P/1 – Então, primeiro Manoel, vou pedir pra você dizer pra gente seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Manoel Fonseca Lago, eu nasci no dia dois de julho de 1953, na cidade chamada Conceição do Almeida, no estado da Bahia.
P/1 – Agora, eu queria que você disses...Continuar leitura
P/1 – Então, primeiro Manoel, vou pedir pra você dizer pra gente seu nome completo, data e
local de nascimento.
R – Meu nome é Manoel Fonseca Lago, eu nasci no dia dois de julho de 1953, na cidade chamada Conceição do Almeida, no estado da Bahia.
P/1 – Agora, eu queria que você dissesse também o nome completo dos seus pais, se você souber a data de nascimento, é bacana.
R – Meu pai chama Paulo Dora Lago, meus pais já são falecidos, meu pai chama Paulo Dora Lago, nasceu no dia 25 de janeiro de 1927…
P/1 – Local também, esqueci de pedir.
R – Nasceu na cidade de Conceição do Almeida, na Bahia. Minha mãe, Maria Fonseca Lago, nascida também em Conceição do Almeida, na Bahia, no dia 31 de janeiro de 1926.
P/1 – Descreve pra gente um pouco pra gente, assim, como é que eram os seus pais e o quê que eles faziam.
R – Bem, meus pais nasceram na cidade de Conceição do Almeida, e lá, viveram até 1955, quando vieram pra São Paulo, casaram em 1948 e viviam lá na roça, trabalhavam lá de… hoje, o que a gente… na época, falavam meeiros enfim, trabalhadores rurais lá na Bahia. E depois, quando vieram pra São Paulo meu pai trabalhou durante um curto período de ajudante geral de… trabalhou em obras de perfuração de rua pra colocar água e esgoto, depois trabalhou em empresa metalúrgica por pouco tempo e por fim, em 1960, juntamente com os meus irmãos mais velhos e comigo, iniciamos o trabalho nas feiras livres de São Paulo, como marreteiros de feira, hoje denominados camelôs.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe sempre teve a profissão mais difícil, que é a profissão de mãe, a profissão do lar. Nós somos em… minha mãe teve dez filhos, nós somos em dez, nove vivos, sendo a minha… um dos meus irmãos… uma irmã falecida antes de eu nascer, sete meses antes de eu nascer.
P/1 – Os seus pais vêm pra cá da Bahia, você disse em 55, é isso?
R – Meus pais vieram… meu pai veio pra cá em 1954 e deixou a minha mãe lá com os filhos, eu e mais três irmãos mais velhos, eu sou o mais novo… o mais novo que nasceu na Bahia, somos dez, cinco nasceram na Bahia e cinco nasceram em São Paulo, eu sou o quinto da família.
P/1 – Mas você era bem pequeno veio pra cá muito pequeno…
R – Então, meu pai veio em 54 sozinho, trabalhou aqui um ano e retornou em janeiro… dezembro de 54 e retornou em final do ano de 55, um ano, um ano e pouco ficou aqui e voltou em janeiro de 55. Em maio de 55, eles vieram pra São Paulo e eu fiquei… meu pai, minha mãe e os meus três irmãos mais velhos e eu fiquei com os meus avós maternos na Bahia e vim um ano depois com… trazido por uma tia materna.
P/1 – Você se lembra assim, dos seus pais… quando você veio, era muito pequeno, mas depois, posteriormente deles comentarem assim, o quê que motivou a vinda deles pra São Paulo?
R – Lembro perfeitamente! Vamos lá. Nós vivemos em condições financeira… de vida muito precária na Bahia, meu pai sempre sonhou e projetou propiciar uma condição melhor pros filhos dele e ele entendia, ele via dentro da concepção de vida dele de que lá não era lugar pra poder propiciar futuro pros filhos dele. Então, com isso, ele teve o ímpeto, ele teve a coragem de vir para São Paulo e trazer todo mundo, todos os filhos. Ele até usava umas frase que se usava, que ele falava, que ele não queria ver os filhos dele, como ele chegou aos 20 anos, já usando chapa, dentadura, entende? E já com mulher prenha, digamos assim, já casados, grávidos e mulher grávida e éter as mesmas condições que eles tinham lá. apesar deles os dois serem analfabetos, minha mãe era analfabeta literalmente e o meu pai que teve uns quatro meses de escola, ele tinha essa visão de futuro para os filhos, ele achava que não teria condições de dar uma futuro melhor para os filhos. Esse foi o objetivo que o trouxe pra cá.
P/1 – E como é que foi a viagem deles pra cá, eles contavam assim, que meios de transporte…
R – Eles viram… como eu disse, a vida lá era muito precária. Então meus pais, a gente passava literalmente fome. Meus pais vieram com os meus três irmãos e a minha mãe vieram de trem e o trem durava uma semana mais ou menos pra chegar aqui. E a viagem foi muito traumática, muito marcante, porque trazia como bagagem, um saco, saco mesmo de… esses tipos saco de farinha que a gente fala, que eram as comidas que ele trazia: carne seca, feijão, alguma coisa e uma mala com todos os utensílios que pudessem… dessa família tava numa mala, que na época, era uma mala de madeira retangular e essa viagem foi muito traumática, muito difícil, porque no meio do caminho, os meus irmãos com fome e o meu irmão mais velho, em especial, entre mim e o meu irmão mais velho, eu sou o quinto filho, mas entre mim e ele, não há cinco anos de diferença, nós somos assim, onze meses, um ano, um ano e um mês, essa diferença. Então, se eu estava lá com dois anos o meu irmão mais velho estava com sete anos. Então, quando veio, no meio do caminho, muita fome, nunca tínhamos visto macarrão na vida, a única coisa que nós conhecíamos próximo a macarrão era lombriga que a gente chamava de verme e… (pausa/emoção)então, em função da fome que o meu irmão passava, ele viu o meu irmão comendo macarrão, coisa que ele nunca tinha visto na vida e começou a chorar pro meu pai que queria comer, que tava com fome e queria verme, queria verme pra comer, que era o que se assemelhava a lombriga, que a gente não tinha esse conhecimento, então se chamava verme. E como pra nós, era uma coisa comum você fazer as necessidades, porque você não tinha banheiro, então fazer as necessidades no meio ambiente, digamos assim, então era comum fazer as necessidades para os vermes saírem, então, você mexia ou brincava com aquilo como se fosse alguma coisa lúdica…
P/1 – Era comum…
R – Era comum, isso. Então, ai chegaram aqui em São Paulo… e eles chegaram aqui em São Paulo e foram pra casa de uns conhecidos, gente também já pobre e se dormia dez, doze pessoas no mesmo lugar.
P/1 – Você sabe onde eles chegaram em São Paulo? Onde eles foram morar? Que região?
R – Sei, sei. Então, eles chegaram, inicialmente ficaram na casa de uns parentes num bairro chamado Vila Carneiro, ali próximo da Agua Rasa num cômodo, e depois, foi o mesmo lugar onde eu cheguei um ano depois e logo em seguida, nós fomos morar num bairro chamado Vila Diva, rua Minas Gerais que chamava porque hoje ela mudou de nome, então, chamava rua Minas Gerais, no bairro da Vila Diva. Isso, como eu disse ai, em 1956, foi quando eu cheguei.
P/1 – Foi quando você veio junto com a sua tia, é isso?
R – Isso, eu fui trazido pela minha tia…
P/1 – Deixa eu te perguntar só uma coisa… vou te perguntar da sua vinda também, mas onde fica Conceição do Almeida?
R – Na Bahia.
P/1 – Mas que parte da Bahia?
R – Ela fica ali próxima de uma cidade… a cidade fica próxima de Cruz das Almas, na Feira de Santana, naquela região de Cruz das Almas, Feira de Santana, Sapatui, por aquele… Castro Alves, tudo naquela… essa parte aqui no caminho até… litorâneo, na região, não litoral, na região que fica próxima…
P/1 – Mais litorânea assim…
R – Não…
P/1 – Mais próxima, não tão sertão…
R – Isso, isso, não é tão sertão, tá? Mais próximo na área das farinhas, que são os lugares mais conhecidos, de Feira de Santana lá deve dar uns 40 quilômetros…
P/1 – Feira de Santana é a mais conhecida.
R – É a mais conhecida… Santo Amaro da Purificação…
P/1 – Isso!
R – Perto de Santo Amaro da Purificação, inclusive, eu só tive coragem de retornar lá quando eu completei 50 anos, e até quando eu fui, portanto há dez anos, eu completei 60 agora em junho, eu até passei em Santo Amaro, passei, conversei com dona Canô, porque era caminho, a gente tava indo pra lá
P/1 – Ah, que delicia!
R – Muito legal!
P/1 – E é uma cidade bem pequena?
R – Bem pequena. Bem pequena! Na verdade, Conceição do Almeida… nós até nascemos, a gente fala isso, num distrito chamado Bebedouro, que pertence a Conceição do Almeida então, Conceição do Almeida já é pequena, então bebedouro era, digamos assim, o distrito de Conceição do Almeida foi ali, como se fosse hoje um bairro pra se ter ideia, a gente pode assim, abordar uma… na época, Santo Amaro era um distrito de São Paulo, Santo Amaro hoje, já foi até cidade, um distrito, depois foi incorporado a cidade. Então, foi na roça que nós nascemos, não na cidade, e nascemos todos os dez, em casa.
P/1 – Parteira?
R – Não, parteira são as tias.
P/1 – Família mesmo fez o parto…
R – A família mesmo, não tem parteira, tinha… até porque, todos nasciam assim, então todas as mulheres das mães, todas tinham praticas disto, cada uma tinha tido 15 filhos, 16 filhos, entendeu, então era já um processo natural, bem natural, não havia profissionalização e nem tinha esses recursos por lá.
P/1 – Você se lembra do nascimento de algum dos seus irmãos mais novos?
R – Lembro, perfeitamente! Vamo lá, como eu disse, nós somos uma escala, tá? Então, eu tenho um irmão que completou agora, em novembro, 65 anos, que é o mais velho, o outro meu irmão tem 64, completa agora em janeiro, o outro completa 63 em maio, a minha irmã que é falecida, ela completa… em maio, 63,
a minha irmã completaria 62 em abril, antes dele completar 63 e eu, em junho então completo 61, ano que vem então, de um e um ano…
P/1 – E são cinco, depois…
R – São cinco. Ai, como eu disse, meu pai veio um ano preá São Paulo.
P/1 – Mas você se lembra de algum parto assim?
R – É, então, nesse ano, nasceu a minha irmã, então eu quis dizer o seguinte, quando nesse ano, então entre mim e minha irmã, é o único espaço que são dois anos, porque foi o ano de folga que o meu pai veio pra São Paulo. Então, quando a minha irmã nasceu, eu não estava em São Paulo, quando o outro meu irmão nasceu, um ano depois, menos, um ano e três dias depois, um é de 18 de setembro e o… eu tinha quatro, cinco anos, quatro anos, então não dá, não tinha bem, então o que eu me lembro perfeitamente é que o meu irmão caçula, quando o meu irmão caçula nasceu, dia 16 de janeiro de 1965, então eu já trabalhava, digamos assim, eu já tinha onze anos, e eu estava em casa, nós estávamos saindo pra feira pra trabalhar e eu e o meu pai, e quando a minha mãe teve as dores de parto e a gente morava numa casa de três cômodos, os onze, e ai eu pude acompanhar, obviamente eu não entrei no quarto, eu só não entrei no quarto, mas até água quente, eu levei até a porta do quarto. Este meu irmão assim, eu vi nascer, eu vi assim, logo depois que nasceu e quem fez o parto foram as vizinhas, tá certo, também pessoas experientes, vizinhas mais velhas que fizeram junto com o meu pai fizeram o parto, então foram duas mulheres duas pessoas vizinhas, mãe e filha, a mãe já é uma senhora e a vizinha mais jovem que a minha mãe, a filha, quer dizer, mais jovem que a minha mãe, minha mãe tinha 36 anos, a senhora tinha por volta de uns 60 e poucos e a filha tinha uns 27, 28 anos e o meu pai, foram os que fizeram o parto do meu irmão.
P/1 – Você se lembra assim dessa preparação, você falou da agua quente, o quê que tinha?
R – Me lembro perfeitamente, então, o quê que acontece? Minha mãe teve as dores do parto, como eu disse, nós morávamos numa casa de três cômodos, que uma… então você tinha aquelas baciasde flanders, que nem a gente chamava e ferveu-se a água, levou a água, levou panos quente, levou mais alguns utensílios que eu via pegar, mas eu não distinguia, porque também tava tudo assim, você fica agitado, apavorado e a curiosidade de criança desesperado pra poder ver, você entendeu? Que nem olhar em buraco de fechadura pra ver mulher nua, a mesma coisa, aquela sensação de ver. E o quarto, o cômodo de dormir, nós tínhamos, como eu disse, três cômodos, num dos cômodos que funcionava como “sala”, ficava os homens, então, eu e os meus quatro irmãos, porque ai, eu já tinha mais um irmão nascido e no outro quarto, que era dos meus pais, que era um cômodo de quatro por cinco, era dividido por um guarda roupa, tinha um guarda roupa no meio, de um lado dormia as minhas irmãs, minhas três irmãs e do outro lado, a cama dos meus pais. Então, as minhas irmãs foram colocadas, obviamente, para fora do quarto, era tudo simples, não tínhamos… a gente fala guarda roupa, mas era uma coisa doada que se colocava, não tinha guarda roupa, tipo de uns cabides sanfonados que ali reunia todo o enxoval nosso especialmente dos filhos. e as demais roupas todas naquele guarda roupa de duas portas e mais um pano de cortina, que colocava, que era pra dividir, separar o quarto do meu pai e da minha mãe. Então, esse movimento de levar essa água, levar pano, você tá entendendo? E os preparativos que a gente já tinha pra arrumar na vizinhança frango, porque tinha que fazer canja, tá, então, esse movimento todo eu participei.
P/1 – Tinha que fazer canja?
R – É, porque tinha uma característica na… na… no tempo que a minha mãe tinha ou nos preparativos que tinha um ritual que tinha da gravidez, no final da gravidez, a mulher por 40 dias, não podia lavar a cabeça, você tinha que tomar canja de galinha ou comer galinha, essas coisas todas e eu me lembro de ter saído depois, a minha ame… o meu irmão já tinha nascido há uns dias atrás desesperado, atrás de pessoas, de vizinhas, porque tinha esse negocio pra conseguir galinha caipira, tinha que ser galinha caipira, tinha-se o hábito de comer galinha caipira, de se comer a galinha branca e essas coisas, então a gente saía pra pedir pra alguém venderou doar, vender sempre tinha, mas enfim, eu sei que eu rodei muito no bairro e consegui arrumar te falar uma galinha, não sei se era um frango ou uma galinha, hoje a gente se fala frango, mas antigamente, se comia galinha.
P/1 – E você sabe o porquê da galinha? Acreditava-se que ajudava no quê, assim?
R – Talvez isso por causa da recuperação do organismo tinha que ser comida leve e que tivesse esse… é como se a gente falasse canja de galinha, se fazia uma canja, da galinha, se fazia uma canja era exatamente para recuperação do… recomposição do organismo. Os partos eram naturais, então tinha-se todo esse processo que se tinha. E se entendia… isso já é uma conclusão minha, de que essa alimentação era necessária para recuperar o organismo se tivesse mais filhos, poderia ter, sem problemas, até porque as pessoas morriam no parto com muita facilidade. Eu tenho tias que morreram no parto…
P/1 – Era muito pouca assistência.
R – Nenhuma…
P/1 – Não tinha na verdade…
R – Não era pouca, não tinha.
P/1 – Vou voltar então, na sua vinda pra São Paulo, você veio com a sua tia, né…
R – É…
P/1 – Eu queria que você me contasse o quê que você se lembra da viagem…
R – Então, o quê que eu me lembro da viagem? Eu disse que os meus pais vieram e aqueles… nós passávamos muita necessidade lá e nós viemos aqui pra passar mais necessidades ainda, porque lá, o pouco que plantava tinha direito a comer, aqui você não tinha nem isso. E nesse particular, eu acabei sendo um pouco privilegiado, pelo menos nesse ano, porque eu fiquei morando com os meus avós maternos e eu era a única criança na família, então, meus avós, tinham os tios, tinha tudo, então nesse período, dava os pirão de água quente que eram feitos, que era isso que a gente comia como se usava as expressões, com uma lasca de carne, então era tudo mais dado pra mim, porque eu era a única criança que tinha na família. Então, esse período eu fiquei lá e uma das expressões que eu me lembro assim, perfeitamente, que eu via uma vez ou outra passar um avião e eu despedia do avião para dar lembranças para os meus pais, para a minha mãe, isso quando meus irmãos, quando eles estavam lá. e a minha tia que me trouxe era a minha madrinha, ela é a minha madrinha, porque ela é viva, então ela é a minha madrinha. Ela me trouxe, ela e uma namorada do meu tio, que se tornou esposa do meu tio depois, então era noiva, que veio pra casar então eles me trouxeram, eu vim de trem também, eu sei que lá nesse período, eu era uma criança mimada, porque era a única que tinha eu tinha um pai bastante severo, bastante rígido e eu era uma criança mimada, então faziam todos os meus gostos…
P/1 – Então, retomando Manoel, você tava falando pra gente da sua vinda pra São Paulo junto com a sua tia.
R – Isso.
P/1 – Queria saber um pouco como é que foi a viagem e como é que foi a chegada aqui em São Paulo.
