Museu da Pessoa Conte Sua História, Histórias de Esperança
29 anos do Criança Esperança
Depoimento de Debora Cristina Shommer
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 30/07/2014
Realização Museu da Pessoa
HECE_HV006_Debora Cristina Shommer
Transcrição Paula Junqueira
P/1 – Debora, v...Continuar leitura
Museu da Pessoa Conte Sua História, Histórias de Esperança
29 anos do Criança Esperança
Depoimento de Debora Cristina Shommer
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 30/07/2014
Realização Museu da Pessoa
HECE_HV006_Debora Cristina Shommer
Transcrição Paula Junqueira
P/1 – Debora, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Debora Cristina Shommer, Vila Brasilândia, 30 de outubro de 1991.
P/1 – São Paulo?
R – São Paulo.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – Só minha mãe, o meu pai é da Alemanha.
P/1 – Sua mãe nasceu aonde?
R – Minha mãe nasceu na Vila Brasilândia mesmo.
P/1 – E seu pai?
R – Eu não sei o nome da cidade onde ele nasceu.
P/1 – E seus avós paternos? Os pais dele?
R – Não os conheço.
P/1 – E os pais da sua mãe?
R – Eles faleceram já tem um tempo, mas também nasceram na Brasilândia.
P/1 – Todo mundo é de São Paulo? Vila Brasilândia?
R – Todo mundo. Todos.
P/1 – E você sabe como o seu pai e a sua mãe, se conheceram?
R – Minha mãe foi rainha de Escola de Samba, aí o meu pai nessas vindas dos gringos nas Escolas de Samba, se conheceram aí.
P/1 – Ela foi rainha de qual Escola de Samba?
R – Rosas de Ouro.
P/1 – Que ano que ela foi?
R – Eu nem era nascida, na época (risos). Eu acho que era 1989, por aí.
P/1 – E ai ele conheceu ela, como é o nome da sua mãe?
R – Cecília.
P/1 – E do seu pai?
R – Benno.
P/1 – E eles são casados até hoje?
R – Só no papel, mas separaram já tem um tempo.
P/1 – E aí seu pai e sua mãe se conheceu, seu pai fazia o quê?
R – Meu pai na época era segurança.
P/1 – Aqui no Brasil?
R – Lá na escola do Rosas, aqui no Brasil mesmo.
P/1 – Ah, ele veio pra cá e mudou pra cá, por causa da sua mãe?
R – É, mudou pra cá.
P/1 – Mas ele mudou por causa da sua mãe?
R – É, aí eles casaram e ai ele ficou de vez.
P/1 – Ele veio a quê? A passeio?
R – Na realidade eu não sei, porque eu nem nunca perguntei isso pra ele, gente não tem um contato. A gente briga muito.
P/1 – Quando eles se separaram você tinha quantos anos?
R – Tinha quatro. Foi até muito engraçado que na época ele até tentou me sequestrar. Tanto que meu nome não era pra ser Debora Cristina Shomer, era pra ser Debora Moreira Shomer. Aí ele fez meus documentos escondido da minha mãe e ficou Debora Cristina Shomer. É foi uma história bem complicada.
P/1 – Como que ele tentou te sequestrar? Conta essa história.
R – A minha mãe saiu pra trabalhar e na época ele judiava muito do meu irmão, aí minha mãe deu um tempo pra ele sair de casa, ele pegou nesse tempo que minha mãe saiu pra trabalhar e a minha avó tava me olhando ele falou que ia levar eu no bar pra minha vó, e nessa me levou embora. Foi complicado.
P/1 – E ai?
R – Ai eu não lembro. Eu era muito pequenininha. Mas ai eu lembro que o meu padrinho que na época que foi atrás, que achou ele e me trouxe de volta, foi a maior complicação. Aí ele até hoje fala pra minha mãe, joga na minha cara também que ele morou embaixo da ponte, que minha mãe pôs ele pra fora porque ele judiava do meu irmão.
P/1 – Esse irmão não era filho dele?
R – Não. Filho de outro casamento da minha mãe. Aí foi isso. Foi bem complicado.
P/1 – E quando seu pai e sua mãe se casaram, eles foram morar na Brasilândia?
