Um fato sobre mim: meu pai era um escritor. Logo, é difícil explicar para pessoas que essa minha compulsão por palavras não é demonstração de depressão, mas um hábito muito bem estruturado e condicionado por meus pais em minha humilde vida.
Também é difícil explicar que eu não herde...Continuar leitura
Um fato sobre mim: meu pai era um escritor. Logo, é difícil explicar para pessoas que essa minha compulsão por palavras não é demonstração de depressão, mas um hábito muito bem estruturado e condicionado por meus pais em minha humilde vida.
Também é difícil explicar que eu não herdei os conhecimentos gramaticais dele, embora eu tivesse gostado disso. Ele era o criativo da família, o cara que ficava horas e horas na frente de sua máquina de escrever. (Meu pai nunca escreveu no computador. Eu tentei ensina-lo algumas vezes, mas pra ele não era a mesma coisa). Um dos privilégios de ser filha de um homem assim é que você não precisa comprar seus livros para sabê-los. Li cada texto do meu pai umas mil vezes. Era assim que ele me ensinava a ler, usava sua didática e seus textos. Eu nunca soube me expressar muito bem, escrever então é uma luta de concordâncias que me parecem complicadas demais.
Deixei a arte das palavras para meu pai e talvez para meu irmão que é jornalista. Bom, o fato é que estou sozinha olhando pela varanda e deitada na minha amada rede. Nessas condições, eu não tenho como resistir, entende? Eu escrevo. Meu pai construía suas palavras, meu irmão publica suas palavras, o meu autor preferido no momento brinca com as palavras e eu... bom eu me afogo, apanho, luto... eu não consigo dominá-las muito bem. Porque eu não sei o tamanho de sentimentos que as palavras possuem. Algumas palavras fortes machucam, outras me fazem sorrir, e quando estou a ler eu simplesmente não domino todos os sentimentos e emoções que se contorcem por cada frase. E basta saber que o fato de eu não saber escrever, não apaga o prazer que sinto em fazê-lo.
Bom, mas o que eu queria contar hoje é que meu pai não nasceu velho. Por mais óbvio que pareça ainda me surpreendo com pessoas me falando "nossa teu pai fez isso, mas ele não era um
velhinho doente?" Novidades para vocês pessoas do mundo: em algum momento antes dele envelhecer e adoecer ele já foi jovem e saudável. Muito saudável, se brincar mais saudável que você.
Eu gosto das pessoas, mas essa forma que elas me fazem sentir quando são egocêntricas me deixa estressada. Na verdade desde que a máquina de escrever do meu pai parou que fico estressada com as pessoas. Porque toda hora eu tenho que me lembrar que as palavras existem mesmo se meu pai não estiver mais aqui para inventá-las.
Era um processo curioso a invenção das palavras do meu pai. Era ele, seu escritório, sua máquina de escrever, livros, uma cadeira imitando uma mesa, uma cadeira ainda menor que coubesse uma garotinha e uma flor intitulada de crisântemo, vulgarmente conhecida como sua filha caçula. Foi nesse cenário que eu aprendi a escrever e mesmo antes eu pegava meus livros cheios de figura e fingia que sabia ler porque eu queria, eu sempre escolhia nesse quesito ser como o meu pai. Então eu amo mesmo as palavras, embora ainda não tenha aprendido a usá-las e acredito ser pouco provável que aprenderei...mas talvez seja essa relação de falta de obrigação do domínio que me fascine. Eu apenas tenho que senti-las e libertá-las de dentro de mim, não preciso agradá-las. Porque eu sou apenas a filha do escritor velhinho. Eu não preciso e nem quero saber e domar.Recolher