P/1 – Senhor José Carlos, o senhor pode falar o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – José Carlos Rubino, 22 de março de 1933
P/1 – Onde?
R – Capital, São Paulo
P/1 – Fala um pouco sobre seus pais. Como é o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Minha mãe é Maria A...Continuar leitura
P/1 – Senhor José Carlos, o senhor pode falar o seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – José Carlos Rubino, 22 de março de 1933
P/1 – Onde?
R – Capital, São Paulo
P/1 – Fala um pouco sobre seus pais. Como é o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Minha mãe é Maria Amélia Rubino, Salvador Arthur Rubino, o pai.
P/1 – E seu pai nasceu onde?
R – Ambos nasceram na capital mesmo, São Paulo
P/1 – Você pode falar um pouquinho das suas origens familiares, os seus avós paternos de onde que eles são?
R – Os avós paternos, os dois, chamados de nonno e nonna
nasceram na Itália, vieram pra cá por volta de 1899, por aí, e já se radicaram direto. Se conheceram aqui, por sinal, por incrível que pareça. Os filhos todos nasceram aqui. Em 1910, por aí, já tinham propriedades no centro da cidade, na Rua Riachuelo, Quintino Bocaiúva. E os avós tinham açougue, inclusive aquela foto ilustrada que eu tenho que eles tinham negócio e moravam nesse mesmo local. Meu pai também nasceu na capital, nesse mesmo local onde eles tinham negócio
P/1 – O açougue era onde?
R – Na Rua Quintino Bocaiúva
P/1 – O açougue ficava lá?
R – Em 1910, eu tenho a foto dessa data, em que meu pai aparece com a idade de quatro anos
P/1 – O senhor trouxe hoje essa foto?
R – Essa foto aí, eu tenho. E da parte da minha mãe, avó era brasileira, nascida em São Paulo também, capital, e o avô, de nome Manuel Pereira, esse era português; morreu muito cedo, nem minha mãe chegou a conhecer propriamente porque estava com dois anos de idade
P/1 – Seu avô veio de onde, desculpa?
R – O avô materno era de Portugal, Manuel Pereira. E a avó, Maria José Pereira. Depois ela...
P/1 – Ela era de Portugal ou nasceu aqui no Brasil?
R – Ela nasceu aqui em São Paulo. Depois que ela ficou viúva ela casou e adquiriu um outro nome
P/1 – Por que seus avós paternos vieram pro Brasil?
R – Naquela época já era uma imigração quase obrigatória porque o pessoal lá da Itália sofria muito. E viram que estava aberto o mercado pros estrangeiros, principalmente pra Itália, que a principal imigração foi italiana. A base até hoje é a Itália. Veja São Paulo, que tem mais italiano do que em Milão segundo consta a estatística, já sabemos disso há muito tempo. E isso foi uma oportunidade que tiveram tanto ir pra lavoura como ficar pra capital. Meus avós não passaram pela imigração que tem na Almeida Lima, não passaram lá. Eles foram direto pro comércio e trabalharam aqui em São Paulo
P/1 – Seu avô veio com dinheiro de lá pra montar esse açougue?
R – Acredito que sim, porque se eles já adquiriram propriedade logo em seguida, inclusive até mausoléu no Cemitério na Consolação de 1917, você vê que tem uma distância grande e que eles já vieram possuindo algum bem. Adquiriram vários imóveis, inclusive aqui em São Paulo, na Alameda Santos, na Rua Riachuelo, na Rua Quintino Bocaiúva, vários locais, inclusive por causa desse poder econômico que eles já vieram possuindo
P/1 – E seu pai? Fala um pouco dele. Ele nasceu no centro?
R – Meu pai nasceu em São Paulo, trabalhou 40 anos numa firma só, na Drogasil e conheceu minha mãe no próprio local de emprego , se casaram em 1932. Ele se casou em 32, trabalhou na Drogasil
P/1 – O que ele fazia na Drogasil?
R – Até o final do tempo dele que ele trabalhou, ele chegou a Gerente do Armazem Geral
P/1 – Mas ele começou como?
R – Como funcionário comum. Trabalhando sempre no armazém, que era
depósito de medicamentos, que antigamente era na Rua Olímpia de Almeida Prado, ali na São João. E ela também trabalhou na Drogasil, mas na cidade, que tinha na Rua Direita, chamava Farmasil Amarante
P/1 – E como eles se conheceram, você sabe?
R – Como eu falei eles se conheceram no próprio trabalho, na Drogasil. Havia proximidade, eles estavam perto, então se conheceram lá porque frequentavam a Drogasil, frequentavam o mesmo ambiente
P/1 – Quando eles casaram eles foram morar onde?
R – Foram morar inicialmente na Rua Conde de Sarzedas, uma vila que existe até hoje. E de lá fomos pra Rua Glicério, eu já era crescido, tinha uns cinco anos por aí. E depois moramos na Rua Sinimbu, que é na Liberdade também, é uma paralela à Rua Glicério
P/1 – Essa Vila Sarzeda é onde?
R – Na Liberdade
P/1 – Na Liberdade
R – É uma travessa da Rua Conselheiro Furtado, é a primeira travessa à esquerda da Conselheiro Furtado pra quem vai pro bairro
P/1 – Já era um bairro de japoneses?
R – Exatamente. A origem era italiana mesmo, Liberdade, Bom Retiro, Brás, Mooca
P/1 – A Liberdade virou depois um bairro de japoneses, antes não era?
R – O japonês foi um pouco antes da guerra que começou a movimentar esse ambiente de japoneses porque até então, inclusive na Rua Galvão Bueno, que é o foco dos japoneses, meu pai tinha parentes que moravam lá, Família Graciano, que era o sobrenome da minha avó
P/1 – O senhor então nasceu na Vila Sarzeda
R – É, eles moravam na Vila Sarzeda
P/1- Quantos irmãos vocês são?
R – Eu sou filho único
P/1 – E como era essa casa? O senhor lembra?
R – Era uma vilinha
P/1 – E a casa era como?
R – Era uma casa térrea, simples, da época. Nem sei agora como está porque foi modificada tanta coisa na cidade, ali, no fundo dessa vila hoje virou um terreno do Tribunal de Justiça. Não sei qual é a utilização que eles têm lá. Acho que as casas, inclusive, poucas devem existir ou nem existem mais. Porque existia também na Travessa Ruggero, na Estudantes, isso foi posterior, eles também moraram lá porque eu me lembro que é uma travessinha e tem uma vilinha também, porque é tudo, era bucólico o ambiente de São Paulo. Aqui era um ambiente, parecia interior e ao mesmo tempo era um ambiente sossegado, tranquilo, todo mundo se conhecia porque pouca gente morava ali no local e todo mundo descendente de italiano, principalmente
P/1 – Nessa Vila Sarzeda, como era a vizinhança? Você lembra desse tempo?
R – Não, eu lembro muito pouco
P/1 – Você lembra mais de qual casa?
R – É, quando aos cinco anos eu fui morar na Rua Glicério
P/1 – Como era a Rua Glicério naquela época?
R – A Rua Glicério também, outra rua tipicamente italiana. Os amigos do meu pai, conhecidos da minha mãe, as amizades, a padaria de italiano que existe até hoje, 90 anos que existe essa padaria. Hoje ela é fechada, só vende no atacado. E vizinho de onde a gente morava tinha uma padaria, mas essa era de procedência de portugueses. A gente conhecia essa família que era vizinho da gente. Hoje é a Franciulli, virou pra italiano também . Tudo, vira vira é italiano
P/1 – E o senhor brincava na rua, quais eram suas brincadeiras de infância?
R – Propriamente na rua não porque eu sempre frequentei em casa e de casa ia pro colégio. Depois quando já mais adulto eu comecei a jogar futebol com o pessoal da vizinhança. Como era filho único eu convivia mais com adulto do que com criança, daí eu ter conhecimento de muita coisa porque eu me radiquei com as pessoas adultas
P/1 – Como era dentro da sua casa? Descreve um pouco seu pai como era, quem exercia autoridade, seu pai ou sua mãe?
R – Os dois se davam muito bem, coisa rara. Eles se davam muito bem. Ele trabalhou muitos anos na mesma firma, muito honrado inclusive, me elogiaram quando passaram essa informação. E ela trabalhou até eu chegar aos cinco anos de idade, depois ela se tornou só dona de casa. Morávamos na Rua Glicério, depois moramos na (interrompido)
P/1 – Mais quais as características do seu pai? Ele era bravo, era mais tranquilo?
R – Era calmo, calmo. Mas como todo italiano calabrês é esquentado. Então, dava aquele cinco minutos de italiano, mas depois passava. Eu sou da mesma característica, se eu ficar nervoso agora, der aqueles cinco minutos, daqui a pouco eu estou rindo, conversando, quer dizer, a coisa é tranquila nesse jeito. Agora, gênio todo mundo tem, ele tem uma característica: teimoso . Como todo calabrês
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe, muito sossegada, muito dona de casa, muito centrada, muito assim, respeitável. Uma pessoa elegante. Ela trabalhava na cidade, eu tenho foto na Rua Direita, em que ela ia de tailleur
P/1 – Você trouxe essa foto?
R – Não trouxe, esqueci completamente
P/1 – Mas depois o senhor traz
R – Na Rua Direita, junto com meu pai. Ele de terno, chapéu, segurando o jornal, quer dizer, a elegância paulistana, o típico paulistano. A Rua Direita naquela época, eu não cheguei a ver, mas contam que passava bonde na Rua Direita, a calçada é estreitinha e mesmo assim ainda passava bonde quase encostando no pessoal que passava na calçada de tão estreita que era . Eles frequentavam aquele local porque meu pai trabalhava, e ela também trabalhava, no centro. Se encontravam ali, e assim que foi. Ela muito tranquila, muito calma
P/1 – Como é que eles eram com você em casa? Eles contavam histórias? Como era sua relação com eles?
R – É o que eu falo, baseado não só neles dois porque eu convivi com adulto e quando eu fui morar nessa casa da Sinimbu, aí já fui morar com uma tia avó e ela também tinha história porque ela também nasceu em São Paulo, também era paulistana, quer dizer, a gente tá sempre centrado naquele ambiente de ouvir coisas características, coisas tradicionais. Tenho objetos e coisas que constam daquela data, como até relíquias, vamos chamar de relíquias. Eu tenho um São João Batista que tem por volta de 200 anos, está comigo . Então sou bem característico desse tipo de coisa, admirador
P/1 – Que histórias que o senhor escutava?
R – Histórias de São Paulo e de todo tipo.
P/1 – Conta uma, descreve pra gente essas histórias
R – Vamos começar pelo quê? Pelo bairro propriamente. O bairro, como te disse, era tradicional, e as pessoas que se conheciam frequentavam a casa umas das outras
P/1 – O bairro da?
R – Liberdade. Sempre Liberdade, eu nasci no bairro da Liberdade, minha mãe nasceu na Rua Tabatinguera, pra você ter uma ideia como era bem paulistano o ambiente. Então a gente conservava essa tradição e eu procuro manter essa situação, gosto muito disso, sou vaidoso
P/1 – Conta a história pra gente
R – Tem muita coisa que eu posso contar. Aniversário era feito nas casas, um ia na casa dos outros, frequentava. Casamento. Já ouviu falar em casamento que a festa era na casa? Hoje é buffet, mas nas casas
P/1 – Conta um casamento, uma dessas festas, descreve uma
R – O casamento da minha prima, em 46, foi nessa casa da Sinimbu. O pai dela pediu pra usar a minha casa porque onde ele morava não era muito adequado pra fazer uma comemoração nesse estilo. Então foi na minha casa que essa minha prima casou, em 46
P/1 – Como é que foi esse casamento, você lembra dele?
