P/1 – Lia, seja bem vinda, obrigada em nome do Museu da Pessoa e do Programa Nestlé Nutrir. Para registrarmos, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Lia Carolina Ortiz de Barros Glass, nasci em Guarulhos e a data 23 de março de 1984.
P/1 – Conta um pouquinho desses sobrenomes ...Continuar leitura
P/1 – Lia, seja bem vinda, obrigada em nome do Museu da Pessoa e do Programa Nestlé Nutrir. Para registrarmos, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Lia Carolina Ortiz de Barros Glass, nasci em Guarulhos e a data 23 de março de 1984.
P/1 – Conta um pouquinho desses sobrenomes todos, têm história de imigração?
R – Ortiz veio da Espanha, o meu avô era espanhol, de Barros vem de Portugal, dos meus bisavós e Glass vem do meu marido, é um sobrenome russo.
P/1 – Você conheceu os seus avós?
R – Conheci alguns, mas esse espanhol não ele já tinha falecido quando eu nasci.
P/1 – Sabe por que vieram para o Brasil?
R – Período de guerra. Vieram da Espanha para trabalhar no Brasil, os pais dele.
P/1 – E vieram aqui para São Paulo?
R – Vieram para o interior de São Paulo. E os meus outros avós moravam no interior do Rio de Janeiro, em Resende, no final acabaram em São Paulo em Guarulhos.
P/1 – Seus pais já são da onde?
R – Meus pais são de Guarulhos mesmo, são daqui do Estado de São Paulo.
P/1 – Qual que é o nome deles?
R – Maria Luiza Ortiz de Barros e o meu pai é Alexandre de Barros.
P/1 – Sabe como que eles se conheceram?
R – Eles eram vizinhos, moravam na mesma rua em Guarulhos, minha mãe era amiga da minha tia e conheceu o meu pai, se conheceram assim bem novinhos, 18 anos.
P/1 – E daí você veio, foi a primeira filha?
R – Eu fui a primeira filha, eles se casaram depois que terminaram a faculdade, fui a primeira filha depois de dois anos.
P/1 – O que eles faziam?
R – De faculdade? O meu pai fazia Engenharia e a minha mãe é advogada, ela ainda fez
Pedagogia, depois Direito, e aí ela atuou como advogada por muitos anos hoje ela já parou de trabalhar e o meu pai trabalha com tecnologia, mas continua ali com um pezinho na engenharia.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã mais nova que eu, um ano mais nova que eu.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Beatriz.
P/1 – Conta um pouquinho da tua infância, como é que foi, foi em Guarulhos mesmo que você passou a escola?
R – Cresci em Guarulhos, fiquei até os 20 anos, estudei a minha vida inteira em um colégio só, chamado Guilherme de Almeida, todos os meus amigos de infância são de lá também. Eu vim para São Paulo quando eu prestei vestibular, passei na faculdade aí foi que mudei de cidade e vim morar em São Paulo mesmo depois de uns anos, mas eu cresci lá, cresci em Guarulhos.
P/1 – Conta um pouquinho como é que era a sua casa, o que você fazia depois da escola.
R – Minha casa era uma casa de classe média, eu e a minha irmã sempre crescemos juntas porque a diferença de idade é muito pouca brincávamos juntas depois da escola, fazia a lição, aula de balé, fiz balé dez anos, fiz natação, ia para o clube, ia para casa dos avôs, uma rotina bem de criança mesmo. Depois, quando a gente cresceu fazia festa com os amigos da escola a gente morava em uma casa grande com quintal então juntava o pessoal fazíamos churrascada quando eu era adolescente. Então esse era a minha memória da adolescência é essa, o pré-vestibular, aproveitando enquanto a gente tinha tempo livre a tarde toda.
P/1 – Sua irmã também estudou no mesmo colégio?
R – A minha irmã estudou no mesmo colégio, mas ela fez ensino médio aqui em São Paulo, mas quase que a vida inteira na mesma escola então a gente tinha vários amigos em comum.
P/1 – Qual foi a tua escolha, o que você resolveu seguir na faculdade?
R – Fui fazer Administração Pública, no Brasil tem poucos cursos, mas um deles era na GV [Fundação Getulio Vargas] eu tinha essa vontade de fazer Administração, e aí quando eu conheci o currículo da GV foi que eu vi que tinha tudo a ver comigo a parte que era mais de trabalhar com o governo ou com organização social. Eu sempre tive um pouco desse viés, eu não sabia muito bem como, mas acabou sendo o certo porque eu ainda trabalho com isso. Eu fiz a escolha bem baseada no currículo mesmo na época, no que eu ia aprender.
P/1 – Tinha alguma indicação em casa: “Ai, Lia, faz alguma coisa”, algum direcionamento casa ou você que escolheu?
R – Não, meus pais me ajudavam, eles só determinavam que eu tivesse que fazer uma faculdade, claro minha mãe é advogada, meu pai é engenheiro, eu costumo brincar que eu parei no meio termo entre a matemática e as humanas que Administração é um mundo ali no meio termo. Mas a escolha de talvez ir para uma área um pouco mais pública foi minha, não tinha nada obrigatório o que tinha de obrigatório era eu entrar fazer uma faculdade e ser uma faculdade boa no conceito deles claro.
P/1 – Mas na infância, adolescência, você tinha alguma pretensão?
R – Acho que toda criança tem um monte de pretensões, mas eu não sabia o que queria ser, se eu queria ser médica, professora, bailarina, enfim, acho que cada ano eu tinha uma profissão nova na minha cabeça, e foi até o vestibular isso eu não tinha nada muito definido.
P/1 – Você fez uma pesquisa mesmo nesse momento?
R – Quando eu tava ali no final do ensino médio foi quando me aprofundei, fui fazer teste vocacional, visitar escolas, faculdade de Medicina, por exemplo, descartei faculdade de Direito também fui visitar conversar com as pessoas, mas acho que ninguém sabe com 17 anos você não sabe o que você quer da sua vida, eu não sabia.
P/1 – Mas você foi por conta ou a escola que levou vocês para conhecer?
R – Um pouco dos dois, foi um pouco por conta e um pouco eu perguntava para meus pais e eles me ajudavam a pesquisar.
P/1 – A escola não?
R – A escola também organizava algumas feiras de vestibular trazia ex-alunos, mas os meus pais também me ajudaram.
P/1 – É nesse momento que você larga o balé também?