R – Então, o que eu me lembro da viagem que eu vim com a minha tia, isso é fato consumado, o que aconteceu durante a viagem são fatos, são historias, são fatos, mas posso dizer que são historias que eu fui tomando conhecimento a partir dos cinco, seis anos, que ela vem sendo reiterada, por causa do inusitado, porque na família é tudo muito próximo, morávamos sempre próximos, por causa dos comentários dai decorrentes. então, como eu disse, eu vim com essas minhas duas tias, a minha tia… como a gente diz lá na Bahia, a minha tia carnal, irmã da minha mãe e a minha… depois se tornou tia por ter casada com o meu tio. Então, era a tia Amália, que é a minha madrinha e a Tia Bibi, tá, que… a esposa do meu tio, irmão da minha mãe. Ai, eu vim de trem com elas, com todo cuidado, que foi jogada a responsabilidade em cima dessa minha tia Amália, que era solteira e no trem, eu era um pouco rebelde, mimado até então, segundo eu fiquei sabendo, isso é só o que eu fiquei sabendo, ai eu queria sair do trem, soltar da minha tia Bibi, ela não me soltou, eu mordi o braço dela e sai correndo dentro do trem e ai, que veio um desespero total, porque segundo… eu me perdi dentro do trem, aliás, elas me perderam dentro do trem, eu me perdi e foi um desespero total, essa minha tia Amália, minha madrinha entrou em desespero, disse que ia chegar aqui comigo e ia contar pro meu pai e o meu pai era uma pessoa muito rígida, muito brava e muito amorosa ao mesmo tempo, mas não admitia como que ia acontecer isso, porque os meus avós queriam ficar comigo, mas o meu pai não deixava, os filhos tinham que ficar todos juntos e elas me perderam, diz que ficaram lá umas três, quatro horas me
procurando, depois me encontraram sentado próximo de onde tinha a lenha que alimentava a matriz do trem que era a máquina e então, vinha queimando lenha, eu estava lá sentado no meio desta lenha assim até próximo do local que poderia, digamos, cair pra fora do trem, e ai, foi assim a minha viagem. Eu cheguei a São Paulo e fui encontrar com a minha família nesse bairro chamado Vila Carneiro que ficou algum tempo.
P/1 – Você se lembra da sua impressão, assim, você era muito pequeno parece…
R – Não, eu tenho impressões fortíssimas, apesar disso, tá?
P/1 – Então conta.
R – Então, quando nós estávamos na Vila Diva a gente andava, como eu disse, nós não tínhamos roupa, era moleque, não tinha problema, andava nu no meio da rua, então eu já fui chegando e eu apanhei muito do meu pai porque todos… quando o meu pai… quando eu nasci, com cinco, seis meses que eu tinha de nascimento, o meu pai veio pra São Paulo, então eu não tinha relação nenhuma com o meu pai, provavelmente, eu tenha aprendido a falar e o meu pai não estava presente e eu criado com os meus avós, até quem eu chamava de mamãe Cicili e vô… pai Del que era a minha avó e a minha mãe. Aliás, chamava o meu avô de Pai Del, que a minha mãe estava lá. E a minha avó.
P/1 – Eram maternos ou paternos?
R – Maternos, onde a minha mãe ficou. Então, todo mundo chegava e a gente, por hábito até, quando nossos pais faleceram, todos nós formados, graduados, pais, tudo, sempre pedimos benção para os meus pais, todos! Não importa, a gente pedia benção para os meus pais. E ai, todo mundo… meu pai chegava do serviço, todo mundo: “Benção pai, benção pai”, e eu vinha: “Benção tio Paulinho” por quê? Porque eu não tinha referencia do meu pai como o meu pai. E eu já tinha tido alguns episódios na Bahia quando ele voltou, que eu não chamava ele de pai, então eu já tinha apanhado lá com dois anos bastante, teimoso, meu pai teve alguma desavença com a minha avó materna por conta disso, então, quando eu vim, eu tive que apanhar muito até eu chegar a falar “Benção pai”. Mas também tem um episodio marcante, porque ai, eu também vim experimentar a fome, porque até então, lá você tinha… o pouco que você tinha era o suficiente, digamos, os adultos não e então tem um episodio que eu ganhei um pirulito, tipo machadinha, tinham uns pirulitos, açúcar queimado, um vermelhinho que tinha o formato de uma machadinha, tal… e eu ganhei algum desse pirulito de alguém lá de uma venda que tinham próximo a minha casa, ai os meus três irmãos viram e todo mundo… eles vieram correndo pra pedir um pedaço do pirulito eu sempre comento que parece que eu via três tênias solitárias vindo atrás de mim pra pegar o… enfiei tudo na boca e comi esse pirulito inteiro, isso era por volta das dez horas da manhã. À noite, o meu pai chegava, ele não… não admitia, não compactuava com esse comportamento e o pouco que tinha, seria dividido pra todos e obviamente, eu apanhava por causa disso apanhava e não apanhava pouco. E… mas era pra todo mundo, não era eu, isso era pra todo mundo. E o meu pai tinha essa característica quando nós chegamos na Vila Carneiro, um dos meus tios, irmão dele é padrinho… era padrinho… é padrinho de um dos meus irmãos, então queria levar o meu irmão pra casa dele pra poder assim, ajudar, tirar o peso e pelo menos o meu irmão comer meu pai não deixou o meu pai disse que era preferível que o meu tio desse o que ia dar de comer pro meu irmão pra todos, todos comeriam um pouco, então ele tinha essa característica.
P/1 – De dividir.
R – Dividir.
P/1 – Agora, Manoel, essa sua… você chega aqui em São Paulo e eu imagino que a cidade era muito diferente do local…
R – Totalmente diferente!
P/1 – De onde você tava vindo… ai eu queria saber se você se lembra dessa sua impressão, assim, da casa, rua, bairro…
R – Tá, então, lá a gente tava na roça, no sitio, tá? Eu só tinha imagem de lá, só tinha registrado até os meus 50 anos, uma casa que tinha uma cruz na porta, uma porta azul e que tinha um terreno inteiro, um quintal aberto em frente a porta e um pé de… arvore, que a gente chamava de fruta pão, que era o nosso café da manha. Então, pra mim, é o registro que eu tinha de lá. então, quando eu chego aqui, nós vamos morar numa casa, num quintal e que tem várias casas nos terrenos assim, de cômodos e cozinhas, então, ali, comportando mais ou menos umas cinco, seis famílias. Num deles morava a minha família, no outro, a minha tia, no outro, a outra tia tudo da ala materna esses dai. Então, na época, veja, eu sou moreno, se eu pegar sol, eu fico bem mais escuro e os meus irmãos eram todos brancos e ai, tinha todo esse conflito, porque aquelas… meu pai, por conta do meu comportamento precisava aplicar os corretivos e criava indignação nas minhas tias maternas, porque eu tinha o lado do xodó materno. E diziam que o meu pai me batia porque eu era o único que era preto da família , todos os outros eram brancos, mas hoje não distingo nada disso, mas enfim, a gente sabe que não era esse o sentido, mas era isso que passava. Então, eu me lembro, por exemplo, que a gente tinha isso, que a gente tinha os vizinhos que nós morávamos, pra você ver a diferença, eu acabei de dizer, ou melhor, eu disse lá atrás pra você, quando eu falei da questão do meu irmão que pediu verme, que ele queria comer verme, porque pra gente é uma coisa comum isso lá, porque você fazia… você não tinha banheiro, não tinha privada, as coisas eram publicas os banhos eram no meio do cafezal, no meio do milharal, com bacia, então você não tinha essa conotação que a gente tem hoje. E então…
P/1 – E como é que era essa questão aqui, da higiene e tal?
R – Aqui?
P/1 – Hãhã.
R – Não tinha. Não é questão. Continuava a mesma coisa, chegamos aqui, também não tinha chuveiro, não se tinha banheiro, aqui tinha banheiro, mas a gente que era garoto, moleque, tudo, não tinha. Então, a gente ao redor das casas que também não tinha… as casas também não tinham cimentadas, como tem hoje, tudo, mas ao redor das casas, o pessoal fazia uma calçadinha, que era por causa do problema da água então, a gente usava aquilo ali como banheiro, criava problema com vizinho, apesar de serem conhecidos e todos ajudavam a gente com alimentos e tal, mandavam coisas pra gente e assim, a gente ia levando, ia vivendo.
P/1 – Como é que era… onde é Vila Carneiro?
R – Não. Isso já estou… Vila Carneiro foi na chegada da chegada do meu pai, episodio do meu irmão,
eu já me lembro só dessa cena na Vila Carneiro.
P/1 – Tá.
R – Depois, nós estamos falando da Vila Diva. A Vila Diva…
P/1 – Onde fica?
R – É na… Avenida Sapopemba na altura ali do numero dois mil e pouco, depois do… tem um bairro chamado Santa Clara, Agua Rasa, Santa Clara, Vila Paulínia…
P/1 – Sei.
R – Você tá entendendo? Quem vai pro lado da Vila Formosa… então, era nessa Vila Diva que nós morávamos.
P/1 – E como é que era o bairro assim, quais eram as características do bairro, era… você se lembra assim, de ruas asfaltadas, tinha comercio…
R – Não… absolutamente tudo de terra, tinha essa venda próxima da igreja do Tonico e Tinoco, que morava ali perto da gente, do Tonico e Tinoco…
P/1 – Qual que é a igreja?
R – É uma igreja, chama… era uma igrejinha, tipo capelinha, chama Igreja do Tonico e Tinoco, mesmo. Na verdade, é um tipo de uma capela, não é uma… sabe, como se fosse um local, uma casa, que eles transformaram numa igreja, porque eles eram católicos e ali ia um padre, não era um negocio tão oficial, então a gente fala a Igreja do Tonico e Tinoco, todas as ruas sem asfalto, sem esgoto água de poço, “salirium” esse era o grande medo da minha mãe, que a gente caísse nos poços, porque eram abertos… aliás, tem um episódio muito forte nisso e então, a gente vivia disso, vivia nessas circunstancias, uma das vezes, nesse bairro, a gente usava calça de lona de caminhão, a gente fazia um tipo macacão e eu fazia as necessidades nas calcas ainda, apesar de ter quatro anos, dormindo e todos nós urinávamos na cama e às vezes, defecávamos também, especialmente no caso, eu, talvez seja… e já me lembro uma vez eu estava tão desesperado, que… e a gente dormia numa cama, os quatro filhos, os três, quatro mais velhos e o meu irmão que nasceu aqui, em 56, nasce uma irmã em 55 e outro em 56, esse nasceu com o pescoço um pouco torto, depois de um tempo, endireitou, com as promessas d minha mãe e com um ano, ele teve paralisia infantil, puxa da perna, como a gente diz. E então, num desses dias, por exemplo, minha mãe num desespero, que se tinha um tanque chovia, eu dormindo, não levantei, fiz… defequei, urinei, o meu irmão… um urinava em cima do outro, a gente era meio coletivo e ai, ela tão nervosa, que mandou que a gente fosse lavar, eu tirei com a mão as fezes, tudo… o meu irmão… nós fomos lavar as próprias roupas… lavar é uma força de expressão, é jogar no tanque. E uma das vezes, eu estava usando um… minha mãe tinha colocado a roupa limpa, fui brincar com um dos meus irmãos, que é o meu irmão que é muito ligado a mim, todos são, mas esse, por causa da idade, mais velho, mas eu sempre tive a alguma… a um pouquinho a frente de andar nas coisas assim, em relação a… era maiozinho que ele, na época hoje não, mas na época… e nós fomos brincar, eu acabei caindo e me sujando e a minha mãe, isso por volta de onze horas, minha mãe falou que iria contar pro meu pai quando chegasse e “contar pro meu pai quando chegasse” era resultado de que você ia levar o corretivo, a gente apanhava de palmatória. E então, eu peguei… ai o meu irmão me deu a ideia de eu me esconder atrás do guarda roupa. E eu me escondi atrás do guarda roupa por volta de onze horas da manhã aquele guarda roupa que tem os pezinhos… e ai, a minha mãe começa a me procurar depois e o meu irmão – ele tem essa característica até hoje – ele esqueceu que tinha me mandado pra lá e a minha mãe começou a me chamar e eu não respondia. Ai, bateu o desespero, saiu toda família, saiu toda a vizinhança procurando, procurava nos poços, porque antigamente, você construía as casas, começava pelo poço, que não existia água encanada então você tinha que cavar o poço p[ra ter a água, pra ter o barro pra fazer a construção, então você tinha um monte de poços começados e não terminados e muita gente caía naqueles poços, então, procuraram dentro dos poços, jogaram salirium dentro dos poços pra ver se achavam o corpo lá embaixo… bom, enfim, de 11 horas até sete, oito horas da noite, ficaram desesperados, o bairro saiu me procurando, ninguém encontrou. Meu pai chegou, a minha mãe ainda teve assim, o controle de deixar primeiro ele jantar pra depois dizer que eu tinha desaparecido. Ai, o… meu irmão brincando, deitou no chão e viu os meus pés debaixo do guarda roupa…
P/1 – Você tinha ficado todo esse tempo?
R – Todo esse tempo atrás do guarda roupa, em pé, lá então não precisa dizer o que aconteceu, logico, mais uma vez eu apanhei. Mas não fui o que mais apanhou na minha casa, o meu irmão mais velho foi mais.
P/1 – Você quis fugir do castigo e foi uma coisa muito pior.
R –
Fiz uma coisa muito pior. Então, digamos assim, essas são as coisas grandemente marcantes. E depois, desse local, da Minhas Gerais, nós mudamos, ainda no bairro Vila Diva, para um local chamado Rua Mussolini, né…
P/1 – Que idade você tinha nesse momento? Você lembra?
R – Na Mussolini, eu tava com uns cinco anos, mudamos pra Mussolini, tá, Rua Mussolini. E a Mussolini também era na Vila Diva, tá, só que era umas ruas mais pro centro, digamos assim, lá no bairro, ai nós fomos morar na Rua Mussolini, na casa de uns portugueses lá, que tinha chácara de verdura. Nós fomos morar lá e ai, nesse local, também de aluguel, a gente ainda passava necessidade… essa minha tia que me trouxe, minha madrinha, começou a namorar um padeiro português, aqui os padeiros… não vou contar a história, porque você sabe da historia, mas antigamente, saiam umas carrocinhas, umas charretes, que elas eram fechadas como um baú, os padeiros vendiam… os pães eram vendidos ali, pão e leite, pegava-se o litro… e a minha tia começou…
P/1 – Era a cavalo?
R – Era a cavalo, tinha a charrete, puxavam os… os carros de lixo também… da prefeitura, eram também puxados por uns quatro, cinco cavalos, um carro grande, o lixo era assim também. e ai, a gente, obviamente, tudo rua de terra, a gente não tinha sapato, andava descalço, isso era comum pra nós todos, as necessidades nossas continuavam sendo a mesma coisa nos quintais, em volta dos terrenos dos vizinhos… e ai, tem uns episódios marcantes na Mussolini. Nessa Mussolini, eu já sou maior, quatro, cinco anos, os meus irmãos… eu tenho um irmão que tem uma certa instabilidade, os dois mais velhos começaram a engraxar e eu e o meu outro irmão, Egberto… chamam assim José, Juvenal, Egberto e Manoel, eu e o Egberto, que é esse meu irmão que tem dois anos de diferença, porque tem uma irmã no meio, a gente ia pra ajudar a engraxar os dois mais velhos engraxavam, a gente segurava com a mão, digamos, o sapato, que as pessoas deixavam o sapato pra engraxar, meu irmão fez uma caixa e a gente… eles engraxavam e a gente começou a trabalhar a partir dai.
P/1 – E onde vocês trabalhavam?
R – Num bar, numa avenida na própria Vila Diva. Na própria Vila Diva tinha um bar, na parede do bar, as pessoas sempre colocavam a caixa ali e o homem deixava e ali, a gente começou engraxar. Começou engraxar, começou a ganhar os primeiros… mas antes de começar, eu já tenho uma irmã que já tava muito doente, que já nasceu muito doente, o meu irmão e uma… pequenos, todos pequenos e então, a minha tia começou a namorar o padeiro era a salvação da lavoura porque levava um pão, você tá entendendo, então, um pão se dividia pra todo mundo e um dia, a minha tia ganhou um pão doce pequeno, mais ou menos desse tamanho e minha irmã guardou para os meus dois irmãos menores não devia ter cinco anos ainda, então, eu ia lá só futucar lá um pedacinho só para a minha mãe não perceber, eu ia lá, tirava só um pedacinho do pão doce pra minha mãe não perceber, só que eu não percebi, eu fui tirando o pedacinho do pão doce, pedacinho do pão doce, as meninas choraram, minha mãe foi procurar o pão doce pra dar pra eles, cadê o pão doce? Então, eu lembro da cena da minha mãe chorando porque não sabia se me batia, você tá entendendo, não sabia se compreendia. E também num desses dias, na casa, tinha uns vidros, uma porta de vidro, uma janela de vidro grande, quer dizer, entrou um pássaro grande dentro da casa, tava eu e a minha mãe e o meu irmão, assim, o almoço estava garantido e a gente tentando pegar aquele passarinho, minha mãe com um pano, punha na cabeça, a gente tentando pegar esse pássaro grande, fecha a janela, ele batia e eu demorei pra fechar uma porta, o pássaro fugiu. Eu vejo a minha mãe sentada chorando desesperadamente, então…
P/1 – Que era o alimento…
R – Isso! Então, esta foi uma cena muito marcante nesta… nesta rua Mussolini, Vila Diva. E também depois eu achei um… quando a gente foi engraxar, eu achei um triciclo na rua a gente achava… peguei o triciclo e achava o máximo! Quando eu vim voltando, eu entrei com o triciclo na frente de um carro, ai eu fui jogado pra cima de um carro e cai em cima de um para-brisa de um carro Chevrolet 51, aquele tipos de automóveis… chamava Mercury, automóveis que tinham, não aconteceu nada e obviamente, meu pai nunca ficou sabendo disso porque senão você podia ser repreendido.
P/1 – E Manoel, eu queria saber um pouco… você teve uma infância bem difícil, mas eu queria saber um pouco de brincadeira assim, se você e seus irmãos brincava, do quê que brincavam como é que… criança encontra sempre uma maneira assim…
R – Uma maneira… tá, então, a partir de todas essas coisas, só pra… eu pra ser muito sincero, até esta fase da vida, eu me lembro muito pouca brincadeira, tá, até essa fase que eu estou chegando ai, eu me lembro muito pouca brincadeira. Lembro que eu tinha…
P/1 – Mas pode ser…
R – No futebol ai, vai chegar no futebol lá nesse bairro, a gente ia lá pra brincar, ou jogar lata de cera, tinha umas latas de cera que você ficava jogando, brincando aquelas latas de cera… então, você tinha essas brincadeiras de pique, correr na rua, essas coisas que era salva, essas coisas que era coisa de moleque, brincar de bolinha… mas, eu ainda não tive… não tenho assim, a noção da intensidade dessas brincadeiras, porque, como eu disse, eu acho que eu tava mais preocupado… por exemplo, é muito mais marcante os medos que eu tinha da eventual das surras pelo o que eu fazia do que a alegria da brincadeira. Eu me lembro uma vez que eu ganhei uma máscara de carnaval com elástico quebrado, a única coisa que eu me lembro de infância de ter ganho, eu não me lembro de mais nada! Nada! Me lembro disso, de uma máscara só, nesta fase.
