P/1 – Monica, seja bem vinda.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada pela disponibilidade de estar conosco, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé, Programa Nutrir. Para deixarmos registrado, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome completo é Monica Aiub Morégula...Continuar leitura
P/1 – Monica, seja bem vinda.
R – Obrigada.
P/1 – Obrigada pela disponibilidade de estar conosco, em nome do Museu da Pessoa e da Nestlé, Programa Nutrir. Para deixarmos registrado, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome completo é Monica Aiub Morégula da Costa Neves, e nasci em 16 de fevereiro de 1966, em São Paulo.
P/1 – Conta um pouquinho desses sobrenomes todos então, dos avós.
R – Aiub é libanês, meu nome original é Monica Aiub Morégula, o Costa Neves foi adotado do marido. Aiub é libanês, então a minha descendência materna é libanesa, meu avô era libanês, veio do Líbano muito novo. E o Morégula é do meu avô italiano por parte de pai, aliás, meu bisavô era italiano de fato, meu avô já foi de uma geração nascida aqui. E o Costa Neves, adotei quando casei. Sou casada há 21 anos com o mesmo marido e aí adotei o Costa Neves, que é composto, não dava para tirar um e ficar com o outro, então ficaram todos juntos. Então ficou Monica Neves porque não dá para ficar com esse nome enorme de princesa.
P/1 – Você conheceu seus avós?
R – Conheci os quatro, os quatro avós.
P/1 – Todos os quatro já nasceram aqui no Brasil?
R – O do Líbano não. O do Líbano nasceu no Líbano. Sua história é interessante porque ele disse que nasceu aqui no Brasil, em Amparo, mas tem uma questão de registro, em função da guerra em que fugiu. Então há um registro aqui, que foi feito aqui, mas tem uma história que foi contada por alguns parentes do Líbano de que não, de que ele nasceu no Líbano.
Ele morreu com 93 anos, não faz muito tempo. Eu tive o meu avô até, eu acho que faz uns quatro ou cinco anos que ele morreu, então tem essa história aí que contamos sobre o registro de nascimento dele aqui no Brasil, mas tem uma herança de história de família de que não. Por parte paterna já nasceu aqui.
P/1 – A esposa dele, a sua avó também?
R – A minha avó materna também nasceu aqui.
P/1 – Ela é libanesa ou brasileira?
R – Não, era brasileira e a minha avó paterna era baiana. Também era daqui, uma mistura de baiana, bom, era brasileira.
P/1 – Sua infância você passou aqui em São Paulo também?
R – Sempre aqui em São Paulo, nasci em São Paulo, passei a infância aqui.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Minha mãe chama-se Vera Lúcia e o meu pai tem um nome diferente, ele se chama Marassoré, Marassoré Roberto. Esse nome foi o padrinho dele quem deu, porque era um nome indígena, baseado em alguma história pessoal que o padrinho dele teve com alguém. Tem uma história indígena, que havia um casal, o Marassoré e a índia Nara, e brincamos falando: “Pô, que mal, hein”, é um nome diferente, um nome estranho.
P/1 – Tem que soletrar todas às vezes.
R – É complicado, tenho lembranças de criança. Tenho quatro irmãos, somos uma família de cinco filhos, e tínhamos que fazer o presente do dia dos pais e era a maior vergonha que tínhamos, porque o pai de todo mundo chamava Zé, José, Paulo, Roberto e o nosso chamava-se Marassoré e não cabia no presente. Ficávamos “meio assim” e os coleguinhas falavam: “Como é que chama o seu pai?” e falávamos: “Ai, meu Deus do céu, agora vou ter dizer que é Marassoré”. Houve uma fase em que ele chamava Marassoré Roberto, então nesta época da nossa vida, falávamos: “Bom, fica mais fácil escrevermos Roberto, que aí ninguém vai ficar perguntando, não é, Marassoré”. E é isso, tem essa história engraçadíssima porque os cinco filhos, na verdade, quatro durante muitos anos... Eu tenho um irmão temporão, então tem uma parte da minha lembrança que são quatro e uma parte da minha lembrança que são cinco. E os quatro são muito próximos, pois minha mãe engravidava com menos de um ano de diferença, então tem uma parte da minha lembrança de infância que penso em um determinado contexto, porque foi tudo muito próximo. E tem 11 anos depois quando tive um irmão temporão.
P/1 – Ele tinha um apelido, o seu pai?
R – Ele tinha algo pior ainda, porque só piora a história. O apelido dele era Mara, e Mara é reconhecido como nome de mulher, isso piorava porque às vezes a pessoa dizia: “Ah, o Mara” e aí alguém falava: “Mas Mara não é mulher?”, aí eu falava: “Aí, complicou”, porque até explicar. Então fica essa história de “o Mara”, mas Mara é mulher, mas nós superamos, conseguimos passar a infância com esse trauma do nome do pai e deu tudo certo.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Não. Sou a segunda, tenho uma irmã mais velha, uma mais nova e dois irmãos mais novos.
P/1 – Conta um pouquinho da sua infância também, você lembra-se da casa onde morou?
R – Eu lembro porque eles ainda moram lá, todo mundo mora lá. Nós moramos em uma vila, hoje vila é uma coisa legal e quando eu era criança, era mais legal ainda. Porque vivíamos na rua, vila tem segurança, não tem um fluxo grande de carro. Então fizemos tudo que uma criança deveria fazer, jogar bola na rua, jogar taco, queimada... Vivia na rua e era muita gente, muita criança, então, tive uma infância bem de brincadeira. Vivia quebrada, com perna quebrada, braço quebrado, eu era a rainha das crianças que se quebravam.
P/1 – Só as crianças da sua casa já eram bastante, não?!
R – É. Já dava uma turma que dava conta, mas havia muitas outras crianças também, então foi bacana nesse sentido. E os meus pais ainda moram nessa vila, e tenho duas irmãs que moram lá também, é uma vila grande. Depois de casadas, foram morar em outros lugares e voltaram para lá, tiveram oportunidade de comprar uma casa e voltaram. Então tenho um vínculo com essa vila até hoje.
P/1 – Aonde é?
R – É na Aclimação, bem pertinho do parque. Elas estão lá ainda, as minha filhas gostam de lá, eu tenho uma filha que adora ir lá, adora brincar, então eu tenho um vínculo com esse lugar.
P/1 – Era uma vila fechada?
R – Não, quando eu era criança não era uma vila fechada porque havia menos problema de segurança, já era uma vila segura. Dizíamos naquela época, que ladrão não entrava em vila porque não tinha saída. Lembro dessa história porque as crianças tinham medo de ladrão, e os adultos diziam: “Não, não tem perigo, porque ladrão não entra vila porque ele não tem por onde sair”, então achávamos que era um lugar blindado. Hoje em dia não, hoje em dia, tem portão, tem interfone, porque os tempos, a insegurança.