R – Nesse momento, não dava tempo de tudo e preferi focar porque era uma questão de tempo além de financeira. Não ia ter tempo de qualquer jeito de me deslocar de Guarulhos para São Paulo, voltar, me dedicar a algumas outras atividades que não tinham tanto a ver.
P/1 – A escola era lá em Guarulhos?
R – Era lá em Guarulhos.
P/1 – Qual faculdade que você fez?
R – Eu fui para a GV, para Fundação Getúlio Vargas, que era um dos únicos lugares que tinha o curso de Administração Pública.
P/1 – Como é que foi entrar novinha? Seus pais ficaram em Guarulhos ainda? Você ia e voltava todo dia?
R – Meus pais ficaram em Guarulhos, fiquei ainda dois anos fazendo Guarulhos – São Paulo duas vezes por dia.
P/1 – Como é que foi chegar na GV?
R – Foi ótimo era um mundo novo não tinha os meus amigos conheci pessoas novas do Brasil todo, um curso que eu achava que ia ser muito bom para mim, mas que também não tinha muita noção de como iria ser. Era ano de Copa do Mundo, então eu passei no vestibular um dia antes do Brasil ser campeão e saí da faculdade também um pouco antes da Copa do Mundo. Foram quatro anos, uma turma ainda de amigos muito queridos foram quatro anos intensos, mas foi ótimo, eu adoro ainda, é um período de boas lembranças.
P/1 – Como é que foi largar esses amigos que na escola você vai fazendo laços fortes, e daí construir outros, como é que foi lidar com isso?
R – Eu não largo vai acumulando turmas ao longo da vida, algumas se desfazem um pouco, mas acho que os amigos de verdade ficam.
P/1 – Alguns vieram para São Paulo também estudar?
R – Sim, vários, porque o trabalho mesmo está aqui em São Paulo, então agora eles acabam ficando uma cidade dormitório e nesse ponto não teve problema, e os amigos de faculdade já estavam todos aqui eram ali da região da Paulista, outro estilo de vida.
P/1 – Conta um pouco da faculdade como é que foi esse novo mundo, os professores, os amigos, outro contexto social que você tava.
R – Era um ambiente onde as pessoas eram muito heterogêneas com idéias muito diferentes, classes sociais muito diferentes também, era um curso muito voltado para questão econômica e política. Era um ano importante politicamente para o Brasil o Lula venceu a eleição e estávamos iniciando um curso de Administração Pública no ano que o Lula foi eleito, as discussões eram bem divididas entre o bloco dos tucanos e o bloco dos petistas. Foi um período bacana para quem tava começando a entrar nesse mundo acadêmico, mas dentro da faculdade era um ambiente de gente muito boa jovem com vontade de fazer acontecer. Ainda com vontade de mudar o mundo aquela mentalidade de quem entra mesmo ali numa faculdade de humanas voltada para questões políticas, sociais, mesmo quem ia para empresa tinha isso um pouco na cabeça. E tinha a parte dos que só queriam entrar fazer o curso, ganhar dinheiro e ficar milionário, então tinha ali os grupinhos separados. E eu fiz parte de movimento estudantil, movimento não, organização estudantil, então eu consegui trabalhar um pouco na prática aquilo que eu tava aprendendo, fui diretora de uma das empresas juniores, trabalhei em uma organização internacional que ficava dentro da faculdade. Enfim, eu consegui fazer um monte de coisas, fora isso tinham as festas, enfim, que eram algo bem da realidade da faculdade mesmo então foi um período ótimo, de aproveitar ali um espaço da juventude que eu acho que a gente tem que aproveitar mesmo.
P/1 – A faculdade tinha uma linha para que empresa iria ou que lugar se trabalhar, tinha algum direcionamento algum foco maior?
R – Não, não, um grupo muito heterogêneo tem gente que vai trabalhar em ONGs [Organizações Não Governamentais], fazer programa social, até quem vai ser investment banking, tem de tudo mesmo, acho que é o aluno que acaba direcionando o seu interesse para uma empresa que satisfaça não tem nada determinado.
P/1 – Você já tinha algumas escolhas, que disciplinas que você já gostou, que áreas você já se encantou na faculdade?
R – Desde o meu primeiro estágio fui para responsabilidade social, trabalhei em um banco grande nessa área em 2005, mas antes disso eu já fazia parte desta instituição estudantil que falei que se chamava Consultoria Júnior Pública. Dentro dessa consultoria fazia projetos para organizações sociais e governo, eu sempre tive um pé ali dentro da história do programa social e no primeiro estágio foi nesse mundo de empresa versus comunidade, desde o início e onde continuei depois. Então foi natural o movimento e eu gostei e acabei ficando, não teve nada pré-determinado.
P/1 – Quando que você se formou?
R – Na faculdade, Dois mil e seis.
P/1 – Como é que era essa área? Já existia esse termo responsabilidade social, existia uma dinâmica para isso?
R – Já existia, mas eu acho que ali havia uma discussão na época de migração da história da filantropia para algo que tivesse um retorno social, um impacto, já se falava um pouco mais em investimento com retorno social do financiamento que havia das empresas. Então eu acho que havia ali uma onda de sair da história da caridade e de ir mais para linha de um investimento que fizesse sentido tanto para o negócio quanto para a comunidade. Então acho que vem evoluindo, mas ali naquela época já havia esse tipo de discussão.
P/1 – Na faculdade tinha teoria sobre isso, já se teorizava sobre isso?
R – Tinha, mas não como hoje, não era algo que as pessoas queriam trabalhar não. Era algo muito novo não se sabia direito aonde que ia parar, se era moda ou se era algo que veio para ficar era algo ainda que as pessoas estavam tateando. E de conceito mesmo, falava-se um pouco de sustentabilidade, de investimento social das empresas, mas não tinha aulas específicas sobre isso, não tinha.
P/1 – Citavam nomes de empresas de destaque?
R – Muito mais na linha da sustentabilidade, falava-se em Natura, Banco Real, até porque o Banco Real ficava na esquina da faculdade então todo mundo via. Falava-se muito dos Objetivos do Milênio, que na época estavam em destaque, mas não era como hoje. Hoje toda empresa tem uma área disso o discurso é muito mais maduro do que naquela época, tinha muito marketing também, muito marketing e pouca ação de impacto eu acho.
P/1 – As empresas que você se lembra que eram de destaque nessa época eram a Natura e o Banco Real?
