ANGELO BRÁS FERNANDES CALLOU
MEMORIAL
Memorial apresentado ao Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco para concurso público de Professor Titular em Extensão Rural e Educação Agrícola.
Recife
2005
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ANGELO BRÁS FERNANDES CALLOU
MEMORIAL
Memorial apresentado ao Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco para concurso público de Professor Titular em Extensão Rural e Educação Agrícola.
Recife
2005
À Vicenta Castro Macias
(in memoriam)
MEMORIAL COMO TRAMA
Este memorial foi escrito como se tece uma trama. Espécie de narrativa de eventos que se entrecruzam na urdidura do tempo. Não no sentido das narrativas históricas tradicionais, “factuais”, comentadas por Ciro Flamarion Cardoso e Héctor Pérez Brignoli. Nelas os fatos abordados eram vistos a priori como possuidores de uma existência nos documentos. E ao pesquisador caberia, então, reunir esses fatos e narrá-los numa ordem linear, sem opção de escolhas entre um fato e outro.[1] Essas narrativas em geral se ocupavam da “história-tratados-e-batalhas”.
A presente narrativa vai numa direção contrária: estabeleço opções entre os produtos acadêmicos públicos existentes no meu curriculum vitae e os comento instituindo significados de base privada e sociocultural. Assim, ela será reconhecida no campo da história não-factual.
Sou um engenheiro de pesca que, a certa altura da carreira, transgrediu o terreno da profissão e foi municiar-se na historiografia francesa dos Annales para pensar as Ciências Agrárias na sua dimensão humana. Nessa incursão, entrei em contato com os escritos epistemológicos de Paul Veyne, especialmente Como se Escreve a História. Com esse autor aprendi que os acontecimentos históricos não têm uma existência a priori e que eles podem ser singularizados pela tarefa narrativa do pesquisador, “pois o fato nada é sem sua trama”, afirma Veyne.[2] Ou seja, “Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que o tecido da história é o que chamaremos da trama, de uma mistura muito humana e muito pouco ´científica` de causas materiais, de fins e de acasos; de uma fatia de vida que o historiador isolou segundo sua conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua importância relativa.”[3]
Meu memorial se ancora, portanto, nessa visão paulveniana, pois quer se aproximar muito mais da singularidade do acontecimento através da trama – pelo menos enquanto metáfora – do que do gênero biográfico ou autobiográfico: “a história é filha da memória”, diz Paul Veyne,[4] enquanto a autobiografia, pontua Pierre Bourdieu, é um gênero “ao mesmo tempo, convencional e ilusório”.[5]
Sigo ainda com Veyne para aludir que uma trama se organiza a partir de itinerários escolhidos livremente pelo pesquisador, os quais irão configurar o “campo factual”, a trama.[6] Isto significa dizer que várias tramas podem ser constituídas sobre um mesmo “fato”, na medida em que optarmos por itinerários distintos daqueles anteriormente escolhidos. Desse modo, vê-se formada uma nova trama. Portanto, são tantas as versões a se atribuir a um acontecimento, tantas as tramas possíveis de serem tecidas, que dificilmente teríamos um fato histórico com uma só feição. Assim, toda trama é um “dizer verdadeiro”, afirma Paul Veyne. Mas nenhuma delas pode arvorar-se, segundo ele, à Verdade enquanto totalidade.[7]
Não foi aleatória, evidentemente, a escolha do conceito de trama e seus itinerários-caminhos para montar este memorial. Ao abrir meus “arquivos acadêmicos” – antigas pastas “congeladas” nas últimas prateleiras de uma estante –, acionei, em sentido inverso, a esteira rolante do tempo. Foi como se entrássemos na casa dos nossos pais ou avós e abríssemos uma velha caixa com antigas fotografias, cartas, pequenos objetos e, através desses documentos-lembranças, re-visitássemos sentimentos, situações, pessoas, “lugares passados”, numa atitude de delicadeza ou indiferença, mas também de vertigem e estranhamento, dadas as idas e vindas incessantes de temporalidades. Metáfora que sempre visualizo nos filmes de Luchino Visconti, desde que descobri que o congelamento das imagens pelo movimento preguiçoso da sua câmara me revelava certos detalhes cênicos de rara beleza estética. Visconti passou a ser para mim um detalhista aficionado e genial. A possibilidade de montar um memorial acadêmico com peças garimpadas nos meus arquivos pessoais sem destituí-las – no processo de remembramento – dos sentimentos experimentados e de suas “raízes” socioculturais, eis por que me ancorei nesse porto paulveniano.
Assim, construí, inicialmente, uma espécie de urdidura, cujos fios alinhados paralelamente no tear representam os itinerários escolhidos. Base a partir da qual teço o Memorial, a trama. São linhas que dizem respeito, principalmente, a observações/impressões/curiosidades pessoais sobre as experiências vividas na infância, no interior e na família; aos amigos, à formação primária, secundária e superior (hoje diríamos ensino fundamental, médio e superior); aos colegas, aos professores, às primeiras decisões acadêmicas; à vida sociocultural e política circundante e acessível: o movimento estudantil, a literatura, as artes. Ou seja, itinerários-fios de uma urdidura que se revelaram peremptórios no meu ofício de professor de carreira no campo da Extensão Rural. E que hoje, tenho plena consciência desse processo, vêm reverberando e se reproduzindo ao correr dos anos.
Sei, entretanto, o quanto é arriscado – dada à possibilidade de suscitar desconforto ao leitor e a mim próprio – trilhar um caminho em que vida pessoal e pública se entrecruzam. Mas que tipo de compreensão poderia se ter, do ponto de vista de um memorial, se um “fato acadêmico” – uma tese de doutorado, por exemplo – se limitasse a comentar a pesquisa em si mesma destituindo-a do seu “significado histórico”: as leituras paralelas, o ato da escritura, a importância dos colegas e dos professores, a situação sociocultural existente e vivida etc.? Compreender, diz Pierre Bourdieu, “é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez.”[8]
Assim, ao transpassar pela urdidura os produtos acadêmicos que criei ao longo da minha vida universitária, fiz questão de não perder de vista, aqui e acolá, com maior ou menor ênfase, os cenários onde esses produtos foram erigidos. Portanto, tais produtos terão texturas, espessuras e relevos diferenciados na construção do Memorial. Esse movimento obedecerá, na medida do possível, a uma ordem cronológica. Entretanto, cabe lembrar com Paul Veyne, que uma trama “não se organiza, necessariamente, em uma seqüência cronológica: como um drama interior, ela pode passar de um plano para outro. (...) A trama pode se apresentar como um corte transversal dos diferentes ritmos temporais...”[9] Nesse sentido, ao comentar um produto acadêmico passado ou recém-construído, ou, ainda, em processo de construção, transito de um espaço temporal a outro porque me é impossível empreender a leitura do passado sem os ditames do presente e vice-versa.
Ao desenvolver o tecido deste memorial, devo confessar que fiz questão de aludir, até aonde a memória me acompanhou ao longo deste texto, a todas as pessoas que o acaso da vida colocou em meu caminho acadêmico. Minha homenagem e gratidão a todas elas.
A URDIDURA
Daquilo que há de mais longínquo na memória, lembro-me, com dez ou onze anos de idade, entrando sozinho, por iniciativa própria, para “pesquisar”, sabe-se lá o quê, na Biblioteca Pública de Pesqueira. Cidade onde nasci, em 1954, e vivi até os doze anos de idade. Sempre tive verdadeiro fascínio por livros e bibliotecas. Na escola pública onde fiz o curso primário (Grupo Escolar José de Almeida Maciel, hoje Escola Cacilda Almeida), biblioteca era uma palavra que eu nunca ouvira falar. Em casa, ao contrário, eram as leituras realizadas pela minha mãe – Nair Fernandes –, em voz alta, para as crianças. Era o gabinete de meu pai – Pedro Callou –, com seus livros de Direito, e um armário com livros da minha avó, Vicenta Castro Macias, espanhola semi-alfabetizada, que sempre conviveu conosco e cultivava o gosto pela leitura, pela música e pelo cinema. Foi um privilégio estar com ela durante 25 anos: com seus escritores preferidos – Max du Veuzit, Magali, M. Delly, Victor Hugo, José de Alencar (cujos livros ela mesma restaurava/encadernava, aptidão adquirida depois dos 70 anos de idade) –, com suas músicas espanholas e mexicanas; com sua culinária marinha; com seu “portunhol” às avessas.
Menino do interior
Cresci nesse ambiente, quando nos anos 60, após o golpe militar, chegavam em profusão à cidade notícias de passeatas de estudantes nas ruas do Recife. Era a minha mais nova curiosidade. Depois de ter assistido, ainda criança, levado pela mão de meu pai, a um comício de Jânio Quadros e “seguido” a campanha eleitoral de Miguel Arraes para governador (a campanha, em Pesqueira, lembro-me perfeitamente, se revelava mais contra que a favor do candidato), as passeatas eram o novo cenário a ser “investigado”. Não tenho muita clareza por que esse assunto me arrebatava (talvez pela ênfase com que o fato era narrado).
Não vacilei, em nenhum momento, quando por volta de 1967/68, já morando no Recife, fui testemunhar sozinho, na Rua Nova, aos quatorze ou quinze anos de idade, a uma dessas passeatas, talvez uma das últimas do período. Subi num daqueles edifícios antigos e pude observar, de ângulo privilegiado, toda uma movimentação em corre-corre de estudantes, transeuntes e policiais a cavalo. A reprimenda do meu pai a essa iniciativa foi ínfima diante daquela situação tão tensa que jamais observara em toda a minha vida.
Não tenho como deixar de mencionar ainda uma série de outros acontecimentos que marcaram minha vida pessoal no interior e que, de modo involuntário, se mobilizariam na definição da minha futura vida profissional. São as feiras livres da infância. Os fundos da nossa casa davam para a feira principal da Cidade. Ricas em aromas agradáveis das frutas maduras sob o sol escaldante do Agreste e das feijoadas e dos sarapatéis, entre outras comidas regionais, feitas debaixo de toldos, que nos abriam o apetite. Feiras de cantadores e violeiros. Do entra-e-sai das gentes do campo na casa vizinha à nossa. Mesmo em casa, muitas delas vinham se aconselhar com meu pai, então promotor público daquela comarca: quanto pedaço de conversa ouvi sobre questões ligadas à posse da terra!
Que dizer das narrativas das jovens mulheres vindas da roça para trabalhar na nossa casa? Quantas histórias fascinantes eram descritas e que contrastes faziam com a vida dos industriais do doce e do tomate, economia principal do Município naquela época! Das manadas de bois que cruzavam as ruas sob o aboio dos vaqueiros e o comércio fechava. Dos artistas de circo que chegavam à cidade e evoluíam em demonstrações circenses pelas ruas, verdadeiras estratégias de comunicação, bem-sucedidas, que mobilizavam crianças e adultos. Das procissões, seus cânticos, seus andores, suas velas acesas, cujo rito Gilberto Gil descreve tão bem na canção Procissão (1964/65). Da banda de pífanos que visitava casa a casa da Rua Barão de Vila Bela, nas noites de inverno, a pedir algum dinheiro para a Santa da novena. Das festas de rua nas comemorações da Santa Padroeira da cidade – Santa Águeda; e profanas – as quermesses. As festas de São João e Natal, os pastoris, os carnavais. Toda essa riqueza cultural popular acessível a poucos passos, e por isso vivida intensamente (diferentemente, talvez, das pessoas que nasceram e cresceram na capital), se misturava a uma cultura diversificada no seio familiar: de um pai sertanejo, do meio rural; de uma mãe baiana, de Salvador, e de uma avó espanhola, da Galícia. Meus irmãos, Sônia, Antônio Carlos, Múcio e Consuelo, todos pesqueirenses.
O aprendizado na capital
No Recife, ficou pra trás a Serra do Ororubá. O que se descortinava era o mar, a praia. Sem vínculos familiares em Pesqueira, meu pai, então promotor público em Caruaru, sem qualquer pretensão de viver na capital – vinha ao Recife apenas nos finais de semana. Sempre foi um “homem do interior”. Só veio radicar-se no Recife ao assumir o cargo de Procurador de Justiça, falecendo meses depois. Sem propriedade no campo, fazenda, nem mesmo uma casa, ou qualquer outra forma de ligação, a memória passou a ser o meu maior vínculo com o interior. A minha maior e melhor herança.
Minha vida na capital transcorreu de forma bastante distinta daquela vivida em Pesqueira. Do curso ginasial ao vestibular (1966-1974), tudo parecia acontecer fora da escola. Tenho um sentimento de que uma parte da minha geração foi formada fora da escola, pelo menos aquelas pessoas consideradas mais abertas às diferenças do mundo. Não fossem as aulas de geografia e de francês, e campeonatos de tênis de mesa de que participava nos jogos estudantis, nada teria a dizer de interessante sobre o Colégio Salesiano, onde passei boa parte da minha vida escolar. Dentro do Colégio: hasteamento da bandeira, hinos, orações, missas, aulas inexpressivas. Fora do Colégio: a ditadura militar, os movimentos Tropicalista e Jovem Guarda, os Beatles, os Rolling Stones, Chico Buarque, Os Mutantes, Luis Gonzaga (como o ouvíamos aquela época!), O Pasquim, os Festivais de Música da TV Record, o movimento hippie, os filmes de Ingmar Bergman e Glauber Rocha.
Nos anos 70, apesar da ditadura militar e da censura, a indústria cultural no Brasil começava a se expandir facilitando o acesso aos bens culturais brasileiros e estrangeiros. Tive a oportunidade de acompanhar, no Recife, um pouco do que acontecia na vida cultural brasileira da época, particularmente através da música e do cinema. Se a escola não nos possibilitava o acesso à informação no campo cultural, esse acesso se dava por outras vias. Principalmente pelos amigos (em geral mais velhos do que eu) do bairro da Boa Vista, um dos antigos redutos da classe média recifense; do meu irmão Múcio, músico enfronhado na vida cultural da cidade desde o final dos anos 60; e pela televisão. É nesse período pré-universitário que passei a freqüentar as sessões de cinema de arte no Recife: no Cine Arte Palácio, na Rua da Palma e, posteriormente, no Cine Coliseu, no Bairro de Casa Amarela. Ambos hoje não mais existentes. Dos shows musicais valem registro o de Gal Costa, em Gal a Todo Vapor, no Geraldão (Ginásio Esportivo Geraldo Magalhães) – logo após o exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso –, e de Chico Buarque, no Teatro de Santa Isabel. Com Gal, a musa do tropicalismo, assumíamos a resistência do Movimento com a partida de Caetano e Gil para Londres. Com Chico, compartilhávamos as metalinguagens políticas através das letras das suas canções. Tive enorme satisfação em ler o livro de Caetano Veloso, Verdade Tropical, quando do seu lançamento em 1997. Muito me esclareceu desse período tão importante à minha formação cultural e política. Os anos seguintes prometiam ser ainda mais densos.
A vida de estudante universitário
Em meados dos anos 70, decidi prestar vestibular. Determinado em escolher uma profissão nova (não tinha muita consciência do que isso significava), vislumbrei no Curso de Engenharia de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco o espaço inovador que imaginava. Entretanto, acabrunhada pela ditadura militar, a UFRPE, foco importante do movimento estudantil até a instauração do AI-5, em 1968, tornou-se, talvez, mais do que as outras universidades da cidade, apática aos movimentos culturais da época. Por outro lado, a engenharia de pesca havia sido criada em pleno “milagre brasileiro” (1970), e tinha (de certa forma ainda tem) um viés marcadamente voltado para o desenvolvimento da pesca pela via da modernização tecnológica. Este aspecto passaria a ser motivo de reflexões pessoais, determinantes também na minha vida profissional.
