P/1 – Ricardo, você pode falar o seu nome, o local e data de nascimento?
R – Tá, é Ricardo Custódio, minha idade é 38.
P/1 – Você nasceu em que data?
R – Oito de janeiro de 1975.
P/1 – Aonde?
R – Em São Paulo, capital.
P/1 – E os seus pais, são de São Paulo?
R – Não,...Continuar leitura
P/1 – Ricardo, você pode falar o seu nome, o local e data de nascimento?
R – Tá, é Ricardo Custódio, minha idade é 38.
P/1 – Você nasceu em que data?
R – Oito de janeiro de 1975.
P/1 – Aonde?
R – Em São Paulo, capital.
P/1 – E os seus pais, são de São Paulo?
R – Não, o meu pai, ele é...
P/1 – Como é o nome dele?
R – Ele é Alípio Custódio Filho, ele é do Paraná, da cidade de Maringá, e minha mãe de Minas Gerais, cidade de Patrocínio.
P/1 – E seus avós paternos, são de Maringá também?
R – Por parte do meu pai também são de lá e da minha mãe, a família dela também toda de Minas Gerais.
P/1 – Como é que o seu pai e a sua mãe se conheceram?
R – Olha, segundo eles um amigo do meu pai, quando ele veio pra São Paulo comentou de uma moça, minha mãe também tinha vindo pra São Paulo e se conheceram.
P/1 – Por que eles vieram pra São Paulo? Fala um pouco do seu pai, da história dele, dos seus avós.
R – Tanto por parte do meu pai quanto por parte da minha mãe eles eram agricultores então da roça mesmo então acredito que eles vieram pra São Paulo pra tentar uma vida na cidade.
P/1 – Seu avô tinha sítio, fazenda, o que era?
R – É um sítio é uma plantação de milho, soja, pequenos agricultores a gente chama de roça então é criação de animais, vaca e essas coisas. Então na minha infância eu fui, principalmente em Minas Gerais, eu fui criado muito em contato com a roça, com a agricultura, com o mato, assim então isso foi muito bom principalmente em Minas, a gente fala comedor de queijo então a gente, até hoje eu tenho muito vínculo lá com o pessoal de Minas.
P/1 – O seu pai fazia o que ou faz o que, ele trabalhava na roça com o seu avô, como que, o que ele fazia? Conta um pouco do seu pai.
R – Tá, ele veio pra São Paulo, assim, ainda novo, ele não trabalhou muito lá envolvido nas atividades lá da roça então aqui em São Paulo ele trabalhou com vendas, então ele sempre trabalhou como vendedor, vendia.
P/1 – Vendedor de quê?
R – Ele trabalhava em magazines como Casas Bahia, ele trabalhou no antigo Mappin que hoje não existe mais, Shopping Eldorado então ele trabalhava nessa área de vendas interno e minha mãe costureira, então lá em São Paulo ela sempre tem, iniciou com a atividade de costureira, até hoje ela continua, o meu pai é aposentado e minha mãe tem um pequeno atelier de costura, faz consertos de roupas e afins.
P/1 – Vamos falar agora um pouco dos seus avós maternos, fala um pouco deles.
R – Eles são vivos por parte da minha mãe, eles não estão mais na roça lá no sítio, eles hoje moram na cidade.
P/1 – Que cidade?
R – Patrocínio, então pela idade avançada que eles estão eles não conseguem mais tocar a vida lá na roça que é um serviço pesado então eles vieram morar na cidade e outros tios meus ajudam a cuidar dele o pai da minha mãe, ele faleceu com aquela doença de chagas então na sequência a minha avó se casou, então a minha mãe, ela tem outros irmãos que é do padrasto dela mas os dois ainda, a minha avó e esse vô que é padrasto da minha mãe, eles são vivos ainda. Por parte do meu pai já são falecidos, eles também vieram pra São Paulo, inclusive uma época moraram com a gente eu me lembro na infância os meus avós morando lá junto na casa dos meus pais e depois eles mudaram pra outra casa, uma casa de um tio meu e ficaram lá até o fim da vida bem próximo de onde a gente morava.
P/1 – Fala uma coisa, e seu pai veio morar, em que bairro que ele veio pra cá pra São Paulo quando ele veio?
R – Olha, eu tenho lembrança, ele comentou alguma coisa do Bairro do Limão ali próximo.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe eu não to lembrado, eu acho que a gente não tem essa, eu não tenho essa informação, mas é, quando eles...
P/1 – Casaram.
R – Casaram, aí eles foram ser caseiros de uma igreja, que é uma igreja batista que fica ali no Brooklin e nós fomos criados ali sou eu e um irmão minha mãe, ela perdeu duas filhas então éramos pra ser em quatro, então ficou eu e meu irmão. E na infância eu lembro a gente ali, era uma igreja que estava em construção a gente morava no fundo do terreno uma casa, e ali acredito que o meu pai e minha mãe iniciaram ali a vida de casado com filhos, ali na, sendo caseiro da igreja, que é onde o meu pai e minha mãe continuam freqüentando essa igreja até hoje.
P/1 – Como é que foi, ficava no Brooklin, então você moravam no Brooklin?
R – Isso.
P/1 – Quando você era pequeno como é que era o Brooklin, mudou muito, como é que era?
R – Ah, mudou bastante, o Brooklin era um bairro totalmente residencial e hoje o Brooklin tem o chamado Brooklin Novo então muitos prédio e um bairro totalmente estruturado, tem ali a ponte estaiada.
P/1 – Mas antes como é que era?
R – Eu não me recordo muito do bairro, mas era um bairro simples moderno acredito que pra época mas um bairro bom tinha padaria próximo, alguns mercados e na sequência os meus pais, eles mudaram eles saíram dessa, eu ainda, a gente ainda novo, eu era pequeno.
P/1 – Você morou quanto tempo nessa casa da igreja?
R – Ah, eu acho que a gente saiu de lá eu devia ter uns cinco, seis anos.
P/1 – Como é que era, você lembra como é que era essa casa, como é que era?
R – Era uma casa bem modesta lá no fundo da igreja, eu lembro que a igreja em construção, a gente ficava brincando lá na construção e pra gente era uma diversão tudo aquilo e se machucava, pisava na tábua com prego , aprontava bastante e a gente deu um pouquinho, eu lembro que a gente criança dava um pouquinho de trabalho lá pros meus pais. Mas foi uma, acho que uma infância saudável, acho que foi bacana inclusive essa casa que nós morávamos ela ainda existe até hoje, ela foi, assim, um pouco reformada, ela fica no fundo do terreno e aí moram outros caseiros.
P/1 – Vocês freqüentavam essa igreja?
R – Frequentava tanto que os meus pais freqüentam até hoje são membros dessa igreja.
P/1 – Então você teve uma educação religiosa?
R – Tive, tive, quando eu nasci os meus pais, eles eram evangélicos, meus avós são evangélicos tanto por parte de pai quanto por parte de mãe então a gente já nasceu com essa formação evangélica esses ensinamentos.
P/1 – Como é que era na sua casa, assim, seu pai ou sua mãe, quem que exercia autoridade?
R – Mais era a minha mãe, a minha mãe, a mineirinha arretada , a minha mãe, ela que determinava um pouco mais as coisas pra conduzir a família, meu pai sempre foi um pouco mais acanhado um pouco mais tímido, reservado então sempre minha mãe que, até hoje acaba conduzindo algumas situações.
P/1 – Quais que eram as suas brincadeiras de infância, você tinha amigos, brincava com o seu irmão, do que vocês brincavam?
R – É, lá no Brooklin a gente, assim, era mais, a gente brincava lá com as coisas lá da igreja, construção, era um terreno grande, aí a brincadeira mais de adolescente foi quando a gente mudou pro Capão Redondo, que aí eu me recordo mais da adolescência. Então lá era pipa, jogar pião, bolinha de gude, brincadeira de rua bem diferente de hoje naquela época não tinha videogame, internet, essas coisas, então a gente foi praticamente criado na rua. Então saía da escola, já ficava na rua e brincando e aprontando e com esses tipos de brincadeira de bolinha de gude, carrinho de rolimã, a gente fazia competição, quem fazia o melhor carrinho de rolimã e pegava tábua de construção e saía atrás pra conseguir rolimã pra por nos carrinhos, então foi, essa eras as brincadeiras que a gente tinha na época.
P/1 – Por que vocês saíram do Brooklin e foram pro Capão Redondo, por que Capão Redondo?