R – Que eram as mais faladas lá dentro do ambiente acadêmico eram essas duas, eu trabalhei no Itaú que também tinha uma área de vanguarda nessa área, mas aí já era uma empresa familiar então tinha todo direcionamento da família que queria fazer com que a coisa fosse de verdade, não fosse marketing faziam muito e falavam pouco na época. Sabia que havia algumas empresas que eram faziam um bom trabalho, mas não tinha tanta divulgação assim na época.
P/1 – Qual era o seu lugar dentro da instituição como responsabilidade social, que era o que você buscou, qual que era o teu lugar antes? E hoje, claro, completamente diferente, que tem outra visão, como era essa visão, como você se sentia dentro de uma instituição tendo que trabalhar esse tema?
R – Quando eu iniciei era estagiária, eu estava ali para aprender a minha sorte é que eu tive bons chefes e eu estava numa instituição que de fato queria fazer as coisas direito tinha um foco muito mais em fazer do que em comunicar. Então foi um momento em que eu aprendi muito foi um momento em que eu consolidei conceitos que na época para mim eram novidade tive pessoas me direcionando, que eu realmente acreditava que estavam ali para fazer um trabalho direito. Foi por isso que eu acho que eu acabei continuando nessa área depois, eu saí em 2006 e fui morar fora, voltei para o Brasil e voltei para essa área. Mas hoje a minha visão é completamente diferente até porque eu acho que quase dez anos trabalhando em investimento social, fundação, responsabilidade social, seja lá como a gente queira chamar isso.
P/1 – O que você considerava organizado naquela época?
R – É de pensar programas com atuação de longo prazo que tenham um conceito bem definido, que tenham relacionamento com parceiros que são importantes, no governo, algumas ONGs que eram importantes pensar em monitoramento de resultado. É isso que eu considerava organizado, e de fato ver que as pessoas mesmo tinham uma boa formação, para trabalhar nessa área não era uma formação de responsabilidade social, mas eram pessoas bem formadas que tinham todo o interesse em fazer programas que fossem duradouros.
P/1 – Dá um exemplo só para pensarmos na prática o que naquela época você achou organizado, o programa tal eles fizeram.
R – Eu não trabalhei diretamente, bom teve um que eu trabalhei diretamente que era um programa para trabalhar em conjunto com conselhos municipais de direito da criança e do adolescente em que as pessoas eram direcionadas a escolher projetos voltados à infância. E aí eles podiam fazer um aporte do imposto de um recurso que seria destinado ao imposto de renda em vez de destinar para o imposto iria para esses projetos. Isso o primeiro ano que acompanhei então todo esse movimento de parceria com os conselhos no Brasil inteiro, trazer os colaboradores da empresa para escolher esses projetos, como que escolhe o que se leva em consideração é o Estatuto da Criança e do Adolescente. Então tudo isso foi organizado de um jeito que depois conseguimos colher como fruto não só a doação em si, mas também uma discussão de: “Será que a gente tem um papel para melhorar a estrutura desses conselhos? Será que as pessoas podem ser voluntárias para atuar nessas organizações”, ver como que o dinheiro foi aplicado. Então esse aparato era construído por trás para fazer com que ação fosse muito além da doação pontual, esse é um programa que existe até hoje em nível Brasil, e envolve muito mais funcionários do que se envolvia na época e é aberto a clientes hoje eu até acho. Enfim, depois não acompanhei mais os detalhes esse é um exemplo.
P/1 – Já se falava em voluntariado então dentro da instituição?
R – Já, já se falava de voluntariado.
P/1 – Na faculdade você também chegou a ver alguma coisa?
R – Eu fui voluntária na faculdade trabalhei nessa instituição essa empresa júnior e mais um monte de coisas como voluntária, mas o centro de voluntariado de São Paulo, por exemplo, já havia sido criado na época.
Existia todo um movimento da organização do voluntariado no Brasil que ficou muito forte ali em meados dos anos 2000, 2006, 2007, então já era algo que estava acontecendo nas empresas.
P/1 – E aí você saiu desse estágio e foi para fora, é isso que você falou?
R – Eu me formei da faculdade, saí do estágio e fui morar no Canadá.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu era parte de uma instituição que chamava AIESEC, essa instituição está presente em mais de cem países e o que ela faz é trazer estudantes recém-formados para trabalhar em instituições ou empresas que sejam ligados a ela, uma parceria. E aí eu fui por meio desse programa quase que um programa de intercâmbio, e aí eu fui para o Canadá trabalhar em uma organização social que fazia consultoria para ONGs e governo.
P/1 – Qual cidade?
R – Calgary.
P/1 – O que você fazia?
R – Eu fazia projetos de planejamento estratégico, fazia muita pesquisa para os consultores que eram os mais seniores. A consultoria fazia planejamento estratégico, planejamento de captação de recurso, reestruturação de diretoria de pessoal, eles faziam projetos que eram bem estratégicos mesmo. E eu, dentro dessa organização que tinha 12 pessoas era a mais júnior, então eu acabava apoiando todo mundo que precisava. Então eu fazia pesquisa, fazia pesquisa primária, então telefone mesmo, aferi resultado, transformar aquilo, dado qualitativo em dado quantitativo, estruturação de processo, eu apoiava qualquer projeto que tivesse em andamento.
P/1 – Para uma instituição específica?
R – É, então nós tínhamos um grupo de clientes, cada cliente tinha um consultor sênior e eu apoiava este consultor sênior naquilo que ele precisasse para o projeto. Se fosse pesquisa de mercado, eu fazia a pesquisa e transformava aquilo em gráfico, criava dados pro consultor sênior trabalhar, fiz de tudo um pouco.
P/1 – Quem eram os clientes, você lembra?
R – Eram organizações sociais ali da região, tinha organização voltada para o câncer, AIDS, muita coisa voltada para moradores de rua, o governo da província de Alberta, tinha uma variedade grande.
P/1 – Você volta quando, depois de quanto tempo?
R – Eu volto depois de quase quatro anos, porque eu fui para ficar cinco meses, acabei ficando quase dois anos, e aí do Canadá eu mudei para os Estados Unidos, fui fazer mestrado, e aí eu voltei para o Brasil logo depois, em 2008.
P/1 – Mestrado em quê? Foi lá que teve um estralo de um mestrado?
R – Foi no Canadá, eu tinha um problema prático o meu visto ia vencer e eu precisava fazer alguma coisa então ou eu voltava para o Brasil ou eu ia voltar a estudar. Aí eu pensei que era melhor eu voltar a estudar antes de voltar para o Brasil, e aí eu fui estudar era um curso que chamava International Affairs, que lidava com problemas desafios globais de desenvolvimento. E aí eu foquei as minhas pesquisas em desenvolvimento econômico-político e trazendo o mundo da responsabilidade social para dentro disso, que é como eu voltei a me preparar para trabalhar nessa área de novo.
