P - Paul, iniciamente gostaria de agradecer por você oportunizar este bate papo aqui com a gente. Inicialmente, por favor, fale seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R - Meu nome é Paul Heritage, Heritage em inglês significa herança, então tem tudo a ver com o Museu da Pesso...Continuar leitura
P - Paul, iniciamente gostaria de agradecer por você oportunizar este bate papo aqui com a gente. Inicialmente, por favor, fale seu nome completo, o local e a data de seu nascimento.
R - Meu nome é Paul Heritage, Heritage em inglês significa herança, então tem tudo a ver com o Museu da Pessoa. Eu nasci em Londres, em 9 de dezembro de 1958.
P - Qual o seu envolvimento com o Programa Cultura Viva?
R - Olha, o Célio Turino, diretor do programa me convidou para vir para o seminário, porque no ano que vem nós vamos criar um intercâmbio entre o Reino Unido e o Brasil exatamente baseado na experiência do Programa Cultura Viva. Eu lancei um livro sobre o Programa, este ano e o Célio foi pra Londres para o lançamento, para falar sobre os Pontos de Cultura e durante este processo nós fizemos um encontro no Ministério da Cultura lá em Londres. Foi muito interessante para ver a diferença entre os dois países, como a Inglaterra está desenvolvendo projetos de arte social e também como o Brasil faz. Há uma diferença enorme, então resolvemos que seria bom fazer o intercâmbio – quando há diferenças, há diálogo. Temos esperança que este programa, que já está confirmado para o ano que vem, vai ser uma possibilidade de realmente trocar experiências e aprender dos dois lados. Eu acredito que o Reino Unido tem muito mais a aprender com o Brasil do que o contrário, mas vamos ver. Esta é a ideia. Mas meu envolvimento com os Pontos de Cultura vai muito além disso, no sentido que durante anos estou trabalhando aqui no Brasil e nos últimos anos, desde o Programa Cultura Viva, alguns grupos com os quais já trabalhei antes viraram Pontos de Cultura. Por exemplo, Grupo Cultural Afroreggae, eu sou produtor deles na Europa, e também fiz trabalhos com eles aqui no Rio, no Brasil, Grupo “Nós do Morro”, do Vidigal, lá no Rio também, estou trabalhando com eles desde 1996, mas agora eles são um Ponto de Cultura. Também trabalhei durante dois anos no Acre, com a Liga de Quadrilha e lá eles são um Ponto de Cultura, Grupo Piolim; na Paraíba, em João Pessoa também em um Ponto de Cultura. Eu sinto que durante esses anos eu sempre tive um diálogo com estes grupos que vieram a ser um Ponto de Cultura. Então eu mesmo quis me informar sobre o Programa em si.
P - Vamos retomar um pouquinho: de onde surgiu este encantamento com o Brasil que você ficou anos aqui?
R - O primeiro convite foi do British Council, para dar uma série de palestras sobre Shakespeare. Eu sou inglês. Eu vim em 1991 para dar cinco palestras em cinco cidades: Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Recife, sobre as comédias de Shakespeare. Mas na época, na Inglaterra, eu já estava trabalhando no sistema penitenciário. Eu sou diretor de teatro e criei um projeto, durante anos, sobre teatro nas prisões. Quando visitei o Brasil, em 1991, para dar uma palestra sobre Shakespeare, eu falei pra o Conselho Britânico que eu queria visitar uma penitenciária em cada cidade. Esta foi a troca. E uma cidade, que foi Brasília, perto daqui, o coronel – porque em 1991 a gente sabe, o Brasil ainda era bastante militarizado – o coronel Flávio Sotto, que era o diretor do sistema penitenciário Papuda, no Distrito Federal, me convidou. Eu expliquei meu trabalho, nem falei português, falei com um tradutor, falei o que eu fiz na Inglaterra e ele me convidou para voltar para o Brasil para fazer o mesmo na Papuda. Na verdade não foi um convite, foi mais uma ameaça. Ele fez um desafio: “Eu acho que você não pode fazer isto aqui. Não vai funcionar”. Isso foi uma maravilha e é claro que eu falei: “Vamos ver, senhor coronel”. Ele foi muito aberto, me convidou para voltar, eu consegui falar um pouco em português na época, e comecei um projeto em 1992, na Papuda. E este projeto