangélicas e o casamento foi um casamento católico. Aí foi complicado porque aquelas crianças nunca tinham entrado numa igreja e qual que foi o problema? Assim, deu um problema de diferença de crenças, então as crianças ficaram assustadas ao verem imagem de santo, foi muito complicado. No meio do casamento, o casamento rolando e as crianças lá falando tem um demônio ali naquela imagem, e a noiva entrando. Foi meio complicado. Depois a minha mãe não fez mais isso. Mas fora isso foi tranquilo. Ah, eu lembro também de uma situação que a minha mãe, aí foram outras crianças, a gente foi pra um restaurante e essa foi uma maldadezinha minha, eu cheguei às crianças e falei assim, eles nunca tinham entrado num restaurante, aquelas crianças, eu falei: “Olha, quando a gente vai num restaurante a gente tem que comer tudo. Você não pode deixar resto no prato. No restaurante é assim a regra, você vai e você come tudo”. As crianças: “Ah, está bom”. Só que quando chegou o prato, chegaram uns negócios desse tamanho, aqueles bifes do tamanho parecia bife de brontossauro, do Fred Flintstones. Veio um negócio desse tamanho aí as crianças com o olho: “A gente tem que comer tudo até o final?” “Tem. Tem que comer tudo até o final. No restaurante você não pode deixar nada”. Aí eu fiquei com dó, falei: “Gente, não, não precisa comer tudo, é só o que vocês conseguirem”. Mas eles ficaram morrendo de medo também. Maldadezinha.

P/1 – Só retomando, queria que você falasse pra gente o nome do seu irmão e o que ele faz profissionalmente.

R – O nome dele é Kilian Axel do Vale Ludwig e ele também está na área de embarcação aí de vistoria de navio também, seguiu o meu pai.

P/1 – Conta pra gente um pouco como é que o seu pai e a sua mãe eram assim de temperamento, de personalidade.

R – Meu pai é uma pessoa bem calma. Assim tranquilo, absolutamente tranquilo, nunca brigava, uma pessoa bem calma. Minha mãe já é mais agitada. Enfim, ela exercia a profissão de professora dela e trazia as coisas pra fazer dentro de casa, trazia os alunos, inventava coisa, inventava passeio. Por exemplo, época de Páscoa ela comprava do próprio bolso ovinho de Páscoa pras crianças e aí falava: “Só quem estudar muito vai ganhar”. Mas aí no fim ela dava pra todo mundo. Eles eram bem pobrinhos assim. Comprava, por exemplo, comprava camiseta, falava: “Quem passar de ano é que vai ganhar a camiseta”. E eles se matavam de estudar, mas ela dava pra todo mundo, quem passava, quem não passava, quem estudava, quem não estudava. Então a minha mãe já é mais, como que eu vou dizer, ela tá sempre inventando alguma coisa pra fazer, já o meu pai é mais tranquilão. Os opostos ali. Eu me lembro da gente passear bastante, desfiles, minha mãe tem mania por fotografia, então os filhos eram os modelos vivos dela. Tirava foto e desenhava roupa, vestia na gente, fotografava o tempo todo, era desfile, era festa, era... Todas as festas de escola a gente participava. Eu me lembro de um vestido, e os vestidos ela desenhava e mandava fazer. Eu me lembro de um vestido lindo de festa junina que ela fez pra mim e atacaram uma bombinha no meu vestido e pegou fogo. Acabou com o vestido, né? Comigo, enfim. Então assim, eu me lembro da gente passear bastante, ir bastante a festa, principalmente festas relacionadas às escolas onde ela dava aula, então a gente sempre estava lá. A gente gostava de passear também, eu me lembro de Poços de Caldas onde a gente ia pedalar no negocinho, parquinho de diversões e por aí.

P/1 – Você se lembra de alguma coisa, se tinha algum hábito ou alguma tradição na sua casa que tenha sido trazida pelo seu pai, pelo lado da família do pai? Alguma coisa que ele ainda cultivava na infância.

R – Nossa. Lembro uma coisa que dava um problema, dava um embate lá entre a minha mãe e o meu pai. Porque meus avós são austríacos e eles passaram um tempo na Itália também, e aí um costume que eles tinham além do macarrão, era beber vinho. Todo mundo bebia vinho. Então eles davam vinho pra gente quando era pequenininho, pra mim e pro meu irmão. Só que era pouquinho. Eu acho até que eles misturavam com um pouquinho de água, mas é tradição e a minha mãe não gostava. Então isso dava um problema ferrenho lá. Então a gente tinha essa tradição do vinho, pequenininho. Ele tentou me ensinar iugoslavo, eu não consegui porque era um monte de consoante junta, bom dia é um palavrão desse tamanho. Não rolou aprender iugoslavo, não rolou. Mas essa tradição, porque eu perdi meus avós, eu mal cheguei a conhecê-los, tanto por parte de mãe como por parte de pai. Eles morreram eu era pequenininha. Então eu só me lembro do vinho. Do vinho eu me lembro dessa tradição.

P/1 – Você sabe qual que é a origem da sua família por parte de mãe?

R – Sei. Bom, todos os meus tios e minha mãe, meus avós nasceram em Ilhabela. Minha mãe conta que são descendentes de portugueses e espanhóis. Meu avô era bem loiro de olho azul e a minha avó também, bem loira de olho azul. Por parte de pai são iugoslavos e austríacos. E a família da minha mãe lá de Ilhabela.

P/1 – Conta um pouco pra gente como é que era a casa em que você passou a infância. Descreve mesmo a casa, o bairro, a cidade na época.

R – Era um bairro maravilhoso de São Sebastião. Gente, ali é assim... Chama Pontal da Cruz. Ele é um bairro residencial assim de casas grandes, todas as casas lá são grandes, as calçadas de aqueles paralelepípedos, né? Paralelepípedo. E ele é cortado por uma avenida e logo depois da avenida é a praia. Então a casa era uma casa enorme, bem grande mesmo, tinha um gramado na frente, um gramado atrás e o muro bem alto com trepadeira. A gente brincava muito na rua, muito mesmo, tinha os vizinhos da casa da frente e naquela época não tinha problema a gente brincar na rua. Engraçado que a recomendação era assim, volta pra casa quando escurecer. E ali na rua era taco, eu vivia com o dedão em carne viva lá, sangrando. Eu saía de manhã, ia pra escola tudo, depois a gente ficava na casa dos amigos não tinha problema, a gente circulava, ia numa rua, ia à outra, brincávamos muito na rua, muito mesmo. Acho que quando escurecia que eu tinha que voltar pra casa eu tinha que dar aquele banho assim que saía uma água preta lá. Toda esfolada, joelho ralado, cotovelo, tampão do dedo vivia pendurado assim, eu jogava taco e às vezes eu acertava o meu próprio dedo. E a gente brincava muito e quando não era na rua era só descer que a gente tava na praia, atravessava e tava na praia, uma praia linda, maravilhosa, muito gostosa. A gente vivia ou na praia ou na rua e também subindo tinha umas fazendas. Fazenda do seu Pedrinho e a gente subia, andava pela fazenda mesmo. Então a gente comia amora no pé, carambola, jaca, limão cravo, bebia água em riacho, fazíamos piquenique. Eu lembro que teve um piquenique que a gente foi fazer eu e a minha turminha de amigos, que a gente foi subindo, subindo, subindo, a gente acabou se perdendo no meio do mato e a gente encontrou um acampamento do Exército, só que não tinha ninguém, eles estavam fazendo treinamento de sobrevivência na selva. Eles tinham umas barras assim, umas paçocas que aquilo eles comiam e servia pra um dia se eles não tivessem alimentos. Quando a gente achou aquilo lá, eu comi umas dez paçocas daquela. Resultado, tive quase que parar no hospital, né, porque aquilo, imagina, era comida pra dez dias comendo tudo de uma vez só. Então a gente aprontava demais. Já fugimos de bezerro, caímos na cachoeira, já fui tomar banho de cachoeira caiu uma cobra no meu pescoço. A molecada largada. Largada porque não tinha, naquela época não tinha problema, então a gente aprontava muito, brincávamos muito ali, muito mesmo ou na praia, ou lá pra cima, ou na rua.

P/1 – Você se lembra de alguma outra história marcante dessa fase assim de infância? Pode estar relacionada às brincadeiras ou não necessariamente.

R – No momento não. No momento não. Talvez eu puxando, porque é tanta coisa assim, a gente viveu tanto, a gente teve assim uma infância privilegiada mesmo. Primeiro que só o fato da gente estar num lugar lindo, né? Natureza presente. Outra da gente poder ficar largado, não tinha sabe... Lógico que os pais tomavam certo cuidado, mas a gente era solto ali. A gente tava sempre no mesmo grupinho, aquele grupinho de amizade, todos gostavam da mesma coisa. Eu lembro, deixa-me ver, eu cheguei a entrar num grupo de escoteiros, fazer alguns acampamentos também, mas eu era péssima, cara, eu ia porque eu tava ali, mas era uma negação. A gente tinha que fazer ronda que era assim, davam uns bastões pra gente desse tamanho, uma faca de escoteiro e a gente fazia ronda no acampamento lá. A minha ronda era assim, agora eu vou entregar, ao invés de fazer ronda eu entrava na barraca de alimentos lá, furava a lata de leite condensado e ficava chupando lá. Essa era a minha ronda. Depois quando dava o horário voltava, entregava, rendia o outro lá. A ronda que eu fazia era essa daí. Agora está entregue. Chefe Atílio desculpa, sempre alerta. Agora já foi.

P/1 – E a escola, Karin? Quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?

R – A escola também muito boa. Eu lembro assim, bem pequenininha eu lembro que a minha mãe gostava... Eu tinha um cabelo na cintura e minha mãe penteava aquele cabelo, trançava, fazia fita, passava creme, ela que cuidava do cabelo. Bom, aí ela fez umas tranças aqui, aqui um negócio e vinha descendo uma trançona assim. Eu lembro que eu era apaixonada por um menino da escola, foi o meu primeiro amor lá, o menino chama Denis. Era Denis, o pimentinha. Foi o meu primeiro amor e a minha primeira desilusão porque eu era apaixonada por aquele menino e numa das brincadeiras tinha um mastro da bandeira, ele pegou as minhas duas tranças e me amarrou no mastro pelas minhas tranças. Fiquei amarrada lá. Coisa de criança, né? Acabou o amor ali, minha filha, o amor acabou naquela... Nossa, aquele dia eu chorei, menina, chorei. Mas era coisa de criança, depois a gente, enfim, brincamos normalmente. A escola eu estudei uma época num prezinho que eu não lembro o nome da escola, mas acho que era na Rua Nossa Senhora da Paz, depois eu fui pra escola do Pontal e depois eu fui pro CENE, que era uma escola lá no Centro também.