P/1 – Como é que foram as pesquisas, qual era a sua linha, o que você tinha de leitura?
R – Era um campo novo porque eu estudei muito a questão da pobreza no mundo, eu tentava trazer para o Brasil aspecto de desenvolvimento econômico, teoria mesmo, desenvolvimento político, desenvolvimento sustentável. Então eu estudei energia alternativa, estudei desenvolvimento de projeto, como é que a gente estrutura um projeto voltado para pobreza, voltado para redução de desafios, voltado para desafios de comunidades. E eu tinha um grupo multi-setorial de vários países, pessoas com um background muito diferente,
além das leituras o que era melhor para mim era poder trocar experiência com gente que tinha vindo do mundo inteiro.
P/1 – Onde foi que você fez?
R – Na Columbia, em Nova Iorque, fiquei lá dois anos e no fim eu acabei voltando no último ano, quando eu tinha que direcionar a pesquisa mesmo, fiz um trabalho voltado para desenvolvimento sustentável na cadeia produtiva de batata que era da Pepsico. Era um projeto bem voltado para uma área que eu até acabei vindo trabalhar depois aqui na Nestlé, tem bastante relação com o conceito de criação de valor compartilhado que é a diretriz maior aqui da empresa. Então sem querer eu acabei estudando isso lá e vindo aplicar aqui na prática.
P/1 – Explica melhor, lá você finalizou a pesquisa, mas foi uma suposição, um exemplo?
R – Na verdade eu estava fazendo um projeto para Pepsico, de sustentabilidade.
P/1 – Foi um contrato que eles fizeram com vocês lá?
R – É, mas toda a linha, toda a pesquisa tinha como embasamento a prática ali dos produtores de batata, eu fui para Venezuela entrevistar produtor, fazer tudo isso, mas tinha como embasamento teórico o que eles chamavam de performance de propósito. Então: “Como é que a gente como empresa consegue atuar de uma maneira sustentável na prática com os nossos fornecedores?” e uma das coisas que a gente tem como diretriz para isso é o conceito de valor compartilhado. Então a maior ponte que eu tive entre esse ambiente acadêmico e aqui o que eu faço hoje na Nestlé.
P/1 – O que seria o valor compartilhado? Lá esse conceito já era utilizado?
R – Esse conceito começa a ser introduzido na academia em 2006, com o artigo do Michael Porter, 2006 primeiro e depois 2010 quando ele escreve outro artigo com o Mike Kramer, que vai para Harvard, isso já era estudado e a Nestlé é uma das pioneiras, e é citada nos artigos e tudo mais.
P/1 – Você viu isso no mestrado ou na faculdade?
R – Isso eu vi no mestrado na faculdade isso ainda não existia. Na faculdade ainda se discutia investimento social, como saímos da filantropia. O discurso vai se aprimorando ao longo do tempo, quando a gente começa a falar que isso de fato está na estratégia da empresa, que isso tem um papel de transformação, que a empresa tem que ganhar com isso também. Então passa a ser algo que não é para eu devolver para comunidade, na verdade é algo que é recíproco, a empresa, ela existe para ter lucro, mas ao mesmo tempo ela tem um papel naquela comunidade então o ganho tem que ser recíproco. E o valor compartilhado ele fala disso, a empresa tem que ter uma estrutura para que ela dê conta de gerar valor para os acionistas ao mesmo tempo em que ela gera valor para sociedade e é isso que a Nestlé prega, quando ela fala de valor compartilhado.
P/1 – Você acha que no Brasil também já tinha essa discussão?
R – Já, já havia essa discussão, temos o Instituto Ethos, Akatu, GIFE [Grupo de Institutos Fundações e Empresas], tem um monte de organizações que discutem essa evolução dos conceitos há muitos anos.
P/1 – E daí você fez a pesquisa de valor compartilhado dentro da Pepsico?
R – É, na verdade a minha pesquisa era voltada especificamente para como é que a gente consegue ter uma cadeia produtiva sustentável, voltada para a produção de batata, então era um insumo só. Agora, como base conceitual tem um monte de coisas que entram e uma delas era a discussão de valor compartilhado. Por que isso é importante? Não é só porque a empresa é boazinha e quer ter uma cadeia produtiva sustentável, é porque isso é importante no longo prazo também ela precisa ter produtores que estejam satisfeitos, que tenham um nível de qualidade elevado e com condições de se manter no negócio de produção. Então aquela fazenda, ela é um negócio e isso é válido para qualquer cadeia produtiva que vale para qualquer empresa.
P/1 – É nesse momento que a Pepsico se coloca para pensar sobre essa cadeia dela, com a pesquisa de vocês?
R – Não, eles já estavam pensando, acho que todas as empresas já tinham o conceito evoluído nossa pesquisa foi para contribuir para isso dentro da Venezuela que tem todo um ambiente sócio-econômico que é desafiador. Hugo Chávez como presidente um momento de retaliar todas as propriedades, então fechar barreira com países importantes como a Colômbia como você manter uma operação em um lugar como esse então esse era o desafio deles na época.
P/1 – Conta um pouquinho como foi
R – Fui para Venezuela saber dos produtores como era essa vida de produção, como era trabalhar em um ambiente onde você tem duas moedas, barreiras com países importantes, por exemplo, a Colômbia, o custo de vida, a questão ambiental, se era prioridade, se não era, se havia uma preocupação com direitos humanos ou não. E aí foi uma pesquisa bem abrangente que depois se transformou numa matriz de indicadores no fim das contas para que depois a empresa pudesse usar isso para mais produtores e acompanhar a evolução ao longo do tempo, foi super interessante.
P/1 – Vocês fizeram parceria com alguém lá na Venezuela para conseguir entrar, fazer essas pesquisas?
R – Não, a própria Pepsico tinha abertura para poder entrar.
P/1 – E o resultado disso tudo, você chegou há acompanhar um pouco?
R – Não eu voltei para o Brasil. O que eu entreguei para eles junto com o grupo que trabalhava comigo foi um relatório do que tinha saído das conversas e essa matriz de indicadores do que fazia sentido monitorar para aquele tipo de ambiente. Ao invés da gente pegar um monte de indicadores prontos do mercado, criamos algo que era compatível com a realidade do local, e aí eles acompanhariam isso. Eu sei que no ano seguinte houve outra pesquisa com base no mesmo tema só que foi no Chile, mas eu não acompanhei os resultados, eu voltei para o Brasil e entrei na Nestlé um mês depois, e aí meu mundo...