continuou até 1996 com meu envolvimento, mas continua até agora com outras pessoas. Foi um projeto que me deu muito prazer fazer, muito orgulho de ser parte daquele movimento na época. Começou através do Shakespeare, mas realmente meu caminho no Brasil é muito pelo sistema penitenciário. Já trabalhei em 12 estados da União fazendo projetos teatrais nas prisões, e com pessoas com risco de entrar nas penitenciárias, também com as pessoas quando saem; com agentes penitenciários, guardas, além dos presos e presas. Acho que uma das coisas que talvez, a sorte que tenho, é que através deste projeto comecei a conhecer outros brasis, outro Brasil. Não simplesmente o Brasil que o gringo normalmente encontra. E desde o início eu encontrei este foco da cultura popular. Porque quando você está trabalhando com presos brasileiros, seja aqui em Brasília, seja em São Paulo, ou Rio, ou Acre, ou Rondônia, você sente que eles ainda têm uma participação numa cultura. Eles são poetas, eles são dançarinos, eles fazem música, eles adoram fazer teatro. E não é o mesmo na Inglaterra: se fizer uma oficina numa penitenciária britânica eles não estão mais envolvidos na própria cultura, produzindo cultura, eles só recebem. Vi desde o início uma grande diferença. A primeira quadrilha que eu vi, por exemplo, foi no Carandiru, a primeira competição de samba que eu vi foi no Carandiru também. Os primeiros poemas que eu vi escritos no projeto foram aqui na Papuda. Meu envolvimento com a cultura popular veio da própria penitenciária, através dessas pessoas que eu encontrei.
P - E qual foi o próximo passo depois disso? Esse envolvimento com outros projetos, você saiu da penitenciária e se envolveu em outros projetos...
R - Para fazer o trabalho que eu fiz durante estes anos, sempre fiz em parceira com outros grupos brasileiros. Fiz um projeto durante três, quatro anos, com o Centro de Teatro do Oprimido, no Rio, mas também fiz muitos projetos vinculados a grupos que trabalham nas favelas, nas comunidades lá do Rio. Porque especialmente quando estava trabalhando com jovens – eles entram no sistema para os menores e depois têm que sair – eu quis chamar os grupos culturais que eu estava trabalhando na periferia, nas favelas, para fazer o trabalho junto comigo no sistema para os menores, porque eu sabia que quando eles saem, eles mantém o contato. Então, desde 1998 estou trabalhando com o Afroreggae especificadamente, mas também com “Nós, do morro”, que é um projeto muito forte de teatro nas comunidades lá. Então foi através disto. Além disto encontrei muitos artistas aqui no Brasil, porque eu quis fazer uma ponte com Londres. Levei várias produções, peças, mas principalmente música, para Londres. Além disto, eu comecei a trabalhar como diretor de teatro, com artistas. Durante este tempo Shakespeare ainda continuou a ser importante para mim, porque, especialmente no Rio, quando havia atores estavam fazendo Shakespeare, me chamavam para ser assistente, ou fazer oficinas, alguma coisa. Tenho grande prazer de ter trabalhado tanto com “globais” tanto como presos. E, no Brasil, esta transição que você pode fazer entre estes pólos que parecem tão distantes, foi um prazer trazer os dois juntos. Por exemplo, eu fiz um grande projeto sobre Romeu e Julieta, dentro do Instituto Padre Severino, para os menores infratores, no Rio, mas fiz junto com Letícia Sabatella. Ela fez Julieta para doze Romeus. E esses momentos, quando você consegue unir coisas que parecem tão distantes, eu acho que esse é o momento que você vê o poder da cultura, usando todos os poderes. A gente não pode ter vergonha de trabalhar somente em um setor. Isto eu acho que o MinC faz muito bem, entender como a cultura funciona em todos os níveis, todas as conexões. O fluxo, como o Célio sempre fala, sobre o fluxo de cultura, o MinC fez um trabalho fantástico de aumentar o fluxo cultural dentro do Brasil. Que não tinha; antes desta gestão acho que havia grande separação dos setores culturais. Nos últimos sete, oito anos, que realmente abriram as veias do Brasil, como o Gil fala.