P/1 – Como é que você ia e voltava da escola?

R – Quando eu era menor os meus pais iam me buscar, buscar e levar, depois a gente ia de ônibus. Ia uma turminha junto, a gente ia de ônibus. Eu não lembro se tinha ônibus escolar, eu acho que não, acho que a gente usava o... Mas ia sempre o mesmo grupinho, a gente morava perto e estudava na mesma escola, então a gente ia de ônibus.

P/1 – Você teve algum professor marcante? Professor ou professora durante o seu ensino básico?

R – Olha, eu gostava muito da aula de educação artística. Era a minha melhor aula. Pintava, desenhava. Eu não estou lembrando do nome dela agora, eu lembro fisicamente dela, os cabelos assim enrolados, eu não to lembrando... A aula que eu mais gostava era educação artística.

P/1 – E essa professora de artes é a que você mais se lembra?

R – É. Não está me vindo o nome, mas a pessoa dela sim. Porque aí eu pintava, bordava, fazia tudo que eu gostava. O resto eu era meio dispersa nas outras, era quietinha, mas eu era hiperativa, então era difícil eu fixar minha atenção. Eu pensava em várias coisas ao mesmo tempo. Então começava a falar a aula de história eu já criava a minha própria história, já fugia, tentava fazer um desenhinho ali, mas aí eu era repreendida. Era complicado. E aquela época assim, eu tive professores assim: “Você tem que ficar quieta. Fica na carteira. Tem que aprender”. Eu hoje sei que pra mim funcionaria outro tipo de abordagem, outro tipo que me deixasse mais livre nessa parte de criação e tanto da hiperatividade, né? Escola não precisa ser você sentada, enfim, isso quanto tempo atrás? O pessoal nem discutia isso, era aquele modelo e pronto.

P/1 – Você lembra o que você queria ser quando crescesse nessa fase de infância?

R – Olha, na época da novela... Putz, era Dancin’ Days, cara? Tinha uma personagem chamada Veroca, eu não sei se é Dancin’ Days, eu queria ser atriz, eu queria ser a Veroca. Eu não queria nem ser atriz, eu queria ser a Veroca, que era aquela coisa extravagante, aí colocava uns chapéus, umas plumas. Pensei em ser médica, pensei em ser desenhista, eu desenhava muito. Teve um concurso, isso eu tinha acho que uns 15 ou 16 anos, teve um concurso que a Xuxa fez pra desenhar roupa pra ela. Eu tava fora da idade, eu não poderia concorrer, mas eu fiquei desesperada, eu fiquei desesperada. O que eu fiz? Era pra enviar um vestido só, uma roupa só pra ela, um croqui, eu acho que eu fiz uns cinco ou seis. Aí eu não me conformava que eu não podia concorrer, eu não me conformava. Eu acho que eu escrevi alguma coisa, deixa-me participar senão vou me matar, aquela coisa de adolescente que tudo... E aí eu mandei. Mandei e eu não podia participar e veio uma resposta, eu recebi uma caixa com uma carta que eu não sei se foi a Xuxa ou alguém da equipe, ela respondeu, falou: “Olha, você infelizmente não pode participar, mas em reconhecimento a sua criatividade eu estou te dando um presente”. E ela me deu um conjunto de roupa da marca dela. Aí assim, é lógico que eu fiquei muito triste e muito contente porque eu tinha... Aquela roupa na verdade era o meu prêmio. Então aquela roupa também não servia pra mim, eu já estava grandinha pra enfiar aquela roupa, mas eu enfiava do mesmo jeito, cara. Enfiava aquela roupa e saía porque aquele era o meu prêmio. Ela não precisava ter feito isso, né? Mas rainha é rainha. É que nem aquela rainha Elizabeth que escrevia pra menina que é uma brasileira, não precisava, mas quem é rainha nunca perde a majestade. Então eu fiquei menos frustrada com aquilo. De alguma forma aquela roupa era o meu troféu, mas eu já tinha passado a idade, não poderia participar mesmo. Então eu desenhava muito, minha mãe conta pra mim: “Você desenhava o dia inteiro. O dia inteiro desenhando”. E aí uma época eu quis ser a Veroca, outra época eu quis ser médica, outra época veterinária. Passei por várias coisas aí.

P/1 – Você foi fã da Xuxa?

R – Fui. Fui fã. Teve uma época que eu deixei de ser fã, eu não concordava com algumas coisas porque eu sempre fui uma pessoa muito assim, eu sempre fui dos porquês, contestadora, sempre queria saber, e o programa em determinada fase não me agradava. Então eu deixei de ser fã até que na faculdade tinha uma amiga minha, a Gláucia, que ficou grávida, tudo e ela falou que a bebê dela, recém-nascida, quando ela escutava a voz da Xuxa ela se agitava todinha. Era recém-nascida, cara. Só de escutar a voz da Xuxa. Aí a Gláucia falou: “Olha, eu não gostava dela, mas eu vendo a minha filha ter essa reação eu passei a respeitá-la”. Isso me fez rever essa minha fase, que saber, vamos cantar Ilariê e está tudo certo. E depois a Xuxa mudou o programa dela, teve uma época que ela pode decidir o que ela queria. Não agradou em audiência? Tá, mas aí tem N fatores. Mas aí eu percebi que quando ela pode decidir por ela, ela tinha coisas ótimas na cabeça. Então eu falei: “Essa é a Xuxa de verdade”. Então eu acho que é isso que é importante.

P/1 – Eu queria que você comentasse um pouco com a gente a relação com a música e com o piano. Quando é que você começou? Por que você começou?

R – O piano eu coloquei... Minha mãe me colocava em tudo, era balé, era aula de violão e colocou no piano. Aí o piano eu fazia aula com uma professora, era sempre a mesma professora, Ana Maria, eu cheguei a tocar um pouco, mas aquilo assim, eu não era fã do piano. Na verdade na música eu fui me descobrir cantando mais velha quando eu entrei num coral. Eu fiz um teste aí o maestro falou: “Você é soprano”. E aí eu comecei a cantar. No canto é que eu me descobri. Então tocando instrumento todas as aulas que eu fiz, piano, violão, é assim, um zero a esquerda. Mal e mal dá pra tocar do ré mi fá. Mas cantando realmente foi onde eu tenho prazer de cantar. Foi no canto, instrumental. Realmente se me der um pandeiro eu acho que pandeiro, um chocalho é legal.

P/1 – E quando é que você descobriu esse prazer no cantar e conta um pouco melhor essa história pra gente da entrada no coral, esse teste.

R – O coral era um coral patrocinado pela Petrobras, meu maestro é falecido, eu não sei se eu posso falar isso, mas ele faleceu com AIDS, enfim, se não puder corta. Não sei se a família dele gostaria disso. Logo quando as pessoas começaram a morrer com AIDS, Cazuza, ele foi nessa situação. Era uma pessoa, eu me lembro dele, ele era calvo com os olhos verdes assim, um doce de pessoa. Eu comecei a fazer o canto, fui gostando, a gente fazia algumas apresentações, chegamos a gravar um LP. Gravamos aqui em São Paulo no Teatro Municipal com a Orquestra Municipal de São Paulo. Foi a primeira vez que eu pisei num palco, então foi assim muito emocionante. Foi uma coisa assim incrível mesmo porque a gente não sabia o que ia acontecer. Nós não éramos habituados a palco, a gravação, nada disso. Ensaiamos, vamos gravar. Eu lembro que foi engraçado que foi assim, eu já vou subir num palco, o que eu fiz? A louca querendo aparecer. Comprei uma maquiagem que era um glitter pra passar em cima dos olhos, só que o glitter daquela época não é essa coisa que a gente tem hoje, fininho. É um brocado, um negócio duro, sabe? Bom, aí fui, enchi os olhos aqui, eu fiquei a cara da viúva Porcina, um batonzão vermelho com um glitter dourado, olha que coisa linda, a pessoa totalmente sem noção. Fiquei a cara da viúva Porcina e assim subi no palco achando que vou arrasar. Bom, ligaram os refletores com a luz amarela, tanto de um lado como do outro. Primeiro que cegou que eu vi a plateia, segundo que aquilo era um calor, começou a derreter o tal do glitter. Eu cantando, o glitter derretendo, entrou dentro dos dois olhos, eu não enxergava nada, começou a cortar o olho, arranhar. O que saía de água do meu olho, acho que o pessoal que tava lá na plateia falou: “Olha, que lindo, ela está emocionada”. Eu tava ficando cega, mas o show não pode parar, eu cantando mesmo cega lá. Cantando, chorando, não enxergava nada, o glitter todo dentro do olho. Aí enfim acabou e o público ficou batendo palma de pé uns cinco minutos. Uns cinco minutos. Aí foi quando apagaram aquele bendito daquele refletor amarelo, acenderam a luz da plateia e a gente viu todo mundo em pé nos camarotes aplaudindo muito, muito, muito. A gente cansada de agradecer, né? Chegou uma hora, o povo não parava, falei: “Gente, eu acho que vão invadir aqui o palco, vão agarrar a gente”. Aí eu já comecei a olhar pros lados assim pra coxia pra ver pra onde que eu ia fugir do negócio. Eles não paravam, não paravam até que pararam de bater palma. Então foi muito bacana assim, tirando o mico da viúva Porcina chorando e completamente cega. Tive que ir ao oftalmo, tava com o olho todo arranhado, o oftalmologista falou: “O que você fez aqui, cara?” “Enchi de glitter, eu não sabia que ia ter essa luz forte e derreteu”. Eu devo ter virado um monstro ali em cima do palco. Já tava a viúva Porcina com a maquiagem derretida e chorando.

P/1 – O que vocês apresentaram?

R – A gente apresentou Villa Lobos as Bachianas. Músicas de Villa Lobos. Foi muito bacana e ali eu vi que realmente eu gosto muito de musical. Então quando eu der uma sentadinha eu vou estudar musical, vou voltar aí às origens.

P/1 – Qual que era o nome desse grupo, do coral?

R – Era Coral da Petrobras de São Sebastião.

P/1 – E como é que você descobriu esse gosto pelo canto, você lembra? Quando que te deu um primeiro clique, por que você resolveu entrar no coral?

R – Ah, lembro. Lembrei agora. Porque a minha mãe entrou primeiro. Minha mãe era contralto e eu soprano. Aí como ela começou a contar de como que era o coral, das apresentações, aí eu fui. No teste de voz eu ficava de um lado, ela do outro que ela é contralto.

P/1 – Quantos anos você tinha mais ou menos assim?

R – Nossa, eu devia estar na fase dos 17, 18 anos, por aí.

P/1 – Vou voltar um pouquinho então pro começo da adolescência, queria que você me dissesse assim, nessa mudança da infância pra adolescência o que mudou na sua vida em termo de amigos, de lazer, de passeio?

