Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Wanderley Aparecido da Silva
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 17/09/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_015
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Pr...Continuar leitura
Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Wanderley Aparecido da Silva
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Paulo 17/09/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_015
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro então, Wanderley, fala pra gente o seu nome completo, a data e local de nascimento.
R – Meu nome é Wanderley Aparecido da Silva. Eu nasci no Paraná, na cidade de Cianorte em 16 de junho de 1966.
P/1 – Agora o nome completo dos seus pais, a mãe e o pai, e a data e o local de nascimento se você souber.
R – Meu pai se chamava Arlindo Jerônimo da Silva. Ele nasceu em Palmital, São Paulo no ano de 1927, no mês de agosto, 17 de agosto. Minha mãe se chama Maria Zaragoza da Silva. Ela nasceu em São João do Caiuá no interior de São Paulo em 30 de junho de 1933.
P/1 – O que os seus pais faziam profissionalmente?
R – Minha mãe sempre foi do lar. Meu pai trabalhou muitos anos na lavoura, também foi comerciante, foi administrador de fazenda lá no Paraná.
P/1 – Ele trabalhava com lavoura de que? O que ele cultivava?
R – Cultivou café. Foi um dos primeiros agricultores com soja aqui no Brasil. Trigo, arroz, feijão, milho, muitas culturas.
P/1 – E era uma propriedade dele mesmo, da sua família?
R – Não. Ele administrava a fazenda. Era uma fazenda que tinha lá o proprietário e contratou o meu pai pra formar a lavoura de café e as outras lavouras. Meu pai fez essa formação.
P/1 – Você sabe qual que era a fazenda?
R – Fazenda Santa Luzia. Próximo a Maringá no Paraná.
P/1 – E depois quando ele foi trabalhar como comerciante era que tipo de comércio?
R – Foi antes desse período da fazenda, ele tinha um restaurante na cidade de Cornélio Procópio. Era o meu pai e meu avô, pai do meu pai, e minha avó, a mãe dele. Eles ficaram lá no comércio por alguns anos, depois se desfizeram do comércio e foram pra lavoura.
P/1 – Você sabe qual que é a origem da sua família, Wanderley? Os seus antepassados da onde que vêm?
R – Sim. Meus avós por parte da minha mãe vieram da Espanha. Minha avó Encarnacion Garcia, veio de Barcelona, e o meu avô, Juan Zaragoza, veio de Zaragoza na Espanha. Por parte do meu pai a minha avó, Dolores Figueroa, veio da Espanha, não sei exatamente a origem dela lá, e meu avô, Benedito Jerônimo veio daqui de Minas Gerais e a ascendência dele era uma parte portuguesa e contam as histórias dentro da nossa família que a minha tataravó, bisavó, aliás, era índia. Então uma miscigenação grande dentro da família.
P/1 – Os seus avós que vieram da Espanha você sabe por que eles vieram pro Brasil? Alguma vez eles te contaram essa história?
R – Foi a guerra civil da Espanha, afugentou muita gente de lá, muita fome, miséria e aqui no Brasil dizia-se que era um país próspero, tinha terra pra todo mundo. Então foi a imigração espanhola que acabou trazendo os meus avós aqui pra essa região do Brasil.
P/1 – E quando eles chegaram ao Brasil com o que eles foram trabalhar, os seus avós?
R – Foram pra lavoura. Sempre lavoura de café e milho a maior parte.
P/1 – Você convivia bastante com eles?
R – Muito pouco. Muito pouco. Eu perdi meus avós eu era muito criança ainda, então eu tenho vaga lembrança deles em geral.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho. Nós somos dez irmãos, todos vivos, todos saudáveis, a família bastante grande.
P/1 – Qual que é o nome dos seus irmãos?
R – Do mais velho para o mais novo tem a Neusa, a Cleuza, a Cida, a Cleonice, a Rosemary, aí vem eu, Wanderley, depois tem o Wagmar, a Rosely, o Valdir e o Wladimir.
P/1 – Conta pra gente um pouco, Wanderley, como é que era a casa em que você passou a infância. Descreve um pouco mesmo a casa, o bairro.
R – Até a idade de sete anos, seis pra sete anos nós morávamos na roça, na fazenda. Aí meu pai acabou perdendo o emprego lá na roça e ele tentou comprar um sítio em Mato Grosso. Infelizmente ele foi enganado, terra grilada, acabou perdendo tudo, todas as economias que ele tinha. Aí acabou optando por vir para São Paulo, que ele dizia que tinha que dar estudos para os filhos. Queria que os filhos estudassem e não tivessem a dificuldade que ele tinha de ler e escrever, embora ele fosse uma pessoa que tinha uma caligrafia muito bonita. E nós viemos pra São Paulo. Enquanto lá na roça as brincadeiras eram ao ar livre, muito espaço, muita diversão e coisas daquele tempo. Eu gostava de andar no café, armar arapuca, jogar bola com os meus irmãos, brincar de esconde-esconde, brincar de casinha com as minhas irmãs. Era a diversão nossa. Depois nós mudamos aqui pra São Paulo, passamos uma série de dificuldades. Nunca passamos fome, mas tivemos sim a beira disso. O dinheiro era pouco, casa alugada, a família grande, todos muito pequenos, então era uma situação bastante difícil, mesmo assim a gente se divertia entre nós. Como éramos muitos, então a gente brincava no quintal jogando bola, soltando pipa, sempre tivemos um cachorro em casa, era nossa diversão. Na escola, ia pra escola, tinha as brincadeiras, as queimadas, brincando de queimada, de futebol, de vôlei. Enfim, as coisas que uma criança... Rodando um peão. Crianças da minha época faziam. Era bem divertido. Tirando a parte que a gente não tinha como fazer, foi uma infância boa, agradável.
P/1 – Como é que era essa casa na roça em que vocês viviam antes de mudar pra São Paulo?
R – Era uma casa confortável, uma casa grande, tinha um jardim na frente da casa que o meu pai cuidava, tinha flores. No fundo tinha algumas árvores que ele cuidava pra que a gente brincasse por ali e não tivesse perigo de algum bicho, que estava lá na roça, tinha cobra, tinha vários animais silvestres na região. Ele cuidava muito bem disso pra que tivesse um espaço pra que a gente brincasse. Tinha galinha, tinha porco, e a aquilo era a diversão nossa. Às vezes ele falava: “Vá tratar dos porcos”. Tinha que colher lá um pouco de mato que os porcos comiam, cortava, levava pros bichos, tratar das galinhas com milho. Era a diversão, a casa era bem grande, muito bem cuidada. Minhas irmãs além de trabalhar na roça elas tinham que cuidar da casa junto com a minha mãe. Eram muito bem tratadas as coisas.
