P/1 – Cledimilson, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Cledimilson Teixeira do Nascimento, nascido a nove de janeiro de 1966, na cidade de Piripiri no Piaui.
P/1 – Cidade de?
R – Piripiri
P/1 – Seus pais são de Piripiri?
R – Sim
P/1 – Seu pai e ...Continuar leitura
P/1 – Cledimilson, você pode falar o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Cledimilson Teixeira do Nascimento, nascido a nove de janeiro de 1966, na cidade de Piripiri no Piaui.
P/1 – Cidade de?
R – Piripiri
P/1 – Seus pais são de Piripiri?
R – Sim
P/1 – Seu pai e sua mãe?
R – Sim
P/1 – Como que é o nome do seu pai?
R – Não registrado oficialmente em documentos, era José Ferreira Lima, minha mãe, Creuza Teixeira do Nascimento
P/1 – Por quê que ele não é registrado oficialmente?
R – Porque eu fui abandonado pelo meu pai muito cedo… quer dizer, na realidade, minha mãe deixou o meu pai muito cedo, eu tinha um mês e três dias de nascido, segundo ela e ela foi morar com a minha avó e acabou não registrando o nome do meu pai nos documentos
P/1 – Por quê que ela separou do seu pai logo cedo?
R – Álcool. Meu pai era alcoólatra e ela não suportou a situação apresentada no casamento
P/1 – Você tinha outros irmãos?
R – Chegou a falecer antes de mim, que era pra ter uma irmã mais velha do que eu, dois anos mais velhas, mas não cheguei a conhecer. Faleceu antes mesmo que eu nascesse
P/1 – Ai ficou você?
R – Ficou eu
P/1 – E você chegou a conhecer seu pai?
R – Eu o vi uma única vez, acho que eu tinha por volta de seis anos, eu vi uma única vez… ele havia adquirido uma doença e… tava brincando de carrinho, era uma criança. Foi a única vez que eu o vi
P/1 – E você lembra desse dia até hoje?
R – Eu lembrei por mais de muitas vezes algum tempo atrás, hoje, já nem tanto. E ele faleceu em 78
P/1 – Quanto tempo você… até quantos anos você viveu em Piripiri?
R – Olha, em Piripiri foi uma historia engraçada, porque eu fiquei em Piripiri até os nove, depois eu vim pra Fortaleza, voltei com 14, ai sai de Piripiri novamente para Fortaleza aos 18, para servir ao Exercito.
P/1 – Como que era Piripiri na sua infância?
R – Piripiri na minha infância: uma cidade assim pequena, ainda é pequena, mas era bem menor, sem muita estrutura, sem desenvolvimento, nós não tínhamos água, né, não tínhamos eletricidade, era tudo muito precário, tudo muito rustico mesmo.
P/1 – Quais eram as suas brincadeiras de infância?
R – Nós brincávamos com o fruto do mandacaru, nós brincávamos com carrinhos feitos com latas de óleo, né, que até então, eram feitos de lata, hoje é em plástico, nós brincávamos de pega-pega, de esconde-esconde, brincadeira… não tinha muita opção, não tínhamos brinquedos, essa é a grande verdade. Nós mesmos fazíamos com o que nós encontrávamos na natureza
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Olha, eu entrei um pouco tarde, porque eu era não muito ortodoxo, então eu brigava muito na escola quando eu era criança. Então, eu ia pra escola, ficava mais de castigo do que aprendia. Eu, na realidade, vim fazer, de fato, a primeira série, pra dizer… não, fiz a primeira série com nove anos de idade, de nove para dez anos. Até porque, escola mesmo nós não tínhamos e, Piripiri, pelo menos para a classe mais pobre era muito complicado e eu lembro que nós tínhamos lá uma professora que dava aula em uma sala e nós tínhamos que levar o banquinho de casa, que nós sentávamos no chão, colocávamos o banquinho de frente pra lousa que era a nossa carteira e o caderninho no saquinho de leite. Era essa… foi essa a minha escola. Ai depois, fizeram uma escola no bairro, mas eu já não cheguei a usufruir muito, o pouco que fui, ficava de castigo.
P/1 – E a sua mãe? Trabalhava fora?
R – Minha mãe, ela me deixou com a minha vó aos quatro anos de idade, veio para a cidade de Fortaleza, porque lá não tinha opção de emprego e ela veio trabalhar como domestica em Fortaleza.
