Museu da Pessoa

A militância é uma escola

autoria: Museu da Pessoa personagem: Bartiria Lima da Costa

Projeto: Memória de Habitantes

Realização: Instituto Museu da Pessoa

Entrevista de: Bartíria Lima da Costa

Entrevistada por: Douglas Tomás

Rio de Janeiro, 24 de março de 2010

Código: FUS_CB020

Transcrito por: Denise Yonamine

Revisado por: Amanda Souza Xavier de Lira

P/1 – Bartíria, eu vou começar pedindo o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.

R – Bartíria Lima da Costa. Endereço: rua José Getúlio, 192, apartamento número 9, São Paulo, bairro Aclimação. Nasci no dia 17 de junho de 1955.

P/1 – E em qual cidade?

R – Manaus.

P/1 – Você pertence a alguma organização, Bartíria?

R – Sim, eu sou presidenta da Conam, que é a Confederação Nacional das Associações de Moradores. Mas, antes de ser presidente da Conam, eu milito no movimento comunitário há mais tempo. A gente faz um percurso na Associação de Moradores. Aí a Federação Municipal... Já fui presidente da Federação Municipal, em Nova Iguaçu, e atualmente presidenta da Conam. E a primeira presidenta mulher.

P/1 – E quando é que você começou a militar e a participar?

R – Em 1987. Na militância, eu comecei em 1987. Trabalhava numa clínica particular como enfermeira e vendo a situação da população muito carente naquela região. Com o tempo, convivendo com as pessoas… Eu não conhecia a Associação de Moradores. Depois que eu fui numa reunião para ver os problemas das famílias em relação à saúde, descobri que tinha um movimento de associações em que as pessoas se organizavam em busca de melhores condições de vida. E me interessei, porque sempre tive muito apreço por essas questões junto à população. Chamaram-me para uma reunião e, dessa reunião, nunca mais eu saí. Estou aqui, presidenta da Conam.

P/1 – Isso em Nova Iguaçu?

R – Isso em Nova Iguaçu. Quando eu vim de Manaus, fui direto para Nova Iguaçu. Vim para o Rio de Janeiro, esse período todo. Estou em São Paulo há três anos porque a sede da Conam é em São Paulo.

P/1 – E por que você saiu de Manaus e veio para o Rio?

R – Simplesmente porque eu tinha muita vontade de conhecer, ter novos horizontes. Eu tinha vontade de fazer Medicina. Em primeiro, fazer Enfermagem. E depois fazer Medicina. Tinha uma família... Principalmente o meu avô não entendia muito bem, porque achou que era uma profissão que não era para mulher, criada para saber ler e escrever. Não mais do que isso. Casar e ter filhos. Esse não era o meu objetivo. Desde criança, já não pensava assim. Minha mãe tinha uma noção muito mais avançada do que o meu avô. Tinha clareza de que era necessário avançar mais e me deu todo apoio. Não que em Manaus eu não tivesse oportunidade, mas eu acho que eu tinha essa dificuldade de ter esse incentivo. Vim para o Rio. Claro que eu não fiz Medicina também, porque sou de uma família pobre e não tinha condições, mas fiz Enfermagem pela Escola da Cruz Vermelha do Rio de Janeiro. Estudei e, depois que eu comecei a militar no movimento comunitário, eu deixei mais esse lado da minha vida de estudo e comecei a militar mais no movimento comunitário, lutando pelas condições de vida da população. E aí me ajudou um pouco a não ficar frustrada de não fazer a Medicina, que era o meu sonho na minha vida. Desculpe pela minha emoção... Hoje, essa militância me realiza como se eu tivesse num hospital, trabalhando, fazendo o que eu gostaria de ter feito.

P/1 – E você falou que começou em 1987. Nesses anos você se lembra de algum momento mais difícil? Um momento marcante, uma conquista?

R – Ah, são muitos movimentos, muitas conquistas, porque são movimentos que... A pessoa que fuma e não deixa de fumar porque se não passa mal... Tipo uma droga, que é uma coisa que entra, né? Só que essa é uma droga muito boa, muito saudável, porque você aprende muito. Digo que eu me sinto realizada porque eu sei que o que eu aprendi é uma escola de vida que universidade nenhuma dá. É uma escola