R – Infância pra adolescência?

P/1 – É. Na sua adolescência e juventude assim, o que você fazia?

R – Mudou bastante coisa. Primeiro que essa vida largada de brincar o dia inteiro acabou. Acabou porque você já começa a pensar o que você vai fazer da vida, já começa a escutar essas histórias, já começa a entrar algumas preocupações assim. A minha tive uma vida assim bem largadona mesmo de só brincar e estudar e aí mudou, do colégio a gente já começava a falar em profissão, em que fazer, o que não fazer. Apesar de eu desenhar bastante, de gostar de cantar, não me vinha na cabeça o que fazer. Até os meus praticamente 18 anos eu não sabia o que fazer, até o dia que eu fui assistir um júri, júri é um caso de homicídio levado ao voto popular ali, e no júri eu sentei na plateia e ali eu falei: “Vou ser advogada”. Eu me decidi ali. Logo depois eu já prestei o vestibular, já passei. Fiz a faculdade, fui fazer exame da OAB, fui aprovada na primeira fase com a maior nota da banca no exame oral. Exame oral eu fui a maior nota da banca.

P/1 – Por que você foi assistir a esse júri?

R – Porque uma amiga minha trabalhava no fórum. Aí ela falou: “Vem aqui, passa aqui tal dia”. Eu sempre passava lá pra gente conversar mesmo, né? Naquele dia tava tendo um júri, ela falou: “Eu preciso...” como ela trabalhava com o promotor ela: “Preciso assessorar o promotor”. Eu fui ficar na plateia e ali eu me decidi a fazer Direito.

P/1 – E você lembra assim qual que foi a sua impressão dessa situação, desse júri? Qual foi a sensação? Por que te fez optar pelo direito?

R – Lembro. Ali eu escutei muito a palavra justiça. Justiça, justiça. E eu falei eu quero fazer justiça, eu quero ajudar as pessoas. Eu fui fazer Direito por um ideal de justiça mesmo. Eu queria ajudar as pessoas que necessitavam, os mais, enfim, os injustiçados, fosse em que nível fosse, fosse que situação fosse. Eu tenho isso até hoje muito forte dentro de mim, qualquer injustiça é uma coisa complicada pra mim. Então é difícil assistir noticiário, eu fico emocionada, eu fico revoltada com certas coisas. Eu tenho o próximo como um igual, então não é que eu não gosto, eu não tenho dentro de mim nenhum tipo de descriminação e quando eu vejo isso é uma coisa que me deixa triste, é uma coisa que me deixa revoltada. E aí N situações, desde situações assim de pobreza até violência, isso realmente me pega. É uma coisa que me deixa triste. E eu quando escolhi, só que eu era muito nova, eu não tinha a noção do que era, eu achava que eu fosse mudar o mundo, que eu iria mudar o mundo. Eu achava que eu advogada ia colocar um fim nas injustiças do mundo, esse era o propósito da Karin. E a gente sai da faculdade a gente sabe que a gente, enfim, a gente não consegue nem mudar o mundo, mas a gente consegue fazer alguma coisinha. Mudar o mundo realmente infelizmente não dá, nem sendo advogada, nem sendo qualquer outra coisa.

P/1 – Deixa-me voltar um pouco pro momento antes de você entrar na faculdade, antes de decidir o Direito. Queria saber assim, nessa fase mesmo de adolescência e juventude o que você fazia pra se divertir? Você saía, tinha festas, como é que era isso?

R – Eu adorava um bailinho. Danço muito, só que danço muito mal. Nem todo corpo de baile do Faustão daria jeito em mim. Eu sei que elas são profissionais, que estudaram na Rússia, na França, não sei mais onde, mas juro por Deus, eu tenho um problema espacial. Assim, quando o povo está indo pra lá eu estou indo pra cá, aí quando eles estão indo pra lá eu estou indo pra cá, quando é pra abaixar eu estou levantando. Mas mesmo assim eu me acabo de dançar. Eu não tenho medo do ridículo. Eu adoro dançar, mesmo dançando muito mal, mesmo tendo um problema sério de coordenação. Eu vou. Eu me sacudo. Então eu adorava bailinho, a gente saía muito pra bailinho, eu não perdia um carnaval, eu saía numa escola de samba chamada Sol de Verão, saía todos os anos. Filha, era assim uma Globeleza depois que passou um trator em cima, né? Ma seu ia. Ia com o meu grupo de amigas assim. Danço até hoje, danço sozinha. Eu tenho uma radiografia que eu ganhei, que eu ganhei de um pé pelo seguinte, eu estava dançando a música da Ivete, aquela Poeira, em casa, que eu danço sozinha, ligo o som e danço, até agora ninguém me processou no condomínio. E aí eu caí, eu tropecei no meu tapete, eu tinha um tapete dessa altura de pelo, eu caí e trinquei o osso do pé, fui parar no hospital com bota. Aí eu levantei poeira, levantei tapete, levantei tudo, né? E me esborrachei no chão. Eu guardo essa radiografia porque eu falo algum dia a Ivete Sangalo vai autografar. Eu acho que ela nunca deu um autógrafo numa radiografia, porque esse trinco aqui foi devido... Eu apelidei o trinco Poeira, né? Eu tava dançando Poeira lá. Não é Poeira, o nome é outro, mas, enfim. Então danço o tempo todinho, gosto de balada até hoje, desde meninota, era carnaval, era carnaval na rua. Meus pais me levavam quando eu era pequenininha, carnaval de salão existia, né? Aí foi carnaval de rua, foi bailinho, eu saía muito pra bailinho, pra esse tipo de coisa, até hoje eu saio pra dançar, vou ficar velha dançando. Não importa, de algum jeito eu vou dançar, só que é isso, eu danço muito mal. Como eu falo, nem o corpo do... Não tem aquelas bailarinas? Elas não conseguiriam dar um jeito em mim, minha filha, acho que é um problema espacial mesmo, é uma coisa de não conseguir se colocar no espaço, não sei. Mas enfim, dançar você precisa ter a alma na dança. Dançar na verdade é uma forma de você exteriorizar uma alegria. Então não estou nem aí. Não estou nem aí se está ridículo. Vamos que vamos.

P/1 – Como é que eram esses carnavais? Você falou desde a infância, o que tocava? Como é que era mesmo?

R – Marchinha. Assim, quando eu era pequenininha era marchinha, bem aquelas: “Alalaô...”. Depois quando era carnaval de rua já entraram os sambas enredo, mas tocava bastante marchinha também. E era muito bom porque a gente podia estar na rua sem se preocupar, lógico, ainda tinha um pouquinho de preocupação, mas era na rua, era onde a gente namorava muito. Era época de paquera, São Sebastião vinha muita gente de fora, a gente queria pegar os meninos de fora, então a gente beijava muito ali. Era uma coisa inocente, não passava daquilo, né? Então tudo bem. Depois São Sebastião começou a ter desfiles de escola de samba, pequenas, são pequenas, mas são desfiles organizados. Tem tudo, tem jurado etc. e tal. Tem escola, então a gente se preocupava um pouquinho mais como se a gente tivesse numa mini Sapucaí. Eu fui pra outros carnavais também, eu fui pra Porto Seguro três vezes. Porto Seguro é assim, Porto Seguro é um lugar de paquera. Eu não sei se eu posso falar, mas pais, os seus filhos vão pra Porto Seguro pra transar, tá? Se vocês não sabem ainda fiquem sabendo. Então era aquela pegação em Porto Seguro e eu fui três vezes, de tanto que eu... A primeira eu fui num grupo, num pacote, a segunda eu voltei com um amigo meu e a terceira eu fui porque eu estava estressada no escritório, aí eu fui pra lá pra desestressar. Porto Seguro é assim, é como se fosse uma grande micareta, são muitos jovens porque ali é excursão de escolas e o axé bombando pra tudo quanto é canto. É engraçado que tem uma música lá que é assim: “Beija, beija, está calor, está calor, eu não quero só beijar, também quero fazer amor”. Na hora que toca esse beija, beija começa todo mundo a beijar. Então era assim, você já escolhia um grupinho mais ou menos, os menininhos mais porque você sabia que você ia ser beijado ou ia beijar naquela hora. E eu tava assim no meio do beija, beija lá, divertindo-me a beça, no que eu olho tinha uma câmera, no que eu olho pra trás assim tinha uma câmera, uma emissora bem na minha cara. Bem na minha cara. Eu fiquei apavorada. Eu falei: “Gente, se isso passar na televisão o que os meus clientes...” já era advogada na época, eu voltei recentemente pra lá “O que os meus clientes vão falar? Olha a advogada lá beijando todo mundo”. Fiquei apavorada com aquilo, era uma câmera da Globo. Aí eu pensei, eu vou deixar de curtir aqui? Não. E o cara não sei, o cinegrafista cismou comigo, eu ia pra lá, ele ia com a câmera, eu ia pra cá... Falei o que eu vou fazer? Eu saí, fui pra passarela do álcool, ali tinha uns artesões... Artesãos. Tinha um que fazia máscara de couro, era um artista, e fazia máscara de couro. Eu comprei uma máscara de couro vermelha, formato de gatinha, meti a máscara, voltei lá pro meio, olhei pro cinegrafista: “Filma agora, seu f.d.p.”. E continuei beijando. Agora você pode filmar a vontade. Então gosto muito, continuo baladeira, continuo gostando de carnaval, continuo gostando de... Nossa, sou bem ecumênica mesmo, de balada pode me chamar que eu vou a qualquer uma.

P/1 – Tem alguma, dessa fase assim de adolescência e juventude alguma outra história de carnaval que tenha te marcado? Essa que você contou agora foi mais recente, né, você falou, mas uma mais...

R – Não é tão recente, eu sou ruim de data. Isso já tem, nossa, tem mais de dez anos. Tem uns 15 anos. Eu acho que não. Não consigo lembrar agora.

P/1 – Por que você começou a desfilar na escola?

R – Fogo. Fogo no facho, minha filha. Eu não lembro quando que eu me decidi porque como eu sempre fui do carnaval eu não lembro quando que eu passei. Minha mãe também desfilava. Como a gente fala, minha mãe é terrível aquela velhinha. Então minha mãe desfilava, o meu padrasto é de escola de samba, ele toca cuíca e ele é... Agora eu esqueci como é que é o nome, ele ensaia mestre sala e porta ban... Não. Ele não ensaia. Quando tem desfile precisa ficar alguém acompanhando o mestre sala e porta bandeira pra falar o jurado está ali, se apresenta. Ele faz esse papel. A gente está sempre ali no meio do vuco vuco.

P/1 – Ele faz parte de uma escola em São Sebastião?

R – Sim.

P/1 – Qual que é a escola?

R – Era a escola Sol de Verão.

P/1 – A mesma que você desfilava então?