P - A gente vai até retomar esta questão, de como foi este desdobramento, como isto se deu. Você chegou aqui no Brasil antes do Programa Cultura Viva e viu sua implementação. Você poderia contar um pouco da sua experiência. Como foi, acompanhando os grupos que você viu, a implementação do Programa, como foi chegar com este Programa. Você poderia contar um pouco pra gente?
R - Na verdade, primeiro eu conheci através dos próprios grupos. Quando Nós, do morro e o Aforeggae estavam começando a entrar nos editais. O gênio de Célio e do Programa em si é reconhecer a força da cultura que já existe, não tentando inventar novos formatos, mas inventando maneiras de apoiar o trabalho que já existe. Quando eu viajei com Antônio Nóbrega ou quando fui a Recife para entender um pouco mais sobre a cultura brasileira, lá eles têm Mestre Salu, lá em Olinda. Cada vez que eu visitei, fiquei impressionado, antes do Programa, como encontros, nem se usava a palavra naquela época, mas em cada ponto tinha esta energia fantástica de cultura popular, já fazendo as coisas. O que me impressionou no Programa Cultura Viva foi como Célio e a equipe dele conseguiram criar uma coisa que preservou a essência de cada ponto e aumentou o impacto social, pela transição que o Programa permite. Eu acho isto super raro Super raro Eu me lembro no ano que lançamos o livro em Londres, Célio estava dando uma palestra no lançamento e falou: “Um dos objetivos do Programa Cultura Viva que eu vi desde o início até agora, é para perder controle, de realmente o Estado não tentar controlar os artistas e os projetos culturais”.
Isso é radical para a platéia britânica, cheia da classe artística, o sistema cultural lá, que realmente quer controlar. Tudo é feito por eles para controlar o sistema. E eu acho que este radicalismo, eu vi desde o início. Por isso que deu certo. A gente sabe que o Programa Cultura Viva deu certo porque realmente conseguiu escutar energias de artistas que já estavam fazendo. O Afroreggae, por exemplo, que conheço desde 1998, Nós do morro, desde 1996, eu já tava admirando o trabalho que eles fizeram. Teria sido impossível para um Programa entrar e ter sucesso, respeitou tanto as origens de todo este trabalho. Porque no Brasil, eu acho que raríssimo eu ver uma situação como o Brasil, onde a cultura vem de baixo, do povo, e cresce. E por isso que dá certo. Por exemplo, Afroreggae, Nós, do morro, todos os grupos que eu conheço das favelas lá no Rio e também em outras regiões, dão certo porque eles não são implementados de fora. Eles não são artistas que entram pra fazer um projeto, vêm, surge da própria energia da comunidade. Na Inglaterra não tem exemplos disso.
Quando começou o Programa Cultura Viva foi super importante que respeitou essa origem destes projetos.
P - Você acompanhou vários projetos em Pontos de Cultura. Desses você poderia descrever pra gente algum que foi bem marcante para você. Um caso, uma apresentação, ou resultados, não sei...
R - Isso é um pouco difícil pra mim porque eu não faço distinção entre o que é...
por exemplo, o Afroreggae é enorme, é muito maior que um Ponto de Cultura, mas parte é um Ponto de Cultura; acho que a parte do Afroreggae que é um Ponto de Cultura é a parte de circo, na favela do Cantagalo. E, Nós do morro, que estou citando muito porque trabalhei mais com eles, é um Ponto que já era tão grande antes e fica difícil distinguir exatamente o que é o Ponto e exatamente o que é o grupo artístico. Mas isso é legal do Programa, você não sabe quando é, porque ele tem que marcar. Então, em vez de pensar neles vou pensar do Acre.