Minha passagem pela UFRPE me traria grandes alegrias. Mas os primeiros anos foram marcados por certo desapontamento em torno dos conteúdos disciplinares apresentados, em geral centrados nas ciências ditas “duras”, sem qualquer vinculação com as ciências humanas ou sociais. Apenas duas ou três disciplinas tocariam, mais adiante, na temática social da pesca. Mesmo assim, de uma maneira um tanto ou quanto estereotipada, para não dizer preconceituosa, particularmente no que diz respeito aos pescadores artesanais. Esse desapontamento se aprofundava à medida que os anos avançavam e eu fazia mais incursões pela literatura e pela vida cultural do Recife. É nessa época que leio de tudo um pouco e aprendo e me interesso cada vez mais sobre a condição humana. Vou descobrindo, através dos autores, a vastidão de sentimentos experimentados pelo homem para impor ou para viver sua própria humanidade. Acompanho os personagens se debaterem entre o amor, a violência, o crime, o abandono, a alegria do sonho, tudo permeado pela dignidade, mas também pela mais ínfima mesquinhez. Entre outros leio: Dostoiévski – Crime e Castigo, Os Irmãos Karamázov, O Idiota, O Jogador, O Sósia; Franz Kafka – A Metamorfose, O Castelo; Nikos Kazantzakis – Zorba, O Grego; Gustave Flaubert – Madame Bovary; Hermann Hesse – Demian, O Lobo da Estepe; Nélson Rodrigues (praticamente toda a sua obra teatral); Jorge Amado – Seara Vermelha, Capitães de Areia, Gabriela, Cravo e Canela; Josué de Castro – Geografia da Fome; Eduardo Galeano – As Veias Abertas da América Latina. Assim, como no passado, continuava a desenvolver uma espécie de formação extramuros que não encontrava eco, até aquele momento, na Engenharia de Pesca. Esta, ainda cambaleante na construção da sua identidade curricular/profissional.
Desse momento, lembro-me das idas ao teatro: Viva o Cordão Encarnado (Luiz Marinho); Esta Noite, Improvisa-se (Luigi Pirandelo); Galileu Galilei (Berthold Brecht); Morte e Vida Severina (João Cabral de Melo Neto); Diário de um Louco (Nicolai Gógol), estas duas últimas encenadas por um dos mais importantes batalhadores pelo teatro pernambucano – Marcos Siqueira; Esperando Godot (Samuel Beckett), com a extraordinária atriz Laila Abramo (tantas vezes a encontrei, muitos anos depois, em São Paulo e, por timidez, freava minha vontade de cumprimentá-la); O Santo Inquérito (Dias Gomes), estrelada por Regina Duarte, cuja temática tensionou ainda mais a platéia dada a prisão, naquele dia, do líder estudantil Cajá. E a mais marcante de todas: Trata-me Leão, do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Tudo o que havia de irreverente, alternativo e inovador no teatro jovem brasileiro estava presente naquele trabalho espetacular da trupe de Regina Casé, Luis Fernando Guimarães, Patrícia Travassos, Evandro Mesquita, entre outros. Como a literatura, tirei enorme proveito desses espetáculos. Era outra maneira de ler a condição humana, agora com os personagens “vivos” à nossa frente. O teatro, como o cinema, nunca foi para mim uma forma de entretenimento. Embora nos divirtamos em muitos espetáculos. “A função do artista é violentar”, dizia Glauber Rocha. E eu sempre me deixei modificar por eles. Acho até que minha percepção do mundo e de mim mesmo foram se transformando através desse contato com os artistas em suas mais diferentes linguagens.
Engenharia de pesca na “Rural”
Em 1977, com a deflagração na UFRPE da primeira greve estudantil em Pernambuco, pós AI-5, eu iria vivenciar, nos anos seguintes, momentos mais determinantes para minha carreira de engenheiro de pesca, professor e pesquisador em Extensão Rural. Pela primeira vez, pude observar a vida lá fora repercutir concretamente no campus da Universidade, o que me levou a conhecer mais de perto as agruras e as possibilidades da vida universitária. Embalado pelas músicas de Geraldo Vandré, o movimento grevista, ao reivindicar cursos de verão (cursos em que os alunos podiam cumprir disciplinas nas férias), expôs a má qualidade do ensino ministrado e as formas de censura e, sobretudo, a perspectiva de (re)organização política dos estudantes. A resposta veio rápida: o campus fora ocupado pela polícia. E, durante meses, os estudantes dividiriam o pátio com policiais. O arrefecimento do movimento permanece, pelo menos, até 1978, quando os ventos da anistia começaram a soprar em todas as direções.
É nesse período que uma jornalista do Diario de Pernambuco chega ao campus da UFRPE com documento que recebera, sem assinatura; meus colegas atribuíram a mim a feitura desse texto, o que não é verdade, por sinal muito bem redigido, que denunciava graves problemas vivenciados pelos alunos do Curso de Engenharia de Pesca em termos de ensino e infraestrutura. A publicação da matéria na imprensa só seria possível se houvesse a anuência dos estudantes. Em reunião, da qual participei, decidimos pela sua divulgação, na medida em que ele refletia a realidade daquele momento, ainda que, é verdade, de uma maneira dura, pois expunha nomes de disciplinas. A repercussão foi tremenda. A partir de então, as discussões estudantis se ampliaram ao ponto de se criar duas chapas para concorrer à primeira gestão do Diretório Acadêmico do Curso de Engenharia de Pesca da UFRPE. Encabecei uma delas com Eduardo Jorge de Oliveira Motta, Sileno Luis de Alcantara, Antônio Carlos de Brito, entre outros, e ganhamos as eleições, em 1979 (Doc.01). Essa experiência à frente do Diretório Acadêmico me proporcionou um discernimento sem precedentes na minha vida pessoal: o cargo exigia iniciativas sobre uma diversidade de assuntos que iam desde falar para alunos em público, redigir notas, até organizar o I Encontro Nacional de Estudantes de Engenharia de Pesca (ENEEP), passando pela criação e divulgação do boletim Ressurgência que criamos, em 1979. Foi imorredouro esse período.
A temática da regulamentação da profissão de Engenheiro de Pesca e do seu campo de atuação era cada vez mais recorrente entre os estudantes e profissionais dentro da Universidade, nos últimos semestres de faculdade. Aspecto compreensível, pois se tratava de uma profissão jovem nas Ciências Agrárias e nas engenharias. Em termos de mercado de trabalho, a Extensão Pesqueira era a área de conhecimento que mais absorvia os engenheiros de pesca desde 1974. Ano em que foram formados os primeiros profissionais. Isto se devia principalmente à criação, naquela mesma época, do Plano de Assistência à Pesca Artesanal (PESCART), que buscava “redimir”, em bases extensionistas, o insucesso da política dos incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), para o crescimento industrial do setor pesqueiro no Sudeste-Sul, entre 1969-73. Em meio a esses acontecimentos, formei-me em 1º de agosto de 1980.
Fato é que os engenheiros extensionistas de pesca não tinham, paradoxalmente, formação específica para atuar nessa área, uma vez que a disciplina Extensão Pesqueira não fazia parte da grade curricular do Curso de Engenharia de Pesca. Isto só irá acontecer em meados dos anos 80. Entretanto, transitava por algumas disciplinas do Curso, e circulava entre os estudantes, a noção de que a Extensão Pesqueira ocupava-se da transferência de tecnologia para o desenvolvimento da pesca e dos pescadores. Ou seja, a função da Extensão no litoral brasileiro era a de munir os pescadores – através de estratégias educativas (educação informal) – com tecnologias de pesca mais modernas que favorecessem o aumento da produção pesqueira e, conseqüentemente, o lucro dos envolvidos na atividade. Esperava-se com isso impactos positivos na melhoria das condições de vida das comunidades pesqueiras. Portanto, a noção dessa atividade, criada no Estado de Santa Catarina, em 1968, era uma réplica da Extensão Rural norte-americana que se disseminou no país a partir da década de 40.
Outra noção corrente, principalmente entre os estudantes, era a de que a resistência de muitos pescadores à adoção das tecnologias propostas pelos extensionistas, ou o abandono delas depois de certo período, estava ligada à “ignorância” do pescador, a seu “analfabetismo”, à sua “mentalidade tradicional” e, muitas vezes, à sua “preguiça”. Eu jamais cri nessas “explicações”. Os diferentes modos como as pessoas vivem seus dramas sociais, políticos e religiosos, que fui pouco a pouco visualizando através das leituras, dos filmes de arte e das peças de teatro, além das vivências trilhadas do interior à capital ao longo dos anos, desautorizavam-me a pensar as culturas populares dessa maneira. Assim, fui buscando, sem muita clareza dessa busca, outra concepção de Extensão Pesqueira e, concomitantemente, de Extensão Rural.
Repensando a extensão rural e pesqueira
O contato com uma parte da obra de Paulo Freire foi determinante nesse processo. Inicialmente tive às mãos o livro Pedagogia do Oprimido através de uma amiga de infância, Brenda Braga, então estudante de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e com quem tivera acaloradas discussões sobre o desenvolvimento de comunidades. Nunca uma obra não ficcional provocara tanto impacto na percepção que tinha do mundo e de mim mesmo. Ali estavam as pistas para pensar a Extensão Pesqueira diferentemente dos meus colegas, posto que o autor não fizesse qualquer alusão ao tema. Ali estavam os porquês da negação do “outro” enquanto sujeito histórico, cognoscitivo, e as possibilidades de alteridade. Ali estavam, sobretudo, talvez, as chaves explicativas da ambivalência dos pescadores à adoção/rejeição das tecnologias oferecidas pelos extensionistas de pesca.
Ainda naquele mesmo ano (1979) debrucei-me sobre outros livros de Paulo Freire – Educação como Prática de Liberdade, Conscientização e Ação Cultural para a Liberdade, cuja crítica a uma cartilha escolar, através da qual, inclusive, fui alfabetizado, é memorável. Influenciado por essas leituras, passei a desejar/imaginar, em alguns momentos, o que diria o autor sobre Extensão Pesqueira, se escolhesse esse tema como ponto central de análise. Estou sendo sincero ao exprimir a ocorrência desse desejo. Foi com uma surpresa muito grande que me defrontei, ao acaso, com o livro Extensão ou Comunicação? numa estante da Livraria Livro Sete (que se situava à Rua Sete de Setembro, no Recife). Embora esse livro tivesse sido traduzido e lançado no Brasil em 1976 (originalmente Extensão ou Comunicação? foi publicado no Chile em 1969), eu só o “descobri” em junho de 1979 (pois assim está grafado o ano, como faço usualmente, na edição que li e que guardo de maneira especial).
A partir daquele encontro-leitura estava selado o meu compromisso profissional com a Extensão Pesqueira e a Extensão Rural. Eu estava imbuído da vontade, agora de forma bastante consciente, de arremessar-me a uma carreira de professor universitário. O que vislumbrava era o ensino e a pesquisa da Extensão numa perspectiva inovadora, paulofreiriana, cujo caminho não poderia ser outro: a dedicação ao estudo.
O que procurei fazer, até concluir a graduação, foi me envolver de maneira mais focada em atividades da engenharia de pesca que estivessem relacionadas ao campo de estudo escolhido. Foram desse período: o estágio na Cooperativa de Pescadores da Colônia Z-1 do Pina (Doc.02); a participação na coordenação do seminário A Engenharia de Pesca e os Desafios ao Desenvolvimento Pesqueiro (Doc.03); a participação, junto com outros representantes estudantis, na I Feira Nacional da Pesca (Doc.04), ocasião em que entrevistamos Ministros de Estado e lideranças de pescadores; a participação no Treinamento em Extensão Pesqueira (Doc.05 ), promovido pela SUDEPE, no qual tive o privilégio de estudar com o Prof. João Bosco Pinto, que vinha desenvolvendo uma perspectiva teórica no campo da Extensão, a partir da trilha aberta por Paulo Freire; e a realização do trabalho Questionamento Crítico sobre Extensão Pesqueira (Doc.06), apresentado no I Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca, em 1979 (Doc.07). Este trabalho, bastante modesto, é verdade, pois foi realizado sem qualquer orientação, faz um relato parcial de uma pesquisa que procurou analisar a concepção de Extensão Pesqueira pelos estudantes do Curso de Engenharia de Pesca da UFRPE. A influência de Paulo Freire na construção e análise do texto é ali notória, sobretudo quando privilegiamos (o trabalho foi desenvolvido com dois colegas) a incompatibilidade entre persuasão e educação. Apesar das limitações do artigo quanto à redação e ao fôlego analítico, devo confessar que, ao relê-lo, recentemente, tive certo orgulho de já possuir, àquela época de jovem universitário, uma visão sobre a Extensão Pesqueira então teoricamente avançada. Até aquele momento a idéia que se tinha sobre Extensão era a de difusão de tecnologia como estratégia de desenvolvimento.
A monografia de bacharelado
Tomei gosto pelo assunto dessa pesquisa e decidi ampliá-la. Agora como monografia para obtenção do grau de engenheiro de pesca: Análise de Alguns Parâmetros da Extensão Pesqueira no Nordeste Brasileiro (Doc.08) averigua as opiniões dos engenheiros extensionistas de pesca em relação a sua formação profissional, aos métodos de trabalho por eles utilizados na Extensão e o seu relacionamento profissional com os pescadores artesanais. Chego à conclusão de que os engenheiros de pesca que atuavam na Extensão Pesqueira no início dos anos 80, no Nordeste, tinham uma postura paternalista e antidialógica em relação às comunidades litorâneas. Aspectos que impediam, considerando os preceitos paulofreirianos, a transformação dos pescadores em agentes de sua própria mudança social. As fragilidades analíticas dessa pesquisa são reconhecíveis, mas ela revela, por seu turno, uma discussão inédita, pelo menos no âmbito da Extensão, ao utilizar aspectos teóricos da obra de Paulo Freire numa pesquisa empírica.
Diante desses resultados, o círculo estava fechado. Dentro da Universidade, os estudantes recebiam uma formação extensionista precária e desatualizada. Fora dela e, de certa maneira, como conseqüência dessa formação, as práticas de Extensão disseminadas na pesca não fugiam do caráter vertical da comunicação – centro nevrálgico da crítica no livro Extensão ou Comunicação? Esta pergunta, que nunca se calou, passou a se erguer como o fio mais importante da urdidura, através da qual eu transpassaria, dali por diante, todos os fios que me levassem à função de professor e pesquisador de Extensão Rural e Pesqueira.
Dessa urdidura, também fazem parte meus professores de graduação, Romero Ataíde, Albany Tomaz, Luiz Lira, Hamilton Cavalcanti Costa, Paulo Burgos, Paulo Marques e Romildo Pessoa. Responsável por Estudos dos Problemas Brasileiros (apesar de todas as críticas formuladas a essa disciplina – chamada de disciplina da ditadura), Prof. Romero trouxe-me, com sua visão crítica e independente, informações valiosas sobre a realidade sociopolítica vivida no país, no primeiro ano de faculdade. Prof. Albany me levou para além da disciplina Termodinâmica Técnica, trazendo sua experiência estudantil em Moscou, que me fascinava e me estimulava à literatura (foi através dele que li Zorba, O Grego). Prof. Lira representou para mim a paixão pelo trabalho, a alegria de estar na profissão escolhida e o estímulo à participação na vida universitária. Prof. Hamilton, orientador da minha monografia de graduação, cuja visão crítica sobre as políticas públicas da pesca induziu-me também ao campo da Extensão. Com o Prof. Paulo Burgos, aprendi, através da maneira como expunha suas aulas de Aspectos da Pesca Brasileira, a importância de se falar bem a língua portuguesa, abdicar das gírias, ficar atento à dicção. Paulo Marques, meu professor de Extensão Rural, possibilitou-me o acesso ao que havia de mais avançado no campo teórico e prático da disciplina. E, finalmente, com o Prof. Romildo passei a compreender a importância e a responsabilidade do trabalho de professor. Impressionava-me o esmero e a honestidade com que preparava e apresentava pontualmente suas aulas de Cálculo III e IV. Por trama do destino, eu ocuparia, alguns anos depois, a vacância deixada por ele na UFRPE, em virtude da sua aposentadoria. (Doc.09).