R – Isso. Na realidade, minha mãe já morava lá. Ele que foi pra lá. Atualmente, agora ele mora em Guarulhos, ele sempre morou lá. Aí depois ele foi pra Brasilândia.
P/1 – E você nasceu na Brasilândia? Como é que era a Brasilândia, quando você era pequena?
R – Era bem feia, muito barro, muito barro, as casas não eram como é hoje, agora lá tá bem melhor, era muito feia a Brasilândia, eu não tenho uma recordação boa. Era feia (risos), só consigo ver o agora.
P/1 – Como é que era a casa onde você morava?
R – Ela não mudou muito. Antigamente ela não tinha muro assim, que eu vejo por foto. Ela não tinha o muro, era muito, só tijolinho, sabe? Não era nem pintada, também não tinha um reboco, essas coisas. Agora está bem melhor.
P/1 – E quem morava lá?
R – Quem morava? Morava eu, minha mãe, meus primos, os avós, ainda mora bastante gente lá. É que são seis casas. Ainda mora bastante gente.
P/1 – E como é que era a infância? Do que você brincava?
R – Eu era muito rueira. Eu gostava de brincadeira de menino. Eu adorava empinar pipa, jogar bolinha de gude, pião, jogar bola então nem se fala. Eu adorava brincadeira de menino, onde tinha um menininho brincando eu tava lá também, eu era maior homenzinho.
P/1 – Tem alguma história assim de infância que tenha te marcado?
R – Essa do meu pai me marcou muito, foi mais essa do meu pai mesmo, por causa da situação em si. Foi bem complicado, até me chateia bastante. Acho que essa foi a que mais me marcou, assim na minha infância, que eu consigo lembrar bem.
P/1 – E como que era na sua casa a convivência? Quem que exercia a autoridade lá?
R – A minha mãe exercia. Mas era só ela sair que meu pai fazia a festa, judiava do meu irmão. Eu tenho uma irmã também, só que ela não morava em casa. Ele judiava muito, judiava muito mesmo, hoje, até hoje meu irmão tem bronca dele, é capaz se ver fazer alguma besteira, sabe? Era da gente ir almoçar o meu pai colocar ele pra comer junto com o cachorro e não junto com a gente. Era um negócio bem complicado, o povo falava pra minha mãe, só que ela não acreditava. Aí ela precisou ver pra crer, entendeu? Ela fingiu que foi trabalhar e nesse mesmo dia ela voltou e viu essa cena, marcou bastante. Eu lembro de tudo, assim dessa situação eu lembro. Foi bem chato.
P/1 – E a sua mãe, você ia nos ensaios? A sua mãe sempre foi de Escola de Samba?
R – Sempre. Eu ia, até tentei seguir os passos dela, fui rainha do bloco, lá perto lá, do Iracema, só que eu parei, porque eu machuquei o joelho, eu parei também.
P/1 – E a sua mãe, levava vocês pra quadra?
R – Levava. Levava bastante.
P/1 – O que você lembra desse período?
R – Eu lembro ela lá de fio dental, muito pequenininho sambando na frente da bateria, toda bonitona, lembro de tudo, era muito legal. Eu ficava ali brincando também, eu adorava sambar na época. Ainda adoro.
P/1 – Na Rosas de Ouro?
R – Isso, no Rosas e em bloco também que ela saia.
P/1 – E você escutava música em casa? Samba?
R – Sim, é o que mais tem até hoje. Samba e Black, assim, Samba Rock, é o que mais tem, tudo. Só tem isso lá. (risos) Funk nem pensar! (risos).
P/1 – E com quantos anos você entrou na escola?
R – Desde do pré você fala? Ah, eu entrei a partir dos meus quatro. Quatro anos eu já tava na escola, assim que o meu pai foi embora, eu entrei na creche.
P/1 – E depois?
R – Depois eu fui pro fundamental, ensino médio e depois o superior.
P/1 – E sua mãe trabalha do quê? Trabalhava do quê?
R – Antes ela trabalhava de auxiliar de enfermagem, e agora hoje ela é cuidadora.
P/1 – E quem que sustentava vocês?
R – Minha mãe.
P/1 – Seu pai?
R – Não. A minha mãe, o meu pai tava ali, mas minha mãe foi pai e mãe desde o inicio, o meu pai ele só tava ali só.