P/1 – E não se lembra assim, das brincadeiras, uma entre elas que você preferia, algum jogo de futebol, uma…
R – Futebol! Mas ai eu já tô contando um pouquinho mais a frente…
P/1 – Ah, não tem problema, na infância, durante a infância…
R – Na infância teve coisas maravilhosas, não só jogar bolinha de gude, jogar raquete na rua, sabe, bola, futebol, a gente era tudo guloso por futebol, de jogar assim, de chegar… porque depois, eu fui pra feira, tá, com seis anos eu comecei a trabalhar e não parei mais. E nesse período, a gente jogava muito futebol na rua, muito subir em arvore, todos nós subíamos… éramos muito bons de subir em arvore jogar muita figurinha, a gente falava “figurinha bafo” de disputar figurinha, são coisas que a gente brincava, de “salva”, essas coisas todas e era muito intenso, porque a gente brincava até tarde, porque apesar de tudo, depois nós começamos com seis anos… antes de começar… isso que eu falei, a gente jogava bola, a gente brincava no espaço que dava, mas você não tinha muito espaço, porque você já tinha que trabalhar…
P/1 – E brincava o quê? Com os irmãos? Com pessoas da rua…?
R – Com irmãos, com os amigos da rua, especialmente com os irmãos, tá, isso, a gente tinha… essa liberdade, a gente tinha de brincar, mas a gente tinha pouco tempo, eu digo em termos de infância, porque veja, aos… dos cinco aos seis anos, nós saímos desse Vila Diva e nós fomos morar num bairro chamado Vila Guarani, cada vez mais Sapopemba, tudo na região de Sapopemba, tá? Nós fomos morar na Vila Guarani, meu pai continuava trabalhando numa fábrica. Ai, a coisa deu uma piorada, doença chegando… e foi uma fase que nós fomos… meu pai não soube… nós fomos pedir pra comer, porque você não tinha o que comer e saiamos eu, o meu irmão mais velho, minha mãe não queria que o meu irmão mais velho fosse, porque poderia na concepção dela, pegar o vicio, não deixava, então saiamos eu e os meus dois irmãos pra gente pedir e sem o meu pai saber.
P/1 – Nessa época, o seu pai trabalhava com o quê?
R – Meu pai era ajudante geral, trabalhava numa empresa. Numa firma de metalúrgica. Ai, a gente saía pra pedir.
P/1 – E onde vocês iam pedir?
R – Pelas casas. Ou (pausa/emoção) nas casas, nas vendas, que a gente chamava “vendas”, que seriam os armazéns de hoje, não existiam supermercados, as vendas. Mas a minha mãe orientava e não deixava que a gente pedisse dinheiro, tá… (pausa/emoção), enfim…
P/1 – Vocês pediam alimento?
R – Isto! E roupa.
P/1 – E roupa.
R – Era proibido levar dinheiro, o medo…
P/1 – E vocês… pode falar, desculpa.
R – O medo da minha mãe eram dois, um que os filhos daquilo se habituassem e o outro, que o meu pai soubesse, entendeu? Mas nada acontece por acaso, então, por exemplo, nesta época, um senhor de uma venda até que dava também as coisas pra gente, resolveu construir uma edícula, uma venda, aumentar a venda e naquela época, você pra construir, você precisava barro, a massa era feita de barro, tá, então, a gente pisava o barro, colocava cal, alguma coisa pra dar liga e você que pisava e carregava, então, toda molecada foi ajudar em pegar caco de telha, que usava, tijolo, essas coisas era tudo jogado, era solto, o resto pegava… e a molecada toda foi, inclusive eu e os meus irmãos mais velhos. E depois, no fim, ele dava doce pra todo mundo que era assim, o ápice, você esperava um doce, aquela coisa. E nós, morrendo de vontade de tomar doce, comer doce, mas nós não pedíamos, pedíamos arroz, feijão e açúcar, farinha, quer dizer, então foi o que nós levamos, tá? Ai, quando o meu pai, depois, soube que a gente tava pedindo, ele entrou em desespero, ficou doente e foi dado pra ele a ideia dos filhos venderem na feira. Ai, nós começamos a trabalhar na feira, todos.
P/1 – Que feira?
R – Todas as feiras livres de São Paulo, todas! Nós começamos a trabalhar…
P/1 – Que eram quais? Diz onde que eram as feiras livres e como eram essas feiras livres.
R – Se eu te dizer, eu vou ficar dez dias falando…
P/1 – Não! Digo assim, me cita algumas, e me diz de um modo geral, como é que elas eram.
R – Tá, então, vamos lá! Primeiro, não existia supermercados, não existia vendas, todas as compras eram feitas nas feiras livres, não existia supermercados. Os primeiros supermercados da vida que existiram aqui no Brasil foram chamados Peg Pag, nós não conseguíamos entender como que era isso, porque você, pra pegar alguma coisa, você tinha que pagar, você pegar alguma coisa de alguém, você precisa pagar, como que você vai pegar primeiro e pague, tanto que o supermercado chamava Peg Pag, você ouvir a musica do Raul Seixas, ele fala dos “Peg Pag” da vida e então, todas as vendas, mercadoria, arroz, feijão, tudo era vendido nas feiras livres. Então, a gente ia pras feiras, onde você tinha um numero grande de pessoas e nós começamos a trabalhar na feira em maio de 60. Nós começamos a trabalhar nas feiras.
P/1 – Elas eram o quê? Feiras a céu aberto?
R – Isso. Tudo aberto, todas, todas em rua, rua de terra… então, nós começamos a trabalhar… a primeira feira que nós fomos trabalhar, foi na feira chamada Avenida Renata, na Vila Formosa, tá? Dai, nós começamos a trabalhar nas feiras todos os dias e o meu pai tinha um sonho, que os filhos deles, todos estudassem, porque ele dizia que uma pessoa que estuda, anda com pessoa de bem, pessoa que tem sangue bem, tem progresso, ele falava: “Tem que andar com pessoas de progresso, porque você tem progresso”, então, ele colocou todos os filhos pra estudar.
P/1 – Que idade você tinha na época?
R – Eu comecei a trabalhar na feira, eu não tinha sete anos completos.
P/1 – E começa a estudar na mesma época?
R – Eu começo a estudar e não achava vagas na escola, não tinha escolas na periferia, não tinha! Eu comecei a estudar quase aos oito anos, um ano depois, então, sete anos… eu comecei em maio de 61 a estudar e eu completei em junho de 60, sete anos, não achava vaga. Comecei numa escola que era porta de açougue que foi abandonado e a gente foi… a caixa de engraxate que o meu irmão fazia, ele transformou – meu irmão tinha habilidade – onde punha o pé, ele pôs uma placa que você tirava e virava uma tábua assim, como se fosse a carteira, depois você tirava e colocava o pé do sapato ali pra… foi assim que eu comecei a estudar na escola.
P/1 – Mas vocês levavam a própria carteira, é isso?
R – Levava a própria carteira… eu! No caso, os meus irmãos já conseguiram a escola que tinha carteira, eu levava a carteira que era uma caixa de engraxar.
P/1 – Qual que era essa escola, você se lembra do nome?
R – Lembro sim. Escola Professor Vitor Gomes, tá, isso na Vila Guarani, baixada da Vila Formosa, lá que eu comecei a estudar o primeiro ano primário.
P/1 – E como é que era a escola assim, a estrutura física dela, as pessoas que frequentavam…
R – Tá! Então, eu até acabei de dizer, existia o prédio da escola, que era o prédio de madeira, barracão, todo de madeira, onde era a escola oficial, onde que você… a madeira era feita, tipo… sabe como que é uma… um porão, que tem aquelas coisas assim, a escola era assim, as madeira era colocada em cima, então, você entrava embaixo da escola e subia uma escadinha, porque se molhasse, não molhava o chão da escola. Então, era escola de madeira. Meus irmãos estudaram nessa, que era oficial, escola municipal de madeira, mas bem feita, meus irmãos estudavam nessa e eu estudei na extensão dessa escola, que abriu um primeiro ano, que era um açougue abandonado. Então, você tinha a porta do açougue mesmo do lado de fora, assim, um prédio abandonado, que ainda não tinha nenhuma infraestrutura. Ai, eu estudei o primeiro ano nessa escola. No segundo ano, já mudei pra de qualidade, que era de barraca de madeira, mas que tinha escola. Ai, eu estudei esses dois primeiros anos. No terceiro e no quarto ano primário, nós mudamos de bairro e fomos pro coração do Sapopemba mesmo, morar no Sapopemba, ai eu estudei na Escola dos Agrupados Municipais de Sapopemba. Cito um dos professores lá, minha primeira professora foi Raquel, que era irmã da professora Vilma, que era professora dos meus irmãos. A minha segunda professora foi a dona Lida, até quando ela ganhou nenê no meio do ano, entrou dona Nélida, minha terceira e quarta professora, que foi terceiro e quarto ano, foi dona Jandira. Eu me lembro dos outros, mas essas assim são as mais marcantes, marca mais essa fase primário
P/1 – Mas tem algum delas que seja mais marcante por alguma razão especial, assim?
R – Eu diria pra você que quase todos foram muito marcantes na minha vida, porque foram ícones, porque eram as pessoas em quem a gente se inspirava um dia poder chegar, porque de certo modo, a gente sabia que ia chegar onde chegou, cada um de nós, só não sabíamos como. Então, os professores… e outra, como em todas as coisas, a gente não levava lanche, porque não tinha, e dividia lanche na escola e o meu pai era muito rígido, que você tem que obedecer os mais velhos, professores tinham autoridade, a gente… éramos todos muito bem quistos na escola e apesar de tudo, de termos os pais analfabetos, nós tivemos uma vantagem que o fato de trabalhar na feira, todos nós tínhamos, obviamente, uma dificuldade enorme de escrever, dificuldade enorme de falar, então era: “Nos vai”, “berruga”, “três sol”, você tá entendendo? Eram as coisas que a gente falava, a gente falava que era o português dentro de casa, você tá entendendo: “barbuleta”, “helicopero”, “arubu”, que era o jeito que era o nosso linguajar de casa, entendeu? Então, nós não conseguíamos… “boca do estabo”, entendeu, “taba”, então, a gente… que eram as coisas do dia a dia da gente, “a pessoa tá com dor na boca do estabo”, até você conseguir… você falar “berruga”, é difícil você virar e falar “verruga”, você tá entendendo? Sabe, você fala beijo, você vai saber que beijo é buejo? Então, a gente tinha todas essas coisas de dificuldade, mas em compensação, antes de eu ir pra escola, eu já sabia o que era percentual, sabia o que era porcentagem, sabia o que era uma grosa, você tá entendendo? Sabia fazer conta, as operações, porque o orgulho pros pais da gente era que você soubesse fazer as quatro operações e soubesse escrever bonito, esse foi um dos grandes castigos que eu tive na vida, porque você avaliava a criança pela caligrafia, entendeu, e eu tinha dois irmãos que escrevem maravilhosos e eu escrevia mais feio de todos, hoje, graças a Deus, eu tenho o meu irmão caçula que passou a minha frente, entendeu?
P/1 – Mas tinha caligrafia na escola.
R – Tinha, tinha nota de caligrafia, inclusive, então eu sofria em caligrafia, em compensação, nas outras matérias, matemática, eu ia bem, por quê? Porque a gente sabia fazer conta, você tinha que trabalhar na feira.
P/1 – Qual que era o trabalho que vocês faziam na feira?
R – Nós vendíamos Bombril na feira, vendemos cabides, vendemos talco, vendemos sabonete, vendemos sabonete, vendemos pasta de dente, vendemos… a gente ia vendendo mercadoria de acordo com a época, mercadoria que dava… vendemos pulseirinha de criança, vendemos chuca-chuca, joão-bobo, carrinho, então, a gente era marreteiro, a gente ia comprava o que dava na… o que vendia na época, a gente comprava, o que estourava. Então, tinha um produto… nós vendemos palhinha durante um bom tempo, depois, nós vendemos alumínio, depois, nós vendemos copos, morava no Sapopemba, não tinha iluminação, não tinha água encanada, não tinha luz, então a gente chegava, saía de casa, saís de casa… acordava três e meia, quatro horas, morava no Sapopemba, estudava no Santa Isabel ginásio, se andava seis, sete quilômetros a pé pra ir pra escola, andava… não tinha sapato, então os sapatos nosso não tinha sola, a gente não levantava muito, colocava uns papelões embaixo pra dizer que ia, metade da meia pra dizer que tinha meia, entendeu, e a gente ia pra escola e acordava e ia pras feiras livres. Então, por exemplo, em 1966, eu sou de 53, em junho de 1963, portanto eu não tinha nem 13 anos ainda, seis horas da manhã, eu tava aqui na feira da Fradique Coutinho, na Vila Madalena trabalhando, onde eu faço terapia hoje, na Fradique Coutinho era feira que hoje tá na Morato, era uma das melhores feiras que tinha. Eu ia pro Arpoador, pro Butantã, pra Vila das Belezas, pra Santo Amaro e cada um de nós ia pras feiras, quando esgotava, digamos, a feira da mercadoria da gente, a gente procurava outra, você tá entendendo?
P/1 – E era… essas
mercadorias, vocês compravam onde?
R – Comprávamos em vários lugares, comprávamos… quer dizer onde que tinha, as vezes, a gente descobria a fábrica de uma mercadoria, por exemplo, carrinho, nós comprávamos… carrinho de brincar, de criança comprávamos em Suzano. Bombril, nós comprávamos na Santa Rosa, que era no parque Dom Pedro, alumínio, nós comprávamos ora na Água Rasa, outra ora, em Santo André, que eram os lugares que vendiam alumínio, Vila Formosa, no Alumínio Atlântico loucas, nós comprávamos… copos… vendemos cabide de feira, comprávamos de um grande comerciante de cabides de feira, que hoje é o sogro do meu irmão, um dos meus irmãos…
P/1 – Como ele se chama?
R – Chama Francisco, tá com 86 anos hoje, tá, ele é sogro de um dos meus irmãos, um dos meus irmãos acabou… o mais novo, o que puxa a perna, inclusive, como diz assim, acabou depois…
P/1 – Se casando com a filha…
R – Casou com a filha dele, foi ensinar ela na escola, acabou… casando…
P/1 – E vocês carregavam essas mercadorias como?
R – No ombro. Cada um de nós no ombro. Então, você carregava a mercadoria mais pesada, você carregava dez dúzias de xícaras no ombro por exemplo, você envergava…
P/1 – Mas era o quê, caixa, saco?
R – Sacolas ou caixas. Pegava as caixas que são essas que põe óleo, enchia de mercadoria, amarrava com as cordas, levava, punha no ombro e carregava.
P/1 – E nas feiras, montava uma barraca?
R – Não, nós éramos todos vendedores marreteiros, ilegais, pra correr do comando, correr da polícia, você fazia uns paraquedas, entenda paraquedas, você pega um saco de pano, você amarra umas cordinhas nele, porque quando chega o comando, você levantava tudo, virava um paraquedas e saía correndo da policia, correndo do comando. E esse período de feira foi um período muito… muito… eu diria assim, muito pujante no começo, muito alegre no começo, e depois, muito traumático, por quê? Porque no começo, nós mudamos a vida, nós começamos a ter comida, nós começamos a comer, você comia banana, você comia… você chupava laranja, meu pai comprava um saco de laranja, você consumia tudo numa tarde, comprava duas melancia, ia tudo numa tarde, nós conseguimos… nós começamos a ganhar uma certa progressividade, isso tava muito bonito, muito excelente até a gente chegar aos 12, 13,14 anos, ai a coisa passou a virar traumática. Primeiro, por causa da perseguição na feira, nós estamos no tempo do regime militar, você era perseguido e tinha uma parte do movimento dos que combatiam a Ditadura, que eram feitos aliciamentos tanto nos campos, quanto nessa zona marginal, que a gente era chamado de marginal, isso era muito difícil: “Vamos pegar…”, policia vinha e pegava os marginais, pegava mercadoria do marginal e você ser chamado de marginal é um peso muito grande, até porque o meu pai era muito rígido nos valores, vocês tem que passar fome, vocês pedem, mas não pega nada de ninguém, então, você ser chamado de marginal era um peso muito grande. E ai, a gente chega a fase da escola do ginásio, então, você vê, nós estamos no Sapopemba, estudava no Santa Isabel, um local que tem luz, que tem água pras pessoas, tem roupa, que as pessoas vão de sapato, e a gente não tinha dada disso, então, nós tínhamos um conflito muito grande, a gente era super bem quisto na escola, no ambiente escolar, com os colegas, então todos estudamos, fomos bons alunos de médios pra bons eu diria, e só nós no bairro, estudávamos, com a pressão inclusive na região, das famílias na escola, falava pro meu pai: “Seu Paulo, pobre, filho de pobre não estuda, tem que trabalhar pra ter profissão, vai estudar… não adianta estudar, vão abandonar o senhor mais tarde”.
P/1 – Mas vocês trabalharam durante todo tempo em que estudaram?
R – Todo!
P/1 – Ginásio todo…
R – De segunda a segunda…
P/1 – E na feira… nas feiras livres?
R – Nas feiras livres. Ai, quando nós estávamos na feira, que a policia começou a perseguir a gente, pegava, batia, pegava mercadoria, perdemos muitas vezes, mercadoria, ai você vai estudar o ginásio, ai você entra no conflito, você não podia frequentar… você ia pra escola, era bem quisto, mas não podia frequentar o ambiente dos colegas, os baile, as roupas, a gente não tinha, o movimento que vinha dos anos 60, da música, meu pai não deixava muito a gente participar, até porque ele tinha que trabalhar… se você fosse num baile, você podia ir, mas ia chegar as três horas, você ia pra feira direto, depois, se eventualmente, a feira não desse bem, se não faturasse bem naquele dia, associava ao fato de que você não tava atento, porque…
P/1 – Tinha ido se divertir.
R – Porque você tava com sono, se perdesse a mercadoria, o comando pegasse, se associava esse fato, então…
P/1 – Nessa fase, então, você não se lembra de lazer, assim, na adolescência?