TRAMA: FIOS, ESPESSURAS E RELEVOS
Os primeiros fios
Depois da minha colação de grau (agosto de 1980), ainda permaneci na UFRPE. Agora como aluno especial na disciplina Extensão Rural II, ministrada pelo Prof. Paulo Marques (já havia cursado, como eletiva, a disciplina Extensão Rural I). Continuei esses estudos para suprir, de um lado, a lacuna deixada pelo Curso de Engenharia de Pesca nesse campo de conhecimento e, de outro, porque num concurso público para professor na área, a que tencionava um dia me submeter, seria importante possuir essas disciplinas no meu histórico escolar. Ao mesmo tempo, preparava-me, com afinco, para seleção do Mestrado em Extensão Rural, que se realizaria no final daquele ano na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul.
Durante esse período deixei um pouco de lado a literatura ficcional e passei a me dedicar mais especificamente aos estudos de Paulo Freire, Juan Díaz Bordenave e João Bosco Pinto. Estes autores representavam o que havia de mais avançado no campo da Extensão Rural, e eu me identificava teoricamente com eles. Dediquei um tempo mais longo à leitura dos trabalhos de Bordenave, paraguaio, radicado no Brasil, com tese de doutorado sobre o meio rural pernambucano. Tratava-se de uma produção mais ampla e específica sobre Extensão Rural. Esses trabalhos, quase todos mimeografados, foram gentilmente cedidos pelo Prof. Paulo Marques. Guardo-os até hoje, pois sempre pretendi desenvolver um estudo – ainda na minha pauta acadêmica – que revelasse as faces teóricas de Bordenave na Extensão Rural até o seu encontro com a obra de Paulo Freire. João Bosco Pinto, representava um autor curioso, pois havia “superado” sua tese de Ph.D. no terreno do funcionalismo norte-americano e se voltara para uma perspectiva paulofreiriana no âmbito da organização e mobilização popular.
Cheguei teoricamente “pronto” à UFSM, em 1981. O meu pré-projeto de dissertação, que evoluiria para um outro algum tempo depois, estava influenciado pelas leituras realizadas na graduação e pelos estudos preparatórios ao Mestrado. Intitulado de Efeitos da Transformação Tecnológica na Pesca Artesanal: Proposição a um Novo Modelo Conceitual e Metodológico para a Extensão Pesqueira (Doc.10), esta proposta se negava a ir ao encontro da Difusão de Inovações do norte-americano Everett Rogers, viga teórica principal do Mestrado em Extensão Rural. Essa negação se configurava, na medida em que a pesquisa se propunha analisar os impactos negativos provocados pela difusão tecnológica no contexto social das comunidades pesqueiras.
A teoria rogeriana era considerada estratégia-chave para o desenvolvimento da agricultura brasileira, em termos da modernização, pois identificava e analisava os diferentes níveis de adoção tecnológica pelos agricultores, classificando-os em pelo menos três categorias: “adotantes rápidos”, “retardatários” e “não adotantes”. Aproximadamente 80% das dissertações defendidas no Mestrado em Extensão Rural da UFSM estavam nesse campo teórico de interpretação. O modelo difusionista-inovador “pegou” no contexto latino-americano e veio de alguma forma na esteira construída pelo Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para a América Latina – CIESPAL. Sobretudo na sua fase em prol da Comunicação para o Desenvolvimento, como também eram chamadas as atividades de Extensão Rural. No solo brasileiro, são emblemáticos os livros Difusão das Novas Idéias: Pesquisas Aplicáveis ao Brasil, organizado por Gordon Whiting e Lytton Guimarães, em 1969, e Comunicação, Modernização e Difusão de Inovações no Brasil, 1976, organizado por José Marques de Melo.
Afastei-me do tema quando tive acesso ao esboço da tese de doutoramento de Romeu Padilha sobre a Extensão Rural no Brasil, ao que parece jamais concluída, mas retomada, em outras bases, por Maria Teresa Lousa da Fonseca em Extensão Rural no Brasil, um Projeto Educativo para o Capital, 1981. Considerava que, de alguma maneira, eu iria “repetir”, na Extensão Pesqueira, o que ele se propôs a encontrar na Extensão Rural. Naquela época, diferentemente de hoje, era comum os alunos de pós-graduação serem estimulados a construir objetos de pesquisa originais. Por outro lado, os trabalhos de José Graziano da Silva, particularmente A Modernização Dolorosa (1981), davam conta desses impactos na agricultura e, por gravidade, pensava eu, na pesca.
A semente da dissertação de mestrado
Ao lado disso, logo depois da anistia, em 1979, uma grande quantidade de pesquisas começou a emergir sobre os movimentos sociais. Intrigava-me, dentro desse processo, o silêncio generalizado sobre os movimentos sociais de pescadores. Isto se tornou mais evidente, quando participei de dois encontros da Associação Projeto de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura (APIPSA), em 1981 e 1982, em Porto Alegre e Belo Horizonte, respectivamente. A APIPSA reunia à época um grupo emergente e dinâmico de pesquisadores, hoje consagrados. Lembro-me de Leonilde Servolo de Medeiros, Zander Navarro, Ana Motta Ribeiro, Nair Muls, esta última gentilmente hospedou a mim e a um colega na sua própria residência, em Belo Horizonte. A temática principal de discussão entre esses pesquisadores, acalorada e de forte densidade teórica, é os movimentos sociais no campo. Foi a partir da constatação da importância do tema e do silêncio acadêmico sobre os pescadores artesanais, em termos de mobilização política e social, que decidi elaborar, de maneira definitiva, um outro projeto de pesquisa para realização da dissertação de mestrado. Caracterização dos Movimentos Sociais de Pescadores em Pernambuco (1920-1982). (Doc.11) foi o título que dei à nova proposta. Considerei fundamental a compreensão desses movimentos sociais, do ponto de vista histórico, pois eles poderiam sinalizar caminhos mais promissores para uma Extensão Pesqueira que privilegiasse a participação efetiva dos pescadores artesanais nos processos de mudança social.
Os desafios seriam enormes para o desenvolvimento desse projeto. De um lado, minha pesquisa se inseria no âmbito da pesquisa qualitativa, então “abominada” pelos difusionistas de Santa Maria. A pesquisa quantitativa tinha se consolidado no Mestrado em Extensão Rural através da Difusão de Inovações, tendo seu maior expoente o Prof. Gustavo Quesada – meu inesquecível professor, a cujo livro, Comunicação e Desenvolvimento: Mitos da Mudança Social fiz severas críticas, muitas delas incentivadas por ele próprio numa atitude acadêmica madura e invejável. Ph.D. pela University of Wisconsin, reduto da sociologia rural funcionalista norte-americana, Quesada
não reconduziria a abordagem das suas pesquisas, como fizera seu colega de universidade nos Estados Unidos, João Bosco Pinto, a quem já me referi. Apesar das abordagens paulofreirianas já estarem circulando, inclusive no meio universitário americano. O exemplo maior é a tese de Ph.D. em comunicação de massa, na Michigan State University, em 1973, de Luis Ramiro Beltrán: Communication in Latin America: Persuasion for “status quo” or for Nacional Development. Este estudo não dissimula a influência do livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire.
De outro lado, o desafio para desenvolver uma pesquisa à margem da Difusão de Inovações implicava numa formação metodológica e teórica no campo dos movimentos sociais, então inexistentes no Curso de Mestrado em Extensão Rural. Assim, enquanto o meu projeto procurava uma definição teórico-metodológica mais consistente, passei a me dedicar sozinho ao estudo da pesquisa qualitativa, ao mesmo tempo em que rastreava, com o auxílio da Biblioteca da UFSM, tudo o que se havia escrito sobre pescadores no Brasil. Reuni até o final de 1982, quando voltei para o Recife, um acervo documental razoável, considerando a parca produção acadêmica nesse âmbito.
Atividades na Universidade Federal de Santa Maria, RS
Minha vida universitária em Santa Maria era, em certa medida, um pouco diferente da do Recife, em termos de convivência intra e extramuros. Internamente, além das leituras que desenvolvia, representei o corpo discente do Mestrado em Extensão Rural no Colegiado do Curso (Doc.12), ajudei a construir o I Simpósio de Extensão Rural e Agricultura Brasileira (Doc.13) e desenvolvi dois trabalhos que considero interessantes enquanto preocupação acadêmica no campo da Extensão Rural daquele período. O primeiro – Dos Senões Conceituais da Extensão Rural à Busca de sua Definição (Doc.14) – diz respeito a um estudo desenvolvido com os colegas do Mestrado para uma atividade de seminário. Nele, analisamos os componentes básicos do conceito de Extensão Rural atribuído por professores e alunos da Pós-Graduação em Extensão Rural e por professores de Extensão Rural do Centro de Ciências Agrárias da UFSM. Analisamos, ainda, os componentes básicos desse mesmo conceito encontrados em livros, periódicos e documentos. Assim, como havia realizado em relação à Extensão Pesqueira entre os estudantes de engenharia de pesca e profissionais da área, na graduação, agora analisávamos, de maneira similar, no terreno da Extensão Rural. Em última instância o que pretendíamos era movimentar naquela pós-graduação o debate sobre o caráter polissêmico da Extensão Rural e confrontar a teoria da Difusão de Inovações com os estudos de Paulo Freire.
O segundo trabalho – Pescalino em: uma Linha de Pesquisa para a Extensão Rural – (Doc.15) é a resposta a um desafio do Prof. Gustavo Quesada para que realizássemos uma atividade criativa em torno de um assunto no campo da Extensão Rural. A partir dos resultados alcançados no texto acima mencionado, vislumbrei a realização de uma história em quadrinhos. A idéia central da história era defender a criação de uma linha de pesquisa que contribuísse para uma melhor definição conceitual da Extensão Rural. Os personagens seriam caricaturas de professores e alunos do Mestrado. Realizada a história (Pescalino sou eu, caricaturado), esboçada as situações em quadrinhos e escolhidos os personagens (aproveitei cacoetes, vícios de linguagem, comumente cometidos pelos professores e alunos, e nomes parodiados facilmente identificáveis), convidei o cartunista Mario Lúcio Rodrigues para o trabalho de caricatura. Exposta, por páginas, em quadros, numa sala reservada para o evento, a história em quadrinhos provocou grande impacto negativo entre alguns professores. Era natural, pois é preciso uma boa dosagem de humor para ver-se caricaturado. Este e outros trabalhos desenvolvidos por colegas no Curso, aliados às discussões acumuladas naqueles anos, contribuíram, sem sombra de dúvida, para uma visão mais contemporânea de Extensão Rural por parte dos novos alunos ingressos no Mestrado. A pesquisa em Difusão de Inovações passou a perder, dali por diante, a hegemonia naquele espaço acadêmico.
Para além dos muros da UFSM, procurei conhecer a diversidade cultural gaúcha. Não como pesquisador, mas como um observador curioso das diferenças e similaridades em relação ao que eu conhecia em Pernambuco. Também se aprende olhando o mundo ao nosso redor, disse uma vez Paulo Freire, em Santa Maria. Assisti com muito interesse aos festivais de música tradicional do Rio Grande do Sul, suas danças, seus trajes identitários. Fui às feiras de exposições de animais. Visitei, pelo menos uma vez, a fazenda de um grande proprietário e produtor de gado charolês. Impressionava-me como tudo se distinguia do Nordeste em termos socioeconômicos. Só algum tempo depois passei a compreender essas diferenciações através de Elegia para uma Re(li)gião, de Francisco de Oliveira. Viajei pelas cidades do interior e suas colônias italianas e alemãs. Apreciei a culinária, os festivais de vinhos regionais. Vi sua paisagem principal – os pampas – cruzando parte do Estado e todo o Uruguai em direção a Buenos Aires. Muitas vezes, de mapa na mão, identificando no simulacro da paisagem – rios, lagos, cidades – o real vislumbrado. Também cruzei, em outra oportunidade, parte do Paraguai. Ouvi a sonoridade do Guarani e confirmei a miséria interiorana do país, recordando As Veias Abertas da América Latina. Alcancei o nordeste da Argentina, por Posadas, à beira do Rio Paraná, e desci até a fronteira brasileira por Uruguaiana. Foi nesse período que li autores que ainda desconhecia: o gaúcho Caio Fernando Abreu, Julio Cortázar e a genial Clarice Lispector. O primeiro expunha a minha geração em Morangos Mofados. Cortázar, de Histórias de Cronópios e de Famas, com seu texto polissêmico, permitiu-me interpretar, do modo que quisesse, as histórias desses estranhos e interessantes seres. Quanto a Clarice, demorei a compreender sua literatura. O caráter “hermético” dos seus personagens, que ela convida a mergulhar em suas almas, estava relacionado, na verdade, à exigência de mergulhar em mim mesmo. Ninguém sai ileso depois de ler Clarice. Comigo não foi diferente.
Espessuras
De volta para o Recife, no final de 1982, comecei a pesquisa documental em jornais da capital e do litoral de Pernambuco. Base principal de todo o estudo que desenvolveria sobre os movimentos sociais de pescadores. Foram longos semestres debruçado sobre os empoeirados jornais – Jornal do Commercio, Diario de Pernambuco, A Província, Diário da Manhã – do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, no Recife. A despeito do trabalho árduo em escavar e copiar na íntegra praticamente todas as matérias encontradas sobre pesca e pescadores ao longo dos 63 anos estipulados para a pesquisa, tive grande satisfação em folhear, dia após dia, esses periódicos. O passado e o presente se embaralhavam e meus interesses, muitas vezes, iam além dos assuntos da pesca. Lembro-me seguindo variados itinerários. Mas a Revolução de 1930 foi, sem dúvida, o itinerário que provocou meu maior interesse. Li basicamente tudo do período nevrálgico do evento através da excelente cobertura do Diário da Manhã: desde o assassinato do Presidente João Pessoa, num café da Rua Nova, no Recife, até a nomeação de Getúlio Vargas ao Governo Provisório.
A entrada para o quadro de docentes da UFRPE
Em 1983, a UFRPE publicou edital de concurso para Professor Auxiliar em Extensão Rural. Era o momento tão esperado para me dedicar ao ensino superior na área que havia escolhido ainda como aluno de graduação. Não vacilei em parar, momentaneamente, a coleta de dados no Arquivo Público para me dedicar, com obstinação, aos estudos do Concurso. Um dos resultados desse estudo é o artigo A Extensão Pesqueira como Disciplina Recente na Universidade Brasileira (Doc.16), apresentado no III Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca. Realizo nesse texto um balanço da Extensão Rural no Brasil para me reportar à disciplina Extensão Pesqueira que seria inserida, de maneira teoricamente defasada, nos currículos dos cursos de engenharia de pesca. No Concurso, obtive boas notas entre as provas didáticas e escritas, mas fiquei em segundo lugar. Com 29 anos de idade e um mestrado em curso, o primeiro lugar foi ocupado por uma experiente professora da Universidade Católica de Pernambuco, a qual se tornaria minha grande parceira intelectual nos anos seguintes: Maria Salett Tauk Santos.
Com a aposentadoria do Prof. Romildo Pessoa, sua vaga de Professor Titular foi dividida em três vagas de Professor Auxiliar, das quais uma delas foi para a Área de Extensão Rural, no Departamento de Educação. Na qualidade de segundo colocado no Concurso Público, fui chamado a assumir, no ano seguinte, em 13 de novembro de 1984, a vaga de Professor Auxiliar I em Extensão Rural (Doc.17). Desde então leciono as disciplinas Extensão Rural e Extensão Pesqueira para alunos dos diversos cursos das Ciências Agrárias da UFRPE – agronomia, veterinária, zootecnia, economia doméstica, engenharia florestal e engenharia de pesca (Doc.18). Assim, a partir da categoria de Professor Auxiliar I, fui trilhando, passo a passo, por tempo de serviço ou por titulação, a carreira de professor universitário até a categoria de Professor Adjunto, na qual me encontro de 1995 ao presente momento (Doc.19).