P/1 – E quem te levava pra escola?
R – Minha mãe.
P/1 – Como que você ia?
R – Eu ia de ônibus, pegava dois ônibus, e ia, desde a creche, até eu estudar mais perto de casa.
P/1 – E você lembra das professoras?
R – (risos) Mais ou menos, só das chatas. Que é a que mais marca.
P/1 – Quais que você lembra que era chata?
R – Da professora de matemática, ela era terrível comigo, que eu não era boa. Meu caderno era cheio de bilhete, pra minha mãe ir lá conversar (risos), que eu não era boa, eu não gostava de fazer lição. Ah, mas depois com o tempo eu fui melhorando.
P/1 – O que você mais gostava na escola?
R – Educação Física (risos), sempre foi o meu forte, eu adoro esporte. É o que eu mais gostava.
P/1 – E quando você era pequena, tinha uma coisa que você falava assim, quando eu crescer quero ser tal coisa?
R – Desde pequena eu falava, que quando eu crescer ia ser professora de Educação Física, desde pequena, tanto que eu conseguir entrar na faculdade, só que eu tive que parar porque eu não consegui pagar, ficou muito alto, ai ficou uma bola de neve e tive que parar. Mas isso é o que eu vou concretizar e vou fazer. Eu vou ser professora de Educação Física.
P/1 – E como é que era a juventude? Você foi crescendo, como é que é morar na Brasilândia? Quais são os programas, o que é que você fazia?
R – Morar na Brasilândia no inicio foi meio complicado porque tinha muito assalto, muito tiro, essas coisas de polícia e ladrão. Então, antigamente a gente tinha um horário pra entrar, nove horas tinha que estar dentro de casa, porque senão o povo passava atirando. Foi meio complicada a juventude, agora está bem melhor, mas eu não conseguia fazer muita coisa na rua. Pra onde a gente ia, na época ainda era Fazendinha, agora é Criança Esperança, sempre ia pra lá, fechava lá a gente ia embora.
P/1 – O que era o Fazendinha?
R – Fazendinha é onde é o criança Esperança hoje.
P/1 – O que acontecia lá antes?
R – Ah, lá tinha professores. Dava aula pra gente, a gente ficava lá,
basicamente lá era nossa segunda casa, a gente ficava lá o dia inteiro, saia da escola só passava em casa, comia e ia pra lá.
P/1 – Mas é da Prefeitura? Do que era o Fazendinha?
R – É da Prefeitura, a gente ficava lá.
P/1 – Mas é o quê? Um Centro de Recreação? O que é?
R –Eles falam Fazendinha, mas o nome é Osvaldo Brandão. A gente ficava lá por causa que o Fazendinha, porque como era muito barro antigamente, tinha muita árvore parecia uma fazenda.Só que pequenininha, todo mundo falava Fazendinha, gente ficava ali por causa das quadras, o ginásio, era onde tinha mais um espaço pra gente brincar, mas onde tinha mais polícia, ninguém ia lá atrapalhar a gente. A gente ficava mais lá.
P/1 – E você viu algum assalto? Alguma cena de violência na sua frente, lá na Brasilândia?
R – Via, agora vai fazer dois anos da policial. Eu tava chegando do mercado, aí parou um carro em frente a minha casa e dois meninos estavam esperando ela chegar, nisso bateram no vidro do carro dela e puxaram ela pra fora, deram mais de 11 tiros nela.
P/1 – Você viu?
R – Passou até na TV. Eu vi sim, mas só que eu não conseguir ver direito, porque eles entraram no carro e saíram correndo. Eu cheguei do mercado e foi só o tempo de eu subir pro meu terraço e ver toda situação. Hoje eu acho que eles estão presos, que passou na TV que tava. Não sei. Foi uma cena complicada, acho que foi a pior cena.
P/1 – E você ia pra Fazendinha, que outros programas você fazia?
R – Ah, eu adorava parque. Qualquer parque tinha quadra eu tava indo, porque a minha vida sempre foi o basquete, eu ficava muito, muito. Aonde tinha basquete eu tava. Qualquer lugar, depois de um tempo, a minha mãe decidiu me soltar. Porque ela viu que não tinha mais jeito de me segurar, onde tinha basquete eu tava indo, tanto que até com o Criança Esperança eu fui pro Rio de Janeiro jogar basquete, foi um dos dias mais legais também, marcou também. Fui lá no Cristo, conheci o Rio de Janeiro, muito bonito.