R – Era um bairro que estava começando não é muito distante do Brooklin, fica próximo ali a Ponte João Dias e apareceu uma oportunidade pros meus pais de comprar o terreno então eles compraram o terreno, um outro tio meu também, onde os meus avós moraram, também comprou um terreno próximo. Então aí eles decidiram iniciar construir uma residência, a casa o ambiente pra construir a família e ali eles começaram, foram pra lá eu lembro a luta, o sacrifício da minha mãe e do meu pai, trabalhando de, minha mãe ficava até altas horas costurando. Ela trabalhava durante o dia como empregada como costureira e à noite ela fazia serviços particulares então pessoas que pediam pra fazer consertos, até roupa mesmo, ela ficava até altas horas costurando e o meu pai e minha mãe lutando pra conseguir dinheiro, recursos, pra construir a casa o local era bem simples.
P/1 – Mas vocês moraram lá e foram construindo ou já vocês foram quando já tinha a casa?
R – Tinha uma, assim, era um quarto e uma cozinha e um banheiro, uma casa bem pequena com quintal grande, não era murado, nada, a rua de barro eu lembro que nas chuvas era terrível pra conseguir andar, era uma descida é o morro lá, e eles começaram a reformar construir muro, calçada quintal, ampliar a casa então, a minha mãe, ela veio com essa luta de reformar e construção até hoje, ela sempre tá melhorando, constrói um espaço aqui, outro ali, muda. Então o bairro, ele tava começando a se formar.
P/1 – Como é que era Capão Redondo naquela época?
R – Era distante, um local pouco habitado com poucos recursos e que tava começando a se formar um bairro mas a construção ali daquela região da Zona Sul, ela foi muito rápida então quando a, eu me lembro com 20 anos já tinha, o bairro todo já tava loteado com casas muradas e que hoje se formou a periferia. Então tá bem mudado, mas quando a gente foi pra lá era um bairro, muito terreno vazio ruas de terra, não tinha quase infraestrutura.
P/1 – Quem que eram as pessoas, os vizinhos?
R – Eram pessoas que vinham de todos os lugares de toda parte do país a gente tem vizinho lá da, morando próximo, são pessoas que na época tinham o sonho de vir pra São Paulo e o local que eles tinham pra conseguiam financeiramente pra comprar um terreno, construir uma casa era naquela região, a região da periferia que acabou crescendo de uma forma desordenada a periferia de São Paulo e são poucos os bairros que você tem que são planejados.
P/1 – Mas então tava se formando, essa questão da violência ainda não era uma questão que se colocava lá no Capão?
R – Não, na época não, a violência, acho que ela começou acho que eu tinha o quê? Uns 16, 17 anos, que aí começou sinalizar alguma coisa de droga, de crime, porque aí começaram a aparecer as favelas então lá no Capão Redondo tem muita favela algumas já urbanizadas, não tem mais aquele, é difícil você encontrar aqueles, igual antigamente, barracos de madeira. Mas as favelas começaram a aparecer próximo de nós os bairros cresciam de uma forma sem organização nenhuma.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Eu acho que com seis ou sete anos, eu lembro que eu comecei aqui no Brooklin uma creche, me levava pra creche e depois eu fui pra, lá no Capão Redondo a gente foi pra uma escola, a minha mãe tentou, a gente ficou acho que uns três anos numa escola particular, a escola adventista próximo lá também da casa, mas depois ela não, financeiramente ela não conseguiu que ela tava construindo, tudo, aí a gente foi pra uma escola pública uma escola estadual também próximo de lá. E lembro que na época, eu acho que com uns 12 anos a gente já trabalhava então a gente vivia procurando, assim, serviço pra conseguir dinheiro pra comprar as coisas comprar tênis, comprar roupa, então na época tava em construção aquelas COHABs lá chama COHAB Adventista, então a gente ia pra trabalhar de servente de pedreiro, ajudar a carregar concreto, material de construção. E lembro uma época que a gente conseguiu, acho que com 13 anos, ir trabalhar no clube de tênis, trabalhar de gandula pegador, então acabou que o meu esporte acabou sendo o tênis em função de que eu vivia na quadra de tênis.
P/1 – Com quantos anos você fazia isso?
R – Doze, 13 anos então a gente entrava acho que, se eu não me engano, uma hora da tarde na escola, saía às seis horas da manhã pra vir pras quadras de tênis que era aqui no Itaim, ali na Juscelino Kubitschek, e saía daqui meio dia ficava das sete até meio dia nas quadras de tênis pegando bolinha e já ia direto pra escola, comia alguma coisa.
P/1 – Que lembranças você tem da escola, alguns professores te marcaram, como é que foi esse período da escola?
R – Foi, era uma escola pública, uma escola estadual, professores que marcaram acho que não teve, teve uma professora de Português que marcou porque depois na minha juventude eu comecei a freqüentar uma igreja que eu fui reencontrar ela e a família a gente: “Olha, eu tive, eu fui seu aluno em tal escola”, então eu acho que marcou nesse sentido. Mas acho que o que marcava era isso, a gente saía, a gente tinha uma vida, assim, um pouco agitada porque a gente saía do trabalho de manhã, ia correndo pra escola e passava ali a tarde na escola. Esses tempo atrás eu tava lembrando, essa questão da área de dependência química, a questão das drogas, eu lembrei que um professor uma época pediu pra gente fazer um trabalho sobre drogas, então eu tinha ali um grupo de amigos que a gente fazia sempre parte da mesma turma pra fazer os trabalhos e até estudava junto, e o pai de um desses rapazes nos levou pra fazer uma entrevista numa clínica de recuperação e era um local, era um local urbano, era uma casa que ali eles faziam o tratamento com os dependentes químicos. Mas isso eu devia ter o quê? Uns, acho que por volta de 15, 16 anos e aquilo lá marcou eu acho, tanto que eu tive essa lembrança alguns dias atrás, desse momento de ta ali nessa clínica, a gente conversava ali com o diretor e ele falando sobre os trabalhos que ele desenvolvia com os dependentes químicos naquela época. Eu lembro que até na, quando a gente tava voltando o pai desse rapaz bateu o carro, então foi um dia que marcou acho que um pouco a vida de todos que estavam ali envolvidos nessa atividade pelo fato de ter ido numa clínica de recuperação e daquele episódio do pai dele batendo o carro, tendo que ir na delegacia, então acho que marcou um pouco esse momento.
P/1 – Você tinha amigos que usavam droga lá no bairro ou sabia de alguém que usava?
R – Sabia, a droga, ela teve muito perto, ela, então ali o bairro onde, a rua aonde a gente mora chamava Avenida Sabin então até hoje ela é conhecida pelos pontos de drogas que se tem, então naquela época eu acho que essa, tava iniciando a Avenida Sabin, eu acho que ela tava começando a questão da criminalidade, do tráfico de drogas. Então eu perdi alguns amigos pra droga então é, eu iniciei um trabalho, um projeto, a Comunidade Reviver, hoje é uma, um centro de recuperação, eu costumo dizer que a Comunidade Reviver nasceu das lágrimas de uma mãe ao velar o filho que é um amigo que eu tinha, o Luís, vulgo Deda e a gente era muito próximo, a gente era amigo de igreja então a gente dividia o mesmo quarto era do grupo de adolescentes da igreja, sempre junto.
P/1 – Por que o mesmo quarto?
R – Desculpa, quando eu tinha acampamento da igreja, então quando tinha acampamento, evento na igreja a gente sempre.
P/1 – Ele ia na igreja e usava droga?
R – Não, quando ele começou a se envolver com as drogas ele se afastou da gente se afastou da igreja, se afastou do convívio que a gente tinha, a gente era vizinho morava uma rua pra cima aí finais de semana ele não ficava mais com a gente, a gente tinha um local pra soltar pipa pra fazer as brincadeiras, não frequentava mais. Então ele se afastou, ele se isolou da gente, e aquilo mexeu muito comigo então esse caso foi acho que o primeiro caso que teve que marcou a minha história.
P/1 – E você, te ofereceram, você experimentou, como foi?
R – Eu nunca experimentei, mas me ofereceram, na época era maconha então hoje tá a questão da cocaína, do crack, mas naquela época se falava muito de maconha a cocaína, o crack não existia a cocaína era uma droga bem distante então a maconha eles ofereceram, mas eu nunca tive essa, a curiosidade de experimentar. E depois eu fui ver que realmente o perigo tá aí é na curiosidade e na curiosidade te desperta o interesse de experimentar e às vezes ali que desencadeia muitas vezes a pré disposição pra se ter a dependência química então eu nunca, nunca cheguei a experimentar. Mas a droga e a criminalidade, ela, na casa de uns 18, 19 anos 20 anos, ela ficou muito perto o crime porque antigamente quando se iniciava a vida na droga já ia, o crime era muito rápido furtos, roubos, tanto que esse amigo meu, o Deda, o final dele foi que ele se envolveu com o crime e foi fazer um assalto e no assalto teve troca de tiro e ele acabou falecendo com esse envolvimento, então isso na época era muito rápido, o envolvimento da, com a criminalidade que você tinha.