P/1 – Agora ele sabe sair da vila.
R – É, agora ele sai, tem tecnologia para sair da vila, enfim.
P/1 – Você também estudou no bairro?
R – Sim. Estudei em uma escola de freira, todo mundo estudou na escola de freira, era pertinho.
P/1 – Por que a escola de freira?
R – Porque a minha mãe, bom, porque tinha a questão de ser conveniente, porque era perto, era uma escola que a minha mãe, não sei, acho que ela não tinha uma vocação religiosa, não foi por causa disso, mas porque acredito que ela achou que era uma escola de qualidade, segura do ponto de vista de educação e tudo.
P/1 – Você se formou lá?
R – Fiz até o terceiro colegial. Estudei da lá da terceira série do fundamental até o terceiro colegial do ensino médio.
P/1 – Tinha uniforme, hino?
R – Tinha tudo, uniforme, hino, fanfarra, freira, tudo o que uma escola, disciplina, eu era meio anarquista para época, mas...
P/1 – Conta uma anarquia então.
R – Uma anarquia? Sei lá, usávamos tamanco, sabe tamanco holandês? Uma vez por semana podíamos ir sem uniforme, mas isso já era no colegial, oitava série, acho que não era o colegial, e eu vinha andando no corredor e arrastando o tamanco para fazer bastante barulho, porque havia uma disciplina, todo mundo na fila e eu andava assim, sem ninguém perceber, mas o tamanco fazia: “Cloc, cloc, cloc” e quando cheguei ao fim do corredor, a irmã dizia: “Quem está fazendo este barulho?”, e pensei: “Bom, só eu estou com tamanco aqui, não é?”. Aí fui repreendida, aquela coisa toda, tomei uma bronca, mas eu gostava, achava legal ser diferente.
P/1 – Como é que era o uniforme, você lembra?
R – Era camisa, camiseta branca, calça bordô, era bordô, branco e bordô, calça de lycra, não tinha nada de diferente.
P/1 – E os seus irmãos, todos estudaram lá também?
R – Todo mundo estudou lá, até os meninos.
P/1 – Algum professor especial?
R – Tem os mais, sei lá, da terceira série, a Dona Carmela, que era brava, quebrava a régua na mesa, tenho essas lembranças, mas de disciplina mesmo, de ser super...
P/1 – Os professores eram as irmãs também ou não?
R – Não, não eram as irmãs, apenas nas aulas de religião.
P/1 – E daí você se formou no ensino médio e...?
R – Aí me formei no ensino médio e entrei na faculdade.
P/1 – Já tinha encaminhamento?
R – Já tinha, eu entrei na faculdade com 16 anos, porque estava um ano adiantada, eu saí da escola e prestei. Já sabia o que eu queria, eu queria comunicação, eu sabia que eu queria Publicidade e Propaganda, então prestei e entrei. Entrei na faculdade, lembro-me que era um orgulho, como eu faço aniversário em fevereiro, a aula começou, mas uma semana de aula? Aí no primeiro dia tínhamos que nos apresentar e eu disse: “Meu nome é Monica, eu tenho 15 anos” e imagina, era muito nova para entrar na faculdade, mas lembro-me que foi um orgulho, sabe: “Puxa vida, como assim entrou com”. Eu entrei com 16 anos na verdade, fiz 17, foi isso mesmo? Eu acho que foi.
P/1 – Acho que com 15 anos, você devia estar finalizando, senão é muito nova mesmo, não sei quão adiantada você era.
R – É, eu entrei com 16 na primeira semana e logo completei 17, não, 15 seria demais também.
P/1 – Aonde você prestou?
R – Eu fiz Publicidade e Propaganda na Metodista, não sei como é hoje, mas era uma faculdade legal para época...
P/1 – Em casa tinha alguma cobrança?
R – Não, nunca teve.
P/1 – Como que apareceu a comunicação para você?
R – Comunicação está na minha vida, está na minha história. Eu tenho uma “coisa” com comunicação. A minha mãe trabalhava com agência de propaganda, ela fazia pesquisa de mercado e eu, às vezes a acompanhava na entrega de algum trabalho e gostava do jeito que aquela gente vivia, era a minha referência, sabe? Eu dizia: “Gente, o pessoal é muito legal, como eles são felizes”, eu tinha essa referência dos publicitários da época, sabe, porque era todo mundo meio divertido, era um ambiente mais descontraído, e achava que todo mundo era feliz lá. E aí, quis fazer, eu queria viver daquele jeito profissionalmente, eu queria ser publicitária, achava legal e tinha a ver com a minha personalidade. Sou uma pessoa que gosta de falar, gosto de me relacionar, mas antes eu passei pela Cardiologia, porque certa vez, participei de uma feira de ciências sobre coração e consegui um coração, então estudei o coração, achei legal e pensei: “Vou fazer cardiologia, medicina com especialização”, mas voltei para comunicação.
P/1 – O seu pai, fazia o quê?
R – Meu pai era um cara de vendas, ele trabalhou muitos anos na área de bebida como supervisor de vendas, gerente de vendas, “não sei o que de vendas”. Trabalhou na Fabrício Fasano, Bowls, as minhas lembranças de infância e adolescência foram nessa área de vendas.
P/1 – Tem uma comunicação forte na família também?
R – Tem. Meu pai é um cara de contar histórias, falar de histórias, ele tem uma história com a história, é muito interessante isso e é um cara bem humorado, vive sempre com bom humor. Ele sempre consegue ter “boas tiradas” de algumas coisas e uma história para tudo. Então temos, alguns dos filhos, têm claramente herdado essa parte de ter uma sacada, de ter bom humor, de sempre ver coisa boa nas coisas.
P/1 – Tem alguma história que ele sempre conta?
R – Que ele sempre conta não, mas tem uma coisa que é folclórica nele: ele demora muito para contar as coisas, então brincamos: “Pai, vai terminar hoje?”, porque ele é muito detalhista, tem essa característica. E dizem que sou assim também, dizem: “Meu, e aí? Vai terminar hoje? Estamos chegando, você vai terminar de contar?”. De fato não tem nenhuma, estou pensando se existe uma história que ele conta, não, acho que não, são várias histórias, não há uma característica.
P/1 – E daí você passou na faculdade, foi o maior orgulho para família, não?