P/1 – Aí você da Fazendinha, você ficou quanto tempo na Fazendinha?
R – Eu e minhas amigas, a gente tem quase nove anos de Fazendinha, até o Criança Esperança chegar. Tem nove anos.
P/1 – E aí você entrou como voluntária do Sou da Paz, como é que é essa história, eu não entendi, você pode me explicar?
R – Foi assim, eu fazia o esporte, na época a antiga coordenadora a Adriana, era do Instituto Sou da Paz, ela veio com essa proposta pra gente, pra gente fazer esse trabalho voluntário tudo, pra gente poder entrar nas comunidades de verdade. Porque como a gente já era da Brasilândia, seria mais fácil pra gente entrar do que eles que não são. Daí ela decidiu montar. Eu fui a primeira a me interessar, aí entrou uma outra amiga minha e o grupo foi crescendo. Não crescendo assim bastante, porque o pessoal acha que tudo tem que ganhar dinheiro. Eles não veem a verdadeira proporção disso. Começou assim, a Adriana trouxe essa proposta, a gente gostou e participou. Quando tem evento, a gente participa.
P/1 – Mas aí você é do Sou da Paz?
R – Sim.
P/1 – E ai quando chegou o Criança Esperança?
R – Não. Então, o Criança Esperança já era, o Instituto Sou da Paz que levou essa proposta pro Criança Esperança. Aí a gente só participou.
P/1 – Qual que é a proposta?
R – Da gente poder entrar nas comunidades, que eles não poderiam entrar, pelo fato da gente já morar lá. Por causa que até tem traficante lá, que a gente fez um evento, tinha um traficante lá que não queria que a gente fizesse o evento lá, porque tinha polícia e ia atrapalhar o fluxo dele, a gente que é da Brasilândia foi mais fácil chegar nele, conversar, tudo, foi só por causa disso, a proposta é da gente entrar na comunidade com mais facilidade, pra gente poder levar os esportes, de tirar as crianças da rua.
P/1 – E você sabe qual é a relação do Sou da Paz com o Criança Esperança?
R – Na realidade, eu não conheço muito a história, eu não conheço.
P/1 – Você sabe quem financia o Criança Esperança?
R – A Globo? Não sei. Eu sei que é uma parceria com a Globo, eu não entendo direito, porque essas coisas a gente nunca chegou a perguntar, né?
P/1 – E o que você faz no Criança Esperança hoje?
R – No momento nada, porque tava meio parado um tempo atrás. Como estava em reforma, não estava tendo aula, tava em processo de pegar novos professores, agora eu não sei como está lá.
P/1 – Mas você é voluntária ainda?
R – Sou voluntária.
P/1 – O que você já fez como voluntária do Criança Esperança
e do Sou da Paz?
R – A gente fez muitas coisas, a gente entrou em três comunidades complicadas, ali na Brasilândia, que dividiram. A gente entrou no Iraque, que foi uma comunidade muito complicada a gente entrar, que por mais que a gente morasse ali, eles não conheciam a gente, eles não queriam por nada, por causa dos polícias que iam atrapalhar e também tinha a Al Queda, chama Al Queda, lá, (risos) só nome estranho, complicado, né? Então eles não queriam. Era é muita boca lá, boca de fumo, e tudo que vai atrapalhar eles, eles não querem. De jeito nenhum.
P/1 – Mas vocês entraram para fazer que trabalho?
R – A gente queria mais resgatar as crianças de lá pra poder ir pro Espaço Criança Esperança, e eles não queriam isso, eles queriam que as crianças trabalhassem pra eles, aí a gente permaneceu, permaneceu, a gente pegou conseguiu, e a gente fez um evento lá pra todas as crianças, eu lembro que a gente conseguiu mais de duas mil crianças nesse dia, levou um ônibus cheio de livros e eu e mais quatro voluntárias fizemos esportes essas coisas, mais pra resgatar as crianças mesmo, pra elas verem que aquilo que elas estavam fazendo não era certo. A gente conseguiu bastante gente, e hoje muitas crianças que eram lá desse Iraque estão lá no espaço hoje, fazendo atividades, até hoje quando eu tava no ponto de ônibus, a criança falou assim: “Olha, não era você que tava lá? Obrigado, você me ajudou muito.” Isso foi uma satisfação enorme, ver a aquele sorriso agradecendo e aquele abraço sincero, acho que está aíi a proposta de ser voluntária, eu não ganho dinheiro, mas a sinceridade de uma criança é tudo. Foi muito legal.