P/1 – E você frequentava, tinha baile, qual que era a cultura daquele lugar, do Capão Redondo, assim, tinha música, tinha grupos, já tinha funk, o que rolava?
R – Não.
P/1 – Rap?
R – Tava começando porque ali na nossa região, especificamente ali na Avenida Sabin, nasceu ali aquele grupo Racionais, que é grupo de rap, então tava começando esse movimento do rap mas funk, baile, essas coisas não tinham então em termos de atividade, de lazer, o bairro não oferecia muita coisa. Então a nossa vida, ela era, final de semana era igreja domingo, sábado encontro com os adolescentes, que você tinha o grupo de jovens e durante a semana a gente trabalhava e ia pra escola, então essa era a nossa rotina.
P/1 – Você ia pra outros bairros, não, você ficava lá?
R – Eu ficava mais lá, não tinha muito amigo em outros bairros, não.
P/1 – Você curtia rap?
R – O rap tava começando a acontecer então esses grupos, eles ainda eram desconhecidos mas eu nunca tive, assim, muito interesse de curtir na época esse movimento do rap, então como eu era do movimento evangélico então eu sempre fui mais ligado à questão gospel músicas da igreja. Os meus pais, eles sempre foram um pouco rígidos de que aos domingos a gente frequentasse a escola dominical, os cultos, sábado era mais opção nossa de se envolver com o grupo de jovens, com adolescentes, então era, eu acabei me envolvendo muito com a questão gospel religiosa.
P/1 – Tem alguma música que você lembra dessa época, que te marcou, que você gosta, gostava?
R – Tem, são, a gente chama músicas da harpa cristã que isso são músicas antigas na verdade são músicas, na época a gente não gostava muito porque na igreja, essas igrejas mais conservadoras, as músicas são tocadas com órgão então, mas hoje, a gente numa certa idade isso é agradável aos ouvidos, você ouvir um hino da harpa cristã tocado por um órgão.
P/1 – Como que é? Canta um trechinho.
R – Um trecho? Deixa eu lembrar de uma música da harpa cristã, tem uma que eu sei, eu sou ruim pra cantar, assim: “Castelo forte é nosso Deus”, depois fala, fala que é escudo, eu não me recordo bem da letra da música deixa eu ver se tem uma outra da harpa cristã: “Eu navegarei no horizonte do espírito e ali encontrarei espírito, espírito que mexe como fogo, vem comer pentecostes e faz de novo” então, assim, é essas músicas assim mais gospel, músicas tranqüilas.
P/1 – Você na adolescência, assim, tinha algum expectativa do seu pai ou da sua mãe pra que você seguisse alguma carreira, você se formasse em alguma coisa?
R – Ah, eles não, eu não me recordo do meu pai e da minha mãe dizendo: “Ó, eu quero que você tenha tal profissão”, eles incentivavam a gente a trabalhar, então tanto que a gente começou cedo 11, 12 anos já tava na rua carregando lata de concreto , trabalhar em quadra de tênis então...
P/1 – Lata de concreto por quê?
R – Porque se carregava o concreto na lata mesmo então pra encher coluna, laje, essas coisas.
P/1 – Você fazia isso também?
R – Fazia e dava um dinheirinho porque na época lá da construção das COHABs a pessoa que era beneficiada com a casa, ela tinha que trabalhar aos finais de semana pra ajudar a construção da casa que era dela, era o mutirão então todos do mutirão trabalhavam pra construir cada casa e se ela faltasse ela tinha que pagar uma pessoa pra cobrir aquele dia que ela faltou do mutirão, então a gente ia pra lá e sempre eles, alguém: “Olha, preciso que você venha aqui revezar o meu dia”. Então eles nos pagavam pra trabalhar o dia que eles tavam devendo, então ia aquela molecada lá pra COHAB Adventista pra trabalhar o dia de servente, então o que eles pediam a gente fazia: “Vai lá, preciso carregar aquele concreto, preciso mexer esse concreto, preciso carregar bloco, preciso carregar areia” e a gente se envolvia lá.
P/1 – Tinha uma COHAB Adventista?
R – Tem lá uma COHAB Adventista, é grande lá a COHAB Adventista, é a que tem no Capão Redondo.
P/1 – Mas onde você morava não era COHAB?
R – Não.
P/1 – Sua casa já foi construída pelos seus pais.
R – É uma casa residencial.
P/1 – Quantos anos você tinha quando você trabalhou na COHAB?
R – Eu comecei com 11 anos, a gente já tava na rua procurando o que fazer da molecada, os nossos pais não tinham muitos recursos porque todos tavam ali focalizados em construir a casa no terreno que tinha comprado, então a gente tinha que se virar comprar uma roupa, pra ter algum dinheiro . Então a nossa diversão era isso era arrumar um, vender geladinho na rua, vender sorvete na rua, então a gente se virava pra conseguir dinheiro então essa, a molecada nossa lá do bairro, o ambiente era esse. Que depois lá na frente alguns acabaram se envolvendo com o crime, com as drogas ali do bairro que foi o que, com 21, eu com 20 anos de idade, foi o que acabou me motivando ali com o velório ali do Deda eu vi a mãe dele sofrendo ali, chorando no, com ele ali aquilo começou a mexer na minha vida. Então eu decidi fazer algo em prol, pra sociedade com 21.
P/1 – Mas aí você acabou o colégio, você fez faculdade?
R – Fiz uma faculdade.
P/1 – Do quê?
R – De Administração de Empresas.
P/1 – Por que você escolheu Administração?
R – Acho que foi a oportunidade, acho que não foi uma escolha acho que na época era o que eu consegui fazer e optei em fazer esse curso e foi o que deu certo pra ta fazendo a faculdade, mas sempre no coração esse desejo da questão social.
P/1 – Você pretendia fazer o quê?
R – Eu pretendia ajudar as pessoas, pretendia fazer algo pra melhorar a condição daquele que tá passando por dificuldades, depois disso ele ficou bem específico pra mim, pro morador de rua e pro dependente químico, primeiro pro morador de rua, então eu era meio maluco eu, alguns episódios, eu trazia morador de rua pra dentro de casa.
P/1 – É mesmo, quando você fez isso a primeira vez?
R – Eu tava de carro num farol, tava com um amigo meu e uma pessoa abordou a gente no farol pedindo ajuda, eu vi que não era, assim, bandido uma pessoa até com uma boa aparência, com a barba grande bem abatido, e ele me abordou o seguinte, ele falou: “Olha, eu acabei de sair da prisão, fiquei dois anos preso, não sou, não tenho maldade no coração, eu preciso de uma ajuda”. Aí eu falei: “Pô, entra no carro, vamos conversar”, aí ele falou: “Não vou entrar no seu carro, não”, eu falei: “Ah, por quê?”, ele falou: “Porque isso uma vez e a pessoa me bateu”, aí eu falei: “To indo em tal igreja”, que era o bairro um pouco, acho que uns 500 metros pra frente, eu falei: “To indo pra lá, se você quiser vir conversar comigo você pode ir lá”. Aí eu fui com o carro e o rapaz apareceu ali e ali ele contou a história dele que ele fez uma fraude na empresa que ele trabalhava, uma fraude financeira, ele foi pego, e cumpriu dois anos de prisão e ele perdeu tudo perdeu o emprego, o pouco de recurso que ele tinha, família, tudo. Aí saiu da prisão, não tinha nada e não tinha ninguém, aí eu perguntei pra ele: “O que que você quer?”, ele falou: “Cara, eu quero tomar um banho quente e uma roupa e tirar essa barba”, eu falei: “É só isso que você quer?”, ele falou: “É isso”, “Então eu vou te levar lá em casa, tranquilo?”, ele falou: “Beleza”. Então aí ele, eu participei lá do encontro lá da igreja e depois ele entrou no carro, eu levei ele pra minha casa.
P/1 – E os seus pais?
R – Os meus pais acharam que eu era louco e ali ele tomou um banho, acho que ele tomou um banho de uns 40 minutos, ele falou: “Cara, faz dois anos que eu não sei o que é tomar banho quente”, fez a barba e falou: “Você tem uma roupa pra me arrumar”, eu abri o guarda roupa, falei: “Escolhe o que você quer”, eles pegam o que a gente, às vezes a roupa que a gente tem mais apego daí eu falei: “É sua, cara”, aí ele pôs a roupa, falou: “Meu, queria dormir”, eu pus um colchão pra ele.