R – A mesma. E ele toca cuíca, depois de um tempo ele ficou... Deixa-me ver, ele ficou fazendo esse papel de uma espécie de um fiscal, um condutor de mestre sala, que ele gosta muito da parte mestre sala e porta bandeira. E eu ali desfilando.

P/1 – Nessa época os seus pais não estavam mais juntos então?

R – Não.

P/1 – Como é que foi essa história dos seus pais?

R – Eles se separaram faz tempo. Eu acho que na época eu tinha uns sete pra oito anos. Então separaram há muito tempo. Aí meu padrasto veio também já tem uns 20 anos que eles estão juntos acho. Meu padrasto foi o primeiro namorado da minha mãe.

P/1 – Como é que foi, conta um pouquinho a história pra gente.

R – Eu não lembro muito bem. Eu sei que eles namoraram quando eles eram mais jovens e aí terminou o namoro, minha mãe conheceu o meu pai, meu padrasto conheceu a esposa dele. Aí meu padrasto ficou viúvo e ele foi atrás da minha mãe e os dois voltaram. Eu brinco que eu era hoje pra ser uma mulata porque o meu padrasto é negro e se eles tivessem ficado juntos eu hoje seria mulata aí.

P/1 – Seu pai continuou no Brasil depois da separação?

R – Continuo. Continua. Na mesma cidade, São Sebastião. São Sebastião é maravilhoso. É um paraíso lá.

P/1 – E nesse momento você era pequena, uns sete anos, como é que foi pra vocês a questão da separação dos seus pais?

R – Olha, pra mim foi tranquilo. Minha mãe fala que eu sempre fui muito observadora, extremamente curiosa e eu sacava as coisas antes de todo mundo. Então na verdade, apesar de ser pequena, eu já sabia que eles iam se separar porque eu notava o distanciamento, aquela coisa... Já o meu irmão foi pego mais acho que de surpresa, meu irmão não aceitou muito. Mas eu praticamente já sabia, minha mãe sempre falou isso, você antes de um ano você falava... Não. Quanto que é? Um ano... Um ano eu falava mais de 200 palavras. Então era terrível assim, sempre fui aquela que sacava as coisas, então eu sabia. Eu sabia que ia acontecer. E eu dei força. Eu dei força, com sete anos eu dei força.

P/1 – Lidou bem assim.

R – Lidei bem. Eu acho que não bem porque, enfim, é ruim, é uma situação que a gente é criança, a gente não sabe muito bem o que significa aquilo. Então lidar super bem impossível, mas era uma coisa que eu já sabia que ia acontecer, então acho que eu não fui pega de surpresa, isso ajudou um pouquinho apesar de ser chato, de não ser bacana, né? A gente quer casar pra vida inteira. A gente espera casar, unir-se pra vida inteira.

P/1 – E nessa fase de adolescência e juventude que você descreveu um pouco pra gente de bailes, carnavais e paquera, muita paquera, teve alguém marcante assim?

R – Ah, teve, né? De paquera você pergunta?

P/1 – É. De um primeiro amor, uma paixão.

R – Sim. Depois do Denis o pimentinha, o que me amarrou pela trança, eu me lembro da minha primeira paixão também que não foi correspondida. Lembro bem dele, enfim, não vou falar o nome, mas nossa, eu comia um caminhão de areia acho que por uns, sei lá, acho que uns dois anos por causa desse menino. Chorava. Ele não se interessou por mim. Depois foi...

P/1 – Mas era alguém da escola?

R – Era. Era alguém da escola.

P/1 – Como é que foi? Como é que vocês se conheceram?

R – Ele era mais velho e ele tinha um nível social melhor que o meu. Então ele tava na turma dos playboyzinhos e eu lá na dos pobrinhos. Então não tinha, além de eu ser mais nova, o grupo dele era mais velho, existia um desnível social. E ele era meio playboy mesmo, ele não se misturava com os mais pobres. Ele acabou sabendo, porque eu acho que estava escrito na minha testa, mas eu era assim aquela que era mais nova, pobrinha que não interessava. Enfim, eu vi acho que tem uns quatro anos que eu o reencontrei, tudo, continua muito bonito, mas acabou o amor. Acabou o amor, mas está muito bonito, está casado, então com todo o respeito. Continua um homem muito bonito.

P/1 – Vou retomar a questão da entrada na faculdade. Você contou um pouco pra gente por que você decidiu fazer Direito, queria saber como é que foi a experiência da faculdade. O que você achou, como é que foi vivenciar a faculdade?

R – Agora vão me matar, mas eu vou falar a verdade. O ensino na faculdade deixava a desejar. Eu fiz a faculdade, interessava-me, estudava, mas assim, hoje eu vejo que ali o currículo poderia ter sido bem melhor a forma de dar aula. Faltou muita coisa, faltou a parte de vivência. A gente tinha um estágio do quarto pro quinto ano, ok, mas faltou cultivar os alunos, envolver os alunos no universo jurídico, criar coisas, não só ali você pegar, estudar e fazer a prova. Eu sou uma pessoa que não gosta de rotina, eu estou sempre inventando alguma coisa, eu acho que a gente sempre pode fazer muito mais de uma forma diferente, você não precisa fazer sempre a mesma coisa igual. Então eu acho que eles tinham uma visão muito daquela visão muito simplista do que é uma aula, do que é um curso. Eu acredito que hoje em dia deva estar bem diferente lá, deve ter se modernizado, devem ter se modernizado.

P/1 – Você fez faculdade em São Sebastião?

R – São José dos Campos. Eu ia e voltava todo dia de ônibus de São Sebastião pra São José. A gente subia e descia a serra arriscando a vida. Teve um dia que a gente chegou... Porque era assim, a gente subia a serra era de São Sebastião até São José e depois descia, né? Teve um dia que a gente chegou a Caraguatatuba o motorista parou o ônibus, ele estava assim emocionado, falou assim: “Olha, agora eu posso falar porque não aconteceu nada, mas o freio falhou no começo da serra, eu desci segurando no braço esse ônibus”. Complicado. Aquele dia foi difícil. Eu fazia isso todo dia.

P/1 – Vocês iam e voltavam de ônibus?

R – A gente saía às cinco da tarde, chegava umas sete e meia, aí a gente chegava uma meia noite em casa todo dia.

P/1 – E durante essa época da faculdade, Karin, ou antes, você trabalhava também ou só estudava?

R – Só estudava. Pude me dar ao luxo de só estudar. Fui fazer estágio, quando eu fiz estágio na promotoria os professores, promotores falaram: “Não seja advogada, seja promotora. Você tem perfil de promotor”. Aí eu não segui o conselho deles, mas eles me avaliavam como promotora: “Estude pra promotora”.

P/1 – Esse estágio na promotoria foi seu primeiro estágio?

R – Foi.

P/1 – Conta um pouco o que você fazia, como é que era esse estágio.

R – Então, esse estágio eu basicamente recebia os inquéritos e analisava juridicamente, tecnicamente se era caso de denúncia, elaborava a denúncia que é a peça crime que dá início ao processo penal ou se era caso de arquivamento. Ouvia as pessoas, essa parte eu gostava muito bem, eu tinha muita paciência. Porque chega gente lá que às vezes a pessoa só tem necessidade de desabafar e são casos assim, pra ela estar procurando um promotor, um fórum, você imagina que são casos, né? Eu lembro que eu ficava quatro horas conversando com as pessoas. Ali foi um pouco difícil porque tem áreas do Direito que eu não gosto de atuar, eu realmente tenho muita dificuldade, que é a parte criminal. Então chegava inquéritos com fotos, laudos de crimes, a gente tem que olhar, tem que analisar, tem que olhar a foto e olhar o laudo. Até aí era pesado, mas ia, o problema pegou pra mim na área criminal quando chegava inquérito de estupro de criança, aí realmente eu vi que eu não gostaria de fazer aquilo, eu pedi, eu fui pra promotoria do meio ambiente e amei. Meio ambiente, Nossa Senhora, ali eu adorava fazer essa parte do meio ambiente.

P/1 – Nessa primeira experiência de trabalho você citou que você tinha que conversar muito com as pessoas.

R – Sim.

P/1 – Tem alguém ou algum caso que tenha te marcado assim pessoalmente e profissionalmente nessa primeira experiência? Ou alguma atuação.

R – Pois é. Eram essas causas de abuso, tudo, mas eu não gostaria de falar.

P/1 – Ah, não. Claro.

R – Realmente é... Enfim, a gente na faculdade estuda e eu tive uma aula de medicina legal, nessa aula a gente teve psiquiatria forense. A gente estuda um pouco e essas coisas não têm cura, as pessoas que, enfim... Então é uma coisa que é horrível e você não tem o que fazer com aquilo a não ser meter na cadeia. Então complicado.

P/1 – Era remunerado esse primeiro estágio?

R – Não. Não era remunerado.

P/1 – E aí você ficou quanto tempo com essa...

R – Eu fiquei acho que um ano e pouco, promotores ótimos, hoje em dia eles são famosos, vejo dando entrevistas, estão em cargos elevados aí. São pessoas ótimas.

P/1 – E depois você chegou a fazer outro estágio antes de finalizar a faculdade?

R – Fiz um pouco na faculdade, mas o estágio na faculdade pra mim era difícil porque eu ainda morava em São Sebastião, então não tive como me dedicar de corpo e alma. Era complicado. Mas fiz um pouco na faculdade.

P/1 – E nessa fase de faculdade, nessa esfera assim mais ligada a vida profissional ou pessoal tem alguma coisa que você tenha vivido que tenha sido mais significativa, uma coisa que tenha ficado na memória?

R – De conseguir ajudar as pessoas. Ficou bastante coisa. De conseguir os resultados, recentemente eu consegui 12 sentenças procedentes de uma vez só em caso de moradia. Consegui livrar um imóvel das pessoas de uma hipoteca abusiva, aí você ver as pessoas agradecidas, enfim, essa é a melhor parte.

P/1 – Mas isso é mais recente você diz?

R – São mais recentes.

P/1 – Mas eu digo na época da faculdade ainda, antes de você sair da faculdade.

R – Ah, na época da faculdade? Eu me recordo na época da faculdade basicamente do estágio mesmo, essa parte do estágio.

P/1 – E aí quando você se formou o que você foi fazer, Karin? Como é que foi, você continuou morando em São Sebastião? Com o que você foi trabalhar? Conta um pouco.