Quando ingressei no Departamento de Educação, a Área de Extensão Rural estava pautada, majoritariamente, no ensino de uma Extensão, digamos, pré-paulofreiriana. Portanto, dentro da lógica da difusão de tecnologias como estratégia de desenvolvimento rural. Os estudos e as críticas já desenvolvidas, desde 1976, inclusive pelo próprio Everett Rogers, ainda que por dentro do funcionalismo, não encontravam eco entre os professores da Área. Quem leu Communication and Development: critical perspectives, organizado por Rogers, reconhece ali os principais autores no campo da Extensão Rural ou da Comunicação para o Desenvolvimento, entre eles Bordenave e Beltrán, já mencionados, reavaliando o campo teórico da Disciplina. Nem mesmo Extensão ou Comunicação?, mais próximo de nós, tinha qualquer significado entre a maioria dos meus colegas de área.
É nesse ambiente que produzi o texto Extensão ou Comunicação: a Participação está na Pauta?, em parceria com a Profa. Salett Tauk, para o Seminário sobre o Ensino de Extensão Rural, em Piracicaba, 1988. Este documento aborda a decalagem teórica do ensino da Extensão Rural no Brasil e foi publicado simultaneamente no Intercom Notícias (Doc.20) e na Quinzena Rural (Doc.21).
Retomado e concluído o levantamento de dados em jornais para minha pesquisa de mestrado, passei a aprofundar as leituras sobre movimentos sociais. Chamou-me muita atenção os trabalhos de Fernando Azevêdo – As Ligas Camponesas (1982) – e de Elide Rugai Bastos – As Ligas Camponesas (1984) – quando anexam aos livros o documento “Organização Política das Ligas Camponesas no Brasil”.
Neste podemos visualizar uma referência explícita a Ligas de Pescadores, embora em nenhum dos livros haja qualquer comentário sobre essa “variante” das ligas camponesas. Aspecto também não encontrado nos jornais pesquisados. Tal situação exigiu-me rastrear as principais obras dos autores que se dedicaram ao tema das ligas camponesas – Francisco Julião, Carlos Frangnon Borges, Manuel Correia de Andrade, Cynthia Hewitt e Clodomir Santos de Morais – na tentativa de localizar detalhes desse movimento de pescadores. Tentativa inútil.
O grau de mestre
Foi quando procurei Francisco Julião para uma entrevista. Fiz o contato com ele por telefone – e não precisei revelar que meu pai tinha sido seu colega de turma na Faculdade de Direito do Recife, só o fiz posteriormente. Ele gentilmente marcou encontro comigo na sede do PDT, no Recife. Apesar da agradável conversa, Julião pouco tinha a dizer sobre as ligas de pescadores, mas me forneceu nomes de pessoas que participaram do movimento camponês nos anos 60, as quais poderiam me ajudar a esclarecer a questão. Os resultados desse trabalho estão incorporados à dissertação Movimentos Sociais de Pescadores em Pernambuco – 1920/1983 (Doc.22), que defendi, em 26 de agosto de 1986, no Curso de Mestrado em Extensão Rural da UFSM. Posteriormente apresentei e publiquei o artigo Ligas de Pescadores na Imprensa de Pernambuco (Doc.23), no qual analiso as dificuldades de relacionamento político entre camponeses e pescadores que, de alguma maneira, impossibilitaram a criação das ligas de pescadores.
Para quem se fascinara desde criança com livros e bibliotecas, o grande esforço que desenvolvi na minha pesquisa de mestrado não me fatigava. Ao contrário, muito me estimulou ao longo dos meses, sob o apoio primoroso da Profa. Maria José de Araújo Lima, co-orientadora do trabalho. Pessoalmente, fiquei satisfeito com os resultados alcançados.
E acho que também o Mestrado em Extensão Rural da UFSM. Pois minha dissertação foi escolhida para concorrer ao Prêmio SOBER 1987 (Doc.24).
Fechado esse ciclo, comecei a desenvolver uma experiência acadêmica de grande aprendizagem pessoal no âmbito da Extensão Rural. Passei a conviver mais de perto, como fizera na infância, com pessoas ligadas ao campo. Desta vez, não apenas como observador, mas também como profissional da Extensão.
O projeto pitanga na minha ação extensionista e produção acadêmica
Em 1987, encontravam-se acampados na Praça da República, no Recife, agricultores expulsos do Engenho Pitanga. Esta propriedade, situada a 30 km da capital, pertencia ao Grupo Lundgren. Reuni-me com a Profa. Salett Tauk e o Prof. Paulo Marques, além de alguns alunos de Extensão Rural, e visitamos aquele acampamento improvisado no meio da Praça. Frente à situação de abandono daqueles homens e mulheres, decidimos, logo após a volta oficial daquelas pessoas às terras de Pitanga, elaborar um projeto de extensão que pudesse apoiar aquele assentamento dentro das competências da UFRPE.
O Projeto Pitanga: Apoio Universitário Dentro de um Processo de Reforma Agrária (Doc.25), coordenado por mim e pela Profa. Salett Tauk, buscava, de um lado, animar a organização dos assentados e disponibilizar informações sobre agricultura e criação de pequenos animais e, de outro, abrir um espaço para o desenvolvimento de pesquisa e estágios curriculares para alunos no campo da Extensão Rural.
As visitas semanais ao Engenho Pitanga sinalizavam para a necessidade de um comprometimento maior da UFRPE e da sociedade com aquela precária realidade social. Neste sentido, montamos um evento inusitado na UFRPE: Reformagrária Viva: a Luta do Povo de Pitanga (Doc.26). O nosso intuito era o de chamar a atenção sobre as precárias condições de vida da população naquele assentamento de reforma agrária. O inusitado do evento se configurou no Salão Nobre ao reunir o secretário geral do MIRAD, o presidente regional do INCRA, o Reitor, professores e estudantes da UFRPE, lideranças e assentados do Engenho Pitanga para participarem da exposição fotográfica da história da luta pela terra dos próprios assentados de Pitanga. O evento contou ainda com a apresentação de um vídeo sobre reforma agrária e com um espetáculo de teatro, cujo tema era a história de personagens reais do assentamento do Engenho Pitanga. Esse evento mereceu uma larga cobertura jornalística nas rádios e TVs do Recife. Descrevemos em detalhes essa experiência, em 1987/1988, no artigo Comunicação e Reforma Agrária: o Caso do Engenho Pitanga em Pernambuco (Doc.27).
O Projeto Pitanga trouxe experiências inovadoras para a extensão universitária da UFRPE nos quase dois anos em que apoiou os assentados. Ao longo desse tempo apresentamos sucessivamente mais dois trabalhos em congressos acadêmicos e os publicamos posteriormente: Impasses de Comunicação em Projetos de Educação Popular: o Caso do Assentamento do Engenho Pitanga em Pernambuco (1989 e 1990). (Doc.28); e Alternativas de Comunicação Rural e Participação Popular: uma Experiência em Assentamento de Reforma Agrária. (Doc.29) Este último, apresentado no XI Congresso Brasileiro de Comunicação (1988), está incorporado ao livro Comunicação Rural: Discurso e Prática (1993), organizado por Geraldo Magela Braga e Margarida M. Krohling Kunsch, cuja resenha publicamos sob o título Comunicação Rural em Xeque (Doc.30). Saliento que o XI Congresso, que teve como tema central a Comunicação Rural, se tornou marco de referência entre os pesquisadores da Extensão Rural, pois reuniu as maiores autoridades nacionais e internacionais sobre o assunto. Aspecto que nos levou a publicar, no Intercom Notícias (1988), o artigo A Comunicação Rural no XI Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. (Doc.31).
A nossa preocupação em todos esses artigos era revelar o papel comunicacional da Extensão Rural, defendido por Paulo Freire, em contextos populares. Buscávamos, em última instância, alimentar uma perspectiva teórica e prática que se diferenciasse da consolidada Difusão de Inovações no meio rural e pesqueiro brasileiro. Os extensionistas, pesquisadores e estudantes sempre estiveram no foco das nossas atenções. Foi nesse sentido que, de maneira mais específica, organizamos ainda em 1988, na UFRPE, Extensão Universitária e Participação Popular (Doc.32). Nessa publicação, reunimos artigos de outros professores sobre a experiência no Engenho Pitanga, além daqueles já apresentados em congressos acadêmicos, cujo público-alvo era a própria comunidade universitária.
Outra experiência que coordenei no terreno da extensão universitária foi a exposição 30 Anos de Engenharia de Pesca: Imagens, Textos e Sons (Doc.33). Inserida dentro da programação comemorativa dos 30 anos de criação do Curso de Engenharia de Pesca da UFRPE, em 2000, essa exposição-homenagem foi resultado de um esforço acadêmico desenvolvido por 29 alunos inscritos na disciplina Extensão Pesqueira, sob a minha responsabilidade. Aproveitei a temática da comunicação dentro da disciplina para montar as atividades que seriam desenvolvidas. Entre elas, identificar e selecionar material documental disperso; definir temas das seções da exposição; elaborar cartazes, convites e ficha técnica; recortar, colar e dar destaque aos pedaços da história iconográfica da Engenharia de Pesca; e gravar em vídeo depoimentos de professores, ex-alunos e ex-professores do Curso. Contar com jovens estudantes na montagem de uma exposição dessa envergadura, foi motivo de muita alegria para mim.
Avaliador de projetos do GAT
Ainda nos anos 80, principalmente após a conclusão do curso de mestrado (1986) até minha licença para realizar curso de doutorado (março de 1989), marquei minha vida universitária com outras experiências que me proporcionariam mais maturidade profissional. Agora como Professor Assistente. Desse período, ficou-me a impressão de que o meu tempo fora totalmente tomado pela atividade universitária, pois não me recordo de nada significativo em relação às minhas incursões pela literatura e outras atividades extramuros que tanto me alimentavam ao lado das funções estritamente acadêmicas.
Convidado pelo CNPq/ANE, participei, em duas oportunidades, de uma avaliação conjunta do Projeto Geração e Adaptação de Tecnologia (GAT). Este projeto, financiado pelo BID/CNPq e executado por cinco universidades federais do Nordeste (UFPI, UFCE, UFPB, ESAN e UFRPE), buscava definir e adaptar tecnologias consideradas apropriadas à exploração agrícola de pequenos e médios produtores do semi-árido nordestino. Através de módulos experimentais de agricultura irrigada e de sequeiro pretendia-se, ao final de quatro anos de atividades, disseminar os “pacotes tecnológicos” bem-sucedidos.
Esperava-se, ainda, que a população no entorno dos módulos se interessasse pelas tecnologias implementadas e passasse a buscar formas para adotá-las. As unidades que avaliei foram as da Escola Superior de Agronomia de Mossoró (ano III), no Rio Grande do Norte, e as da Universidade Federal Rural de Pernambuco (ano IV). Coube a mim a avaliação do segmento Difusão.
Depois de percorrer propriedades rurais de cinco municípios do Rio Grande do Norte e três de Pernambuco pude constatar o quanto a concepção de Extensão Rural do Programa GAT estava vinculada à perspectiva teórica da Difusão de Inovações. Todas as estratégias de comunicação estabelecidas, além de precárias, sinalizavam para uma perspectiva vertical da comunicação, muitas vezes, ingênua, ao pressupor que o agricultor vizinho à propriedade contemplada pelo GAT passaria a adotar, por imitação, o “sucesso” das tecnologias adquiridas pelos beneficiários do Projeto. Perdurava (e de certa forma ainda perdura), portanto, a decalagem entre o que se avançou no plano teórico da ExtensãoRural/Comunicação Rural desde Paulo Freire e as práticas concretas das organizações governamentais que se ocupam do desenvolvimento do meio rural.
Particularmente, tirei um enorme proveito acadêmico dessa minha primeira experiência avaliativa (que se repetiria várias vezes, nas décadas posteriores, com o mesmo proveito), cujos relatórios – Parecer Técnico (Doc.34) e Relatório de Avaliação Ano IV do Setor Difusão do GAT (Doc.35), especialmente este último –, considero metodologicamente bem construídos. O contato sempre bem-vindo com o meio rural possibilitava, num trabalho dessa natureza animar minhas aulas na graduação, pois me permitia cruzar teoria com experiências concretas, da maneira como já fazia com as experiências do Projeto Pitanga. Ao mesmo tempo, levava-me a conhecer melhor as pessoas do campo na sua relação com os agentes governamentais de desenvolvimento. E mais: nesse trabalho, eu podia interferir de alguma forma na gestão dos projetos.
Foi a partir dessa experiência que passei a considerar o extensionista rural, seja lá em que instância de decisão ele estiver, como elemento chave na passagem de uma ação meramente assistencialista para outra em que os apregoados “beneficiários” tenham participação ativa nos processo de transformação social. Portanto, uma formação humanista e atualizada desse técnico no campo da Extensão Rural era o ponto nodal para o estabelecimento de práticas horizontais de comunicação. Este aspecto sempre me chamou para um senso de responsabilidade muito grande no meu ofício de professor. Espero que as três homenagens que recebi dos alunos de graduação tenham sido por motivos como esse (Doc.36).
Atividade administrativa
Nunca me interessei em ocupar cargos político-administrativos na Universidade. Não por considerá-los de menor envergadura. Mas por que achava que esse tipo de trabalho me desviaria da pesquisa, ensino e extensão. Atividades para as quais eu me vinha preparando há anos. Por mais que eu me esquivasse dos convites, eles me perseguiam. Consegui me esconder de alguns deles, muitas vezes simpáticos. E persuasivos. Prof. Antônio Lisboa (infelizmente não mais entre nós), meu contemporâneo de faculdade, meu professor e então meu colega na UFRPE, gentilmente me convidou para compor com ele uma chapa às eleições de coordenador e vice-coordenador do Curso de Engenharia de Pesca. Eu era estreante. Estava há menos de um ano como professor da Universidade e pertencia a outro Departamento. Isto poderia se tornar constrangedor para meus antigos professores e para mim mesmo. Mas acabei por aceitar o desafio. Fiquei na vice-coordenação e, logo em seguida, na coordenação do Curso, até novembro de 1988 (Doc.37). Fui muito bem acolhido nessa experiência no Departamento de Pesca.
Ali, entre outras atividades acadêmicas, tive a oportunidade ímpar, e desde sempre desejada, de participar da criação da disciplina Extensão Pesqueira do Curso de Engenharia de Pesca. Por outro lado, aprendi que os cargos de coordenação/direção abrem uma possibilidade excelente para desenvolver idéias novas em benefício da instituição, se o gestor, munido da responsabilidade da função, envolver seus pares nos processos decisórios. Mas o fardo burocrático é desestimulador. (Um relatório simplificado que escrevi, em 1988 – Breve Relatório de Atividades da Coordenação do Curso de Engenharia de Pesca (Doc.38) –, dá conta que entre 1986 e 1988, dentre outras atividades, foram despachados 306 processos e expedidos 190 memorandos e 174 ofícios.)
Relevos
Próximo ao fim do meu mandato de coordenador do Curso de Engenharia de Pesca, eu alimentava a idéia de realizar um doutorado em Extensão Rural. Como não existia no Brasil programa de doutoramento nessa área (e ainda não existe), a possibilidade de estudar em uma universidade estrangeira se configurava como uma alternativa. Conversei com o Prof. Joaquim Anaécio Almeida, um indiano de Goa, meu professor em Santa Maria, que se encontrava de passagem pelo Recife. Ele acenou com a Wageningen Agricultural University, na Holanda, onde havia realizado estágio de pós-doutoramento. Através dele cheguei até o Prof. Neal Röling, então diretor do Department of Extension Education, que me aceitou receber como orientando (Doc.39). Acabei por declinar desse projeto: a CAPES autorizou a liberação de minha bolsa uma semana antes de o curso se iniciar em Wageningen. O curso era trimestral e eu precisaria de algumas semanas para obter o visto de entrada no país, segundo a embaixada. O que seria desinteressante para mim, pois chegaria à Universidade com as aulas em curso. Por outro lado, o Prof. Röling tinha estudado em Wisconsin, inclusive tinha sido colega de Gustavo Quesada, meu professor em Santa Maria. Portanto, não era de se estranhar que o viés teórico do programa de doutorado fosse voltado à Difusão de Inovações. Aspecto particularmente refletido nos artigos do Prof. Röling e nas disciplinas oferecidas (similares às do Mestrado em Extensão Rural da UFSM) que eu, na condição de estrangeiro, teria de cursar novamente.