em que você aprende a ser mais humano. Você aprende a lidar com as pessoas, a entender as pessoas, a respeitar as diferenças, as divergências. Às vezes, você não tem conquista, mas você lutou por aquilo. Você cumpriu algo que era importante. Se você não tivesse lutado... As conquistas demoram muito a acontecer. Quando eu comecei a militar em 1987 outras pessoas já militavam antes. E muitas conquistas deles em anos nós fomos conquistando nesse período que eu entrei. Que, de 1987, a gente só conquistou na década de 1990. Outros, nós estamos conseguindo conquistar agora. Em 1988, nós fizemos uma campanha nacional com um milhão de assinaturas pelo Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (Fnhis) para que nós pudéssemos ter recursos para moradia. Todas as entidades que lutam por moradia e a Conam. Que a Conam não luta só pela moradia, mas por mais políticas públicas, educação, saúde, saneamento, transporte... Ela é mais ampla do que só a questão da moradia, como alguns outros movimentos que lutam mais especificamente. Nós, não. A Associação de Moradores é ampla. É uma entidade em que os moradores vão lá, até porque estão desempregados, por uma cesta básica, por problema da iluminação pública, problema de saneamento, de escola, do posto de saúde que está fechado e não tem médico. São várias as políticas, as demandas que a gente tem nos bairros e é por isso que a gente é organizado localmente, municipalmente, estadualmente e nacionalmente, na Federação. Há uma hierarquia da Associação de Moradores local, as Federações municipais, as Federações estaduais e a Conam. Então é um processo.

P/1 – Você é a presidenta da...?

R – Da Confederação Nacional.

P/1 – Nacional?

R – Nacional. Essa nossa mobilização, que foi feita com várias entidades, vários movimentos naquele período de 1988... Nossa coleta de um milhão de assinaturas, nós levamos para o Congresso. Não cabia no local. Eram muitos carrinhos. Eram muitos carros levando esse abaixo-assinado ao Congresso. Depois de 15 anos, nós tivemos uma vitória, né? Só depois de 15, 13 anos, nós conseguimos o Estatuto da Cidade, que, a partir daí, a gente começou a discutir a importância de ter um estatuto, de ter instrumentos que pudessem colocar em pauta a questão dos direitos e das funções sociais da propriedade e desses direitos. Foi constituído um Estatuto da Cidade que nos dá esses instrumentos. Depois de 15 anos, a gente tem promulgado realmente o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Por isso que eu digo que não é fácil. Você luta, lá de 1988... Muitas pessoas daquele período não estão mais, mas quem lutou se sente gratificado por ter passado e ter demorado tanto. Aqueles que entraram naquele período podem também aproveitar a conquista nesse momento, em outros momentos. São várias conquistas.

P/1 – Esse último que você falou foi agora, recente?

R – Eu sou muito péssima com datas, mas acho que foi 2007. Mas eu acho bom conferir, porque já foi com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi quando nós começamos a ter o Ministério das Cidades, que isso é uma conquista. Após a eleição do governo Lula, nós começamos a ter várias conquistas e, com a construção do Ministério das Cidades, começa a implementação do Conselho das Cidades e nós fomos colocando em pauta todas essas discussões que estavam no Congresso que não estavam ainda sancionadas, que não tinham sido votadas e, realmente, saiu da gaveta e a gente teve essa conquista.

P/1 – E, Bartíria, hoje quais são as propostas de vocês? As demandas da Conam?

R – A nossa demanda… Ainda hoje está em pauta essa questão da reforma urbana. Nós temos isso na pauta como uma das políticas fundamentais para o nosso país, que é a reforma urbana, porque quando nós conquistarmos isso nós vamos ter todos os direitos e os instrumentos garantidos. Como nós temos na área da saúde, que é a efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi uma das grandes conquistas que nós tivemos. Nós… Em 1988, com a Constituição, foi uma luta dos movimentos sociais. Nós participamos da constituição e de colocar na pauta o capítulo da reforma urbana e de constituir o Sistema Único de Saúde com todos os instrumentos e diretrizes. Nós construímos a Lei nº 8.080, a Lei nº 8.142, que vem depois para implementar o Sistema Único de Saúde. Isso também, para nós, é importante. A efetivação do SUS, a aprovação da Emenda Constitucional n° 29, que nós estamos lutando para a questão do recurso e para garantir os recursos para o SUS nos estados e municípios, para nós são importante, né? Para ter uma reforma urbana, ela precisa realmente ser sancionada, mas nós já temos vários elementos para que isso possa acontecer. Nós conseguimos a Lei nº 11.445 do saneamento, que é a diretriz para o saneamento, para que nós possamos ter um saneamento com qualidade. Também discutimos a questão da qualidade da água, a regularização fundiária, hoje um capítulo dado no programa Minha Casa, na Minha Vida, que foi uma luta muito grande nossa. E nós conseguimos. Essas são questões importantes, e a nossa luta é para que essas leis e essas políticas, que hoje já estão dadas, sejam implementadas. Para que elas possam realmente ser aplicadas. Que esses instrumentos sirvam para mudar a situação no nosso país em relação à questão das cidades, dos direitos das cidades, com qualidade de vida e com a perspectiva que a gente quer alcançar.