P/1 – E você via ela sempre? Como que…?
R – É, minha mãe… eu fiquei com a minha mãe até os quatro, ai… o que eu havia dito antes, né, ela ia me visitar periodicamente, depois eu vim morar com ela, aos nove, ai depois já não queria estudar também, tava indo muito bem nos estudos, mas depois queria só jogar bola, o meu padrasto não aceitava a situação, para que não causasse atrito no casamento, eu tive que voltar pro Piaui. Ai, depois, retornei já aos 18, porque eu queria servir o Exercito, mas não queria servir Tiro de Guerra, eu queria servir o Exercito mesmo.
P/1 – E ai? Você serviu?
R – Dois anos
P/1 – Como que foi esse período?
R – Olha, um dos períodos de aprendizagem, um dos períodos bons, teve lá seus contratempos, mas muito mais benéficos do que ruins
P/1 – Quais foram os contratempos?
R – Os contratempos foi porque a gente faz amigos, mas também faz inimigos, mesmo lá dentro, onde só tem homens e as opiniões são muito divergentes, um são mais homens do que outros e eu acabei arrumando algumas inimizades por não ter o mesmo conceito com alguns em relação a vários assuntos da vida, diversos assuntos da vida. Mas o grande feito mesmo foi os dois anos que eu fiquei, enfermagem que eu fiz lá dentro, fui enfermeiro por dois anos, fiz o estagio no HGF, foi muito bom pra mim, então isso foi legal e o de ruim mesmo, que na realidade, foi com os meus superiores. Na época, eu fumava, quer dizer, eu ainda fumo, né, mas na época, eu era fumante e por causa disso, muitas vezes, eu tive que ficar detido, que era uma questão pessoal e isso foi muito ruim pra mim, isso não foi legal e o cômico de uma dessas minhas detenções, era época do militarismo ainda e eu fiquei assobiando enquanto eu tomava banho pra vir embora, para ir para casa numa sexta-feira, “Pra dizer que não falei das flores”, então era considerada comunista, de Geraldo Sodré e o cabo de dia me viu assobiando, depois chamou o sargento de dia, deu a leitura do BI, com o uniforme todo bonito para ir para a casa, falei: ‘esse final de semana, eu vou pra casa’. ai, depois da leitura do BI, ai teve uma nota informando que por apologia ao comunismo, o combatente 503, que era eu, o Cledimilson, estava detido por 15 dias. Aquela coisa cômica do Exercito.
P/1 – E ai? Ai, você queria seguir carreira? Quis parar?
R – Eu consegui passar para fazer curso de cargo, só que era no Quartel de Infantaria e nós éramos de artilharia. Existia uma rivalidade muito grande, eu não sei se ainda existe, mas naquela época existia uma rivalidade muito grande, porque quem servia em artilharia, geralmente, andava motorizado e em infantaria, a pé. E o curso é da infantaria, então alguns que vieram fazer esses curso, anteriormente, a maioria desistiu, porque falava que era muito sofrimento, que realmente eles pegavam muito pesado. E eu não quis ter essa experiência triste, por isso, eu desisti do curso. E na realidade, eu não fiz carreira, com dois anos que eu… o primeiro ano foi obrigatório, engajei por mais um ano e depois, eu saí.
P/1 – Ai, você foi fazer o quê?
R – Eu queria continuar na área de enfermagem, né, mas ai surgiu uma oportunidade de ir para São Paulo e eu fui, onde fiquei 26 anos
P/1 – Teve uma oportunidade…?
R – De continuar na enfermagem, mas surgiu…
P/1 – Na?
R – Enfermagem, na área da saúde. Mas surgiu uma oportunidade para ir para Fortaleza… pra São Paulo, aliás e eu fui
P/1 – Que oportunidade?
R – Na realidade, vamos dizer que foi criada essa oportunidade. Veio o pessoal que já morava aqui, que havia ido pra São Paulo há uns 30 anos e voltaram e eu conheci, né, a filha desse casal, a gente acabou se envolvendo, eles não se adaptaram novamente em Fortaleza, regressaram para São Paulo, eu acabei indo junto.
P/1 – Mas você foi trabalhar? O quê que você foi fazer?
R – Na realidade (risos), é até cômico isso, porque eu fui pra trabalhar, para que nós providenciássemos o desquite então, para que nós pudéssemos casar e a previsão era de um ano com os imprevistos, nós passaríamos um ano e meio em São Paulo. O que nós esperávamos não aconteceu e eu fiquei 26 anos.