R – Lembro, lembro. Eu estive presente porque minha mãe e meu pai foram os padrinhos, eu me lembro. Eu estava com 13 anos na época. Foi feito o casamento na Igreja, agora você me pegou, acho que foi na Igreja da Paz, na Rua Glicério, que é dos italianos também. Essa Igreja da Paz, eu lembro bem quando ela foi fundada. Ela era uma capela de madeira, e veio da Itália o Padre Mario que morava em uma casa em frente, que veio com os outros padres italianos. Aí eles começaram atividade religiosa e começou a aglutinar a população do bairro a frequentar. Tinha aquele Congregado Mariano, Filha de Maria e aquela coisa toda de comemoração religiosa, atividade religiosa. Aí depois, como a coisa progrediu, eles resolveram construir a igreja propriamente dita, que está até hoje, datada de 42, por aí, nessa data. Eu vi a pedra fundamental dessa igreja que veio o governador, nessa época acho que era o Ademar de Barros, que ele oficializou com a pedra fundamental a construção da igreja que está até hoje lá, é uma igreja comemorativa e que todo primeiro domingo do mês é feita uma festa italiana, cada vez de um lugar. Nápoles, então servem as comidas de Nápoles. Calábria, servem as comidas calabresas
P/1 – É da igreja essa festa?
R – É, todo primeiro domingo do mês. E assim que foi o início dessa igreja e até hoje funciona dessa forma, é tradicional essa igreja também. Ali ao lado, ali tem a fábrica de cigarros Sudan, incrível, igreja com cigarro, não combina bem mas, em todo caso, quem não gosta de cigarro faz essa distinção . E tinha o Parque Xangai na própria Rua Glicério, no início onde hoje tem o início do viaduto da Radial Leste, era ali naquela localidade. E a Rua Glicério era tipicamente residencial, pouca coisa tinha de comércio, pouca coisa, a maioria era residência, famílias tradicionais. Como eu, até hoje conheço, de família Stama, que tinha até loja, que morava lá. que é colega meu de infância também, que a gente frequentou o mesmo colégio. Tinha uma farmácia também de esquina da Rua Glicério com a Barão de Iguape que também era tradicional italiana, que até hoje eu conheço o neto. Tudo italiano, a base é toda italiana
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – Brincadeiras? É o que eu falei pra você, propriamente brincadeira era em casa, só quando eu (interrompido)
P/1 – Brincava do quê?
R – Mil artes, até a hora que minha descobria e me pegava
P/1 – Que tipo de arte?
R – De fazer coisa de... Estragar coisa eu nunca estragava, eu inventava de fazer muito pipa, balão. Nessa época de junho, pegava as férias de julho e ficava fazendo balão, pipa, tinha lugar pra empinar pipa e assim eu me envolvendo com esse tipo de atividade. Depois é que eu comecei a jogar futebol com o pessoal do bairro na várzea que existia, depois acabou tudo. Aí eu fui pro clube, no qual eu fiquei sócio por 50 anos, saí agora recentemente
P/1 – Que clube?
R – Associação Atlética São Paulo, tradicional, a Maria Lenk, nadadora, era de lá; o Mosquito, jogador de basquete, campeão mundial, é de lá também. Rosa Branca, um jogador de basquete, também é de lá
P/1 – Onde fica o clube?
R – Esse clube fica na Avenida Tiradentes, final dela
P/1 – Existe ainda?
R – Sim. É de 1914, a mesma idade do Palmeiras. A minha atividade é também isso, é gostar do Palmeiras, meu pai era palmeirense, não podia fugir à regra . Eu tenho a carteira do meu pai de sócio de 31, ainda era solteiro. Eu usava esse tipo de coisa, de atividade, em casa como brincadeira, fazia parte. Distração minha era ver futebol, colecionar. Eu tinha, como eu sempre gostei de rádio, eu ficava fazendo, escrevendo, ouvindo rádio, como conhecia muito e sempre gostei, até hoje, apaixonado por rádio, eu ficava escrevendo como se fosse fazer um programa de rádio, que no fim, uns anos depois, eu vim fazer programa de rádio, produção . O que eu sempre gostei, no meio artístico eu conheço muita gente até hoje
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Com quantos anos o senhor começou a escrever como se tivesse programa de rádio?
R – Uns cinco, seis anos já gostava de rádio porque ouvia, conhecia, a rádio pela voz do locutor, eu identificava
P/1 – Com cinco anos já?
R – É, eu sempre fui um apaixonado
P/1 – Que programas de rádio tinha naquela época?
R – Programa musical, programa humorístico principalmente, eu gosto muito de humorismo, então, admirava os humoristas da época, Jararaca e Ratinho, PRK-30 que era um programa tradicional de toda semana que eu tenho, inclusive, CD gravado desses programas humorísticos. PRK-30 era muito admirado porque era um programa humorístico e, ao mesmo tempo de humorismo sério, puro, sem malícia, sem maldade, sem pornografia, e inteligente ao mesmo tempo. Que hoje, a gente ouvindo, era um programa que era de 49, 50, que hoje ele é atualizado nas piadas que a gente ouve hoje, é atualizado, porque tinha naquela época, existem hoje até pior daqueles que eram usados como gozação, como piada. Então isso foi uma das coisas, características que eu sempre gostei de apreciar
P/1 – E música, o que tocava?
R –Eu só ouvia, se for tocar...
P/1 – Não, o que tocava de música no rádio?
R – Ah, música brasileira o principal. E gostava muito também de música americana, fox, swing. Tinha um programa Ritmo na Rádio Gazeta, no qual eu ouvia todo dia, era às cinco horas da tarde, das cinco às seis. A Rádio Gazeta também foi um pólo de entretenimento, foi uma das principais. O slogan dela já era: “Mistura de elite”. Então eu sabia todos os slogans das rádios nessa época
P/1 – Quais eram os slogans?
R – A Rádio Difusora, “A voz do som de cristal”. A Rádio Record, “A maior”. Bandeirantes, “A mais popular emissora paulista”, e assim por diante
P/1 – Você lembra de mais alguma?
R – Lembro. Rádio Cultura, “A voz do espaço”. Rádio Tupi, “A mais poderosa emissora paulista”. Tinha o grande jornal falado de Tupi, que era do Corifeu de Azevedo Marques, tem o nome de avenida, inclusive, e vários outros programas
P/1 – Que música que o senhor gostava de escutar,que tocava bastante na rádio e você adorava?
R – Música brasileira como eu disse
P/1 – Qual?
R – Eu sempre gostei de samba, chorinho. E música americana, aquelas orquestras famosas, Tommy Dorsey, Artie Shaw e assim por diante. E na Rádio Tupi tinha as grandes orquestras, Luís Arruda Paes, Osmar Milani que era da Rádio Nacional. O Sylvio Mazuca da Bandeirantes
P/1 – Tem uma música especial que te marcou, que você gostava de cantar, sabe toda a letra?
R – De música brasileira eu gostava de muita coisa, agora lembrar assim propriamente, porque... Custódio Mesquita, um fox chamado Mulher. É muita bonita essa música, até hoje a gente ouve, foi gravado tanto cantado como só instrumental, orquestra de Luís de Arruda Paes, que gravou esse fox
P/1 – Mulher?
R – Mulher
P/1 – Você sabe um pedacinho?
R – Ah, não lembro agora. Eu lembro que o Custódio Mesquita, ele é falecido em 41. Você vê que não dá pra lembrar a letra assim porque eu ouvindo agora, mas lembrar de momento. A orquestrada é muito bonita também. Música do Nelson Gonçalves, do Orlando Silva. Só não gostava de Vicente Celestino, não aguentava ouvir Vicente Celestino , não se porque, não dava pra ouvir. E até hoje eu conheço todos esses repertórios. Carlos Galhardo, que inclusive tenho até o autógrafo dele e assim por diante. Francisco Alves, que era Confete, música de carnaval. É mais esse tipo de música que a gente recorda, vai lembrando à medida que vai ouvindo. Porqueouvir música de rádio é assíduo até hoje, eu vou dormir com o rádio ligado e passo ouvindo rádio, eu sou um rádio mania . Então assim que a gente conviveu e eu procuro manter esse estilo
P/1 – O senhor estudava numa escola perto da sua casa?
R – É, o Colégio Nossa Senhora do Carmo é na Rua do Carmo, onde hoje está o Poupatempo. Para eu ir lá, da minha casa ao colégio não demora 15 minutos porque eu subia a Rua Barão de Iguape, Rua Conselheiro Furtado, Praça João Mendes, Rua Anita Garibaldi, onde tem o Corpo de Bombeiros, já estamos no colégio
P/1 – O senhor ia a pé?
R – Ia a pé
P/1 – Sozinho?
R – No começo minha mãe levava, aí depois eu comecei, aquele negócio de moleque: "Você não vai me levar mais que vão dar risada de mim” . Aquele negócio, aquela coisa de criança. E depois eu ia sozinho, lógico, já era grande pra ir junto todo dia. Na época tinha uns colegas que eu lembro, tal, que tinha até chofer particular, mas aí é outra história, outra situação, mas eu conheci, a minha mãe fez amizade com mães que iam esperar os filhos no colégio. Até hoje eu mantenho amizade com um deles que a gente se encontra nuns jantares que até hoje promove do pessoal dessa idade. Isso por volta de 42, 43
P/1 – Do que o senhor gostava na escola?
R – Do que eu gostava? Eu gostava muito de brincar, de brincadeira. Lá sim, se tinha lugar pra brincadeira, pra fazer gozação, era na escola , que geralmente tinha reclamação . Minha mãe ficava, era chamada pra ir lá e depois eu tinha que ouvir o sermão. “No seu colégio falaram que você faz isso, você fica conversando muito”, isso é típico meu, falar 25 horas por dia já é praxe. Eu ficava falando, fazendo brincadeira, contando piada e os outros rindo às minhas custas , então isso comprometia o ambiente. Eu ouvia sermão quando chegava em casa, pediam pra chamar: “Eu quero falar com sua mãe”. Depois que eu ouvia o sermão em casa. Mas não adiantou muito não
P/1 – Tem alguma professora que o senhor lembra que tenha te marcado?
R – Era tudo homem, professor. Era um colégio totalmente masculino e os professores eram homens. Era Congregação dos Irmãos Maristas, que foi fundada na França pelo Padre Champagnat, no qual eu mantenho esse conhecimento, conservo esse ambiente, frequentei e frequento até hoje, participei de vários eventos por causa desse tipo de acontecimento, então, sou procurado para eu participar de todos esses eventos porque eu tenho muita história que eu posso contar. Esse livro que eu trouxe, inclusive, que consta a história da fundação do colégio e a data de matrícula de cada aluno, desde 1899. Então ali tem Guilherme de Almeida, Vicente Rao, tudo pessoal que, na época ilustre, frequentou e começou estudando no Colégio Nossa Senhora do Carmo. O colégio teve tradição por causa desses nomes tradicionais e ilustres que estiveram lá. Isso tudo faz parte do meu conhecimento e a minha participação tem sido assim, me convocam pra participar dessas coisas
P/1 – E tem algum professor que o senhor lembra o nome?