R – Não. Quando eu me formei eu fiquei um ano procurando emprego, vim aqui pra São Paulo porque lá em São Sebastião o campo era muito pequeno pra advocacia, muito. Eu não achava trabalho lá, eu decidi vir pra São Paulo. E aí aqui eu penei, comi o pão que o Diabo amassou, fui morar de favor num lugar bem pobre, o colchão era cheio de pulga, as pulgas me comiam durante a noite, procurando emprego não achava nada, nada, nada. Mas eu não desisti. Assim, tava muito apertada em termos de grana, tudo e pra me virar também eu nunca tinha saído de casa. Então aqui o pessoal me dava informação errada de propósito, mandavam-me a lugares errados. Eu não sabia me virar, não sabia comprar um bife, eu ligava do orelhão a cobrar pra perguntar como compra bife, que pra mim bife era bife. Eu chego num lugar e peço um bife, mas não é, né? Você pega um patinho, um coxão mole. Eu não sabia nem fazer isso. E aí eu fiquei um ano batendo cabeça aqui e aí a grana assim tava no limite, eu dei pra mim, falei: “Vou ficar mais uma semana aqui senão eu volto pra casa”. Nessa noite que eu falei que eu ficaria mais uma semana eu sonhei assim com o que eu gostaria de fazer, que é sempre no lado de defender as pessoas. Isso foi num dia, no outro dia eu vi um anúncio no jornal numa associação de defesa de consumidores, fui fazer a entrevista e passei e fiquei lá durante dez anos.

P/1 – Foi seu primeiro emprego então?

R – Foi. Foi o meu primeiro emprego.

P/1 – Queria retomar um pouquinho essa sua vinda pra São Paulo então que você contasse um pouco pra gente assim como é que foi essa mudança, como você fez a mudança mesmo, como é que foram as suas primeiras impressões da cidade.

R – Então, a primeira impressão foi de encantamento, maravilhamento, nem existe isso, né? Assim, eu sofri bastante quando cheguei porque primeiro era uma pessoa criada dentro de casa, que não precisou trabalhar, tudo mamãe fazia, papai fazia, tudo de bom e do melhor e cai aqui sem grana, sem emprego, sem conhecer ninguém. Quando eu cheguei a São Paulo houve uma identificação assim imediata. Hoje eu sei que eu sou bem cosmopolita. Eu sou provinciana, tudo, mas eu sou cosmopolita também porque assim eu me adaptei muito rápido. Eu amo ver essa bagunça, eu amo o cheiro de São Paulo, eu amo olhar as luzes de São Paulo, ver a noite de São Paulo, esse mundaréu de gente, essa gente toda agarrada. Eu adoro uma 25 de Março, tarada na 25 de Março, minha filha, vou lá no vuco vuco, encosta dali e já conhece ali, já sento, já começo a conversar, já faço amizade. Pra mim isso é muito tranquilo, São Paulo me dá tudo isso. Agora, teve a parte ruim. A parte ruim era assim o medo da violência, a dificuldade em si porque eu não tinha trabalho, não tinha emprego, não tava conseguindo, eu levei um ano indo, indo, indo, buscando e nada. Bateu certo pavor nessa parte. E eu acho que o que mais me pega, o que eu mais acho ruim realmente é a questão da violência, você ter que ficar sempre alerta, nunca poder ficar relaxada. Isso é a parte ruim que eu considero, mas tirando isso eu gosto muito daqui, então eu me adaptei muito fácil, tranquilo.

P/1 – Onde você foi morar logo que você chegou a São Paulo?

R – Putz, eu não lembro o bairro. Eu fui pra casa de uma senhora que a minha mãe tinha conseguido pra eu ficar, que era onde... Tadinha, ela não tinha condições, ela era bem pobre. Assim, eles só tinham chinelinho pra usar, então ela me cedeu um colchão lá e aquele colchão tava infestado de pulga. A casa não tava terminada então quando chovia, chovia em cima. Depois que eu consegui o trabalho eu fui morar na Liberdade numa quitinete. Depois eu fui pra Aclimação, aí fiquei um bom tempo lá.

P/1 – Nesse um ano que você ficou procurando emprego, como que era teu cotidiano aqui em São Paulo?

R – Então, como a grana tava curta eu só saía pra procurar emprego, comer e não gastava em nada, não curti. Até não tinha como, né? Então eu tava muito focada, como eu tava muito focada, era só o emprego, só o emprego, era só isso que eu pensava. Quando não tava fazendo isso eu tava assistindo televisão, não tinha dinheiro pra gastar, ficava lá.

P/1 – E esse seu primeiro emprego então que foi com o direito do consumidor, é isso? Como é que foi? O que você fazia e como é que foi essa experiência?

R – Eu já cheguei elaborando ações, elaborando petição, depois trabalhando normalmente no processo, fazendo audiência, assembleias, reuniões, atendendo cliente. Nossa, era bem puxado. Bem puxado.

P/1 – Em que local que foi isso? Você pode falar?

R – Era na Boa Vista. Na Rua Boa Vista.

P/1 – Era um escritório que trabalhava especificamente com o direito do consumidor, é isso?

R – É. Isso. E aí sempre atendendo pessoa, sempre falando, falando, falando. Atendia as pessoas aí formalizava o que tinha que formalizar, enfim.

P/1 – E nessa primeira experiência assim... Bom, você já tinha tido experiência na promotoria, mas assim primeiro emprego mesmo, como é que foi essa experiência de atender as pessoas? Também teve alguma situação que tenha te marcado nesse início, uma pessoa em particular, um caso em particular?

R – Eu acho que o que me marcou foi eu ter a vitória nos processos que eu desenvolvi. Foi bem marcante isso pra mim. A amizade do pessoal do escritório, a gente fez uma amizade muito bacana. Eu sou madrinha de casamento, um menino que começou como boy que hoje é advogado, eu sou madrinha dele de formatura, fui eu que entreguei a OAB pra ele, sou madrinha de casamento. A gente até hoje se conhece aquele grupo, com exceção acho que de uns oito que passaram rápido, mas o núcleo assim a gente tem amizade até hoje, a gente se frequenta. Enfim, um socorre o outro, saímos, passamos por todas as fases, conhecemos os cônjuges, os filhos, estamos sempre juntos. A amizade continua até hoje.

P/1 – Você lembra o que você fez com os seus primeiros salários?

R – Lembro. Eu adquiri o imóvel. Minha casa. Eu gastava bastante em roupa, até porque é uma necessidade, a gente como advogada. Eu gastava, nossa, eu sou a perua da... É que eu não estou usando aqui, está na minha pasta, mas eu sou louca por joias e mais especificamente pedra. Se você deixar até coloco o brinco, porque eu não estou com ele aqui. Então eu compro bastante joia com pedra.

P/1 – Mas antes, você disse que você adquiriu sua casa, mas imagino que depois de algum tempo. Eu queria saber se você lembra assim primeiro, segundo salário se tinha alguma coisa que você queria muito e que você comprou.

R – Ah, foi comprar roupa, foi comer, fui gastar em São Paulo, restaurante bom. Tem alguns restaurantes que eu vou até hoje. Que mais? Fazia doação. É que eu não estou lembrando agora, mas de ter...

P/1 – E a... Desculpa, pode terminar.

R – Não. Imagina.

P/1 – A aquisição da sua casa, que é um momento bem importante, quando você decidiu como foi escolher o imóvel?

R – Foi ótimo. Eu achei exatamente o que eu queria num lugar muito bom. Nossa, eu vivia dançando pela casa assim. Foi maravilhosa. Eu trouxe os pais pra conhecer, os amigos, aquela coisa toda, né? É que eu me lembro de outro fato. Quando, Nossa Senhora, quando eu entrei na minha casa pra comprar, como eu era advogada eu fui pega pra Cristo. Existia um problema lá com o atual síndico, um problema de prestação de contas e quando o pessoal soube que quem tava adquirindo o imóvel era uma advogada, eles me cercaram lá embaixo: “Está acontecendo isso, isso, isso...”. Então eu tive que atuar como advogada lá pra resolver esse problema do condomínio, entrei meio que no... Era um problema, enfim, que demandou um processo na justiça, uma trabalheira danada, uma briga e assembleias. E aí já me enfiaram como síndica sem eu querer. Eu só consegui relaxar depois que eu fiz a renúncia como síndica que não estava dando, né? Aí eu consegui relaxar porque eu entrei já me pediram pra resolver um problema, como eu tava comprando e era meu interesse também, e era um problema de prestação de contas, de caixa etc. eu me vi falando realmente tem que ser feito alguma coisa, a gente tem que resolver. Aí eu resolvi e já me enfiaram como síndica. Síndico não tem vida. Quebra elevador de madrugada você tem que resolver. E eu trabalhava muito então eu renunciei por causa disso, falei: “Não está dando”. Quando eu renunciei que eu fui conseguir curtir minha casa, como síndica. Mas foi excelente. Muito bom.

P/1 – Karin, durante toda essa fase, que você já tá na fase adulta, depois de se formar, conseguir esse emprego esses dez anos, você teve algum relacionamento amoroso também que tenha um destaque?

R – Vixi, é sério?

P/1 – É sério.

R – Bom, eu com 20 e... Espera aí. 26 a 31 eu casei. Eu casei assim, eu não casei no papel como falam, eu fui morar com uma pessoa, aí eu terminei esse relacionamento eu acho que com 31 anos e depois eu só namorei. Namorei um, namorei outro. Depois eu fiquei com o dedo meio podre, sabe? Desculpa agora...

P/1 – E essa pessoa com quem você se casou, é um casamento, morar junto é um casamento, como é que vocês se conheceram? Como é que é a história dessa relação?