R – Foi. Nossa! Foi super legal! Fui a primeira que entrou, fiz a faculdade, foi ótimo, foi maravilhoso, acho que foi o melhor, foi um bom período da minha vida. Formei-me e fiquei séria, tinha que começar a trabalhar sério, ganhar dinheiro. Ele nunca nos deixou trabalhar enquanto estudávamos, ele dizia duas coisas que eu repito, não, eu repito uma, a outra não. “A maior herança que ele deixaria para nós seria o estudo. Eu não vou deixar, não esperem que eu vá deixar bens materiais, imóveis, carros, porque eu não vou deixar”, não vai deixar mesmo (risos). Mas dizia que a maior herança que ele deixaria era o estudo, porque, simbolicamente aquilo significava tudo da vida, o que quiséssemos conquistar, a educação era o caminho para atingirmos o que quiséssemos. Então ele me deu duas heranças, a educação, a faculdade e um fusca laranja, ele disse: “Ó, vou te ajudar, está aqui o seu carro, se um dia você quiser ter qualquer coisa, um blindado, agora é com você minha filha, eu to aqui te dando um fusca laranja”. Então o fusca laranja foi uma personagem da minha vida também, durante a faculdade, ele tinha um nome, chamava Polenta, ia comigo para Metodista, ficava na Rua de Ramos, íamos de Polenta, voltávamos de Polenta. Tem essa história, sempre tem uma história, essa coisa da educação, de nunca nos deixar trabalhar enquanto estudávamos. Houve uma fase em que eu queria trabalhar, era legal, queria ter dinheiro para comprar umas coisas que queríamos na época. Ele dizia que não, que era para focarmos nos estudos, tínhamos que terminar os estudos porque aquilo era o caminho para conquistarmos coisas na vida. É isso, foi isso, eu fui até o fim sem trabalhar e no último ano, precisei trabalhar devido o estágio e não parei mais.
P/1 – Essa Polenta ia só para a faculdade ou ia também para casa do namorado?
R – Não, ia para as baladas, mas era assim, o vidro não abria (risos). Daria para escrever um livro sobre o Polenta, esse carro era muito legal. Depois comecei a trabalhar, a ganhar dinheiro e vendi o Polenta, pintei o Polenta de branco porque achei que era seria um “up grade”, e o vendi. Mas o Polenta fez parte da minha vida. Até hoje quando vemos carros assim, um fusca laranja, é raro, hoje em dia não tem mais muito.
P/1 – Ainda mais laranja.
R – É, só tem fusca azul, nós brincamos de fusca azul, você brinca, não é?! Só tem fusca azul, nós brincamos de fusca azul, mas laranja não tem mais.
P/1 – Depois que ficou branco mudou de nome ou não?
R – Não, nunca! Nós só o pintamos porque achávamos que ninguém o pintou antes de vender, pintamos para dar um “up grade”, depois de branco, o vendi.
P/1 – O que faziam os adolescentes, jovens dessa época? Em que ano que você se formou mais ou menos?
R – Oitenta e nove. O que faziam os adolescentes?
P/1 – Os jovens?
R – A mesma coisa que hoje, viviam, iam para festas, bebiam, se divertiam, a mesma coisa.
P/1 – Tinha um lugar específico que vocês iam?
R – Eu não. Acho que havia algo muito específico daquela época, fazíamos muitas festas em casa, que hoje tem menos, porque acho também que as pessoas não têm casa pra fazer festa para tanta gente. Mas quando eu estudava fazíamos muita festa em casa, porque as pessoas moravam em casa, então: “Vai ter festa na casa de um, vai ter festa na casa do outro”, então era muito legal, festa em Santos, festa no Guarujá. Nós fazíamos muito isso, festa na casa de alguém, fazíamos o que todo jovem gosta de fazer, se divertir, viajar, estudar, também estudava, e estudava para valer.
P/1 – E daí você se formou, você começou a fazer estágio, a Nestlé já tinha aparecido na sua vida em algum momento?
R – Já, porque fiz estágio em uma agência que se chamava Norton e era a agência da Nestlé nesta época, sempre foi. Então fiz estágio nessa agência, mas não havia nada ligado à Nestlé. Como era estagiária, circulei um pouco no mercado, trabalhei na Folha de São Paulo, e depois a Norton me convidou para voltar a trabalhar lá, mas como funcionária efetiva e voltei. Quando voltei, atendi um grupo de contas, estou tentando lembrar, trabalhei lá três, é, foi assim: Fiz estágio, era Norton, saí, voltei, era Norton ainda, atendi um grupo de contas, saí, fui embora. Trabalhei em outros lugares, me convidaram para trabalhar, já era Publicis e para atender a Nestlé, então foi aí o meu contato com a conta. Eu tinha tido um contato com a agência de propaganda, mas não para atender a Nestlé, era para atender outras contas, saí e só depois voltei para atender a Nestlé. Eu atendia Produto e área corporativa, que é a minha área hoje, mas era uma área que não permitia muita visibilidade, todo mundo gostava de atender Produto, claro, porque era quem fazia filme, era quem fazia campanha. E a área corporativa estava se formando, se organizando enquanto área corporativa, em paralelo a isso, o Nutrir estava nascendo, e aí eu então atendi essa conta corporativa. Eu fiquei na agência quase seis anos cuidando de Nestlé.
P/1 – Quando que você entrou, quando já era Publicis? Quando foi isso?
R – Noventa e, pode ser que tenha alguns...
P/1 – Para mais ou para menos.
R – É, para menos, 96 mais ou menos, é, 96 que eu voltei para Publicis.
P/1 – Daí você vê o Programa Nutrir nascendo na Publicis.
R – Na Publicis, por isso que quando construímos a linha do tempo [no workshop do Nutrir], eu tinha a memória do programa em momentos e com papéis diferentes, então em 99, quando o Nutrir nasceu, a Nestlé estava organizando sua área de responsabilidade social. Então tenho toda essa história porque estava do outro lado, trabalhando o lançamento do produto na comunicação, e aí eu era atendimento, não é, era atendimento da conta corporativa. Então a agência fez a marca, criamos do zero a marca, não tinha a casinha, o menininho, o garfinho. Estudamos muito o mercado, o que estava acontecendo no mercado naquela época. Porque responsabilidade social não era uma coisa muito, era muito novo, estava muito ligado à filantropia, mas a Nestlé tinha uma proposta inovadora para aquela época, de ter um programa organizado, eu acho que isso foi a primeira inovação. Porque o mundo era filantrópico, tinha essa coisa de ajudar a creche, ajudar a consertar o telhado da igreja, ajudar. Então acho que a primeira inovação foi organizar isso de uma maneira corporativa, e depois, trabalhar com um tema que tivesse ligado à natureza da empresa, porque não se tinha essa visão no mercado. Hoje isso é muito óbvio, você pensar que uma empresa tenha um programa de responsabilidade social ou de sustentabilidade ou de criação de valor compartilhado, que a causa conecta com a natureza do negócio. Mas há 15 anos atrás, onde nem essa parte de investimento social estava organizada, isso era muito novo, então acho que foi um grande olhar da Nestlé para essa questão, sabe, da maneira como o Nutrir se organizou, o nome foi muito...
P/1 – Ajudar a fazer no que sabe fazer.