P/1 – E sua mãe não queria mandar ele embora, teve alguma reação?
R – Ah, ela na questionou muito, não, ela tem esse cunho religioso evangélico de socorrer o necessitado, estender a mão ao próximo então ela tinha esse lado, mas ela ficou um pouco preocupada.
P/1 – Ele dormiu no seu quarto?
R – Dormiu.
P/1 – E aí?
R – Ah, ele acordou de manhã, ele falou: “Cara, eu vou embora, vou tentar a minha vida” e me pediu um dinheiro pra condução, marcou muito porque duas semanas depois ele me liga, falou: “Cara, eu to ligando pra agradecer porque eu arrumei um serviço de ajudante de caminhoneiro, to trabalhando e to bem, obrigado, valeu” e aí isso começou a marcar e eu vi que é possível ajudar as pessoas se tiver boa intenção, tiver sinceridade, tiver intensidade é possível ajudar as pessoas.
P/1 – Teve outros casos que você levou pra sua casa?
R – De morador de rua, assim, de caso, acho que mais louco, de pegar um cara no, acho que esse foi o único assim, porque aí depois aí a minha mãe já começou: “Ô, Ricardo, não faz isso” e eu namorava com uma moça, aí os pais dela começaram a questionar também. Mas depois eu comecei a ajudar pessoas eu lembro um caso de um rapaz era casado, tinha uma moça, e dependente químico, então eu queria entender o que que era essa questão da dependência química, então comecei a freqüentar a casa desse rapaz, a tentar trazer ele pra igreja. Aí eu comecei a ver o que que era recaída a pessoa tentar a não usar e ter todo um discurso de que vai parar, no dia seguinte aparece recaído então eu comecei ter essas experiências a proximidade com o dependente químico.
P/1 – Como que foi com essa pessoa, esse primeiro, como que você conheceu?
R – Ah, foi uma experiência um pouco maluca com esse cara também porque ele era de uma religião chamada Santo Daime que aquele religião que toma um chazinho do cipó e eu conheci ele lá no bairro do Jacira, lá em Itapecerica da Serra, que nessa época eu acabei me envolvendo também com confecção e eu tinha um salão que eu prestava serviço na área de confecção, a gente fazia camisas sociais. E aí em frente lá o salão ele tava com um carro, era um fusca eu lembro, um fusca azul, e o carro quebrado e eu fui oferecer ajuda pra ele: “Ô, você precisa de alguma ajuda” e acabei aí levei, o carro não tinha como consertar ali na hora, eu fui com ele até a casa dele, era um sítio e ali já começou a me assustar porque na entrada do sítio tinha uma cruz de caravaca eu nunca tinha visto aquilo, então a gente já começa a ligar coisa com umbanda. Mas fui na intenção de, ele se abriu pra mim, ele falou que tinha problema com drogas, aí que me despertou mais interesse de saber o caso dele e no final acabou que eu fui conhecer a religião dele fui aqui no Pico do Jaraguá eles fazem normalmente os encontros à noite eu fui lá conhecer o tal da religião do Santo Daime e me assustou muito.
P/1 – Aí ele começou a contar.
R – Aí eu fui.
P/1 – Que droga, era Daime que ele tomava?
R – Ele tomava Daime e era cocaína o que ele usava, e aí esse envolvimento lá, pequeno envolvimento que eu tive lá com essa religião do Santo Daime, aí eu decidi não me envolver mais com ele me assustou muito ver o pessoal tomando.
P/1 – Você foi lá ver?
R – Fui.
P/1 – Como é que foi? Aí esse dia você conversou com ele.
R – A gente fez um acordo, o acordo era o seguinte, eu queria que ele se envolvesse com a minha igreja, que no meu entendimento aquilo iria ajudá-lo ele se envolver com a igreja, aí levei ele pra conhecer o meu pastor, o pastor conversou com ele, com a esposa dele e a contrapartida era eu ir lá na igreja dele, no Santo Daime, só que lá me assustou muito.
P/1 – Por quê?
R – Ah, porque eles, eles fazem um ritual e quando eles tomam esse chá a purificação, que eles dizem, a pessoa, eles têm uns saquinhos uns cestinhos, a pessoa, ela vomita eles falam que é a limpeza do corpo, aquilo me assustou muito aquelas pessoas naquele, tendo alucinações ali naquele ambiente. E tanto que no dia eu quis ir embora porque aquilo lá ia varar a madrugada inteira lá no Pico do Jaraguá, no meio do mato, eu sozinho lá, aquele povo tendo alucinação, eu falei: “Cara, eu vou embora, velho, eu não vou ficar aqui, não”, eu falei: “Eu não vou tomar isso daí”
e eu não tomei, ele não quis ir embora, eu peguei o carro e fui embora e larguei ele lá. Aí depois daquele dia eu nunca mais tive contato com ele, não me ligou, não tive, mas foi, eu acredito que com um dependente químico acho que foi o primeiro caso assim que eu vi, que eu tentei ajudar, que eu vi os momentos da pessoa tentar parar de usar e não conseguir. E ali, depois desse episódio eu fiz um, vamos dizer assim, um voto com Deus comigo no sentido de dedicar a minha vida pra socorrer pessoas envolvidas com a dependência química, escravizadas com a dependência química e comecei com prevenção.
P/1 – Mas você formou o que, uma entidade?
R – Não, a coisa, ela nasceu na minha cabeça, eu tinha esse objetivo, essa meta, eu coloquei essa meta na minha vida eu não sabia o que fazer, como fazer, eu tinha um objetivo, ajudar pessoas com problema de drogas e álcool, aí eu frequentei muito ali as palestras do Edson Ferrarini então eu era frequentador de carteirinha, eu acredito que ali nas reuniões dele eu acho que eu era único que não tinha envolvimento com a dependência química.
P/1 – Quem que é o Edson Ferrarini?
R – Ele é um deputado estadual e que ele tem ali um salão que ele faz palestras duas vezes por semana de dependência química não seria um tratamento palestras motivacionais, ele tem livros então pelo menos uma vez por semana eu ia lá, aqui no metrô São Judas, eu ia pra lá pra assistir as palestras dele, aquilo me fascinava li todos os livros do Edson Ferrarini. E um dia me veio na cabeça: “Eu vou fazer uma palestra sobre drogas” aí eu fui, tem um bairro em Taboão da Serra então ali próximo a Campo Limpo, Campo Limpo faz divisa com Taboão da Serra, fui na Secretaria da Educação, falei: “Me dá, eu quero uma lista de escolas que você tem aqui do município”, ela me deu a lista, eu fechei o olho e pus o dedo, aí saiu numa escola Inácio Maciel, que é o nome de uma avenida principal lá que chama Inácio Maciel. Liguei pra diretora, falei: “Eu quero fazer uma palestra sobre drogas”, ela marcou comigo e eu fui pra lá na intenção de conversar com ela, pra falar do meu interesse, ela olhou pra mim, falou: “Você quer fazer uma palestra?”, eu falei: “Eu quero”, “Então vem aqui comigo”, aí me levou na sala de professores, falou: “Ô, pessoal, um minutinho aqui de atenção, to com esse rapaz aqui, ele quer fazer uma palestra sobre drogas”. Aí me aparece uma professora que tinha duas aulas seguidas ela: “Não eu tenho duas aulas, eu posso disponibilizar pra ele”, ela: “Você tem duas aulas de 45 minutos, pode falar o que você quiser”, aí aquilo me gelou , então tinha, eu puxei um pouco isso do meu pai da timidez, assim, um pouco reservado, nunca tinha falado em público. Fale: “E agora, o que eu vou fazer?” e ali eu fiz, assim, uma espécie de uma oração com Deus, eu falei: “Olha, se o meu caminho for esse vai dar certo essa palestra aqui, se o meu caminho não for esse eu vou sair vaiado”, não é, e era uma escola de periferia, escola pública, noturno, na época o chamado segundo colegial, ou seja, rapaziada de 16, 17 anos, já formadores de opinião então não dá pra falar qualquer coisa. E ali eu tive uma inspiração acho que divina então eu acabei falando as duas aulas de 45 minutos, então ali me vinha flashes dos livros que eu li, flashes das falas lá do Edson Ferrarini, algumas experiências de vida, e eu conduzi, consegui conduzir aquela palestra e a professora me motivou muito depois. Quando terminou a palestra todos os alunos eles aplaudiram, eles gostaram muito, eu acabei, eu terminei a palestra cantando aquela música do Renato Russo: “É preciso amar as pessoas como”, aí a rapaziada tudo cantando a música do Renato Russo e aí foi, terminou muito legal, assim, aí a professora me levou pra diretora, falou: “Ah, foi muito legal, marca outra foi muito boa a palestra dele”. Aí quando eu vi eu tava fazendo palestra em tudo quanto era escola trabalho voluntário normalmente à noite, aí decidi na escola que eu estudei, que foi o Colégio Carolina Cintra da Silveira, eu decidi fazer palestra pro noturno inteiro coloquei essa meta. Então eu fui até a diretora, aí já tava mais tranquilo e fiz palestra pro noturno todo da escola Carolina e no final ainda pra arrematar a diretora organizou uma palestra num salão pra quem não tinha assistido, que era, fazia dentro das salas de aula pra participar ali no salão e encheu no dia encheu ali o salão. E aí algumas escolas começaram a me chamar pra fazer palestras nas reuniões pra pais e mestres, aí o foco mudou porque algumas mães me procuravam, esposa, dizendo: “Olha, eu to com o meu marido com problema de álcool, problema de alcoolismo, eu to com o meu filho com problema de drogas”, então o meu foco então era prevenção era levar uma mensagem pra rapaziada. Aí o foco mudou, eu falei: “Opa, tem um pessoal que eu acho que eu tenho que dar uma atenção”, e aí eu procurei na internet, aí fui fazer um curso na Unifesp, curso de dependência química, é um curso de um ano, e eu decidi fazer aquele curso, era um curso aos sábados.