R – Ah, lembro de todos
P/1 – Quem eram?
R – Quando entrei, em 42, como te falei era irmão marista. É Irmão Luis Severino, esse nome não é nome próprio, é nome artístico . Depois Irmão Tarcísio, no terceiro ano. No quarto ano, Irmão Máximo, ele era o máximo e depois tirou a batina . Depois, esse Irmão Máximo também passou pro primeiro ano ginasial. Irmão Valter, também segundo ano. Irmão Caetano, também, tirou batina. Isso não era nenhum crime porque eles não eram padres. Quando o padre tira a batina, ‘ah, o padre tirou a batina’. Não é nada disso, lá era uma congregação, uma ordem religiosa, aquele lá era um leigo, ele usava batina porém, não havia nenhum crime, nem implicação nisso. Tiravam porque queriam, por ganhar mais, tal. Irmão Dionísio também, no quarto ano, eu me lembro desse irmão. E assim foi. Irmão Miguel Eduardo que era o reitor. Até com o Irmão Miguel Eduardo eu fiz piada. . Posso contar?
P/1 – Pode
R – Foi o seguinte. Havia reclamação, moleque sempre foi moleque, hoje a coisa descambou pra um outro ambiente, mas naquela época era uma brincadeira sadia, sem malícia, sem maldade, sem agressão. O Irmão Miguel Eduardo recebeu uma queixa do nosso professor, o Irmão Francisco Xavier que eu esqueci de citar, que nós estávamos fazendo muita bagunça, desleixo no estudo e, ao mesmo tempo, fazia só brincadeira, não ligava pra nada, não levava a coisa a sério. Então ele chegou na classe, se pôs no meio da classe se apoiando nas carteiras, e eu sentado lá no fundo. Eu sempre gostei de sentar no fundo porque era o local, o foco da brincadeira . Ele chegou, começou a fazer o sermão dele: “Vocês não estudam, vocês não se aplicam, vocês precisam estudar, vocês precisam recordar. Mas para que recordar?”. Na época tinha um bolero com esse nome, eu levantei. Quando ele falou: “Para que recordar?”, eu falei: “Bolero” . A classe inteira, caiu todo mundo na risada, a cara dele ficou . Esse reitor Miguel Eduardo era alemão, era vermelhão assim, e como era alemão botaram o apelido de Chopp , Chopp alemão. Então todo mundo tinha apelido. Esse Irmão Francisco Xavier, ele era careca e na época tinha um palhaço chamado Piolim, chamava ele de Piolim . Eu sempre levei na gozação, eu levei a coisa sempre na brincadeira. Era lazer misturado com amenidades . Então isso foi o modus vivendi na infância, juventude e adolescência
P/1 – E nessa infância o senhor andava pelo centro, ia no açougue do seu avô?
R – Não, eu não conheci
P/1 – Você não chegou a conhecer o açougue?
R – Não, não conheci. Aquela foto é quando meu pai tinha quatro anos
P/1 – Mas você ia no trabalho do seu pai, da sua mãe, no centro? Você andava pelas ruas do centro?
R – Muito pouco. Às vezes minha mãe me levava na Farmasil Amarante, ali na Rua Direita, esquina com a Quintino Bocaiúva, fazia um contorno assim, perto de onde era a Rádio Record. Ali eu frequentava, tanto é que eu tenho uma foto na Rua Direita junto com os dois. Uma foto parecida com a que eu trouxe aí, eu me lembro por causa da roupa
P/1 – Essa você não trouxe da Rua Direita?
R – Não, a da Rua Direita foi a que eu esqueci completamente. E tava num outro lugar
P/1 – Ah, essa que eles estavam elegantes, que o senhor faleu
R – É, ela de chapéu com aquela renda assim, tailleur
P/1 – Ah, vamos atrás dessa foto
R – Tá comigo, mas eu preciso pegar, tá em outro lugar
P/1 – E a adolescência? Como é que o senhor foi crescendo, como é que foi sua adolescência, descreve ela pra gente
R – A adolescência foi também dessa fase das gracinhas que eu fazia
P/1 – Continuou no mesmo colégio?
R – Tudo dentro do colégio
P/1 – Mas ficou na mesma escola?
R – É, sempre na mesma. Eu fiquei dez anos nesse colégio
P/1 – Mas aí você fez o quê, Clássico?
R – Aí eu fui pro São Luís fazer o Clássico
P/1 – Colégio São Luís?
R – É, na Avenida Paulista. Lá era outro ambiente, estranhei completamente e tal. Mas acontece que na infância, adolescência e juventude, teve um fato pitoresco. Minha mãe me levava no médico homeopata e ele me conheceu, me tratando, tinha quase uns nove, dez anos, por aí. E fui por muitos anos, até adulto ainda era cliente desse médico aí, na Rua Riachuelo, número 75. Precisa mais memória? . Aí, esse médico, a minha mãe ia junto e eu ficava fazendo gracinha lá e ele dando risada. Aí um dia ela falou pra ele assim: “Doutor, ele não para com esse negócio, com essas palhaçadas, brincadeiras” “Deixa, é próprio da adolescência”. Passado um tempo, ela falou: “Mas doutor, ele não para com essa adolescência” “Se ele é assim, deixa. É o jeito dele, deixa, não mexe”
“Não tem um remédio pra ele parar de fazer isso?” . Era sempre movimentado o negócio nesse sentido, baseado mais nessa brincadeira. E até hoje as pessoas com as quais eu convivo sempre baseado nas brincadeiras porque a gente se encontra sempre baseado naquilo que a gente viveu, como se a gente encontrasse hoje com a idade que a gente tem, dá aquela nítida ideia que a gente tá vivendo aquele ambiente
P/1 – Quais eram os seus programas na adolescência? O que o senhor fazia?
R – Programas?
P/1 – O que o senhor fazia, onde o senhor saía
R – Cinema. Tinha um cinema perto de casa, dois cinemas, um na São Joaquim e outro na Praça Almeida Júnior, que chamava Largo São Paulo, era o Teatro São Paulo, onde passa hoje a ligação leste-oeste. Faz pouco tempo , mais de 70 anos. Mas acontece que ali eram os locais mais frequentados por um pessoal mais de respeito, não via esse ambiente que a gente tá vivendo. Então, o Cine Capitólio tinha, aos domingos a gente ia numa matinê, que chamava Matinê. Ah, o Cine Santa Helena da Praça da Sé também, foi tradicional, onde está o metrô Sé, ali também eu conheci muito. Cine Mundi que era encostado. O Teatro São Paulo é, como eu falei onde hoje é a passagem do leste-oeste, era uma praça Almeida Júnior e lá eu conheci até artista, que eu fui em show lá com Lamartine Babo que é conhecido. Lamartine Babo é um carioca que fez todos os hinos dos clubes do Rio
P/1 – Mas quando o senhor fez show com ele? Mais pra frente?
R – Ah sim, eu já era adulto
P/1 – Mas que filmes que passavam? O senhor lembra de algum filme dessa época?
R – Boa pergunta. O filme mais interessante eram os musicais da Metro, Escola de Sereia, com a Esther Williams que faleceu há pouco tempo. Shirley Temple também. Irmãs Dione também, que é da época. Esses filmes eram tradicionais. Porque eu sempre gostei de música, então esse Escola de Sereia era totalmente musical, com a Esther Williams, que era nadadora. E tinha a Orquestra Xavier Cugat que tocava nos filmes, isso que era o forte do cinema na época, que era da Metro, filmes da Metro. Como os Estados Unidos mostravam aquela modernidade toda, aquele luxo tudo, era um filme de alto luxo. Os Cines Ipiranga, da Avenida Ipiranga, Art Palácio, o Broadway, o Ópera, tudo no centrão também
P/1 – Você ia em todos esses?
R – Ia. O Cine Ópera na Rua Dom José de Barros, entrada pra Dom José de Barros, hoje tem uma galeria. Tinha uma escadaria e a plateia era bem lá no alto e depois, a tela era completamente diferente do que a gente vê hoje. E o Cine Ipiranga tinha encostado o Hotel Excelsior, que não existe mais, e ali tinha o Pullman, o Pullman era selecionado, era mais caro , era todo aveludado. Embaixo a plateia, e em cima, como se fosse um mezanino, Aero Pullman. O Cine Metro, lá embaixo no 800 e pouco da Avenida São João também era outro cinema tradicional. E assim por diante. O Broadway na Avenida São João, na direita
P/1 – Qual foi um filme que te marcou assim, você lembra? Que ficou com ele na cabeça?
R – Esses musicais da Metro eu sempre gostei. Negócio de aventura, negócio de faroeste não é comigo não, eu não acho graça nisso. Eu sempre gostei de coisa alegre, negócio de guerra, de dar tiro não era comigo não, nunca gostei disso. Até hoje, esse negócio de filmes nesse estilo não é, então sempre os musicais mesmo da Metro que os mais interessantes
TROCA DE FITA
P/1 – E locais, o senhor passeava com amigos, tinha baile, festa na casa dos outros?
R – Boa pergunta também. Uma das diversões minhas era carnaval, sempre gostei de carnaval. Se tivesse seis bailes, seis dias, os quatro dias, eu começava no sábado e ia até quarta-feira, quarta-feira chegava sete horas da manhã em casa , pra festejar dignamente. Mas eu sempre gostei, frequentei o Palmeiras, o Pacaembu que tinha a Orquestra Arlindo e seus Pinguins. O Palmeiras era o Záccaro uma época. Qual é o outro que eu frequentei? Tietê uma vez só
P/1 – Juventus?
R – Juventus, eu não fui no Juventus. Juventus eu conheci recentemente. Porque também acabaram os bailes de carnaval. Então a gente frequentava esses que a gente já conhecia bem e que gostava de ir
P/1 – O senhor se fantasiava?
R – Não, não. Ah, o Odeon, Cine Odeon. Tinha um cinema antigo que era transformado em salão de baile no carnaval, que era na Rua da Consolação. Hoje tem um prédio que parece que a Varig ocupa uma loja lá. Ali era também um dos tradicionais dessa cidade. E assim por diante, porque o restante depois não tinha muita... O Pinheiros eu sei que tinha, mas não frequentei
P/1 – O que tocava nos carnavais naquela época?
R – Jardineira, aquela Mamãe eu Quero. Como eu te falei, Confete do Chico Alves, uma marchinha de carnaval, tem várias outras. Marcha do Caneco que é de um amigo meu compositor
P/1 – Qual é a Marcha do Caneco?
R – “Chegou a turma do funil, de caneco em caneco já se foi mais um barril” , mais ou menos assim. Então esse amigo meu é compositor dessa música e essa música foi muito tocada. Agora não tem mais baile não sei, não posso afirmar, porque direito autoral nesse país também já era, inclusive estão reivindicando agora, os artistas mais famosos porque o direito autoral sempre foi (interrompido)
P/1 – E você ia com quem nos bailes?
R – Com os colegas, mas cheguei a ir sozinho, sabe? E me saía bem quando ia sozinho, por incrível que pareça
P/1 – O senhor namorava nessa época? Já teve uma paixão?
R – Com certeza
P/1 – Qual foi sua primeira paixão?
R – Paixão acho que é meio...
P/1 – Ou a primeira pessoa que você gostou?