P/1 – Qual foi sua impressão ao chegar em São Paulo?
R – A impressão de chegar em São Paulo: na realidade, medo! Medo, porque aqui, nós andávamos por todo lugar e quando eu cheguei, me falaram muitas coisas sobre São Paulo, né, os perigos, muito grande também, não conhecia nada, então era muito complicado e não me envergonho de dizer que durante um ano, eu chorei pra vir embora, chorava todos os dias com saudades de casa, da minha mãe. Às vezes, eu deitava no travesseiro e: “Minha mãe, me leva de volta!”, falava isso do fundo do coração. Então… mas ai depois, eu tive que aprender a conviver com a situação, a pior situação que eu encontrei em São Paulo, a principio, foi o clima, eu sai daqui de camiseta e bermuda, cheguei lá com frio de 11 graus, nunca tinha visto isso na minha vida, foi terrível! Então, você punha duas meias, calça legging por baixo do jeans, e mesmo assim, os dedos pareciam duros de tanto frio. Foi difícil acostumar com essa situação.
P/1 – E ai? Você foi trabalhar? O quê que você fez?
R – Fui trabalhar, como havia saído do Exercito recentemente, então pra mim, não foi difícil encontrar emprego na área de segurança. Trabalhei como segurança, trabalhei como ascensorista, trabalhei como metalúrgico, trabalhei como conferente em loja, “pacoteiro”, de tudo eu fiz um pouco, ajudante de pedreiro, ajudante de marcenaria
P/1 – E você tava com a sua mulher?
R – Não. como eu te falei, não se concretizou aquilo que nós realmente tínhamos em mente
P/1 – Vocês se separaram lá?
R – Sim, porque ela voltou a se encontrar com o ex-esposo dela, que ela era separada, mas não desquitada, não oficialmente. E ela voltou a se encontrar com o ex-marido e eu acabei descobrindo. Ai, uma semana depois, uma semana, 15 dias depois, como sempre, ele voltou a bater nela, que era a razão pela qual ela havia se separado e tinha vindo embora. E ela voltou pra mim novamente, pedindo perdão, para que déssemos uma chance e eu não, porque ai, eu já tinha, nesse período, eu conheci um grupo de pessoas, denominados Testemunhas de Jeová e comecei a conversar muito com eles e sempre recebendo bons conselhos, que aquilo que eu tava vivendo não era correta aquela coisa toda, então eu tive coragem pra dizer “não”, mesmo querendo estar com ela, acabamos não ficando juntos mais.
P/1 – E você conheceu alguém em São Paulo? Namorou?
R – Conheci. Depois de dois anos, eu conheci alguém, com quatro anos que eu estava em São Paulo, casei, conheci uma pessoa na religião, nós casamos, tivemos uma filha, mas também, 14 anos e sete meses depois, nos separamos
P/1 – Por quê?
R – Eu vou dizer que a grande questão era o ciúmes…
P/1 – Dela ou seu?
R – Não, dela. Se nós tivéssemos aqui conversando e ela entrasse sem saber, ia perguntar: “O que você está fazendo?”, estávamos nos dois na rua, eu olhava pro lado, ela perguntava: “O que você perdeu ai?”, então era uma situação meio delicada. E junto com o ciúmes, obviamente vem as questões que você começa a ver coisas onde não existe. Às vezes, você fala: “Mas não houve traição?” De fato, houve. Depois de um certo tempo, quando a situação já estava insuportável, realmente eu a trai, três meses depois, a chamei pra conversar, criei coragem e falei: “Senta aqui”, e sem muitas palavras, eu falei: “Eu te trai” e entre as muitas questões de casal, uma das coisas que ela dizia era que eu procurasse na rua em minutos de raiva. Primeira vez, me chateei, a segunda vez, fiquei bravo, a terceira vez, resolvi acatar o conselho.
P/1 – E ai? Depois que você se separou…
R – Ai, depois que eu me separei foi complicado…
P/1 – E sua filha?
R – Minha filha… foi difícil pra minha filha. Foi muito difícil
P/1 – Qual que é o nome dela?
R – Natalia Carine
P/1 – Tem quantos anos hoje?