P/1 – Você tava trabalhando com o que nesse período.
R – Na época eu era funcionário público aqui da Prefeitura de São Paulo, então eu tinha um saláriozinho razoável.
P/1 – Trabalhava aonde?
R – Eu trabalhava no departamento técnico chamava secretaria, SIURB, é infraestrutura urbana, então era um departamento bem técnico, tinha de engenharia então o departamento que eu trabalhava fazia controle de obras do subsolo de São Paulo foi uma experiência muito boa que eu tive lá. Então eu decidi fazer esse curso na área de dependência química, e nesse curso eu conheci dois pastores que eram do Esquadrão da Vida e Desafio Jovem, foi meu primeiro contato com casas de recuperação, eu não sabia que existia uma casa de recuperação, e me envolvi com eles. Aí acabei me envolvendo com o Desafio Jovem, que é o Teen Challenge com o pessoal do Esquadrão da Vida também.
P/1 – O que é Teen Challenge?
R – É Desafio Jovem, Teen Challenge World, Desafio Jovem Mundial, que quem iniciou foi David Wilkerson há 50 anos atrás, lá nos Estados Unidos, bairro do Brooklyn, também com esse objetivo de ajudar os jovens dependentes de heroína.
P/1 – Aqui em São Paulo tinha heroína?
R – Não, isso a história do David Wilkerson que foi o fundador do Desafio Jovem então eu li o livro do David Wilkerson “A cruz e o punhal” que fala da história que ele iniciou também de querer ajudar jovens que ele trouxe, ele alugou uma casa e acolhia os jovens com problema de heroína pra tentar ajudá-los e ali nasceu o Desafio Jovem e hoje tem em vários países. E aí eu visitei essas casas de recuperação, fiquei quase 30 dias como voluntário dentro de um Desafio Jovem, conhecendo o trabalho deles, e aí um dia, isso eu já tava com 27 anos, um desses pastores falou: “Ricardo, por que você não abre uma casa de recuperação?”, aí aquilo foi um clic foi, sabe, despertou aquele interesse e aí eu coloquei isso como objetivo, eu falei: “Eu vou abrir uma casa de recuperação”. Mas nesse ínterim sempre envolvido com os projetos da igreja, a gente tinha projeto de levar sopão aqui no centro da cidade, então eu conversava muito com os moradores de rua, na época aqui da cracolândia a gente trazia suco, café, café com leite.
P/1 – Mas aí você criou?
R – Eu criei na sequência então, assim, aí eu decidi abrir uma casa de recuperação, mas já com essa bagagem que eu tinha desse contato com os moradores de rua e os dependentes de droga e álcool, e com a necessidade que algumas pessoas me traziam dos problemas que tinham em casa com filhos e/ou maridos. E eu comecei a procurar sítio sem ter estrutura nenhuma.
P/1 – Você tava trabalhando na prefeitura?
R – Trabalhando como funcionário público, trabalhando na prefeitura e aos finais de semana procurando sítio pra lugar e era muito difícil, era aluguéis caros e...
P/1 – Mas você ia o que, com o seu dinheiro você, você ia buscar investimento?
R – Eu tava só eu, não tinha nenhum parceiro, nada até que esse local que nós estamos hoje, que é a Comunidade Reviver, eu conheci o antigo proprietário, Fernando Fiasco, e teve uma história muito interessante lá do lugar, é um sítio maravilhoso, são 12 hectares, uma casa linda que tem lá, e aconteceu um episódio naquele sítio, o pai dele faleceu, ficou na mão do caseiro e o caseiro acabou se envolvendo com bandidos e utilizaram, o Fiasco veio morar em São Paulo e deixou o sítio na confiança do caseiro não frequentava o local. Então eles começaram utilizar o sítio como local de seqüestro tinha até um espaço lá que era de cativeiro, e aí uma das pessoas que foram seqüestradas fugiu, chamou a polícia, e aí foi um transtorno pro antigo proprietário, pro Fiasco, e aí o sítio ficou sem caseiro, a casa, o sítio foi saqueado, roubaram todos os móveis, fiação, o que era possível tirar da casa foi tirado. E quando eu conheci o Fiasco tinha um ano que aconteceu esse episódio e eu compartilhei com um pastor que eu tinha já feito um, que ele sempre trabalhou com dependência química, eu fiz um convite pra ele: “Vamos abrir uma casa de recuperação”, ele topou, ele é de Minas Gerais, e comentei com ele e ele me trouxe uma frase que foi interessante, uma frase bíblica falou: “Cara, esse é o lugar pra começar uma casa de recuperação”, eu falei: “Mas por quê?”, “Onde abundou o pecado, super abundou a graça lugar que foi de sofrimento vai ser um lugar de transformação”. E aí mexeu comigo aquela fala dele e aí eu marquei uma reunião com Fernando Fiasco, trouxe esse pastor de Minas, ele falou: “Cara, pode tocar o projeto que o sítio tá aberto pra vocês”, então ele não fez um contrato, não fez nada, ele deu a chave do sítio e falou: “Pode tocar esse trabalho”. Aí como eu tinha um salário razoável, aí eu fiz um acordo com esse pastor então eu dava uma ajuda de custo mensal pra ele inicial e aí a gente começou, então o nosso primeiro...
P/1 – Mas a recuperação do local também você pagou com o seu dinheiro?
R – Pra reformar?
P/1 – É.
R – No começo, aí eu falei: “Fiasco, mas aqui no sítio não tem água, não tem luz, roubaram toda a fiação”, aí eu lembro, na época ele me deu dois mil reais, então ele me deu o sítio mais dois mil reais pra gente conseguir implantar ali um espaço.
E aí nós fomos visitar, que esse pastor de Minas, ele trabalhou numa casa de recuperação aqui em São Paulo, então nós fomos visitar um antigo residente, que a gente chama, ou paciente, interno dele, e nós fomos visitar e tinha um amigo dessa pessoa que tava procurando tratamento que inclusive ele tá comigo até hoje passados dez anos, que é, chama Maucílio chamam ele de Moca. Um ex-traficante do Jardim Fernanda procurando ajuda, eu falei: “Cara, você é o primeiro interno”
e ele topou, então começou lá o Pastor José Antônio e o Moca e as noites eu ia pra lá então aí começou a arrumar colchão aqui, cama ali, cobertor, lençol, itens de cozinha. Aí eu conversei com o sítio ao lado, tinha um caseiro então ela fazia a comida e eles tomavam banho lá nessa casa do caseiro do sítio do lado e foi nessa loucura
que a gente foi e aí a coisa começou a fluir. Aí eu levei uma pessoa que trabalhava comigo, problema de alcoolismo levei pra lá e começou a vir gente e o projeto deu início.
P/1 – Mas você desenvolveu alguma metodologia, assim, tipo a pessoa vem aqui, vai passar por tal programa?
R – Nove meses.
P/1 – Vai ficar tanto tempo?
R – É, a experiência que eu trouxe do Desafio Jovem.
P/1 – O que era, em que consistia o tratamento?
R – Nove meses.
P/1 – Sim, ficar lá internado.
R – Ficar internado.
P/1 – Nove meses?