R – É, na parte de alimentação mesmo porque era a nossa natureza de nosso trabalho, era a natureza da Nestlé. Só que eu estava lá do outro lado, atuando principalmente no desafio de mobilizar internamente, ele foi construído junto com todo mundo, junto com os funcionários. Então participei deste momento, só que do outro lado, como um parceiro de comunicação para ajudar a mobilizar. E aí tinha, eu tinha uma relação com o programa muito próxima porque acreditava mesmo naquilo, entendeu, acreditava nos resultados daquela proposta. E internamente em uma época em que o mundo da comunicação não havia mudado, existia muito a questão do glamour, das verbas publicitárias para anunciar. E em um programa social, você não tem dinheiro para anunciar, principalmente porque com a verba destinada, você tem que construir o projeto. Então já naquela época tinha esse cuidado de que o recurso de construir o projeto não deveria sobrepor o recurso de torná-lo conhecido, porque se você tem um dinheiro para fazer e para contar você diz: “Bom, eu preciso fazer primeiro e não vou usar, não vou dividir esse dinheiro para...”. Então tínhamos de ser muito criativo na maneira de fazer as pessoas conhecerem o programa e fazer isso em um cenário onde todas queriam só criar, fazer grandes campanhas, era um desafio mesmo! Então você tinha que buscar dentro deste contexto, dentro da agência, gente que acreditasse no projeto, porque ia fazer de qualquer jeito, era a agência de comunicação da Nestlé e o Nutrir era o programa da Nestlé, mas para ser mais legal, para ser de verdade, você tinha que identificar pessoas que realmente tivessem uma conexão com o programa. Acho que teve um pouco desse papel, de conseguir mobilizar internamente. Eu lembro que tinha uma moça na criação que criou essa marca e que tinha uma paixão por ela, ela pesquisou, realmente se aprofundou. Mas porque tinha uma conexão individual dela com o programa, ela cuidou com carinho, existiam essas pessoas dentro da agência que se conectavam com a causa, com o tema, com a questão de ser social. Então estas pessoas fizeram a diferença nesse processo todo, e eu tinha uma conexão com isso, fazia realmente a agência se mobilizar para a coisa acontecer.
P/1 – Você lembra quando a pauta caiu na tua mesa? Você vai ter que falar sobre o Programa Nutrir, o que você achou?
R – R – Não lembro quando a pauta caiu em minha mesa, mas lembro de todo esse processo de organização, dos desafios de mobilizar, precisávamos nos mobilizar, fazíamos muito “ao vivo”, muito de verdade. Então, vamos mobilizar, vamos trazer as crianças para construir o cartão de natal da Nestlé. Lembro que houve um ano em que fizemos o cartão de natal a partir dos desenhos das crianças que eram atendidas pelo Nutrir, de uma comunidade de Itaquera.
P/1 – Aquela, quando as crianças saem e vão visitar uma empresa de comunicação, é a Publicis então?
R – Sim, foram à Publicis, e nós os recebemos.
P/1 – Existe até um vídeo.
R – Existe sim, acredito que esteja aqui no acervo. Tem foto também, você me encontra lá. Faz muitos anos, não me lembro, se o cartão eles fizeram lá ou eles fizeram na Nestlé, no prédio antigo, acho que foi lá na agência, foram na agência desenhar, fizemos uma sala grande, colocamos tinta, canetinha, etc. Então era muito simples e era muito verdadeiro tudo que acontecia na organização do Nutrir naquela época. Acho que foi inovador da parte da Nestlé se organizar com esse olhar de ter uma causa conectada à natureza da empresa e de fazer de um jeito simples, que deu certo. Trazer gente que sabia fazer, porque isso também acho que foi um grande desafio, ter parceiros com experiência nesse sentido, gente que gostava, que tinha uma convicção, uma crença naquilo.
P/1 – Você falou do desafio de ter que mobilizar essas pessoas com pouca verba, tinha pouco recurso, como é que foi isso no seu dia-a-dia?
R – Ah, desafiador e nada frustrante, porque como o recurso ia para ação, o resultado vinha espontaneamente. Claro que também era um outro tempo. Eu lembro que na época tinha uma questão de que não queríamos dar muita visibilidade para isso, fazíamos um trabalho muito interno porque ele era um programa dos funcionários, dos colaboradores da Nestlé. E era uma época que o investimento social estava se organizando ainda, e era feio falar o que você estava fazendo nessa área porque podia soar como apelo, sabe: “Então eu tenho o Programa Nutrir, que leva educação”. Nem se falava em levar educação alimentar porque era tudo muito social, falava-se muito em ajudar, ajudar as crianças a se alimentar, não tinha também essa organização de conceitos. Então também era um tempo que tínhamos que ter muito cuidado, como do ponto de vista de comunicação, faríamos as coisas, porque também poderia parecer: “Ah, isso é marketing”, então a Nestlé, nem queria contar porque era uma coisa interna, era uma coisa dela, sabe, era muito mais para dentro. Então os nossos desafios, como parceiros de comunicação, era organizar o programa, organizar a marca, fazer uma mobilização interna e conectar o colaborador com o programa, com o voluntariado, com a reunião das mães, não se tinha a visão de: “Vamos fazer uma campanha para contar o que o Nutrir faz”
P/2 – Em relação a essa mobilização interna, como que foi o processo de fomentar o trabalho voluntário dentro da Nestlé? Você lembra como que foi?
R – Então, lembro que no começo apenas convidávamos as pessoas, as convidávamos para participar, e fizemos o lançamento [do Programa Nutrir] até de um jeito interessante porque convidamos o Chitãozinho e Chororó para vir cantar aqui. Eles vieram, montamos um palco no hall, convidamos o Daniel, que eram músicos que na época tinham muito mais sucesso, faziam sucesso, e aí um pouco da estratégia de convidar esses caras, que eram, enfim, eu não me lembro qual foi a estratégia e porque eles, mas possivelmente porque eram pessoas simples, que tinham uma história, que tinha um pouco a ver com o programa, sabe? Tinha que ter simplicidade, de ser música, sei lá, era caipira na época, não é, nem era sertanejo, era sertanejo, e foi um pouco de mobilização nesse sentido, de por meio de convidar, mas usando uma celebridade, um cantor que realmente acreditasse na causa. Deve ter registro disso aqui, esse show do Daniel, porque o Daniel era uma figura que mobilizava, era uma figura que tinha a ver com o programa em algum conceito, na coisa de ser um homem, em ser sertanejo, de ser simples, de ser... E aí lembro de, no lançamento, a convidarmos essas figuras para mobilizar os colaboradores, claro que era um tempo que era mais fácil de se mobilizar, era mais fácil de se engajar porque não tinha tanta tecnologia, e as pessoas eram mais suscetíveis ao engajamento. Quer dizer, hoje tem a questão do tempo, de poder participar, de ter agenda, de não ter compromisso etc. e tal, então era mais flexível. Eu lembro disso, lembro desses shows, que foi uma coisa que foi muito legal, e foi muito próximo, chamamos essas figuras para convidarem os colaboradores a participar. Montamos um palco no meio do hall da Nestlé, com os colaboradores ali perto, sabe, olhando o Daniel falar para você: “Vem cá, vem participar”. Então teve uma mobilização, uma coisa próxima, isso eu lembro.