P/1 – Mudou, mudou mais ou menos desse mestrado não era mais uma pesquisa focada. Isso é em 2008, que você volta?
R – De 2008 a 2010, eu volto em 2010.
P/1 – Daí você voltou e qual que era o teu rumo aqui? Você já tinha alguns direcionamentos ou chegou perdida, foi pesquisar o mercado?
R – Cheguei para pesquisar o mercado, mas eu já sabia que eu queria trabalhar nessa área de responsabilidade social, mas um mês depois eu entrei na Nestlé, depois que eu voltei.
P/1 – Você começou a entregar currículos?
R – Comecei a entregar currículo, estava desempregada e sem um Real no bolso. Eu conhecia bastante gente, então eu comecei a conversar com as pessoas antes de voltar para saber como estava o mercado e entrei na Nestlé relativamente rápido até, um mês, um mês e pouco depois eu já tava trabalhando.
P/1 – Como é que foi a entrevista, como é que foi entrar nessa instituição?
R – Eu tive um período de recrutamento eram seis entrevistas, mas a Nestlé creio ser uma empresa que está na vida de todo mundo pelo menos aqui no Brasil. Então fez parte da minha infância, da minha adolescência, faz parte da vida de todo mundo que eu conheço, então era quase que um, quase que algo que eu já conhecia, sabe, porque já tem algumas marcas que são muito parte da nossa vida. Então o que eu acabei conhecendo mais é como é que é a vida corporativa aqui dentro, mas para mim já era algo bacana de entrar porque era uma empresa que eu respeitava, admirava. Eu sabia dos desafios corporativos, mas eu
queria entrar em uma empresa onde eu acreditasse que de fato tinha um propósito de, sim, ser líder no mercado onde atua, com as suas marcas, produtos, porque é para isso que ela existe. Mas que nessa área de valor compartilhado, sustentabilidade, investimento social tivesse de fato um compromisso de fazer um trabalho bem feito, com resultados e
é nessa área que eu vim parar
P/1 – Qual que era o teu cargo?
R – Entrei como analista sênior da área de responsabilidade social. Comecei no apoio à gestão dos programas sociais do Nestlé Nutrir, Cuidar, depois veio o Nestlé Saber, o voluntariado, projeto de apoio às cooperativas de reciclagem, tinha uma série de ações. Isso foi por um ano, e aí hoje eu trabalho mais diretamente com o Nutrir e com voluntariado na coordenação mesmo. Hoje eu faço mais a gestão dos programas da fundação com direcionamento em Nestlé Nutrir e voluntariado que está dentro do Nutrir.
P/1 – Antes de falarmos do hoje, conta um pouquinho como é que foi lidar como todos esses projetos, esses programas, qual era a diferença de cada um como que a Nestlé conseguia abraçar todos eles.
R – Os programas da Fundação Nestlé Brasil já estavam alinhados aos três pilares de criação de valor compartilhado que na Nestlé são: nutrição, água e desenvolvimento rural. Quando entrei já vi que havia uma clareza de foco nisso, o Nestlé Nutrir Crianças Saudáveis que estava alinhado à nutrição, o Nestlé Cuidar alinhado à água e o Nestlé Saber depois alinhado ao desenvolvimento rural. O voluntariado que é algo que tem o viés de engajamento dos colaboradores dentro do Nutrir com alguns elementos de Cuidar também. Então para mim a estratégia estava muito clara já de como é que era a atuação da Nestlé nessa área, é claro que sempre há desafios na verdade é para isso que existe uma equipe trabalhando, que é para melhorar os programas, mas como clareza de objetivo isso já existia. Então o que eles tinham em comum? Dentro do Nutrir tem um pilar que atua com escola pública e isso era comum ao Cuidar e ao Saber, essa questão da parceria com as secretarias municipais de educação para levar conceitos que são transversais à educação desse aluno. Então a gente não vai para falar de educação formal, mas a gente vai para trabalhar com assuntos que são ligados ao ambiente escolar, a saúde dessa criança, a maneira como ela vai interagir com o meio e isso é comum aos programas da fundação. E o que tinha de diferente era mesmo o tema, então o Cuidar tratava mais a questão ambiental, o Nutrir muito mais da educação alimentar e nutricional, depois veio o elemento da atividade física, e o Saber, que é a questão do resgate e do apoio à cultura do homem do campo, então aí tinha um viés um pouco diferente.
P/1 – Quais que eram os seus desafios nesse momento inicial no seu trabalho o que você tinha que tentar resolver, correr atrás?
R – No início era de fato encontrar uma convergência dos programas, do ponto de vista do voluntariado era como é que a gente consegue engajar mais pessoas a trabalhar nessa área, como é que conseguia mostrar o que estava sendo feita já há mais de dez anos, uma questão de comunicação e de engajamento. Dentro no Nutrir era também mostrar o que já estava sendo feito, tentar traduzir um pouco da tecnologia social do programa principalmente o viés que a gente tinha com ONGs na época, que era trabalhado só com o Instituto Fernanda Keller, como é que a gente conseguia traduzir aquilo em uma tecnologia social e levar isso para as outras organizações no Brasil. Então esse foi um grande desafio que acabou se concretizando em 2012 quando conseguimos escalar o modelo da Fernanda Keller para dentro do Instituto Bola pra Frente, da Casa do Zezinho e do Bairro da Juventude, então esse foi um enorme desafio. Dentro do pilar de Nutrir com escolas o desafio era trazer mais abrangência do programa ao mesmo tempo em que eu melhorava questões qualitativas, e também trazer a questão da atividade física para discussão do Nutrir, que tinha ali uma vanguarda em nutrição. Mais que a atividade física estava muito dentro da brincadeira da questão do movimento da infância, da necessidade dessa criança se aproveitar dos espaços escolares, mas não era algo conceitual mesmo. Não é até 2012, que de fato a gente incorpora a atividade física dentro do Nutrir, acho que isso vem se aperfeiçoando ao longo do tempo. O maior desafio era esse reposicionamento mesmo do programa até porque ele passa a ser um programa global com muita força. Foi antes de eu entrar que ele vira que ele se torna uma das referências para o que é hoje o Nestlé Healthy Kids, mas foi nesse período de 2010, 2012, que de fato se começa a trabalhar para concretizar as diretrizes globais do Nutrir, do HealthyKids. Que é trabalhar a questão qualitativa e é a gente conseguir ter ao mesmo tempo uma abrangência com monitoramento de indicadores com parcerias de longo prazo com a Secretaria de Educação. É um momento em que a gente volta a ter parceria com a Cidade de São Paul que foi um marco também acho que ali os meus desafios eram costurar um pouco essas parcerias novas e escalar esse modelo de um jeito que fizesse sentido com as diretrizes globais.