P/1 – Você ajudava o seu pai na roça desde pequeno?
R – Não. Meu pai de vez em quando me levava e o meu irmão Wagmar pra ir com ele pra ver as coisas na roça. Uma vez e outra, era mais brincadeira do que trabalho, ele dava uma lata pra gente colher café. Então ele falava que era pra colher só o café maduro, não o verde. Aquilo lá era um terror, ficar catando só os grãos de café maduro, a gente colhia tudo (riso). Depois o meu pai separava: “Não. Tira o verde, deixa o maduro”. Mas era mais questão de brincadeira mesmo.
P/1 – E essa mudança pra São Paulo, o que você se lembra da mudança mesmo? Como é que vocês fizeram a mudança? Como é que foi chegar a São Paulo?
R – Então, foi algo assim que foi inesquecível. Nós chegamos em São Paulo no dia 1º de maio de 1973. Viemos a mudança, os irmãos, a família inteira em cima de um caminhão, porque como eu comentei anteriormente
o meu pai perdeu as economias dele nas terras griladas em Mato Grosso e não tinha como pagar uma passagem de ônibus ou de avião então nem pensar pra tanta gente. Então acabamos vindo todos em cima do caminhão junto com a mudança e o cachorro. Viemos todos pra São Paulo nessa viagem. São sete, oito horas de viagem de onde nós estávamos até aqui, uma viagem longa, praticamente demorou a noite toda, saímos de lá à tarde, demorou a noite toda, chegamos aqui bastantes cansados, todos crianças, né? E foi assim que viemos.
P/1 – Em São Paulo vocês foram morar onde?
R – Nós fomos morar próximo ao Interlagos, numa casa alugada que minha irmã mais velha já morava aqui anteriormente. Ela se casou e veio embora pra São Paulo uns dois ou três anos antes. Quando aconteceu isso meu paio veio uns dois ou três meses antes e alugou a casa aqui, então já tinha o lugar pra gente vir morar. Aí fomos morar nessa casa que era, vamos dizer, nem a metade da casa onde a gente morava na roça. Aí nós começamos a enfrentar as dificuldades. Foram três anos nesta casa com apenas dois quartos. Então tinha gente dormindo na sala, no corredor, todos os lugares da casa tinha criança dormindo. Depois dessa casa nós mudamos pra outra casa na mesma região, próxima. Aí ficamos lá por nove anos. Em 1984 meu pai veio a falecer vítima de câncer, aí nós com a indenização dele, seguro, essas coisas assim, nós compramos a casa que hoje a gente mora que é a casa da minha mãe.
P/1 – Seu pai veio pra São Paulo trabalhar no quê, Wanderley?
R – Meu pai veio trabalhar em metalúrgica. Foi operar máquina mesmo, mesmo sem ter experiência nem nada. Ele trabalhou em umas duas ou três empresas aqui, por último ele trabalhou na empresa Metal Leve como operador de máquina, metalúrgico, não fez nada especial.
P/1 – E você começou a frequentar a escola em São Paulo a primeira vez que você...
R – Sim. Não. Minto. Lá na fazenda tinha uma escolinha. Lá na fazenda nós começamos a frequentar a escola eu, a minha irmã Rose e a Cleonice. Nós três já frequentávamos a escola lá. Quando eu cheguei a São Paulo eu já sabia ler e escrever, embora ainda não tivesse os sete anos completos, mas naquele tempo não tinha a necessidade da pré-escola e eu já sabia ler e escrever. Foi um terror pra eu entrar numa sala de aula aqui, os alunos aprendendo as vogais, as consoantes e eu já sabia ler e escrever (riso). Aí teve um fato curioso, eu sentado no fundo da sala e brincando, sozinho lá eu estava brincando. Aí a professora, nunca esqueço o nome dela, dona Regina, minha primeira professora aqui em São Paulo: “Wanderley fica quieto”. Wanderley fazendo bagunça lá. “Wanderley fica quieto”. O Wanderley não ficava quieto, ela pegou nas orelhas e me fez ficar quieto (riso). Então são histórias da infância da gente, né?
P/1 – Era muito diferente a escola aqui da escola que você frequentava?
R – Muito. Muito diferente. A escola lá na fazenda era uma escola pequena, atendia somente a população da fazenda, as crianças da fazenda que iam lá e era um professor pra atender as faixas etárias diversas. Aqui eu me deparei com uma escola gigante, monte de alunos, dezenas de salas de aula. Então foi bem diferente pra mim.
P/1 – E essa professora que você contou essa história que ela te chacoalhou pelas orelhas, você lembra como é que você se sentiu?
R – Ah, foi horrível. Fiquei chateado ali o resto da aula, chorei, é claro. Mas eu não a condeno, não. Eu fui levado.
P/1 – Fora essa professora com esse fato marcante, você teve algum outro professor ou professora que tenha te marcado durante o ensino básico?
R – Eu sempre tive a fama de ser bom aluno, então eu era bem paparicado pelos professores. Todos os meus irmãos estudavam ali na escola e naquele tempo a escola não era como hoje, tão abandonada. Era um lugar aonde as pessoas iam e elas acabavam se conhecendo, os professores, os pais, os alunos. Então muitos professores sabiam que tinha um filho lá no primeiro, no segundo, terceiro, quarta, quinta. Era aquela escada de filhos ali na escola. Naquele tempo tinha exigência de usar uniforme escolar, a camiseta da escola, o short da escola, meia branca e um tênis. Minha mãe tinha dificuldade de comprar uniforme, então a escola ajudava no que podia. A gente era bem tratado pelos funcionários da escola, os professores. Tive bastante carinho por parte dos professores. Guardo todos eles no coração até hoje.
P/1 – Tem algum em especial?
R – Acho que a professora dona Maria Elvira da segunda série. Depois que eu fiz a segunda série ela dava aula lá só pro primário e eu fiquei naquela escola até a oitava série. Ela nunca se esqueceu de mim, ela sempre que me via ela vinha: “Meu aluno, como é que você está?”. Ela sempre me dava conselhos de ser uma boa pessoa, não deixar de estudar. É uma das professoras que eu mais tenho carinho até hoje.
P/1 – Como é que você ia e voltava da escola?