P/1 – Todos os funcionários da sede foram convidados?
R – Todos os funcionários de todas as unidades foram convidados. Eu tenho uma lembrança dessa coisa da sede, mas o Nutrir era de todas as unidades. Então não me lembro como foi que mobilizamos os colaboradores das fábricas, mas teve mobilização, porque tem uma adesão que começou nas fábricas desse tempo, sabe? Eu não me lembro, como é que foi que os engajamos, como é que mobilizamos os funcionários de fábrica, mas tenho essa lembrança desses convites, dessas personalidades, para vir aqui e convidar os funcionários para participar.
P/1 – Você lembra as pessoas que você se comunicava aqui dentro da Nestlé, que você tinha como parceiros do programa?
R – Lembro.
P/1 – “Vou falar com quem para tratar sobre tal coisa?”.
R – É, eu tinha um cliente que era a pessoa responsável pelo programa aqui na Nestlé, que era o Chico, o Francisco Garcia, ele foi a pessoa que organizou o programa, que estava dentro da área de assuntos corporativos, e o Faccina era seu diretor. Na Nestlé, eram eles os responsáveis, era para quem eu respondia aqui internamente, e foram eles que organizaram o Programa Nutrir em si.
P/1 – Você tinha vontade de ser uma voluntária da Nestlé?
R – Eu tinha, eu tinha muita vontade de ser voluntária sim, eu tinha muita conexão com o programa, tenho uma conexão com essas coisas sociais, e isso está lá na minha história. Minha mãe sempre foi uma pessoa que olhou muito para as outras, [no sentido] de ajudar, de dar comida, de dar roupa, então desde minha infância aprendi a olhar para as pessoas que precisavam de ajuda. Então tinha uma conexão minha com a área social, e isso existe na minha família até hoje, temos muita vontade de ajudar as outras pessoas, a família inteira é assim, todos os meus irmãos, o meu pai, e a minha mãe. Acho que foi por aí que conectei-me com o programa, porque tinha muita vontade de fazer as coisas acontecerem, gostava quando as crianças iam, gostava de ter ideias, gostava de participar, dessa vontade de ver o programa crescer, de ver o programa se organizar.
P/1 – É esse momento que você vem para Nestlé, agora como funcionária Nestlé?
R – Então, eu fiquei 99, fiz o lançamento, 2000, 2001 e então decidi deixar a publicidade, cansei da propaganda, porque achava que não queria mais aquilo. Tinha um ambiente de vaidade no mundo publicitário, dos prêmios. [Em meio a isso] comecei a pensar se eu queria continuar sendo publicitária, e fiz mais uma tentativa. Saí da Publicis, deixei a Nestlé com muita dor no coração porque gostava muito, a Nestlé me desafiava muito, sabe? Eu dizia que quem trabalhasse com a Nestlé, do ponto de vista de publicidade e propaganda, estava capacitado a trabalhar com qualquer empresa no mercado, porque a Nestlé era muito exigente em qualidade, e eu dizia: “Poxa, é uma escola para te capacitar para trabalhar com qualquer outro cliente”. Então senti deixar a agência pelo cliente, mas queria mudar, queria mudar de vida, queria mudar de profissão. Aí tentei, fui para outra agência, fiquei mais um ano, e aí resolvi que tinha que parar, por conta das crianças que eram pequenas, eu tinha uma vida muito corrida, trabalhava até dez da noite e às vezes trabalhava aos finais de semana e não estava conseguindo ser mãe. Aí falei: “Não, não dá para fazer as duas coisas bem”, então deixei a publicidade e fui ser mãe, tirei um sabático, falei: “Agora vou parar porque eu preciso parar”. E aí fiquei, tirei três meses, porque só sabia fazer aquilo, me formei publicitária, era de comunicação, tinha uma carreira que era uma carreira que estava em ascensão, mas resolvi, por uma questão pessoal parar, não queria mais aquilo. E
pensei: “Bom, agora vou fazer o quê?”. E foi interessante nisso porque criei um vínculo com a Nestlé e com o programa, pois ao mesmo tempo em que eu fui ser mãe, nunca perdi essa conexão, então conversava com as pessoas, queria saber como estava indo o programa, nunca perdi essa relação. E quando eu estava voltando para o mercado publicitário, para o mercado de trabalho, porque também não nasci para ficar em casa, falei: “Deu”, acho que foi ótimo, cuidei das meninas e tudo mais, mas já estava na hora de voltar. E aí a Nestlé me convidou para fazer um projeto, que foi essa área de assuntos corporativos, essa equipe com quem eu me relacionava como agência, e vim e estou aqui até hoje, desde outubro de 2005.
P/1 – Como é que foi ver o programa depois de não estar mais nessa agência?
R – Ah, foi muito bom, tenho muito carinho pelo programa, por essa história toda. Acho que para trabalhar nessa área você tem que ter um pouco de crença individual. O que acontece é que o mundo mudou, e essa área também. Então hoje tem muita gente com outros perfis profissionais ingressando para essa área porque tem toda a questão da sustentabilidade, da responsabilidade social e do valor que isso tem para as marcas. Então o mercado também evoluiu nesse sentido, de também trazer profissionais com outros perfis, mas tenho uma opinião, que fica melhor quando você tem uma conexão individual com essas coisas, sabe? E foi, assim que voltei, por isso que os meus momentos com o programa são muito diferentes, porque em 99 eu ajudei a construir essa mobilização interna, mas estava do outro lado, e depois vim trabalhar na Nestlé. Fui para a área de assuntos corporativos, mas não trabalhei com o programa, trabalhava na área de comunicação com projetos, era uma área institucional, aonde a minha relação com o programa e a minha relação com a pessoa que cuidava do programa era que, naquela época, o Nutrir começou a ter valor do ponto de vista institucional. Então tinha um movimento da responsabilidade social se organizar, e neste contexto já não ficava tão feio, quando as empresas contavam o que elas faziam nessa área e [isso] não era visto como oportunismo, porque quando comecei a cuidar do Nutrir em 99 era uma coisa meio feia, os consumidores falavam: “Ah, isso é marketing, imagina, fala que ajuda porque, isso é marketing”. E aí chegou um momento, um pouco já nesse movimento de quando vim trabalhar aqui na Nestlé, que o consumidor, já queria saber porque disso, [pois] já tinha um valor para as marcas, para dizer: “Escuta, o que você faz na área de responsabilidade social?”. E aí a Nestlé, tinha sido muito feliz na construção dessa história porque, tinha um programa que se conectava com sua natureza, então era de verdade, não era assim: “Ah, eu tenho um programa na área de”, sei lá, deixa eu pensar numa causa, fala uma causa (risos).