P - Estou pensando na sua experiência, mesmo. Que você olhou e falou: isso aqui foi muito legal por isso, porque aconteceu tal coisa. Algo que você ficou tocado.
R - Vi isto muito, claro, no Afroreggae e Nós, do morro e antes em outros. Mas a Liga de Quadrilha, lá no Acre, em Rio Branco, me impressionou muito porque eu cheguei quando já era um Ponto, diferente dos outros e foi mais fácil ver como funcionava o Ponto em si. Lá você tem uma situação que é a quadrilha, como a gente sabe tem em todo Brasil, mas lá no Acre é muito forte, é quase como o samba no Rio. Não é uma questão que eles fazem pra uma semana só em junho, não, eles começam em janeiro criando os grupos, costurando os figurinos, os grupos entram em competição, uma grande competição, uma batalha, uma luta entre eles. São mais ou menos 14 grupos, em duas ligas. É totalmente organizado. E a Liga de Quadrilha virou um Ponto de Cultura exatamente no momento quando eles estavam tentando organizar mais este trabalho que era muito espalhado em cada comunidade e, porque era competição, não tinha muita cooperação. O Ponto de Cultura lá em Rio Branco conseguiu uma coisa linda, eles conseguiram uma cooperação social e de organização cultural, entre os grupos de quadrilha e ainda preservar a essência de cultura popular de competição. Isso eu vi de perto: como o Ponto ajudou a articulação entre os grupos para que juntos eles pudessem ser maior. Como maior? Esses grupos de quadrilha todos aconteceram em comunidades pobres, não em favelas, exatamente, mas na periferia de Rio Branco, e eles eram muito desprezados: as pessoas não pensavam em grupo de quadrilha porque às vezes tinha bêbados, envolvimento com drogas, tudo isto. Eles eram meio marginais. E a Liga de Quadrilha conseguiu mudar esta imagem e fazer totalmente o contrário: estimular os grupos de quadrilha a ser agentes sociais, dentro das comunidades, responsável pela educação, recolhendo as pessoas que participam dos grupos de quadrilha para voltar para a escola, para completar a educação básica e secundária. Eles viraram agentes de saúde, fazendo programa sobre DST- AIDS, fazendo sobre educação em saúde básica, além disto meio ambiental. Porque o Acre é um estado na floresta, mas dentro da zona urbana tem muita coisa das comunidades que prejudicam o meio ambiente: o lixo que é jogado nos igarapés dos rios, as queimadas, principalmente de borracha, que criaram um grande impacto no meio ambiente. Então a Liga de Quadrilha, por ser um Ponto de Cultura, conseguiu fazer parcerias com escolas de meio ambiente, com a Secretaria de Saúde, de Educação e cria dentro dos grupos de quadrilha, agentes de educação, saúde, etc. Então eu vi exatamente como um Ponto faz diferença, porque você tem os clássicos, já existia a cultura, como o Gil falou desde o início: “o Brasil é Brasil por causa da cultura”. Já existia, ninguém precisou inventar o ato artístico, mas a organização, o Ponto de Cultura deu tudo isto. E não simplesmente para organizar, para ser bem organizado, mas para implementar um projeto social e para dar respeito, visibilidade e auto-estima para estes indivíduos e para esses grupos. E isto possibilitou que, quando eu fui trabalhar com eles, eu quis fazer um projeto meio maluco, sobre meio ambiente, para fazer um vínculo durante dois anos com um grupo de teatro de Londres, que queria saber como a região Amazônica pensa sobre mudanças climáticas e tudo. Foi possível fazer um intercâmbio internacional porque o Programa Cultura Viva deu a estrutura. Porque para fazer intercâmbio, pra fazer projeto em parceria, você precisa ter uma estrutura. O Ponto de Cultura possibilitou tudo isto.
P - Eu sei que isto se desdobrou em livros. Você poderia contar um pouco deste processo?