R – Hoje, 18. Na época, tinha 11 anos. E a minha filha ficou muito mal, porque era muito apegada a mim, né, e foi complicado, ela teve sérios problemas emocionais, teve que tomar medicamento controlado, medicação controlada, eu tinha que sair do trabalho e ir correndo pra ir vê-la, porque ela não conseguia se controlar enquanto não me via. Foi uma fase difícil. Uma fase muito complicada. Até porque quando eu me separei, eu amava ainda muito a minha esposa, né, e essa situação de traição, quando aconteceu, não foi exatamente o pivô, porque nós conversamos e voltamos a ficar juntos, né, foi muito legal, foi depois quando surgiram situações que não eram verídicas e depois, ela viu que realmente não era, voltou, pediu perdão, mas o que eu vivi nos últimos 15 dias antes de eu sair de casa, foram muito complicados, não tinha como reverter, o que eu tinha vivido todos esses anos não dava pra superar o que eu vivi em 15 dias.
P/1 – O quê que você viveu em 15 dias?
R – Eu não dormia, eu não tinha comida, eu não tinha roupa lavada e chegava em casa era só discussão, todos os dias! Porque alguém falou algo pra ela que não era verídico e todo mundo tinha credibilidade e não eu. E eu disse pra ela: “Você vai descobrir a verdade, você vai chorar lágrimas de sangue e eu não vou voltar. Te juro que eu não volto. Independente da minha filha, independente do que eu sinto por você, eu não vou voltar.”, nós tínhamos comprado um apartamento, foi um sofrimento para conseguirmos reforma-lo e depois de quase tudo ponto, eu só consegui viver seis meses nesse apartamento. Ela realmente me pôs pra fora de casa. Ou eu sairia, ou ela chamaria a policia, foi o que ela me disse. E eu tive que sair, morar numa pensão, dividir o conforto da minha casa com mais quatro homens, morar num quarto de pensão com mais quatro homens, isso doeu forte, isso doeu muito, porque quando eu errei, de fato, eu fui homem suficiente pra assumir, demorou três meses? Demorou! Mas eu criei coragem e dessa vez, não. dessa vez eu não devia, sabe, estava tudo ok, então isso foi difícil. Mas também teve o seu lado bom, de toda situação ruim, você acaba tirando algo de bom, uma lição. Foi onde eu me aperfeiçoei em conviver sozinho e aprender a lidar, cuidar de uma casa, de roupa, sabe, do alimento. Foi quando eu decidi entrar no que só me envolveria verdadeiramente com alguém quando eu encontrasse alguém que tivesse à altura, dentro daquilo que eu desejava…
P/1 – E ela se arrependeu depois?
R – Sim. Ela me pediu três vezes pra voltar, me pediu três vezes pra voltar, ai um dia, depois de uma reunião da escola de nossa filha, ela disse pra mim: “Eu vou pedir a Deus pra te tirar do meu coração”, eu falei pra ela: “Você já vai pedir tarde, porque do meu você já saiu faz tempo”. Em três ocasiões, em situações diferentes, ela pedia, como eu havia dito, parecia outra pessoa, se ajoelhou de fato, pediu: “Pelo amor de Deus, me perdoe, eu estava errada” e tudo o que eu disse pra ela foi: “Quando você pediu para que eu saísse de casa, você sabia que eu sairia?”, ela falou: “Sim, eu sabia, porque eu te conheço”, falei: “Então, você estava pronta para arcar com as consequências. Se você sabia que eu sairia, então você estava pronta pra arcar com tudo e eu te falei que se eu sair dessa casa por essa razão, por esta porta, pra casa, eu não volto mais”. E de fato, não voltei. A exemplo da minha mãe, que meu pai, depois de uns nove meses, foi atrás dela, pedindo pra voltar, e ela disse: “Eu e o meu filho não morremos de fome até hoje, não é daqui pra frente que nós vamos morrer. Eu não volto”, eu acho que eu herdei isso dela, independente…
P/1 – Ai depois, você ficou quanto tempo lá em São Paulo?
R – Depois que eu me separei dela? Sete anos e seis meses, precisamente
P/1 – Você casou outra vez?
R – Conheci uma pessoa, né, agora em dezembro, farão quatro anos que nós estamos juntos, casaremos no próximo ano, se Deus quiser, foi uma coisa boa que aconteceu na minha vida e hoje, eu sou super feliz com ela. Muito feliz! Completamente diferente de um relacionamento que eu tive antes, ah, por quê a gente tá no principio? Não, mas em parâmetro, pessoa, comportamento, cabeça, visão, sabe? Tudo completamente diferente.