P/1 – Contra a fome.
R – Não, [pois] a fome está ligada, não é?
P/2 – Habitação, por exemplo.
R – É, de habitação, mas não conversa com a natureza daquilo que eu faço, então não, tínhamos um programa na área de alimentação, era um programa que trabalhava a educação para a alimentação, não é? Porque quando o Nutrir nasceu com a vocação de combater a desnutrição, era um olhar para a pobreza, e lembro que naquela época olhávamos e dizíamos: “Tem a questão da desnutrição por um problema social”, então é a pessoa que não tem dinheiro, não tem recurso para comprar o alimento. Então tínhamos muito, se você olhar na história do programa, tinha muito a questão do aproveitamento máximo dos alimentos, porque ensinávamos uma comunidade ou uma família que não tinha recurso para se alimentar o máximo que ela poderia aproveitar os alimentos com o poder nutricional. Então, se você vai comprar uma fruta, não joga a casca fora, essa casca pode te alimentar do ponto de vista de saciedade, porque você pode bater um suco com água, e tem poder nutricional. Passávamos muito essa questão do melhor aproveitamento dos alimentos porque tinha essa questão de combater a desnutrição, era um problema social e era um jeito de ensinarmos as pessoas a aproveitar o máximo que elas poderiam do alimento. E tinha também, naquela época, uma questão de desnutrição, mas do ponto de vista da falta de informação de como se alimentar, porque a pessoa, que comia mal, claro, tinha o problema social de não ter o recurso para comprar o alimento, mas também havia o problema de que ela se alimentava de maneira errada. Então o Nutrir, naquela altura, tinha esse foco de promover a informação e a educação para a boa alimentação, tanto para combater a desnutrição, porque a curva da desnutrição era maior do que a curva do sobrepeso. O que aconteceu foi que ao longo dos anos, diminuiu-se a curva da desnutrição, com a melhora da economia, as pessoas têm mais dinheiro para comprar comida, mas ainda o problema da informação e do conhecimento continua. Porque quando melhora a economia e as famílias melhoram o acesso ao alimento, também tem toda a questão de se alimentar de maneira errada. Então esbarramos na mesma questão do poder da informação de transformar o hábito alimentar, no caso para obesidade. Então é isso, o programa evolui. Deixou de ser um programa de combate à desnutrição para ser um programa de combate à desnutrição e obesidade, e
à medida que as curvas invertem, o foco da obesidade ganha mais força.
P/1 – Você lembra como foi esse momento? Era em 2005?
R – Não, foi um pouco depois, porque em 2006 ou 2007, começa a discussão do problema da obesidade no mundo e aí o Nutrir, o Brasil era um país muito estruturado nesse sentido, porque o Nutrir nasceu em 99. Tínhamos muita história, tínhamos evoluído nesse sentido, e aí quando começa essa discussão da obesidade no mundo os mercados da Nestlé, e a Nestlé como um grupo, não começa a olhar para isso, porque havia vários mercados que tinham iniciativas parecidas com o Nutrir, que também tinham desenvolvido programas para olhar para essa questão da alimentação. Mas aí a Nestlé como grupo tem esse pensamento, esse olhar para a questão da desnutrição e em 2008 ela lança um programa global de combate à obesidade.
P/1 – Você lembra se eles chegavam a ver isso na realidade mesmo, nas comunidades em que faziam parceria? Apesar de ser um problema mundial, e micro também, aqui próximo à sede eles chegavam a ver crianças mais obesas?
R – Quem, a Nestlé? Sim, claro.
P/1 – Os voluntários comentavam?
R – Trabalhávamos muito no começo essa questão do voluntariado com as crianças e com as mães. E depois ampliamos essa questão da educação para um número maior de crianças, que aí é quando entramos em escola pública. E aí temos na escola um parceiro para nos ajudar a disseminar esses conceitos, ainda com o foco na educação. Só que quando ele vira um programa global, em 2008, com o foco em combater a obesidade e atividade física, porque também a atividade física está na essência do programa. Talvez lá em 99 não falássemos em atividade física com esse termo de atividade física, mas se você for olhar, quer dizer, na essência do programa tem o brincar, o se mexer, o se movimentar, que é uma maneira de promover a atividade física, não? Em 99 não tinha toda a discussão da criança que não se movimenta, então falávamos que um dos aliados para promover a boa alimentação era a brincadeira, falávamos de educação alimentar e de hábitos alimentares por meio da brincadeira. Então isso sempre existiu na essência do programa, e em 2008, quando ele vira um programa global, porque aí a matriz lança um programa global, começamos a olhar um pouco mais na ponta. Tínhamos um trabalho de educação e de prevenção, que era a disseminação desses conceitos por meio dos educadores das escolas públicas. Então esses educadores eram os nossos aliados para disseminar esses conceitos de maneira transversal, através da Matemática, Português, Ciências. O professor decidia como trataria essa questão da alimentação. Mas aí evoluímos, o programa foi evoluindo sem perder a essência, para um olhar mais [crítico] de entender que impacto estávamos causando na vida dessas crianças. Então olhar mais para o impacto na vida dessas crianças, não conseguíamos fazer isso numa escala muito grande, porque estávamos na escola, então cem mil crianças, 200 mil crianças, trabalhando na educação. Mas desenvolvemos uma parceria com o Instituto Fernanda Keller, que foi um instituto, que em 2007 a Nestlé abriu um edital. Tínhamos um recurso de 700 mil reais e nós escolhemos dez projetos que iriam receber 70 mil reais. Eram projetos que, de um concurso que abrimos para escolher iniciativas que promovessem a alimentação e a atividade física. E aí um dos projetos que, um desses dez projetos que ganhou, foi o projeto do Instituto Fernanda Keller. A Fernanda é uma triatleta, e tem uma organização que promove a atividade física e que promove a, boa alimentação. E aí fizemos a parceria com a Fernanda e trabalhamos um pouco com esse olhar de medir o impacto das crianças, então um trabalho de medir e pesar. As crianças que estavam fora da curva, acompanhamos com nutricionista, com assistente social, com a própria organização da Fernanda. E começamos a criar este modelo de parceria com organização onde conseguimos ter uma interferência um pouco mais qualificada, na vida dessas crianças.
P/1 – E mais abrangente também.
R – Mais abrangente. O que acontece é que o Nutrir evolui porque ele não é uma coisa que sobrepõe a outra, é apenas a evolução de seu próprio modelo. Então continuamos com este modelo de disseminação em escola pública, tratando da questão da educação, para a criança não chegar a um quadro de sobrepeso e obesidade. E com esse modelo de parceria com ONGs, a fim de olharmos um pouco as crianças que já estão fora da curva, e de como poderíamos promover uma educação para o desenvolvimento de bons hábitos alimentares.
