Projeto: Cabo Frio, Itapemirim, Macaé, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra na Memória e Vida de Seus Moradores
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de: Edson Nascimento de Melo
Entrevistado por: Fernanda Peregrina e Naitê Reis
Cabo Frio, 15 de março de 2013
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Projeto: Cabo Frio, Itapemirim, Macaé, São Francisco de Itabapoana e São João da Barra na Memória e Vida de Seus Moradores
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de: Edson Nascimento de Melo
Entrevistado por: Fernanda Peregrina e Naitê Reis
Cabo Frio, 15 de março de 2013
Código: AECOM_HV002
Transcrito por: Iara Gobbo
Revisado por: Lilian de Oliveira Bueno
P/1 – Edson, pra começar, qual é o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Meu nome é Edson Nascimento de Melo. Eu nasci no dia 02 de Junho de 1981, na cidade de Cabo Frio.
P/1 – Qual o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Edson Freire de Melo. Da minha mãe é Matilde Ramos do Nascimento.
P/1 – E dos seus avós?
R – Dos meus avós? [pausa]
P/1 – Tudo bem, pode ser só o primeiro nome.
R – Da minha avó era Aurélia e do meu avô é Antônio Filinto.
P/1 – O que seus pais faziam?
R – Meu pai é pescador também, artesanal. Meu avô também era
P/1 – Descreve pra gente um pouco como que são os seus pais.
R – Meus pais são pessoas simples e acho que eu herdei um pouco isso deles, de gostar das coisas simples da vida. Os meus pais... Na verdade eu fui criado pela minha avó. Desde novo, desde pequeno, eu fui criado pela minha avó e, assim, a minha avó era uma pessoa muito simples também, que gostava das coisas simples da vida e a minha criação foi, assim, sempre acostumado com as coisas simples.
P/1 – Como que era a rotina da sua família?
R – A rotina da minha família, a minha avó ela sempre foi uma pessoa muito dedicada ao lar, à família. Uma pessoa que guardava muito pela nossas vidas, né, guardava muito as nossas vidas, né, minha, a do meu pai então eu não fui criado assim muito próximo assim da minha mãe, mas sempre tive contato com a minha mãe. Mas a rotina da minha família era sempre essa. Eu tive uma avó muito dedicada, que se dedicava, tudo o que ela fazia era em prol de nós mesmos e ela gostava muito quando a gente pescava, trazia peixe, ela fazia pra gente. E a gente foi criado com muita fartura de peixe, pelo fato de meu pai ter barco, ser pescador. Ela já tinha -o esposo da minha avó também, o meu avô no caso, era pescador também. Então a casa era toda movimentada em prol da pesca.
P/1 – E todos são daqui de Cabo Frio?
R – Todos são de Cabo Frio.
P/1 – Como que era essa casa que você morava na infância?
R – Era uma casa simples, no centro da cidade de Cabo Frio, onde eu moro até hoje. Eu morava com minha avó na parte de baixo, hoje eu moro na parte de cima. Mas a minha avó já é falecida. Aí ela faleceu, eu fui morar na parte de cima e a parte de baixo ficou com a minha tia.
P/1 – Edson, você tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – Tem? Quantos irmãos?
R – Tenho uma irmã por parte de pai e tenho mais quatro irmãos por parte de mãe.
P/1 – Algum deles também é pescador?
R – Tenho um que pesca. Pesca camarão na lagoa.
P/1 – Quando você era criança, quais eram as suas brincadeiras?
R – Eu gostava muito de jogar bola, soltar pipa, jogar bola de gude, mas as minhas brincadeiras mesmo sempre foram já voltadas para a pesca, né, eu sempre gostava de pegar um puçá, pescar camarão, né, pescar carapicu na lagoa, de linha, pegar siri e aí fui já se acostumando no setor da pesca, tal. Até que eu comecei a pescar profissionalmente.
P/1 – E quem eram seus companheiros nessa época? Quem ia com você fazer essa... participar dessa pescaria na infância?
R – Às vezes alguns amigos, às vezes de escola, alguns conhecidos, filhos de outro pescador.
P/1 – E na juventude, o que que vocês faziam aqui pra...
R – É, a minha juventude, eu sempre gostei de pescar, aí eu conheci um amigo –ainda não tinha o meu barco, mas eu conheci um amigo que eu comecei a pescar com ele e tal, aprendi muitas coisas com ele também; aí a gente pescou junto, pescamos juntos há cinco anos, mais ou menos. Ali eu aprendi muita coisa com ele, depois brotou o desejo, né, Deus me deu oportunidade de ter meu barco e ali eu dei prosseguimento à pesca.
P/1 – Descreve como que era um dia quando vocês saiam pra pescar, sem ser ainda profissionalmente.
R – A gente sempre quando vai pro mar a gente cria aquela expectativa, né, de capturar bastantes peixes, tal. E às vezes, quando menos a gente esperava, a gente era surpreendido com bastante peixe. Porque a pescaria ela é muito imprevisível. Você sai pra pescar, você não sabe qual o tipo de peixe que você vai capturar, mas o que aparecer e rolava muito disso, da gente ir para o mar pensando numa coisa e chegar lá acontecia outra, né, porque havia muito essa imprevisibilidade.
P/1 – E quantas pessoas saíam nesse barco?
R – Era eu e ele só.
P/1 – E como era esse barco?
R – Ah, um barco pequeno, de seis metros, do tamanho do que eu tenho hoje, mas a gente faz uma parceria muito legal, muito legal. A gente tinha um bom relacionamento, de parceria, né, e a gente conversava muito lá no mar, ria, brincava, pescava, se divertia muito. E com isso a gente voltava assim de lá muito alegre, muito satisfeito, a gente voltava assim realizado, com aquela sensação de que conseguimos o nosso objetivo naquele dia, entendeu? E isso era muito gratificante.
P/1 – Você falou que seus avós, e seu avô e seu pai são pescadores, né? Como que era a pesca aqui antigamente?
R – É, a minha avó dizia, que eu não conheci o meu avô, a minha avó dizia que o meu avô praticava uma modalidade de pesca que era pesca de fisga, né, que ele ficava de cima da pedra com a fisga e jogava para fisgar o peixe. Naquela época dava muito peixe, muita fartura de peixe aqui na região e havia essa possibilidade de se pescar com a fisga. Já meu pai pescou de rede também, de traineira, pescou de linha também e hoje eu me identifiquei mais com pesca de linha, com pesca artesanal mesmo.
P/1 – E que tipo de peixe eles pegavam mais, na época?
R – Meu avô, ele matava… de fisga, ele pescava muito olho de boi, né, que é o pitangola grande, peixe grande, 15 quilos pra cima. Já meu pai capturava diversidade de peixe, igual a mim hoje.
P/1 – E quando você era criança você acompanhava eles, quando eles iam pescar?
R – Meu pai sim, algumas vezes.
P/1 – Como que era pra você ir participar dessa pescaria do seu pai?
R – Era assim, era muito legal. Só que ainda não tinha aquela prática de pescar da forma correta, tal. Aí a gente aos poucos ia se adaptando, mas era muito legal. A gente capturava bastante peixe, e era muito bom, muito bom acompanhar meu pai quando ele pescava junto comigo.
P/1 – E eles viviam da pesca?
R – Sim.
P/1 –Como que fazia pra comprar? Vocês pescavam o alimento, mas também tinha outras demandas, né, mesmo de alimentação, de necessidades da casa e tal. Como que vocês faziam pra comprar, ter essas coisas?
R – É, o pescador ele... Por a pesca ela ser um pouco imprevisível, depende do tempo, depende das águas do mar estarem boas, o pescador tem época que realmente não captura nada, né? Então, às vezes, a gente tinha algumas dificuldades em casa porque a gente dependia totalmente da pesca, né? Mas sempre que a gente fazia uma pescaria boa, a gente tinha sempre uma reserva, guardava pra quando viesse a escassez a gente poder, né, ter aquele dinheiro pra comprar as coisas de casa, as despesas, entendeu?
P/1 – E como que era aqui a região antigamente? Tinha comércio? Como que era?
R – É, sempre teve comércio de peixe. A gente sempre tem comprador pra comprar os peixes.
P/1 – E mudou essa... Como que era antigamente? Quem comprava os peixes?
R – Quem comprava são as mesmas pessoas que compram até hoje. São atravessadores, né, no caso. Só que um tempo atrás havia muita fartura de peixe, mas o peixe também não tinha muito valor como tem hoje. Hoje tem menos peixe, mas o peixe tem mais valor.
P/1 – E como que se dá essa relação com o atravessador?
R – É, essa relação com o atravessador é comum de... A gente vende o peixe pra ele, uns pagam na hora, outros não, né? E infelizmente a gente tem que vender o peixe pelo preço que ele quer pagar. Hoje a gente não tem a autonomia de colocar o preço no nosso peixe. Pescador em Cabo Frio, nós não temos uma cooperativa. Então o pescador hoje ele vive na mão do atravessador e essa realidade ela já vem de muitos anos aqui na cidade de Cabo Frio.
P/1 – Você falou que faz pescaria de linha, né?
R – Isso.
P/1 – Tem outros pescadores que também fazem esse tipo de pesca aqui, artesanal?
R – Sim, sim.
P/1 – Como que vocês se organizam pra esse tipo de pesca?
R – A gente se organiza da forma seguinte: a gente tem o barco, a gente compra os equipamentos, as linhas, os anzóis, chumbada, os aparelhos, todos que próprio para pesca mesmo, de linha. A gente mesmo confecciona nossos aparelhos.
P/1 – Como é que é a confecção desses aparelhos?
R – É assim, você vai na casa. Você compra só o anzol puro e a linha. A linha você vai, pega ela, estica ela, prepara, aí você arruma um isopor, uma tábua pra enrolar aquela linha, tal. Aí ali você faz um –se você for pescar de anzol você faz uma pargueira, né, que a gente colocar dois, três, quatro anzóis e a chumbada embaixo. A gente mesmo que prepara, né? E tem outras modalidades de pescaria artesanal que a gente prepara em casa também, que são iscas artificiais na verdade, né, que tem o bate-puxa que a gente faz. Tem a forma que coloca chumbo. Aí a gente compra um cabelo artificial que vende aí no comércio em Cabo Frio e a gente confecciona aqueles aparelhos ali mesmo em casa, com a mão, pra capturar peixe.
P/1 – E quem te ensinou a fazer esse tipo de... Que você aprendeu?
R – Assim, você vai vendo a outra pessoa fazer, você vai vendo como é que é e você mesmo vai desenvolvendo a sua criatividade, entendeu?
P/1 – E você já ensinou alguém a fazer?
R – Não. Sempre aprendendo.
P/1 – Quando você sai pra pescar, quantas vezes por semana você sai?
R – Geralmente a gente sai, por semana, quatro, cinco vezes.
P/1 – E quantas horas vocês pescam, por dia?
R – Uma faixa aí de seis horas, sete horas.
P/1 – Que tipo de peixe, tem algum tipo de peixe durante o ano que tem mais numa época, tem em outra?
R – Tem sim. Agora, mês de março, abril, vem a época da lula, né, onde a gente usa um aparelho chamado zangareio pra capturá-la, né? E a lula, ele dá na região de Arraial do Cabo e aqui em Cabo Frio também, e a gente tá sempre capturando ela aí.
P/1 – Como que é esse aparelho?
R – O zangareio é um aparelho que parece uma lulinha mesmo, de chumbo, e tem umas garrazinhas em baixo, onde ela cola ali e puxa. Aí ela fica, ela se agarra ali naquelas garras. E tem outros peixes que a gente captura de linha, xareletes, anchova, né?
P/1 – Qual que dá, vende melhor? Como funciona?
R – O peixe mais popular aqui na nossa região é o xarelete e anchova.
P/1 – Você falou que sai com seu barco, né?
R – Isso.
P/1 – Falou que o barco é seu. Como que você conseguiu esse barco, né, esse primeiro barco?
R – Foi assim, a história é muito interessante. Eu tive o primeiro barco, só que aí não sei, não dei sorte, o motor bateu duas vezes, aí eu vendi esse barco, falei assim: “pô, vou em busca de uma coisa melhor”, e comecei a guardar dinheiro, pescando com esse colega meu que eu te falei, que a gente pescou cinco anos juntos. Eu comecei a guardar dinheiro, tal, a juntar, abrir mão de muitas coisas, porque eu acho que quando a gente tem um objetivo na vida, a gente tem que abrir mão de algumas coisas em prol desse objetivo e a gente, pra conseguir alguma coisa, nós temos que ser determinados; e eu determinei isso pra minha vida. Eu juntei o dinheiro, falei que ia conseguir, corri atrás daquele objetivo e consegui.
P/1 – E onde que é que vocês costumam comprar o barco?
R – Na verdade, o meu barco, eu peguei um barco todo velho e só aproveitei dele a fôrma e o documento. Aí eu paguei o carpinteiro, ia comprando as madeiras, pagando a mão de obra e ele foi fazendo. Aí outro rapaz pintou pra mim, ficou pronto.
P/1 – Quando você sai com mais de uma pessoa pra pescar, como é que vocês fazem com a questão da venda? O dinheiro de vocês?
R – A venda é o seguinte, quando sai duas pessoas pra pescar: uma parte é do barco, a gente sempre faz assim, tira a despesa do que foi gasto, óleo, gelo, isca ou alguma coisa assim e o resto a gente divide, tira a parte do barco e divide pela quantidade de pessoas. No caso, se foi duas pessoas, vai ter que ser dividida em três partes, uma parte do barco e uma parte pra cada um.
P/1 – E como é que é a relação entre os pescadores?
R – É uma relação boa, boa. Quando a pessoa é parceiro mesmo é uma relação boa, sim.
P/1 – Como que funciona a associação? Você falou que não tem cooperativa.
R – É, não tem cooperativa para a venda do peixe, então a gente chega do mar cansado, a gente já tem essa dificuldade de vender o peixe, então a gente chega ali e entrega ao atravessador.
P/1 – Entendi. Mas como que os pescadores se organizam? É um processo mais individual?
R – É um processo mais individual.
P/1 – Cada um...
R – Cada barco faz a sua pescaria.
P/1 – Como que é assim quando os pescadores se reúnem? Existe alguma confraternização, algum costume entre vocês? Festa?
R – Assim, o dia a dia do pescador na beira do cais, todos os dias de manhã, se você vier aqui na beira do cais você encontra aquele grupinho de pescador conversando, o que que o outro capturou ontem, quem pescou o que e ali a gente conversa, a gente brinca. E confraternização, quando tem alguma assembleia assim na colônia e tal, quando se concentra maior quantidade de pescador. Porque aqui em Cabo Frio é assim, aqui na passagem se concentra uma quantidade de pescador, ali embaixo da ponte se concentra outra quantidade de pescador, e na Gamboa, né, em outros pontos.
P/1 – E como é que são essas assembleias dos pescadores?
R – É quando tem alguns assuntos que interessa ao pescador, a colônia sempre convoca uma assembleia geral, né, e pra poder assim tá fazendo as comunicações a respeito de recadastramento de carteira, alguns processos, alguma coisa que traz benefício ao pescador.
P/1 – E qual o seu papel na associação?
R – Na colônia?
P/1 – É, na colônia, desculpa.
R – Hoje eu estou exercendo o cargo de tesoureiro na colônia.
P/1 – Como é que é o cotidiano desse cargo?
R – É assim, a colônia ela hoje tem algumas dificuldades, né? Porque o pescador, nem todos os pescadores andam em dia com a casa, então a gente tem uma grande dificuldade de manter a colônia aberta. E o pouco que entra é pra pagar as despesas, as dívidas, mas graças a Deus a gente vem conseguindo caminhar um pouquinho com nossas próprias pernas, porque ainda não temos ajuda de governo, tal, né?
P/1 – A associação em si, cooperativa, desculpe, ela trouxe alguma mudança aqui pro local?
R – A colônia de pesca?
P/1 – É, a colônia.
R – É, a colônia, de algum tempo pra cá, ela vem desenvolvendo um trabalho assim, um papel muito importante na comunidade de pesca, que é a regularização da documentação dos pescadores, onde o pescador vai lá, tira uma carteira, tem direito a um defeso, que é um... Algumas espécies têm um período de defeso e o pescador artesanal ele tem direito de entrar em algum defeso dessas espécies, né? Então a colônia vem desenvolvendo esse trabalho, organizando toda a parte de documentação de pescador.
P/1 – E além da pesca, vocês desenvolvem outras atividades pra arrecadar fundo?
R – Eu, por exemplo, não.
P/1 – E dá pra sobreviver da pesca? Bem assim?
R – É aquilo que eu te falei. A pesca é muito imprevisível, então você tem que saber administrar bem aquilo que você ganha.
P/1 – Pensando aqui na região, como que algumas mudanças assim com turismo, como que tá aqui a região? Como que era? Como que é?
R – Cabo Frio sempre se desenvolveu como uma cidade turística, mas esse setor do turismo pesqueiro ele precisa ser mais assediado na cidade, né, porque muitos não conhecem. Nós temos ilhas bonitas, e pode ser realizado nesses locais, assim, um turismo pesqueiro, de levar pessoas pra conhecer, para pescar. Isso seria uma outra fonte de renda para os pescadores também.
P/1 – Vocês estão então pensando em buscar outras fontes de renda?
R – É, buscar outras fontes porque a pesca ela vem sofrendo muito, por causa da pesca predatória. O pescador artesanal vem sendo muito prejudicado pelas embarcações grandes, pela quantidade de redes. Então a gente percebe que os anos vão se passando e a pescaria vai diminuindo.
P/1 – E como que se dá essa relação de vocês com os pesqueiros maiores?
R – A gente não tem muita relação com esse setor não.
P/1 – Qual assim, pensando aqui que é uma região de turismo, qual a relação da época de temporada, o consumo de peixe?
R – Na época da temporada, as vendas de peixe aumentam, então o peixe dá um preço melhor. Tendo pescaria pra se pescar, a possibilidade de você vender esse peixe mais caro é maior.
P/1 – E em relação ao aumento de fluxo de barco, tem alguma mudança?
R – Não, porque as embarcações que pescam tanto na temporada quanto no inverno são as mesmas. O que aumenta é a movimentação de lanchas, jet skis, de esporte recreio, e também prejudica a gente.
P/1 – Vocês sentem uma mudança quando tem a presença desse tipo de…?
R – É, porque vem muita gente de fora aí vai pras ilhas onde a gente tá pescando, pra mergulhar e tal. Às vezes, a gente tá ali capturando um peixe, aí vem uma lancha, solta mergulhadores no local onde a gente tá pescando, aquilo espanta a pescaria. Então a gente, no verão, tem que dividir as ilhas com o turismo.
P/1 – Essa questão de ter embarcações que chegam, elas influenciam o tipo de peixe que vocês pegam? Acaba influenciando?
R – As embarcações de turismo?
P/1 – É. Mudam? Os peixes migram de lugar?
R – É, às vezes, acaba espantando um pouco.
P/1 – Em relação à exploração de petróleo aqui na região do litoral, isso afetou de alguma forma?
R – Sempre afeta, né? Sempre afeta.
P/1 – Como?
R – A gente percebe que as empresas de petróleo elas vem ganhando os seus espaços e à medida que ela vai ganhando espaço, o pescador vai perdendo espaço, não é verdade? E a gente sabe que as perfurações, as sísmicas que são feitas, elas causam alguns impactos ao meio ambiente. A sísmica, por exemplo, onde ela passa fica muito tempo sem dar peixe naquele local.
P/2 – O que é uma sísmica?
R – A sísmica é uma operação que eles fazem sobre os locais que eles vão perfurar os poços, né? Na verdade a sísmica é assim, eles passam num local pra fazer uma pesquisa pra conhecer aquele local. Pra ver se ali é um local apropriado de se perfurar para extrair o petróleo. Só que essa sísmica ela dá muitas ondas de choque no peixe, então onde passa a sísmica, fica muito tempo sem dar peixe. Isso vem sempre acontecendo. E a gente percebe que a cada dia, à proporção que isso vai aumentando, pescador ele vai sendo prejudicado e perdendo seu espaço para pescar.
P/1 – E vocês acabaram tendo uma delimitação além da diminuição de peixe, de área de pesca?
R – Por exemplo, em volta da plataforma tem uns quinhentos metros que embarcação nenhuma em volta da plataforma pode entrar dentro desses quinhentos metros, senão ela é multada. Então aí você percebe que as embarcações vão perdendo os seus espaços, na medida em que vai tendo mais plataformas, quer dizer, cada uma quinhentos metros, e vai tendo, isso vai aumentando. Isso sem contar, às vezes, alguns acidentes que acontecem, como derrama óleo, umas coisas desse tipo assim, que sofrem o pescador, o meio ambiente sofre com esses impactos. Isso também vai diminuindo a pescaria.
P/1 – Aqui na região, vocês observaram algum impacto no meio ambiente?
R – A gente percebe sim. A gente percebe que a cada dia o peixe vem sumindo, seja por esses aspectos e por outros também, como a pesca predatória, que eu já falei. Então, a cada dia, as embarcações pequenas vão sendo prejudicadas.
P/1 – Qual a importância da pesca na sua vida?
R – A pesca pra mim é tudo. Acho que... Eu acostumo até falar em casa pra os meus amigos, que quando eu fico muito tempo sem ir pro mar pescar, eu começo a ficar até doente. Acho que eu não consigo ficar muito tempo sem ir no mar. Eu acho que parece até que o corpo já pede: “Vai pro mar”. Tem até uma historinha: “Tá nervoso? Vai pescar!”, né? Então acho que quem gosta da pesca, tá no sangue, nunca desiste da pesca mesmo porque gosta e é muito bom quando você trabalha e faz aquilo que você gosta. Há alguns dias eu comentava com um amigo, que você pode ter o maior salário num emprego, mas se você trabalha numa coisa que você não gosta, aquele salário não vai significar nada pra você. Às vezes a pescaria, hoje ela não te dá uma estabilidade, como eu falei que a pesca é imprevisível, ainda vem acontecendo essas coisas que eu falei, da pesca predatória. Então ela vem sempre diminuindo, então a pesca hoje ela não te traz uma estabilidade. Então a coisa só vem se apertando a cada vez mais. Então hoje só fica na pesca quem gosta mesmo. Hoje o pescador que vive da pesca hoje é porque gosta, é porque ama, porque tem suas raízes na pesca. Mas eu tenho orgulho de dizer que eu sou pescador.
P/1 – Você falando de gostar de pescar, né, como que você vê pros jovens, a pescaria? Eles se interessam?
R – Eu acho que hoje tem que se criar projetos que incentivem a pesca porque por mais que a pesca tem todas essas dificuldades, mas a pesca é uma profissão digna, uma profissão bonita, onde pescador desenvolve um trabalho muito importante na sociedade, porém um pouco desconhecido. Eu acho assim, muito importante que se incentive a pesca, que se passe um pouco a história da pesca para aqueles que são mais jovens para que ele venha conhecer e se interessar por isso também. Porque lá na frente, se não tiver quem substituir a gente, como que vai ser da pesca?
P/1 – E ao que você atribui essa relação hoje em dia de não ter tanto interesse
pela pesca?
R – Assim, acho que pela falta de estabilidade mesmo. Acho que hoje as pessoas não se interessam e porque se criaram também uma imagem do pescador assim muito ruim, né, porque o pescador não gosta de trabalhar, porque não ganha bem, porque pescador, ser pescador, não é uma profissão digna, tal. Mas a gente que somos pescadores a gente sabe que isso não é verdade, porque todo o trabalho digno é abençoado por Deus.
P/1 – E o que que você acha que podia fazer pra que o jovem se interessasse?
R – Que se divulgasse mais a pesca. Divulgasse mais a importância de conhecer o trabalho em que o pescador desenvolve. Como é a vida do pescador no mar, as dificuldades, o que o pescador passa pra poder trazer o seu sustento pra casa, enfrenta temporais, ventos, chuvas, né, são muitas dificuldades que um pescador enfrenta pra poder trazer o sustento para a sua família.
P/1 – Fala um pouquinho sobre essas dificuldades, alguma situação que você passou.
R – As dificuldades são as seguintes: às vezes a gente sai pro mar, a gente não sabe o que vai acontecer. Às vezes algum acidente com a embarcação, às vezes um tempo vira de repente, ventos fortes, chuva, temporal, raios e essas são assim as dificuldades que o pescador passa. Às vezes a pescaria não tá boa, né, porque pescador quando sai pra pescar ele já sai com a despesa. Ele coloca óleo, ele coloca gelo, coloca isca, ele compra aparelhos de pescarias, então o pescador quando sai pra pescar, se ele voltar sem nada, ele já fica com essa despesa pendente, né? Então o pescador sai, ele tem que trazer alguma coisa, nem que saia pra pagar a despesa que foi feita, e às vezes isso nem sempre acontece. Então tem os dias bons e tem os dias ruins, né? Há o dia da pesca, e o dia do pescador.
P/1 – E você já passou alguma situação de risco no mar?
R – Ah já sim, de ter correr rápido no caso de um vento forte, tempo, ou ter que se esconder atrás da ilha por causa de um temporal.
P/1 – E a questão de tecnologia. Ajudou ou teve alguma...
R – Não, mais experiência mesmo. As embarcações pequenas não trabalha com muito aparelhos assim não.
P/1 –Edson,você é casado né? Como que você conheceu a sua esposa?
R – Na verdade eu não conheci a minha esposa na pesca, eu conheci na música, porque eu sou músico também, ela também é musicista. Então a gente se conheceu numa banda de música.
P/1 – E vocês tocam e ganham dinheiro com a música ou é lazer?
R – Já chegamos a tocar e ganhar, mas hoje a gente parou um pouco. Porque veio filho e tal, aquelas dificuldades. Tempo também, a gente não teve tanto tempo pra se dedicar à música. Mas a música também foi uma coisa muito importante na nossa vida.
P/1 – Fala então um pouco sobre isso.
R – A música é um lado assim muito bonito do ser humano também. O ser humano, a pessoa que desenvolve um trabalho musical. Acho que isso também é uma coisa que tá na veia, tá no sangue também a música. Eu reconheço que a música também é uma coisa muito importante na minha vida também.
P/1 – E onde que vocês costumavam tocar?
R – Nós tocávamos na Sociedade Musical 13 de Novembro. Era uma banda de música, uma banda civil, onde a gente participava em concurso de banda, participava de eventos, procissões, tocava em procissões, tocava em inaugurações de escolas, de praças, desfiles cívicos. Aí era muito legal.
P/1 – E onde você aprendeu a tocar?
R – Na própria sede da banda.
P/1 – Vocês tiveram filhos?
R – Um só.
P/1 – Você gostaria de ensinar pra ele pescaria?
R – Sim.
P/1 – E pensando, antigamente, quando você era jovem, você pensava em que profissão quando você crescesse?
R – Eu nunca tive muito essa intenção de saber o que que eu ia ser da minha vida, tal. Eu sempre fui almejando na vida aquilo que chegava em minhas mãos, todas as oportunidades que chegavam até mim eu ia pegando. Mas eu percebia que dentro de mim tinha algo voltado pra pesca mesmo. E foi uma coisa, a pesca é uma coisa que acontece naturalmente na vida de qualquer pessoa. Eu acho que a vida ela te dá oportunidades, mas ela também te leva pra caminhos que você tem que fazer uma escolha. É você que escolhe, é isso que você quer? Ela te “amostra”, você percebe como que é e ali você faz a sua escolha. E eu escolhi ser pescador.
P/1 – Se tivesse que mudar alguma coisa na sua vida, o que seria?
R – Se eu tivesse que mudar alguma coisa na minha vida?
P/1 – É.
R – Eu gostaria muito que mudasse assim, na minha vida, na verdade, é que a pesca fosse mais reconhecida como uma profissão digna, né, como pessoas sérias, pessoas que não são diferentes de ninguém. E fazer com que a pesca fosse assim uma revolução na sociedade.
P/1 – Como que você imagina essa revolução na sociedade?
R – O pescador, ele também, há algum tempo ele vem ganhando seus espaços também. Ele vem perdendo de um lado, mas também vem ganhando de outro. Que o governo federal vem reconhecendo, o pescador vem incentivando a pesca de alguma forma, com financiamentos, com linhas de crédito, né, e que isso pudesse ser... E o fato do pescador, essas coisas estarem acontecendo, isso também vem despertando muitas outras pessoas para o setor da pesca e a gente tem que ter esse cuidado também, que têm pessoas que não são pescadoras, não são pescadores, que querem embarcar na nossa porque tá vendo as coisas acontecerem. Mas na verdade não sabem as dificuldades reais, legítimas que o pescador passa, tem.
P/1 – Você falou do governo, né, que ajuda. Como é a relação do governo com os pescadores?
R – A relação governo, de alguma forma, vem se tentando incentivar a pesca, mas ainda é algo muito fechado ainda. Isso precisa se abrir, precisa expandir mesmo a pesca no Brasil.
P/1 – Tem alguma questão relacionada especificamente à pesca artesanal que você acha que o governo tem feito?
R – Que o governo tem feito?
P/1 – É, alguma lei, algum incentivo.
R – É, na medida do possível, sim, mas a gente percebe que tudo para o pescador é mais difícil. E o apelo que a gente faz é que o governo possa facilitar mais a vida do pescador. A parte de documentação, pro pescador ter acesso a outras coisas que são necessidades reais, né? Como a saúde, como a educação.
P/1 – O que que é importante pra você, hoje?
R – O que que é importante pra mim hoje? A minha família.
P/1 – E quais são os seus sonhos?
R – Os meus sonhos ? É cada dia que eu for pro mar, eu consiga assim realizar os meus objetivos; e os meus sonhos é que a minha família também tenha assim, meu filho, por exemplo, uma boa educação, né, consiga superar todas as dificuldades da vida. A gente sabe que a vida, hoje, existe muitas dificuldades, e o sonho é que todos os pescadores consigam manter e sustentar a sua família e consiga ter uma vida digna.
P/1 – Tem alguma pergunta que não foi feita, mas que você acha que é importante falar?
R – Você perguntou pra mim a respeito da música, perguntou a respeito da pesca. Eu também tenho um sonho assim muito importante. Tem um outro lado da minha vida que as pessoas não conhecem tanto, que eu faço parte de um grupo onde a gente desenvolve trabalho social nas comunidades. E a gente tá iniciando um trabalho social numa comunidade aonde a gente, na verdade, é um projeto escola, né, aonde a gente vai fazer um trabalho de intervenção, de prevenção às drogas, onde a gente tenta, através de Deus, assim, tenta mudar a realidade dessas pessoas que se encontram sendo exploradas pela droga, pela pedofilia, e outras, pela prostituição. E eu faço parte de um grupo que a gente tem desenvolvido um trabalho dentro de uma comunidade, onde a gente pega as crianças pra ensinar um teatro, uma dança, um artesanato, tal. Falar um pouco também do meio ambiente pra essas crianças e isso também é um sonho, fazer com que a gente possa transmitir algo de bom pras pessoas.
P/1 – Edson, como foi contar sua história?
R – Pra mim foi uma oportunidade muito legal. Acho que foi a primeira oportunidade que eu tive. Foi muito legal assim poder contar um pouquinho daquilo que a gente vive, daquilo que a gente pensa, daquilo que a gente sonha e deixar uma mensagem pra todos os jovens, todos aqueles que têm um sonho, um objetivo, para nunca desistir. Sempre ser uma pessoa objetivada, né, porque quando a gente tem um objetivo, por mais que a gente tenha que abrir mão de algumas coisas pra aquele objetivo, é necessário, mas tudo tem as suas vantagens, tudo tem as suas dificuldades também, mas tudo também tem as suas realizações. Então eu deixo essa mensagem pros jovens: sempre procurar os melhores caminhos da vida porque a vida é uma só e as oportunidades passam e nem sempre as oportunidades se repetem, são as mesmas. Então todas as oportunidades que um jovem tiver, que seja bom pra vida dele, que ele possa abraçar e nunca desistir. Porque a gente sabe que a juventude, hoje, ela há muitas coisas que tenta envolver o jovem, até mesmo para, até mesmo as drogas pra destruir a vida do jovem. Mas existem muitas coisas que o jovem pode também se envolver e a pesca é uma delas. Então eu tenho certeza que a pesca tem o poder de transformar a vida de uma pessoa também. Mudar a rotina de vida de qualquer pessoa, porque a pesca não só é uma profissão, mas como um terapia, como uma coisa legal de se fazer. Eu, por exemplo, gosto de pegar minha família, vim pro canal pescar, jogar uma tarrafa, jogar uma linha. A gente percebe que, quando a gente faz isso, os nossos dias são melhores.Recolher