P/1 – Como é que vocês se organizam na Conam? Além disso que você me falou, no nível municipal, vocês fazem reuniões periódicas? Como é que é isso?

R – Sim. As associações de moradores têm o seu espaço. Se reúnem mensalmente ou de acordo com o estatuto delas, como prevê... São plenárias, são eleições. As federações também têm um conselho de representantes que reúne as associações daquele município, que faz os debates e orienta, nessa reunião, qual é a política traçada após o congresso, porque a associação faz uma eleição no bairro com reuniões, plenárias para eleger a diretoria. Na federação municipal, as associações são delegadas a vir para o congresso e eleger a diretoria. Assim é o processo estadual e assim é o nacional. O nosso último congresso foi em 2008, na Bahia, na cidade de Lauro de Freitas. E nós tivemos 2.100 delegados presentes. Nós elegemos 2.700 delegados na base, reunimos mais de 20 mil uniões e entidades locais entre as pessoas que participaram do processo e elegemos a nova diretoria, da qual sou atual presidente.

P/1 – Foi a primeira mulher?

R – A primeira.

P/1 – E como é que foi isso?

R – Foi uma conquista muito grande. Todos ficaram muito felizes. Não era nenhum pleito. Acho que a coisa se deu muito natural. Eu também não esperava. Eu era tesoureira da Conam. O processo foi caminhando, foi a discussão e foram vendo os nomes, apontaram o meu nome e houve um consenso. Foi uma votação. Uma chapa unitária de consenso de todas, porque a nossa entidade é uma entidade plural, tem várias forças políticas. Eu sou do Partido Comunista do Brasil (PcdoB), tem gente do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do Partido da Social Democracia Brasileira (Psdb), que não tem partido. Então, é uma entidade muito plural. Não é fácil você ter uma unidade com todas essas diferenças, divergências e ideias, mas é muito importante. E eu estou aqui para ver se eu dou conta desse recado.

P/1 – Bartíria, você está mais ligada à associação de moradores de São Paulo, de Nova Iguaçu...?

R – Hoje é a nível nacional. Eu sou de Nova Iguaçu, oriunda da federação de lá, onde eu militei durante esse período. Tenho todo o apreço e sempre estou lá, que é o MAB, a Federação Municipal de Nova Iguaçu. É uma entidade que tem uma luta histórica aqui no Rio de Janeiro, que ajudou a fundar a Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro (Famerj). Como eu não posso ficar aqui direto, eu não acompanho todo o processo, mas eu hoje tenho que acompanhar todas. Eu não posso ter prioridade única, mas o meu coração está em Nova Iguaçu.

P/1 – Eu ia pedir até para você falar um pouco do contexto da associação que tivesse mais próxima de você. Talvez fosse Nova Iguaçu, o contexto local.

R – Eu não estou mais militando localmente, mas Nova Iguaçu é uma cidade que, historicamente, sempre lutou pela questão tanto da saúde como do saneamento, porque a gente mora na Baixada Fluminense e a Baixada Fluminense é uma área que enche muito. A luta em Nova Iguaçu e na Baixada é uma luta muito importante, porque nós tivemos, em 1988, as enchentes na Baixada Fluminense. Nova Iguaçu foi uma das cidades muito atingidas, como Duque de Caxias, Belford Roxo... E nós fizemos uma luta muito grande chamada SOS Baixada, em 1988, onde nós lutamos pela questão do saneamento. Tem a história de que eu coordenei por um período, acho que de oito anos, o Comitê Político de Saneamento da Baixada Fluminense. Esse comitê reúne as federações da Baixada. Então, nós temos uma luta que é municipal, local, mas a gente também se reúne, se unifica regionalmente pelas lutas mais integradas da região, né? A minha associação de moradores chama-se Associação de Bairro da Vila São Michel. É na Estrada de Madureira, que realmente foi a primeira associação, em 1987, que eu comecei a participar, e que é uma das associações de moradores histórica, filiada ao MAB, que é a federação municipal. Tem muita história. Se eu fosse contar história do MAB seria mais do que a da Conam, porque eu tenho mais tempo de MAB, de federação municipal, do que de Conam.