R - Escrevi três ensaios que publiquei como um livro pequeno, que eu escrevi em inglês. O título em português seria “Brasil, um sonho intenso”, que vem do Hino Nacional. Quando eu falo isto para os brasileiros eles nem sempre lembram que tem este trecho do Hino Nacional que fala: “Salve, salve, Brasil. um sonho intenso”. Seria impossível pensar num Hino Nacional inglês que fale da Inglaterra “um sonho intenso”. Inglaterra não é um sonho, Inglaterra é uma coisa concreta, um império, tudo isto. Adorei esta frase “sonho intenso”. Pra mim isto é uma coisa de pensar no Programa Cultura Viva. É um sonho e tem intensidade, porque o Brasil é intenso, a gente sabe. Intenso e imenso. Eu usei isto para pensar sobre o Programa Cultura Viva, citando muita coisa que o Gil falou desde o início, que os grandes pensadores, dentro do MinC. Acho que o MinC tem uma tradição intelectual muito forte, além de ser prático. Então um primeiro ensaio foi para explicar para os ingleses como é este Programa, que deu resultado neste intercâmbio que a gente vai fazer de novo, no ano que vem. Mas os outros ensaios são mais particulares, um ensaio sobre o Gilberto Gil, a transição da Tropicália, até Afroreggae, na verdade, até o Ponto de Cultura. Onde tem as raízes do Programa Cultura Viva, nos anos 1960, a política artística do tropicalismo. O último ensaio, mais particular, é sobre um projeto que eu fiz com Afroreggae, na fronteira entre Parada de Lucas e Vigário Geral, que são duas comunidades no Rio, duas favelas. Na época o Terceiro Comando tinha controle da Parada de Lucas e o Comando Vermelho tinha controle da Vigário Geral, e na fronteira havia a guerra, a guerra civil mais longa do Brasil, 21 anos de conflito, de jovens atirando todos os dias. E nós resolvemos fazer o projeto, foi um projeto maluco, porque isso é maluco. A gente fez um projeto chamado Parada Geral, para tentar fazer um trevo lá na fronteira e fazer atividades artísticas. Num lugar onde ninguém ia, de um lado e de outro, só jovens com as armas. E a gente fez um projeto com Shakespeare, que a gente lançou com a apresentação de Antônio e Cleópatra, a grande peça de Shakespeare, usando o Afroreggae tocando uma trilha que a Adriana Calcanhoto escreveu pra gente, e alguns artistas mais conhecidos: Maria Padilha, Chico Dias, Sílvia Buarque. Vários outros atores participaram com grande amor neste projeto e a gente fez um grande espetáculo na fronteira para uma noite só que eles tinham um ano de atividades. Claro que pra fazer isto teve que ser feita a mediação com os dois lados. Quando a gente começou, o Junior, do Afroreggae falou: “Olha, se acha que tem 20 pessoas, dentro de cada comunidade vai sendo usual, eu vou ficar feliz”. A gente teve duas mil Duas mil pessoas que vieram assistir naquela noite. Neste momento você vê o poder da Cultura Viva mesmo: mediação de conflito, liderança comunitária, esperança, visão. Claro, quando a arte consegue fazer uma coisa assim, é ao mesmo tempo metafórico e ao mesmo tempo real. Real porque ninguém atirou durante algum tempo durante estas ações e depois. Isto é real, concreto, um impacto. Mas metafórico, eu falo isto porque na verdade aquele tipo de ação tem que ser do Estado. Segurança pública é responsabilidade do Estado, não dos artistas. Os artistas mostram a esperança que todos nós temos. Por isso eu falo que é uma visão, uma coisa quase metafórica, que mostra o que é possível você sonhar. Mas o Estado tem que entrar realmente para fazer as coisas que durem, a gente sabe que tem falhas nestas intervenções dentro destas comunidades.
Mas, acredito que a arte abre as portas para as possibilidades de uma situação diferente e nova. Porque a gente sempre pensa que é uma situação fixa, mas não é fixa não. A arte como a gente sabe pode “desfixar” o mundo.
P - Pensando no Programa...
R - E a gente tem que repetir isto quando os ingleses vierem. Porque seria muito interessante ver, quando os britânicos, o contato que eles vão ter com estes Pontos. Que vai ser...