R – Nove meses e o que hoje nós chamamos de espiritualidade que aí são estudos bíblicos, os cultos palestras, e aí as pessoas, quando eu comecei a levar isso ao conhecimento de algumas igrejas pessoas começaram a se mobilizar pra ajudar, então, assim, começou a vir muito recurso tanto de, do início foi difícil conseguir ajuda financeira as pessoas não ajudavam muito, mas ajudavam com alimentação, com móveis. Na sequência veio um outro rapaz trabalhar com a gente, o Francisco, a gente chama de Alemão, eletricista, então já começou a arrumar a casa, já conseguiu consertar o problema da luz, consertar o problema da bomba pra trazer água, consertar a encanação, aí em questão de uns 15, 20 dias já tinha um chuveiro funcionando com a pra eles tomarem banho. E aí o processo foi acontecendo com de dois a três anos que a gente tava já, estava com o projeto, que eu vi que ficou sério, aí eu tive que tomar uma decisão ou abrir mão lá do projeto ou abrir mão do meu trabalho na prefeitura porque o sítio tava à venda embora o Fernando Fiança nos permitiu pra ficar lá, a gente tomou uma outra, teve uma outra estrutura, nós melhoramos o espaço em termos de jardinagem, pintura da casa, estrutura.
P/1 – Você já tinha quantos internos nesses dois primeiros anos?
R – A nossa média era de 15, 16.
P/1 – Como é que eles conviviam entre si, essas pessoas, eles faziam atividade na casa, trabalhavam?
R – Ah, faziam, o espaço lá é muito grande então eles, durante o dia era envolvido nas atividades do sítio então pra arrumar as coisas, tinha uma piscina, então a gente sempre: “Ah, vamos conseguir consertar a piscina”, então sempre tava envolvido com a jardinagem do local. Esse Pastor José Antônio, ele foi, ele é um recuperado de casa de recuperação do Município de Divinópolis, em Minas Gerais, então ele já trouxe a bagagem, ele sempre trabalhou com casa de recuperação, então ele trouxe essa experiência que ele tem. Então esse início foi tranquilo porque ele tinha experiência com casa de recuperação, com a logística de todo o programa interno, de como conduzir, de horários os programas, a escala, horário de acordar, horário do almoço, horário do banho, horário de lazer, atividade, reuniões. Então a gente foi montando todo esse programa nesse período e sempre com o foco de atender os mais necessitados específico moradores de rua pessoas de baixa renda.
P/1 – Qual que era o critério pra receber assim?
R – Querer tratamento, aceitar as normas então a gente apresentava qual que era a norma, a política do local e do, a gente só, até hoje só atende homens não atendemos menores nem idosos acima de 65 então tendo esse perfil a gente aceitava eles.
P/1 – Inteiramente gratuito?
R – Gratuito, quem, a família solicitava, então a gente pedia na época a nossa referência era um salário mínimo, então a gente pedia um salário mínimo e uma cesta básica.
P/1 – Por mês?
R – Por mês pra conseguir manter o local e muito trabalho na cracolândia eu lembro, eu trouxe muita gente da cracolândia fotos.
P/1 – E família que não tinha dinheiro pra pagar um salário mínimo, tinha caso assim?
R – Tinha muito .
P/1 – Aí ia do mesmo jeito?
R – Ia do mesmo jeito a gente, o nosso foco era o morador de rua dependente químico: “Você quer mudar de vida, quer ajuda?”, “Quero”, “Então vem”, esse era...
P/1 – Aí depois desses dois anos você ficou em dúvida, assim, isso foi uma questão pra você, sair da prefeitura ou largar o projeto?
R – Ou do projeto, porque o sítio tava à venda então a gente precisava levantar recurso e era um valor considerável e estavam havendo pessoas interessadas em comprar o sítio, porque a gente deixou o lugar bonito levantou o sítio lá, e tava quase que pra fechar negócio, então veio comigo assim: “Olha, você precisa tomar uma decisão ou sai pra iniciar uma campanha pra levantar recurso pra comprar o sítio ou abre mão”. E veio isso muito forte comigo: “O sítio vai ser vendido, você precisa tomar uma decisão, você precisa ter uma atitude” foi quando eu decidi me desligar da prefeitura e iniciar uma campanha pra levantar recursos pra comprar o local na época era de 140 mil reais, vou arrumar 140 mil reais aonde? Não tinha como mas eu sempre agi muito pela fé sempre acreditando muito, então a gente fez investimento num local que não era nosso, que não tinha contrato nenhum investindo lá, acreditando que ia dar certo, então acredito que o resultado dessa fé foi o resultado de ter um projeto hoje sustentável.
P/1 – E aí você saiu, como é que você conseguiu dinheiro, aí você precisava de 140 mil?
R – Precisava.
P/1 – Como é que você fez?
R – Era 120 porque aí ele ia dividir o sítio, era, são 12 hectares então inicialmente a conversa era ele dividir, vender só uma parte por 120, aí no final ele vendeu tudo por 140 aí eu procurei um pastor aqui do bairro de Perdizes numa igreja que tinha, dessa igreja tido, passou comigo um familiar de um membro daquela igreja, e aí na, isso um ano antes, eu decidi procurar esse pastor, né: “Ô, pastor, é o Ricardo da Reviver”, então ele lembrava de mim e expliquei o caso pra ele. E ele falou: “Ricardo,o que você precisa?”, eu falei: “Pastor, me dá 15 minutos no púlpito”, aí ele falou: “Tá bom, o senhor tem os seus 15 minutos” e aí eu juntei lá os meninos a gente fala muito em se consagrar a gente tem dois louvores que é o nosso hino nacional, vamos dizer assim, “Galhos secos” e “Sou um milagre”, mexe muito com as pessoas, a letra do “Galhos secos”, diz assim: “Nos galhos secos de uma árvore qualquer, onde ninguém jamais pudesse imaginar, o criador fez uma flor a brotar, olhai, olhai, olhai, os lírios cresceram nos campos”, e aí vai. Então isso mexe com as pessoas então você pegar um morador de rua, um dependente químico às vezes já há um bom tempo já em abstinência cantando isso daí isso motiva e foi o que aconteceu, eu juntei lá o pessoal, tinha um rapaz lá que tocava bem violão a gente ficou lá quase uma semana ensaiando “Galhos secos” e “Sou um milagre”. “Sou um milagre” é: “Aquilo que parecia impossível, aquilo que parecia não ter saída, aquilo que parecia ser minha morte, mas Jesus mudou a minha sorte, sou um milagre, estou aqui”, então a letra também é muito impactante desse louvor “Sou um milagre” e a gente foi lá com os nossos 15 minutos e mexeu ali com a igreja. Eu falei um pouco da necessidade e no final aí do culto me procurou uma pessoa um senhor e falou: “Ricardo, eu ouvi você dizer aí que vocês tão pra ser despejados, né”, eu falei: “Olha, o sítio, ele vai ser vendido, a gente não vai ter muito pra onde ir” e ele disse: “Olha, marca uma reunião com o dono desse, do sítio” e me deu o cartão, era um empresário, então aquilo já me veio uma luzinha. E aí cheguei em casa já empolgado, aí passei um email pro Fernando Fiasco, falei: “Fernando, olha, gostaria de agendar uma reunião com você pra gente tratar do assunto da compra do sítio”.
P/1 – Mas você sabia que o cara ia investir, esse do cartão?
R – Eu fui pela fé ele falou: “Ricardo, marca uma reunião com o dono do sítio”.
P/1 – Você marcou.
R – Eu falei: “Pô, não é pra tomar café, acho que” no dia seguinte me chega uma mensagem do Fernando Fiasco assim: “Ricardo, impossível duvidar da existência de Deus”, aí explicando que no sábado, que foi no domingo anterior desse evento lá nessa igreja, uma pessoa fez uma proposta de compra do sítio e que ele ia me ligar na segunda-feira pra me avisar e a pessoa já tava com o dinheiro pra comprar ele falou: “Mas vamos ver o que você tem”, e a gente marcou pra...
P/1 – Você nem sabia o que você tinha?