P/1 – E você voltou pra Fortaleza agora?
R – Eu voltei, hoje, primeiro de novembro, eu retornei a Fortaleza dia nove de julho
P/1 – Por quê que você voltou?
R – Eu pedi transferência, eu queria recomeçar a minha vida aqui
P/1 – Você tava trabalhando aonde?
R – Em São Paulo
P/1 – Onde?
R – Nos Correios, mesmo!
P/1 – Ah, então vamos voltar! Você prestou concurso pros Correios, quando?
R – Em 94
P/1 – Por quê que você prestou concurso pros Correios? Você já tinha ouvido falar…
R – Posso lhe falar que por uma questão de honra, primeiro uma questão de honra entrar nos Correios, porque em 89 não era concurso, 89 eles estavam pegando em São Paulo e eu fui no edifício sede, e eu fiquei das sete da manhã até às dezesseis e quarenta e cinco, precisamente. Encarei uma fila enorme, passei por várias etapas, para na ultima entrevista, a entrevistadora olhar pra mim e falar assim: “Você, infelizmente, não pode trablhar conosco, porque você não tem o perfil da empresa, porque você só trabalhou em empresa privada e interno. Nos precisamos de alguém que tenha experiência em contato com o publico”. Eu tava tão esperançoso e quando ela me disse isso, fiquei tão atônito, que eu nem consegui falar para ela que como testemunha de Jeová, eu tinha contato com o publico, não tinha nenhuma dificuldade em me expressar, conversar, mas nem isso saiu na hora. Eu sai, fui até o final da rua, cheguei na avenida, olhei para aquele logotipo e falei: “Um dia, eu entro nos Correios, um dia eu ainda vou provar que eu sou capaz de trabalhar como carteiro”. Ai, quando foi em 94, teve uma oportunidade, ai eu fiz, prestei concurso, ai passei. Prestei em maio, fiz a prova em junho, é, foi, me inscrevi em maio, fiz a prova em junho, dia… e quando foi em novembro, eu recebi um telegrama pedindo para eu comparecer dia 28 de novembro de 94 no edifício sede.
P/1 – Como carteiro?
R – Como carteiro. Mas não fui trabalhar como carteiro, ainda não tinha realizado o sonho… que eu queria ser carteiro, que ela tinha dito que eu não tinha capacidade de ser carteiro e eu queria provar que eu tinha! Ai, fui trabalhar no setor internacional, trabalhei juntamente com a Policia federal, apreensão de drogas e outros produtos, ai depois, que eu fui ser carteiro, mas não postal
P/1 – Você foi trabalhar do quê?
R – Trabalhei interno, era como… estava registrado como carteiro…
P/1 – Mas por que te colocaram interno?
R – Desvio de função.
P/1 – Por quê?
R – A necessidade era maior, naquele momento, era no setor internacional
P/1 – O quê você fazia?
R – Eu fazia conferencia de objetos internacionais que chegavam ao país, né, nós… trabalhei junto com a Policia Federal em apreensão.
P/1 – Você apreendeu alguma coisa nesse período? Você pegou alguma coisa?
R – Eu na realidade, era responsável por tudo o que era apreendido. Nós conferíamos junto…
P/1 – O quê que você apreendeu?
R – Muita maconha… aliás, maconha, até que pouco, mas muita cocaína
P/1 – Pelo Correios?
R – Pelo Correios. Tanto ela preparada, quanto em pasta, né, para o desenvolvimento da mesma
P/1 – Mas ela vinha como? Em caixa? Encomenda?
R – Ela vinha em… na época, em vídeo cassete, não tinha a parte interna, era só pasta, no lugar do motor do liquidificador, era pasta também. nós apreendemos, na época, duas exposições, primeiro teve a exposição na Espanha e passou muitos quadros… passaram assim, muitos quadros pra essa exposição e no fundo do quadro, tinha a fita, né, que fechava o quadro, mas na realidade, não era… por baixo daquela fita existia… eles colocavam o pó e colocavam…
P/1 – Que exposição que era, você lembra?