P - Vai ser fantástico ver, porque a realidade é bem diferente.
R - É uma loucura, porque estou selecionando os grupos britânicos no momento. Estou selecionando desde o Royal Shakespeare Company até um grupo que trabalha com empresas. Imagine o diretor do Royal Shakespeare indo para Rondônia para ver (risos)
P - Pensando agora no Programa: quais são os desafios atuais? A grande problemática do Programa?
R - A sustentabilidade é claro que é um grande desafio, porque o Brasil, a gente sabe, é imenso, pela própria natureza, e dentro de uma situação, quando a base do programa é o fluxo, o contato humano entre os grupos. Ainda que tenha o lado bem digital, o Célio e a equipe dele do MinC, realmente direcionaram muitos recursos para este seminário como agora, para a Teia e tudo. Até quando, até onde isto vai ser possível unir tudo assim? Isto é um desafio. Eu gosto muito da ideia que eles estão fazendo, muito mais estadual. Mas ainda dentro do estado, por exemplo, São Paulo, unir 450 grupos no estado de São Paulo. Acho que é um grande desafio no futuro preservar este característica tão importante do projeto, que é o contato. E ainda justificar os recursos que eles precisam para fazer isto. Eu vejo como um desafio, mas é a base do programa, que eu acredito que vai ser preservado, de alguma maneira. Eu acho que também, como a gente sabe, a relação da juventude com a cultura popular, o Brasil está numa mudança enorme, no momento, está crescendo, o país não simplesmente do futuro, é o país do presente, a gente sabe isto, que impacto isto vai ter nas raízes de cultura popular? O Gilberto Gil e todos os tropicalistas, os modernistas do século XX do Brasil, abraçaram a mudança, esta coisa de antropofagia, de aceitar o digital, o moderno. A cultura popular aqui no Brasil está viva, o Programa Viva, porque abraçou estas mudanças. Claro que é um desafio entrar no século XXI para continuar estes braços tão abertos para a mudança, e ainda preservando estas raízes culturais.
A gente foi para Ceilândia ontem e eu vi que não tem perigo porque, você vê, Rapadura, aquele cara maravilhoso que estava cantando aquela mistura entre maracatu e rap. Eu acredito que dentro de uma figura assim, você tem o futuro deste programa, que consegue, mas claro que é um desafio. Aquilo que eu falei no início, quando eu encontrei aqueles presos em 1992, que no final da oficina eles cantaram para mim, e eu consegui entrar, fazer as coisas, esta troca. Na Inglaterra eu falei que não tem mais isto, porque cultura participativa é ligar a televisão, ficar com headfones. Para o Brasil, como o Brasil vai modernizar e ao mesmo tempo preservar esta participação? Para as pessoas realmente participarem na cultura, com todas as opções que as pessoas vão ter com o enriquecimento do país. Por exemplo, mais ou menos parece que o Brasil ainda é mais rural do que urbano, vai passar daqui há alguns anos. Quando passar e o Brasil ficar mais urbano, como vai ser esta rede que tem? Ainda que muitos projetos de pontos de cultura são urbanos, mas são fortalecidos pela cultura rural e pelas tradições. Eu vi, uma coisa que me impressiona muito quando se vai para as favelas cariocas e também paulistas, um pouco menos assim, que as tradições de cultura popular são bem preservadas dentro das favelas. O que vai acontecer quando estas comunidades se abrirem para o asfalto? Porque no asfalto, a gente sabe, Ipanema, Copacabana, tudo isto, não existe mais preservação destas culturas. O Programa Cultura Viva é a resposta, na verdade, a esta interrogação, como vai ser. Porque eu acho que prevenindo isto, o Programa Cultura Viva está no caminho de conseguir preservar, inventar ao mesmo tempo. Mas é um desafio.
P - Paul, tem alguma coisa, alguma história que você gostaria de contar que eu não perguntei?
R - Não, adorei conversar com você.
P - Obrigada pela participação.Recolher