P/1 – Bartíria como é a relação do Conam com a Aliança? A sua relação com a Aliança Internacional de Habitação (AIH)?

R – O processo da Conam com ela se deu com um presidente da Conam, o Edmundo Fontes, que passou a conhecer através de algumas reuniões internacionais, alguns encontros. Depois, a Conam faz parte da fundação da Aliança. Através desse ex-presidente da Conam, que é o Edmundo, a Conam ajudou... Eles dizem que foi uma conspiração [risos]. Eles fizeram uma reunião de vários países, inclusive com o Brasil, e o presidente da Conam naquele período ajudou a fundar a Aliança. Nós temos toda uma relação mais próxima. Nós fazemos parte de toda discussão, do trabalho, dos encaminhamentos, do planejamento. Claro que há alguns períodos mais devagar, outros mais... Nesse período agora, do meu processo que eu fui eleita, eu tenho dado mais... Não prioridade, mas eu estou discutindo mais, me aproximando a esse debate devido a campanha Despejo Zero, porque eu acho que é uma campanha muito importante. Aqui no Brasil a gente também tem esse processo muito sério. Esse trabalho da Aliança é muito importante internacionalmente e tem ajudado a gente a fazer esse debate aqui no Brasil. Eu tenho levado muito em consideração essa discussão da Aliança, que ela realmente quer colocar. E ela, para nós, é uma entidade que vem ao encontro da nossa política. Ela está mais próxima ao que nós debatemos. É uma entidade democrática ampla, que não está restrita a alguns grupos, mas que busca ampliar, discutir vários interesses que sejam de melhores condições de vida, que deem à cidade mais justiça, com seus direitos. E isso eu acho muito importante. Hoje estamos mais próximos e damos prioridade a esse debate junto à Aliança.

P/1 – Bartíria, como é que você enxerga isso a respeito do Fórum Urbano Mundial (FUM)?

R – Eu entendo o Fórum Urbano Mundial como um fórum de governo. Eu participei do Primeiro Fórum, em Nanjing, na China, e pude observar algumas coisas. Não deu muito para a gente entender o processo na China porque não tinha tradução para o português. Era só inglês ou chinês, então isso foi complicado. Mas, a partir do que eu percebi na China, ele é um fórum diferenciado. Era um espaço de governo e que não tinha muito espaço para os movimentos sociais. Não tinha muita participação. Talvez também porque a China seja muito distante, de difícil acesso. Mas, pelo que eu soube também, o de Vancouver não foi diferente. Quando nós saímos da China, nós entendemos... Fui enquanto representante do Conselho Nacional das Cidades, porque eu também sou conselheira. Eu fui representando o movimento popular com outros companheiros que estavam presentes, inclusive do próprio Ministério das Cidades e do Conselho. Sabendo que o próximo ia ser no Brasil, teria que ser diferente. Que o espaço do Fórum Urbano fosse um espaço que tivesse representação da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais. E não num espaço fora, mas dentro do Fórum Urbano. Nós criamos um grupo de trabalho (GT) das entidades que compõem o Conselho, que são dos movimentos populares, que é a União, a Comunidade por Moradia Popular (CMP), a Conam, o Movimento Nacional de Luta... E com outras entidades também que são do campo dos sindicatos e das organizações não-governamentais (ONGs) para que nós pudéssemos construir esses espaços. Nós começamos a discutir com o Conselho da Cidade que era importante discutir com a Organização das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) que a gente tinha que ter mais espaço das redes, dos eventos, das atividades, fora o oficial. Mas dentro do oficial nós também queríamos ocupar espaço. Conseguimos colocar algumas representações, tanto do Brasil como de alguns países, desse campo do movimento, tanto das ONGs quanto dos movimentos populares e sindicatos, para estarem nas mesas-redondas ou nas mesas de diálogo. Isso, para nós, foi uma conquista. Esse Fórum aqui está sendo onde tem mais eventos de redes, se comparado com os outros fóruns. Mas essa foi uma luta nossa muito grande. Eu acho que é um fórum de reflexão. É um fórum de se pensar como é que a gente avança para que esse Fórum seja mais democrático e que não venha só debater os projetos neoliberais, ainda com a visão conservadora, e projetos conservadores. Nossa pauta é que, nesse fórum aqui no Brasil, a gente apresente e saia com uma outra visão. Mas entendemos também que, apesar de ter esse projeto sancionado pela ONU-Habitat, mesmo sendo conservador, mesmo ainda não sendo projetos democráticos, tem outros países que apresentam experiências diferentes, já avançadas. É por isso que eu acho importante ter esse Fórum, ter essa pauta. Porque é tão difícil você saber que esses tipos de governos, esses países... Pautar num tema desses, tão importante… Acho que, já colocando a pauta, é um avanço. Agora, precisamos avançar mais para que nós possamos pautar cada vez mais e mostrar que tem outras experiências diferentes, para que a gente vá vencendo e combatendo esse processo neo-conservador, neoliberal, ainda de megaprojetos. Não de projetos sociais ou projetos que realmente deem uma pauta para aplicar uma reforma mais urbana, de direito para a cidade vencer os problemas que a gente vêm enfrentando. Como o climático, a questão que nós vivenciamos ultimamente dos grandes terremotos… Aqui no Brasil, das enchentes. No cuidar. Então, são várias as discussões que nós gostaríamos que fossem tratadas, fossem vistas, para que esses países vissem e pudessem mudar e fazer a diferença. E não só achar que isso é problema da natureza, que são fenômenos. Eles acontecem, mas só sofrem as consequências porque não existe um planejamento, um olhar para as famílias que precisam de moradia digna, de morar em lugar mais seguro, de estar mais protegidas. A gente vê as situações que acontecem no nosso país, aqui no Brasil, e acontecem no mundo.