R – Não, não lembro, só lembro que era exposição de quadros. Ai passou a primeira vez… mas outra exposição na Espanha, nós estranhamos, o remetente era do Paraná, mas a postagem era feita na agência da cidade de São Paulo, no edifício sede. E nós resolvemos abrir uma daquelas caixas pra ver que tipo de quadro que era, ai nós olhamos, olhamos, o pessoal da Receita começou a examinar minuciosamente, ai falou: “Meu tem alguma coisa estranha aqui”, ai pegaram a agulha e furaram, quando furaram, que apertaram, pozinho… ai, toda a coleção foi apreendida.
P/1 – E tem como prender a pessoa, não?
R – Não. não, porque por exemplo, o endereço do remetente era do Paraná, a postagem foi feita na agencia cidade de São Paulo, no edifício Sede
P/1 – Mas e pro remetente?
R – O remetente perdeu, é o risco que ele corre
P/1 – Não, mas a pessoa que vai receber, aliás, o remetente não, a pessoa que vai receber, o endereçado é quem?
R – O destinatário
P/1 – O destinatário
R – Ah, isso a Interpol entra no caso e…
P/1 – Mas a policia vai atrás do destinatário?
R – Sim, nesse caso, sim, porque a policia aqui entra em contato com a policia do país de destino e eles vão atrás do destinatário.
P/1 – E é por amostragem? Como que vocês decidem o que vai ser olhado?
R – Por amostragem, na época era por amostragem, não tínhamos… quando o cliente começava a postar muita coisa, então a gente dava uma olhadinha pra ver, ai periodicamente, dava uma olhada, esporadicamente, dava-se uma olhada pra ver se tinha alguma coisa, alguns realmente não tinham, eram clientes leais, mas outros, acabava-se pegando alguma coisa.
P/1 – Você pegou muitos casos?
R – Muitos casos e eu guardava essa droga, eu era responsável pela…
P/1 – E fazia o que com a droga apreendida?
R – Nós guardávamos, eram lavrados documentos, e depois, era entregue a Policia Federal, depois de um certo tempo, era retirado, eles faziam a retirada disso. Nós tínhamos drogas, nós tínhamos tíquete ao portador, nós tínhamos livros que vinham, ai quando você abria o livro, na realidade, só tinham as bordas, o conteúdo havia sido retirado para drogas ou até mesmo para valores. Era esse o meu trabalho.
P/1 – Ai, depois disso, você passou?
R – Trabalhei dois anos e meio nesse setor, ai enfim, fui ser carteiro. Carteiro não postal, mas trabalhava com Sedex e malotes, região dos Jardins em São Paulo, foi muito bom, foi uma experiência gostosa.
P/1 – Você tem algum caso marcante dessa época?
R – Caso marcante dessa época? Não, o que marcou foi o fato de nunca ter sido assaltado (risos), que muitos dos nossos colegas chegaram a ser assaltados, mas eu nunca fui. Eu tinha clientes como a Montblanc, eu tinha clientes, não vou precisar o nome do outro cliente agora, mas eram clientes importantes, com valores, com joias, sabe, a gente transportava esse malote, embora não pudesse, mas eles sempre mandam, e a gente sabia o que continha dentro do malote, não era só documento, mas de assim, de pitoresco mesmo, nada que marcasse.
P/1 – E por quê que você pediu transferência pra cá?
R – Minha filha já estava prestes a completar os 18 anos. Eu precisava recomeçar a minha vida, eu consegui um bem em São Paulo, mas eu deixei para a minha filha, 50% pra ela e 50% para a minha ex-esposa. Pra recomeçar, hoje lá é mais complicado. Então aqui, a probabilidade de conseguir aqui era muito maior, foi por isso que eu vim.
P/1 – Quais são os seus sonhos hoje, Cledemilson?
R – Meus sonhos hoje? Eu preciso concretizar o meu casamento, né, oficializar o meu casamento, conseguir o que nós viemos realmente atrás, que é prosperidade e uma velhice tranquila.
P/1 – O quê que você achou de contar a sua história para o Museu da Pessoa?
R – Estranho, mas muito interessante, até porque poucas pessoas, muito poucas mesmo sabem da minha historia, sabe? E falar assim, abertamente, pra pessoas que eu não conheço, de fato, é um fato estranho, porque isso nunca me aconteceu. A minha esposa veio saber da minha historia, e alguns traumas de infância mesmo, já tínhamos dez anos de casados, sabe? E de repente, eu tô contando aqui de forma, até talvez sucinta, mas… é estranho, mas é legal! Foi legal!
P/1 – Obrigada.
R – Imagina. Obrigada eu.
FINAL DA ENTREVISTARecolher