R – Não. A gente tinha, a gente ia preá cinema, a gente já ia, já curtia, ia pros baile na medida do possível, mas era assim, você ia com o desespero… o futebol continuava, todos nós jogávamos bola, chegava da feira domingo à tarde, ia tudo jogar bola, de sábado, até um período. Dia de semana, nas férias de escola, também íamos, nesse período, meu pai comprou um terreno, desses que tem um barranco, vai lá pro fundo, de sete por 47, na periferia, ai o meu pai, nas ferias, ele punha a gente pra acabar o barranco, você tá entendendo? Então, você tinha que dar umas fugida e a gente fugia assim, nós morávamos num cômodo de quatro por quatro, menor que isso, todo mundo ali, então, não tinha lugar de escola, não tinha material, a gente pegava material de escola que os colegas, no final do ano, tinha os caderno de espiral, começaram a surgir, eles sabiam que… tiravam os cadernos… o que sobrava e davam pra nós e montávamos os cadernos, entendeu? Então, a gente ia pra estudar, como não tinha lugar, na biblioteca…
P/1 – Biblioteca da escola?
R – Era uma biblioteca municipal que tinha no caminho da escola, longe de casa…
P/1 – Você se lembra qual era a biblioteca?
R – Biblioteca Municipal de Vila Formosa. Então, a gente ia lá pra estudar, então, a gente dava um jeito da gente burlar o meu pai dizendo que ia pra biblioteca, em vez de cavar barranco e desviar pra jongar bola, você tá entendendo? Até
quando ele descobriu, você tá entendendo? Então, a gente fazia… fazia… brincava, jogava bola, corria, nas próprias feiras livres que a gente ia, não existia asfalto, na maioria, não existia, a grande maioria, tinha campos de futebol, então, a gente acabava a feira, a gente ficava jogando bola, a sacola ficava lá, você não tinha furto, você não tinha essas coisas, então, você brincava no meio do caminho não se tinha controle, então, muitas vezes, eu chegava da feira quatro horas da tarde, três horas da tarde, se saía com 12, 13 anos de casa, eu saía do Sapopemba, eu vinha aqui pro Butantã, ninguém sabia a hora que chegava, você tá entendendo? Quer dizer, a gente voltava pra casa, não é esse o problema, tá, e às vezes, você vendia, às vezes, você perdia mercadoria, entendeu, então, a dificuldade desse período estava em assim, como que eu posso… eu estou aqui com você agora, eu saio daqui, eu vou pra um mundo marginal, que eu tenho vergonha que você vá lá, você me conhece, me considera e você vai lá ver onde que eu moro, tá entendendo? Então, aquilo era muito pesado pra gente, então, a gente tinha dificuldade nos relacionamentos dos namoros…
P/1 – Era uma realidade bem diferente, assim?
R – Era totalmente. Era contraditória, então, você tinha isso e nós estamos estudando, pessoal via a gente, nós estamos estudando o ginásio.
P/1 – Essas escapadas assim, de lazer, Manoel, que você mencionou assim, de cinema e tal, você se lembra? Em que cinema vocês iam, quando era possível…
R – Não, escapada de cinema não era, cinema, a gente ia de verdade…
P/1 – Ia de verdade?
R – Quando eu falo de verdade, era dentro do programa, eu lembro todos…
P/1 – Frequentava mesmo?
R – Frequentava.
P/1 – E que cinema que vocês frequentavam?
R – E como que a gente fazia pra frequentar? Se tinha dinheiro ou não? Então, a gente criava uns hábitos, por exemplo, eram seis copos por dez seis copos por dez, então a gente vinha em feiras, essas feiras daqui eram feiras padrão pra gente, então, quando chegava nessas feiras, a gente vendia cinco copos por dez, entendeu? E às vezes, nem contava pro meu pai, porque dava o dinheiro pra minha mãe ir lá, também, administrar, então, quando vendia cinco copos por dez, a partir do momento que sobraram cinco copos e você vendeu aqueles cinco copos… depois de vender cinco partidas, sobra cinco, então, você vendia cinco copos por dez, aqueles cinco, você pegava uma parte pro cinema, você tá entendendo? E a gente tinha um medo e um sentimento de culpa, porque tava tirando aquele dinheiro de dentro de casa, entendeu? Então, uma vez, saiu eu e o Egberto, pra você imaginar como isso era forte pra gente, como era simbiótico, não precisa nem pedir, já tava até trabalhando, mas nós resolvemos pedir um pedaço de pão, já tava trabalhando na feira, deu vontade de comer, não tinha dinheiro, passamos numa venda, pedimos um pedaço de pão, o senhor sabia quem era a gente, deu um filão de pão – na época, falava filão, tinha bengala e tinha o filão – deu um filão, e nós não queríamos o filão, vender o filão, nós não comemos, levamos pra casa, porque batia o sentimento de culpa, então, mesmo nessas ocasiões que você criava o expediente pra poder arrumar
o dinheiro pra você, batias esse sentimento. Mas a gente já ia pra cinema. Então, a gente ia pra cinema no cine Sapopemba, nos íamos assistir… íamos no Cine Vitoria, que era na Água Rasa, no Cine Universo, que ficava na Paulista, no Cine Ipiranga, no Cine Fontana, que ficava aqui tudo no centro, na Praça da Sé tinha cinema, Praça da Sé não era o que é hoje, Avenida Celso Garcia, que era a principal avenida estava cheia de cinemas ali, tinha o Universo, tinha o Santana, tinha o Cine Brás, cine Vila Formosa, todos os cinemas. Todos, vim no Cine Miami, eu já conhecia São Paulo inteiro!
P/1 – E você se lembra…
R – Eu assisti, eu chorei 22 vezes assistindo sempre o mesmo filme, todas as vezes, eu chorava, “Dio, Come Ti Amo” é o filme da minha vida, você tá entendendo? É o filme da minha vida, era a paixão da minha vida, entendeu, então, sonhei… eu… minha esposa me trouxe de presente, me deu de presente, conseguiu o filme quando fizemos 25 anos de casados, então, levei todo mundo pra assistir esse filme, todos os meus irmãos, meu pai, então, assistir esse filme.
P/1 – Qual que era esse filme?
R – “Dio, Come Ti Amo”
P/1 – “Dio, Come Ti Amo”
R – É, Gigliola Cinquetti, “Dio, Come Ti Amo”, chorei, choro até hoje, eu tenho o filme lá, hoje a gente ri, mas assisti filmes marcantes na minha vida, que eu digo como “Ben Hur”, “O Dólar Furado”, “A Arca de Noé”, “A Bíblia”, assisti filmes marcantes “Meu nome é Pecos”, aqueles nomes que tinham, mas assim, os que me marcaram romanticamente, que me marcaram, aqueles assim que eu chorei varias vezes, vendo o mesmo filme foi “Dio, Come Ti Amo” em primeiro lugar, certo, “Romeu e julieta”, o primeiro “Romeu e Julieta”, “Non Son Degno di Te”, que é “Não Sou Digno de Ti”, que é do Gian Morandy chorei copiosamente nesses filmes, por quê? Porque você vivia também, eu tive assim, amores platônicos na escola muito intensos e esses amores platônicos era porque eu não me declarava por conta da vergonha e me apaixonava de perder o sono, literalmente, chorava, passava a noite inteira só que ao mesmo tempo, você não podia demonstrar pros outros, porque iam dizer que você era fraco, você tá entendendo?
P/1 – Ai, você aproveitava pra chorar no cinema que…
R – Então, chorava copiosamente, esses filmes foram marcantes: “Dio, Come Ti Amo” foi o mais marcante da minha vida.
P/1 – E você se lembra assim, da experiência dos cinemas? Se você for comparar com hoje em dia assim, se era diferente o cinema, assim, publico se comportava de um jeito diferente?
R – Totalmente diferente! Vamos lá, primeiro, nós tínhamos… nós convivíamos, posso dar uma ideia, eu vejo por causa dos colegas da época, na minha casa, a gente convivia com as pulgas, por quê? Porque a gente morava… dormia tudo na mesma cama, todo mundo urinava, os colchoes eram de capim e as pulgas conviviam com a gente sem nenhum problema, a gente pegava cobertor de dia no sol, minha mãe… você não tinha vala, ficava matando as pulgas, pra gente era um negocio assim, eu conto isso hoje, é um negocio que também ficou… então por exemplo, o cinema era tudo cheio de pulgas, todos… quase todos esses filmes que eu estou falando pra você, a gente assistia em pé, porque abarrotava os cinemas, cadeiras eram de madeira, não tinha lugar, às vezes, ficava esperando na fila, eram dois filmes por sessão, então, eram três horas ou quatro horas de cinema, você tá entendendo, a diferença que você tá falando…
P/1 – E entrava de pé assim, podia entrar mais que a lotação, é isso?
R – Entrava três lotações, você ficava em pé, ficava todo mundo sentado no chão quando dava e atrás em pé e do lado, em pé, não tinha limite, entrava assim, entrava de rodão, sabe, a maioria desses filmes, “Horizonte Perdido”, “Além do Horizonte” são tudo filmes que a gente assistia de pé, como que é o outro tema? Eu falei “Romeu e Julieta”, outro que é magnifico lá, agora esqueci o outro filme que… esqueci o outro filme, esses do tempo que Romeu e Julieta surgiu, que nós assistíamos, todos os filmes maravilhosos, são os filmes que marcaram assim, a vida da gente, “Doutor Jivago”, você tá entendendo? O “Doutor Jivago era muito interessante, porque era proibido pra 16 anos, a gente tinha 13, meu irmão, 14, o que tinha 16 foi, contou a maior vantagem de como era lindo, a gente ficou sabendo 20 anos mais tarde que ele não entendeu nada do filme, mas você não podia , você não podia dizer que não entendeu o filme, porque senão… você tá entendendo? Então, você contava que você entendeu o filme , a gente ficou sabendo muito depois. Então, nós tínhamos todos esses problemas, porque veja, os pais dos amigos da gente, de escola, todos tinham o primário, tinham o ginásio, e os nossos pais não tinham nada disso, você tá entendendo? Ai, você ia conviver com essas pessoas, o relacionamento, como eu disse com as meninas, com os nossos colegas era muito difícil, porque como que você ia se apresentar?, como que você ia falar? Eu tenho um irmão mais velho que sempre foi… meu irmão sempre foi galã, muito namorador, tal, e ele tinha namoradas ao extremo, a gente fica mais adulto, vai conversar, ele diz que ele tinha uma frustração e por um lado, ele fazia aquilo, que era pra poder ficar, e ele não se apegava a ninguém, e quer dizer, no fundo, sabia que ele tinha… fiquei sabendo que ele tinha a mesma frustração com um monte de mulher que ele tinha e que a gente com namorada que não tinha.
P/1 – Era um jeito de se proteger.
R – Exatamente! Era o jeito de se proteger…
P/1 – E deixa eu… vou querer saber da sua primeira namorada, mas queria fazer só uma pergunta assim, dessa coisa, da diversão na adolescência ainda, que você mencionou que às vezes, era difícil, mas que eventualmente, vocês iam a festas, ou saiam pra dançar. Queria que você dissesse assim, como é que eram essas festas, onde eram, que tipo de musica tocava… você falou um pouco da musica também…
R – Então, eu vou contar então um episodio das festas, que todas as festas, primeiro, eram nas salas das casas das pessoas, ou eventualmente, numa garagem futura que se construía, com o sonho de um dia ter um carro então era assim, tá, porque nenhuma dessas pessoas tinha carro, então era nas salas das casas. As casas eram todas de
vermelhão, então era na sala das casas dos colegas, obviamente, minha casa não teve, porque não tinha nem isso, tá? Esse espaço. Então, essas coisas era… e todas as musicas, pelo menos as que eu amava, aquelas que me tocava, que me fazia chorar, eu chorava muito por musica, eram todas musicas românticas. Todas, extremamente românticas…
P/1 – Como por exemplo, assim, você se lembra de alguma?
R – Como por exemplo… ?
P/1 – Pode cantar
R – Como por exemplo, “Dio, Como Ti Amo” , “Non Ho L’età”, não sei se você conhece, as musicas do Roberto Carlos: “É proibido Fumar”, os Beatles, mas os Beatles “The Long and Winding Raod”, por exemplo, é uma musica que me marcava muito, “Lei It Be”, eu tenho chorado até hoje, porque quando eu conto (emoção) é muito marcante, porque na escola, se fazia os bailinhos, naquele tempo, tinham muito conjunto, falo pras minhas filhas, elas: “Que conjunto, pai? Banda”, naquele tempo, tinham os conjuntos, que chamava conjuntos, não chamava banda. Então, formava com os alunos da escola os conjuntos, então, você imagina o pessoal tocando bateria, tudo e
a gente lá, amigo deles, na sala de aula, saía fora, eram mundos diferentes, nós éramos estranhos. “I Started a Joke”, eu choro quando eu ouço essa musica, “Primeiro de Maio”, pra não dizer “Shall We Dance…”, você tá entendendo? Como que se fala? “F… Comme Fame”, então as musicas assim que eram intensas. “I am this Love”, por exemplo, “Yesterday”, eu tio dando um exemplo de musica, “De que Vale Tudo isso, se Você não Está Aqui”, “As Flores do Jardim da Nossa Casa”, eu tenho uma filha que chama Lilian, eu sonhava quando eu tinha 13 anos, mesmo antes, esse negocio que eu ia casar com uma mulher bonita, que tinha os olhos verdes, eu tenho uma filha dos olhos verdes, que chama Lilian, minha esposa é linda, tenho a filha que chama Lilian, que tem olhos verdes , entendeu?
P/1 – Se realizou?
R – Me realizei.
P/1 – Dessas musicas, assim, tem alguma mais marcante, que você lembre de um trechinho, que você cantaria pra gente?
R – Muitas! Mas muitas! (suspiro) Bom, minha esposa fez 60 anos, eu cantei uma musica pra ela pra 200 pessoas, tá? Não canto, eu gosto…
P/1 – Prazer…
R – Absolutamente de cantar, tá? E eu choquei a plateia inteira. Quando nós casamos… eu vou contar o porquê, quando nós casamos, a gente não tinha nada, nós fizemos… casei em 78 e a lei do divorcio mudou em 77 e nós fizemos um pacto pré-nupcial em comunhão de bens, nós fizemos comunhão de dividas, nós não tínhamos nada! E quando eu casei, a gente não tinha… até o terno que eu casei, eu fui no alfaiate pra saber quanto custava um terno não tinha dinheiro pra comprar e tinha uma pessoa que tinha mandado fazer um terno fazia um ano, ele não foi buscar, eu fiquei com aquele terno com o que eu casei, e quando eu fui casar, eu não tinha quem me levasse pra igreja, eu fui parar um taxi na rua e fui pegar os meus padrinhos de casamento, que não tinha dinheiro nem pra pegar o taxi então juntei, foi assim que nós casamos, saímos da igreja e viemos pra casa, tínhamos comprado quatro itubainas, viemos beber, o casamento foi numa sexta-feira.
P/1 – Onde vocês casaram, em que igreja?
R – Na Igreja da Vila Formosa. E eu tive um sonho, eu tinha um sonho que um dia eu ia conhecer o mundo, que eu ia conhecer Veneza, que ia levar a minha esposa pra Veneza, isso quando eu já tinha uns 11, 12, 13 anos. Quando eu fiz 25 anos de casado, eu fui comemorar em Veneza. Ai, eu fiz uma festa pra 200 e poucas pessoas, ai fiz uma festa, foi muito emocionante, eu chorei muito e nesta festa, trouxe uma banda pra poder cantar, uma banda que a gente sabia de televisão lá dos anos 60, acabei encontrando, era uma motivação toda italiana, e foi cantado “Dio, Como Ti Amo” pra mim e apresentaram o filme, não tinha essas coisas que você consegue hoje, eu tio falando de 2003, que eu completei os 25 anos de casado, tá? E ai, eu realizei o meu sonho, nós fomos pra Veneza, Itália, a minha viagem… três viagens da minha vida, esta foi uma, eu fui com a minha esposa, tá, estávamos em Veneza no dia que eu completei 25 anos de casado, num restaurante espetacular, preparei a vida inteira, levei um dinheiro pra gastar nesse restaurante quanto fosse necessário, você tá entendendo? Me realizei. E…
P/1 – Você tava contando…
R – Cantar as musicas… ai, quando a minha esposa fez 60 anos, eu fiz uma festa bonita e ninguém ficou sabendo, ninguém sabia, a não ser as filhas, também foi motivação italiana e eu cantei a musica do Roberto Carlos, vou cantar um pouquinho…
P/1 – Claro, canta um trecho
R – [cantando] “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras, não sei dizer, como é grande o meu amor por você. E não há nada pra comparar, para poder lhe explicar, como é grande o meu amor por você”
P/1 – Cantou pra ela…
R – Cantei pra ela…
P/1 – E essa musica era uma musica que tinha a ver com a historia de vocês, assim?
R – Muito, muito a ver com a nossa historia, tá, porque eu conheci a minha esposa, eu era faxineiro no Fórum e ela trabalhava na Alpargatas, numa área que chamava Reserva.
P/1 – Que idade que vocês tinham?
R – Eu tinha 19 anos e a minha esposa, 21. E eu conheci vindo… pegando o ônibus às quatro e meia da manhã pra… eu entrava às seis horas no serviço e ela também entrava às seis horas no serviço e na verdade, nós começamos a namorar nesse dia. eu havia conhecido… visto a minha esposa um sábado antes, no dia 29 de setembro de 1972 nós morávamos em Sapopemba, num lugar chamado Jardim Colorado e mudamos um pouquinho mais a frente. Um pouquinho mais pra periferia do Sapopemba mesmo, e minha esposa então, morava um pouquinho mais a frente, dois pontos a frente, num lugar que chamava Jardim Grimaldi e nesse 29 de setembro de 72, nós morávamos no bairro e mudamos em junho, nós mudamos pro Sapopemba. Em setembro, uma colega do bairro casou e eu fui convidado, nós fomos convidados, eu e o meu irmão, casamento dentro de casa, naquela sala, como a gente falou, você tá entendendo, ali reunido, pouca gente, obviamente, pessoas do bairro só, você não tinha essa conotação, e eu vim pra esse casamento, nesse casamento, a irmã da minha esposa trabalhava com essa colega do bairro, então foi no casamento e ai, que a gente trocou os primeiros olhares, primeira impressão, ficou naquilo, ainda tava nesse processo, ai depois a gente percebe que tanto de um lado, quanto do outro tinha ainda essa timidez e ai, na sequência, no dia quatro de outubro, por coincidência, não sabíamos, pela primeira vez, pego esse ônibus quatro da manhã, sento com a marmita do lado, com arroz e feijão e ovo, e encontrei com ela, ela tava indo dentro do ônibus. Ai, eu acabei descendo e nós iniciamos o namoro, prometi pra ela, lhe propus na saída, eu saía meio-dia e quarenta, ela saía às duas, de que eu viria… obviamente, eu não trabalhava de faxineiro, eu trabalhava no poder Judiciário, assim que você tinha que falar: “Eu trabalho no terceiro colegial”, Água Rasa, colegas indo pra escola, colegas que já tinha viajado o não inteiro, eu nunca tinha saído da capital, nunca havia saído, como que eu vou falar que trabalho de faxineiro pra uma mulher bonita, que eu encontro, você tá entendendo? Aquela mulher dos olhos verdes, você tá entendendo? Como que eu vou contar tudo isso? Eu trabalhava no Poder Judiciário!