R – É problemático. Aos 14 anos eu conheci uma menina que morava no Ipiranga. Fui conversando, mantendo amizade e tal, de um tempo só, ela tinha 14, eu tenho 15, 16 por aí. Aí um dia ela falou pra mim: “Eu sou a sobrinha do Capitão Furtado”. Como eu conhecia Rádio Cruzeiro do Sul, que depois virou Emissora Piratininga: “Ah, o caipira do rádio?” , que era o slogan desse Capitão Furtado, que era um artista de música sertaneja, contava piada e tal. Até nisso eu fui ligado ao rádio . Essa foi a primeira, durou pouco, era fogo de palha, não era coisa pra se manter. Levava na brincadeira, encontrava aqui ou ali, dava o nome errado, quer dizer, sempre levei a coisa na brincadeira , nunca nada a sério. Tanto é, abre um parêntese, que eu casei com 40, novinho novinho
P/1 – Namorou bastante
R – É, levava a coisa na brincadeira, ficou na gozação. Nada sério. Porque acho que não existe esse negócio de amor e paixão, é um pouco de hipocrisia e eu não sou desse tipo não, eu gosto muito de ser sincero e leal comigo mesmo
P/1 – E na adolescência, o senhor tinha alguma coisa, seu pai ou sua mãe, alguém tinha uma expectativa pra que você seguisse alguma profissão?
R – Inicialmente eu queria fazer Advocacia, isso foi descartado logo de cara porque eu não gostei do ambiente do São Luís e fui esquecendo essa coisa. Aí comecei a trabalhar aos 20 anos, nào comecei garoto, não, comecei aos 20 anos. Comecei já no ambiente que eu sempre gostei e quando eu tava com 25 anos eu fui fazer Jornalismo, eu fui repórter do Último Hora, um jornal do Rio
P/1 – Mas você começou a trabalhar com 20 anos, mas antes o senhor não tinha feito faculdade
R – Não, acabei não fazendo
P/1 – E o que os seus pais faziam? Tinha alguma cobrança pro senhor fazer faculdade?
R – Não, era coisa minha mesmo, sempre tive livre arbítrio, nunca ninguém impôs ideia, deu alguma sugestão porque eu nunca aceitei esse tipo de coisa. Eu sou eu mesmo e nada mais. Então eu deliberei de fazer dessa forma minha vida, meu programa de vida. Quando eu estava no jornal pra trabalhar como repórter...
P/1 – Mas com 20 anos o senhor foi trabalhar onde?
R – Comecei a trabalhar com meu pai, onde ele trabalhava, na Drogasil. Mas não durei muito tempo porque eu não aguentava ficar fechado, meu negócio nunca foi ficar fechado, nem receber ordens, sempre fui muito livre das coisas, então o ambiente não me servia
P/1 –Aí o senhor saiu de lá
R – É, os dois ou três lugares que eu fiquei interno não foi sucesso
P/1 – Depois de trabalhar com seu pai você foi trabalhar onde?
R – Depois eu fui trabalhar numa agência de turismo, na Splinter, na Rua Barão de Itapetininga, número 111. Ali já comecei a mudar de ideia, externo, já comecei a conhecer pessoas fora, fazia serviço de um certo nível, Banco do Brasil, relacionamento com banco, já tive outro ambiente. Aí depois eu saí de lá e entrei no jornal A Última Hora pra ser repórter. Porque eu queria fazer Jornalismo, que era meu objetivo. No que eu estava no jornal fazendo reportagem, trabalhando com o Ignácio de Loyola Brandão, inclusive, que foi um mestre, é um gênio no jornalismo. E apareceu, de uma hora pra outra, a minha ideia de procurar uma agência que eu tinha deixado meu nome lá há algum tempo. Chego lá na agência
P/1 – Agência do quê?
R – De emprego
P/1 – De emprego
R – Estava já um envelope pronto me esperando lá. Esse aqui é um endereço, uma companhia de seguros. O que eu fiz? Na mesma hora que eu saí de lá já fui, no mesmo dia, logo depois, na Rua da Boa Vista, ali na Libero Badaró, já fui lá nessa companhia de seguros, ainda era fim de tarde. Já me entrevistaram, perguntaram, fizeram o teste: “Pode começar segunda-feira”. Eu falei: “Pô” . Porque no jornalismo foi a mesma coisa. Eu, através de conhecimento de pessoas do rádio, João Batista Lemos que era uma grande jornalista na época
P/1 – Mas pera aí, o senhor começou o trabalho na companhia de seguro?
R – Então, foi o que eu, até hoje.
P/1 – Ah, você entrou na companhia de seguros?
R – Aí que entra o perigo do negócio. Quando eu comecei na companhia de seguros eu tive que largar o jornal. Como eu ia fazer as duas coisas?
P/1 – Mas quando o senhor entrou no jornal?
R – Em 58
P/1 – Mas o senhor fazia outro emprego e trabalhava no jornal?
R – Não, não. Quando eu tive essa parada, eu estive na Splinter, depois eu fui. Deixa eu me lembrar. Da Splinter eu comecei a procurar um outro ambiente e fui ser repórter
P/1 – Mas por que você escolheu jornal, ser repórter?
R – Porque sempre gostei dessa vida, de ambiente de rádio, jornal, televisão
P/1 – Mas você não tava fazendo faculdade ou já tava?
R – Não é o que eu tava falando, eu ia fazer, já tava com a programação toda da Cásper Líbero para eu fazer Jornalismo na Cásper Líbero, eu tava inclusive com o programa todo. Aí, quando apareceu a companhia de seguros eu larguei e fui obrigado a abandonar
P/1 – E o jornal o senhor entrou quando, depois da companhia?
R – Não, antes, antes. Eu larguei o jornal pra entrar na companhia
P/1 – Aí em que ano que o senhor entrou no jornal?
R – 57, 58
P/1 – Como é que o senhor conseguiu esse trabalho?
R – Na Rádio América, que era na Consolação, esquina com São Luís, onde tem padock, um prédio e um estacionamento, ali a Rádio América era frequentada por artista, por jornalista, tal. E eu conheci o João Batista Lemos que era um grande jornalista. Ele, através de uma carta, indicou meu nome para eu ir falar com essas pessoas, que era o chefe de redação, um tal de Miranda e Jordão, um carioca, que esse jornal era do Rio, o Última Hora era do Samuel Wainer. E eu fui pra lá com essa carta, esse Miranda Jordão disse para eu voltar na segunda-feira próxima. Tá bom. Aí uma segunda-feira seguinte, à noite, eu fui lá. “Pode começar amanhã, vai ser repórter”. Vai ser repórter de um dia pro outro, rapidinho?
Será que sou tão bom assim? Me senti todo vaidoso, todo homem honrado de ter essa deferência, de ser aceito assim rapidinho. E comecei. Me saí bem. Aí que entrou a compania de seguros no circuito que aí depois...
P/1 – Onde que ficava o jornal?
R – Onde está hoje o Metrô São Bento
P/1 – Que jornal era?
R – Última Hora, Samuel Wainer
P/1 – Última Hora. Quanto tempo você ficou?
R – Quase um ano
P/1 – O que o senhor fazia lá?
R – Repórter
P/1 – Fala alguma...
R – Várias reportagens
P/1 – Que te marcou
R – Eu tenho, inclusive, podia ter trazido até, mas é muita coisa, sabe? Eu tenho, esse Jordão me chamou: “Vai fazer essa reportagem”, tava começando. Chamavam de foca. Aí eu fui a uma exposição de orquídeas no Ibirapuera, pra minha honra, pra minha vaidade, o título da reportagem é meu. “Orquídeas de todo mundo na mostra do Ibirapuera”. Tem as fotos, a diretora Marta Rabo, que eu lembro até hoje o nome dela, que era a diretora, que mostrou, eu passando tudo, escrevendo os tipos de orquídeas. E uma foto em que aparece uma garota nova de uns 14, 15 anos, olhando assim uma orquídea, e a legenda da foto: “Duas maravilhas da natureza, a garota e as orquídeas” . Tudo isso da minha cabeça. Fiz uma no Largo São Francisco, na Faculdade de Direito, candidatos mal preparados têm culpa na reprovação em massa. Aquela história que houve uma modificação no ensino e isso foi prejudicial para os que estavam fazendo Faculdade de Direito. Inclusive eu entrevistei os maiores mestres da época, catedráticos mesmo, Ataliba Nogueira, Basílio Garcia, Jorge Americano e assim por diante. Fui entrevistar um a um dentro da faculdade. Isso pra mim foi a glória, eu fiquei todo.
P/1 – Aí o senhor decidiu fazer Jornalismo?
R – Decidi não, eu fui ter a ideia de procurar essa agência de emprego e saí
P/1 – Mas por que o senhor foi procurar um emprego se o senhor já estava no jornal?
R – Simples curiosidade, porque foi justamente na sexta-feira, acabou meu horário no jornal era umas cinco horas, terminou meu horário. Acho que eu fiquei das dez às cinco, uma coisa assim, grade de jornalismo é seis horas. Eu saí de lá, deu uma coisa de ir nessa agência não sei porque. Chegando lá, um envelope pronto com o meu nome para eu ir nesse endereço . Foi isso, nada mais
P/1 – Aí chegou lá e você preferiu ficar no seguro, o salário era melhor? Por que o senhor preferiu?
R – É, acabei preferindo ficar lá. Porque aí eu fiz ambiente na companhia, era externo
P/1 – E o salário era melhor?
R – Inicialmente era, inicialmente foi mais interessante nessa parte financeira, porque eu não sabia se aquilo ia servir como meio de subsistência ou se eu ia ficar ali como estagiário e não ia ter nenhuma vantagem, na época eu optei pelo ganho, o fator foi esse. Aí fiquei cinco anos como funcionário, depois disso passei a ser autônomo
P/1 – Mas junto com o seguro o senhor entrou na faculdade, como é que foi?
R – Não, eu não entrei, eu não fiz
P/1 – Ah, o senhor desistiu de fazer Jornalismo
R – É, porque tinha que optar por uma coisa ou outra. Porque na época, inclusive, eu também estava no meio de rádio e televisão, eu estive numa escola de rádio e televisão da Vida Alves, aquela artista conhecida. Essa escola, eu fazia uns cursos de locução
P/1 – Junto com a companhia de seguro?
R – Não, não, antes
P/1 – Então vamos contar de antes, vamos trazer antes da companhia, senão eu fico voltando na companhia
R – Tudo antes
P/1 – Então vamos falar de antes e depois a gente fala da companhia
R – Entrei na companhia, e quando eu estava na companhia eu estava fazendo figuração na Tupi e também fui obrigado a largar por causa disso, porque era chamado durante o dia, como eu ia largar o emprego pra ir fazer gravação
P/1 – Vamos falar primeiro do curso de locução que o senhor tava fazendo
R – Na Major Sertório tinha uma escola chamada ART, Academia de Rádio e Televisão, que a dona era a Vida Alves, essa artista conhecida, uma das pioneiras da Tupi. Eu estava frequentando lá, fazendo curso lá, tinha curso de rádio, televisão, em locução de ator, atriz. Eu estava lá um tempo e dali ela começou a me chamar pra participar nos programas de telenovela, não, teleteatro, do Waltyer George Durst, que tinha aos domingos. Tinha duas séries, TV de Vanguarda e TV de Comédia, a cada 15 dias era um ou outro. Então, a gente participava disso, ainda era preto e branco, não tinha colorido, não tinha gravação, era ao vivo mesmo, tinha que fazer ali, então tinha que ensaiar. Como eu ia ensaiar na semana com o emprego na companhia de seguros? Tive que largar também
P/1 – E o senhor lembra alguma coisa que o senhor chegou a fazer?