P/1 – Essa diretriz global é nesse momento que vem uma diretriz e vocês vão ter que se adequar a isso, é isso?
R – Na verdade essa diretriz foi construída junto, ela veio, mas na verdade nós também tivemos participação na construção, nós, que eu digo como mercado brasileiro. O Nutrir, tem 15 anos, ele ajudou a construir um pouco desse modelo, ao mesmo tempo, sim, é nesse período que de fato recebemos um documento com uma série de diretrizes que temos que passar a cumprir. Mas não é que veio algo completamente novo porque na verdade é algo que vem de fora, mas que a gente ajudou a construir.
P/1 – Em que momento chega esse documento?
R – Eu acho que foi em 2011.
P/1 – Tiveram discussões, reuniões que vocês iam para sede da Nestlé e discutiam?
R – Nós não íamos à sede, mas nós tínhamos discussões, conference call, houve alguns workshops que eu não participei, mas que outras pessoas participaram em que se discutia como é que iríamos tornar isso à prática em todos os países? E para o Brasil havia uma necessidade de redirecionamento mesmo do que seria o programa aqui, que eu acho que é algo que ainda está acontecendo. Então não dá para ter uma ruptura muito brusca o que há é um movimento de transição para que a gente passe primeiro a trazer o tema da obesidade cada vez mais forte, porque o Nutrir, ele é concebido num ambiente de desnutrição no país. E a questão da educação alimentar e nutricional continua sendo algo importante, mas hoje o nosso problema é a obesidade, essa transição, trazer a questão da atividade física para dentro do programa. São dois desafios, mas é assim que o programa começa a passar por uma transição é nesse momento também que a gente vê que o modelo com organizações sociais passa a ser algo que poderia dar certo. Então a gente começa a agregar pilares para o Nutrir, não é que tiramos algo, descontinuou alguma coisa e passou a operar de um jeito diferente.
P/1 – Tinha outros países também que estavam na mesma linha de raciocínio de vocês, que sustentavam essa teoria do Brasil aí fora?
R – Acho que são vários os países, hoje o Healthy Kids está presente em mais de 60 países cada um fazia de um jeito diferente. É claro que o Brasil, por ter esse programa um pouco mais antigo liderava um pouco a discussão, mas temos outros países importantes, por exemplo, o México, ainda temos programas importantes na França, na Espanha. Enfim, tem uma série de países que têm sim essa discussão, isso era feito em nível global e em alguns momentos em nível regional também porque a América Latina tem suas especificidades.
P/1 – Era nesse sentido que eu estava perguntando, se existia algum país que tinha o mesmo problema que o Brasil e que estava parceiro nesse sentido, se o tema obesidade era também uma questão para os outros países.
R – Não, o tema obesidade é global, nós temos os dados da Organização Mundial da Saúde que mostram que a obesidade é uma preocupação global, é uma doença mesmo além de ser algo que se pode prevenir. O programa em nível global, o Healthy Kids, existe para tratar da questão da obesidade, e aí ele tem como direcionamento você trazer o aumento de conhecimento com relação a questões relacionadas à obesidade e promover a atividade física. Então eu preciso saber o que é importante para que eu tenha uma alimentação adequada e eu preciso ter um nível de atividade física adequado, é nesse sentido que o programa global é concebido, e isso é válido para todos os países. É claro que existem países em que além da obesidade eu tenho outros distúrbios alimentares, como, por exemplo, a desnutrição, então isso era o caso do Brasil. Mas hoje já se vê no Brasil os dados mostram que a obesidade é um problema pior do que, ou maior do que a desnutrição, embora se saiba que existam bolsões de fome e de miséria ainda, mas a linha mestra, conceitual mesmo é de a gente tratar a prevenção da obesidade em todos os países.
P/1 – Essa é a linha mestra do HealthyKids?
R – Do HealthyKids, que é o nosso, porque nós fazemos parte do Healthy Kids.
P/1 – Tem outras linhas ou é basicamente a obesidade?
R – É a obesidade, e aí tendo como direcionamento a nutrição, a educação e a atividade física, são os três pilares para que se possa trabalhar na prevenção da obesidade, isso também é global.
P/1 – O Nutrir era isso desde o início praticamente.
R – É o Nutrir nasce desse jeito.
P/1 – Por isso que vocês estavam na linha de frente das discussões?
R – Isso, a Nestlé Brasil estava na linha de frente das discussões junto com outros países que já possuíam programas a mais tempo do que a existência do Healthy Kids.
P/1 – De analista você já vira coordenadora do programa?
R – Depois, foi 2012, eu entrei em 2010 e em 2012 aí eu passo a ser coordenadora da fundação. Especialista de responsabilidade social corporativa, que na prática é a coordenação da fundação.
P/1 – Por que você se aplicou nesse cargo? Como foi esse contexto para esse direcionamento, você estava mais engajada numas coisas, em outras, como que foi essa mudança de cargo?
R – Acho que foi uma transição um pouco natural, eu já trabalhava com os programas, nós tivemos uma redução de equipe na época então o meu chefe saiu, mudamos de área, teve toda uma reestruturação interna, e aí eu acabei assumindo a fundação. Trabalhando de um jeito um pouco mais abrangente, mas ainda no dia-a-dia dos programas, eu exercia o papel da analista que estava muito mais na operação e hoje mais na coordenação, mas eu tinha a vantagem de saber como que era estar na operação. Venho nessa função desde final de 2012, final de 2012?
P/1 – Vamos tentar fazer um antes e depois, só para situar como que foi caminhar nesses últimos tempos do programa e da fundação, como se deu isso. Quais eram os seus desafios nesse momento que você virou coordenadora? Equipe, como agora é outro cargo, e também dentro da instituição e fora, quais eram os seus desafios?
R – Como equipe na realidade nós mantivemos uma pessoa que já era estagiária, ela foi efetivada como analista, eu tinha uma vantagem de trabalhar com a mesma pessoa, então para ela foi bom e para mim também foi bom.
P/1 – Quem é?