P/1 – Qual que é o nome completo da sua esposa?
R – Maria das Mercês Costa… Lago, agora.
P/1 – Nesse momento, você tava fazendo colegial?
R – Terceiro colegial.
P/1 – E onde era?
R – No Muniz Carvalho Ramos, Professor Wolny Carvalho Ramos, uma das melhores escolas que tem.
P/1 – Que região que era?
R – É na Água Rasa, uma das melhores escola que tem, era padrão, consegui entrar lá.
P/1 – E como é que você pediu ela em namoro? Teve isso? Um pedido oficial?
R – Teve, teve! Quer dizer, nós descemos, eu me comprometi a voltar lá e a gente tinha todo um ensaio de como pedir uma menina em namoro, as coisas… portanto, tinha que falar, tenho que usar algumas frases do que a gente vai falar. Claro que ai, já tinha passado um pouquinho essa fase, mas tinha que falar que a menina tinha os olhos meigos, as mãos delicadas, você tá entendendo? A voz suave, então, você tinha mais ou menos, isso treinado, a gente era treinado. Mas eu me lembro das primeiras vezes, que eu precisava falar isso, mas pra pegar na mão, você tinha que pedir pra pegar na mão, eu não tinha conseguido pedir, como que você ia falar, então você tinha… ou você andava no escuro, porque não tinha iluminação, como que você ia falar isso. E essa coisa era tão treinada, que eu tenho um irmão que quando entrou na policia civil, começou a namorar, e eu vou contar um episodio antes de eu entrar pra faxineiro, que também tinham essas mesmas dificuldades, só que quando começou a usar farda, ai virou o príncipe ai começou a namorar… foi trabalhar na Câmara Municipal, começou a namorar com uma moca em frente ali, saiu a primeira noite e foi falar exatamente isso: “Você tem uma voz suave, seus olhos são meigos…”, a moca falou: “Você tá debochando de mim”, ele falou assim: “Você merece os meus deboches”
P/1 – Que desaforado
R – Ela falou assim: “Mas como assim? Você tá dizendo que eu mereço…” “Não, mas deboche no sentido contrario”, ele não sabia o que era deboche, você tá entendendo?
P/1 – Entendi. Ele achou que era uma coisa elogiosa…
R – Ele achou…
Ele falou: “Mas, eu tô falando deboche no sentido contrario”, você tá entendendo? Então, a gente tinha mais ou menos isso, então, como eu comecei e você tá falando das musicas, então as musicas eram tudo na minha vida, então você começa… eu falei de algumas musicas, mas olha “De que Vale Tudo Isso, se Você não Está aqui?”, certo? “Você longe dos meus olhos, mas perto do meu coração”, são as musicas que eu conheço eu não sei se vocês conhecem essas musicas.
P/1 – Algumas, sim, outras, não, no meu caso…
R – Tem uma que é assim, olha[cantando]: “Por quê que toda vez que eu falo com você, você parece que não quer prestar a minha atenção, por que você, meu bem, não aprendeu ainda ver que nos meus olhos tem amor e muita emoção? Muita emoção. Então, eu choro esta solidão, você perto dos meus olhos e tão longe do meu coração”. Então, eu tô falando das musicas que tocavam ou a musica da minha filha [cantando]: “Lilian, teus olhinhos verdinhos falam-me de carinho e prometem amor. Amar-te para mim é a vida, enfim…”, e ai vai.
P/1 – De quem que é essa?
R – Essa é do Milton Cesar, tá? E ou: “As flores do jardim da nossa casa morreram todas de saudades de você”, ou “De que vale tudo isso” “As folhas caem, o inverno já chegou. E onde anda, onde anda o meu amor”, “Por isso, eu corro demais”, não sei se você conhece…
P/1 – Conheço, conheço! Então, você escutava muita musica?
R – Demais, demais! Muita…
P/1 – E era romântico também?
R – Muita musica! Amava Wanderlei Cardoso, você tá entendendo? Amava! “Socorro, nosso amor está morrendo”, você tá entendendo? Gostava de uma outra musica dele que eu chorava, se eu pudesse eu oferecia a todo mundo, é assim [cantando]: “Acho que estou diferente no meu modo de falar, há coisas que nem mesmo a gente consegue explicar. Deixa-me chorar assim, porque te amo, há tantas tristezas…”, dai ia…. Musica de que, digamos assim, intensidade de todo esse meu romantismo pra minha esposa, minha namorada, minha esposa, nós estamos há 36 anos casados, vai completar…
P/1 – Quanto tempo vocês namoraram, Manoel?
R – Seis anos.
P/1 – Seis anos.
R – O nosso namoro foi muito difícil, porque havia em principio, em função da rigidez da criação do… que ela tinha, a mãe
não admitia que se namorasse muito tempo, nós não tínhamos condições de casar, então, nós namoramos escondido…
P/1 – E como é que era esse namoro, como é que era o namoro na época, o quê que vocês faziam juntos?
R – Nós fizemos… vivemos intensamente o nosso namoro pelas circunstancias. Então, vamos lá! A gente… a minha esposa, pra poder sair de casa, ela tinha que estudar, entendeu, e não tinha… a mãe dela também não concordava que estudasse, por causa dessa concepção, você tinha que ter uma profissão e ela não tinha e você estudava, não era… o ritual, digamos, para o trabalho era diferente de quem adquire uma profissão já começa a trabalhar logo, do estudo é mais raro, então, eu tava no terceiro colegial, a minha esposa na primeira serie do ginásio ai, pra todos os efeitos, ela estuda sábado até às 11 horas da noite, eu não tinha aula de sábado, então a gente, da escola, às 11 horas, eu pegava ela todo dia, a gente vinha a pé até a casa dela, saía do serviço às duas horas, eu também saía, então a gente tinha esse espaço pra poder namorar, de domingo, ela ia pra igreja, então era o espaço que tinha pra poder sair. E sábado, saía, então, todo sábado, a gente saía, só que você não tinha pra onde ir, não tinha dinheiro, não tinha nada, então nós chegamos assim, a sair de sábado, de andar de sete horas da noite à 11 horas da noite, andando, simplesmente andando, andando, andando, conversando, andando, indo pros bairros, pra casa de uma conhecida que era madrinha… é madrinha nossa de casamento, você tá entendendo? Mas cinco anos, nós fizemos isto. Depois, a minha esposa terminou o ginásio e fez o que a gente… a dureza do colegial, ai…
P/1 – Você já tava na faculdade… você entrou na faculdade…
R – Então, eu entrei na faculdade …
P/1 – Que idade você tinha Manoel, você já entra na faculdade logo em seguida do colegial, ou não?
R – Entro um ano depois.
P/1 – Um ano depois.
R – Eu fiz cursinho…
P/1 – Fez um ano de cursinho.
R – Fiz e depois… mas… quando…
P/1 – Queria que você contasse… tá…
R – Eu terminei então o ginásio, eu terminei… eu marretava na feira ainda, tá, eu acho que eu esqueci de contar isso, eu marretava na feira, corria de comando, com todas as vergonhas que eu já tinha, eu já cheguei a trabalhar nas feiras do bairro, sumir nas feiras do bairro, que tava na escola, até porque você via… você tava vendendo, de repente, vinha as colegas de escola que cresciam diante da gente, as mulheres crescem mais rápido, as mulheres bonitas cresciam, então você tinha uma roupinha muito simples, um dia você tá lá vendendo uma… passa uma senhora e fala assim: “Coitado desse menino, a mãe dele gastou mais dinheiro de costura na calça de remendo, do que de calça”, então você ter 14, 15, 16 anos e ouvir isto é um pouco pesado, tá? Então, a gente saiu. Ai, os meus dois irmãos mais velhos, o mais velho entrou na guarda civil, com 19 anos, o outro entrou com 18, um mês depois, é este que eu falei dos deboches. Entrou e eu tio na quarta serie do ginásio e os meus irmãos têm esse tempo mais velho, todos eles foram estudando e perdendo escola, nós viemos da Bahia, meu pai foi quatro meses pra escola, ele aprendeu o a-b-c você conhece o a-b-c-d, eu tenho certeza, até eu vou soletrar o a-b-c-d pra você para ver se você conhece. a, b, c, d… a, b, c, d… qual que vem depois? A, b, c, d, fê, guê…tá certo? Então, o meu pai aprendeu: a, bê, cê, dê, fê, guê, lê, mê, nê, pê, quê, e, y, ai você vem aqui e “ó” e “o”, lá é “o”, ai você vem aqui, meu irmão vai estudar e vai aprender: a-e-i-ó e não consegue aprender, ai o meu pai fala: “Não é ó, seu corno, é ô”, ai você fala “éfe”, não é fe, é fê, você fala gê, não é gê, é gue… entendeu? Então, a gente vinha nisso e os meus irmãos foram perdendo… o mais velho foi repetindo, porque você não tinha parâmetro, não tinha… o outro vem e alcança, depois, os dois repetem, ai vem o de trás, o mais próximo de mim na mesma toada. Quando eu cheguei, eu cheguei um pouquinho mais alavancado, digamos assim, então eu fiquei… eles se encontraram os três, ficaram os três um ano na minha frente e eu fui acompanhando, estudando no ginásio, eles sempre a frente, ai, os meus dois irmãos entraram na guarda civil, quando entraram ficaram seis meses de curso, perderam um ano e eu os alcancei. O outro que veio logo depois de mim entrou pro Exercito, foi convocado pro Exercito, perdeu um ano, eu os alcancei, ai quando eles voltaram, acabaram perdendo… ai, quando esse meu irmão voltou, um deles, esse que entrou pra guarda civil, nós fomos estudar juntos no colegial, no Wolny, eu estudei o ginásio no Vila Formosa, tempo mais marcante da minha vida, lembro do nome de todas as meninas, todas as paixões, dos meus colegas, dos meus professores, das ruas e onde moravam e até o meu professor, ele morava… marcante. E…
P/1 – Quando vocês faziam colegial juntos…
R – Ai, quando eu fazia colegial, eu vim junto com o meu irmão e eu tive o mesmo professor da minha primeira serie do ginásio de Português, foi o mesmo professor do colegial, porque ele mudou de escola junto com o meu irmão, chamava professor Wandelino. E a gente estudava o primário na escola, a gente dependia um do outro, os cadernos eram os mesmos, os livros eram os mesmos, você tá entendendo? Usava um do outro, então, eu estuava no primário do Sapopemba, terceira, quarta serie, e a professora ensinava os pontos cardeais pra gente. No Sapopemba, a gente tinha posição de sala nessa mesma posição que nós estamos aqui, então a professora dizia assim: “Ao meu leste, a minha direita, leste, a minha esquerda, oeste, as minhas costas, sul e a minha frente, norte”, aquilo todo dia. Eu tô no ginásio, meus irmãos na segunda serie, eu na primeira, o professor o mesmo de Português, professor Wandelino, ele saía 11 horas da escola, ele pegava um ônibus, a gente pegava um ônibus, a gente vinha o resto a pé, andava uns cinco quilômetros a pé, mas assim, não tinha que pegar um ônibus, ele pegava esse ônibus com a gente, que ele morava no Belém. E sempre pra dar apoio pra gente, que ele gostava da gente, um dia, nós estamos no ponto de ônibus, ele falou: “Manoel, você sabe explicar os pontos cardeais?” eu tinha decorado só que a posição que nós estávamos era esta (se mexe), você tá entendendo? Ai, não tem duvida, eu falei que a minha direita era leste, quer dizer, não tinha… ai, o meu irmão quis corrigir, ainda piorou, mostrou o cruzeiro do Sul pra leste: “Pra lá que é o sul”, mostrando pra leste, achando que o cruzeiro do Sul estivesse lá, para se basear pelo sul, também chamava cruzeiro do sul. Nesta época, primeiro colegial, tinha terminado o… meu irmão tinha entrado na guarda civil, nós fomos fazer exame pra Academia de Policia, o auge, nós estamos falando de 1970, auge do Regime Militar, auge de prestigio da forca militar, inclusive a polícia militar antes chamava força publica, meu irmão entrou na guarda civil, existia a forca publica. Ai, unificaram essas duas policias, virou policia militar, meus irmãos viraram policiais militares, ai fomos, era dia de feira, correndo da policia, correndo do comando, apanhando da policia, cheguei a apanhar da policia na feira. E ai, nós fizemos exame pra Academia, que é um dos concursos mais concorridos, ai nós… primeira vez, passamos… aliás, fomos reprovados, eu e ele, assim que terminei o ginásio e ele, no primeiro colegial. Depois, ele ficou… quando passamos, no final do primeiro colegial, nós fizemos outra vez, ai passamos, fizemos os três: eu, meu irmão mais velho, que é também policial soldado, que é o que entrou primeiro, os dois soldados e eu, o outro que tava no Exercito, que é entre mim, que é o Egberto, ele não fez, porque já tinha dado baixa no Exercito por problema físico, então ele não podia nem fazer. Ai, nós fizemos os três, passamos os três na primeira fase, na segunda fase, psicotécnico, meu irmão mais velho foi reprovado, passei junto com o meu irmão, passei no escrito, quando chegou no exame físico, eu fui reprovado. Eu estava com um monte de estrela no ombro e voltei a correr da policia, voltei a correr do comando. E ai, seis meses depois, isso no começo do ano, no final desse ano, em 1969, eu tinha 16 anos, isso tava na feira da Barra Funda, na Vitorino Camilo, que a
gente chamava, na Rua Vitorino Camilo e a policia politica, a policia militar e o comando baixaram… a policia militar e o comando baixaram na feira, cercaram a feira, eu corri do… guardei a mercadoria, a gente ia olhar pra ver quando o comando ia embora, ai eu fui preso como batedor de carteira, jogado dentro de um camburão, junto com mais um monte de gente, fala “trombadinha” hoje, naquela época, falava batedor de carteira e fiquei preso até… preso, não, fiquei detido até cinco horas da tarde, quatro horas da tarde, quando eu fui chamado, todo mundo apanhou, menos eu. Quando eu fui chamado, eu tinha uma carteirinha de escola e naquela época, você fechava as matérias, era assim, numa sala de 40, quatro, cinco fechavam em todas as matérias, não ia pra exame. E eu tinha estado nessa condição desde a terceira e quarta serie. Ai, o delegado me advertiu, eu falo “delegado” hoje, que eu sei, na época, eu não sabia, o delegado me advertiu que eu tinha que arrumar emprego de qualquer jeito, senão, eu ia ser preso e você não podia mentir pra policia e quando eu fui preso lá, eu disse que eu era feirante e não era feirante… em termos, feirante era legalizado, aquele que tinha licença, eu era marreteiro, mas eu falei que eu trabalhava na feira livre, ai ele mandou eu tirar documento, ai no dia dois de dezembro de 1969, isso era novembro, final de novembro, dia dois de dezembro, eu fui tirar a minha identidade, declinei a minha profissão de feirante e não foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, tá, depois eu digo o porquê. Ai, eu fui profissão de feirante, só que ai, a policia começou ser mais dura na feira, um dia eu tô na feira da Consolação, Rua Mato Grosso, que é paralela a rua do cemitério, a policia fechou tudo outra vez, eu consegui… eu olho hoje, eu falo pras minhas filhas, eu subi numa arvore com o meu copo cheio de xicara, eu pulei dentro daquele muro do cemitério, eu olho hoje, eu não… se eu não morri é porque Deus não quis, eu pulei dentro daquele muro do cemitério lá pra fugir da policia e ai, eu completei 18 anos na sequencia. Eles estavam prendendo a gente, todo mundo que tinha 18 anos, mandava assinar o 59, nossa, um dia na vida que eu vou processar alguém ou deixar de processar por Artigo 59, não sabia que um dia eu ia me tornar um Promotor Publico e ia tocar o processo.
P/1 – O quê que é o Artigo 59?
R – Vadiagem. Artigo de vadiagem, então você assinava como vadiagem, ai você tinha 30 dias pra arrumar um emprego formal, porque naquela época, você não podia sair sem carteira de trabalho registrada.
P/1 – E nesse momento, você já tinha tirado a identidade, mas você não tava com a profissão regulamentada…
R – Continuava como marreteiro de feira
P/1 – Tá…
R – Tá? Continuava como marreteiro de feira. Foi ai que o meu irmão que trabalhava na porta do fórum de policial, conseguiu um pedido lá pra eu… o meu cargo de faxineiro. E ai, no dia sete de julho de 1972, eu acabava de completar 19 anos e entrei pra lavar banheiro do Fórum.
P/1 – Foi a sua primeira carteira assinada? Emprego regulamentado?
R – É, não era nem carteira… primeiro formal, porque lá, você é funcionário, você entra… chama funcional, você não tem carteira você entra no funcionalismo publico, você não tem carteira profissional, é carteira funcional.
P/1 – Era… era… fazia parte do funcionalismo, então?
R – Funcionalismo. Eu entrei então, de faxineiro no Fórum.
P/1 – Qual era o Fórum?
R – O Palácio da Justiça de São Paulo, ai lá, eu lavava banheiro e varria a garagem, quando chegava o carro com os Desembargadores, você usava uma fardinha de faxineiro e quando chegava o carro dos desembargadores, você tinha que se esconder, pra ninguém ver as mazelas que tinham lá. entendeu? Então, você tinha que se esconder, você não podia se apresentar. Então, chegava… porque chegava, apitava a buzina, o carro passava assim por trás, tocava uma sirene, todo mundo já sabia que era o tempo, ai ficava todo mundo a postos pra receber as autoridades e a gente precisava se esconder.
P/1 – Os faxineiros? As pessoas que…
R – Os faxineiros.
P/1 – Faziam serviço se escondiam?