P/1 – E por que você decidiu ser voluntária?
R – Acho que é porque como eu tinha aquela obsessão de dar aula, ali eles me forneciam isso. Eles deixavam eu fazer o que eu mais queria. Tinha vezes que, quando chegava assim na semana do Criança Esperança eles faziam várias oficinas. E onde tinha o basquete eles me colocavam pra dar aula. Eu ficava nessa fissura de dar aula, de dar aula, que eu sempre quis. E como ele me deu essa oportunidade, isso foi só o pé pra mim entrar, depois eu vi que não era só isso. Quando eu vi que eu tava fazendo o que eu mais queria, que era estar perto das crianças, que é o que eu quero, aí eu peguei e decidi ficar de vez como voluntária.
P/1 – O que mudou na sua vida desde que você é voluntária?
R – Mudou muita coisa. Antigamente eu era bem chata. Tipo mente fechada. Hoje não, eu já consigo conversar com as pessoas, já consigo até dar uma entrevista (risos). Mudou bastante coisa, em casa eu era aquela rebelde, sabe? Não conversava com ninguém, minha mãe tentava conversar comigo, acho que é porque toda aquela situação com o meu pai eu me fechei para o mundo. Hoje já mudou bastante coisa, já conheci bastante gente, mudou bastante.
P/1 – E suas paixões? Quando que você teve o primeiro namorado?
R – Nossa. Eu não era namoradeira não. Meu negócio era mais fazer esporte mesmo. Comecei a namorar com 18 anos.
P/1 – Com quem você namorou?
R – Namorei com o Gabriel, o Jonatas hoje ele é meu segundo namorado.
P/1 – Como que vocês se conheceram?
R – O Jonatas? A gente tava no ensaio na Escola de Samba, lá onde eu desfilei, e nesse dia eu não desfilando, eu não tava ensaiando, eu só tava ali com as amigas, aí eu vi ele, na realidade quem tomou a atitude fui eu. Eu pedi pra minha amiga ir lá e pedir o telefone dele (risos), ela pediu o telefone dele, e eu fui e mandei mensagem. Desde então a gente está junto. Hoje eu também tô grávida de três meses. Não era o que a gente esperava no momento, mas está aqui, então a gente vai cuidar direitinho.
P/1 – E você disse daquele jogo de basquete no Rio de Janeiro, como é que foi?
R – Nossa, foi muito emocionante, o ruim que se jogasse uma vez e perdia você tinha que ficar assistindo os outros. Foi muito, muito legal, a gente jogou lá no Morro do Cantagalo.
P/1 – Por quem que vocês foram?
R – A gente foi pelo Criança Esperança.
P/1 – Tem um time? Como é que é?
R – Eles mesmo montaram um time e dividiram por equipe. Porque era equipe amarela, vermelha e azul, era dois de São Paulo, dois do Rio, dois de Minas. Não era só São Paulo contra Rio, Rio contra, eles dividiram por equipe. Aí a gente acabou conhecendo as meninas que iriam jogar com a gente lá na hora e foi assim muito rápido. Foi só dois dias de jogos.
P/1 – Deu pra passear no Rio?
R – Deu. Eu conheci o Cristo, acho que foi a melhor sensação da minha vida. Subir lá, foi muito maravilhoso.
P/1 – E aí você começou, você trabalha, fora ser voluntária?
R – Então, quando eu tava fazendo faculdade, eu fazia muitos estágios, eu não ficava parada, trabalhava muito, trabalhei na academia, trabalhei na ADPM, eu trabalhei numa escola lá na Cohab Brasilândia também. Eu trabalhei bastante, assim, só com a faculdade, fazendo estágio, trabalho assim registrado ainda não.
P/1 – E agora?
R – E agora?
P/1 – Você está trabalhando?