R – A Jéssica Tenório, então ela ainda trabalha conosco como analista além dela a Sandra Souza, que continua trabalhando junto com algumas coisas da fundação ela se divide entre o CSV e a fundação, continuo trabalhando com ela e a Mônica Neves que é a gestora da área, ela está hoje como minha chefe. O meu desafio como analista era muito mais do dia-a-dia da operação embora os desafios abrangentes fossem um pouco os mesmos, o que é de como é que eu melhoro o engajamento das pessoas como é que eu consigo ter uma abrangência ao mesmo que eu tenho um nível qualitativo dos programas maior. Mas, como analista, era muito mais de, ok, na prática, no dia-a-dia ali com os meus consultores que estão na ponta, como é que eu faço isso acontecer? No programa de voluntariado, no dia-a-dia ali com os grupos de voluntários, o que eu posso fazer para apoiá-los na ponta, para que eles tenham ali uma motivação de trabalhar mais, de sentirem que a fundação faz um aporte sim de tempo, de recurso, para ouvi-los, para ajudá-los. Era ali um dia-a-dia bem da operação mesmo e aí na coordenação é muito mais de como é que eu crio um plano de curto, médio, longo prazo para que esse programa cresça, para que ele tenha um nível de abrangência maior. Como conseguir se conectar com outras áreas da instituição para que a gente consiga ter uma dimensão maior do programa aqui dentro, então o desafio é um nível um pouco maior. Eu passei a ser o ponto de contato com a coordenação do Healthy Kids, então começo a ver mais quais são os desafios nos outros países o que tem de similaridade, o que tem de diferença. A gente tem uma equipe super enxuta, não tem como sair da operação no fim das contas, mas o nível de engajamento é um pouco maior. Acho que isso tem a ver com o cargo e isso tem a ver também com o tempo de experiência dentro desses programas.
P/1 – E hoje, quais são os desafios? Quais são as novas discussões que vocês têm tido, os direcionamentos futuros?
R – Acho que a grande discussão é de que forma iremos conseguir
consolidar 15 anos de trabalho para que a gente tenha aí uma transição em que eu tenha parcerias bem estabelecidas com o poder público, de longo prazo, como é que eu consigo garantir que tudo aquilo que eu faço no Nutrir hoje vai ter um impacto na vida dessa criança. Então as discussões estão bem em cima disso, um, como é que eu estabeleço uma rede de monitoramento e avaliação para que eu consiga garantir que eu de fato cheguei e toquei a vida dessa criança para que ela de fato consiga saber e incorporar na sua rotina que ela precisa ter uma alimentação saudável, que ela precisa praticar atividade física para que ela tenha uma vida saudável. Acho que esse é o principal mote de discussão hoje em dia. E dentro do voluntariado é de que forma que a gente consegue ter um grau de engajamento maior dentro da companhia, que já vem aumentando, quando eu entrei para vocês terem uma idéia, tínhamos um pouco mais de 200 voluntários, hoje temos 621. O nível de mantenedores da fundação continua isso prova que as pessoas acreditam no trabalho que a fundação vem fazendo, mas tem aí um espaço para crescer ainda, então isso precisa ser bem estruturado e isso não é estruturado só pela gente. Então o meu desafio também é como é que eu construo alianças internamente para mostrar que isso é importante e para ter o apoio que esse programa também se consolide dentro da companhia, isso eu estou falando de voluntariado. E externamente é consolidar a metodologia do Nutrir, seja na Secretaria de Educação, seja nas ONGs, eu tive sim como desafio em 2012 pegar a metodologia do Fernanda Keller e escalar isso para outras ONGs. Hoje eu preciso ver se esse foi o jeito certo de fazer, isso está dando resultado? Será que a gente precisa mudar alguma coisa? Será que eu preciso aumentar o grau de engajamento dentro dessas ONGs ou aumento o número de ONgs? Então essas são questões que devem ser respondidas ao longo do ano.
P/1 – Quais são as limitações de vocês atualmente?
R – Bom, eu estou em um ambiente corporativo e o desafio por sorte não é mostrar que o Nutrir é um programa importante, já passamos dessa fase, mas temos uma equipe reduzida. Acho que encontrar maneiras de estabelecer o programa de um jeito que ele consiga ter um impacto significativo na vida das pessoas e que eu consiga provar que isso de fato aconteceu, acredito nisso de verdade. O maior desafio agora é mostrar mais, como é que se dá esse impacto um pouco desse projeto aqui também é para isso, de como é que a gente resgata a memória das pessoas para mostrar o que aconteceu ao longo do tempo.
P/1 – Eu ia perguntar exatamente isso. Esse programa, de irmos buscar essas histórias, sentar e fazer um relatório sobre isso através da história de vida das pessoas fez parte de um planejamento de: “Agora vamos parar para pensar sobre o que está acontecendo”?
R – Essa foi uma idéia que fez parte ali bem do início quando eu comecei a atuar como coordenadora, eu já tinha visto experiências aqui fora, porque o que acontece é gestão do conhecimento, as equipes vão mudando nos lugares e precisamos ter uma história instalada. Eu acredito que quando você tem uma história bem construída você consegue dar passos que façam sentido, passos no futuro de melhoria e tudo mais. Esse foi uma das propostas que a Sandra [Souza] acabou encabeçando, mas que eu deixei antes porque eu saí de licença maternidade ano passado, eu deixei como uma idéia. Para começarmos a construir os próximos 15 anos precisávamos entender os 15 anos anteriores, logo esse projeto vem para nos ajudar a entender o que foi tudo isso que a gente deixou de legado que histórias foram essas que ajudaram a construir o jeito como o programa se desenvolveu ao longo do tempo. Porque acabando por tirar conclusões em cima do que tem aqui disponível de material, aí é uma conclusão de uma pessoa, acho que o projeto de vocês vai nos ajudar a esclarecer de um jeito um pouco mais abrangente como é que de fato se desenrolou esse programa ao longo dos últimos 15 anos.
P/1 – Vocês têm algum direcionamento de o que fazer com isso tudo, a partir de agora o que será o futuro do programa?
R – Tem, uma parte disso vai ser para nos ajudar a contar para as pessoas como é que foram 15 anos de história, acho que o relatório de vocês vai nos ajudar muito a construir essa comunicação de como é que se desenrolou esse programa desde 99. E, do ponto de vista de gestão ele vai me ajudar a sanar alguns gaps históricos que acaba não tendo, só se conversasse com todo mundo. Temos uma diretriz a cumprir daqui para frente, temos clareza de alguns dos desafios, mas é bom você saber que desafios foram esses que as pessoas já passaram. Acho que unindo o que eu já tenho de planejamento, que já tenho de guideline global, junto com esse histórico vai ajudar a construir um planejamento de longo prazo mais bem estruturado.