R – Se escondia, para não ser visto.
P/1 – Mesmo tendo uma apresentação assim, formal…
R – Não, não podia ser visto, tinha que ser um ambiente todo clean, um ambiente purificado, digamos assim, você precisava ser um… como se fosse um ambiente assim, higienizado, você tá entendendo?
P/1 – Que horror.
R – Você não podia aparecer. E nós estamos falando da época do regime militar, tinha Desembargador, parava os Galaxis assim, abria, pegava mala, os caras não pegavam, tinha elevador esperando, tinha um septo atrás.
P/1 – Mas você trabalhava uniformizado também? Tinha…
R – Uniformizado é farda de faxineiro, aquela fardinha azul, tá?
P/1 – Sim, sim…
R – E galocha, que é pra lavar, lavava os banheiro.
P/1 – E nesse momento de se esconder, pra onde que vocês se retiravam? Alguma área interna?
R – Para umas pilastras assim, nos quartos, nos ambientes internos, nas salas próprias que tinha. Eu entrava às seis horas da manhã, saía meio-dia e quarenta, subia a pé até a Paulista, terminei o colegial, entrei em julho, no final do ano, eu terminei o colegial, e eu vinha pra o Objetivo na Paulista fazer cursinho.
P/1 – E nesse momento você já tinha… quando que você decide assim, pra quê que você ia prestar… pra que curso você ia prestar o vestibular?
R – Qualquer coisa na minha vida…
P/1 – Nesse momento, você não sabia ainda, não tinha definido?
R – Não, antes, o meu sonho da vida toda, eu sonhava com um emprego, eu queria ser… eu gostava muito, eu ia muito bem, eu destacava na escola em Química, Física, Matemática bem, Português, eu tinha dificuldade, Biologia, eu tinha facilidade, Química, eu tinha dificuldade, Biologia, eu tinha muita facilidade, Química, Física, Matemática e um pouco mais de dificuldade em Português, em língua, péssimo, Historia e Geografia, hoje eu conheço bem, mas eu não conseguia me localizar…
P/1 – Não eram as matérias que mais…
R – Não, eu não conseguia me localizar, não conseguia, não tinha parâmetros, não tinha parâmetros, falava em Chapada, o quê que é uma chapada? Você falava em rios, corrente pluvial, o quê é? Marítimo, nunca tinha ido a uma praia, então, você não tinha referencias e eu não conseguia vislumbrar
P/1 – E você tinha uma profissão em mente, nesse momento, ou não?
R – Tinha! Eu queria ter qualquer profissão que me desse um emprego, que tivesse dentro das condições. Por exemplo, médico, medicina eu poderia ir, mas impossível, não estava cogitado, amava Física e Química, mas tenho uma dificuldade até hoje de fazer desenho, não conseguia fazer uma reta correta, nem com compasso eu fazia os desenho, então tinha que descartar Engenharia, sobrava Química, e eu gostava muito de Química, e ai, eu fui fazer pra Química e Agronomia. Então, o primeiro vestibular que eu fiz foi pra Agronomia, eu fui totalmente maluco, fui pra Jaboticabal sem nenhum dinheiro, chega lá e o ,eu irmão foi pra me dar apoio, chegamos lá em Jaboticabal de madrugada pra fazer vestibular de Agronomia, não tinha dinheiro, não tinha lugar pra ficar, fomos bater às duas horas da madrugada em casas de pessoas pra dormir, conseguimos. Fiz vestibular, não passei final do ano, eu fiz pra Odontologia, não sabia… pensei em Nutrição, pensei em Assistente Social… mas por que pensei em Nutrição? Porque na época, a Açúcar União tava pegando nutricionistas, o salario era bom, você ganhava 500 reais, o salario era dois mil e quinhentos, você ia ficar milionário, eu tô falando assim, em termos…
P/1 – Era uma possibilidade, um emprego remunerado, que era…
R – A possibilidade de um emprego. Então, eu buscava tudo isso. Mas interessante, desde criança, eu falava assim: “Vou ser advogado”, mas por quê que eu falava “Vou ser advogado”? Porque veja, quais eram as três profissões que se falavam na época? Engenheiro, medico e advogado. Medico tava descartado, você não tinha condições, engenheiro pra mim, era impossível, porque eu tinha a impossibilidade de desenho, nunca tinha, não sabia mexer, sobrava advogado. Então, todos os negócios foram pra ser advogado, mas as coisas mudam…
P/1 – E quando você decidiu prestar?
R – Então, ai eu fiz um vestibular pra Petroquímica e entrei em Petroquímica no Mackenzie. Agora, você imagina… antes… ai, eu tava de faxineiro, eu fiz um concurso pra inspetor de alunos e passei,fui ser inspetor de alunos onde a minha esposa estudava…
P/1 – Que era onde?
R – Fui ser inspetor de alunos dela… lá no Sapopemba, escola Chiquinha Gonzaga, Escola Estadual Chiquinha Gonzaga. Ai, eu fui ser inspetor de alunos lá. Ai, eu entrei em dezembro, mas a diretora e uma inspetora da escola não gostou muito porque a minha namorada estudava lá, eu sai de faxineiro em dezembro de 73, eu assumi o cargo dia 20 de dezembro de 73, eu assumi o cargo de inspetor de alunos. Eu entrei em julho de 72 de faxineiro. Lavei todos os banheiro, nunca entrei num banheiro privativo e nenhum elevador privativo, porque havia seleção, então nunca soube, eu entrava no do povo. E ai, em 73, eu entrei pra inspetor de alunos. Mas nessa mesma época, eu fiz o concurso, eu e o meu irmão que era policial na porta do Fórum, fizemos concurso pra Oficial de Justiça, que tinha 30 mil candidatos, nós fomos fazer no Morumbi e eram 228 vagas. Nós passamos, eu e ele, ele passou em quase centésimo lugar e eu em quinhentos e pouco, minha colocação, tal e não tinham chamado, mas eu também fiz um concurso pra inspetor de alunos, ai eu fui chamado. Eu assumi inspetor de alunos, só que nesse intervalo, eu entrei na Petroquímica e a Petroquímica era à noite e inspetor de alunos era à noite, eu não consegui transferir, 20 de fevereiro, eu deixei o inspetor de alunos e fui fazer Petroquímica, sem dinheiro, sem pagar. Fiquei na porta do diretor do Mackenzie lá, seis meses lá, ele não me aguentava mais, me deu uma Bolsa, entendeu, e a gente que ia, que se virava, nós mesmos que nos virávamos, a gente que ia fazer matricula dos irmãos mais novos, não eram os pais.
P/1 – Você conseguiu uma Bolsa no Mackenzie…
R – Eu consegui uma Bolsa, ai eu fiz petroquímica. Comecei a fazer Petroquímica. Em junho daquele ano, de 1900… agora, já estamos em 1974, eu fiz um concurso pra Petroquímica União, em Capuava, e interessante que eu entrei em 15º colocado na faculdade de Petroquímica, nós fizemos um concurso pra Petroquímica em… eu e o meu irmão Egberto fizemos um concurso pra Petroquímica em Capuava. Eu ganhava… não sei quanto que eu ganhava… eu ganhava… só que quando eu entrei na faculdade, eu não tinha como pagar, ai eu fiz um concurso e entrei num banco, Banco união Comercial, que virou Itaú e eu ganhava 650 mil no banco, e pagava 700 mil de faculdade, obvio que eu não podia pagar a faculdade.
P/1 – E como é que você fez nesses…?
R – Eu ficava… não me deixavam fazer prova, eu ia lá na diretoria e chorava, não me deixavam fazer prova, pra fazer depois, até que ele me deu a Bolsa em junho retroagiu tudo. eu pagava metade… pagava uma prestação, não pagava a outra, porque tinha que dar dinheiro em casa, você está entendendo? Todo o dinheiro nosso era dado em casa, de todo mundo, sempre foi… ninguém teve dinheiro próprio…
P/1 – Era o seu pai que administrava?
R – Meu pai que administrava, todo dinheiro ia pra casa, de todo mundo.
P/1 – Ai, esse concurso da…
R – Ai, eu fiz o concurso pra Petroquímica, e eu passei e o meu irmão não, passei em 15º colocado, ai, assumi a petroquímica. Eu sai de 400 mil e fui pra dois mil e oitocentos, então, eu dei um salto de qualidade, assim, muito grande na minha vida, em 74. Ai, o meu irmão entrou no banco, o Egberto.
P/1 – E nesse momento, você continuava morando com os seus pais?
R – Morando com os meus pais, todos nós morando com os meus pais. Ai, nós já tínhamos até… já tínhamos até um chuveiro em casa, porque ai, nós mudamos pra uma casa de aluguel, que já tinha um chuveiro, primeira vez que tinha chuveiro na minha casa, eu já tinha 19 anos. Antes, a gente evoluiu um pouquinho, a gente tinha um daquelas baldes que era chuveiro, você colocava agua quente, já tinha isso, já tinha dado uma melhorada. Agora, você tinha um chuveiro, dava choque, mas pra nós, não tinha nenhum problema. Você ia tomar banho, escapava do choque de vez em quando, mas já tinha, já era alguma coisa melhor, tá? Minhas irmãs já tinham um quarto pra elas três dormirem, nós já tínhamos um quarto pequeno, mas não importa, uma amontoada em cima da outra, mas já tinha.
P/1 – Tinha melhorado?
R – Tinha dado um salto, digamos assim. Já tinha comprado sapato, já pude comprar, ainda que fosse à prestação, nós compramos. E ai, eu fui trabalhar nessa petroquímica. Ai, em 75, eu e o meu irmão compramos um carro à prestação.
P/1 – Que carro que era?
R – Um fusca azul. Compramos à prestação, em 24 meses. Eu e o meu irmão que já tava no banco, eu já tava na petroquímica. E eu já tinha… nós estamos em 74, 75 eu tinha projeto de casar com a minha esposa, escrevi uma carta pra ela num final de ano que nós íamos passar separados, porque eu trabalhava de turno, de meia-noite às oito, e que a gente não ia poder casar naquela época, que era exigência dos pais dela, mas que a gente ia esperar, que a gente ia ter uma vida de felicidade depois, eu tenho essa cartinha guardada até hoje, ela guardou. Ai, eu entrei na Petroquímica. Quando chegou em fevereiro de… entrei em 74, em julho, coincidência, eu comecei em julho de 74… de 72 no Fórum e em julho de 74 na petroquímica, porque na petroquímica só entrava com 21 anos, eu completei 21 anos em dois de julho.
P/1 – Qual que era
o seu trabalho?
R – Na petroquímica?
P/1 – É.
R – Operador de petroquímica… de processamento de petróleo, a área que eu estava estudando. E ai, eu sempre fui muito sonhador com 12, 13 anos, quando andava descalço, quando não tinha nada, a gente não tinha… o corpo da gente era tudo cheio de ferida, tínhamos cegueira noturna, eu e o meu irmão, não enxergávamos à noite, porque você tinha falta de vitamina A você não enxergava à noite, e o corpo da
gente era coberto de ferida, de mancha e o meu braço assim, era lotado de ferida, de ponta a ponta, a gente chamava cabeça de prego chamava pereba, tá, mas era como se fosse cabeça de prego. Tudo bem, você convivia com aquilo como se fosse um negócio normal meus irmãos tiveram… um desmaiava, quase morreu de desmaio de subnutrição, meu irmão teve reumatismo, outro teve problema de garganta, isso eu não tive. Outro teve problema serio de ouvido, a única coisa quando eu nasci, na Bahia, eu tive… fiquei sabendo só depois, com 40 e poucos anos, minha mãe… ninguém sabia, eu fiquei doente, fui o único que quebrou a dieta da minha mãe, isso foi muito traumático, porque dieta, aqueles 40 dias era uma coisa sagrada. E pra mim, foi muito pesado isso. Pra mim, foi muito pesado saber dessa historia, que eu fui responsável por quebrar a dieta da minha mãe.
P/1 – Mas como assim foi responsável? Não entendo…
R – Por quê? Porque eu fiquei doente, eu tive uma febre e segundo a minha mãe, eu chorava 40 dias e 40 noites, chorava e chorava e chorava e essa febre não passava e chamaram o padre e fizeram extrema unção pra mim, teriam feito… talvez, seja assim, uma forca de expressão da minha mãe, não tenha acontecido tão real, mas eu sei que chegaram em pensar em extrema unção. Então, eu descobri depois de 50 anos, em exame absolutamente especializado que eu tive tuberculose um tempo na vida. Como eu nunca fiquei doente…
P/1 – Deve ter sido nesse momento
R – E era coisa muito antiga, segundo… fiz um exame super especializado agora, agora eu posso ter plano de saúde que eu pago seis mil por mês, então, você faz as coisas mais sofisticadas.
P/1 – Agora quando você diz que quebrou a dieta, quer dizer o resguardo, é isso?
R – O resguardo, é! O resguardo, quebrou o resguardo!
P/1 – Tá. Ai…
R – Voltando…
P/1 – A petroquímica…
R – Petroquímica, ai eu entrei na petroquímica e quando chegou em fevereiro de 75, eu fui nomeado naquele cargo de Oficial de Justiça, aquele concurso que eu havia feito. Então, eu estava com 21 anos. Ai, eu trabalhava da meia-noite às oito na petroquímica, vinha pra casa, dormia até meio-dia, e ia à tarde trabalhar de Oficial de justiça, de lá, eu ia direto pra escola, da escola, eu saía e ia direto pro serviço…
P/1 – Jornada tripla.
R – Quase fiquei maluco! E com carro, eu tinha que chegar assim… e mudava de turno, então o turno que eu trabalhava das oito às quatro, eu tinha que sair lá de Capuava em alta velocidade, pra chegar antes das cinco no Fórum pra assinar o ponto…
P/1 – E quanto tempo você ficou nessa rotina?
R – Eu fiz essa rotina até outubro de 75, quando eu não aguentei, eu tava assim, explodindo, estudando petroquímica, em julho de 75, eu fechei o curso de petroquímica, sabia que não era aquilo, eu optei… porque eu tava na petroquímica, eu pensei: ‘eu vou ter que trabalhar noturno’ e nesse intervalo, um colega meu de turma, o filho nasceu, quando ele estava lá trabalhando e lá era área de segurança, não podia sair. Neste mesmo intervalo, houve uma explosão e um dos colegas morreram, trabalhavam com 700 quilos de pressão e com fogo, 700 graus de temperatura e 40 quilos de pressão, aquilo, se explode, vai uma área inteira. E todo mundo desesperado pra saber lá e ninguém podia entrar. Ai, eu comecei a pensar que eu não queria… nasceu o filho do meu colega, ele não pôde ir, a mulher foi pro hospital, levaram. Eu comecei a pensar na minha vida, no futuro que aquilo eu não gostaria que fosse. Ai, eu optei por largar a petroquímica, onde eu ganhava dois milhões e 700 por mês, nessas alturas, mais um milhão, duzentos e cinquenta de oficial de Justiça e mais as diligências, era quase quatro milhões, larguei a petroquímica e fiquei só de Oficial de justiça. Foi um… terrível! Ai, eu peguei e fiz vestibular pra Direito, entrei pra Direito…
P/1 – Fez um novo vestibular, no Mackenzie também?
R – Não, ai eu fiz na FMU, porque quando eu entrei… eu larguei a Petroquímica foi em outubro, final de outubro, todos os vestibulares tinham encerrado, o único que tava aberto era a FMU, ai eu fiz PUC, Mackenzie, USP já tinha tudo encerrado os vestibulares, abria assim, no meio do ano, assim, abria agosto saia, naquele tempo, não era vestibular como hoje, obviamente.
P/1 – Ai, você entrou…
R – Ai, eu entrei…
P/1 – Em Direito…
R – Entrei em Direito. Ai eu fiquei de Oficial de Justiça.
P/1 – E como é que foi a faculdade de Direito pra você?
R – Foi maravilhosa, apaixonante. O meu serviço de Oficial de Justiça foi apaixonante, o meu serviço de Oficial de Justiça foi apaixonante. Essa que é a verdade.
P/1 – Qual que é a área do… do… civil?
R – Eu trabalhei… vamos dizer o seguinte, inicialmente, eu trabalhei… eu fui pra Fazenda, então, eu fazia as ações de execuções de financiamentos de casa pela Caixa Econômica, pelo IPESP, quem não pagava as execuções que o autor fosse a Fazenda, ou que o réu fosse a Fazenda, ações de professores… eu me apaixonei. Ai, eu fui trabalhar na parte tributaria, me apaixonei, gostei, eu tinha feito um concurso pra Fiscal de Renda em Goiás, quando eu tava na Petroquímica, então tinha estudado Direito sozinho… ai, entrei, me apaixonei pelo Direito, pelo Direito Tributário e me preparei a vida inteira pra ser Fiscal de Renda, me preparei o curso inteiro pra ser Fiscal de Renda fiz todos os cursos que tinha…
P/1 – Você terminou a faculdade de Direito, ou não?
R – Tive… tive… o privilegio de ser considerado um bom Oficial de Justiça pelo juiz, pelo cartório o meu irmão também já tinha sido nomeado, era um Oficial de justiça, o outro, a essas alturas, já era um oficial da policia, você tá entendendo? E o outro, formado em administração, já tava trabalhando num banco. Nós estávamos já caminhando, indo para as nossas vidas. Eu me casei…
P/1 – Você se casa então, você tá na faculdade de Direito, quando você se casou?
R – Isso, quando eu me casei eu tava no terceiro ano da faculdade de Direito e ai, quando eu me casei, que eu tava bem de Oficial de Justiça, no ICM, com prestígio, com tudo, fui relocado para o criminal. Foi um período difícil, o primeiro ano, depois eu consegui ser reconduzido para a Vara da Fazenda. Eu me preparei durante todo esse período e quando eu terminei a faculdade, quando eu tava no ultimo ano de faculdade, em 1980, abriu o concurso pra Fiscal, precisava ser formado. Eu me inscrevi assim mesmo e levei mais quatro colegas da minha sala de aula, levei pra fazer… pra…
P/1 – Fazer o concurso…
R – Fazer o concurso, se inscrever. Como eu não tinha dinheiro pra fazer cursinho, uma delas tinha, que é minha amiga, amicíssima até hoje, ela fazia cursinho, eu ia estudar na casa dela, pegava as matérias, nós estudávamos. E o meu irmão também. ai, eu entrei pra Fiscal de Renda. Entrei pra Fiscal de Renda…
P/1 – Isso era que ano, já?