R – Eu o conheci ele prestava serviço num shopping em frente onde eu trabalhava. E aí eu folhei, falei: “Hum... Que gato. Vou pegar”. Era dificílimo, menina, porque chovia mulher em cima dele. O apelido dele era Tom Cruise. Ele não tem nada a ver com o Tom Cruise, mas de tão bonito apelidaram como Tom Cruise. Era uma concorrência, mas quando eu coloco meu olho de tigre eu falo vou casar com você, eu vou casar com você. E eu fui lá, vai que vai que cerca e deu certo. Na primeira vez que a gente ficou ele também acabou gostando de mim, tudo. Eu sou uma pessoa supertranquila, eu não tenho um pingo de ciúme. Eu tenho ciúme de amigo, você acredita? Eu tenho ciúmes dos meus amigos, mas de marido, namorado nem 1%. Eu gosto de liberdade, então eu penso assim, se eu quero ter liberdade, a primeira coisa é dar liberdade pro outro. Não tenho ciúmes, não gosto de ciúmes. Ainda bem, né? Porque você imagina uma pessoa que chove mulher em cima, imagina se eu fosse ciumenta como ia ser minha vida com ele. Então não tinha problema, eu cheguei pra ele e falei: “Olha, eu não vou perder um segundo da minha vida pensando no que você pode estar fazendo ou deixando de fazer. Eu não perco tempo com isso. Eu acho que o importante é você ser leal a pessoa e eu estou aberta a sempre conversar de tudo. Vamos conversar. Vamos conversar, ciúmes não vou ter. Podem esfregar na tua cara, eu não vou ter ciúmes, você faça o que você quiser. Se você achar que vale a pena você investir em mim, coisas que não vão me deixar chateada pra ficar comigo, é uma decisão sua. Você é que vai dizer isso, eu não vou te policiar nunca, até porque eu detesto que façam isso comigo. Detesto”. Eu sou uma aquariana assim legítima daquela assim que liberdade é a minha... Você quer perder minha amizade ou perder alguma coisa é você tolher minha liberdade. Então eu vivo isso e pra mim não faz sentido. Então hoje nosso relacionamento foi a gente não brigava. A gente não brigava. Acabou porque teve que acabar, mas a gente não brigava, não tinha nenhuma situação de estresse. Embora as pessoas tentassem sempre... As pessoas achavam muito estranho eu não ter ciúmes dele, eu não ser uma pessoa ciumenta, então as pessoas tentavam criar caso, sabe? Tão paquerando o teu marido lá. Eu falava: “Então que ótimo, tem mesmo é que paquerar porque ele é muito bonito”. Não tinha, comigo não tem. Então antes de tudo nós fomos e somos amigos. Eu acho que assim é muito fácil ter um relacionamento comigo. Um relacionamento comigo começa com amizade. Eu jamais vou policiar uma pessoa porque eu não quero que ela faça isso comigo. Não vai rolar, cara. Eu costumo brincar que eu tenho um pouquinho de ciúmes é com amigo. Com amigo eu falo: “Mas você é meu amigo, heim”. Alguma coisa assim. Mas relacionamento não. Relacionamento não tem assim, eu sou a pessoa mais tranquila do mundo. Do mundo. Você nunca vai me ver me dar nem um piti nem chamar a atenção. Se ele achar que ele tem que fazer alguma coisa ele que faça. Não estou nem aí. O que é chato, o que é complicado é quando a pessoa está fazendo não porque está afim dele, mas porque quer te afrontar. Aí eu acho assim, aí a gente combinou o seguinte: “Olha, eu estou me sentindo incomodada porque a pessoa quer me afrontar ou você está vendo uma situação assim, aí a gente fala alguma coisa, dá um basta só pra parar com isso”. Não é ciúmes, entendeu? É outra coisa. A pessoa está querendo te afrontar e isso tem muito, né? Isso tem muito. Aí a gente combinou assim, mas isso não é ciúmes, isso é só uma forma da gente administrar uma situação chata. Nesses casos a gente combinou assim, mas também só por conta disso. Só pra parar. Nem tem discussão disso depois: “Olha...”. Nada. Nada, nada, nada.

P/1 – Karin, você teve filhos ou você tem filhos?

R – Não. Não tive. Não tenho vontade de ter filhos. Quando eu tinha 27 anos, 27 pra 28 me deu uma vontade louca. Não sei se teve alguma influência biológica aqui, eu sonhava com bebê, mas não rolou de eu ficar grávida por quê? Porque eu trabalhava muito. Muito, não tinha espaço, naquela época não tinha espaço pra pensar em ter uma criança. Aí ficou mais tranquilo, mas quando ficou mais tranquilo eu me autoconhecendo sei que eu não nasci pra ser mãe, não vai me fazer mais feliz, não tenho vontade, apesar de amar criança, no meu computador ter foto dos filhos dos meus amigos. Brinco com criança, todo mundo fala que eu tenho uma... Mas eu sou bem resolvida nessa parte, não me faz falta porque eu tenho a noção que eu não vim pra ser mãe mesmo. Está tranquilo.

P/1 – Não quer.

R – Não quero. É. Melhor assim. Isso não me impede de eu ser a tia maluca, todo mundo já está sabendo, se você deixa suas crianças comigo eu vou metê-las no barro, na tinta, na lambuzeira porque eu acho que criança tem que ser criança. É por isso que as crianças gostam: “Chegou a tia doida”. Eles adoram, né? Adoram quando eu chego. Então eu tenho uma noção assim, criança é pra ser criança, vamos brincar, nada de que não pode sujar a roupinha. Não. No way. Comigo não, minha filha, você pode ter certeza. Então é assim, sou a tia, mas estou bem.

P/1 – Queria saber um pouco agora do seu momento profissional atual, que você falasse pra gente atualmente o que você faz, com que você trabalha. Você tem uma diversidade de atividades, que você citou lá fora, conta um pouco pra gente sobre isso.

R – Tenho. Então, eu continuo advogando, mas eu me descobri aí o lado criativo falando bem mais forte. Eu comecei a escrever coisas soltas assim, ideias que eu tinha pra quadro de TV, aí eu me dediquei a escrever um reality show. Esse reality show é inédito, ele é totalmente interativo, coisa que não existe, passou a existir agora porque esse reality ficou aberto aí na internet. Então eu vejo coisas sendo replicadas, mas fui eu que fiz, ele é inédito, ele é original e ele é interativo. Eu faço questão de dizer isso porque eu penso assim, isso custou trabalho, isso custou suor e isso custou uma decisão muito difícil, uma decisão que eu fui parar na terapia. Qual foi a decisão? Eu tive que largar a advocacia. Por que eu tive que largar? Porque não dá pra fazer as duas coisas juntas. Advocacia é legislação, é norma, é o preto no branco, a interpretação que você vai ter é uma interpretação em cima da lei. Não existe espaço pra criatividade. Escrever um reality, escrever um quadro, escrever uma ficção, escrever contos, escrever uma crônica, é totalmente o lado criativo. Não dá pra eu trabalhar focada o dia inteiro, levar problemas pesados pra casa que eu preciso resolver e ter uma cabeça pra criar. Não dá. Uma coisa mata a outra, essa parte aniquila a parte criativa. Então quando eu decidi escrever esse reality, ir pra essa área, eu tive que abrir mão dessa profissão que eu investi muito tempo, investi... Como todo mundo a gente tem dias maravilhosos, mas a gente tem dias horríveis, dias que você chora no banheiro, dia que você fez cagada, dias que você é tratada mal pelos clientes, dias que você trata mal. Enfim, é uma vida, né? Uma vida de profissão como qualquer um e você abrir mão disso sem ser formada em comunicação, sem ter feito publicidade, comunicação, qualquer coisa que o valha, só na cara e na coragem no que sai da tua cabeça é muito difícil. Então eu fiz análise durante dois anos pra conseguir dar tchau com a mão fechada. Consegui. Eu chorei muito, Nossa Senhora, foi assim, porque o Direito pra mim é muito importante. Você ter noção de lei num país como o nosso onde a educação é lá embaixo, onde as pessoas não sabem os direitos que elas têm. Então Direito é uma profissão que encaixa em tudo. Eu como produtora, como roteirista, eu preciso de Direito. Contrato licença de imagem, onde vai, direito autoral, até onde vai, o que você tem que fazer. O Direito em qualquer área, qualquer área da nossa vida civil é normatizada, então o Direito lógico me socorre bem. Então não é uma vida perdida, mas foi muito difícil, acho que foi a coisa mais difícil.

P/1 – Teve um momento assim que você reconheça, identifique, em que você tenha percebido ou um acontecimento que tenha te feito perceber que era o momento de você começar a pensar em mudar de área, de dar essa guinada? Você vivenciou alguma coisa?

R – Sim. Vivenciei. Eu comecei a escrever e algumas pessoas que leram, próximos, gostaram muito e falaram: “Você tem muito potencial, muita criatividade e é uma pena que você não seja da área da comunicação, da TV ou seja lá o que faz. É uma pena”. Eles falam assim: “Eu não a conheço como advogada, agora, você como criadora aqui, se você não exercer isso é um talento perdido”. Aí eu comecei, falei: “Será?”. Putz, quando eu propus a escrever eu percebi uma mudança em mim. Primeiro uma diminuição de stress muito grande. Na verdade eu tava com um stress muito grande na advocacia porque a advocacia não tava me dando o que eu preciso, que é exercer a criatividade. Então o stress na verdade não era com a vida de advogada, era com eu não estar fazendo aquilo para o qual eu tenho talento, necessidade, vontade, alma, enfim. E eu não sabia disso. Tanto tempo fazendo análise pra descobrir que o que me deixava estressada era o fato de eu não exercer o meu lado artístico. E eu não sabia disso, eu não sabia. Eu achava que o que me deixava estressada era o juiz, era o promotor, era o outro advogado, era o cliente. Não era nada disso. Demorei muito pra cair essa ficha. Muito mesmo. Comecei a escrever, quando eu comecei a escrever, quando eu escrevo eu tenho uma descarga de adrenalina que é como se fosse quase um orgasmo mesmo. É prazer. Eu nunca tinha vivenciado isso. Então às vezes eu fico chateada, eu falo assim: “Poxa vida, por que a vida... Por que a vida foi me mostrar isso só agora e não com 20 anos?”. Não sei. Hoje eu se pudesse voltar atrás teria feito comunicação, teatro, publicidade. Eu não sei. Agora eu vou ficar a viúva Porcina de novo, toda borrada.

P/1 – Não borrou, não. Pelo menos por enquanto. Deixa-me ver. Não borrou, não.

R – Bom, então o questionamento que eu faço maior na minha vida é por que a vida não me mostrou que eu deveria ter feito uma comunicação, um teatro ou alguma coisa assim, né? Mas enfim, está ai.

P/1 – Você começou a escrever espontaneamente? Da onde veio isso?

R – Espontaneamente. Não sei. Cara, eu não sei. Um belo dia eu sentei na frente do computador, comecei a escrever. Por que eu faço questão que o meu trabalho... Hoje se você me perguntar o que você mais precisa, eu preciso duas coisas, dinheiro porque como eu parei de trabalhar minha renda caiu, parei de trabalhar no que eu exercia. Então eu preciso de dinheiro, mas antes disso eu preciso de reconhecimento. Eu preciso de reconhecimento porque eu trabalho assim, quando eu falei vou escrever um reality ele precisa ser inédito, original. Reality tem de tudo quanto é jeito, você imagina você ter que sentar e descobrir uma coisa que não foi feita ainda. Isso não é fácil, cara. Isso não é fácil. Isso foi muito trabalho, isso foi lá... Senta, pensa, pra não ser igual aos outros, pra não ser igual aos outros porque senão não conseguiria nem direito autoral em cima dele. Então assim, foi muito trabalho. Hoje eu o vejo sendo replicado, eu quero o reconhecimento dele, então se você me perguntar assim duas coisas que você precisa na sua vida, primeiro é reconhecimento, depois o dinheiro, que a gente tem que pagar as contas, né? Mas o reconhecimento é principal porque eu sentei pra fazer um trabalho e a gente tem, por exemplo, um ícone da televisão que é o Boni, todo mundo reconhece o Boni pelo trabalho dele. Lógico que eu não quero ser um Boni, porque eu não tenho... Minha vida foi diferente da dele. Se há 20 anos eu tivesse começado talvez seria. Mas eu quero tanto como o Boni teve o reconhecimento eu quero que falem o reality interativo onde o público pode determinar as tarefas, as provas, quem fez foi a Karin. Eu quero esse reconhecimento. Eu não vou abrir mão dele. Não vou abrir mão porque eu tive que abrir a minha mão de uma vida como advogada pra fazer isso. Tive que abrir mão de dinheiro. Hoje eu estou apertadinha. Eu tive que realmente acreditar em mim com muita força pra abrir mão de uma profissão que eu poderia ganhar bem pra não estar ganhando nada hoje e ter o trabalho copiado. Isso eu não aceito. Eu não aceito.