R – Não. Agora não. Até porque eu ia voltar pra faculdade, que quando eu estava conseguindo negociar, apareceu mais uma bola de neve que eu tinha que pagar lá em casa, que a situação apertou, eu não consegui voltar pra faculdade, bateu aquele desânimo, sabe? De não querer acordar pra vida. Aí foi bem complicado. Mas ai depois, tudo está se resolvendo. E agora estou esperando meu filho, e agora grávida é difícil trabalhar. Só que eu vou trabalhar agora na eleição para algum deputado. Mas eu vou ver, eu vou trabalhar. Eu preciso.
P/1 – E você continua o trabalho no Criança Esperança? No Sou da Paz?
R – Sim, hoje porque, até porque desanimou. A Adriana saiu e o povo acha que sem a Adriana o grupo não é nada, mas eu e o Clóvis estamos conseguindo a puxar o grupo de volta pra gente voltar a fazer trabalho voluntário, mesmo sem a Adriana. Isso é o que a gente mais quer.
P/1 – Você acha que esse trabalho, o Sou da Paz e a unidade Criança Esperança, o que ele muda na vida das pessoas lá da região?
R – É que ali na Brasilândia, o pessoal não acredita que a gente está sendo voluntário. Eles acham que a gente está ganhando dinheiro por trás disso, só que não, e mudou aqui até pouco tempo atrás o campo ali debaixo do Fazendinha, Fazendinha não, do Criança Esperança, ele estava totalmente parado, aí a gente conseguiu fazer um protesto junto com o nosso grupo de voluntário e aí a gente conseguiu fazer um abaixo assinado com mais de quatro mil pessoas assinando por causa do campo. Isso muda, o pessoal acha que não, mas isso muda bastante, e o grupo conseguiu hoje mais dez integrantes, assim do nada, por causa dessa ação que a gente fez pelo campo debaixo. Muda bastante, o povo que não quer ver, eu acho que muda bastante e isso foi o primeiro passo lá que eles viram que a gente tava na linha de frente atrás disso, pro campo poder voltar. Porque o campo lá de cima vai sair, vai virar um hospital, e não teria onde ninguém jogar. Essa também ajudou bastante, muda a comunidade, se a comunidade querer também. Porque não adianta só a gente querer. A Brasilândia é um bairro meio complicado. Lá o pessoal é bem de querer ser mais que o outro, mora todo mundo vizinho, passa basicamente pela mesma situação, mas gosta de ser mais que os outros, sabe? E não consegue ver abaixo, não consegue ver o que está acontecendo. Aí eles não gostam, é difícil.
P/1 – Mas você acha que esse trabalho desenvolvido já mudou alguma coisa na comunidade?
R – Já. Não exclusivamente ali onde eu moro, mas já. Porque hoje se for analisar tem muito mais aluno no Criança Esperança por conta desse trabalho voluntário do que antes. A gente conseguiu tirar bastante crianças da rua. Bastante mesmo. Foi só quatro eventos pra já fazer bastante diferença. É que ali o pessoal da Brasilândia já acostumava ir lá antes do Criança Esperança mesmo.
P/1 – E você tem contato com o seu pai hoje?
R – Não. Se a gente se ver a gente briga, não dá, ele joga muita coisa na minha cara, é uma situação que eu não gosto muito de lembrar dele, até porque ele me fez sofrer bastante, já disse coisas pesadas. É bem complicado, chateia bastante, é só falar que eu já choro.
P/1 – E com a sua mãe? Qual é que é sua relação com ela?
R – É mais incrível, a minha mãe é pai e mãe mesmo, se esforça bastante por nós, quando eu dei a noticia que eu estava grávida, achei que eu ia levar um coro (risos), só que ela tava ali, ficou do meu lado, sabe? A minha mãe é incrível, eu não tenho o que falar (emocionada). Meu pai já tentou falar bastante coisa dela, sabe? Pra me fazer virar contra ela, só que não dá, porque nas horas mais difíceis quem tava ali era ela, pra entrar na faculdade quem tava ali foi ela, eu tentei ir atrás dele, só pra ter uma relação amigável, sabe? Só que ele não quer, ele acha que o que ele passou com a minha mãe eu tenho culpa, sabe? Ou meu irmão, aí ele acaba misturando uma coisa na outra.