R – Muito pouco, porque era figurante. Eu conheci a Andreia Simões, fiz com ela. Com o José Parisi, a filha do Lima Duarte, a Débora. A mulher dele também. E assim por diante. A Laura Cardoso, que está aí agora, o Baleroni, que era o marido. Conheci todo esse pessoal da Tupi, eu vivia na Tupi
P/1 – Sempre como figurante?
R – Sempre figurante
P/1 – E na rádio, o que o senhor fez?
R – Produção, escrevi
P/1 – Que ano?
R – Isso foi agora
P/1 – Ah, foi depois
R – Isso foi bem depois. Dei uma parada depois
P/1 – Aí esse trabalho que o senhor fazia na Tupi o senhor precisou comparar por causa da companhia
R – Também. Porque chamava durante o dia de semana, como eu ia lá? Como ia ensaiar lá?
P/1 – E o senhor não ficava em dúvida entre largar o seguro e ficar lá?
R – Não dava, não combinava os horário
P/1 – Por que o senhor preferiu o seguro?
R – Como eu sempre fui muito livre e não gostava de ordem, eu também não queria saber de dar muita satisfação. Eu ia falar na companhia: “Vou na Tupi ensaiar”, não ia poder fazer isso. Eu só sabia manusear a coisa, eu sabia minha programação, esse negócio de vai aqui, vai ali, não, eu vou fazer as coisas, o dia que eu dava uma escapada eu escapava mesmo, disso não tenha dúvida , eu dava uma enganada. Mesmo na agência de turismo, tinha um programa na Rádio América à tarde, eu escapulia lá da Rua Barão de Itapetininga, ia na São Luís, na Rádio América, ia secretariar um programa de rádio que era das quatro às cinco . Discoteca de casa era o programa. E à noite, era da meia-noite às duas, chamava Madrugada Maior, não, Clube da Madrugada. Madrugada Maior foi um outro programa que eu fiz também
P/1 – Na época?
R – Aí mais recente, na Rádio Jornal de São Paulo, que hoje é dos evangélicos, gospel. Era da Bandeirantes inclusive, era lá na Vila Mariana. Olha o que eu fazia. Eu ia fazer ginástica no Ibirapuera
P/1 – Mas isso depois?
R – Bem depois
P/1 – Vamos voltar. Aí, na TV Tupi o senhor desistiu de fazer porque não tava dando mais
R – Exato, exato
P/1 – Aí o senhor foi pra companhia de seguros
R – Já estavam as duas juntas
P/1 – Mas aí você desistiu
R – Paralelo não dava pra fazer
P/1 – E aí o senhor foi fazer o quê na companhia de seguros?
R – O meu serviço era externo, chamava Inspetor de Risco. Depois que eu passei pro outro cargo, fui subindo, melhorando, até durar cinco anos, daí eu já tava no limite, porque eu nunca fui de receber ordem, gostava muito de ser livre. Aí como via a possibilidade de ser corretor junto como funcionário, aí eu falei, vou deixar de ser funcionário, fiz um acordo e fiquei só como corretor, como autônomo. Aí veio uma regulamentação em 64, um decreto do João Goulart que foi presidente, e aí fui obrigado a regulamentar a situação. A opção era, ou era funcionário ou era corretor, as duas coisas não podiam ser juntas, eliminou um lado e tive que ser regulamentado como corretor. Aí tirei documentação como ditava a lei, que foi feita nessa época, em 64, na época da revolução, vai. E só em 66 que eu consegui oficialização documentada de corretor de seguros, com diploma etc. Foi assim que funcionou a coisa. É rocambolesco o movimento
P/1 – Como o senhor vendia seguro? Tem algum causo pitoresco?
R – Não. O ambiente, os conhecidos, as amizades, relacionamento como até hoje. O relacionamento que era importante
P/1 – Que companhia de seguro que era?
R – Internacional de Seguro que não existe mais também. Era na Líbero Badaró, esquina com a José Bonifácio, a Justiça Federal, um órgão federal ocupou
P/1 – Mas o senhor disse que continua até hoje
R – Como corretor, autônomo
P/1 – Mas de qual companhia?
R – Da Porto Seguro
P/1 – Agora é da Porto
R – Não tem nada a ver, eu posso atuar em qualquer companhia que eu quiser. Desde que eu seja cadastrado, aí é livre, é autônomo
P/1 – Nesse período que o senhor ficou como corretor, o senhor tem algum caso pitoresco de alguma coisa que tenha acontecido?
R – Ah, muita coisa engraçada
P/1 – Conta algumas aqui pra gente
R – Muita coisa engraçada. Primeiramente quando era funcionário, o chefe da seção, não o meu, o chefe da seção, eu verificava o sinistro. Então fui trabalhar justamente na seção de roubo. E roubo era negócio que acontecia roubo em residência, em indústria, em uma loja, uma firma, um escritório, em tudo. Então um dia eu ouvi, roubaram uma casa de uma pessoa, acho que morava no Brooklin, praqueles lados lá. Ele passou pra mim, a gerência e eu fui lá. E eu, já de gozação, eu fiz um relato colocando tudo, assim assim assim, mas na gozação, até o que o cara comeu na janta.
Esse chefe era meio invocado: “O senhor não precisa investigar a vida do segurado” . Mal sabia ele que eu tinha feito de gozação, fiz um relato que podia ser. E assim por diante, quanta coisa que eu vi, que eu assisti. Eu fiz um seguro de acidente de trabalho numa loja de calçados na Rua Augusta, um italiano todo atrapalhado, não pagava ninguém, era todo desorganizado. Ele recebia encomendade calçado sob medida, fazia tudo errado. Eu cheguei lá um dia e tinha uma mulher reclamando que ele estragou todo o sapato da mulher, um italiano atrapalhado. E aí eu fiz um seguro dele, pra ele me pagar e eu fui receber. “Volta depois”, eu pensei, como volta depois. Fui lá, “volta depois”. Aí um dia que eu fui lá ele falou: “Escuta”, a ideia que eu já tive na hora, “que número calça a noiva?”. Eu falei: “35”, chutei. Ele foi lá dentro, pegou uns pares de sapato e falou: “Leva, pra pagar o seguro”. O que eu fiz? Eu fui na companhia, acho que eu não era mais funcionário. Tinha uma menina lá, uma colega chamada Alice. Eu cheguei pra ela, exatamente pra ela: “Alice, que número você calça?” “35” “Quer comprar um sapato?” . Vendi o sapato, pagou o seguro. É engraçado o que aconteceu. Roubaram uma, roubo simulado no Bom Retiro, esse eu ainda era funcionário desse chefe aí, ele falou: "O senhor vai lá na loja e pega uma amostra de cada”, era uma fábrica de soutien, era um grego que simulou um roubo na loja, na indústria dele de confecções
P/1 – Ele simulou?
R – Ele simulou. Ele contou uma história pra mim, outra pro delegado, outra pro investigador, outra pro advogado da companhia. Pô, quantas histórias? Foi um caso pitoresco. Aí ele falou: “O senhor vá lá e traga uma amostra de soutien”, mal ele sabia que era coisa simulada, forjada. Era um grego. Eu peguei, fui lá e ele me deu, grande, pequeno, tudo. Eu joguei em cima da mesa assim: “Ó, vê o que serve pra vocês aí” . Tinha uma gordona, eu peguei um pequenininho e falei: “Isso aqui é pra você”. E a gozação sempre foi assim. E assim várias vezes que eu lembro que eu fui fazendo esse tipo de coisa. E tudo era conhecido. Uma vez entrou um sujeito com um saco nas costas, um saco de estopa, ele andava maltrapilho com um chapéu de nordestino, aquele chapéu de couro, cangaceiro? Ele entrou na companhia, entro no primeiro andar lá onde a gente estava, com um saco nas costas e vendendo coco. E a nossa sala era em frente à sala do diretor da companhia, um alemão, seu Ernesto, que nem cumprimentava, era um cara bravo e tal. Aí ele parou na nossa porta e falou: “Quer coco?”. Eu falei: “Não, mas o homem aí quer” . Ele abriu a porta, as meninas se mataram de rir porque eu falei assim: “Esse homem vai sair pela janela” . Uma outra vez, nós estávamos na frente assim, no elevador, no primeiro andar, conversando no fim de tarde, uns quatro lá conversando, batendo papo, chegou um rapaz de fora, devia ser boy, não sei, e perguntou pra um deles, pra esse que falei que era invocado, não gostava de brincadeira, que pediu pra buscar amostra de soutien. Falou assim: “O senhor Ubaldo”, um deles falou: “É aquela porta ali, de vidro ali” “Obrigado” “Mas fala bem alto que ele é surdo” . E assim por diante. Era história que eu ia sempre inventando, contando, fazendo essas graças, então eu fiquei conhecido assim, quando chegava na companhia sempre: “Qual é a de hoje?”. Eu cheguei um dia na Avenida Paulista, que tinha a Porto Seguro, que agora saiu de lá e foi pro Ipiranga. Mas vizinho à Casa das Rosas, a Porto Seguro tinha uma sucursal lá, e eu frequentava ali porque eu descia do metrô Brigadeiro pra ir lá. Quando eu to indo pra lá, vem uma ambulância do Corinthians, escrito Administração Alberto Dualib na porta assim. E essa ambulância, por incrível que pareça, pra criar uma motivação, subiu na calçada bem na porta do Instituto Pasteur. Eu falei: “Já tenho a piada pronta”. Cheguei na companhia e falei: “Sabe pra que a ambulância do Corinthians parou bem na porta do Instituto Pasteur?”. A menina perguntou: “Pra quê?” “Pra dar vacina no gambá” . Gambá vai tomar vacina, é Corinthians rs. E assim vai. É o que eu gosto de fazer, o que eu me divirto
P/1 – E nesse período que o senhor ficou na companhia o senhor casou? O que aconteceu com sua vida pessoal? O senhor casou-se?
R – Eu conheci justamente a própria
P/1 – Como é o nome da sua esposa?
R – Francisca. Eu conheci numa outra companhia de seguros. Eu já trabalhava com várias companhias e ela era telefonista lá. Eu ia lá e ela estava naquela cubículo engradado assim, aquele aquário, aí eu falava, oi, sem muito assim. Um dia, deu cinco minutos eu liguei pra ela: “Que horas você vai sair?” “Tal hora”. Não, eu passei lá e falei: “Eu vou te ligar mais tarde”. Fui nessa outra companhia, na Internacional, falei: “Você vai sair que hora?” “Às seis” “Então me espera que eu vou passar aí”. E aí começou
P/1 – Vocês já estavam se paquerando?
R – Não, mais ou menos, porque eu passava sempre, cumprimentava, tal, não tinha muito entrosamento porque eu levava a coisa sempre na brincadeira, na gozação. Aí eu comecei a chamar a atenção. Aí quando houve esses encontros depois das seis horas, a gente saía pra jantar. Ou ia no Gato que Ri, na Mesbla que tinha lanchonete, e jantava assim. Toda noite tinha programação. E ela morava muito longe, aí que era o problema. Morava na Zona Norte e eu tinha que me dignar a ir até lá, quem mandou?