P/1 – Bartíria, você já citou a Aliança. Vocês trabalham em rede com outros grupos...

R – Internacionalmente, nós...

P/1 – Internacional, dentro...

R – Internacionalmente, com a Aliança. A Federação Continental de Organizações Comunitárias (Fecoc) não está muito nesse debate. Está um pouco ausente. Seria uma entidade que poderia fazer essa articulação continental aqui na América Latina. Temos também uma entidade internacional do direito à energia, à qual nós somos filiados, e é um debate para nós de suma importância a questão do direito à energia. Nós temos vários países filiados. Muitos. A gente vê que os problemas são gravíssimos, gravíssimos, que fazem parte da questão das cidades, direitos… Como a questão da água, do saneamento, a energia também é um direito fundamental. Então nós também estamos filiadas a essa entidade...

P/1 – E como é que é esse diálogo? Como é que vocês trabalham?

R – Ah, é muito legal, muito interessante. A entidade fica na França e é uma rede que tem vários países, principalmente da Ásia, da África. Por consequência da falta de saneamento e de água, o problema lá é maior pela questão da energia, da falta da energia. Por incrível que pareça, a situação deles é em função da falta de energia. Por isso que ele tem o trabalho. E a articulação com esses países é muito forte, assim como também é na América Latina. A gente acompanha... Temos feito vários debates. Tivemos assembleia em Marrocos, no México… Aqui no Brasil, foi o último. No próximo ano, deve ser em outro país.

P/1 – Vocês usam essas novas tecnologias?

R – Não. É um discurso que não entra muito nessa questão da nova tecnologia, mas que é pelo direito à energia, como um direito da tarifa social. De discussão da questão mais social, do direito de todos a terem energia e que essas novas tecnologias não sejam para aumentar, mas para que essa energia avance para o mundo, para os países, para as cidades, mas com os direitos, certo? Por isso que eles levam muito o debate em consideração. “Luz para Todos”, aqui no Brasil. É uma experiência que alguns países acham muito interessante e nós, do Brasil, também, porque o interior, a área rural, não tinha. E esse programa “Luz para Todos” deu o direito a essa população mais carente a ter. Não é para discutir se a gente tem que ter mais hidrelétricas ou se esses projetos são importantes, mas que nós possamos ter energia garantida para aquele que mora distante da cidade, mesmo que seja área rural. Porque, às vezes, a energia não chega porque fica muito caro levar energia para uma família que tem 20 casas, para uma população de 30 mil, 20 mil habitantes e onde as casas são muito dispersas. Igual na questão do saneamento e da água, você levar uma tubulação para chegar água para dez pessoas... Fica muito caro. Como se essas dez pessoas não precisassem. Porque quem mora em área rural ou numa área não tão densa tem essa necessidade, mas não tem o serviço, porque fica muito caro. Essa é a nossa discussão. Esse é o nosso debate. Tem que ser para todos, seja qual for a distância, seja para quantas famílias forem, mas que elas tenham — e têm — direito.

P/1 – Você faz uso dessas novas tecnologias, Bartíria?