P/1 – E por que um reality? Por que televisão, Karin?

R – O reality porque assim foi a primeira ideia que eu tive de escrever um projeto. Eu pensei, eu escreveria uma ficção? Eu não fiz um curso de roteirista, tudo, então me falta bagagem pra escrever uma ficção. Eu tentei ir pro... A Globo tem um curso de roteiristas lá, eu tentei fazer minha inscrição, não fui aceita lá. Eu precisaria parar e estudar, só que eu preciso investir dinheiro, agora não dá. Mas pra eu escrever uma ficção, uma novela, um quadro ou uma série eu precisaria começar no bê-á-bá, entendeu? Eu preciso fazer um curso bom. O reality como ele tem um conceito e você não precisa escrever um arco dramático, nada disso, ficou mais fácil de escrever com a bagagem que eu tenho hoje, que foi o conceito, a ideia que não foi fácil ter, tive que espremer o cérebro, mas hoje eu consigo escrever com a bagagem de conhecimento técnico, que ela é pouca. A minha vontade é me estabelecer e fazer um belo de um curso, entendeu? Aquele curso que você rale pra fazer. Aí sim, aí eu vou pensar em outros formatos. Mas eu preciso ter, como eu estudei Direito, eu tive que estudar a constituição, teoria geral do estado, é a mesma coisa quando você vai escrever um roteiro, né? Você precisa dos fundamentos. Eu não tenho esses fundamentos hoje, mas com a graça de Deus eu algum dia vou ter.

P/1 – E esse reality você pode dizer em linhas gerais o que é ou é uma coisa confidencial ainda?

R – Posso. Não, eu já subi o livro pra Amazon. Eu coloquei na internet, tanto é que eu o reconheço, tem uma chamada de um reality que está ao vivo que só trocaram uma palavra do que é o meu, ele ficou na internet aberto mais de um ano. Porque eu queria que lendo as pessoas conhecessem... Lendo um trabalho você pode identificar como é a pessoa, né? Ali é uma radiografia sua. Você lendo o reality, você fala: “Olha, tal pessoa consegue escrever assim, ela é boa pra isso”. Esse reality é um reality focado em cultura, turismo e o maior atributo dele é a interatividade. Eu tenho uma frase que é uma chamada pra ele que é assim “O reality convida o público a ser roteirista”. Por quê? Porque as provas o público pode definir as provas. Os grupos, as tarefas, os lugares. Tem um reality que está ao vivo aí que ele colocou exatamente a mesma chamada “O público vai ser convocado durante todo o processo” que é o que eu coloco. Então assim, dentro das minhas possibilidades hoje foi o que eu consegui fazer. Se eu tivesse estabelecida eu estaria criando, eu já tenho ideia pra próximas, mas eu não tenho como investir neles agora.

P/1 – Você chegou a dar um nome pra esse projeto?

R – Sim. Em português é Os recém chegados e em inglês é The newcomers. Ele está registrado, tudo. E eu reconheço esse maior atributo que é o da interatividade dele, o público o construindo já sendo replicado aí por um que está agora ao vivo. Então é o que eu digo, eu quero o reconhecimento como o Boni fez a vida dele, eu quero que as pessoas falem: “Foi a Karin que fez isso”. Se eu vou vender ou não são outros 500, lógico que eu preciso vender, né? Senão daqui a pouco eu to indo pra Miami trabalhar de babá. No way. No problema. No problem, eu vou. Eu não posso voltar atrás, porque se eu voltar como advocacia eu vou ficar focada 100% na advocacia, nos meus clientes e aí eu não crio.

P/1 – Quanto tempo faz que você largou a advocacia e fez essa mudança?

R – Tem uns três anos. Venho largando aos poucos, tem uns três anos.

P/1 – E aí você chegou a estruturar uma empresa sua ou você está nesse processo, como é que é isso?

R – Eu abri uma empresa formalmente assim só pra poder fazer os registros etc. e tal. Tentei vender, passei pra vários e-mails que eu tive, mas não rolou. Eu fiz um curso, ele foi selecionado por uma Startup do Sebrae agora. Nessa Startup do Sebrae foi excelente, foi um aprendizado

muito bom porque eu o pivotei. Pivotar é mudar. Porque assim, você fez o negócio, o negócio não vai gerar, o que você faz? Senta e chora? Não, né? Então eu vou transformá-lo em alguma outra coisa pra gerar renda, mas ele está aí, ele está assim, esse conceito eu quero ser reconhecida por ele. Eu só faço questão de ser reconhecida, seria o maior presente. Se você me perguntar, Karin, o maior presente que você pode me dar agora é você fazer uma entrevista comigo, colocar o release que o meu reality é inédito, é pioneiro nisso. É o maior presente que você pode me dar, porque a partir daí quem sabe eu falo de Miami, mas eu estou cogitando ir mesmo, quem sabe alguém, sei lá, no mundo inteiro não me chama pra fazer algo parecido, algo igual. Essa é a minha vida hoje, essa é a minha meta hoje, eu não abro mão do meu trabalho porque ele é bom, ele pode não ser o The Best, mas ele é bom, ele é fruto de, sabe, o que eu posso fazer pro público de diferente, não copiando ninguém. Claro, tendo por base alguma coisa, mas não copiando ninguém. Ele é interativo, a gente está numa era, nossa era é transmídia hoje. Então ele foi pensado nisso porque a transmídia não volta atrás. Nós estamos num mundo transmídia, nosso mundo vai ser transmídia pra sempre, então ele foi, ele é um roteiro transmídia. Tanto é que ele foi lido por um profissional de games e ele me devolveu falando: “Karin, pra mim isso aqui é um roteiro de RPG”. Então eu vou tentar monetizar por esse lado também. Então ele é um roteiro transmídia, esse atributo é meu e isso eu quero ser reconhecida. Eu quero que saia uma nota no jornal, que eu posso arrumar, que não seja aqui, que de repente seja fora, um trabalho, alguma coisa. Porque chega uma hora que a coisa começa... Eu estou que nem quando eu comecei a procurar emprego que eu fiquei um ano lá, o dinheiro acabou, falei: “Olha, se não tiver dinheiro agora...” Eu estou nessa fase. Então eu não posso abrir mão dele. Uma porque é meu, é o meu filho, outra porque ele foi lido por várias pessoas que acharam... Eu só recebi elogio, eu não recebi crítica. E o terceiro porque é uma questão de direito autoral, né? Preciso ser respeitada aí. Então o reconhecimento. Eu queria ser um pouco Boni. Um pouco Boni, Boni é referência, um pouco Boni, falar: “Olha, o primeiro reality interativo foi dela”. Isso é um pouco de vaidade, porque o ser humano a gente tem tudo dentro da gente. Primeiro que é a realização, é a luta, assim como eu ganhei um processo e eu vi o resultado, eu vi a pessoa feliz, é a minha realização e é um pouco de vaidade também. Acho que foi o Ney Latorraca que perguntaram pra ele por que ele era ator e ele teve a grandeza, não sei se foi só isso, desculpe-me se eu tiver falando besteira que eu não li, ele teve a grandeza de falar que era vaidade também. Está certo. Por que a gente não pode admitir? A gente tem essa mania de você vai fazer uma entrevista de emprego, você não pode errar, você tem que falar que você é perfeccionista. Eu sou totalmente contraria a isso. Quem me conhece, se você perguntar quais os meus defeitos eu vou falar todos os meus defeitos. Agora, a qualidade do trabalho tá aí. Não existe profissional perfeito, você tem que pegar aquela pessoa e desenvolver onde ela é boa e onde ela é falha você tem que dar ali, dar aquela... Todo lugar é assim. A gente tem... É um atraso isso, você achar que você tem que ir pra uma entrevista pra dizer uma coisa que você não é. Eu sou totalmente contra. Pode ser que eu nunca seja contratada por causa disso, mas eu vou morrer defendendo essa ideia, olha, eu sou criativa, eu gosto de trabalhar com as pessoas, o que me pega num lugar é a rotina, eu gosto de trabalhar... Se eu tiver que ir num lugar que eu tenho que ficar todo dia no mesmo box isso vai minar minha criatividade, é mais fácil você me deixar ir de leg e de tênis trabalhando no meio da praça, eu vou render muito mais do que se eu estiver numa baia olhando pra parede ou pro computador. Então o ser humano é isso. Eu gosto de estar num ambiente que eu me sinta acolhida, que eu me sinta querida. É difícil eu estar num lugar, sabe esses lugares que você tem que ficar com medo porque podem fazer alguma coisa pra você, com os colegas te minando ou falando, isso me detona a criatividade também. Se eu tenho que ficar puxando o saco. Não é que eu não gosto, é que se você tem ali um trabalho pra fazer, se você tiver preocupada que Fulano está te detonando pro chefe, você concorda que você não vai trabalhar? Você vai estar preocupada se Fulano está falando de você, cara. O teu trabalho já era. Então isso não é inteligente. Você tem que deixar a pessoa num lugar pra ela ser o que ela é e ela render o que aqui eu posso render. Olha, a Karin é desorganizada, se pedir pra ela fazer isso aqui vai... Mas ela é criativa. Então a deixe fazer isso aqui, isso aqui alguém vai dar apoio. Agora não, a pessoa entra lá e ela fica das tantas as tantas preocupada se o Fulano tá falando mal do chefe, se ela está agradando, se ela tem que puxar o saco. E o trabalho pra onde foi?

P/1 – Tá certo, Karin. Eu vou encaminhar pro nosso último bloco agora, falar um pouquinho sobre o Criança Esperança, depois tem umas perguntas finais que eu volto pra você.

R – Tá.

P/1 – Queria saber primeiro assim, desde quando você conhece ou qual é a primeira lembrança, se você lembra como é que você conheceu o projeto, o Criança Esperança.