R – 1980. Consegui meus… todos diplomas que não são de universidade – não sei se você sabe disso – antigamente, não tinha universidade, você só tinha três: Mackenzie, PUC e USP, o resto todos eram faculdades. E os registros de diplomas são feitos em universidades. Então,todas as faculdades que não são universidades e são particulares, o registro é feito na USP e demorava dois anos pra sair o diploma. E para Fiscal, precisava apresentar o diploma e como nas minhas funções de Oficial de Justiça, eu acabei conhecendo um advogado que era parente de uma pessoa da USP, o meu diploma foi o segundo, só perdeu pra filha do dono da faculdade que era o Evaldo, que era o dono da FMU
P/1 – Não dava pra competir.
R – Então, eu peguei o meu diploma e ai, houve uma crise no país, que foi uma das crises do delfim Neto, foram suspensas as nomeações. A essas alturas, eu morava em São Paulo, casado…
P/1 – Quando você se casou, vocês mudaram de casa, onde vocês foram viver?
R – Então, nós casamos, nós fomos morar numa casa, conseguimos comprar uma casinha, levei a minha esposa pra ver, fomos morar numa casa de 40 metros, terreno de 90 metros… ah isso em 78…
P/1 – E onde era essa casa?
R – Travessa da Avenida Sapopemba, num bairro chamado Santa Clara, tá? Perto do Wolny, tá, mas já era uma evolução muito grande, tá? Nós fomos morar numa casa própria, moravam quatro pessoas, agora você tinha um quarto, você tinha um banheiro, você tinha um banheiro pra 14, 12, agora, você tem um banheiro pra você, então foi uma evolução muito grande. Você ter uma mesa, nós comemos em pé até os 12, 13 anos, eu comia com a mão, fui comer com colher já aos 12, 13 anos, comer com garfo aos 15, 16. Então, você já tava… era muita evolução. Ai, eu e a minha esposa, que a gente vinha das mesmas condições, então fomos pra essa casa, a gente chegava assim no topo da rua, pisava, escorregava na barroca, mas era nossa. Ai, em 1980, eu tive a ideia com a minha esposa, falei: “Vamos sair de São Paulo, vamos pro interior?”, ela sempre me apoiou sempre em tudo, vamos passear um dia, conhecemos Valinhos e acabei vendendo a nossa casa, comprando uma casa em Valinhos, foi um malabarismo esse negocio que eu fiz, foi uma coisa assim, que quando eu conto como que eu fiz o negocio pra ir pra Valinhos, você não consegue entender, às vezes, nem eu mesmo, tá?
P/1 – Profissionalmente, como é que você fez pra administrar? Continuou trabalhando em São Paulo?
R – Então, profissionalmente, como que eu fiz? A essa altura, a minha esposa tinha entrado num concurso pra escrituraria na Petroquímica, portanto, ela trabalhava na petroquímica, eu era Oficial de justiça, pedi minha transferência pra Campinas, como eu disse, eu era bem quisto no local que eu estava, não me dificultaram pra Campinas. A condição da gente ir pra Campinas, era que a minha esposa… tinha um concurso de Oficial de Justiça, que ela passasse. Então, ela fez o concurso, passou, ficou esperando a prenomearão, nós fomos pra lá, trabalhamos seis meses, ainda viajamos. Eu tava no ultimo ano de faculdade, transferi pra parte da manhã, eu fui pra lá em julho de 80, terminei a faculdade no final de 80, transferi pra manhã e fui trabalhar em Oficial de justiça em Campinas. Lá, passamos pelas melhores e piores experiências, a minha esposa, em 82, tava no quarto ano de Direito, que ela foi fazer Direito também, ficou grávida, ai no terceiro mês perdeu a gravidez, a gente tinha pouco conhecimento cientifico, fizemos o máximo possível, trancou a faculdade, ai quando chegou em 83, ela… foi meados de 82, no final de 82, ficou grávida novamente, no terceiro mês, com tudo que fizemos, perdeu novamente a gravidez. E ai, você ouve de tudo, vem a nossa família, nosso meio, pessoal humilde, é: “O útero dela que é virado ao contrario”, é: “O pênis do Manoel que é torto”, você ouvia de tudo…
P/1 – Todo tipo de coisa…
R – Todo tipo de coisa. Então: “Você põe emplastro poroso sabiá que segura”
P/1 – Como é que é isso?
R – Emplastro poroso sabiá, você coloca que segura a gravidez.
P/1 – O quê que é isso?
R – É uma coisa que você colocava que tirava… como se fosse… que vai eliminando alguma coisa que passa a dor, quando você tinha uma dor, é um tipo de uma pelinha que você colocava: “Põe emplastro poroso sabiá”, “Você toma chá disso que vai” “Precisa ver que como é torto não tem muito espermatozoide”, não usava essas coisas, mas eu tô sendo sofisticado, “Então deve ser isto”, mas enfim, ai na terceira… a gente ai, não contava pra ninguém, foi muito triste uma das perdas que tivemos, foi muito triste, nós viemos no meio do caminho pra São Paulo, de madrugada, teve que parar em Jundiaí, no meio da mataria ali, teve uma hemorragia, a gente passa lá e isso é muito forte de lembrar.
P/1 – Vocês perderam três bebês, é isso?
R – Três bebês. E a minha esposa, então, parou a faculdade, nesse terceira perda, ela não conseguiu mais. Ela tava de Oficial de justiça…
P/1 – E ai, vocês chegaram a ir no medico?
R – Direto! Todos! E a gente ouvia os mais tipos de coisas, tentamos de tudo, fizemos exame de alelos, exames de tudo, nada justificava.
P/1 – E quando que veio a primeira gravidez, assim, que vingou?
R – Então… ai, nós estávamos no Oficial, achamos… tínhamos ideia… tínhamos um projeto de adotar uma criança. Tivemos, mas depois cortou, ai, conseguimos a adoção de uma criança, de um menino no Paraná, feita através até de um juiz com quem eu trabalhava em Valinhos, porque um casal tinha desistido da criança, que já adotou, que provavelmente a mãe da criança teve sífilis, então achava que a criança podia ter, então, eles desistiram. Arrumamos toda a roupa pra ir buscar, nós estamos saindo, recebemos um telefonema que os pais lá resolveram ficar com a criança, consultaram médico e resolveram ficar com a criança. Perdemos o quarto filho. Depois, nós fomos fazer exame e ai, quando fizemos esses exames de alelos, de genética, de cromossomos, teve que esperar juntar dinheiro, que é um exame muito caro, a gente não tinha, demorava um mês pra sair o resultado. Fizemos no começo de dezembro, fomos buscar o resultado no dia 29 de dezembro, quando fomos buscar o resultado, o medico falou que nós não tínhamos nada, que era perfeito, que o esperma era de qualidade, que o ovulo era de qualidade, e a minha esposa tava grávida, quando fomos… não quando colheu, mas quando foi buscar o resultado, tava. E ai, por precaução, ela trancou a faculdade, ficou sete, oito meses de cama, veio a Lilian. Isso em agosto de 84.
P/1 – E como é que foi o nascimento da primeira filha?
R – Deixa eu só então contar uma coisa pra você ver como que muda a vida da gente. Em maio de 93… em maio de 83 foi a perda da terceira gravidez. Eu fui nomeado e tinha que ir pra Brasília, eu fui nomeado na quarta-feira, comecei a preparar as documentações, que na segunda-feira eu tinha que ir pra Brasília pra Fiscal, que era o sonho da minha vida, você tá entendendo? Eu posso fazer um paralelo, um salario de Oficial de Justiça como hoje é quatro mil e de Fiscal era 18, hoje pra você ter uma ideia do que isso significava na época
P/1 – Muito grande a diferença, o que significa hoje também,
a diferença é grande…
R – É, então, eu… meu irmão é Fiscal, tá, fizemos juntos, ele passou junto comigo, eu fiz, passei, ele ficou, depois, ele passou no próximo, é aposentado, hoje. E ai, eu… minha esposa perdeu a terceira gravidez na sexta-feira, ninguém da família soube, porque a gente morava em Valinhos, todo mundo em São Paulo, a gente não quis contar por causa dessa pressão que tinha… “você toma isso, você toma aquilo…”, a gente já não precisava contar. Ai, eu abandonei a nomeação e não fui. Me preparei a vida inteira pra ser Fiscal e não fui, fiquei meio perdido tinha feito uma carreira, um sonho, buscava aquilo porque as coisas aconteceram na minha vida assim, quando eu era servente, faxineiro, lavando banheiro, eu era… eu fiz… apareceu um concurso interno pra escrevente, só que você tinha que ter indicação de Juiz ou de um Desembargador, você não conhecia ninguém, eu tinha que esperar terminar o meu expediente, pôr a roupinha que eu tinha e ir lá falar com o Juiz, você chegava na porta assim, você tinha a sensação de ser preso, os grilhões te seguravam e você não entrava, eu ia, não conseguia entrar, eu ia e eu não conseguia entrar. Conversando com uma senhora da Caixa Econômica, então, que me conhecia, ela falou: “Vou te apresentar para uma pessoa”, e me mandou conversar com um Juiz do Tribunal, eu fui apavorado, sem comer, sem nada, fui no horário do lanche dele, ele me recebeu bem, me ofereceu se eu queria lanche, educadamente, eu disse que não, estomago nas costas, eu entrei, contei a minha historia, ele se apaixonou, pegou o telefone, ligou logo e no dia anterior, tinha acabado… era o ultimo dia de inscrição. Isso, eu estava na Praça da Sé, eu fui, andei uns cinco quilômetros em direção ao Sapopemba, chorando no meio do caminho, eu disse que dali em diante, eu nunca mais ia começar a não conseguir alguma coisa por não tentar o máximo de mim. Dali pra lá, todos os concursos que eu fiz eu fui bem sucedido, porque eu dei o máximo, mesmo quando eu não consegui, eu me considerei bem sucedido, porque eu sabia qual era o porquê que eu não tava conseguindo, já no próximo, eu conseguia. Então, dai em diante, todos que eu fui fazendo, inclusive esse de Fiscal, fiz pra Caixa Econômica Federal, não fui aprovado, no escrito e no psicotécnico, não sei porquê, depois fiz esse de Fiscal, entrei, quando eu fui nomeado, eu deixei tudo, eu voltei tudo à estaca… ai, o meu irmão tava fazendo cursinho preá Promotor, o mais velho, eu resolvi fazer concurso pra Promotor da justiça. Ai, eu resolvi que eu ia fazer concurso pra Promotor, minha esposa grávida. Ai, saio eu pra fazer cursinho, sai lá de Valinhos, não tinha muitas condições, pedi a meia passagem pra Cometa, pra outra, eles não davam, mas eu vim fazer mesmo assim, fiz só três meses de cursinho, porque não dava, pessoal já estava estudando há dois anos, só consegui me enturmar um pouco na sala, porque o meu irmão já tava lá, porque se excluía você, porque você era… você tava verde, o pessoal tava todo mundo maduro. O fato de terem me excluído uma vez, me deixou assim, tão indignado, que eu resolvi me matar de estudar aquele negocio, ai eu realmente, me dediquei, eu estudei, eu estudava… eu cheguei a estudar 18 horas por dia assim, ai isso… começamos em maio de 83, em junho… maio, perdeu, logo no final de maio eu comecei a fazer cursinho, três meses depois, a gente fez uma prova, nós começamos em cinco mil candidatos e a primeira prova eliminatória, sobraram 400 e eu fui aprovado e o meu irmão também. ai, nós fomos na primeira fase, ai eu já virei bem quisto no meio, eu já era também assediado, como todo mundo, tá? Ai, nós fomos pra segunda prova que era dissertativa, e eu já tinha feito um esforço na vida, estudado muito português, feito coisa de português, por causa de toda aquela historia, por causa de “berruga”, por causa de “tresol”, por causa de “barbuleta”, por causa de “arubu”, porque “Nós vai”, “A gente fomos”, então, você tem… pra você corrigir tudo isso, sabe, você deixar de falar “pobrema” para falar ‘problema” é muito difícil! É muito difícil! Você se trai você falar “heripopero” pra falar “helicóptero”, “paralepipo”, você tá entendendo? “Chovia granito” pra nós, você tá entendendo? Você distinguir tudo isso não foi um processo muito fácil, foi muito…
P/1 – Trabalhoso!
R – Foi muito trabalhoso. Então, conclusão, português continuava sendo o meu problema, eu tinha umas… eu já tinha melhorado, já tinha criado umas técnicas… tinha feito técnica de redação, tal, me preparei bastante, tá, me preparei pra prova e o meu irmão também. ai chegou no escrito, eu fui reprovado, meu irmão aprovado, o meu irmão ficou arrasado, eu falei: “Não, vai devagar”, eu não estava ainda maduro, eu sei onde que eu reprovei…
PAUSA
P/1 – Então, tava me contando essa experiência de curso pra Promotor.
R – Curso pra Promotor. Então, o quê que acontece? Primeiro, quando a gente vai fazer um concurso desse, a gente ouve todo tipo: “Só entra filho de Juiz, só entra filho de deputado, só entra filho de Desembargador, de Promotor”, e nós somos filhos de boias-frias, como nós vamos fazer? E ai, o meu irmão chegou na conclusão, eu falei pro meu irmão, falei: “Olha, são 50 vagas que tem, eu só preciso de uma. Se entrar 40 filhos de Juiz, 49, sobra uma vaga pra mim”, e partindo desse principio, eu falei pro meu irmão que eu ia estudar pra ser o primeiro colocado, o máximo que poderia ser era eu ser o segundo, terceiro, 49º, que eu tô a frente do primeiro do próximo. Então, nesse primeiro concurso, como eu dizia, o meu irmão foi pro oral, esse oral já é em publico, você ser examinado por uma banca durante uma hora de… uma banca de examinadores, uma plateia e o meu irmão foi pro oral e eu:“Não, não fica abalado porque eu já sei onde eu falhei”, me preparei, já comecei a me preparar pro próximo, independente de saber… meu irmão, infelizmente, ficou no oral. Ai, veio o próximo concurso, mais uma vez, nós superamos a primeira fase, agora nós dois superamos a segunda fase e começamos em quase cinco mil e chegamos em 91 no oral. Eram 50 vagas. Entramos em 38 e infelizmente, o meu irmão não entrou. Eu entrei, eu entrei em 26º colocado, o primeiro colocado era o filho de um Desembargador, que entraria em primeiro colocado em qualquer concurso, porque absolutamente preparado e a penúltima colocada era filha também de um desembargador, que já tinha feito cinco concursos. Então, a gente viu que tudo aquilo que se falava era mito, era lenda. E nós entramos então… entrei no Ministério Publico em 1984. A minha filha nasceu no dia 17 de agosto e no dia 21 de agosto, saiu o resultado de que eu fui pro oral. Eu fiz o meu oral em outubro e o resultado saiu no dia oito de novembro, quando… o resultado é oral, no ultimo dia do oral, é publicado oralmente. Eu me lembro que a minha filha era recém-nascida e eu me lembro de sair de Valinhos, falei pra minha esposa o seguinte – eu sabia como eu tinha ido no oral – falei: “Você até ontem dormiu com um Oficial de Justiça, a partir de hoje você vai dormir com um Promotor de Justiça” . Eu entrei pra Promotor de Justiça. Eu fiz uma carreira meteórica, uma carreira de muito sucesso, exerci cargo de diretoria da Associação Paulista do Ministério Publico e por conta do exercício do meu trabalho, eu quando eu era promotor em Espirito Santo do Pinhal, nasceu a minha segunda filha, a Lívia, a primeira é a Lilian, a Lívia. A Lilian tá no ultimo ano do Mackenzieem Direito, a Lívia se formou na Getúlio Vargas em Direito, a Lívia vai casar em 2015, que é a mais nova com um rapaz que é engenheiro, que também estudou no Dante, estudava lá, conheceu na Getúlio Vargas, que estudava na Mauá, mora aqui no Sumaré, minhas filhas, hoje, moram na Paulista, no prédio ao lado daquele que eu subi a pé do Objetivo, que eu subi a pé pra poder fazer o cursinho e que eu nunca pude comer um cheese-egg na época, porque eu nunca tive dinheiro, só cheiro. Minhas ilhas moram num apartamento, as duas, num apartamento de 114 metros só as duas.
P/1 – Moram bem.
R – Muito bem, graças a Deus! E hoje, eu moro em Valinhos numa casa de 750 metros, eu e a minha esposa.
P/1 – Você trabalha como promotor?
R – Eu me aposentei como Promotor de Justiça e ai…
P/1 – Se aposentou quando?
R – Eu me aposentei em 1993. Eu… quando eu tinha… eu estava… quando eu era Promotor em Espirito Santo do Pinhal, eu entrei pra Promotor pra chegar até os 70 anos de Promotor, este era o meu projeto de vida, meu projeto profissional. E eu sempre fiz projeto de vida, eu falei que aos 21 anos, eu tinha feiro um projeto de casamento quando chegasse aos 50, tinha o projeto de conhecer o mundo. Hoje, eu conheço 32 países, eu e a minha esposa, tá, nós conhecemos 32 países, conhecemos Israel, Croácia, Eslovênia, Eslováquia, Áustria, Índia, Catar, Abu Dhabi, a gente conhece tudo. e nós começamos a viajar há dez anos. Todos os anos, nós fazemos viagens. Conheço o extremo sul, aqui Ushuaia, todos os países da América do Sul. E como eu dizia…
P/1 – Você aposentou, né…
R – Quando eu entrei na carreira, fui ser Promotor em Santo Espirito do Pinhal, vou atuar num processo em que uma pessoa estava buscando provar um tempo de serviço que trabalhou sem registro. Abriu-se uma luz na minha vida. Eu falei: “Vou buscar o meu tempo de serviço que eu trabalhei”, falaram pra mim que eu não ia conseguir, eu falei: “Se eu conseguir seis meses, é muito mais tempo do que nada”, e eu fui atrás desse tempo. Então, eu provei que desde os 11 anos, eu estudava à noite, professor da escola… então, nós estamos falando agora de 1988, eu me lembrava de 1966, exatamente o nome do professor, o nome da rua que ele morava e o numero da casa que ele morava e me lembrava que ele tinha duas filhas até então. Me lembrava até da fisionomia de uma delas que era mais nova do que eu e pra gente assim, a menina tinha uns sete, oito anos, eu tinha uns 12.
P/1 – Você foi atrás desse professor?