A escolha do doutorado em comunicação
Não me arrependo da desistência. Pois minha geração já havia superado essa instância teórica e procurava caminhos e desafios mais contemporâneos para a Extensão Rural. A perspectiva comunicacional aberta por Paulo Freire em Extensão ou Comunicação? precisava ser mais aprofundada e esse aspecto foi decisivo na minha opção, em 1989, pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Estava certo de que não me sentiria deslocado num ambiente, digamos, alheio às Ciências Agrárias. Nesse momento senti o quanto ia me ser útil, objetivamente, todo o conhecimento adquirido através da literatura, do cinema, do teatro, da música, na minha formação extramuros. Aliás, a ECA por ser o reduto das várias expressões artísticas, sem as quais as Ciências da Comunicação não teriam o estatuto que tem, era mais um atrativo para mim em termos acadêmicos.
Como projeto de pesquisa de doutoramento, propus dar continuidade à minha dissertação de mestrado. Eu desejava encontrar respostas às razões pelas quais os movimentos sociais dos pescadores tinham se configurado politicamente tímidos e reticentes nos processos de suas lutas. Tais aspectos, de algum modo, levavam os pescadores a uma atitude passiva às ações de Extensão Pesqueira. Nesse sentido, considerei fundamental escavar as “raízes históricas” da organização social dos pescadores, tomando como foco de análise uma das primeiras intervenções concretas do Estado Brasileiro nas questões de pesca: a Missão do Cruzador “José Bonifácio” (1919-1924). Esta missão, que analisei parcialmente em Considerações em Torno da Missão do Cruzador “José Bonifácio” (Doc.40), buscou desenvolver as comunidades do litoral brasileiro através da educação escolar, do saneamento da costa, da organização da pesca e da “educação militar”. Assim se expressa o Comandante Frederico Villar sobre os objetivos da Missão:
“Instruída e saneada essa gente, com seus barcos, representará para a Marinha e para a Nação uma preciosa Reserva, de fácil mobilização para a defesa naval, além de constituir viveiro magnífico de hábeis marinhos e uma considerável fonte de múltiplas atividades interessantíssimas para o país.”[10]
A Marinha de Guerra como idealizadora da Missão, passaria a ter, décadas a fio, uma ingerência sobre os pescadores ao longo do litoral brasileiro. As colônias de pesca, criadas pelos oficiais da armada durante os cinco anos da viagem pela costa, se constituíram em organizações às quais os pescadores eram obrigados a pertencer. Ali estavam, possivelmente, as explicações que eu buscava sobre aquelas configurações dos movimentos sociais analisados.
Particularmente, interessei-me em investigar quais as estratégias de comunicação utilizadas pela Missão do Cruzador “José Bonifácio” para “organizar” os pescadores ao longo do litoral, numa época ainda marcada pelas idéias de progresso e desenvolvimento. Os “missionários” viam a Missão como uma campanha de desenvolvimento e de mudança social. Sempre considerei essa intervenção na costa brasileira como uma espécie de Extensão Pesqueira avant la lettre.
Sob a orientação da Profa. Alice Mitika Koshiyama, do Departamento de Jornalismo da ECA, enveredei pela escola francesa dos Analles. Profa. Mitika vinha de uma pesquisa de doutorado, de cunho histórico – O Tempo de Levino: Ficção e História no Romance Quarup –, com a orientação do Prof. Alfredo Bosi. Foi através dela que passei a ler autores dessa Escola. Dediquei-me, especialmente, a: Fernand Braudel – Escritos Sobre a História; Jacques Le Goff – Reflexões sobre a História, A Bolsa e a Vida, Os Intelectuais na Idade Média; Philippe Áries – História Social da Criança e da Família; entre outros, para compreender e estruturar a minha pesquisa de doutoramento, também de viés histórico. Fiz, ainda, incursões por historiadores brasileiros para analisar a conjuntura sociopolítica da qual “emergiu” a Missão do Cruzador “José Bonifácio”. Autores como José Maria Bello – História da República; Edgar Carone – A Primeira República, 1889-1930; José Murilo de Carvalho – As Forças Armadas na Primeira República; e João Quartim de Moraes – A Esquerda Militar no Brasil – foram fundamentais nesse percurso, na medida em que eu pouco conhecia da história militar do Brasil.
Tive enorme satisfação, nesse período, em ler, também, livros de feição histórica, mas escritos por não historiadores, brasileiros e estrangeiros, numa tentativa de buscar influências para escrever minha tese como um pesquisador da comunicação e não da história. Minha pretensão foi a de relatar a Missão do Cruzador “José Bonifácio”, até onde era possível, como se o narrador/observador estivesse dentro do navio. Uma espécie de diário de bordo para que o leitor, muito curioso, se debruçasse um dia sobre ele como quem se debruça sobre um diário de outrem. Neste sentido, são memoráveis os livros Olga (Fernando Morais), Minha Razão de Viver (Samuel Wainer), A Rive Gauche: Escritores, Artistas e Políticos em Paris, 1930-1950 (Herbert Lottman) e o admirável Rumo à Estação Finlândia (Edmund Wilson). Atualmente, sou leitor voraz desse gênero literário, sobretudo romanceado, e elejo Ana Miranda como um dos meus escritores brasileiros preferidos.
Extensão rural e pesqueira e “zonas vizinhas”
Mas foi em Como se Escreve a História, de Paul Veyne, e seu conceito de Trama, que encontrei o fio teórico-metodológico condutor da minha tese de doutoramento. Entrei na USP num momento de acaloradas discussões teóricas em torno do cenário mundial, após a queda do Muro de Berlim. Na ECA, existia certo pendor pelas análises marxistas dos meios de comunicação de massa, entretanto, sem abandonar os vieses funcionalistas que fizeram escola nas pesquisas em Comunicação no Brasil. O marxismo, na versão frankfurtiana, que tardia e superficialmente “pegou” na Comunicação,[11] já não tinha lugar de destaque na ECA, particularmente naquele momento de “incertezas teóricas”.
Além disso, eu não tinha estofo acadêmico – nem interesse – para transitar no campo da Escola de Frankfurt. Por outro lado, tomavam fôlego (por dentro de uma perspectiva marxista) os Estudos de Recepção. Este caminho teórico, desenvolvido por Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero a partir dos Cultural Studies, se revelava interessante, particularmente para pesquisadores, como eu, voltados para as culturas populares e suas relações com os meios de comunicação. Mas, para o objeto de estudo que eu havia construído, uma opção nessa direção parecia inadequada. Essa trilha aberta por Canclini e Barbero na América Latina seria profícua nos estudos de Extensão Rural/Comunicação Rural, anos depois.
Quanto ao viés funcionalista, já bastavam os estudos em Difusão de Inovações, dos quais minha geração procurava se desviar. Assim, encontrei na história “não factual” um terreno mais firme e, por assim dizer, mais livre de amarras teórico-metodológicas “rígidas”, se as escolhas dos itinerários sugeridos por Veyne fossem apropriadas à construção da trama enquanto sustentação teórica da pesquisa. E assim foi feito.
O estranhamento inicial dos meus colegas da ECA, no que se refere a um engenheiro de pesca inscrito num programa de doutorado no Departamento de Jornalismo, era freqüentemente explicado por um “paradoxo”: eu trilhava uma linha reta por um caminho sinuoso. Extensão Rural e Pesqueira foi a linha reta profissional que tracei ainda muito jovem. Sempre permaneci nas Ciências Agrárias. Mas as possibilidades que essas disciplinas encerram em termos de renovação teórica – pois seu campo de ação é socialmente constituído, portanto moldando-se e redefinindo-se sem necessariamente possuir um núcleo duro, incomunicável, “inegociável” – exigem do pesquisador sinuosidades. Ou seja, exigem que o pesquisador alcance, como diria Paul Veyne, “zonas vizinhas” às Ciências Agrárias, em termos de áreas de conhecimento, para melhor compreender as várias dimensões sociais do extensionismo rural. Zonas essas, que foram para mim difíceis de serem perseguidas, porque sabemos das lacunas e dos fossos ainda presentes na formação do profissional das Ciências Agrárias quando a matéria-prima é o homem ou, em última instância, a relação do homem com a terra. Melhor dizendo, a relação do homem com o meio ambiente. Sempre considerei que os pesquisadores, ao se eximirem de realizar sinuosidades na busca de um conhecimento complementar às Ciências Agrárias no campo da Extensão, deram margem a que muitos profissionais saltimbancos, dentro e fora das Ciências Agrárias, se arvorassem a opinar, ou a impor temas “pertinentes” à Extensão Rural, ou mesmo excluí-la do seu papel fundamental nos processos de desenvolvimento do campo. Ignoram, assim, a longa jornada dessa disciplina no ensino, pesquisa e extensão na América Latina, particularmente no Brasil.
Coleta de dados – a curiosidade continua
Concluídos os cursos exigidos e relacionados à minha pesquisa (Jornalismo e História: o Texto Jornalístico como Documento de Pesquisa; Narrativas Jornalísticas e Imaginário: Aproximações e Refrações; e Metodologia da Pesquisa em Comunicação Social) (Doc.41), passei a realizar um extenso levantamento de dados sobre a Missão do Cruzador “José Bonifácio”. Inicialmente fiz visitas regulares durante meses a fio no Serviço de Documentação Geral da Marinha, no Rio de Janeiro. Era necessário identificar todos os pontos da costa tocados pelo “José Bonifácio” para, em seguida, realizar uma coleta de dados em jornais dessas localidades. Mapeamento este produzido através de folhear, dia após dia, os cinco anos dos “diários de quarto” do Cruzador, como são chamados esses cadernos. Ao lado disso, rastreava uma série de outros documentos de interesse à pesquisa como fotografias, panfletos, revistas sobre pesca e sobre a Marinha, projetos, artigos, cartas, hinos, poesias, memórias, recortes de jornais relacionados à Missão. Mapeado o cruzeiro do “José Bonifácio” – de Belém do Pará até Rio Grande, no Rio Grande do Sul –, lancei-me na aventura de refazer, por terra, o caminho realizado pelo Cruzador. Estive nas cidades onde havia, à época da Missão, jornais locais, base principal dos dados que serviria de análise.
Desenvolvi esse trabalho com muito entusiasmo. Era um pouco daquela curiosidade infantil que se revelara na Biblioteca Pública de Pesqueira, agora reproduzida em escala ampliada, considerando as trinta e quatro bibliotecas em que estive nos doze estados visitados. Dessa experiência, lamentei as condições de abandono em que, de um modo geral, se encontravam os documentos públicos da nossa história, apesar dos esforços empreendidos pelos bibliotecários que encontrei (e que gentilmente me atenderam) ao longo do litoral.
De volta a São Paulo, dividia a análise dos dados e a escrita da tese com outras investidas acadêmicas e culturais. A cidade oferecia, como nenhuma outra cidade brasileira, e, talvez, latino-americana, uma polifonia de acontecimentos no plano da cultura que não poderia ser desperdiçada. Sempre defendi a idéia que um professor, universitário ou não, deveria ampliar seu campo de conhecimento para além da sua formação stricto sensu. Acredito que esse “capital cultural personalizado”, com diz Pierre Bourdieu, de alguma maneira retorna para os mais jovens numa espécie de moto-contínuo.
Ampliando horizontes
No plano acadêmico, freqüentei dois cursos de extensão em metodologia da pesquisa da Profa. Maria Isaura Pereira de Queiroz – Agruras e Prazeres do Preparo de uma Pesquisa e Um Desafio para as Ciências Sociais: a Análise de Conteúdo (Doc.42). Foi um privilégio tê-la como professora, sobretudo porque tinha na memória um dos seus livros – O Messianismo no Brasil e no Mundo –, que me havia impressionado ao revelar-me um país e um meio rural que eu praticamente desconhecia. Com a vinda de Massimo Canevacci, Gilbert Duran, Félix Guattari e José Martín-Barbero ao Brasil, à USP e à PUC, inscrevi-me nos seus cursos e seminários. Tratava-se de atividades de curta duração, mas era uma oportunidade de se ter uma visão, ainda que geral, sobre o campo de estudos desses pesquisadores. Vale a pena destacar os dois últimos.
De Guattari, interessavam-me os comentários sobre o seu então recém-laçado livro: As Três Ecologias (1990). Embora se tratando de um texto curto, a complexidade do assunto abordado era notória. A temática da subjetividade humana no âmbito da questão ambiental trazida por Guattari nessa obra, motivou a mim e a Profa. Salett Tauk em propor à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) um seminário cujo tema fosse Comunicação Rural e Ecologia. Seguíamos, portanto, a trilha aberta pelo Prof. Geraldo Magela Braga (UFV), quando introduziu a temática da Comunicação Rural dentro dos congressos Intercom.
Esta decisão foi pautada quando refletíamos, por exemplo, sobre o que poderia ter ocorrido com as pessoas das cidades inundadas pela Barragem de Sobradinho, no Nordeste, em termos de subjetividade. Pois elas foram obrigadas a abandonar suas casas, seus mortos, a geografia local, suas sociabilidades. Ao lado dessa dimensão subjetiva, tínhamos na memória os impactos negativos provocados pela modernização da agricultura nos contextos populares rurais. Esses aspectos reunidos se revelaram como instigantes para pensar a Extensão Rural/Comunicação Rural na sua relação com o meio ambiente. Foi dessa iniciativa que, pela primeira vez, a temática da ecologia se inseriu nos congressos Intercom. O Seminário ocorreu em 1990, no Rio de Janeiro, sob a nossa coordenação (Doc.43). Entre os participantes da mesa encontrava-se a Profa. Suely Rolnik (PUC-SP) para abordar a questão das subjetividades, pois estudava o tema já algum tempo e trabalhara com Félix Guattari. Escrevemos o artigo Comunicação Rural e Ecologia: um Cruzamento Inevitável dos Anos 90, como justificativa do evento. (Doc.44). Esse tema reapareceria no ano seguinte, como está refletido em Comunicação Rural e Ecologia é Tema de GT na Intercom/91 (Doc.45).
Quanto à exposição de Martín-Barbero, que me motivou a escrever um pequeno artigo de divulgação – Ecologia, Desenvolvimento e Comunicação (Doc.46) –, tirei proveito diferenciado porque eu já conhecia um pouco da sua abordagem sobre as culturas populares e os processos de recepção aos meios de comunicação. A preocupação teórica desse autor Dos Meios às Mediações era revelar o “lado oculto do receptor”. Ou seja, ao estudar as culturas populares como culturas mestiças, isto é, nem folclóricas, nem massivas, afirma que os sentidos que elas atribuem às mensagens, em geral advindas dos meios de comunicação de massa, nem sempre são compatíveis com os ditames do emissor. Noutras palavras, Barbero retira o sujeito da passividade comunicacional à qual foi relegado pela pesquisa funcionalista e lhe dá visibilidade através dos estudos de recepção. As “mediações culturais”, identificadas no cotidiano das culturas populares, passam a ser uma das chaves recentes de compreensão dos processos comunicacionais latino-americanos.
Outros dois acontecimentos acadêmicos de que participei no período, agora no âmbito da história, merecem relevo: Perspectivas Históricas da Idéia Modernista, evento comemorativo da Semana de Arte Moderna de 1922, e Tempo e História, Caminhos da Memória, Trilhas do Futuro, também de cunho comemorativo: 1922, Semana de Arte Moderna; 1792, Morte de Tiradentes; e 1492, descobrimento do “novo mundo”.