R – Tá. Eu me lembro da... Eu não vou saber exatamente a data, né? Mas assim, eu já sou doadora de outro projeto, eu fiz um curso pra terceiro setor, eu fui fazer alguns trabalhos voluntários, então eu já tenho isso em mim. O Criança Esperança eu me lembro dos shows, lembro-me do Didi, lembro-me da Xuxa, dos cantores e eu lembro mais, o que ficou mais... Aí eu não lembro... Eu decidi doar como eu decidi fazer as outras ações, mas o que me marca mais ultimamente tem sido esse feedback, esse retorno mostrando onde é que o dinheiro está sendo aplicado, aquelas pessoas, isso eu acho que foi fantástico. Foi assim, realmente é uma coisa que você consegue se ligar muito mais ainda porque, lógico, a gente faz uma doação não importa pra quem, não importa pra olhar. Não é querer... Mas você ver sendo usado, você ver uma pessoa sendo beneficiada, isso tem sido fantástico. Eu tenho acompanhado bastante.

P/1 – Desde quando você doa?

R – Eu acho que tem umas três vezes, não faz muito tempo, não. Mas por quê? Porque às vezes eu estou doando pra outra instituição. Então tem uma instituição já que eu apoio, então às vezes não dá pra... Mas eu sempre estou fazendo doação, não importa pra onde.

P/1 – O que você sabe assim, qual que é o seu conhecimento do projeto, do Criança Esperança?

R – O conhecimento é o que eu assisti na televisão, basicamente. Um dos projetos culturais e educacionais... A transformação que eles proporcionam porque eu costumo dizer assim, não dá pra ser feliz sozinho, por mais que você conquiste coisas, enfim, você não tem como ser feliz sozinho. Tem uma frase do Martin Luther King que ele diz assim, basicamente, é preciso pouca coisa pra você ter uma ação transformadora, realmente transformadora na vida de uma pessoa, amor no coração e sorriso nos lábios. Eu acrescento assim, amor no coração, sorriso nos lábios e uma ajudazinha. Essa ajudazinha que a gente vê pelo Criança Esperança, a transformação tão grande que ela faz na vida de uma pessoa. Porque é aquela coisa, todos nós somos dotados de habilidades, capacidades em N situações, aquela pessoa precisa de uma oportunidade e com a sua doação de 40, 50, sei lá, você consegue dar essa oportunidade, fazer a transformação. E aí é onde eu falo, não dá pra ser feliz sozinha, aí você está sendo feliz também. Vou chorar de novo, que bosta.

P/1 – Não tem problema. Não tem nenhum problema. Pode ficar tranquila. Eu queria saber, você falou... Você falou dessa espécie de acompanhamento que é poder ver pela televisão esses encontros, você se lembra de algum caso específico que você tenha visto ou de um encontro em específico? Só pra dar um exemplo, ficar um pouco mais concreto pra gente.

R – Putz, eu assisti tantos. Eu me lembro de um rapaz, um senhor que ele falou assim: “Eu estou doando, mas não sei mesmo se está sendo aplicado”. Eu acho que ele é até meio gordinho, e aí mostraram pra ele onde tava sendo aplicado. Marcou-me porque eu acho que muita gente pensa assim, apesar de ter um selo importante, porque ninguém vai pensar alguma coisa errada vindo de quem vem, da Globo, da Unicef, enfim, mas mesmo assim a gente está num país complicado, né? Então as pessoas estão muito descrentes pelo que a gente vê no dia a dia. As ONGs, por exemplo, elas têm um papel maravilhoso, só que a malversação de grande parte de ONGs ficou com uma pecha ruim sendo que a gente precisa dessas organizações. Então eu acho que as pessoas estão um pouco descrentes e isso de ter mostrado pra esse senhor, eu lembro que ele é um pouco gordinho, acho que ele estava de bege inclusive, ele ver realmente que foi pra tal lugar, foi usado assim, a pessoa entrou, tava sendo gravado e a pessoa entrou. Isso eu acho que realmente precisa mostrar mesmo. A gente dá, isso não é doação e não mostrar, porque existe aquela coisa você tem que doar e ficar quieta e alguém questionou isso recentemente, eu não sei nome, falha-me, e eu concordo. A gente tem que doar e a gente tem que mostrar que está doando, tá? Porque senão só fica aparecendo exemplo ruim, desvio em ONG etc. e tal. Não. A gente tem que mostrar. Eu sou doadora de sangue, toda vez que eu doo sangue eu posto lá. Aqui é o contrário, você tem que contar que você está doando. Eu acredito a mesma coisa aqui, você tem que contar, você tem que mostrar que você está doando, pra onde vai o dinheiro, o que está fazendo porque a gente está num país complicado e as pessoas precisam ver que... Senão é aquilo, só fica mostrando o lado ruim. O bem não tem que fazer marketing também, não? Claro que tem. Fazer marketing do bem também. Tem que ser mostrado sim.

P/1 – Karin, qual que você acha que é a importância de um projeto como o Criança Esperança?

R – É isso, dar a oportunidade que tava faltando pra ser a transformação da vida daquela pessoa. Porque às vezes falta pouco, falta uma qualificação, falta, por exemplo, as aulas, os projetos culturais. Projeto cultural você fala lá está o cara jogando capoeira. Não está jogando capoeira, ele deixou de estar na rua, ele deixou de consumir droga, ele deixou de ser assediado, ele deixou de estar... Fazer um networking porque quando você está num projeto você está conhecendo outras pessoas, daquelas outras pessoas de repente surge um emprego praquela pessoa, surge um trabalho, surge um show. É a transformação. Então projeto cultural, aula, seja o que for, você está dando exatamente o que aquela pessoa precisa pra deslanchar. É menos uma pessoa em situação de não oportunidade. Ali ela está tendo tudo, pessoas boas, contatos ótimos, a aula, o conhecimento. Está entregando aquele tempo, o maior bem que a gente tem, a coisa mais preciosa que a gente tem no mundo é o tempo. Ele não volta atrás. Ela está usando aquele tempo pra ela crescer, fazer alguma coisa pela vida dela, pela família dela, pra se transformar, pra se realizar. O que a gente busca na vida? É realização. Então ali ela descobrir que nem eu, de repente tem uma aula vocacional ali ela se descobre arquiteto, músico, advogado, seja lá o que for. Já tem um encaminhamento pra vida. A importância é... Eu nem sei se tem uma palavra pra resumir tudo isso. Eu não teria uma palavra.

P/1 – Mas acho que de alguma maneira você falou em oportunidade, né? Acho que essa é uma boa palavra assim.

R – É. É oportunidade.

P/1 – Tá certo, Karin. Eu vou encaminhar pras duas questões finais então agora, pro fechamento dessa entrevista.

R – Ixi, olha pra tela da verdade, agora vem, eu estou sentindo.

P/1 – Antes de fazer as duas últimas perguntas quero saber se tem alguma coisa que eu não tenha perguntado e que você gostaria de deixar registrado.

R – Deixa-me ver.

P/1 – Pode ser qualquer coisa de qualquer esfera da sua vida. Você sentiu que alguma coisa que você gostaria de ter dito e que não teve oportunidade ainda.

R – Assim, estou solteira na pista. Não me vem nada.

P/1 – Não?

R – Não. Só falta chegar em casa: “Ah, lembrei”.

P/1 – Isso vai acontecer. Sempre acontece. Então a nossa penúltima pergunta é quais são seus sonhos hoje.

R – Meus sonhos hoje. Primeiro, eu gostaria muito de vender o meu projeto. Gostaria de fazê-lo, de concretizá-lo. Eu gostaria muito de trabalhar com pessoas, usar minha criatividade, eu gostaria de estar com pessoas o tempo todo. Gostaria de viajar, preciso viajar, uma coisa que eu preciso fazer é viajar. E estar inserida num universo de criação, não sei te dizer bem o que seria, mas num universo de criação e com pessoas. Com pessoas, ouvir a história das pessoas, construir alguma coisa assim. Eu gostaria muito que meu país melhorasse. Gostaria muito que surgisse um estadista... Eu não vou dizer acabar com a corrupção porque a corrupção tem em todo lugar, mas enfim, eu gostaria que surgisse um estadista que não fosse voltado pra isso tudo que a gente tem aí, que fosse voltado pro nosso país porque eu tenho certeza que a gente consegue melhorar, reverter a situação no nosso país com educação. Um estadista, a primeira coisa que ele faria é assim, eu vou investir em educação, mas assim, arrebentar investir em educação. Aí nós seríamos um país maravilhoso. Então eu gostaria muito que surgisse um estadista pra aquilo que a gente está precisando. A gente está precisando demais disso, que realmente a pessoa que venha, venha com esse intuito de patriotismo e não maracutaia. Então eu gostaria, no campo pessoal, de vender meu trabalho, de trabalhar com criação. No campo do meu país eu gostaria da gente ter um estadista pra abraçar esse Brasil maravilhoso e falar “agora é nóis”, vamos investir em educação, vamos corrigir aqui as coisas. Meus sonhos realmente... Estou pensando besteira, eu não vou falar, tá?

P/1 – Pode falar se quiser.

R – Estou sozinha na pista. E que essa atitude transformadora, que essa oportunidade, que essas ações, que essas missões de realmente estender a mão, ajudazinha, que isso possa cada vez mais crescer e que fique assim, eu acho que quem é doador sempre vai ser doador, mas que a gente consiga que as pessoas tenham isso como uma coisa assim que não dá pra dissociar. É aquilo que eu falo, ninguém é feliz sozinho. Ninguém é feliz sozinho. Então que cada vez mais as pessoas se toquem disso. Porque eu acredito que o ser humano é bom, com exceção aí de transtornos que não curáveis, eu acredito que a gente é bom, a gente pode dar umas cabeçadas de vez em quando, mas até nisso a oportunidade é importante. De repente a pessoa está num caminho errado e ela estando num projeto, ela estando que seja aula de, sei lá, de capoeira, de qualquer coisa, ela pode se modificar a partir de um projeto desse, né? Então que a gente possa ter, cada vez mais as pessoas terem isso como uma coisa inerente da nossa condição de ser humano. Não adianta, pô, o país está uma droga, vou pra Miami. E daí? Você vai abrir mão do lugar que você nasceu. Não é mais fácil você tentar fazer alguma coisa aqui, nem que seja reclamando, cutucando alguém, cobrando. Você vai pra Miami, mas você vai deixar a família inteira aqui e você vai ver feliz em Miami? Ou você vai rebocar todo mundo? Eu acho que não é por aí. É isso.

P/1 – Tá certo. Por fim então como é que foi contar sua história?

R – Foi muito bom. Eu ficaria aqui dez horas, que eu gosto de falar, ficaria dez horas. Se vocês precisarem que eu conte a minha história numa escola, sei lá, numa favela, numa creche, num hospital, se vocês acharem que isso ajuda, que isso melhora, que isso tem algum ganho pro projeto ou não pro projeto, pro Museu, eu estou à disposição.

P/1 – Tá bom, Karin. Muito obrigada, viu?

R – Obrigada.

P/1 – Foi ótimo.

FINAL DA ENTREVISTA