R – Mandei um Oficio lá de Espirito Santo do pinhal, como Promotor de Justiça pra casa dele, você tá entendendo? Levantei, mandei um Oficio como Promotor de Justiça…
P/1 – Esse Oficio, o quê? Solicitando um depoimento?
R – Não, solicitando que a escola… esse professor… a escola tinha fechado… solicitando a possibilidade de levantar o meu prontuário de escola onde tinha isso, pra esse professor foi uma felicidade enorme, porque ele adorava a gente, era o diretor da escola. A escola tinha fechado, ele foi na Secretaria de Educação, levantou e mandou tudo pra mim, eu me orgulho muito, porque eu depois, cuidei da vida desse professor, até a morte dele, desse professor, da aposentadoria dele, ganhei uns livros maravilhosos e da situação da pensão da filha dele, que teve uma histerectomia por causa de câncer, então eu cuidei para que ela recebesse as pensões dele, quando ele morreu, ele me escreveu uma carta próximo da morte, ele me pedia que eu fizesse isso, se eu pudesse fazer. Eu e os meus irmãos pudemos retribuir pra ele… por exemplo, fazer prova, conseguir uns documentos que ele tinha
trabalhado pra conseguir a aposentadoria dele. E ai, eu acabei levantando, provando esse tempo, quando eu tinha de oito pra nove anos de idade, nós trabalhávamos na feira, houve uma briga na feira, porque estragaram a nossa mercadoria, que envolveu o meu pai, policia e tudo e ameaça contra mim e os meus irmãos, e garotos, eu tinha nove anos, meu irmão mais velho tinha 13 pra 14, e ai teve um processo, mas nós nunca soubemos, nem o meu pai tinha ideia. Ai, eu me torno Promotor de Justiça, um dia eu vou na minha casa… da minha mãe buscar uns documentos, nossos documentos que se reunia no armarinho, eu acho um documento assim: “Absolvido”, perguntei pro meu pai, ele: “Não, eu nunca fui. Eu fui lá pro Juiz, falei que eu tinha filhos, ele me liberou”, meu pai não sabia que tinha sido processado e absolvido.
P/1 – Você encontrou essa documentação por caso?
R – Por acaso. Ai, com a certidão, como Promotor, levantei o processo e nesse processo tá citado o meu irmão mais velho e os outros filhos, os outros três filhos, que são exatamente o ultimo desses três sou eu. Com esse documento, datado de março de 1962, eu faria nove anos em junho de 62. Eu sou de 53. Com esse documento, com o documento da escola desse diretor, que levantou que eu estudava aos 11 anos… naquela época, se você estudava à noite, tinha que trabalhar de dia, com o documento do colegial que eu peguei, que eu sempre estudei à noite no ginásio, e com aquele documento de que eu fui preso como batedor de carteira que eu fiz a minha profissão de feirante, e com mais o meu ingresso, com 19 anos,
na… na…
P/1 – No tribunal, como…
R – No tribunal, eu provei…
P/1 – No Fórum.
R – No Fórum. Eu provei tempo desde os oito anos e 11 meses. Então, com 40 anos de idade, eu já tinha mais de 31 anos de serviço, eu me aposentei aos 40 anos de idade como promotor de Justiça.
P/1 – Incrível.
R – Você entendeu?
P/1 – Incrível, porque é um reconhecimento de trabalho informal, inclusive. É incrível isso!
R – Informal, é… é, exatamente! Foi esse reconhecimento… ganhei na justiça, antes de mais nada, tá, entrei no INSS, eles me deram desde os 12 anos, alegando que não podia dar antes, porque era inconstitucional, eu entrei com uma Ação… ai eu já sou Promotor, mas eu consultei advogado, eu entrei, pedi pro advogado… eu entrei com uma Ação dizendo que nenhuma lei que é criada pra beneficiar, pra proteger alguém, pode ser interpretada pra prejudicar. Ninguém pode fazer… se a lei é criada pra proteger, você não pode ser prejudicado duas vezes. Mas ai, eu já conheço tudo isso porque eu já sou promotor de Justiça, já atuo em processos, eu sei… fui Promotor de acidentes de trabalho, que é a minha área hoje e tinha muito essa historia de menor de 12 anos perder dedo em máquina e o patrão não querer indenizar, dizendo que era proibido trabalhar. Então, ninguém pode se valer da sua própria torpeza pra obter vantagem, eu não posso colocar uma pessoa proibida e dizer que não vou pagar. Então, baseado em tudo isso, eu ganhei… ai, na Justiça, eu ganhei a Ação, então com 40 anos, eu tinha já os 31 de serviço passados. Com 39 anos, eu já tinha os 30 de serviço que eram necessários na época. Hoje, já são 35. E eu me aposentei pra fazer concurso pra Procurador da Republica, não foi pra advogar. Só que nesse período, eu fui… agora sou professor de cursinho preparatório pra promotor, pra juiz, eu tenho alunos que são juízes, promotores, desembargadores hoje, de cursinho e ai, eu… e eu já pagava INSS como professor antes de me aposentar, ai eu pensei o seguinte… eu comecei a dar palestras no Fórum Estadual de Desenvolvimento do Trabalho, quando o governador era o Fleury, eu e os meus colegas de promotoria, em centros de referencia do trabalhador. Então, acabei me tornando muito conhecido no mercado, no meio, na área de acidente de trabalho e resolvi o seguinte: ‘se eu fizer concurso pra Procurador da Republica e eu entrar, eu vou ter que ficar até os 70 anos, eu vou ter que trabalhar obrigatoriamente, mais 25 anos’, quase 25, ‘se eventualmente, eu resolver deixar, ninguém acredita que um promotor ou juiz abandonou o cargo porque quer, vão dizer que teve alguma coisa’, pensei: ‘vou tentar advogar por cinco anos, se der certo, eu fico, se não der certo, eu não fico’. No segundo ano, minha banca explodiu, já me passaram uma banca com mais de 200 clientes, hoje eu tenho mais de mil clientes, não quero mais, não quero mais crescer, não tenho espaço pra pôr cinco mil clientes, não quero, é muita responsabilidade, hoje eu advogo na área… me aposentei, como eu disse então aos 40 anos, passei a advogar na área de acidentes de trabalho e reparação civil e previdenciária publica e privada só na justiça: aposentadorias, benefícios da previdência…
P/1 – Trabalha com isso até hoje?
R – Até hoje, eu tenho um escritório próprio. Tinha um escritório grande e mais um em Campinas com… junto com uma advogada que foi minha estagiaria quando eu fui Promotor em Campinas, depois foi advogada, hoje é Assessora no Tribunal em Campinas…
P/1 – Qual que é o nome do seu escritório?
R – Chama Fonseca Lago, primeiro era Manoel Fonseca Lago. Eu tinha 30% de um lá e 100% de um aqui, começou a crescer demais, eu propus ao meu colega de lá que viesse pra cá, dava 30% do escritório pra ele, tá, então hoje chama Fonseca Lago Brieta, nós temos um prédio próprio aqui na Quintino Bocaiuva…
P/1 – Aqui no centro…
R – Um andar próprio lá. ai, nós compramos mais um andar, 70% é meu pela minha posição. E pelo meu colega, ele queria crescer, mais uns dez, doze advogados, eu não quero, respeitando… tivemos uma conversa, respeitando até a posição dele, estimulei que ele montasse… voltasse a montar em Campinas, e tivesse aqui, que não prejudicaria. Claro que isso não foi um processo muito… assim, totalmente… não foi… não foi traumático, mas também não foi tão tranquilo, mas numa conversa que tivemos, eu dei toda razão pelo o que ele tava falando, só que a razão que ele tava falando exatamente vinha ao encontro do que eu pensava, porque ele tem 50 anos: “O senhor sabe que eu tenho a advocacia… é bom, mas eu preciso me preparar, eu quero daqui a dez anos, estar tranquilo e não ter mais que me desdobrar pra fazer isto… já esta estável, eu quero ter uma estabilidade, eu queria que o senhor entendesse isso”, eu falei assim: “Estou plenamente de acordo com você, é exatamente isso que eu penso”, gosto, a gente gosta dele, ele fez certo, mas era exatamente isso, os meus dez anos que são os dez anos dele já chegaram, entendeu?
P/1 – Claro!
R – Então, nós conseguimos fazer isso de uma forma muito adulta, muito madura, uma pessoa imprescindível, quem eu respeito e que conhece, que tem fibra e que é lutador e que vem, e que me machucava muito eu não poder partilhar desse sonho dele, porque eu tinha o sentimento de que eu estava bloqueando alguma coisa, mas eu estou feliz, porque ele buscou a coisa dele, a gente tá… retomamos umas diretrizes que ele possa também no campo dele, aliás, eu torço até mais por ele do que por mim mesmo.
P/1 – Chegaram a um acordo?
R – É… não, acordo… digamos assim, nunca chegamos a divergência, chegamos a divergência de ponto de vista, não a divergência…
P/1 – Sim, claro, não conflito.
R – Mas assim, foi de uma forma muito adulta que nós chegamos a essa conclusão e isso é uma coisa que me deixa muito feliz.
P/1 – Então, é nesse momento profissional que você se encontra agora?
R – Nesse momento profissional que eu me encontro agora, com assim, sucesso, eu tenho a minha filha… quer dizer, isso só as minhas filhas se formaram, eu tenho uma filha que mora… minhas filhas que moram na Paulista que estão se formando, uma que tea encaminhada pra casar, que nós estamos preparando o casamento desta minha filha, entramos numa harmonia muito boa da família dele também, que tem esse principio, é uma família muito unida, nós somos… nenhum dos cônjuges, nenhum dos cônjuges da família tem vicio, ninguém bebe, ninguém fuma… nenhum dos primos têm vicio, todos os primos se relacionam. Então, todos os encontros nossos são no mínimo de 50 pessoas pra cima… eu vivo, digamos, nesse particular, um momento assim, diria que é até uma dádiva assim, viver um momento desse e esse é hoje, o meu momento profissional. Então, nesta caminhada profissional que eu passei de faxineiro, fiz bicos, fui taxista, paralelamente, trabalhei na praça como taxi, agora sou Promotor de Justiça…
P/1 – Passou por muita…
R – Vendi ações sem ter ideia do que eram ações, com o meu irmão, trabalhei um tempo tentando fazer pesquisa do Galope, mas nunca… era sempre paralelo, era um serviço a mais. Fui, junto com o meu irmão mais velho, fomos inspetor de segurança de banco, nessas pessoas que trabalham em banco, trabalhamos numa firma dessas que terceirizava, a gente era inspetor encarregado…
P/1 – Sim, passou por muitos empregos…
R – Mas, esses eram todos complementares. Então, digamos assim, toda essa experiência de vida e todos nós participamos de concursos juntos, então, o meu irmão… hoje, a relação na família funciona mais ou menos… o meu irmão mais velho, depois que eu entrei pra Promotor, foi pra mais um oral de Promotor, também não conseguiu, entrou pra delegado de policia. Então, o meu irmão mais velho é aposentado como delegado de policia, o militar, que é o segundo, é aposentado como Major da policia, depois, o Egberto é aposentado como Fiscal da Receita, eu sou aposentado como Promotor, eu tenho uma irmã que é escrivã da policia, da Corregedoria, eu tenho duas irmãs que são Oficiais de Justiça, estão se aposentando agora, eu tenho um irmão que foi Oficial de Justiça, que hoje é Promotor de Justiça, desde 94 e está no prestigio, é assessor da Corregedoria, quer dizer, hoje, ele ministra cursos para os próprios Promotores na área… a gente chama assim, do processo eletrônico pro país inteiro…
P/1 – Então, todos conseguiram estudar, todos conseguiram se estabelecer muito bem profissionalmente?
R – Nós somos nove formados, somos meio jurássicos, porque nós temos… eu tenho duas irmãs que não casaram, os outros são todos casados, o que tem menos tempo de casado vai fazer 25 anos de casado. Então, eu tenho 36, o outro meu irmão completou agora em maio, 41 anos, o outro tem 39 anos…
P/1 – Todos com casamentos longos…
R – Todos com os mesmos cônjuges.
P/1 – E Manoel, pra gente… pra eu poder encaminhas assim, pro fechamento, eu queria te perguntar qual que é o seu sonho hoje. Um sonho. Qualquer tipo de sonho.
R – Meu sonho hoje, verdadeiramente assim, é… eu sempre sonhei muito e eu continuo fazendo os meus projetos de vida, tá? Meus projetos de vida existiram, eu fiz o meu projeto de vida de viajar, de conhecer o mundo, estou realizando. Fiz um projeto de vida de quando eu iria me preparar pra eu poder usufruir, meu sonho hoje é ver a realização das minhas filhas. Este que é o meu sonho, tá? Eu acho que… por exemplo, eu tenho uma filha assim, encaminhando, a outra com um pouco mais de dificuldade, mas estão bem, então, qual é o meu sonho, minha realização, meu máximo de realização hoje, meu, da minha esposa, tô falando do meu, é ver as minhas filhas encaminhadas, as minhas filhas realizadas. Eu acho que esse… eu ouvi uma frase que eu vivo repetindo e que ela encaixou bem pra, digamos assim, pras minhas angustias, porque a gente, quando pai, eu sempre sonhei em ser um bom pai, sempre sonhei em ser um bom pai, quem vai poder dizer isso são minhas filhas, tá, claro que a gente… eu falei… eu ouvi uma frase maravilhosa: “Deus é perfeito, porque faz de nós, pais, pessoas medrosas, pessoas inseguras, temerosas e faz os nossos filhos pessoas criticas”, e com isso vai se evoluindo. A gente realmente tem medo, a gente é inseguro, a gente é protetor e saber a medida de que até onde que você é protetor, isso ajuda, isso prejudica, porque nem sempre o que eu quero, o que eu penso é o que o destinatário das minhas ações quer. Então, o meu sonho hoje é esse, poder usufruir do tanto que eu conquistei. Hoje, a gente tem algumas coisas realizadas, eu tenho hoje três creches na periferia, eu e o meu irmão, eu e esse meu irmão, Egberto construímos, estamos terminando de entregar a construção de um prédio, tudo na periferia aqui de São Paulo, de uma creche que tem o nome da minha mãe, então isso foi uma realização muito grande, pôr o nome da creche, ver a fotografia da minha mãe lá nesta creche, porque ela viveu a vida numa creche, tá? Então, o meu sonho é este, ver as minhas filhas e poder, agora, ir usufruindo com saúde as conquistas que eu consegui, as materiais, as pessoais que eu me encontro numa situação muito privilegiada sob esse aspecto hoje.
P/1 –
E como é que foi contar a sua historia?
R – É sempre muito bom contar a minha historia. Eu emociono muito, tá, a minha historia, eu já contei inúmeras vezes hoje, eu não sei se seria o dia apropriado, quer dizer, inicialmente, sim, mas eu estava bastante emocionado, porque eu vim ontem de uma reunião… eu a minha esposa, nós viemos pra São Paulo, que foi quarta-feira, que tínhamos um compromisso, tínhamos uma reunião da Quarto Templo, nós fazemos o treinamento na Quarto Templo, já levamos um monte de gente, é um treinamento em que você mergulha na sua vida inteirinha é um treinamento não só de autoconhecimento, mas onde você descobre quem é você, mascara quem é você real, quais são as barreiras que te impedem, quais são os obstáculos quais são as suas feridas mortais. E eu fiz… minha filha mais velha fez esse treinamento através da minha esposa, minha esposa encontrou, minha esposa foi, levou, eu já levei todos os meus irmãos, cunhados, e essa semana, eu levei minha funcionaria eu propiciei pra minha funcionaria e nós fomos na quarta-feira. Então, o treinamento foi sexta, sábado e domingo, quarta-feira é o fechamento desse treinamento e nós fomos nesse fechamento do treinamento, onde os treinandos vão lá e vão depor e nós saímos de lá, desse local ontem, às 11 e meia da noite, fomos levar a nossa afilhada que tava no treinamento até Santana, voltamos, minha esposa… passamos na Bela Paulista pra comer alguma coisa e tínhamos que acordar bem cedo, na quarta e quando chegamos à noite, em casa, minha filha Lilian estava doente. Estava com estado febril, corpo todo dolorido, ai nós fomos pro Samaritano saímos uma hora da madrugada, fomos no Samaritano, cheguei em casa, do Samaritano, com a minha esposa dez pras oito da manhã, portanto, sem dormir, tomei banho, minha esposa tinha terapia às dez horas, eu tinha às nove aqui, cheguei às nove e quinze e na terapia, eu tinha tantas outras coisas pra eu poder abordar, como abordei que vinha aqui, nós fomos tentar fazer alguns tópicos do que era relevante pra não ser longo demais e pra ser uma historia… mas ai chegamos a conclusão… comecei a falar lá, já mencionei, então, você acaba ficando fragilizado, porque cada episodio deste me traz à lembrança, os meus pais, que a gente já não os tem mais. (emoção)
P/1 – Mas é natural se emocionar. Então, a gente agradece. Eu agradeço muito, Manoel, foi ótimo pra gente, espero que tenha sido legal pra você também. obrigada por ter vindo, obrigada pela generosidade de dividir esta hora e
agente pode encerrar tudo bem?
R – Obrigado. Eu queria só fazer um… encerramento, você me permite?
P/1 – Claro, pode falar, claro!
R – (choro/emoção) Então, eu queria dizer que na verdade, embora a emoção seja minha, eu considero a minha historia, assim, muito rica pra mim mesmo, pras minhas filhas que conhecem bastante isso, a gente tem uma convivência muito intensa com os filhos mas nada disso teria acontecido se não fosse pelos meus pais, que me deram a vida que acreditaram nos filhos que lutaram, que abdicaram até da própria qualidade de vida deles pra poder propiciar o melhor para os filhos a minha família, como um todo, e sem sombra de dúvida, a Mercês, minha esposa, porque me deu todo o apoio em tudo o que eu fiz abdicou de parte da vida profissional dela, não só obviamente por mim, eu não seria… tanto disso, mas pra se dedicar as nossas filhas e dar o esteio necessário, o apoio pra que eu pudesse desenvolver a minha profissão e a gente criar, em conjunto, a família que nós criamos e a situação que a gente tem hoje. Então, a todas essas pessoas, aos meus pais, aos meus irmãos, a minha esposa, em especial, e as minhas filhas, enfim, a todas as pessoas importantes da minha vida que eu dedico a minha historia.
P/1 – Tá certo.Recolher