Se, de um lado, a temática histórica era um atrativo em função da minha tese de doutorado, de outro, foi uma ocasião imperdível para conhecer melhor, no caso do primeiro evento, a Semana de 1922. Decidi apreciar as principais obras dos modernistas da Semana, boa parte delas nas ruas e museus de São Paulo. Fiz uma peregrinação pelos museus MASP, Lasar Segall, Pinacoteca do Estado e Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) para localizar as esculturas de Victor Brecheret, os quadros de Anita Malfatti e Di Cavalcanti.
Fiz caminhadas identificando as obras de Brecheret fincadas na cidade como Depois do Banho
(Largo do Arouche), Monumento a Duque de Caxias (Praça Princesa Isabel), Fauno (Parque Siqueira Campos) e a mais majestosa de todas elas: Monumento às Bandeiras (Parque do Ibirapuera). Muitas vezes passei ao lado dessas esculturas admirando sua beleza e grandiosidade, mas sem nada saber sobre o seu autor e sua repercussão na vida artística nacional. O Seminário foi realizado no Teatro Municipal de São Paulo, em 1992, no mesmo local em que ocorrera, com Villa-Lobos regendo sob vaias, a importante abertura da Semana de 1922. Escrevi um pequeno texto sobre essa experiência – 70 Anos da Semana de Arte Moderna (Doc.47) – e me surpreendo fazendo ilações entre a Semana e a Extensão Rural, nos seguintes termos:
“Acreditavam os modernistas de então, por ser o Brasil eminentemente agrícola, e era mesmo (hoje esse discurso, equivocadamente, ainda existe na boca de muito político e de professor universitário: o quanto a Semana nos pertence!), o folclore era o elemento chave para a educação da burguesia e do povo. Ponto de vista defendido, sobretudo, por Mário de Andrade, especialmente em relação à música (...) Vê Contier nessa proposta ‘pedagógico-musical´uma contradição e também um certo desprezo pelo povo.
Passados tantos anos, é curioso observar que essa contradição e desprezo, por influência ou não da Semana, parecem ter sobrevivido até os dias atuais.
E de forma trágica, se consideramos assuntos bem próximos de nós, como a velha e ainda conservadora extensão rural brasileira. Na perspectiva de arrancar as populações rurais da pobreza social e econômica, a extensão – em suas expedições modernizantes pelo meio agrícola nacional – não apenas negou as culturas regionais e seu folclore, como também minou-as por dentro, via penetração de produtos oriundos da indústria agropecuária. Contraditoriamente, também se utilizou das expressões folclóricas para difundir sua dosagem de ‘civilidade´, transfiguradas
agora em pacotes tecnológicos.
Se a Semana, por um lado, nos legou um olhar possível sobre a nossa brasilidade, por outro, ela não nos fez romper com o preconceito que, de forma explícita ou velada, nutrimos, ainda, pelo que chamamos de povo e de popular na cultura rural e urbana brasileiras.”
O segundo evento (Tempo e História, Caminhos da Memória, Trilhas do Futuro), fez parte de uma série de ciclos de conferências organizados por Adauto Novais. De grande repercussão no meio intelectual e estudantil, esse acontecimento acadêmico reuniu os mais expressivos nomes nacionais e internacionais nos temas abordados. Chamou-me a atenção, particularmente, a conferência do Prof. Alfredo Bosi – O Tempo e os Tempos. Naquela ocasião, eu já havia lido Como se Escreve a História. Bosi parecia ir de encontro à versão paulveniana da história, embora a esta não se referisse, no que diz respeito à reconstrução dos fatos sociais. Utiliza-se da metáfora do iceberg para construir sua visão de tempo e história. Para ele, a história estaria nas profundezas e não nas datas comemorativas de 1922, 1792 e 1492. Considerando que, para Veyne, a história não possui profundidades, decidi escrever Tempo de História: América 500 Anos (Doc.48). Na verdade, foi o mote escolhido para comentar aquele importante evento comemorativo do descobrimento do “novo mundo”.
Caminhos sinuosos e fecundos
Se no âmbito acadêmico eu tirava proveito do que São Paulo oferecia, não poderia ser diferente do ponto de vista cultural. Ademais, as expressões artísticas e literárias sempre foram mobilizadoras da minha vida pessoal e profissional, mesmo que o meu campo de trabalho se ligasse a elas apenas como “zonas vizinhas”. Reconheço-me aqui na vontade de “viver todas as vidas” de que fala Bourdieu ao referir-se a Flaubert (este, talvez, à personagem Emma Bovary de Madame Bovary, obra magistral do realismo literário francês). Foi nesse sentido que minhas idas ao teatro e cinema continuaram, desta vez de uma maneira mais ordenada. Acompanhei o trabalho de cinco diretores de teatro – Ulisses Cruz, Gabriel Vilela, Gerald Thomas, Moacyr Góes (norte-rio-grandense, radicado no Rio de Janeiro), o estreante Jaime Compri e o formidável Antunes Filho. Sempre tive vontade de escrever algo sobre o que vi do trabalho desses diretores. Eles foram tão importantes na minha formação de pesquisador no campo da Comunicação que guardo até hoje os programas e recortes de jornais com as críticas aos seus espetáculos. Mas farei isso um dia? Que tipo de fio condutor estabeleceria entre eles e para quê? Universidade Brasileira, Caos e Rancor (Doc.49) foi uma primeira tentativa (única, até o momento) de unir um evento acadêmico com um espetáculo teatral – Rancor –, do jornalista e diretor editorial da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, dirigido por Compri.
No cinema, acompanhei retrospectivas, também por diretores, desde o cinema mudo russo à nouvelle vague, passando pelo neo-realismo italiano até os trabalhos mais contemporâneos (Sergei Eisenstein, Fritz Lang, François Truffaut, Eric Rohmer, Michelangelo Antonioni, Vittorio de Sica, Luchino Visconti, Roberto Rossellini, Frederico Fellini, Ingmar Bergman, Luis Buñuel, Carlos Saura e Rainer Werner Fassbinder). Ao assistir a seus filmes fui aprendendo, lentamente, a distinguir melhor as diferentes “escolas” de cinema. Tive a oportunidade de freqüentar um curso de extensão promovido pela ECA sobre o diretor espanhol Carlos Saura – As Metáforas em Filmes de Carlos Saura (Doc.50) –, e de publicar o artigo Fassbinder: alguém depois do qual nada mais é como antes (Doc.51), cuja filmografia eu sempre apreciei dada a forma emaranhada com que trata as questões sociais, políticas e religiosas nos tormentos e contradições da alma humana.
Foi através de caminhos sinuosos como esses, que encontrei também um ambiente acadêmico extremamente fecundo dentro da ECA: os cursos modulares do Prof. Ciro Marcondes Filho. Levado pela curiosidade de conferir um certo tipo de crítica que se fazia aos temas ali tratados, acabei sendo capturado pela riqueza das questões e das abordagens teóricas extremamente atualizadas e instigantes que permeavam as aulas. Fiquei um ano e meio freqüentando esses cursos modulares como ouvinte. Ali se abdicava dos esquemas tradicionais da Comunicação, emissor-canal(mensagem)-receptor, para pensar assuntos mais emergentes como a “TV interativa”, a “experiência do tempo, do espaço e da velocidade na era pós-moderna”, “as redes comunicacionais”, a “inteligência artificial”, a “estética da violência”, entre tantos outros tópicos que compuseram o Projeto Nova Teoria da Comunicação do Prof. Marcondes Filho.
A literatura sugerida era completamente nova para mim. Aos poucos fui mergulhando nos escritos de autores como David Harvey, Jean Baudrillard, Paul Virilio, Frederic Jameson, para acompanhar mais de perto, sob novos vetores teóricos, os processos comunicacionais na sociedade contemporânea. Embora fascinado com o desenrolar dos cursos, em alguns momentos pensei que essa sinuosidade me levaria à dispersão.
Aconteceu o contrário. Era mais uma sinuosidade na linha reta traçada. Enquanto avançava com a escritura da tese, realizava anotações minuciosas sobre as aulas e as leituras realizadas que me levassem, futuramente, a pensar a Extensão Rural/Comunicação Rural sob um novo enfoque teórico. Similar ao que ali era tratado dentro da Comunicação em geral. Atividade que seria desenvolvida quando da minha volta para o Recife. O pressuposto do qual partiria, transcrito do artigo que escrevi em 1994 – Comunicação Rural e Era Tecnológica: Tema de Abertura (Doc.52) –, foi assim construído:
“Ao concordar com o pressuposto de que a introdução das tecnologias eletrônicas e informatizadas na sociedade urbana contemporânea é uma forma sui generis de introdução tecnológica, em torno da qual ‘reordena-se o sócius, reestrutura-se a política, os comportamentos, as normas éticas e a subjetividade’, era de se admitir, por seu turno, que algum tipo de reestruturação social poderia estar também ocorrendo (direta ou indiretamente) no espaço agrário. Portanto, dentro desse enfoque, era indefensável a idéia da introdução dessas tecnologias no meio rural como uma introdução nos moldes da ‘modernização da agricultura’ dos anos 70/80. Isso trazia para a Comunicação Rural um desafio sem precedentes, na medida em que seus modelos teóricos estavam alheios aos vetores que sustentam essa espécie de difusão high-tech no meio rural.”
A tese de doutorado
Em fevereiro de 1994, conclui minha tese de doutorado: A Voz do Mar: Construção Simbólica da Realidade dos Pescadores Brasileiros pela Missão do Cruzador “José Bonifácio” (1919-1924) (Doc.53). Eu estava verdadeiramente satisfeito com o resultado. Havia singrado as águas da história da pesca de tal maneira que pude inferir que os discursos e as estratégias de comunicação utilizados pela Marinha de Guerra do Brasil para organizar os pescadores em Colônias ao longo da costa repercutiram na configuração “apática” dos movimentos sociais de pescadores. Os interesses militares de proteção da costa nacional – que a I Guerra Mundial revelara o quanto estava militarmente desprotegida – levaram a Armada a investir de maneira significativa no campo da educação e da saúde como estratégias de desenvolvimento da pesca e dos pescadores no país. Assim, dali por diante, eu tinha um material de pesquisa significativo que, aliado aos estudos sobre movimentos sociais, alimentaria por muitos anos minhas aulas de Extensão Pesqueira na graduação. Escrevi Extensão Pesqueira: Ano Zero (Doc.54) para o III Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca, onde faço um balanço dessa atividade à luz de alguns aspectos abordados na tese.
A satisfação de um trabalho acadêmico denso concluído é sempre acompanhada de certo vazio. O produto a que tanto tempo me dedicara, agora era de “domínio público”. Mas, foi nesse domínio que a tese de doutorado me trouxe as maiores alegrias.
Aprovado com nota dez com distinção pela banca examinadora, em 1994 (Doc.55), voltei para casa envolvido por um sentimento de vaidade, mas de uma vaidade sem arrogância, madura, sem comemorações coletivas. Era alegria do dever cumprido, que se repetiria em 1995: minha tese ganhou o prêmio da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, na categoria Estudos Inderdisciplinares (Doc.56). Eu estava radiante. Mas tinha plena consciência de que aquele prêmio não era só meu. Era também da minha orientadora, Profa. Alice Mitika. Era também da Profa. Tereza Halliday que, numa orientação ad hoc, me conduziu no campo da Rhetorical Criticism; e da Profa. Salett Tauk, que leu comigo, criticando toda a tese na fase final da sua construção.
A experiência no CMARCR
Quando voltei para o Recife, eu estava entusiasmado em retomar não apenas minhas disciplinas de graduação, há tanto tempo afastado delas e dos alunos, mas também aceitar um antigo convite formulado pela Profa. Selma Rodrigues de Oliveira para compor o corpo docente do Curso de Mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural (CMARCR) da UFRPE. A minha pretensão no CMARCR era atuar no campo da Teoria da Comunicação. Essa disciplina era um caminho promissor para eu desenvolver, no âmbito da Extensão Rural/Comunicação Rural, todas aquelas concepções do Projeto Nova Teoria da Comunicação, do Prof. Ciro Marcondes Filho. Era uma proposta que eu queria desenvolver com colegas e alunos.
Considero-me uma pessoa abençoada por “herdar”, de maneira involuntária, “bens simbólicos” de pessoas que estimo e admiro, no sentido mais paulveniano dos acasos históricos. Se no passado “herdo” a vaga do meu inesquecível Prof. Romildo Pessoa, agora é a Profa. Tereza Halliday quem me oferece pessoalmente (sem saber das minhas intenções acadêmicas) a disciplina Teoria da Comunicação do CMARCR, da qual foi responsável até 1995. Assumi, conscientemente, uma responsabilidade enorme, pois se tratava de substituir uma pesquisadora senior, admirada por mim e reconhecida por todos os seus pares. Lá vou eu novamente “viver todas as vidas”. Desta vez, para transpassar, na condição desafiadora de estreante recém-doutor, outro fio importante da urdidura.
O contato com a pós-graduação do CMARCR me proporcionaria um período de grande densidade acadêmica. As aulas de Teoria da Comunicação, cujo programa modifiquei a partir daquelas leituras e anotações desenvolvidas durante os cursos do Prof. Ciro Marcondes Filho, foram o caminho inicial para se discutir, sobre novas bases teóricas, a Extensão Rural/Comunicação Rural no Brasil. Os primeiros resultados concretos dessa experiência estão refletidos em Comunicação Rural e Pós-Modernidade (Doc.57), que organizei em 1996. Essa coletânea traz, além de artigos dos mestrandos, a palestra do Prof. Jomar Muniz de Brito, realizada numa das sessões da Disciplina.
Relações acadêmicas internacionais
Ao lado disso, passei a desenvolver, com os professores Salett Tauk e Paulo de Jesus, uma experiência internacional de grande proveito acadêmico pessoal, através do convênio celebrado entre a Universidade de Sherbrooke, no Canadá, e a UFRPE. O objetivo do acordo era o desenvolvimento de cooperação técnico-científica entre as universidades participantes para apoiar o Programa de Associativismo para o Ensino, Pesquisa e Extensão (PAPE), do Departamento de Educação. Meu envolvimento com a equipe de coordenação do PAPE entre 1994-1996 (Doc.58) levou-me a participar de três missões internacionais. Uma na Colômbia (Doc.59), cujo objetivo principal era estudar a possibilidade de criação de uma rede latino-americana de estudos sobre economia solidária, embrião do que é hoje a Rede Universitária das Américas em Estudos Cooperativos e Associativismo (UNIRCOOP); e as outras no Canadá para discutir a segunda fase do Convênio, conhecer experiências do cooperativismo quebequense e participar do 62º e 63º Congresso da Association Canadienne-Française pour l´Avancement des Sciences (ACFAS), momento em que apresentei os artigos L´Associativisme dans la Pêche au Brésil: Aspects Historiques et Perspectives e Développement Local et Associativisme: une Lecture Multidisciplinaire pour le Nord-Est Brésilien, este realizado em parceria (Doc.60).
O proveito maior tirado dessa experiência, além de adquirir certo traquejo com as relações acadêmicas internacionais, foi o acesso, do ponto de vista teórico e empírico, às experiências canadenses de Desenvolvimento Local. Em meados dos anos 90, essa temática – hoje disseminada por várias áreas do conhecimento – era praticamente desconhecida no âmbito das Ciências Agrárias. Decidimos então aprofundar essa experiência dentro do PAPE. Organizamos dois eventos que foram importantes nesse processo: o I Encontro de Associativismo Econômico-Produtivo do Nordeste e o Workshop Associativismo Econômico-Produtivo e o Desenvolvimento Local. Este último com a participação de pesquisadores canadenses e brasileiros. O nosso interesse por essa temática está refletido no texto Associativismo e Desenvolvimento Local (Doc.61).
Movidos por essas atividades, Profa. Salett e eu instauramos uma discussão teórica na Extensão Rural/Comunicação Rural ao articular essa disciplina à temática do Desenvolvimento Local. Desafios da Comunicação Rural em Tempo de Desenvolvimento Local, escrito para a Revista Signo (Doc.62), revela a necessidade de as práticas extensionistas serem redefinidas, pois os processos de exclusão social em curso estavam a exigir uma inserção mais complexa dos atores institucionais locais nos processos de desenvolvimento rural.