R – A pé. Minha mãe até a quarta série onde a gente tinha lá os nove, dez anos de idade, minha mãe ia levar todos os dias e ia buscar. Levava uma turma, trazia a outra. Depois disso, na quinta, sexta série em diante, aí eu ia sozinho pra escola. Da minha casa até a escola tinha um ou dois quilômetros de distância, ia a pé e voltava, mas tinha turma, sempre em turma. Era aquele bando de criança tudo na rua indo, não era perigoso porque não tinha nenhuma avenida perigosa nem nada. Então as mães deixavam porque iam todos juntos e voltávamos todos juntos também. Então era tranquilo.
P/1 – Nessa fase de infância e adolescência, começo da adolescência, você lembra o que você queria ser quando crescesse?
R – Eu sempre quis ser um educador. Eu sempre quis... No início eu queria ser agrônomo porque eu gostava e gosto muito de roça, de plantação. Eu gosto dessas coisas, mas nem tudo que a gente quer nessa vida a gente pode. Então a gente tem que levar a coisa de acordo com o que a gente tem condição. Com 14 anos de idade, 15 anos, aliás, eu entrei pra trabalhar em um banco como office boy e desde então me dediquei a aprender as rotinas de administração de empresa, rotinas de departamento financeiro. Dediquei-me a isso, tanto é que hoje eu sou um administrador de empresas, mas por gosto, por vontade eu seria sim um agrônomo. Gostaria de ter estudado um pouco mais, não tive condições financeiras pra arcar com meus estudos. Eu queria muito dar aulas porque se eu considero assim, se eu adquiri um conhecimento, a melhor coisa que eu faço com esse conhecimento é passar pra alguém pra que esse alguém dê continuidade a isso. Eu tenho isso como filosofia própria. Eu adoro ensinar, adoro ajudar as pessoas.
P/1 – Nessa fase de infância ainda, Wanderley, tem alguma história, um episódio que você tenha vivido que tenha te marcado? Uma coisa que tenha ficado na lembrança até hoje.
R – Uma das coisas mais que marcou, eu sempre fui uma criança bastante ativa, como lá aos sete anos de idade apanhei da professora. Eu sempre fui muito ativo, muito espontâneo e inocente, eu nunca fui uma criança malvada, perversa, coisa assim não, mas eu sempre fui muito ativo. Com dez pra 11 anos de idade eu estava numa situação meio... Talvez eu virasse sim um moleque de rua, um malandro, porque na região onde a gente morava, periferia, tinha alguns meninos um pouco mais velhos, estavam começando com droga, começando com uma vida não muito boa. Como eu era muito espontâneo, corajoso, metido a valentão, eles me queriam no time deles. Minha mãe, graças a Deus, meu pai, eu agradeço minha vida inteira a eles, tiraram-me disso através de trabalho. Colocaram-me pra trabalhar, com dez pra 11 anos de idade eu fui trabalhar na feira. Tinha um vizinho nosso que era feirante, vendia banana, e um dia chegou uma reclamação em casa de outra vizinha que tinha me visto jogando pedra na casa dela. Não me lembro do fato, mas se ela falou eu devo ter feito. Aí essa feirante estava com a minha mãe e pediu autorização pra minha mãe pra deixar que eu fosse trabalhar com ela. Minha mãe falou: “É melhor ele trabalhar do que virar um malandro aí na rua. Vai trabalhar”. E eu fui. Então comecei a trabalhar bem cedo, por fim das contas esse trabalho ajudava assim nas despesas dentro de casa, era muita boca pra comer. Então meu trabalho trazia comida assim pra dentro de casa, mudei o horário de escola, saí do vespertino para o noturno, desde a sexta série foi assim. Eu comecei a ver a vida um pouco diferente porque acordava muito cedo, três e meia, alguns dias três e meia, quatro horas da manhã, outros dias por volta das cinco horas da manhã eu já estava saindo de casa pra ir trabalhar. Passava o caminhão na porta da nossa casa, eu ia pro caminhão, feira, até duas, três horas da tarde, voltava pra casa tinha que preparar as lições, fazer as lições e às sete horas da noite entrava na escola. Voltava pra casa por volta das 11 horas, 11 e meia da noite pro outro dia tomar a rotina de novo. E o trabalho era duro porque não tinha folga. As feiras iam de terça-feira até domingo e na segunda-feira chegava um caminhão de banana, que era o que eu vendia, tinha que descarregar o caminhão. Então não tinha muita folga. E foi assim dos meus dez pra 11 anos até os 14 pra 15 anos.
P/1 – E como é que foi essa experiência na feira? Como é que era o trabalho?
R – Trabalho duro. Embora fosse criança era trabalho de um adulto. Tinha que descarregar o caminhão, ajudar a montar a barraca, fazer as vendas, troco, mexer com dinheiro do caixa. Depois desmonta a barraca, carrega caminhão, é trabalho duro, pesado. Podia estar frio, podia estar sol, chovendo, era rua de asfalto, rua de barro, não tinha perdão, não, porque era criança. Era igual a qualquer outro.
P/1 – E durante esse tempo que você trabalhou na feira teve alguma história assim que tenha te marcado ou um episódio que você tenha vivido no cotidiano de trabalho?
R – Mais uma vez assim o lado honesto sempre se sobressaia. Os feirantes, eu me lembro disso, que os feirantes falavam que eu era um menino bonzinho, que não fazia coisa errada, trabalhava. Eles me ajudavam porque acabavam sabendo a minha história, da minha dificuldade em casa, então um dava lá um pé de alface, outro dava tomate, outro dava uma fruta. Então fui sempre uma pessoa querida no meio, é o que mais assim me agrada.
P/1 – E além de ajudar dentro de casa, você falou que esse dinheiro ajudava a colocar comida na mesa, além disso, dava pra você guardar alguma coisa pra você? Você conseguiu nessa época comprar alguma coisa que você quisesse?
R – Então, esse dinheiro nem chegava às minhas mãos. Eu trabalhava, a vizinha que era a minha patroa pagava direto pra minha mãe. Então não via a cor de um centavo disso daí. Eu chegava em casa duas, três horas da tarde, tinha um terreno próximo a nossa casa lá que tinha dono, tudo, o dono dele se chamava Tufi, José Tufi, ele de vez em quando jogava uns caminhões de terra lá no terreno e precisava espalhar essas terras. Ele contratava a gente, então ele pagava os moleques pra fazer isso e é onde eu conseguia algum dinheirinho pra gastar na escola, comprar um guaraná, alguma coisa. Era assim.
P/1 – E depois você trabalhou, você disse, até os 14 anos na feira.
R – É. 14 pra 15 anos eu trabalhei na feira.
P/1 – E como é que foi essa mudança de emprego depois pro banco.