Então foi assim que começou. Isso durou seis meses, depois de seis meses já tava com o enlace matrimonial pronto. Foi em dezembro de 73. Eu tinha exatamente 40 anos, redondo . Eu não tenho nada contra
P/1 – Vocês casaram e foram morar onde?
R – Inicialmente na Vila Santa Catarina porque apareceram umas casas muito boas, novas, inclusive, pra eu morar lá. Mas não medi a distância porque eu sempre fui acostumado a morar na cidade, quem vai se localizar em Vila Santa Catarina, que até hoje é um local problemático, até hoje. Metrô, pode descer no metrô, mas também não vai adiantar nada porque vai ter que andar um outro tanto. Ônibus, uma hora da cidade até lá. E eu inventei essa história, uma hora que eu não aguentei mais, eu fiquei dez meses morando lá. Aí eu vendi rapidinho, revendi essa casa e comprei onde eu estou
P/1 – Que é onde?
R – Na Avenida Lins de Vasconcelos. Nada acontece por acaso, tudo acontece dentro das circunstâncias, do ambiente que você já tá querendo formar na ideia. Eu tenho muito desse negócio comigo. Eu ia pro Ipiranga porque vi um negócio, tinha um apartamento pra vender no Ipiranga, ao passar pela Lins de Vasconcelos, nesse local onde eu estou, tinha uma placa lá, um stand: Vendem-se apartamentos. “Opa, vou descer aqui”. Desci, fui lá, conversei com o cara, o corretor, fui pra casa, nem fui pro Ipiranga: “Olha, tem um assim, assim e assim. Vamos ver esse apartamento à noite?”. Aí foi o meu pai, que meu pai morou junto com a gente, até falecer ele ficou morando comigo. Viemos à noite onde estou e fechamos negócio na hora, foi rápido. Comigo é rápido o negócio
P/1 – Aí o senhor voltou quando a trabalhar com rádio nesse período?
R – Ah, depois, agora foi 76 me convidaram, esse que eu falei da Marcha do Caneco, a amizade que a gente tinha de um outro compositor, inclusive o filho dele é sonoplasta na Bandeirantes hoje, o Marcelo. Ele me convidou: “Olha, o Domingos Paulo Mamoni”, chamava de Minguinho, “O Minguinho tá fazendo um programa tal, você não quer fazer a produção com ele?” “Bom, é comigo mesmo, é pra já”. E aí eu comecei. Olha o que eu falei que fazia, à noite é o programa da meia-noite às duas chamado Madrugada Maior. Eu fazia ginástica no Ibirapuera segunda, quarta e sexta. Ia fazer ginástica, voltava pra casa quase dez horas, eu programava, pegava o gravador, se tinha jogo pegava todos os resultados, pegava tudo, fazia uma montagem, um cineminha, vai, tudo a mão e falava: “Vou pra rádio, o programa está aqui”, e ele apresentava. Tem um fato pitoresco, inclusive, nesse programa. Essa é de português, tem algum português aí? . Tem um português, seu Antonio, ele trabalhava na CMTC na época. E toda noite ele se dignava ligar pra gente pra dar a opinião dele. Ele não falava meu nome certo, ele ligava, eu atendia o telefone: “Ô Rubinho, o programa tá bom”, todo dia ele tinha que dar a opinião dele. “Pra quem tá ouvindo o programa, Fulano, Fulano”, descrevia o nome dos colegas. E às sextas-feiras tinha sorteio. “Hoje vamos sortear, tem que acertar a seguinte pergunta: assim, assim, assim, assim”. Um jantar na Cantina Ouro Branco, um relógio na Joalheria Carreirão, e assim por diante, cada vez era um anunciante que dava o prêmio. O telefone não parava, é lógico. Aí eu pegava o telefone, atendia, tal e tal. Depois de muito tempo o português entrou no telefone: “Pô Rubinho, puxa, tá difícil ligar aí. Eu estou ligando pra dizer que não sei a resposta” . Eu caí da cadeira . Essa não é piada de português, é verdadeira . Porque acho que piada só tem duas, o resto é tudo verdade. E assim por diante
P/1 – Mas nesse período que rádio que o senhor tava?
R – Rádio Jornal de São Paulo. Ela não existe mais porque ela passou a ser rádio difusora não sei o quê, ela é gospel hoje. Ela tava no mil e 300, hoje ela tá no 960, é rádio gospel, pra evangélico, nem é mais da Bandeirantes, pertencia à Bandeirantes. Era na Rua Capitão Cavalcanti na Vila Mariana, perto da estação Vila Mariana
P/1 – E o senhor nunca trabalhou como radialista, era produção?
R – Produção
P/1 – E me fala uma coisa, o senhor acumulava isso com o trabalho do seguro?
R – Ah sim, era só à noite. O importante era isso, eu saía da rádio, acabava às duas horas, eu ia dormir três horas, oito horas tava de pé. Aí eu sou autônomo, eu que faço meu itinerário, faço meu horário. Não havia problema, só o cansaço. Até a hora que eu falei: “Não, chega, pode parar que não dá mais”. Dormir cinco horas e tal
P/1 – Quanto tempo o senhor ficou nessa rádio?
R – Acho que um ano. Depois acabou o programa também porque ele ficou muito doente, até faleceu já há algum tempo. E o filho dele, Marcelo Mamoni, é sonoplasta da Bandeirantes
P/1 – E depois dessa experiência o senhor teve alguma outra com rádio?
R – Não, só shows. Esses shows que eu falei, que até tenho as fotografias na rádio, Rádio Capital
P/1 – Que shows são esses? Quando o senhor começou? O senhor começou a produzir?
R – Não, aí é o seguinte. Da Rádio Eldorado eu passava entrevistas, com meu conhecimento, o ambiente que eu fiz, tal, passava várias entrevistas de vários assuntos num programa da Rádio Eldorado, do Geraldo Nunes, que até hoje a gente se comunica e tal, chamado: “São Paulo de todos os tempos”, que conta a história da cidade, figuras pitorescas da cidade, contando a história dele, tal. Um dos casos que eu me lembro das pessoas, foi o Douglas Frisch, que cuida de pássaros, da fauna. Ele não pode ser chamado de ecologista porque ele nem gosta de ecologista, mas ele cuida de pássaros, aves, vai no mato, pega o gravador e grava tal pássaro, então ele tem conhecimento geral de pássaros, tanto do Brasil como de fora daqui. E esse foi um dos casos que eu citei pra ele. Um amigo meu que tem uma coleção de 20 mil discos, ele tem disco até do Roberto Carlos gravado na Venezuela, em LP. Ninguém tem, ele tem. Então esse colecionador de disco eu também levei pra fazer a entrevista. Levei um outro amigo meu que foi diretor do Palmeiras, também falar sobre futebol. Eu falei: “O Gaeta tem conhecimento”. Mandaram buscar no escritório dele de advocacia, a Rádio Eldorado foi buscar de carro e levou ele pra ser entrevistado lá na Avenida Engenheiro Caetano Alvares, lá no Limão. Foram vários casos assim que eu fui passando a entrevista nesse sentido. E na Rádio Capital também, eu já conheço o apresentador que faz à noite o programa e nós fizemos show juntos, isso foi um programa já à noite, vários tipos de programas
P/1 – Vamos voltar. Esse da Rádio Eldorado quando que o senhor foi trabalhar lá?
R – Eu não trabalhei
P/1 – Indicava as pessoas
R – É, passava pra ele
P/1 – Quando foi isso, o período?
R – Ah, foi no ano 2000...
P/1 – Ah, agora
R – É, porque quando parou esse programa, nós estamos em 2013, esse programa parou há uns sete anos já, “São Paulo de todos os tempos”, que a própria rádio depois tirou esse programa do ar. Agora virou Rádio Estadão, que é Estadão, não é mais Eldorado, e mudou toda a programação. Hoje ele é só noticiarista da meia-noite às seis no Estadão
P/1 – Isso o senhor fazia porque gostava
R – É, era deleite antigo, gostava, fazia porque gostava
P/1 – E esse de shows onde é que era, como é que era?
R – Esses shows a gente fazia no fim de ano, o Festival da Música Brasileira que é dia 27 de setembro a 10, 11 de outubro, que era Semana da Música Brasileira. A gente fazia em praça pública, a Prefeitura prestiagava, tal. Eu produzia, fazia a seleção dos cantores (interrompido)
P/1 – Mas quem organizava, a prefeitura?
R – A prefeitura montava o palanque
P/1 – E quem que organizava?
R – O Zé Carlos Gomes, da Rádio Capital
P/1 – E o senhor recebia pra isso ou também?
R – Tudo deleite antigo, isso é tudo...
P/1 – Como é que eram esses shows?
R – Era música. Cantores da época, música brasileira só, então vários cantores que a gente conheceu. O Roberto Luna, Noite Ilustrada, só veterano mesmo
P/1 – Quem que o senhor levou? Que ano que foi isso?
R – Faz tempo já que acabou isso, acho que em 2002, por aí
P/1 – E quando começou?
R – Nós começamos a fazer numa época bem... Depois começou descambar, começou a perder a graça, começou a parar, parar, até parar de uma vez
P/1 – Mas quando começou?
R – Mais ou menos 99, 2000, foi mais ou menos nessa época
P/1 – Onde que acontecia esses shows?
R – Ali naquela Praça Orlando Silva, perto do Deic, onde tinha o canal SBT, aquela Avenida Luís Dumont Villares, era ali naquele pedaço, naquele trecho. É uma praça enorme
P/1 – Aí tinha um palco...
R – Eles montavam o palanque, a prefeitura, divulgava. Fazia a comunicação através da rádio, fazia muita, passava e-mail. Aí o pessoal já conhecia, via a faixa lá, então, frequentavam
TROCA DE FITA
P/1 – Quais foram os shows mais marcantes que o senhor fez nesse período?
R – Todos eles foram iguais. Tem um garoto que foi projetado com a gente desde pequeno, o Danilo Brito, esse do bandolim. Esse garoto, hoje está com uns 22 anos por aí, ele é de 28 de março, mesmo signo que o meu, por isso que é bom , o meu signo é o melhor que tem . Então, ele começou com a gente, o Danilo Brito e todo sábado ele se apresentava, tocava o bandolim que ele aprendeu desde pequenininho baseado no Jacob do Bandolim, que foi um artista antigo. Ele começou a se apresentar, começou a se projetar, gravou um CD. Aí foi andando, andando, quando de repente ele ganhou o Prêmio Visa Eldorado, 110 mil reais. Prêmio na época, já faz um bom tempo, acho que ele já era maior de idade, ou não, acho que não tinha uns 16 anos, por aí. Na
televisão ele apareceu várias vezes, em vários canais. Fui assistir ele no Brahma, na Avenida São João, ele se apresentou lá também. E tem aparecido naquele canal 11, tv alternativa, aquele que aparece esses canais 9, 11, TV USP, TV Câmara. No canal 11 ele tem aparecido. Não sei se ele tem viajado pra outro país
P/1 – O que tem ele?
R – Como é que é?
P/1 – Por que o senhor tá falando dele?
R – Porque ele começou com a gente
P/1 – Ahhhh, nesses shows!
R – É, começou garoto. Não é só nos shows. Ele começou na Casa Del Vecchio, que a gente fazia aos sábados um encontro de músicos. Isso foi na década 90, 95, por aí, e foi por um bom tempo. Depois o dono da loja achou por bem cortar. O gerente prestigiava, mas o dono não. A família Del Vecchio, dos violões Del Vecchio, conhecida, famosa, da Rua Aurora. E a gente se encontrava lá todo sábado. Ele começou a aparecer sozinho, com irmão e começou. Ah, um dia levei esse garoto pra se apresentar no Sesc Vila Mariana, na Pelotas. Foi o conjunto todo acompanhando . Inclusive o Baloia, que é um violonista que acompanhava ele, que inclusive preparou o CD dele, me prestigiou perante o povo lá: “O Rubino aqui que proporcionou o encontro”, menos, menos
P/1 – Que outros shows o senhor organizava?
R – Esses foram os principais. Isso foi de assistir só, por exemplo, aquela cantora que cantou, Evita, aquela que gravou, quero lembrar o nome dela, como é? O empresário dela me ligou para eu ir lá assistir o show. Eu, por minha conta, pedi pra divulgar na Rádio Capital, e o Zé Carlos divulgou: “Hoje vai ser assim e assim tal hora, no Sesc da Consolação”, que é o da Vila Buarque, “vai ter o show da”, me fugiu o nome agora... Ela cantou essa música Evita, esqueci o nome. É um nome só, ela só usa um nome. E aí foi que eu sempre estou entrando no meio, to sempre envolvido
P/1 – O senhor conhece muita gente dessa área, foi conhecendo ao longo da vida, nessa área de produção musical
R – Conheci muita gente. Inclusive eu trouxe aí autógrafos, fora os que deixei em casa, porque ia trazer de artista antigo, ninguém ia lembrar, nem conheceu, nem ouviu falar. Carlos Galhardo, Tito Madi . Doris Monteiro. A Doris Monteiro foi interessante, ela foi fazer um show lá perto de casa, numa pizzaria que tem lá. E eu fui, to com uma foto dela, ela cantando e eu do lado, até hoje a foto . E eu levei um LP que ela gravou em 71, e eu levei pra ela, colei uma etiqueta, pra ela botar um autógrafo pra mim, uma dedicatória. Sabe o que ela disse? “Rapaz, você tem esse LP e eu não tenho”
“Quer que eu gravo e te mando?”
Ela é do Rio. Doris Monteiro. Essa é cantora veterana. Aquela que tem uma música De Noite na Cama, que tem até o Erasmo que canta também
P/1 – Marisa Monte
R – É. Foi um outro também, como é que chama? São várias músicas. Aquela do “Comprei uma roda de samba, mas se ela não rodar, isso é problema dela”. Essa música também é um samba. E várias músicas. Eu tenho o LP e ela não tinha . A Odeon não deu pra ela, ou sei lá o que ela fez
P/1 – O senhor sempre trabalhou e morou aqui em São Paulo?
R – Sempre aqui
P/1 – O senhor fez viagens pra fora de São Paulo?
R – Não, viagem, viagem, que eu não sou fã de viagem, não gosto, quando as meninas eram pequenas eu tinha apartamento em São Vicente. Aí eu achei por bem, porque ninguém ia, começaram a ficar jovem, adolescente, como eu sou autônomo, meu programa de viagem era só no carnaval, prolongado. Então eu ia pra Poços de Caldas que tem até uma foto aí, Serra Negra, um dos melhores hotéis de lá na época, ainda é. O Rádio Hotel. Eu nunca fui em lugar ruim, não, sou chato . Sou chato comigo mesmo. Então ou eu vou direito ou não vou. Essa Cantina Esperança no Bexiga, eu frequentei 25 anos direto, só parei por causa desse meu problema, porque eu ia direto, sozinho. Eu não gosto muito de companhia junto, nem a dona... (interrompido)
P/1 – O senhor casou e teve filhos?
R – Foi exatamente. Eu casei em 73, em dezembro. Em setembro do ano seguinte nasceu essa mais velha
P/1 – Como é o nome dela?
R – Alessandra. E a outra, três anos depois, a Maria Aparecida
P/1 – Como é que foi essa experiência de ser pai?
R – Foi boa. Eu nunca dei muita bola pra torcida, eu não sei muito, não é comigo, esse negócio de muita adulação não é comigo. Tanto é que eu fazia coisas... Essa foi tragicômica. A esposa, a dona da pensão: “Eu vou na cabeleireira fazer unha”, e essa mais velha estava com uns nove meses, mais ou menos, “eu vou deixar ela aí com você”. Eu tava deitado depois do almoço, no sábado. “Eu vou deixar com você aí”. Eu peguei no sono, de repente, pumba!, no chão. Eu falei: “Capotou no chão” . Uma outra vez: “Por que você não corta a unha dela?”. Peguei o cortador e cortei dedo, cortei tudo . A outra, uma vez, ah, essa mesmo. Ela foi operada das amígdalas, nós fomos buscar no hospital num domingo de manhã, estava um frio. Tinha gente em casa, eu fui fazer uma caipirinha, tomando e tal, tomando uma azeitona preta assim, duas azeitonas pararam, com caroço e tudo . Só fazia arte, arte não é só quando criança. Dizem que ariano é criança a vida toda, tem espírito de criança
P/1 – E o senhor trabalha até hoje na companhia?
R – Como autônomo. Eu trabalho em casa agora
P/1 – O senhor continua trabalhando porque o senhor precisa ou o senhor trabalha por...
R – Eu preciso, não, não. Uma, o que vou ficar fazendo o quê? Eu tenho renda suficiente? Não tenho. Começa daí. Um cara desocupado, eu vou citar o exemplo de um segurado. Esse segurado foi naquela conversa mole dos políticos, mal exemplo. O Sarney falando uma época: “Não, coloca na poupança”. Ele vendeu tudo o que ele tinha, indústria gráfica, prédios. Ele tinha uma irmã e ele trabalhava. Ele tinha uma indústria gráfica e tinha um prédio não sei onde, casa tal, e a casa dele inclusive. Ele pega e me vende tudo, aí ficou no ostracismo em casa. Ele e a mulher. Ele tem um filho só também. O filho já grande, trabalhando. Um dia perguntei pro filho: “Escuta, e o teu pai?” “Olha, eu não vou lá pra não me aborrecer”. Porque ele caiu que não tinha o que fazer, esse é o mal. Como uma pessoa pode ficar sem fazer nada? Olhando pra cima? Então com alguma coisa você tem que se entreter, precise ou não precise, não é porque eu ganhei mil, se você falar, ah, você pode ganhar dois mil, ah não quero, ganhei mil. Não é por aí,
né? Nunca foi por isso. Então, quando um dia eu liguei pro filho, ele falou que o pai dele tinha falecido. Eu falei: “Po, você nem me falou nada”, porque eu tinha muita amizade com ele, eu fazia o seguro dele também. O seu Ari. Aconteceu que eu deduzi que não se deve parar, em hipótese alguma, alguma coisa tem que fazer, nem se for pra plantar na horta lá, mas está fazendo alguma coisa. Em casa você tem que se entreter com alguma coisa. Eu não fico procurando? Tanto é que eu achei isso aqui por que? Porque eu procuro. Quem procura acha.
P/1 – E hoje, o senhor trabalha mais, o que mais o senhor faz? Trabalha ainda com alguma produção de rádio
R – Agora não dá mais, ó o meu problema. Um dia eu encontrei com o Zé Carlos: “Ô Rubino, você saiu do meio? Como é que você pode?” A gente tava indo lá em Santana, que se reuniam vários artistas no quintal, ainda tem até hoje, o Roberto Luna e a Edith Vega que às quintas-feiras fazem um show, é um restaurante chamado Quintal Brasil, é vizinho daquele Papagaio Vintém, que é conhecido, lá em Santana, é no mesmo lado. A gente ia sempre lá. De repente começou a parar de ir tal, porque lá tinha música ao vivo e a gente fazia, gostava de ir lá, tanto de almoço de sábado como à noite, então a gente ia sempre. De repente começou a sair um, sair outro, esvaziou. Outro dia eu perguntei: “Zé Carlos, você foi mais no Quintal?” “Não, não vou mais lá”. Então as coisas vão se esvaziando, se desfazendo, é isso. Não é sempre ali
P/1 – Senhor José Carlos, olhando a sua trajetória, toda essa história que o senhor contou pra gente, essa trajetória rica, qual o balanço que o senhor faz? O senhor faria alguma coisa diferente, mudaria alguma coisa na sua vida?
R – Tenho muita vontade de fazer muita coisa, lógico!
P/1 – Não, olhando o passado o senhor mudaria alguma coisa que o senhor fez, o senhor fazia diferente?
R – Gostaria, lógico
P/1 – Não, deixa eu perguntar melhor. Olhando pro passado do senhor, tudo o que o senhor contou, se o senhor tivesse que mudar alguma coisa na sua vida o senhor mudaria?
R – Eu acho que não porque o comportamento é um só. A moral está em primeiro lugar. O ambiente que a gente se formou. Porque educação a gente aprende em casa e instrução na escola, baseado nisso aí, é aquele negócio conservador atualizado . Se eu aprendi assim eu não vou inventar moda porque eu vejo coisas aí absurdas que a gente tá vendo, não sou moralista, não sou nenhum santo, não to dizendo nada disso, reivindicando só ao meu favor, os outros não prestam eu sou o único bom, não é nada disso. To falando que costume é costume, não vou imitar ninguém porque imitar é feio, mesmo que seja coisa boa, imitar é feio. Eu não visto igual o outro, não gosto de coisa que o outro gosta, não. Eu gosto de eu ser eu mesmo, eu sempre gostei de fazer as coisas por minha conta, eu saía à noite, depois da janta, não sem rumo, com rumo, mas sabendo o que eu ia fazer na cidade, frequentava livrarias, a Dinucci lá na José de Barros, a Brasiliense, então eu fuçava. É o que minha mãe falava: “Todo lugar você se enfia” . É em shopping. Supermercado, eu não gosto de supermercado mas eu ia, pra comprar o quê? Coisa de italiano, vinho e azeite, nada mais . Ou complemento, queijo, essas coisas que a gente gosta de comer porque é próprio da raça. Mas agora eu vou comprar arroz e feijão no supermercado, essa paciência, carrinho? Não, não, não é comigo
P/1 – Quais são seus maiores sonhos hoje?
R – Eu não sou sonhador, sonhador não existe
P/1 – Tem alguma grande desejo, alguma vontade?
R – Tenho, mas isso é muito remoto. Quando eu era pequeno gostava muito de piano, eu gostava de aprender piano, mas eu vi que meu pai não tinha condição, posse, pra isso. Porque pra você aprender a tocar piano, só por aprender, e o piano, fica onde, na loja? Esse foi um sonho remoto que eu via que meu pai não tinha essa condição, então não persisti porque eu já vi, o cara que bate o pé, que eu quero porque eu quero, senão faço greve de fome. Não, não, isso não é. Até isso eu vi: “Se não der o que eu quero eu faço greve de fome” “Tá bom, então vai morrer de fome aí”
P/1 – Esqueci de perguntar uma coisa pro senhor. O senhor escrevia carta, recebia carta nesses programas? Tinha costume de carta?
R – Ah sim. Desse movimento aqui que eu falo dos Maristas, que eu comecei a frequentar em 67. Foi também um caso pitoresco que eu conheci o pessoal no próprio Colégio do Carmo que estava prestes a fechar. Não, fechou bem mais tarde, porque foi o metrô que acabou, foi o famoso Olavo Setúbal que fez o favor de derrubar o colégio porque disse que não tinha tradição histórica. Quando eu falei isso pra esse jornalista, o Geraldo Nunes, ele falou: “Que absurdo”. Ah, uma matéria que eu fiz sobre o Marista foi com esse também, que eu levei dois entrevistados pra falar sobre a vida marista. Então ali, naquela época, o que eu ia falar? Eu tava fazendo esse...
P/1 – Eu fiz a pergunta de carta e você ia falar
R –Aí eu comecei a frequentar esse pessoal todo e vindo pra cá, vieram uruguaios, argentinos, chilenos, então a gente se correspondia. Eu tenho carta até hoje do Pará, de gente que veio do Colégio Marista do Pará, que veio aqui, eu que recepcionei, eu levei pra jantar. Eu era o anfitrião. Ah, falar em anfitrião tem uma outra também, que não tem nada a ver com esse ambiente, mas eu também me introsei
P/1 – Mas tem alguma relação com carta? O senhor ia falar de carta
R – Ah, eles mandavam cartas pra mim, eu tenho carta do Uruguai, do Chile, agradecendo a minha atenção, a minha recepção. Veio uma equipe de basquete da Argentina, de Mar Del Plata, jogar basquete, universitários. Eles ficaram uma semana na casa desse que eu conheci que morava na Rua Baquer, lá na Aclimação, perto de casa. Eles vieram, eu fui recepcionar. Eles vieram até de navio, chegaram de navio em Santos, nós fomos lá recepcionar. Viemos com eles pra São Paulo, levei eles pra jogar basquete no Espéria, no Tietê, no Palmeiras, no Santos também, no ginásio do Santos. Jogaram esses quatro dias. Depois no domingo teve um almoço com eles. Quando eu estava no Esperia, que teve o jogo, aí termina o jogo, fomos tudo pro vestiário. Veio um diretor do Esperia e falou: “Seu Fulano, pode avisar o pessoal aí que vai ter um coquetel pra eles”. Aí quando eu falei isso, precisa ver o que falaram de mim, argentino sabe, são exagerados: “Rubino, sensacional!”
P/1 – Tem alguma carta que tenhar marcado o senhor?
R – Tenho guardado comigo, tem. Tenho tudo isso. Eu tenho tanta coisa
P/1 – Mas essas cartas, tem alguma que tenha marcado o senhor, que o senhor se lembra?
R – Agradecendo o principal é isso. Porque uma vez também de Ribeirão Preto, um irmão marista lá do colégio em Ribeirão Preto pediu para eu, existia a Banda de Todas as Bandas, na Rádio Record. Como ele sabia do meu entrosamento aí, pediu para eu me comunicar com o pessoal que produzia, que era o Sebastião, fazia esse desfile de bandas. Ele pediu e eu providenciei pro pessoal de lá vir tocar com a banda aqui em São Paulo. Então, ele respondeu agradecendo a atenção que eu dei pra ela, que eu proporcionei a vinda do pessoal pra tocar aqui. E assim por diante, esse tipo de coisa que eu sempre participei, que eu gosto
P/1 – Agora a gente vai encaminhar pro encerramento da entrevista. O que o senhor achou da experiência de contar sua história?
R – Muito boa. Porque quem procura as coisas e se sucede bem acho que não tem nada a reclamar. Foi por livre e espontânea vontade. Ah, outra coisa que eu também não gosto de fazer, é divulgar minhas coisas. Vamos supor que eu diga assim, nem em casa, eu já tive essa experiência, nem em casa, o que dirá fora. Eu vou comprar uma geladeira amanhã, pode ver que a geladeira não funciona, o ônibus quebrou no caminho, a loja fechou, pode esquecer . Então, a gente tem que fazer as coisas em sigilo, na última hora eu falei: “Eu vou sair agora e vou fazer tal coisa”, pronto . É o meu costume. Porque eu já vi essa experiência dar em nada, viu? Dar em água de salsicha, viu? . É o meu esquema, não adianta dizer que é mania, não é mania, é fato provado. Eu tenho também um outro lado da coisa, um sentido espiritualista, eu tenho uma premonição, eu penso uma coisa, aquilo lá, pumba! Bate. Quando eu era pequeno eu via muita coisa de pessoas que existiam, na realidade. Nessa casa que eu morei até agora, até adulto, tinha os avós lá. Eu fui na cozinha, tava todo mundo na sala lá depois do almoço, a mulherada tudo conversando, eu era moleque, devia ter uns dez anos, por aí, não muito mais do que isso. Estavam lá conversando e eu fui pra cozinha. Na cozinha tinha um lavatoriozinho assim, eu vi, descrevo até hoje como eu vi essa pessoa. De chapéu panamá que usava, gravata vermelha, de perfil, sapato cor havana, marrom, de terno branco. Eu vi aquilo, voltei, fui pra sala e falei: “Eu vi tal coisa”. A que tava lá falou que era o pai dela que tinha morrido há 15 dias. Tá bom?
Tem história. Mudando pra uma outra coisa de participação. Em São Paulo, no Governo Abreu Sodré, ele convocou o Coronel Fontenelle, não é do seu tempo, não tem história porque depois o Dom Pereira que foi um vereador que eu tive esse convívio com ele, tenho o livro dele, inclusive, escreveu um livro, O livro negro da corrupção, que fala justamente. Esse Coronel Fontenelle veio do Rio, ele era cearense mas trabalhou no trânsito em vários estados, Maranhão, Rio de Janeiro, tal e ele veio pra São Paulo a convite do Abreu Sodré. Mas houve malhação de tudo quanto foi deputado, a maioria, contra as atitudes porque ele quis organizar o trânsito. E sempre tem o boicote, sabotagem. Então sabotaram o homem de ponta a ponta, desde o início. Eu conheci ele, desde a Operação Bandeirantes, logo que ele começou na Praça da Bandeira, no sábado, fui lá. Era uma pessoa que eu já estava admirando de antes dele começar em São Paulo. E fui lá conversar, tal, tal. Aí, tal, acompanhei toda a trajetória e via o combate que uma citada deputada que não merece nem citar o nome, o que ela malhou esse homem. Até que ele foi na TV Paulista um sábado pra dar uma entrevista. Ele tava sentado e uma mesa assim na frente. Ele tombou, caiu duro na hora, aí ela ficou satisfeita, se realizou. Porque Operação Bandeirantes porque era isso, era aquilo, que o trânsito piorou. Piorou nada, ela que criou essa imagem que até hoje ainda tem resquício dessa operação que ele fez na época. Aí vai daqui, vai dali, morreu, tal, tal, tal. Aí formaram um grupo de pessoas amigas dele, aqui em São Paulo, pra fazer uma homenagem póstuma pra ele como Diretor de Trânsito, Coronel Américo Fontenelle. Inclusive tinha os admiradores da época, como tinha o que não gostava, mas tinha uma maioria que admirou o trabalho dele, por pouco tempo, mas admirou. Ele tinha um escritório no prédio vizinho ao Martinelli. Aí eu conheci esse grupo que ia prestar uma homenagem pra ele, inclusive na Maria Antonia inauguraram uma pizzaria chamada Fon-Fon, de automóvel e Fontenele. Aí eu falei: “Bom, vou me juntar a esse grupo”. Aí eu conheci o pessoal da aeronáutica, industrial, um senhor que era industrial, várias atividades, Raul Monteiro, dona Ivone são os nomes que eu lembro agora. Me juntei a eles, fui na Aeronáutica com eles, montamos um esquema de homenagem e foi na Rádio Eldorado, na Major Quedinho, numa sexta-feira, um auditório muito bonito, inclusive. Isso foi em 68, ele faleceu em 67, um ano depois fizemos essa homenagem. E o tonto aqui foi o anfitrião porque o seguinte, no dia da comemoração veio a tropa de elite da Aeronáutica, montou uma mesa de homenagem com flores, tal, e vieram aqueles de elite da PA, Polícia da Aeronáutica, pra fazer, se posicionar na solenidade. O que comandava perguntou, eu tive muita honra também. Eu me senti todo envaidecido, como de praxe, dessas coisas que eu sempre participei. Aí depois que veio a Globo, veio o jornal da Globo, fizeram a reportagem toda na Rádio Eldorado, muito bonito o auditório, inclusive, não existe mais, saiu de lá. Aí, o recorte de jornal que eu tive, eu fui pro Rio, fui na casa da viúva, dona Miriam , fui levar pra ela os recortes de jornal, lá em Copacabana. Aí começamos a conversar um tempão, que eu tinha ido justamente nessa época, nesse movimento de Marista no colégio no Rio de Janeiro, Colégio São José. E aí juntei as duas coisas . Eu to sempre inventando moda
P/1 – Que história bonita
R – Como é?
P/1 – Bonita a sua história
R – É, eu acho que é. Dentro do que eu consigo fazer. Eu sempre gostei, é o que a minha mãe falava, minha mãe me prestigiava muito nessas coisas, ela dava risada de ver. Quando falavam assim: “Eu vi seu filho na televisão, TV de Vanguarda”, ela ficava toda envaidecida. Meu pai era quieto, não era indiferente, mas quieto. A opinião dele era a última que dava. Eu mexia com ele, fazia gozação com ele, tirava sarro, fazia tudo, sempre fui assim. Ele usava chapéu e nós tínhamos um papagaio. Ele pendurava o chapéu, ele saía cedo, ia dormir cedo porque tinha que levantar cedo e tal, então antes de dormir, o papagaio derrubou uma pena, daquelas grandes, eu enfiei na fita do chapéu . Acho que tava meio escuro, ele pegou o chapéu, aí chegou no serviço dele lá: “Ô seu Rubino, o senhor tá bonito hoje, hein?” “O que foi?” “O seu chapéu”. E aquela pena desse tamanho no chapéu . Eu sempre gostei de aprontar, isso nem há dúvida que aprontar é comigo. Eu sempre gostei de fazer essas coisas todas alegres, é coisa alegre. Não tem nada de maldade, não tem nada de prejuízo pra ninguém, nunca danifiquei nada de ninguém, isso eu tenho essa vantagem comigo, posso falar isso com todo prazer, é tudo brincadeira. Ele gostava de ouvir o rádio sentado na cama, o rádio no criado mudo. Estava jogando o Palmeiras, ele pegou, rádio ligado, tal, aí ele levantou, não sei se foi na cozinha, sei lá o que ele foi fazer, eu peguei uma tomada de pisca pisca e juntei na tomada do rádio, e liguei lá . Então o rádio falava e parava, falava e parava. Ele chacoalhava o rádio: “O que tem esse rádio aqui?” “Não sei, você não tá ouvindo o jogo aí?” “Po, para e volta”. Eu falei: “Não, sabe o que acontece? O locutor é gago”. Quando eu tirei a tomada: “Você não tem o que fazer? Vai embora!” . Era assim o negócio, invenção, sempre gostei de aprontar
P/1 – Queria agradecer o depoimento do senhor, muito bom ter escutado. Obrigada!
R – É. Quando ele faleceu uma pessoa me falou: “Você tem que lembrar dos momentos alegres”. Porque ele faleceu de um motivo que não, hoje não, já teria muita idade, mas ele faleceu relativamente moço perante os irmãos, os irmãos morreram muito mais velhos do que ele, mas o maldito cigarro. Isso não é comigo, viu? Isso não joga no meu time
P/1 – Obrigada!Recolher