Aprofundamento dos debates
A partir daí, minha preocupação central foi a de ampliar o debate na Extensão Rural/Comunicação Rural e Desenvolvimento Local, incluindo temas emergentes como as novas ruralidades e os vetores da Nova Teoria da Comunicação. Nesse sentido, os fios que tramei em diferentes espessuras e relevos engrandeceram minha experiência acadêmica dentro e fora da universidade. No Mestrado CMARCR foram duas as frentes de trabalho. Uma, o debate sistemático com os alunos inscritos na disciplina Teoria da Comunicação, que me levou a orientar doze dissertações (Doc.63); e a outra foi a criação do Núcleo Nova Teoria da Comunicação (NTC-Recife).
Fiquei estimulado quando o Prof. Ciro Marcondes Filho me convidou para instituir o NTC-Recife, à semelhança do que estava sendo realizado em outras cidades brasileiras. A proposta era articular em rede o Projeto Nova Teoria da Comunicação, a partir de São Paulo, contanto que os núcleos tivessem autonomia na escolha dos temas de debates e pesquisas. Reuni-me com os colegas de diferentes formações, Maria Teodora de Barros Oliveira (antropóloga), Márcio Bartolomeu Alves Silva (economista), Lília Maria Junqueira (socióloga) Maria das Graças Almeida (historiadora) Heloisa Nóbrega Bastos (física), Zélia Jófili (educadora) e a mestranda Giuseppa Spenillo (jornalista) e fundamos o Núcleo. A cada mês um membro do grupo escolhia um tema e convidava um especialista para debater conosco. Procurávamos, na medida do possível, trazer a questão das novas tecnologias de comunicação e informação na sociedade atual para as diferentes áreas de conhecimento dos pesquisadores envolvidos. Os cadernos Fractais (ISSN 1414-9427) foram criados como veículo de divulgação na rede dos trabalhos realizados pelo NTC-Recife (Doc.64).
Fora da universidade abri mais duas frentes de ação na perspectiva de ampliar o debate coletivo em torno da Extensão Rural/Comunicação Rural na sua interface com o Desenvolvimento Local. Convidado pela Direção Científica da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) para Coordenar o GT Comunicação Rural dos congressos anuais da Sociedade, propus aos membros do grupo uma nova pauta de discussões e de estudos sem, contudo, perder de vista os avanços obtidos pelos coordenadores anteriores. Fiquei cinco anos à frente dessa coordenação (Doc.65). Período em que tirei lições e amadureci no trabalho intelectual coletivo. Foram encontros anuais de atividades produtivas que me animaram a organizar dois livros para a Intercom – Comunicação Rural e o Novo Espaço Agrário e Comunicação Rural, Tecnologia e Desenvolvimento Local – os quais revelam os avanços obtidos no campo da Extensão Rural/Comunicação Rural (Doc.66). Confesso, todavia, que ainda temos um longo caminho a percorrer no sentido de superar os difusionistas com o mesmo vigor teórico que estes imprimiram à pesquisa em Difusão de Inovações. O artigo A Comunicação Rural nos Congressos da Intercom: Balanço para entrar no Século XXI, publicado no livro Vinte Anos de Ciências da Comunicação no Brasil, reflete essa minha preocupação (Doc.67).
Consultorias
Encontrei nas consultorias e avaliação de projetos uma maneira de ficar mais próximo das práticas extensionistas, desenvolvidas principalmente pelas organizações governamentais. Particularmente, faço de muito bom grado esse tipo de atividade profissional. Não por que sou pago pelo trabalho realizado, o que não deixa de ser interessante nesta época de salários sombrios. Mas, sobretudo, pela oportunidade de conhecer e de me apropriar de conhecimentos empíricos. Por outro lado, as idas ao campo sempre representaram para mim uma forma de aprendizagem pessoal, de desfazer os últimos preconceitos ou visões estereotipadas (se é que conseguimos nos desfazer por completo dos preconceitos) a partir das observações sobre o que separa e o que une o rural ao urbano nos dias de hoje. Valem referência as experiências que resultaram nos seguintes relatórios: Relatório de Avaliação do Segmento Organização/Participação Comunitária do Programa PAC/FUMAC (PAPP/UFRPE/FUNDAJ, 1996) (Doc.68); Apoio ao Setor Educação: Avaliação Técnica e Econômica (SEPLAN/PROMATA, 1998) (Doc.69); Relatório Final Projeto Lumiar (INCRA/UFPE/UFRPE, 1998) (Doc.70); Relatório das Atividades de Consultoria na Área de Pesca do Prorenda Rural – PE (SEPLAN/GTZ, 2000) (Doc.71); Relatório Final das Atividades de Extensão Pesqueira do Projeto Renascer (PCPR) em Pernambuco: Avaliação, Planejamento e Resultados (SCPS/Renascer, 2004) (Doc.72); e Relatório Final das Atividades de Extensão Pesqueira do Projeto Renascer (PCPR) em Pernambuco: Avaliação e Planejamento (SCPS/Renascer, 2005) (Doc.73).
Essas experiências, desenvolvidas com colegas de diferentes áreas de formação, foram muitas delas transformadas em artigos para congressos e revistas no âmbito da Extensão Rural/Comunicação Rural. Entre eles: Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural no Nordeste do Brasil: organização e Participação Comunitária, de 1999 (Doc.74); Comunicação Participativa e Reforma Agrária: o Caso do Projeto Lumiar em Pernambuco, 1999 (Doc.75); e O Associativismo Pesqueiro como Ferramenta de Combate à Pobreza Rural: a Experiência do Projeto Renascer, Brasil, 2004 (Doc.76).
A preocupação de sempre
O movimento estabelecido entre a atuação técnica nas consultorias e a reflexão teórica sobre essas mesmas experiências no plano acadêmico sempre me exigiu repensar o lugar do profissional da Extensão Rural nas Ciências Agrárias. Tal como aconteceu nos primeiros anos da minha carreira de professor, com as tentativas de modificar os programas das disciplinas Extensão Rural e Extensão Pesqueira, nos tempos recentes essa preocupação volta à tona novamente. É o evento se repetindo (não como farsa, reagiria Paul Veyne a essa expressão de Marx no magistral O 18 Brumário de Luís Bonaparte), mas como um novo acontecimento, pois um evento nunca se repete da mesma forma.
À medida que o meio rural passou a se configurar para além das atividades agrícolas e os processos de exclusão social foram agravados pela mundialização dos mercados e das culturas, passou-se a exigir do profissional da Extensão uma formação que se alinhasse à complexidade dos processos no Desenvolvimento Local. Este visualizado como ponto de saída ou de reação nas políticas de combate à pobreza rural. Neste sentido, escrevi dois artigos discutindo essas dimensões tanto no campo da Extensão Rural, quanto no campo da Extensão Pesqueira. Ambos deságuam em propostas de programas para essas disciplinas nos cursos das Ciências Agrárias brasileiras. São eles: Formação de Comunicadores Rurais: Novas Estratégias para Enfrentar o Século XXI, 2001 (Doc.77), e O Ensino da Extensão Pesqueira no Brasil: Desafios Atuais, 2003 (Doc.78). Programas esses incorporados aos cursos de Extensão Rural e Extensão Pesqueira que ministro na graduação. Parte desse programa é também abordado na disciplina Desenvolvimento Local que está sob a minha responsabilidade no Curso de Especialização em Associativismo da UFRPE (Doc.79).
A pergunta que fica, entretanto, ao propor novos conteúdos à formação extensionista, é se estamos de algum modo influenciando outros ambientes universitários sobre uma nova forma de fazer Extensão Rural no Brasil? Seja como for, vejo-me sempre investindo nessa direção. Carrego comigo uma espécie de crença profissional: a do papel irredutível do técnico de Extensão nos processos de emancipação social e econômica das populações rurais. Por isso aceito ministrar cursos e participar de debates com técnicos de outras regiões (muitas vezes sem atrativos financeiros), como foram os mais recentes: Desenvolvimento Local e Cooperativismo, Curitiba, 2003 (Doc.80), Seminário sobre Extensão Pesqueira, Brasília, 2004, (Doc.81); O Papel do Extensionismo Pesqueiro e Aqüicola, Florianópolis, 2004, (Doc.82); e Extensão Rural e Pesqueira, Presidente Figueiredo, AM, 2004 (Doc.83).
Armando um novo barco
2002. Um pesadelo se abate sobre mim. O Mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural (CMARCR), sob a minha coordenação (Doc.84), havia sido descredenciado pela CAPES. Foi uma crise pessoal e institucional tremenda. Mas não abandonei o posto. Com serenidade, sem polemizar, era a hora de armar um novo barco, como se diz no jargão da engenharia de pesca. Eu convivia com um sentimento nessa experiência de professor e coordenador do CMARCR de que as duas áreas de concentração existentes se desenvolveram, ao longo dos anos, de forma independente. Com contatos esporádicos entre si, as áreas não se constituíam num corpo acadêmico único. Faltou-nos uma associação em simbiose, como convinha àquele formato de pós-graduação. Entretanto, num esforço coletivo intra-áreas, dada a maturidade acadêmica do corpo docente, superamos a crise e dois novos programas de pós-graduação foram criados na UFRPE.
Com a participação de antigos e novos professores da área de Comunicação Rural, coordenei, com a Profa. Salett Tauk, o projeto de criação do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local – POSMEX (Doc.85). Credenciado pela CAPES, em 2004, o Programa se constitui em um presente para a instituição e para o Nordeste. Não como dádiva, mas como conquista. De um lado, porque revelou o dinamismo e a capacidade dos seus professores em enfrentar novos desafios num contexto universitário combalido pelas mazelas do serviço público; de outro, porque vem ao encontro de uma necessidade regional de formação especializada em Extensão Rural. Pioneiro no Norte e Nordeste, o Programa realizou 98 inscrições de candidatos na primeira seleção, sem acenar com o oferecimento de bolsas de estudo e sem divulgação estratégica. Desde então, coordeno com entusiasmo e dedicação o POSMEX (Doc.86). Sou também responsável pela disciplina Fundamentos da Comunicação e do Desenvolvimento Local (Doc.87).
A recusa às velhas amarras teórico-metodológicas da Extensão Rural, das quais Paulo Freire nos livrou, foi determinante para reunir, num mesmo espaço acadêmico – o POSMEX –, professores interessados em pesquisar essa disciplina numa perspectiva inovadora. Vejo-me, assim, pronunciando os seguintes trechos nas Palavras de Abertura à Aula Inaugural da Profa. Tereza Halliday no POSMEX (Doc.88):
“Sob a égide de um verbete antigo, mas internacionalmente aceito e consolidado, a Extensão Rural assume no POSMEX, através das suas duas linhas de pesquisa, uma contemporaneidade sem precedentes, a meu ver, na história do extensionismo rural brasileiro. Abandonamos a idéia de desenvolvimento rural pela via do difusionismo tecnológico e a visão romântica dos contextos populares imunes à cultura de massa, para pensarmos a Extensão no campo do Desenvolvimento Local e dos contextos populares rurais como Culturas Híbridas. Temáticas que vêm desafiando pesquisadores, técnicos e instituições governamentais e não governamentais em vários países das Américas e da Europa frente aos desafios provocados pela mundialização das culturas e dos mercados.”
Frente à dissensão social que desafia o mundo contemporâneo, venho me propondo nos anos recentes, agora de maneira mais centrada através do POSMEX, a refletir sobre as estratégias de comunicação estabelecidas pelas organizações governamentais para mobilizar as populações do meio rural nos processos de Desenvolvimento Local. O recorrente chamamento à participação, hoje exigência das agências internacionais de fomento ao desenvolvimento comunitário, requer que se averigúe em que medida essas estratégias se confundem, sob um “novo manto teórico”, com as práticas comunicacionais antidialógicas que marcaram a história da Extensão Rural no Brasil. Minha proposição é reunir um conjunto amplo de reflexões e de pesquisa que possa equipar teoricamente a Extensão Rural e Pesqueira para ações extensionistas cada vez mais democráticas no meio rural. Os últimos trabalhos que produzi sinalizam esse caminho: Estratégias de Comunicação para o Desenvolvimento Local: uma Experiência Governamental em Pernambuco, 2005 (Doc.89); Ensino e Pesquisa da Comunicação para o Desenvolvimento Local: a Experiência do Mestrado em Extensão Rural da UFRPE, 2005 (Doc.90); Estratégias de Comunicação em Contextos Populares: Implicações Contemporâneas no Desenvolvimento Local Sustentável, 2004 (Doc.91); Comunicação, Ruralidade e Desenvolvimento, 2004 (Doc.92); Extensão Pesqueira na Gestão no Desenvolvimento Local, 2003 (Doc.93); Estratégias Governamentais de Comunicação para o Desenvolvimento Local, 2002 (Doc.94); e Comunicação Rural e Educação na Era das Tecnologias do Virtual: Proposição para um Debate, 2002 (Doc.95).
Enquanto o POSMEX adquire velocidade para decolar sua viagem no tempo, vou operando manualmente a engrenagem. Estrategicamente, aceitei o convite para voltar à equipe de coordenação do Programa de Associativismo para Ensino, Pesquisa e Extensão (PAPE) (Doc.96). Foi a maneira que encontrei para iniciar a aproximação do Mestrado de experiências acadêmicas consolidadas, pertinentes à Extensão Rural, como é o caso do PAPE. Por meio desse Programa, participo, em conjunto com outros colegas do POSMEX, da Rede Universitária das Américas em Estudos Cooperativos e Associativismo (UNIRCOOP), através de seus encontros anuais (Doc.97), e do Comitê Editorial da Revista UNIRCOOP (Doc.98). Todos esses laços, acredito, permitirão desenvolver cada vez mais atividades coletivas, condição sine qua non para arremessar uma proposta de pós-graduação.
Retiro agora o olhar da linha reta que tracei e o faço girar em torno de mim mesmo. O que vejo? A pouca distância, meus alunos se encaminhando na árdua e benfazeja tarefa de se tornarem profissionais e pesquisadores. Vejo colegas talentosos com os quais gostaria de firmar novos projetos. Vejo meus amigos e familiares a solicitar mais atenção. A médio alcance, lá estão meus alunos seguindo suas próprias linhas retas (serão também em ziguezague?), a cursarem doutorado, a tornarem-se professores, a participarem dos mesmos foros acadêmicos que freqüento, a me pedir apresentação a dissertações que viraram livros. A me estimarem. Numa proximidade virtual, vejo colegas de faculdade e de pós-graduação, na sempre alegria do encontro. Vejo ex-colegas professores da Universidade a quem recorro quando quero uma opinião firme e honesta sobre o que produzo. E, à longa distância física, mas próxima da memória, os meus queridos professores de graduação. Não vejo seguidores. O que me alenta para a realização de novos projetos.
ACABAMENTOS
Desligo agora a esteira rolante acionada no sentido inverso do tempo e a impulsiono no sentido cronológico da história. O que tecer daqui por diante? Quais os novos fios a serem transpassados pela urdidura da trama? Memorial inacabado? Memorial inacabável, porque ainda cheio de fios a serem tecidos. Memorial em construção permanente.
Ao lado da minha mesa de cabeceira, lá está o Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, que Suassuna tanto resistiu em reeditar, mas, finalmente, estou realizando um desejo antigo; lá estão Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso, projeto de leitura para fechar a trilogia gilbertiana. Minha geração tem uma dívida para com Gilberto Freyre, por não o ter lido, “no momento certo”, dadas as bobagens que foram ditas sobre Casa-Grande e Senzala. Fiquei apaixonado por esta obra, lida recentemente.
Em matéria de pesquisa, venho trabalhando o projeto Desenvolvimento Local e Comunicação Rural: Caminhos Cruzados (Doc.99). Nele pretendo analisar, após a conclusão do levantamento da literatura sobre Desenvolvimento Local, as aproximações teóricas possíveis entre essa área de conhecimento e a Extensão Rural/Comunicação Rural. Simultaneamente, ando às voltas na construção de outro projeto de pesquisa sobre o Ensino Universitário da Extensão Rural em Países Lusófonos. Quero conhecer a experiência acadêmica dessa disciplina fora do Brasil, como estratégia de um intercâmbio futuro com universidades de língua portuguesa. A visita recente ao POSMEX do Prof. Francisco Diniz, da Universidade Trás-Os-Montes, animou essa possibilidade, bem como a evolução dos congressos bianuais das Associações Lusófonas de Ciências da Comunicação (LUSOCOM).
Com a esteira ainda em movimento, organizo um livro em parceria com a Profa. Salett Tauk, Associativismo e Desenvolvimento Local, sob a chancela da Rede Universitária das Américas em Estudos Cooperativos e Associativismo (UNIRCOOP) (Doc.100). É uma maneira de nos manter em contato com pesquisadores brasileiros e estrangeiros especialistas em temas correlacionados à Extensão Rural. Dentro desse movimento, tenho, ainda, procurado atender a convites de consultoria, como o há pouco formulado pelo Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER), da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário, para apoiar a construção das diretrizes da Extensão Pesqueira no país (Doc.101). Oportunidade rara, há tanto tempo desejada, no sentido de propor caminhos mais contemporâneos para o extensionismo pesqueiro nacional.
Do ponto de vista editorial, estou motivado a reeditar, em curto prazo, os cadernos Fractais. Agora num formato mais próximo do Programa de Extensão Rural e Desenvolvimento Local (POSMEX). Quero que ele seja um aglutinador de pesquisadores no campo da Extensão Rural, bem como um veículo de divulgação científica dos trabalhos dos professores e alunos do POSMEX e de outras instituições. Ao lado disso, venho embalando a idéia, já faz alguns anos, de realizar estágio de pós-doutoramento. Gostaria, imensamente, de ter um período acadêmico mais calmo para me dedicar ao estudo da Extensão Rural/Comunicação Rural no que diz respeito à construção de modelos teóricos que auxiliem os contextos populares socialmente excluídos a buscarem saídas mais estratégicas de desenvolvimento local.
Em matéria de concretização de sonhos acadêmicos, de repercussão mais abrangente, venho alimentando a idéia de dinamizar a Biblioteca do Departamento de Educação da UFRPE, da qual o POSMEX se avizinha. Não apenas no sentido de ampliar o seu acervo, mas de moldá-la como centro de referência no campo da Extensão Rural, para estudantes e pesquisadores, de dentro e de fora da Universidade. Visualizo um birô de consultoria em Extensão Rural para organizações populares, sendo desenvolvido por alunos de graduação e de pós-graduação, sob a supervisão de professores. Visualizo a Biblioteca acolhendo grupos de estudos de professores, realizando atividades culturais, sobretudo no campo do cinema, através de retrospectivas por temáticas ou por diretores. Vejo mais adiante essa Biblioteca crescendo, incorporando o Museu do Folclore, tão amorosamente construído pelo Prof. Roberto Benjamin na UFRPE, mas sem visibilidade no momento. Vejo-o abrindo-se ao público externo. Sonhos, bem sei, de uma dureza inefável. Dureza que me faz lembrar João Cabral de Melo Neto em A Educação pela Pedra, matéria enfrentada para chegar a tecer este Memorial:
“Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).”
Os anos passam, as pedras rolam, mas me sinto ainda num entusiasmo de quem soletra as primeiras letras da dicção acadêmica pela pedra. Assim continuo tecendo e construindo o meu Memorial.
LISTA DE DOCUMENTOS
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Doc.01 - Presidente do Diretório Acadêmico do Curso de Engenharia de Pesca da UFRPE.
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Doc.02 - Estágio na Cooperativa de Pescadores da Colônia Z-1 do Pina, Recife (PE).
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Doc.03 - Coordenação do Seminário A Engenharia de Pesca e os Desafios ao Desenvolvimento Pesqueiro.
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Doc.04 - Participação e Relatório da I Feira Nacional da Pesca.
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Doc.05 - Treinamento em Extensão Pesqueira.
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Doc.06 – Texto: Questionamento Crítico sobre Extensão Pesqueira.
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Doc.07 - Participação no I Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca.
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Doc.08 - Monografia de Conclusão do Curso de Engenharia de Pesca, Análise de Alguns Parâmetros da Extensão Pesqueira no Nordeste Brasileiro.
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Doc.09 - Portaria de Concurso Público para Professor Auxiliar em Extensão Rural da UFRPE.
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Doc.10 - Pré-Projeto de pesquisa de mestrado, Efeitos da Transformação Tecnológica na Pesca Artesanal: Proposição a um Novo Modelo Conceitual e Metodológico para a Extensão Pesqueira.
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Doc.11 - Projeto de pesquisa de mestrado, Caracterização dos Movimentos Sociais de Pescadores em Pernambuco (1920-1982).
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Doc.12 - Representação discente no Colegiado do Curso do Mestrado em Extensão Rural da UFSM.
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Doc.13 - Participação no I Simpósio de Extensão Rural e Agricultura Brasileira.
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Doc.14 - Texto: Dos Senões Conceituais da Extensão Rural à Busca de sua Definição.
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Doc.15 - História em quadrinhos: Pescalino em: uma Linha de Pesquisa para a Extensão Rural.
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Doc.16 - Texto: A Extensão Pesqueira como Disciplina Recente na Universidade Brasileira.
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Doc.17 - Portaria de Professor Auxiliar I em Extensão Rural.
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Doc.18 - Professor de Extensão Rural e Extensão Pesqueira.
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Doc.19 - Portaria de Professor Adjunto IV.
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Doc.20 - Texto: Extensão ou Comunicação: a Participação está na Pauta? Intercom Notícias.
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Doc.21 - Texto: Extensão ou Comunicação: a Participação está na Pauta? Quinzena Rural.
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Doc.22 - Dissertação de mestrado: Movimentos Sociais de Pescadores em Pernambuco – 1920/1983.
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Doc.23 - Texto: Ligas de Pescadores na Imprensa de Pernambuco.
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Doc.24 - Dissertação de mestrado escolhida pelo Curso de Mestrado em Extensão Rural da UFSM para concorrer ao Prêmio SOBER 1987.
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Doc.25 - Projeto de extensão: Projeto Pitanga: Apoio Universitário Dentro de um Processo de Reforma Agrária.
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Doc.26 - Evento: Reformagrária Viva: a Luta do Povo de Pitanga. DVD
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Doc.27 - Texto: Comunicação e Reforma Agrária: o Caso do Engenho Pitanga em Pernambuco.
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Doc.28 - Texto: Impasses de Comunicação em Projetos de Educação Popular: o Caso do Assentamento do Engenho Pitanga em Pernambuco.
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Doc.29 - Texto: Alternativas de Comunicação Rural e Participação Popular: uma Experiência em Assentamento de Reforma Agrária.
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Doc.30 - Texto: Comunicação Rural em Xeque.
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Doc.31 - Texto: A Comunicação Rural no XI Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
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Doc.32 - Organização de publicação: Extensão Universitária e Participação Popular.
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Doc.33 - Evento: 30 Anos de Engenharia de Pesca: Imagens, Textos e Sons.
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Doc.34 - Parecer técnico do segmento Difusão do Programa GAT (CNPq/ANE).
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Doc.35 - Relatório de Avaliação Ano IV do Segmento Difusão do Programa GAT (CNPq/ANE).
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Doc.36 - Homenagens recebidas de alunos.
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Doc.37 - Portaria de Vice-coordenação e Coordenação do Curso de Engenharia de Pesca da UFRPE.
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Doc.38 - Relatório: Breve Relatório de Atividades da Coordenação do Curso de Engenharia de Pesca.
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Doc.39 - Carta de aceite para participar do Programa de Pós-graduação da Wageningen Agricultural University, Holanda.
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Doc.40 - Texto: Considerações em Torno da Missão do Cruzador “José Bonifácio”.
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Doc.41 - Histórico Escolar do Curso de Doutorado.
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Doc.42 - Participação nos cursos: Agruras e Prazeres do Preparo de uma Pesquisa e Um Desafio para as Ciências Sociais: a Análise de Conteúdo.
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Doc.43 - Coordenação do Seminário Comunicação Rural e Ecologia (Congresso Intercom, 1990).
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Doc.44 - Texto: Comunicação Rural e Ecologia: um Cruzamento Inevitável dos Anos 90.
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Doc.45 - Texto: Comunicação Rural e Ecologia é Tema de GT na Intercom/91.
Doc.46 - Texto: Ecologia, Desenvolvimento e Comunicação.
Doc.47 - Texto: 70 Anos da Semana de Arte Moderna.
Doc.48 - Texto: Tempo de História: América 500 Anos.
Doc.49 - Texto: Universidade Brasileira, Caos e Rancor.
Doc.50 - Curso: As Metáforas em Filmes de Carlos Saura.
Doc.51 - Texto: Fassbinder: alguém depois do qual nada mais é como antes.
Doc.52 - Texto: Comunicação Rural e Era Tecnológica: Tema de Abertura.
Doc.53 - Tese de doutorado: A Voz do Mar: Construção Simbólica da
Realidade dos Pescadores Brasileiros pela Missão do Cruzador “José
Bonifácio” (1919-1924).
Doc.54 - Texto: Extensão Pesqueira: Ano Zero.
Doc.55 - Tese de doutorado aprovada com
nota dez e distinção pela banca examinadora, em 1994.
Doc.56 - Prêmio da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, na categoria Estudos
Inderdisciplinares, Tese de doutorado, 1995.
Doc.57 – Organização de textos: Comunicação Rural e Pós-Modernidade.
Doc.58 - Membro da Equipe de Coordenação
do PAPE, entre 1994-1996.
Doc.59 - Relatórios: Relatório da Missão na Colômbia e Relatório da Missão no Canadá.
Doc.60 - Textos: L´Associativisme dans la Pêche au Brésil: Aspects Historiques et
Perspectives e Développement
Local et Associativisme: une Lecture Multidisciplinaire pour le Nord-Est
Brésilien.
Doc.61 - Texto: Associativismo e Desenvolvimento Local.
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Doc.62 - Texto: Desafios da Comunicação Rural em Tempo de Desenvolvimento Local.
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Doc.63 – Orientações de dissertações de mestrado.
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Doc.64 - Editor dos cadernos Fractais (ISSN 1414-9427).
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Doc.65 - Coordenação do GT Comunicação Rural da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).
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Doc.66 - Livros organizados para a Intercom: Comunicação Rural e o Novo Espaço Agrário e Comunicação Rural, Tecnologia e Desenvolvimento Local.
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Doc.67 - Texto: A Comunicação Rural nos Congressos da Intercom: Balanço para entrar no Século XXI.
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Doc.68 - Relatório: Relatório de Avaliação do Segmento Organização/Participação Comunitária do Programa PAC/FUMAC (PAPP/UFRPE/FUNDAJ).
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Doc.69 - Relatório: Apoio ao Setor Educação: Avaliação Técnica e Econômica (SEPLAN/PROMATA).
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Doc.70 - Relatórios: Relatório Final Projeto Lumiar (INCRA/UFPE/UFRPE).
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Doc.71 - Relatório das Atividades de Consultoria na Área de Pesca do Prorenda Rural – PE (SEPLAN/GTZ).
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Doc.72 - Relatório Final das Atividades de Extensão Pesqueira do Projeto Renascer (PCPR) em Pernambuco: Avaliação, Planejamento e Resultados (SDSC/Renascer).
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Doc.73 - Relatório Final das Atividades de Extensão Pesqueira do Projeto Renascer (PCPR) em Pernambuco: Avaliação e Planejamento (SDSC/Renascer).
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Doc.74 - Texto: Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural no Nordeste do Brasil: organização e Participação Comunitária.
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Doc.75 - Texto: Comunicação Participativa e Reforma Agrária: o Caso do Projeto Lumiar em Pernambuco.
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Doc.76 - Texto: O Associativismo Pesqueiro como Ferramenta de Combate à Pobreza Rural: a Experiência do Projeto Renascer, Brasil.
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Doc.77 - Texto: Formação de Comunicadores Rurais: Novas Estratégias para Enfrentar o Século XXI.
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Doc.78 - Texto: O Ensino da Extensão Pesqueira no Brasil: Desafios Atuais.
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Doc.79 - Professor da disciplina Desenvolvimento Local do Curso de Especialização em Associativismo da UFRPE.
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Doc.80 - Palestra: Desenvolvimento Local e Cooperativismo.
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Doc.81 - Participação do Seminário sobre Extensão Pesqueira, Brasília.
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Doc.82 - Curso: O Papel do Extensionismo Pesqueiro e Aqüicola, Florianópolis.
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Doc.83 - Curso: Extensão Rural e Pesqueira, Presidente Figueiredo, AM.
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Doc.84 - Coordenador do Mestrado em Administração Rural e Comunicação Rural (CMARCR) da UFRPE.
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Doc.85 - Projeto de criação do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (POSMEX) da UFRPE.
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Doc.86 - Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (POSMEX) da UFRPE.
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Doc.87 - Professor da disciplina Fundamentos da Comunicação e do Desenvolvimento Local do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (POSMEX) da UFRPE.
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Doc.88 - Palestra: Palavras de Abertura à Aula Inaugural da Profa.Tereza Halliday no POSMEX.
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Doc.89 - Texto: Estratégias de Comunicação para o Desenvolvimento Local: uma Experiência Governamental em Pernambuco, Brasil.
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Doc.90 - Texto: Ensino e Pesquisa da Comunicação para o Desenvolvimento Local: a Experiência do Mestrado em Extensão Rural da UFRPE.
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Doc.91 - Texto: Estratégias de Comunicação em Contextos Populares: Implicações Contemporâneas no Desenvolvimento Local Sustentável.
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Doc.92 - Texto de apresentação de livro: Comunicação, Ruralidade e Desenvolvimento.
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Doc.93 - Texto: Extensão Pesqueira na Gestão no Desenvolvimento Local.
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Doc.94 - Texto: Estratégias Governamentais de Comunicação para o Desenvolvimento Local.
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Doc.95 - Texto: Comunicação Rural e Educação na Era das Tecnologias do Virtual: Proposição para um Debate.
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Doc.96 - Participação da equipe de coordenação do Programa de Associativismo para Ensino, Pesquisa e Extensão (PAPE).
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Doc.97 - Participação na Rede Universitária das Américas em Estudos Cooperativos e Associativismo (UNIRCOOP).
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Doc.98 - Participação do Comitê Editorial da Revista UNIRCOOP.
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Doc.99 - Projeto de Pesquisa: Desenvolvimento Local e Comunicação Rural: Caminhos Cruzados.
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Doc.100 - Projeto de organização do livro Associativismo e Desenvolvimento Local.
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Doc.101 - Carta convite do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural DATER, da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário, para apoiar a construção das diretrizes da Extensão Pesqueira no país.
[1] CARDOSO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da história: introdução aos problemas, métodos e técnicas da história – demografia econômica e social. 4ª edição, Graal : Rio de Janeiro, 1983. p. 21-22.
[2] VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília : Ed. Universidade de Brasília, 1982, p. 43.
[3] Idem. p. 42.
[4] Idem, p. 19.
[5] BOURDIEU, Pierre. Esboço de auto-análise. São Paulo : Companhia das Letras, 2004, p. 37.
[6] VEYNE, op. cit., p. 45-46.
[7] Idem p. 46.
[8] BOURDIEU, Pierre. Esboço de auto-análise. São Paulo : Companhia das Letras, 2004, p. 40.
[9] VEYNE, op. cit., p. 42.
[10] VILLAR, Frederico. A missão do cruzador José Bonifácio: os pescadores na defesa nacional. Rio de Janeiro :
Laemmert, 1945. p. 45.
[11] Sobre isso vide LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Pesquisa em comunicação. São Paulo : Loyola, 6ª. Edição, 2001.Recolher