R – Então, com 14 anos meu pai quis que eu fizesse um teste pra entrar no Senai. Naquele tempo o Senai era bastante concorrido, tinha algumas profissões que eram piores ainda. Eu sou o filho homem mais velho, meu pai queria de todo jeito me ver no Senai, que eu fosse naquela época ferramenteiro. Aí eu fui fazer o teste no Senai, só que a nota de corte era oito e meio, pra ser ferramenteiro. Eu fui lá, fiz o teste no Senai, tirei 8,3. Aquilo pra mim foi a morte. Por dois décimos eu não consegui entrar no Senai. A idade limite pra entrar no Senai era 14 anos, eu não ia ter uma segunda chance. Aquilo comoveu o meu pai, aí ele pediu pra que eu fosse fazer datilografia. Eu entrei no curso de datilografia, fui fazer a datilografia e a professora lá da datilografia pegava alguns alunos e indicava pra conhecidos dela pra empregar. Ela me indicou pra ser office boy no Banco Auxiliar, extinto Banco Auxiliar. Em abril de 1981 eu consegui essa vaga no Banco Auxiliar pra ser office boy. Só que tinha uma coisa, eu mal conhecia o meu bairro, ser office boy em São Paulo.
P/1 – Como é que foi essa experiência?
R – Foi assim, graças a esse instinto que eu tenho de perseverança, de coragem, de não abaixar a cabeça pro difícil, foi bacana. A minha aventura começou o dia que ela me deu o endereço que eu tinha que ir no RH do banco que era lá na Florêncio de Abreu no Centro, ao lado do pátio do colégio... Minto. Largo São Bento em São Paulo. Eu saí da minha região que era lá próximo a Interlagos, Pedreira, ir até o Centro, eu sabia que tinha um ônibus. Eu entrei no ônibus e falei vou descer lá no ponto final desse ônibus que eu sei que eu estou na cidade e de lá eu saio perguntando. Assim eu fiz e cheguei ao meu destino. Cheguei lá, fiz a ficha, fiz a parte que o banco necessitava e recebi a notícia: “Você está empregado. Você pode sair daqui e ir até a Rua Joaquim Nabuco no Brooklin pra fazer a entrevista lá com o gerente administrativo da agência?”. Claro que eu disse que sim, mas onde é essa rua? Como eu faço pra ir lá? Foram assim os primeiros desafios grandes que eu tive, deslocar-me dentro de São Paulo. A primeira ideia que eu tive foi ir ao ponto final de ônibus, que eu sabia que de lá saiam muitos ônibus pra vários lugares em São Paulo, e conversar com os motoristas dos ônibus. Eles me indicaram: “Pega esse ônibus aqui, vai seguir pela Avenida Santo Amaro, quando chegar mais ou menos em tal lugar você pede pra descer”. E assim eu fiz. Desci. Cheguei ao meu destino. Fui à Joaquim Nabuco número 39, conversei com o gerente, ele falou: “Quando você pode começar?” “Amanhã”. E assim foi. No dia 22 de abril de 1981 comecei a trabalhar na agência bancária como office boy e aquela coisa, cada vez que falavam pra mim: “Você tem que ir a tal lugar” me dava um frio na barriga. Eu tinha o guia de rua de São Paulo, eu folheava aquele guia, comecei a memorizar os lugares, aqui é tal lugar, ali é outro lugar, assim, assim, fui mapeando, fazendo um mapa das regiões que eu tinha que ir. Aquele guia pra mim era como se fosse uma bíblia, era debaixo do braço e vamos andar. E consegui, graças a Deus, nunca me perdi em São Paulo.
P/1 – Você viveu alguma situação mais difícil assim, dessas de deslocamento?
R – Vivi.
P/1 – Conta pra gente.
R – Teve uma vez que eu desci do ônibus lá no Vale do Anhangabaú, esquina com a Avenida São João, eu tava passando aí tinha um sapateiro, era um malandro daqueles que viviam naquela região. Eu era um menino muito inocente, embora tivesse 15 anos, tudo, eu era muito bobo. O sapateiro agarrou a minha perna, arrancou o meu sapato e falou que tinha que consertar a sola do meu sapato. Meu sapato era novo. Eu falei: “Não. Não faz. Não faz”. Ele falou: “Se você não pagar eu vou cortar o seu sapato, você vai embora descalço”. Eu quase chorando já, pedindo pelo amor de Deus pra ele não fazer aquilo, ele jogou o meu sapato lá no chão, eu saí dali apavorado com sapato na mão, recolhi o sapato, calcei e fui embora apavorado. Mas não teve nenhum mal, nada mais grave.
P/1 – Nesse emprego, você trabalhava na Joaquim Nabuco, era a agência da Joaquim Nabuco?
R – Isso.
P/1 – E você recebia um salário?
R – Sim. Ali eu aprendi a ter uma conta bancária, trabalhava no banco. 14 anos não podia assinar cheque nem nada. Naquele tempo não existia as facilidades que existem hoje, era só no cheque. Então no dia de receber o salário meu pai ia comigo, ele pedia saída no emprego dele, ele ia comigo na hora do trabalho, aí ele sacava o dinheiro que estava lá disponível na minha conta e me dava, aí ele me dava um dinheirinho: “Pra você tomar ônibus, pra você comer alguma coisa”. Ele já me dava algum dinheirinho, não sei precisar o que seria hoje, mas alguma coisa sobrava pra mim já. Aí eu comecei a comprar roupa, como eu andava muito na cidade, tinha o velho Mappin, eu comprava as minhas roupas lá, eu me espelhava naquilo que eu via dentro da agência bancária. Eu via as pessoas lá trajando essa roupa ou aquela, ia às lojas, andava lá pelo Centro, começava a ver: “Gostei desse tênis. Puxa vida, eu vou ter que trabalhar três meses pra comprar esse tênis”. E assim eu fazia, juntava o dinheiro, ia lá e comprava o que eu queria, essa camiseta, aquela calça, foi assim, fui me educando dessa maneira.
P/1 – Enquanto você tava trabalhando no banco você estudava no colégio normal e fazia o Senai também?
R – Estudava. Não. O Senai eu não consegui.
P/1 – Datilografia eu digo.
R – Datilografia eu terminei, quando eu terminei o curso que eu entrei no...
P/1 – Foi depois. Foi logo que você terminou.
R – Isso. Quando eu terminei o curso de datilografia ela me indicou pro banco.
P/1 – E aí você se formou no primeiro grau com 15 anos, foi isso?
R – Catorze pra 15 anos eu me formei, aquela fotografia que eu deixei. Foi a minha formatura do primeiro grau.