P/1 – Você prestou vestibular, entrou em qual faculdade?
R – Eu prestei vestibular pela Uninove, o Instituto Sou da Paz ele pagava 35%, foi onde eu consegui entrar com mais facilidade, eu prestei vestibular na Uninove, passei, o Instituto da Paz pagava 35%, fora os 5% que a faculdade dá, então eu pagava só 60%, quase meia bolsa, né? Só que cada semestre vai aumentando, aumentando, eu não consegui pagar. Eu ia até entrar pelo FIES só que foi tarde demais. Agora eu tenho que esperar pra voltar.
P/1 – Quais são seus sonhos hoje?
R – Hoje, é voltar pra faculdade, me formar, eu parei no último semestre. É me formar e dar aula que eu sempre quis, esse é meu maior sonho hoje, até porque voltar pro basquete não dá, porque eu machuquei o ombro e não dá mais mesmo de verdade, qualquer coisa ele desloca. Se eu pudesse eu voltaria para o basquete, só que como não...mas esse do basquete eu consegui realizar, até porque uma vez eu jogando no Criança Esperança no festival que teve, tinha um olheiro de fora, e eu comecei a treinar pelo time deles. Eu ia embora, só que aconteceu esse problema com o ombro, tive que ficar.
P/1 – Você ia pra onde?
R – Eu ia pro Tennessee, pra faculdade de lá. Aí eu machuquei o ombro, só que eles querem atleta saudável.
P/1 – E não tinha como consertar? Operar?
R – Eu ia operar, ia colocar um pininho, só que ai eu ia perder grandes movimentos, não conseguiria levantar o braço direito, eles não querem isso, eles querem um atleta saudável. Pra eles poder cuidar, se eu tivesse me machucado com eles, eles cuidariam e me levavam, só que eu machuquei por fora, daí não deu.
P/1 – Desde quando você joga basquete?
R – Desde os meus 15 anos.
P/1 – Com quem? Como você começou a jogar?
R – Tudo foi lá no Criança Esperança. No festival eu estava jogando contra o time Finasa, na época eu joguei contra eles, aí o professor delas me falou: “Você não queria jogar no time?”, só que eu não joguei pelo Finasa ele me indicou pra outro time, na época o Regatas Tietê, aí eu joguei pelo Regatas, em um campeonato eles me viram, eu fui mudando, eu joguei em três times. Aí depois eu parei por causa do ombro. Só por causa disso, senão eu estava aí.
P/1 – E você não vai operar? Não vai tratar?
R – Não, eu estou só fazendo fisioterapia, fortalecendo, porque eu não queria operar, né? Estou só fortalecendo, se eu operar for a única sugestão, eu vou operar. É o jeito não tem o que fazer. Qualquer movimento fininho, ele cai, é muito complicado esse ombro.
P/1 – Tem algum fato da sua vida que você acha importante deixar registrado, que a gente não tenha tocado aqui? Algum causo? Uma outra história?
R – Não. Ah, basicamente isso é minha vida.
P/1 – O que você achou de contar a sua história aqui no Museu da Pessoa?
R – Eu tava meio nervosa. Eu gostei bastante, até porque acho que vale deixar alguma coisa registrada minha. Até porque muita gente me critica, achando que eu tenho tudo, na realidade tudo que eu tenho eu conquistei, é bem isso, é bom pro pessoal ver que a vida não é fácil, a gente precisa lutar, o pessoal critica muito (choro). É bom deixar a história aqui, é bom deixar porque aí as pessoas veem que eu conquistei tudo que eu tenho, foi batalha, na época que eu jogava basquete eu ganhava o meu dinheiro, consegui arrumar a minha casa por causa disso, consegui fazer bastante coisa e o pessoal acha que o negócio caiu do céu. Eu estou chorando, mas não é de tristeza, é mais porque se eu já estou aqui, é porque eu batalhei pra estar aqui, sabe? Eu e minha mãe juntas, verdade, pra mim é bom deixar aqui registrado, até falar da minha mãe, porque sem ela, ela é minha instrutora, sem ela hoje eu não seria nada, nada mesmo. E eu quero que todo mundo veja essa história.
P/1 – Queria agradecer a entrevista, super bonita.
R – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher