Sempre há momentos em nossas vidas, em que navegamos em oceanos turbulentos. Sofremos ao ver embarcações naufragar e de repente relaxamos, pois nos damos conta de que é apenas uma inofensiva marola.
Há 54 anos, Francisco dos Santos Ribeiro realizou o sonho de viajar de navio, um presente suc...Continuar leitura
Sempre há momentos em nossas vidas, em que navegamos em oceanos turbulentos. Sofremos ao ver embarcações naufragar e de repente relaxamos, pois nos damos conta de que é apenas uma inofensiva marola.
Há 54 anos, Francisco dos Santos Ribeiro realizou o sonho de viajar de navio, um presente sucedido pelo seu mérito e de seu filho que o ensinou a ler e escrever. Ele precisava se alfabetizar, porque decidiu vir para o Brasil e naquela época quem quisesse vir, além de ser alfabetizado, deveria ter alguém que assumisse as responsabilidades de moradia e emprego. E como ele tinha uns amigos que lhe prometeram ajuda, resolveu vir e tentar construir uma nova vida e então trazer a sua família.
Chiquinho, assim conhecido pelos seus amigos, trabalhou duro por durante um ano e colheu a recompensa de uma casinha simples e pequena,
comparada a sua casa em Portugal e uma razoável quantia em dinheiro, o que lhe deu o prazer de ter a sua família ao seu lado de volta. Através do Cônsul Geral de Portugal, Francisco enviou uma carta de chamada para sua esposa, comprovando para o consulado que teria preparado o território para sua família.
Uma bela família formada por dois filhos e uma filha, Chiquinho e sua esposa Georgina lutavam pelo melhor, e acreditavam na mudança. Eles decidiram vir, por causa do regime militar, época de Salazar uma ditadura ferrenha. Os rapazes ficavam por volta de um ano aquartelados em Portugal, depois ficavam três a quatro anos servindo na África, que era colônia dos portugueses. Todos sofriam e muitos morriam e Francisco nunca jogaria seus filhos para os leões.
Com a chegada da carta tudo começa a mudar, o seu filho prodígio mal conseguia dormir, a sua esposa fez as malas com apenas o necessário, seu outro filho brincava de pião e a sua filhinha estava dormindo no colchão. Tudo pronto para a primeira e tão sonhada viagem marítima.
1º de março de 1959, o dia amanhece muito frio como de costume, e todos seguem em busca de um futuro promissor. Lá estava o Eugênio C., poderoso navio no qual navegaram por durante dez dias. Vendo apenas o céu azul no dia e estrelas em uma noite muito gelada. Antônio, filho prodígio, contava os dias para a chegada. Mas enquanto não tinha chego, ele resolveu ajudar em algumas atividades no navio, em troca ganhava uns trocados, que guardava para alguma necessidade. O dia se aproximando e a ansiedade borbulhando, assim como aquele belo oceano que borbulhava aos saltos magestais dos golfinhos, que saiam e entravam levemente. Caindo de forma que espalhasse as águas, fazendo com que tivessem fogos de artifícios de emoção!!
Uma viagem tranquila, realizadora e finalmente depois de um ano o encontro tão esperado. Chiquinho estava com um botão de rosa nas mãos e os olhos cheios d’água, que jurava ter sido um “cisco” que entrou nos seus olhos. Em prantos Georgina seguia com sua filha nos braços e um suéter vermelho que fez para seu marido durante a viagem. Mal sabia ela o calor que a esperava! Os seus
filhos estavam elétricos, com sorriso de orelha a orelha. Todos confiantes e cheios de esperança.
A adaptação não foi nada difícil, eles adoraram o país, o clima, as pessoas. Foi
um tempo de descobertas e muitas conquistas. Francisco estava trabalhando como cobrador, em uma linha de ônibus circular chamada viação Brasília, Georgina ficava em casa e cuidava das crianças, Antônio que já estava com os seus doze anos de idade começou a trabalhar na feira, vendendo limão. Ele fazia muito sucesso com o seu sotaque português, conseguia vender muito e todo o dinheiro que ganhava dava para a sua mãe comprar comida. Então a tarde ele ia para a escola, lugar onde teve a certeza de que tudo só depende da nossa vontade.
Passaram-se 5 anos, e a situação da família era só melhorar. Francisco comprou um terreno e começou a construir uma casa nova, abriram um armazém de secos e molhados onde Antônio começou a trabalhar, Georgina
ficava no armazém no período em que seu filho estava estudando, e cuidava das atividades domésticas. De fato que todo esse empenho lhes trouxe muitos benefícios. Dois anos seguintes Chico resolve voltar para Portugal, sozinho. Com o objetivo de quitar uma grande dívida que havia feito antes de sair, e então voltar a sua batalha.
Com o coração bem apertado, feito saco de batatas, chega a hora da despedida. O grande mestre pega a sua pequena mala, o dinheiro e o suéter vermelho. A sua vontade é de ficar e de nunca mais ter que deixar a sua família. Mas dívida é dívida, uma promessa! E promessa são feitas para nunca serem esquecidas.
Eugênio C., partiu de São Paulo para o Rio de Janeiro e então para Portugal.
Uma viagem um tanto quanto tranquila, até que no 3º dia de viagem o navio acelerou um pouco mais para socorrer outro. E nesta corrida houve uma explosão na caldeira do navio onde Francisco estava.
O poderoso navio começa a incendiar em meio ao oceano atlântico Sul e a notícia a dominar como fumaças. O desespero vem a tona e o que antes parecia ser um sonho, acabou se tornando o pior dos pesadelos. Georgina no conforto de sua casa, fazendo o almoço e ouvindo rádio, ouve uma notícia de que aconteceu um incêndio no navio em que seu marido estava, e que nenhum dos tripulantes nem passageiros teria conseguido se salvar.
Foi como ver toda a essência de futuro se diluir! Quando Antônio chegou da escola, viu sua mãe caída, chorando desesperadamente, mal conseguia falar. Ao seu lado tinha apenas um diário, que estava aberto, e com as pétalas da rosa que Francisco lhe deu. Tão secas pelo tempo, e num instante se molha com suas lágrimas de dor! Antônio logo percebe, e entra em desespero perguntando para sua mãe o que tinha acontecido. Ambos tentam evitar contar para as crianças. Mas foi inevitável esconder por muito tempo, pois a notícia começou a se espalhar. Depois de toda essa batalha vivida, todo este empenho, o maior alicerce da família se foi. Deixando tristeza e angustia. Mas a vida tinha que continuar...
Georgina continuou cuidando da casa e trabalhando no armazém, Antônio continuou estudando e ajudando sua mãe, seu irmão como não tinha tanta aptidão profissional, estudava e cuidava da irmã.
O clima era de vazio e necessidade. Era como se realmente, que de fato estava faltando um pedaço na fatia de bolo. Passaram-se uma semana e as coisas pareciam não mudar.
Numa tarde de muito Sol, Antônio estava em casa se preparando para ir nadar na cachoeira com seus irmãos. Quando estava saindo se esbarrou em um carteiro que lhes trazia uma carta. E naquela época não era como hoje, todos tinham expectativas para a chegada de um carteiro. E hoje muitas vezes queremos correr deles! Mas uma coisa é certa, aquilo que Deus nos destina ninguém tira, nem mesmo a fatalidade. Na carta quem escrevia era o seu pai, Antônio não sabia
o que fazer... Correu, abraçou a sua mãe e falou com voz alta e vibrante que o seu pai estava vivo! Georgina chorava feito criança e abraçava seus filhos. Chiquinho falava que estava tudo bem, e que na verdade o acidente teria ocorrido com outro navio da mesma frota marítima ao qual foram prestar socorro, falou também que quitou a sua dívida e mandou as passagens, para se despedirem finalmente de Portugal e então voltar todos juntos para continuar a vida.
A alegria reinava e a ansiedade começava a borbulhar, só que agora feito borboletas que dão o seu primeiro voo ao sair do casulo, tal como renascer! As malas estavam prontas e com muitas roupas de frio, pois era inverno e todos estavam contando as horas para ver Francisco. Bem chegada a hora e todos se preparam para 10 dias de uma longa viagem. As ancoras foram sarpadas e o navio se foi. Imponente cortando os sete mares, em meio a um oceano sem fim, que carregava toda a energia do Universo.
Em um momento só para eles sentirem um gostinho de aventura, teve uma tempestade horrível em meio ao oceano atlântico norte, já chegando em Leiria- Portugal. Mas para o sossego de Georgina que tremia em baixo das cobertas, soando que nem cuscuz, não aconteceu nada. A viagem seguiu tranquila e segura...
Chegando ao porto enquanto o rebocador levava o navio, eles procuravam por Chiquinho, olhando de cara em cara... E lá estava ele, encostado em uma estátua de Cabral, que tinha próximo ao caís, segurando um boque de flores e chorando muito... Agora nem precisou fingir que foi um cisco que teria entrado nos seus olhos.
Seus filhos correram em sua direção, e o abraçou como se não fosse haver amanhã, e Georgina segurando as coisas e chorando também, mal conseguia acreditar. Jogou tudo no chão e o beijou como jamais teria beijado antes.
Eles aproveitaram bastante o friosinho de Portugal, e antes de voltar para o Brasil aproveitaram para brincar de rolar pedra, uma de suas brincadeiras mais divertidas e que não tem como brincar aqui. Eles subiam no alto de um morro, onde só havia oliveiras. Então pegavam uma pedra de 1 palmo de grossura, faziam uma bola de neve
envolvendo –a e jogavam morro a baixo... Ela ia crescendo, e crescendo... Até que dava de encontro com um carvalho ou oliveira e explodia!! Era a coisa mais linda e ficava ainda mais, quando tinha uns raiozinhos de Sol, pois se formava um arco íris. Foi o mês mais feliz de todos desde que chegaram lá. Mas a intenção deles só era se despedir, e então voltar para o Brasil, pois já se consideravam natos. Amor incondicional que tiveram pelo nosso país que alimentava cada vez mais o desejo de encontrar o seu lugar ao Sol.
Realizado e com a missão de viverem felizes e juntos até o seu fim, Francisco os ensina que a vida é muito mais do que problemas... “É um navio cargueiro de dinamites acesas!! Por isso devemos entregar os nossos caminhos nas mãos do Senhor para ele tudo fazer.” Chiquinho e sua família se deram bem na vida, pois sabiam que o verdadeiro segredo da vida era NÃO TEMER!
Wesley Brito.Recolher