P/1 – E como é que foi essa formatura?
R – Pra mim sempre foi uma vitória porque eu tinha que ir pra escola à noite, eu acordava muito cedo. Mesmo trabalhando no banco, aos finais de semana eu ainda ia pra feira. Não deixei de ir pra feira porque eu precisava do dinheiro, ajudava em casa e até pra eu ter uma rendinha a mais. Foi dessa maneira, quando eu peguei aquele diploma de formação pra mim foi um orgulho, foi uma conquista enorme. Aí iniciou o segundo grau, primeiro colegial, segundo, terceiro. Quando eu estava pra me formar no terceiro colegial meu pai faleceu. Foi traumático pra mim. Eu tava com 17 anos de idade. Meu pai tava cheio de planos que tava próximo dele se aposentar, ele queria comprar uma casa, ele queria comprar um carro, ele falava pra eu ir me preparando pra tirar carta de motorista, que eu que ia dirigir. Eu tava deixando de ser o filho pra ser o amigo do meu pai e acabei perdendo. Aí tive que assumir outras responsabilidades, minha mãe ficou em casa com um monte de criança, não tinha mais o salário do meu pai e eu precisava ajudar. Os gerentes no banco eram meus amigos e reuniram e falaram: “Olha, você tem que ajudar sua mãe, você tem que se preparar, vai ser difícil”. Eu quase... Quase não, eu perdi o terceiro colegial, o único ano que eu reprovei. Acabei perdendo o meu pai no mês de maio e eu perdi muita aula, eu perdi muita coisa e eu não consegui recuperar. Fui reprovado neste ano. Aí veio a indenização dos direitos trabalhistas do meu pai, seguro de vida. Eu moleque, 17 anos, minha mãe chegou e falou: “Toma” me entregou o cheque na mão, falou “Vê o que você faz”. Os gerentes no banco, eu fui pedir orientação, graças a Deus eu pedi orientação aos meus gerentes lá do banco, aí eles falaram: “Vamos fazer uma aplicação, vai procurando uma casa, você vai comprar uma casa com esse dinheiro. Vai procurando casa, a hora que você tiver a casa você fala com a gente”. Aí assim nós fizemos. O dinheiro ficou lá aplicado no banco por 90 dias mais ou menos, achamos a casa que é onde a gente mora até hoje, o dinheiro era suficiente pra comprar a casa, pra comprar uma máquina de lavar roupa que a minha mãe não tinha, dar uma arrumadinha na casa. Isso nós estamos falando de 1984.
P/1 – Você trabalhava como office boy nessa época ainda?
R – Não. Eu já tinha tido duas promoções no banco. Eu entrei como office boy, passei a auxiliar de contas correntes, abertura de contas correntes, já estava trabalhando na cobrança. Quando o meu pai faleceu apareceu uma vaga de caixa no banco. Eu pedi pro meu gerente se eu podia ficar com aquela vaga, ele falou: “Mas você não tem nem 18. Você tem que pedir emancipação pra sua mãe”. Aí minha mãe foi, deu emancipação, eu fui caixa no banco, com 18 anos de idade eu era caixa. Um ano depois me promoveram pra tesoureiro no banco, com 19 anos, 20 anos de idade no banco eu já era tesoureiro, já tinha um posto de serviço dentro de uma empresa que eu que administrava, eu era o tesoureiro de lá.
P/1 – Wanderley, nessa fase de adolescência e de juventude você trabalhava e estudava, né? Então você tinha um cotidiano bem pesado. Dava tempo também de fazer alguma coisa de diversão? Você chegou a frequentar festas, fazer alguma coisa nessa fase de juventude e adolescência no sentido de lazer mesmo?
R – Sim. Sempre tive bastantes amigos e nessa época aí as festas, os bailes eram mais residenciais. Era na casa do amigo, na casa da amiga, pessoa da escola, pessoa conhecida. Então eu ia bastante a lugares assim. Com o pessoal do banco, feriados prolongados a gente reunia ali o povo, ia viajar pra algum lugar, praia. Eu gostava e gosto muito de praia, íamos pras praias, alugava uma casa, um apartamento ou uma chácara, alguma coisa, ia se divertir. Mas eram raras as vezes que fazia isso, em questão de valor mesmo, de dinheiro. Era caro pra gente fazer isso.
P/1 – E no aspecto assim mais amoroso, você teve algum relacionamento nessa fase mais marcante, uma primeira paixão?
R – Tive. Tive umas namoradas, eu não procurava namorar muito. Eu tinha medo que eu ficava dividido entre cuidar da minha família e acabar tendo um relacionamento muito sério e casar. Eu tinha meus irmãos pequenos, eu tinha que ajudar a cria-los. Mas eu namorei, tive namoradas, tive as ficantes. A gente fazia isso, sim.
P/1 – E aí no colegial você falou que precisou fazer de novo o terceiro colegial por causa da morte do seu pai, quando você terminou como é que foi sua decisão de fazer Administração de Empresa? Quando é que você tomou essa decisão e como é que foi a entrada na faculdade?
R – Então, eu terminei o colegial, meu pai faleceu em 84, eu acho que foi em 87 eu precisei de qualquer jeito, eu não me conformava em não ter terminado o colegial. Voltei pro colegial, fiz o colegial aí eu queria a faculdade. Prestei vestibular em três faculdades na época, eu consegui, fui estudar na FMU, fazer Ciências Contábeis. Eu já tinha saído do banco nessa época, eu tava trabalhando numa empresa de refeição industrial. É uma multinacional francesa que hoje tem os cartões Sodexo. Então eu trabalhei nessa empresa.
P/1 – Você trabalhava na área administrativa?