P/1 – Você consegue lançar alguns objetivos que vocês têm continuar com tal coisa, tirar alguns, você consegue lançar alguns objetivos futuros?
R – Dentro do Nutrir no pilar de voluntariado o futuro é conseguir um maior engajamento, não só via Nutrir, mas sim levando em consideração aspectos de educação alimentar nutricional. E que cada vez mais a gente consiga trabalhar em conjunto com a companhia, então com a área de recursos humanos, para mostrara que esse engajamento traz benefícios para o colaborador, empresa e comunidade onde esse colaborador atua. Muito em linha com a criação de valor compartilhado. Para o Nutrir nas escolas eu vejo que vai ter sim esse direcionamento para
a prevenção da obesidade, muito ligado a como é que de fato eu consigo ter um ambiente escolar que me possibilite mudar, melhorar hábitos alimentares. Então a própria estrutura da escola sendo o ambiente onde a educação alimentar e nutricional sejam viáveis e a atividade física seja promovida, então cada vez mais a iremos falar de atividade física também. Acho que o pilar das ONGs, ele deve ser consolidar ao longo dos anos para que a gente consiga mostrar boas práticas, principalmente de engajamento da criança, da família, de uma organização que está dentro da comunidade. E que essa criança de fato passe a se alimentar melhor a praticar atividade física, levar esses conceitos para dentro da casa dela. Para que isso cresça de um jeito mais orgânico dentro da comunidade embora aí eu tenha um aspecto de abrangência do que quando eu atuo com as escolas, tenho um aspecto qualitativo de enraizar a questão de uma boa alimentação junto com atividade física dentro daquela comunidade. Então eu vejo o programa indo nessa direção, de parcerias multi-setoriais, engajamento político, comunicação, que tenha um sentido ali no nível da comunidade.
P/1 – Estamos finalizando Lia, mas eu queria que você falasse um pouco fora da Nestlé quem é a Lia, você falou de maternidade, contasse um pouquinho como você lida com uma criança pequena e trabalhando, conta um pouquinho.
R – Eu tenho um filhinho de quase nove meses hoje, o desafio quando você fica grávida em um ambiente corporativo foi que eu estava em um momento de transição, mas eu tive muito apoio aqui dentro. Acho que essa é uma empresa de muitas mães, eu tive sorte de estar aqui nesse momento. Eu tinha claro, um monte de trabalho pela frente, tinha acabado de ser promovida e estava grávida, a nossa equipe estava reduzida, tinha um monte de coisas para fazer, mas eu estava cheia de vontade de fazer as coisas acontecerem porque eu acreditava naquilo que a gente tava fazendo. Estou falando de verdade sem puxar sardinha da Nestlé, e eu tinha um apoio que parece pouco, mas eu tinha sido promovida grávida as pessoas que estavam ao meu redor eram mães também, então sabiam que às vezes eu ia ter oscilações hormonais, por exemplo. Mas eu não posso dizer que foi fácil, foi difícil eu fiquei sete meses fora depois eu tive todo esse momento pré-maternidade que eu queria muito deixar as coisas organizadas para que depois os programas acontecessem. Eu voltei agora em janeiro, me readaptei ao ambiente corporativo nessa rotina louca que quem é mãe sabe como que é então eu acordo muito mais cedo durmo muito mais tarde e trabalho o dia inteiro. Tenho uma estrutura em casa que me ajuda minha mãe, o marido, mas é assim, é a correria, acho que faz parte. E eu estou em um ambiente onde as pessoas entendem que eu sou mãe que vai ter dia que eu vou ter que de repente chegar um pouco mais tarde, mas daí depois eu fico, volto mais tarde tem mobilidade. É uma empresa boa para quem é mãe e eu estou em uma área que é bom eu ser mãe, porque de fato eu acredito que se todos esses conceitos que trabalho no meu dia-a-dia fossem aplicados as crianças de fato seriam mais saudáveis. Então eu acabo aplicando isso na minha casa também com o meu filho, embora ele seja novinho tem muita coisa que eu aprendi aqui dentro que vai me ser útil para o resto da minha vida como mãe. Acabei aprendendo sobre saúde, sobre nutrição, atividade física, tinha muita experiência com comunidade, mas eu aprendi também que a questão da prevenção quando você fala de saúde não é algo priorizado, as pessoas falam muito em tratamento quando na verdade poderíamos prevenir. Eu aprendi muito sobre escolhas, as pessoas questionam muito as empresas de bens de consumo, mas no final das contas a escolha está dentro da nossa casa. Eu aprendi isso não só aqui, mas também no desenrolar dos programas, quando começamos a falar com as famílias, com as instituições, e de ver que às vezes as agendas das escolas e das ONGs estão muito direcionadas para temas específicos que são importantes, mas que a gente acaba esquecendo outros que são importantes também. Tratar uma criança saudável, ela vai ter muito mais desempenho na escola, vai dormir melhor, aprender mais, ela vai ter um relacionamento melhor com os amigos.
P/1 – Lia, sua entrevista foi ótima foi muito pontual em coisas que ainda não tinha tocado, apesar da tua história aqui dentro ser nova, mas o que você trouxe hoje foi muito importante para essa história que vocês tão construindo. Mais alguma coisa que eu não perguntei que você pensou em falar e gostaria de deixar registrado?
R – Acho que bem voltado para o Nutrir, tenho uma grande expectativa de termos mais 15 anos de uma história que de fato tenha um impacto na vida das crianças no Brasil. Eu acredito mesmo que a Nestlé pelo tamanho da marca e do tamanho da vontade que tem
de fazer as coisas acontecerem direito, vai conseguir ter mais um período de um programa de prevenção da obesidade que tenha um impacto mesmo na vida dessas crianças, das famílias e da comunidade. E aí eu espero fazer parte desse período futuro, mas que, mesmo quando eu saia, quando eu mude de rumos isso continue. Acho o que temos de maior ativo aqui dentro dessa estrutura que está por trás dos programas é ter um grupo de pessoas que acredita mesmo que as coisas podem ser melhores. Temos um monte de desafios, mas que a gente consegue passo a passo fazer as coisas acontecerem e não só ficar reclamando de estrutura, porque problema todo mundo tem, difícil é sentar e fazer a coisa acontecer, acho que é um pouco isso.
P/1 – Ok, obrigada, parabéns pela tua história.
R – Obrigada.Recolher