P/1 – Queria que você retomasse um pouquinho, não sei se você lembra, mas por que as escolas? E você falou sobra as disciplinas também, cada um falava da educação, era esse foco o no primeiro momento, eram as disciplinas, e cada um falar um pouco sobre educação?
R – Na verdade é assim, por que a escola? Porque a educação é a ferramenta para transformarmos, então quando começamos com o programa, começamos com o trabalho voluntário, porque ele nasceu junto com os colaboradores, e íamos para algumas comunidades levar os conceitos do Nutrir. Quando entendemos que tínhamos o papel de transformar uma sociedade, uma comunidade, falamos: “Puxa, precisamos fazer isso de um jeito que tenha impacto de fato”. Então a educação está na essência do programa e a educação é um de seus aliados, então vamos para a escola. E você tem que construir junto com a escola, tem que construir junto com a Secretaria de Educação. Então como estratégia, fomos primeiro, aos os lugares onde operávamos como empresa, porque é mais fácil de estabelecer um diálogo com a comunidade. Então íamos onde tínhamos fábrica, em Araras, em Caçapava, em Marília, porque para conversar com essas comunidade era mais fácil, estávamos lá localmente. E aí dizíamos para a escola: “Olha, nós temos uma proposta, de levar a educação alimentar e nutricional”, mas sem impor nenhum modelo, pois temos a essência do programa, que é promover a educação alimentar e nutricional, mas como a escola poderia promover isso? Então dávamos material, instrumentalizávamos, capacitávamos, então o modelo era por meio de capacitação, fazíamos alguns módulos de capacitação, participavam a secretaria, o diretor da escola e [os docentes] das disciplinas definidas. Às vezes recebiam a capacitação, e dizíamos que era um modelo train the trainer, você os treina para que eles possam replicar o conhecimento adquirido dentro da escola, e a escola aplicava, dávamos os conceitos, os programas, e a escola aplicava dentro de sua realidade, dentro de seus recursos. E como é que acompanhávamos esse resultado? No fim do ano fazíamos um prêmio para que as escolas pudessem nos contar como elas adotaram todos aqueles conceitos e as táticas. Começamos fazendo isso nas cidades onde a Nestlé operava e depois a expandimos para outros mercados.
P/1 – Que é o Prêmio Nutrir?
R – Que é o Prêmio Nutrir, o Prêmio Nutrir ainda faz parte do programa. E é isso, o Nutrir está com 15 anos, mas seus os desafios estão aí, para evoluirmos e melhorarmos. Construímos junto, construímos junto com a Secretaria de Educação dos municípios, com as organizações que são parceiras nossas e com a comunidade. Temos a essência e o modelo, mas você tem que fazer junto, não dá para você impor: “Ó, é assim o modelo”, porque cada comunidade, cada escola, cada grupo tem uma realidade.
P/1 – E as ONGs, quando que elas aparecem, quando que viram foco na discussão?
R – Em 2008, que é quando vira global. Fazemos esse trabalho com o Instituto Fernanda Keller, que serve um pouco como piloto para nós nesse trabalho mais qualificado, não é qualificado, é porque parece que um é melhor do que o outro, não é isso, são modelos diferentes. Um é uma educação que você trabalha para educar, para a formação de hábitos, e o outro você mede, você faz um acompanhamento antropométrico e aí encontra crianças que já estão fora da curva. Então a ideia é promovermos essa mudança, promovermos essa curva, promovermos a mudança dos hábitos alimentares. E trabalhamos a força da organização, então fizemos um piloto com a Fernanda Keller para testar o modelo, para poder expandi-lo, o modelo foi super bem e ampliamos para outras organizações. Hoje temos a Casa do Zezinho como parceira, a Fernanda Keller ainda é nossa parceira e o Instituto Bola para Frente, que é parceiro também desde 2005. Também evoluímos no modelo de parceria, tínhamos outro tipo de parceria com o Bola, depois evoluímos nesse modelo de fazer um acompanhamento das crianças, e [por fim] o Bairro da Juventude, que também é um parceiro de Santa Catarina.
P/1 – São esses atualmente?
R – São.
P/1 – Quais são os desafios atuais? O projeto muda tanto, ele se expande, quais são os maiores desafios hoje?
R – Eu acho que o desafio do Nutrir é manter essa constante inovação, porque os desafios estão aí, os desafios da alimentação [sobretudo]. Tem uma questão de promover a atividade física, porque a tecnologia trouxe um pouco as crianças para o sedentarismo. Precisamos continuar evoluindo no modelo sem perder a essência do programa, trazendo mais resultados, e trabalhando em seu monitoramento. Esse é um desafio que precisamos manter, além de continuar inovando. Acho que o maior desafio é esse, continuar inovando e continuar transformando.
P/1 – Existe um programa, como é que vocês se atualizam?
R – Temos as diretrizes, ele é um programa global, temos documentos formais que dão diretrizes, porque o mundo inteiro tem que ter a mesma essência, o mesmo olhar, e a mesma diretriz. E aí os desafios são compartilhados, tem uma questão que é global, tem uma questão da alimentação, do quadro de obesidade. E claro que o desafio do Brasil é diferente do desafio dos Estados Unidos, que é diferente da Europa, então apesar de termos uma diretriz global, temos os desafios locais. Então nos planejamos, sabemos para onde vamos, e quais serão os desafios para os próximos três anos, é tudo muito planejado. Discutindo aqui dentro, discutindo com a Suíça, discutindo com os parceiros, discutindo com a comunidade, se planejando e discutindo, é uma questão corporativa, que é tratada como todos os assuntos da companhia. A Nestlé tem um conceito de responsabilidade social que se chama Criação de Valor Compartilhado, e a base disso é a de que não dá mais para se pensar só no lucro financeiro. A nossa contribuição [não] é: “Eu sou uma empresa que vai vender para gerar lucro”, cada vez mais olhamos a nossa participação como uma empresa que é responsável pelo desenvolvimento dos lugares e dos países e das cidades onde atuamos, com todo mundo que faz parte da nossa cadeia produtiva. Então, como uma indústria de alimentação, como é que ela olha para a questão da melhoria dos hábitos alimentares das crianças? Por meio da educação. A Nestlé é uma empresa de nutrição, saúde e bem estar, então como é que eu contribuo para que de fato eu seja uma empresa de nutrição, saúde e bem estar? Então passa por essa questão da educação para boa alimentação e da atividade física, queremos olhar a criança para dizer como é que eu impacto positivamente a vida dessas crianças? Levando educação alimentar, discutindo alimentação, trazendo as famílias para discutir, falando de aproveitamento integral de alimentos, falando das cascas, sabe? O nutrir também atua em um papel de conscientização das merendeiras que atuam nas escolas. Por quê? Por que a merendeira é, a importante formadora de opinião dos hábitos alimentares das crianças porque ela está na ponta. Quando a criança não quer comer ou se a criança acha que: “Ai, verdura”, é ela que ajuda, é que convence, é que apresenta o prato, é ela que a criança ouve. Então falamos: “Poxa, essa pessoa é muito importante como aliada, como nossa aliada”, ela é formadora, ajuda na formação dos hábitos alimentares dessas crianças. Então o Nutrir tem um módulo de capacitação só para merendeiras, conversamos com elas, as fazemos enxergar, porque às vezes elas não se dão conta disso no dia-a-dia. Porque às vezes cozinham para um monte de crianças, [e isso se torna] uma coisa meio automática, então falamos: “Olha como você é importante para construir e para ajudar na formação dos hábitos alimentares dessas crianças.” E aí é legal porque temos tido bons resultados. Quando elas realmente se dão conta disso, as valorizamos e as instrumentalizamos, então tem muita gente importante nesse processo. A Nestlé faz um pouco isso, conecta esses agentes, discute, constrói junto, assim, não tem, por isso que não dá para chegar com um modelo e falar: “Olha, é isso”, tem que fazer junto, tem que construir junto, tem que fazer, tem que discutir, tem que, tem os desafios constantes.