R – Administrativa. Departamento financeiro da empresa. Trabalhei lá, aí eu entrei na FMU e tava lá na FMU aí eu ganhei uma promoção de sair do departamento financeiro e ir administrar uma unidade, um restaurante industrial, mas só que lá em Cubatão, meio longe de casa. Eu fiquei dividido porque era a chance de eu ter um salário muito bom e um desafio grande, que eu adoro desafios, e continuar a faculdade. Resolvi, falei: “Não, eu não posso perder essa chance de emprego”. E fui. Fui pra Cubatão, fiquei lá quase um ano trabalhando lá na gestão do restaurante lá, eram 40 funcionários, tinha a nutricionista, o chefe de cozinha, os cozinheiros, auxiliares. Eram três turnos de trabalho e eu cuidava dessa parte lá. Aí eu saí, era muito desgastante, era longe de casa, aí eu saí da empresa, da Sodexo, e fui trabalhar em uma metalúrgica. Isso já foi em 1990. A Sodexo foi uma grande escola pra mim, depois foi essa outra empresa, a Moltec de Igaratiba, que foi outra escola gigante pra mim profissionalmente, eu tive ali grandes professores, eu trabalhei lá por quase cinco anos. Foi onde eu mais aprendi a minha profissão. Em 1992 eu sofri um acidente, eu tomei um táxi pra ir pra casa e o táxi bateu e eu perdi a vista direita. Eu não enxergo da vista direita. Fiquei afastado do trabalho uns três ou quatro meses. Hoje eu sou muito grato às pessoas dessa empresa, em especial ao seu Leonardo, que é o proprietário, e a esposa dele, dona Regina, que me ajudaram muito, deram-me muito apoio, e outras pessoas que ainda estão lá nessa empresa até hoje, seu Paulo Ono que era o meu gerente. São pessoas que eu... Eles não sabem, mas eu idolatro. São pessoas que eu tenho muito respeito, tenho muito carinho porque me ajudaram muito, ensinaram-me a diferença que vinha, essa transição que você fala de um menino, um jovem, um adolescente pra ser uma pessoa mais madura, mais centrada, mais pé no chão. Eu devo muito a essas pessoas até hoje.
P/1 – Nessas mudanças de emprego você conseguiu continuar a faculdade?
R – Não. A FMU quando eu fui lá pra Cubatão, saí. Quando eu estava na Igaratiba eu retomei, fui pra outra faculdade também na área de Ciências Contábeis. Aí eu estava indo bem, já tava há um ano, quase dois anos na faculdade, tranquilo, aí eu sofri o acidente. Acidente eu fiquei três ou quatro meses afastado por problemas médicos, parei a faculdade novamente. E assim foi até 2004. 2004 eu voltei pra faculdade e aí eu concluí o curso em 2006. Eu fiz a parte de administração de empresas.
P/1 – E nesse meio tempo, Wanderley, você se casou?
R – Sim. Em 93, meados de 93, numa festa de amigos eu conheci a Isabel, que é a minha antiga esposa. Pouco depois começamos a namorar, namoramos por dois anos, em 95 nós casamos e 98 ela teve um filho, meu filho Gabriel. Eu adoro, amo de paixão meu filhote, hoje tá com 16 anos de idade. Aí fui casado por dez anos, os problemas de casamento, separamos, ela segue a vida dela, eu sigo a minha, mas deixou nosso filho que é lindo.
P/1 – Conta pra gente, deixa-me voltar um pouquinho, como é que foi o casamento de vocês. Que lembrança que você tem do seu casamento? O dia mesmo, a cerimônia, como é que foi?
R – Então, já era o segundo casamento dela, então ela pedia pra que fosse uma coisa simples, uma coisa que não... Ela era meio traumatizada já com o primeiro. Eu também não sou muito de me expor. Eu falei: “Tá bom. Então vamos fazer uma coisa simples”. Fizemos uma cerimônia simples, simples no cartório. Não fizemos nada. Aí acabamos viajando uma semana de lua de mel só e não fizemos nada. Uma coisa bastante simples mesmo.
P/1 – E como é que foi a lua de mel?
R – Foi bom. Foi bom. Ela já tinha uma filha, na época a Daniele com acho que cinco anos de idade, seis anos de idade. Eu fiz questão que a Daniele fosse com a gente pra não traumatizar a criança. Aí levamos, fomos pra Porto Seguro, levamos a Daniele junto e era uma festa. Foi uma alegria, uma coisa que me emocionou muito na viagem foi a Daniele falar que queria me chamar de pai. Eu falei: “Claro. Você pode me chamar de pai”. Foi uma coisa muito gratificante. Acabei de casar e já tinha uma filha.
P/1 – E a notícia da gravidez do Gabriel? Gabriel, né, você falou que é o nome do seu filho.
R – Gabriel.
P/1 – Como é que foi? Como é que vocês souberam da gravidez?
R – A gente vinha tentando já há algum tempo, a Isabel ficar grávida, aí teve um dia que ela começou a fazer coisa de mulher, fazer aquele suspense, aquele suspense, até que ela me mostrou um sapatinho e falou: “Tô grávida”. Nossa, foi inesquecível o negócio. Uma coisa que... Depois vai acompanhando a gravidez, a mulher passa por uma transformação enorme, aquela barriga grande, colocava a mão sentir a criança se mover. Nossa, acho que é uma das melhores coisas que o ser humano pode ter na vida dele é passar por esse momento. A mulher com a gravidez em si e o homem acompanhar isso de perto. Eu tive esse prazer na minha vida.
P/1 – Você acompanhou o parto?
R – Acompanhei.
P/1 – Como é que foi?
R – Olha, tem que ser forte. Eu estava na sala de parto lá, aí primeiro você fica numa sala a parte, o médico falou: “Não. Só na hora que o bebê for nascer que eu vou te chamar.” “Tudo bem”. Ficou um enfermeiro do meu lado pra se eu desmaiasse, alguma coisa, e você ver a criança nascer ali, aquela... Nossa, é indescritível. É um ato, nossa, maravilhoso. É uma coisa divina mesmo.
P/1 – O que mudou na sua vida a paternidade, Wanderley? Como é que foi ser pai?
R – Ser pai é você pensar que você não está mais no mundo sozinho. Você tem que fazer por você e por mais alguém, que aquele alguém depende de você. Carregar a criança, cuidar, dar mamadeira, o banho, você dividir você mesmo com outro. Eu sinto isso até hoje, não esqueço o Gabriel pequeno no berço, acordava de madrugada, chorava e ele fazia questão que eu desse a mamadeira pra ele. Até os três anos de idade o menino era três mamadeiras por noite, era nove horas da noite, meia noite, três horas da manhã e seis horas da manhã. Não tinha perdão. Ele acordava gritando e chamava: “Pai, tetê”. Se fosse a Isabel lá dar a mamadeira ou a Daniele ele não aceitava, tinha que ser eu. E aquela velha história, já que ele está acordado ele esticava os bracinhos, queria brincar, só que era três horas da manhã, eu tinha que trabalhar no outro dia. Eu sempre tive muita paciência com criança, eu adoro, sou apaixonado por criança. Eu perdi muitas noites de sono, mas não me arrependo. É uma coisa muito gratificante.
P/1 – Wanderley, a gente falou bastante assim de trabalho e estudo, eu queria saber se além do trabalho e do estudo você tinha algum hobby, algum gosto assim, alguma outra coisa que você fazia por hobby, por lazer, um gosto pessoal.