R – Não sabia o que tinha, aí a gente marcou a reunião pra quarta-feira dessa semana, da semana e nós fomos, então quando chegamos no endereço era um prédio de escritório comerciais de alto padrão: “Ricardo, como que você conseguiu?”, “Não sei, irmão, pergunta pra Deus” . E nós fomos lá na sala de reunião e fechou a compra na hora ali essa pessoa, na hora ele já pagou metade do sítio à vista e ligou pro pastor, falou: “Ó, pastor, to fechando aqui a compra do sítio, já paguei metade e vê se o senhor pode fazer aí uma campanha na igreja pra gente levantar esses outros recursos”. Então aí todo o culto o pastor me chamava pra lançar o desafio lá no púlpito e com um mês e meio aí na hora ele deu três meses pra gente levantar esses outros 70 mil, com um mês e meio a gente conseguiu esses recursos lá em doações dos membros dessa igreja. E teve um caso muito interessante, que um dia lá no final do culto o pastor me chamou e falou: “Ó, Ricardo, teve uma pessoa, me colocou um cheque aqui no bolso falou, ele não é evangélico, ele tá hospedado, ele não mora em São Paulo, tá hospedado no hotel em frente a igreja a trabalho e decidiu vir assistir o culto e ficou mobilizado aí com o desafio que você fez e resolveu dar uma ajuda e colocou um cheque no meu bolso”, o cheque era 40 mil reais, o cheque, nunca mais ninguém viu essa pessoa, ninguém sabe quem é, só foi na hora ali, ele me mostrou. E aí outros membros acabaram fazendo doações e a gente acabou levantando até um valor um pouco a mais, pra fazer a documentação e transferência, tudo, então ali, eu acredito que ali realmente estruturou o projeto ali aconteceu o projeto então dali em diante esse mesmo empresário na sequência me chamou pra gente iniciar projetos de reforma e construção. Então tinha alguns membros ali da igreja engenheiros, arquitetos, então a gente começou a fazer toda a planta do local a planta do que a gente tinha interesse de ampliar, de consertar e a gente foi ali uns quatro anos de muita, muita construção.
P/1 – E vocês recebendo pacientes?
R – E recebendo.
P/1 – Você se remunerava como?
R – Eu nunca tive, assim, muito objetivo de ter bens materiais fui, eu sempre li muito Mahatma Gandhi sempre fui muito fã de Jesus pessoas que na vida tiveram um grande impacto social e finalizaram a vida com pouquíssimos recursos Mahatma Gandhi, quando ele morreu ele tinha uma caneta, um óculos, um roupão branco e uma cabra que era emprestada, que ele tirava leite pra se alimentar Então eu fui um pouco acho que xiita não tinha muito interesse de ter, e Deus sempre supriu as necessidades então sempre uma pessoa ou outra falava: “Ô, Ricardo, vou te ajudar, você tá precisando de alguma coisa” então sempre foi.
P/1 – Mas você não tinha uma remuneração pelo fato de dirigir esse espaço?
R – Não, não tinha, não tinha, tudo, tudo que, a receita que entrava o objetivo era a estruturação da casa conseguir recursos, alimentos, móveis, utensílios foi assim, eu passei por épocas, assim, difíceis época assim de você não ter recurso pra por combustível no carro, por exemplo. E dentro lá do projeto a gente chegou a ter dia, falar: “O último saco de arroz, é a última refeição” e você ter 15 homens pra alimentar, e à noite aparecer alguém com o carro cheio de comida cheio de cesta básica, do nada, sem eu ligar, sem eu pedir. Então esses dez anos tem sido assim os recursos têm aparecido pessoas têm aparecido.
P/1 – Mas até hoje você não tem uma remuneração?
R – Hoje já to numa situação um pouco melhor porque nós estruturamos, profissionalizamos o local, hoje a gente já tem uma visão mais, eu digo assim, eu não sou tão xiita então na época a gente era tudo pela palavra então a gente não tinha essa visão clínica, médica, tratamento mais era socorrer o necessitado e trazer pra uma visão evangélica que é muito boa.
P/1 – O que mudou hoje?
R – Mudou hoje que a gente se profissionalizou então hoje nós temos psicólogos, temos técnicos a gente tem uma estrutura interna de tratamento, a gente tem uma médica que presta serviço, que faz avaliação com todos que entram na instituição, a maioria acabam sendo indicados pra uma prescrição medicamentosa que são, hoje a gente entende que não é questão simples espiritual, tem a questão biológica, física que precisar ser atendida. Então nós nos profissionalizamos e um pouco que tiramos o pé do acelerador dessa questão de ir pro centro da cidade, encher o carro e trazer que a gente viu que tava colocando até em risco o próprio projeto pra depois conseguir manter essas pessoas lá, porque ajudar um morador de rua a gente viu que custa caro porque ele tem enes necessidades, roupa, itens de higiene pessoal, aí lá na frente ele vai começar a aparecer problemas de saúde problemas diversos, e que precisa ter recursos pra ajudar essa pessoa. Então a gente parou um pouco e a gente tá hoje atendendo pessoas que têm vínculo familiar, que têm condições de pagar pelo tratamento que também a gente não pede um valor alto, que a gente continua tendo essa referência do salário mínimo, então o que a gente pede hoje? Um salário mínimo e duas cestas básicas claro que o salário mínimo hoje tá um pouco mais alto, então você tem uma condição melhor e com o fato de que as pessoas têm um vínculo com a família, a família supre a necessidade de itens de higiene pessoal, de roupa, a medicação e todos os outros, despesas que a pessoa possa vir a ter, então isso proporcionou a instituição ter uma condição melhor pra atender as pessoas.
P/1 – Quantos pacientes vocês atendem?
R – Hoje eu to com 40.
P/1 – Que ficam os nove meses?
R – Não, hoje mudou pra seis meses, a gente mudou consideravelmente, então, por exemplo, quando nós iniciamos, que continua a visão Desafio Jovem, não era permitido o uso do cigarro na instituição, então foram algumas decisões radicais que até fizeram algumas pessoas se afastar lá do projeto então comecei permitir o uso de cigarro que eu vi que na compulsão deles favorece a permanência no tratamento. A questão de medicação então antigamente nós não recebíamos pessoas que faziam uso de medicação, hoje a gente já tem uma estrutura pra atender, controlar e prestar esse serviço da questão medicamentosa então a gente tem uma pessoa que cuida da guarda dessa medicação, da entrega dessa medicação, do controle que é feito então a gente já tem uma estrutura diferente. Então a gente tem profissionais que são psicólogos, tem nutricionista que vai lá, que faz elaboração de cardápio, que fiscaliza a limpeza, a organização, armazenagem dos alimentos, a dispensa, a guarda desses alimentos então tudo isso é fiscalizado, tudo tem um checklist que a gente, são procedimentos que a gente tem que cumprir. Nós, hoje a instituição, ela tá toda regularizada perante aos órgãos públicos alvarás.
P/1 – Como que é o nome da instituição?
R – É Comunidade Reviver mas o nome, na verdade esse nome eu tive lá no curso que eu fiz da Unifesp é Comunidade Terapêutica de Prevenção, Reintegração Social Reviver, então ela tem um estatuto, tem um CNPJ, tem todas as licenças que se precisa ter, o AVCB, que é o alvará de Corpo de Bombeiros, nós já recebemos fiscalização de conselho de medicina, conselhos de enfermagem, conselho de nutrição. E isso pra nós é muito bom porque cada fiscalização que vai lá vê um ponto que precisa ser melhorado e a gente melhora, a gente procura atender pra ter realmente uma estrutura que proporcione cada vez um atendimento com qualidade pras pessoas que a gente atende. E a gente continua, nós não paramos totalmente de atender os moradores de rua, os mais necessitados, porque lá são três unidades então em termos de leitos, vamos assim dizer, teria 90 leitos e um deles, que a gente chama de casa três, a unidade três, a gente chama de fazendinha. É um local um pouco mais rústico, mas porém muito agradável, então lá a gente tem lá criação de animais então a gente tem lá vaca, tem criação de galinha, tem pato, tem cachorro a gente já teve criação de porco também, então é um ambiente mais rústico assim, em termos de fazenda. Então hoje, por exemplo, eu tenho lá quatro ex-moradores de rua, que são pessoas que não têm nenhum vínculo familiar, são pessoas, não têm parentes, nada, e que nós acolhemos e que moram nessa unidade três, que ela já teve já uma atividade com mais de 20 residentes, que a gente chama, eu cheguei a ter as três unidades funcionando, que cuidam desse local tem uma ajuda de custo e moram lá e ali fazem as suas atividades. E o que produz nessa casa três, tem uma horta a gente acaba distribuindo pra unidade dois e a unidade um então a gente tem lá uma vaquinha que tá quase pra ter cria, então daqui a alguns meses ela vai começar a ter leite e então a gente tem essa estrutura. Então a gente decidiu, o que nós regularizamos perante aos órgãos públicos foi a unidade um e a unidade dois a unidade três a gente deixou um pouco em off porque a gente tem que fazer alguns investimentos consideráveis pra deixar de acordo com o que a legislação exige pra funcionamento de um centro de recuperação de acolhimento.
P/1 – Você é o presidente, diretor dessa casa?