R – Bem, nós temos o cuidado de o tempo todo discutir, né? A gente tem a discussão aqui no Brasil, que tem a tarifa social, mas o cuidado que a gente tem também de não desperdiçar a energia, que isso é educativo. Isso ajuda. Nós trabalhamos com essa parte educativa, assim como a gente discute que a questão do lixo… Você deve se educar para que você não jogue lixo na rua. Assim também é com o uso da questão da energia...

P/1 – Vocês têm esses espaços de formação, de educação?

R – Temos porque, assim como a gente discute a questão da habitação, que é importante, para ter habitação você tem que ter energia. Você tem que ter saneamento, tem que ter água. Porque, para mim, a moradia é moradia de qualidade, moradia digna. E digna é ter acesso a todos esses serviços. Então, quando você vai tratar desse assunto, seja num debate de qualificação, num debate de capacitação, você tem que integrar tudo isso. Você não pode só dizer que a pessoa tem que morar, tem que ter uma casa. Mas que tipo de casa é essa? Para onde ela vai? Como ela vai? Quais são os serviços? Para nós, isso é fundamental. Nós capacitamos e fazemos esse tipo de qualificação para que a nossa população também seja consciente dos seus direitos e seus deveres. Nós não temos só o papel de cobrar nossas demandas, mas nós temos o papel de sermos propositivos, apresentar propostas, ter alternativas. Agora, não querendo substituir Estado. Que o Estado faça o seu papel, e nós vamos apresentar as propostas.

P/1 – Bartíria, as suas expectativas…? Não sei se você está participando da organização da assembleia de 2011, em Dacar...

R – Sim, estamos. Nós temos como a campanha — ela está implícita — a questão da Assembléia Mundial dos Habitantes, que vai ser em 2011, em Dacar. Essa também é uma outra prioridade que nós estamos trabalhando junto com a AIH e que, aqui também, nós já começamos a desenvolver. Nós já estamos em discussão com algumas entidades. A Conam também prioriza esse debate. Achamos importante, e aqui também, fizemos a assembléia. Nós estamos aqui em um grande número de diretores da Conam participando do 5º Fórum Urbano Mundial e das atividades da AIH, inclusive da assembleia. Então, agora, nós vamos cada vez mais potencializar tanto a campanha Despejo Zero, quanto a Assembleia Mundial dos Habitantes. Precisamos cada vez mais fazer com que esse debate seja entendido, porque ainda não é um processo muito entendido. Nós ainda vamos chegar com mais essa proposta de debate do que nós queremos: Como é que nós vamos avançar? Que rumo nós vamos dar? Para que nós possamos realmente debater essa questão dos direitos, dos deveres, da questão da cidade com a cidade para todos e com justiça social.

P/1 – Bartíria, a gente já está terminando. Eu queria saber quais são as suas ambições, seus sonhos?

R – Muito pouco [risos]. Meu sonho é que todos possam ter moradia digna, que todos possam viver dignamente, sem violência. Ter um Estado que dê condições para nossa população e que também tenha um olhar para o mundo. Eu não quero só para o meu país, mas eu quero para todos os países. Que todos tenham essas condições. Que possam viver melhor, viver em paz, sem guerra, sem conflitos, sem despejos. Tenham saúde e tenham todas as qualidades... A qualidade de vida, que o povo precisa e o mundo precisa. Eu acho que uma das questões que eu gostaria de colocar é que a gente tem que ser mais solidário, mais humano. E que tenha uma unidade entre os povos. Acho que essa unidade, essa solidariedade, faz com que a gente se ajude um pouco. Também faz com que a gente possa ter mais tranquilidade e viver em paz e saber que esse é o momento. E que a gente não pode deixar as coisas passarem. Nós não podemos ficar inertes. Nós temos que lutar, ter esperança, porque eu tenho certeza de que o que a gente está lutando hoje pode não conseguir agora, mas nós vamos conseguir para o futuro. Pode não ser ainda para a minha geração, mas a próxima que vier vai se beneficiar com essa luta, que é uma luta árdua, mas prazerosa. Ela é importante. Acho que todos devem entender que isso vale a pena.

P/1 – Você tem filhos?

R – Eu tenho um de criação.

P/1 – Quantos anos?

R – 28 anos.

P/1 – O que ele faz?

R – Ele diz que eu o deixo muito para cuidar dos outros, mas não é verdade [risos]. Não é verdade.

P/1 – Então está bom Bartíria. Terminamos.

R – Espero que tenha ficado…

--- FIM DA ENTREVISTA ---