P/1 – Foi bom que você deixou claro que [o Programa] é tratado com tanta responsabilidade como qualquer área dentro da empresa, então isso não tem como não dar resultado, se você tratar a área de vendas com a mesma responsabilidade e respeito como a responsabilidade social tem resultado. Desses resultados, tem uma linha de pesquisa que vocês fazem, planilhas, como é que vocês sistematizam?
R – Tudo tem planilha, tem resultado, temos meta para cumprir e isso que é legal. O que mudou de 99 para cá, até a maneira como veem esse assunto da responsabilidade social, que não é mais filantrópico, não é mais: “Eu vai ajudar, aí, o coitadinho”, não. É a questão do valor da contribuição da Nestlé para sociedade, então eu não ajudo mais porque: “Ai, coitado”, não, é a minha responsabilidade para educar, é a minha responsabilidade na formação de hábitos. Então quando falamos, olhamos isso, porque o lucro por si só não é mais importante, eu tenho sim uma responsabilidade na educação e na formação de hábitos das crianças do Brasil, isso é tratado com a mesma seriedade que eu trato uma unidade de negócio porque é a minha responsabilidade. Eu tenho mecanismos, tenho ferramentas, tenho uma equipe.
P/1 – Tem os consumidores também, que vão criticar, que vão poder ler, que vão poder falar: “Ah, não, a Nestlé, não tá legal”, é um ciclo, não?
R – Claro, claro.
P/1 – Mas como é que vocês sistematizam isso, essa pesquisa mesmo, esses números, que é difícil, não, o resultado?
R – Então, temos um trabalho de planejamento naquele ano aonde vamos atuar, então faço um acordo com uma secretaria, vou usar o exemplo de São Paulo, que estamos construindo esse ano, na verdade estamos na rede de São Paulo há dois anos, esse ano é o terceiro. Então sentamos com a equipe da secretaria, definimos a nossa meta de trabalho para o ano baseado num orçamento que a minha área tem, então quanto eu vou precisar de recurso financeiro, de gente. Construímos juntos. Bom, esse ano tenho capacidade de trabalhar com esta rede deste tamanho, com essa equipe, fazemos um planejamento ao longo do ano baseado num plano de médio prazo que tenho com a companhia, porque sei para onde quero ir, que resultado quero atingir nesse tempo, quais instrumentos vou usar para atingir esses resultados, o que eu vou precisar. Então baseado nesse planejamento de longo prazo estabelecemos os planos anuais. Sento com os parceiros que preciso para realizar isso, defino as metas, defino o orçamento, defino a equipe e aí seguimos. E no fim do ano sou cobrada, como área, tenho que ter ferramenta de avaliação, tenho que ter ferramenta de monitoramento para demonstrar como impactei aquilo que planejei impactar, e como que transformei aquilo que planejei transformar.
P/1 – É um plano nacional?
R – É um plano nacional.
P/1 – Um plano de todas as fábricas, todos os programas?
R – É, temos a gestão que é feita pela nossa área e como área corporativa, mas quando a planejamos, planejamos [nível] Brasil, então, ele está ligado a essas metas de longo prazo. O meu departamento tem um papel como departamento dentro de uma área, que tem um papel dentro do mercado, entendeu? Então a Nestlé Brasil tem um objetivo que a minha área contribui de algum jeito, então ele vai como área, como departamento, como área e como mercado, isso tudo é conectado, é super planejado. Todo mundo sabe o que queremos e planejamos, aí acompanhamos e toda a equipe fica alinhada para atingirmos aquele resultado.
P/1 – Qual que é o resultado desse programa, desses 15 anos, para o Brasil?
R – Temos um resultado de um milhão e 900 mil crianças no total desses 15 anos, o desafio é continuar, temos uma meta a cumprir até 2016, que é ampliar esse número para três milhões de crianças no Brasil, com monitoramento e com avaliação. São quase 17 mil professores e seis mil escolas, então as metas estão traçadas para o crescimento do programa, temos alguns desafios internos para continuar evoluindo, para continuar inovando, para continuar mostrando. O Nutrir é um bom exemplo, estruturado, sólido, não é uma coisa do movimento da responsabilidade social porque tem 15 anos, não é um marketing de responsabilidade social, é uma história que a companhia tem com o povo brasileiro. E o Nutrir é um dos bons exemplos que temos de que é possível você estabelecer esse relacionamento para além do lucro. A nossa contribuição de responsabilidade mesmo
não é só vender produto, não é só ganhar dinheiro e gerar dinheiro para os acionistas. Temos uma coisa que é maior do que isso e que acho que o consumidor também está olhando um pouco para isso, sabe: “Tá bom, o que você está fazendo para melhorar o mundo?” e não é melhorar o mundo numa coisa filantrópica. Acho que tem um movimento legal acontecendo no mercado, que o consumidor está olhando mais para isso, que está todo mundo mais atento a essas questões, é isso.
P/1 – E você, Monica, tem algum sonho nessas escolhas todas que você fez?
R – Um monte de sonho, graças a Deus, (risos). Somos movidos a sonhos, às vezes até o desafio é aterrissar, porque, como disse, tem meta, tem planejamento, tenho que dar resultado, e às vezes vamos muito no sonho. Eu acho que o sonho ajuda, para mim é base, tem que sonhar porque senão fica chato, mas de vez em quando tem que aterrissar. O desafio é falar: “Bom, tem que entregar, não viaja tanto, volta porque tem planejamento, tem resultado”, tenho um monte de sonho, graças a Deus.
P/1 – Monica, obrigada pela sua entrevista.
R – Obrigada você.
P/1 – Obrigada por você ter vindo aqui, dar esse tempo, que foi tão importante para o programa.
R – Obrigada a vocês todos.Recolher