R – Sou o fundador no estatuto, na ata, atualmente eu estou como presidente e coordenador administrativo então toda parte administrativa, burocrática eu que resolvo então provavelmente nós vamos fazer algum convênio ainda esse ano, vamos celebrar algum convênio ou com o governo do estado ou com o município de São Paulo pra atendimento de moradores de rua e dependentes químicos que vai, acho que é um passo que nós também vamos estar conquistando, que vai gerar mais sustentabilidade pra instituição com esses convênios. A gente pretende montar uma estrutura de captação de recurso, ou seja, um outro, já seria um outro momento que acredito que a gente vai ta vivenciando lá na instituição também.
P/1 – Ricardo, vamos falar um pouco da sua vida pessoal, e você tem namorada, casou, o que você fez nesse tempo?
R – Tem uma parte, se puder depois
deixar de lado, porque eu to num processo de separação.
P/1 – Você prefere não falar, tudo bem.
R – É, mas tenho duas filhas, eu tenho os meus pais a gente mora próximo.
P/1 – No Capão ainda?
R – No Capão Redondo, meus pais continuam na mesma casa mas essa parte conjugal se puder deixar em off.
P/1 – Como é o nome dos seus filhos?
R – É Rafaela e Isabela.
P/1 – Quantos anos eles têm?
R – Uma de três e uma de dez.
P/1 – E fora esse trabalho lá, seus filhos, quais são os seus costumes, seus hábitos hoje, o que você faz?
R – Olha, eu, acabou que o tênis acabou ficando na veia então...
P/1 – Daquela época?
R – É, porque lá na quadra eu, a gente já tinha, era pegador e poderia depois ser rebatedor e depois professor, e eu cheguei no nível de rebatedor que era quando a pessoa ia pra uma quadra de tênis, não tinha parceiro e contratava ali por meia hora, uma hora um rebatedor pra jogar eu tinha, eu cheguei nesse nível, então eu acabei jogando, assim, bem tênis. Mas é um esporte caro hoje você vai numa quadra de tênis, é caro a locação, é caro o pegador, então você vai jogar uam hora de tênis tem um valor então quando eu posso eu tenho, eu ainda tenho minha raquete é um modelo mais moderno, mas quando eu posso tem alguns amigos que às vezes: “Ô, Ricardo, vamos ali jogar um tênis” então eventualmente eu consigo saciar
a minha vontade de praticar esse esporte. Mas a minha vida, ela se resume praticamente lá na Comunidade Reviver, a gente tá numa demanda muito grande de trabalho em conseqüência dessas regularizações, dessas fiscalizações infelizmente, eu acho que isso é em toda área da sociedade, você tem pessoas que estão pra ajudar e tem pessoas que parecem que estão muitas vezes pra atrapalhar,né. Às vezes eu falo que às vezes a política da pessoa é: “Pra que simplificar se a gente pode complicar”, e às vezes as pessoas acabam, às vezes o processo podia ser tão mais simples e acabam gerando tanta burocracia, complicando tanto pra resolver coisas tão simples mas a gente tá a mercê de todo o sistema e não tem coisa que não dá pra gente fugir então, mas cria sim uma demanda de procedimentos e protocolos que a gente tem que atender.
P/1 – Ricardo, pensando nesses dez anos, em toda a sua trajetória de vida, a gente veio lá da sua infância até hoje, que balanço que você faz? Se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida você mudaria alguma coisa?
R – Não mudaria, não, não mudaria porque eu acredito que a gente não pode muitas vezes fugir de um chamado, acho que a minha vida seria muito ruim se eu tivesse fugido desse chamado tem uma passagem na bíblia que fala sobre Jonas às vezes eu falo muito pra eles às vezes a pessoa tá sofrendo na vida porque deixou de exercer o chamado que o poder superior, que o divino, que Deus trouxe praquela pessoa. E Jonas, Deus tinha um chamado pra ele, pra ele fazer um trabalho em Nínive e ele teimou em ir pra Társis e ele sofreu, ele só foi conseguir se reencontrar, conseguir voltar a ter uma comunhão com Deus quando ele decidiu atender aquele chamado, eu acredito que eu teria sofrido muito como conquistas pessoais e até me satisfazer no meu interior se eu não tivesse atendido esse chamado. E a satisfação que se tem de, do zero, do nada você com a fé simplesmente com a fé de acreditar que Deus, ele pode mudar, que o milagre acontece e vivenciar esses milagres, vivenciar o que a bíblia chama que: “O meu justo viverá pela fé, que eu nunca vi o justo a mendigar o pão” então isso, vivenciar isso é muito bom, é muito motivador. Embora os problemas que se passe porque nessa, quando a gente começa a viver com esse público atendido, dependência química, a gente acaba se frustrando muito, acreditando demais às vezes nas pessoas às vezes investindo em pessoas que às vezes não está no momento de receber aquele investimento e às vezes a pessoa tem uma recaída e ter todo um transtorno. Então eu já passei por muitas situações que às vezes eu, eu já cheguei ir lá pra Comunidade Reviver, lá em Itapecerica, e falar: “Vou fechar, vou acabar, isso é loucura”
e no meio do caminho Deus falar: “Meu, não é isso, não faz isso, isso é um momento, isso é uma fase, você vai superar” e do nada mudar e falar: “Vou tocar, vou continuar, e vamos pra frente e vamos fazer as coisas acontecerem” e as coisas acontecerem.
P/1 – Você tem um grande sonho, pequenos sonhos, um sonho, qual que é ele?
R – O meu sonho acho que é o, acredito que é o sonho que a sociedade, ela tá se manifestando agora que é o sonho de ter uma sociedade mais justa é o sonho de se ter uma política mais transparente é o sonho de se ter um sistema menos burocrático, que atrapalha muita gente. Eu tive muitos amigos que também tiveram esse incentivo que eu tive de montar uma casa de recuperação e pela burocracia, pela falta de interesse que muitas vezes o sistema tem de ajudar, eles acabaram fechando os projetos, as casas de recuperação. Então, e tem pessoas que hoje voltaram a vir trabalhar comigo, tentaram ir e até os ajudei também, falei: “Vamos montar um projeto” incentivei e pela burocracia acabaram se frustrando e voltaram hoje a trabalhar comigo, mas acho que esse é o sonho de todo cidadão, todo brasileiro, todo aquele que vislumbra a bandeira “Ordem e progresso”, se ter um sistema mais justo. Acho que essa mobilização nacional que a gente tá tendo hoje essa justiça na educação, na saúde, em todas as áreas, que eu acabo sentindo isso no dia-a-dia, se a gente não tiver essa determinação a gente desiste .
P/1 – Ricardo, o que você achou da experiência de contar a sua história de vida pro Museu da Pessoa?
R – Eu achei muito bom é gostoso quando a gente pode ser ouvido que a gente pode contar a nossa história. Essa semana eu tive uma reunião com algumas pessoas ligadas à administração pública, governantes e que acho que pela primeira vez eu pude falar da minha necessidade e ser ouvido isso é muito prazeroso, quando você consegue que pessoas dão atenção praquilo, praquela luta, por aquele projeto, pelo trabalho que se desenvolve. E a gente, nessa área específica existe um certo preconceito, eu já levei muito não, pessoas: “Eu não ajudo dependente químico”, já ouvi muito isso, pessoas que podem ajudar, pessoas que poderiam fazer um pouco a diferença na vida de outras pessoas e não fazem por preconceito porque um dia na vida se frustraram com o envolvimento com algum dependente químico e criou-se esse preconceito. Então nunca deixei de acreditar, já me frustrei muito com pessoas que eu tentei ajudar, mas isso, eu olho pro que dá certo eu olho por aquele nós socorremos e estão bem estão hoje tendo bons frutos é pra esse que eu olho, eu não olho pro que não deu certo. E infelizmente nem todas as pessoas pensam dessa maneira, eles se frustram, se fecham, criam preconceito e acabam não ajudando mas acho que é um processo na vida, na vida de cada um acho que é o momento na vida de cada um. Eu tive a minha época também de preconceito
e a vida me fez mudar me fez enxergar as pessoas com outro olhar isso me faz viver melhor, me faz me relacionar melhor com as pessoas, me faz trabalhar melhor então acho que cada pessoa ela tem o momento dela de aprendizado, de crescimento, de apego com Deus e etc..
P/1 – Eu queria agradecer em nome do Museu da Pessoa a sua linda entrevista.
R – Eu agradeço esse espaço de vocês e acredito que tantas outras entrevistas que vocês fizeram de pessoas maravilhosas, com lindas histórias de conquistas também e parabéns pelo projeto de vocês.
P/1 – Obrigada.
R – Obrigado.Recolher