R – Minha infância eu adorava, adorava soltar pipa, jogar bola, jogar taco, estar entre os amigos ali. Isso foi meu hobby, toda a juventude minha foi isso. Joguei muita bola. Aí depois a gente casa, não tem mais jeito, aí para de fazer essas coisas, mas era muito bom.
P/1 – E você me mostrou lá fora a foto de um retiro, né, espiritual.
R – Isso.
P/1 – Eu queria saber um pouco essa questão da religiosidade, desde quando você tem uma religião, como é que isso surgiu na sua vida e qual que é a sua relação.
R – Então, minha mãe é católica fervorosa. Ela vai a igreja toda semana, se tiver missa duas, três vezes por semana ela vai. A gente tem a sorte de ter uma igreja a 50 metros de casa e ela frequenta lá. A religião sempre esteve presente na nossa casa. Quando era bem pequeno, fazer a primeira comunhão, tudo, ia toda semana, todo domingo tava na missa. E crescemos dessa maneira. Hoje, que Deus me perdoe, mas nem sempre vou à missa, às vezes até fico um bom tempo sem ir à missa. Mas sempre que eu posso eu rezo, peço a Deus que nos guarde, nos proteja. Aquele retiro eu vou lá já há uns cinco, seis anos, é um lugar que traz muita paz, muita harmonia, então eu gosto de ir lá.
P/1 – Tem alguma história nessa questão da religiosidade, espiritualidade, tem alguma coisa que você tenha vivenciado assim que tenha te marcado? Alguma história, ou relacionado a esse retiro talvez.
R – Esse retiro. A primeira vez que eu fui lá nesse retiro eu tava desempregado e eu precisava de emprego. Eu tinha me divorciado há pouco tempo, andava cabisbaixo, sem dinheiro, uma situação horrível. Ia nesse retiro a minha mãe e a Cleusa minha irmã. Não lembro o que aconteceu, a Cleusa não pode ir, e ela já havia pagado o transporte, o ônibus pra ir pra lá. Minha mãe, a gente não gosta que ela vá sozinha, falei: “Então eu vou, não tenho nada pra fazer mesmo. Eu vou”. Chegamos lá a freira reúne as pessoas no cruzeiro lá por volta de umas nove horas da manhã pra iniciar um terço. Então eles escolhem aleatoriamente uma pessoa pra carregar aquela bandeira que você viu eu carregando, outros pra carregar uma santa, uma santinha, e nesse dia, essa primeira vez que eu fui me escolheram aleatório no meio da multidão lá, escolheram-me pra carregar a santinha. E a freira falou: “Se alguém tem alguma coisa pra pedir, por saúde, emprego, sorte, peça”. E eu pedi, falei eu só quero trabalho. Três dias depois eu tava empregado. Então isso me marcou assim nesse lugar. Foi um emprego que apareceu assim inesperado, inexplicável. Um amigo meu me ligou perguntando: “Wanderley, o que você está fazendo?” “Tô em casa.” “Pô, meu, você pode vir no escritório do doutor René pra explicar como se faz uma conta financeira?” “Claro, amigo”. Ele passou na minha casa, esse meu amigo passou na minha casa, levou-me no escritório desse doutor René e o doutor René me pediu pra explicar como é que era o cálculo de um contrato de financiamento de imóvel. Pra mim eu vivencio isso desde os 15 anos de idade, em três minutos eu expliquei pra ele como é que era feito o cálculo e cheguei no valor da parcela que ele me pediu. Aí o doutor René falou: “Nossa, eu já pedi pra dois contadores, pedi pra um amigo meu gerente de banco ele não soube explicar e você em três minutos fez. Eu estou precisando de um consultor pra trabalhar numa empresa. Você está empregado?” “Não” “Eu te pago 3000 reais por mês”. Eu falei: “Quando eu começo?”. Isso foi lá em 2006. Então foram três dias depois que eu fui nesse retiro e falei que eu só queria trabalho. Com a benção de Deus, graças a Deus, desde então nunca mais me faltou serviço. Eu agradeço sempre a isso.
P/1 – Com o que você tá trabalhando atualmente?
R – Atualmente eu trabalho com o meu irmão, nós temos uma empresa de comércio exterior. A gente montou essa empresa e trabalha nela, sobrevive dela. Não somos ricos, não temos dinheiro, mas ela nos dá sustento. Passamos por dificuldades que todo empresário aí passa hoje, mas a gente sobrevive dela.
P/1 – Eu queria conversar contigo agora um pouquinho sobre o Criança Esperança, Wanderley.
R – Pois não.
P/1 – Queria saber como é que você conheceu o Criança Esperança. Qual é a primeira lembrança assim que você tem do Criança Esperança?
R – Então, eu acompanho o Criança Esperança praticamente desde a concepção dele lá. Por ser um projeto que cuida de crianças e eu gosto de criança, eu adoro a inocência da criança, eu sempre ajudei. Eu me identifiquei ali com aquele projeto desde esse início. Eu sempre fiz doações nesse projeto.
P/1 – Você sabe mais ou menos há quanto tempo você faz doações?
R – Nossa. Muitos anos. Muitos anos. Década, sei lá, desde o começou eu já... Quando eu me casei, 95, 2005, uns 20 anos no mínimo. No mínimo eu conheço o projeto e me identifico com ele.
P/1 – E você faz essas doações e de alguma maneira você acompanha assim um pouco o que o projeto faz com esse recurso, pra quem que repassa? Você faz algum acompanhamento?
R – Eu tive mais contato com isso este ano, tá? Eu sempre acreditei na empresa TV Globo, eu tenho a seguinte impressão, por eu ter sempre trabalhado no meio empresarial, o que significa a arrecadação do Criança Esperança pra uma empresa como a Globo? Não significa nada, é um dinheiro pequeno pra eles, pelo volume que eles trabalham. Então eu sempre acreditei que aquilo era empregado sim pras crianças. Aí por volta 2005, 2006, eu não me recordo exatamente, foi nessa época, eu ouvi alguns boatos que os valores ali arrecadados, parte desses valores ia pra pagar os shows que eram feitos, o cachê dos atores, cantores e bandas que iam lá e as despesas que a Globo tinha em promover o evento. O que sobrava era pras crianças. Isso me revoltou. Isso eu falei: “Eu não acredito numa coisa dessas”. Aí eu parei. Parei, afastei-me do projeto até começo desse ano aqui, quando eu recebi um e-mail da TV Globo, um e-mail que eles mandam pra milhões de pessoas, o que eu achava do projeto. A hora que eu vi “O que você acha do projeto Criança Esperança?” eu falei: “Esse eu vou responder”. E falei aquilo que eu achava e essas coisas que eu estou comentando com vocês, que achava que não era justo eu fazer uma contribuição pra um projeto com a intenção de que isso chegasse a criança, isso fosse desviado pra outras coisas. Aí o pessoal da TV Globo entrou em contato comigo pra ver se eu queria participar, se eu queria conhecer melhor o projeto. Eu como sempre gosto de desafios, falei: “Tudo bem”. Aí eu voltei a acreditar no projeto a partir deste ano aqui.
P/1 – Eles entraram em contato contigo e teve alguma aproximação? Como é que foi esse conhecer melhor o projeto?
R – Não lembro o nome da pessoa na Globo lá que passou o e-mail pra mim dizendo que tinha interesse em conversar um pouco comigo, fazer uma entrevista. Eu achei que fosse ali meia dúzia de perguntas ou me passar alguma coisa do projeto, eu falei: “Não tem problema. Participo sim”. Aí ela disse que mandaria lá duas pessoas pra fazerem isso comigo. Aí o pessoal ligou pra mim marcando o dia e hora pra ir lá, foram, olharam o escritório onde eu trabalho, aí marcaram dia 17 de junho pra ir lá com uma equipe pra fazer a filmagem da minha entrevista. Nossa, aí foi aquele monte de gente, fiquei assustado, a gente não está acostumado com isso. Fizeram lá a gravação e me apresentaram uma pessoa que, nessa época que eu fiz as doações foi beneficiada. Eu conheci a Jaqueline. Aquilo me emocionou, deixa-me orgulhoso de eu ter participado na vida de alguém, que nem ela contou pra mim, não só ela como outros amigos que foram criados juntos lá com ela e receberam esse benefício. Da minha parte, é o que eu falo, não foi dinheiro que eu doei e sim carinho. Carinho em querer ajudar uma criança. Como eu falei no início aqui, eu fui uma criança que tive que batalhar, eu tive que correr atrás. Se hoje eu tenho um diploma de faculdade que foi dividido em três vezes, difícil de conseguir, é porque eu corri atrás, eu tentei, eu batalhei, ajudei a minha mãe a criar os meus irmãos mais novos. Eu fiz o possível pra manter a família unida. Acho que é o básico de tudo na vida da gente. Se eu tenho amigo, se eu tenho família, eu tenho tudo. O resto aos poucos a gente consegue.
P/1 – E como é que foi, nesse encontro com a Jaqueline, Wanderley, ela te contou como é que essas doações ajudaram? Qual que é a história dela?
R – Ela me contou que através das doações ela tava numa instituição, aquela instituição ela estudou, ela se formou pedagoga e trabalha hoje na profissão de pedagoga e ainda ajuda no projeto. É muito bom. É maravilhoso isso. E eu falei pra ela: “Vamos manter o contato, o que eu puder ajudar mais, o que eu puder fazer pra conseguir trazer benefício, pode contar comigo”. Porque eu tive como criança deficiências, faltou pra mim uma parte da minha infância ali se perdeu, eu não tive muito tempo pra brincar. E hoje eu penso assim, se eu puder fazer uma criança brincar mais, ser mais saudável e crescer um adulto responsável, o que eu puder ajudar eu ajudo.
P/1 – Qual que você acha que é a importância, Wanderley, de um projeto como o Criança Esperança pras pessoas que recebem essas doações, pra sociedade de uma maneira geral?
R – Primeiro que você tira a criança da rua, você dá educação que é o princípio pra que a gente cresça mesmo, o Brasil cresça de verdade. Enquanto os nossos governantes não olharem pra isso infelizmente nós não vamos sair da mesmice. A criança tem que ter educação. O jovem tem que ter um destino, ele tem que saber que a hora que ele estudar, a hora que ele estiver lá com os seus 18, 20 anos, 25 anos ele tem que ter uma profissão, ele tem que estar preparado pro mercado de trabalho. Mas não basta só ele ter o canudo, ele tem que ter chance. Eu vejo o projeto dessa maneira, ele procura uma chance praquela criança. E o pior de tudo, é a criança que não tem pai, não tem mãe, não tem família. A coisa mais difícil que tem é fazer aquela pessoa crescer e no final ser uma Jaqueline, que eu vi a Jaqueline. Então o que eu gosto do projeto é isso.
P/1 – Tá certo, Wanderley. Eu vou encaminhar agora pras perguntas finais então. Queria saber antes de te perguntar as duas últimas questões, se tem alguma coisa que a gente não tenha te perguntado e que você gostaria de deixar registrado.
R – Se as pessoas que acabarem vendo isso aqui pensem em ajudar mais. Que as pessoas por pouco que seja a doação, que ela seja feita e pense nisso, não é o dinheiro e sim o carinho. Pensar naquela criança que hoje está na rua, se ela for pra dentro de uma entidade dessa ela vai ter estudo, ela vai ter refeição, ela vai ter roupa, ela vai ter uma cama pra dormir. É um cidadão que a gente cria, mesmo que ele não tenha pai nem mãe, nem família nem ninguém, nós seremos tudo isso pra ele. e a manhã com certeza depois de formado vai ser um adulto que vai agradecer a todos nós. Ele vai trazer pra gente trabalho, vai trazer progresso, vai trazer esperança. Eu vejo dessa maneira.
P/1 – Tá certo. Então a penúltima pergunta é quais são os seus sonhos hoje.
R – Meu sonho hoje? Eu ainda não desisti do meu ideal, assim que eu tiver uma condição um pouco melhor eu quero voltar a estudar e se eu tiver a oportunidade ainda dar aula, dar aula daquilo que eu aprendi, da minha profissão. Eu sei fazer e sei fazer bem feito. Poder ensinar um pouco jovens, adolescentes, adultos, independente de quem seja. Poder ensinar um pouquinho daquilo que eu aprendi com pessoas do passado, como eu comentei, que são especiais pra mim. O que eu puder passar desse meu conhecimento todo pra alguém, vai ser muito gratificante pra mim.
P/1 – Tá certo. Por último então, como é que foi contar a sua história?
R – Traz emoção. Traz recordação. É uma história longa, é uma história de vida. Olhem o Wanderley como um ser humano que faz coisas certas, coisas erradas, mas nunca desiste. Um Wanderley que seja o espelho pra alguém nesse mundo inteiro.
P/1 – Tá bom, Wanderley, muito obrigada, viu? A gente encerra aqui.
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