IDENTIFICAÇÃO Ricardo Luís Carneiro Beltrão. Nasci no dia 23 de março de 1954, no Rio de Janeiro. FAMÍLIA O nome do meu pai é Enéas Carneiro Beltrão e minha mãe, Iva de Melo Beltrão. Minha família é aquela típica família migrante, nordestina, do interior de Pernambu...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Ricardo Luís Carneiro Beltrão. Nasci no dia 23 de março de 1954, no Rio de Janeiro.
FAMÍLIA O nome do meu pai é Enéas Carneiro Beltrão e minha mãe, Iva de Melo Beltrão. Minha família é aquela típica família migrante, nordestina, do interior de Pernambuco, de Glória de Goitá. Eu estive lá há três anos, conheci parte do que sobrou da família. Eram pessoas muito pobres, quer dizer, ainda são. Viviam de cultivo de mandioca. Meu pai já é falecido, eu voltei lá com minha mãe. Havia uma irmã da minha mãe que ainda morava na cidade. Daí eu vim a conhecer, finalmente, a origem da família. A minha mãe tinha passado muitos anos sem voltar. Para ela foi um negócio muito forte. Meu pai veio pra cá,
foi engraxar sapato etc. Quando eu nasci, ele já era motorista de táxi. Passou a vida toda como motorista de táxi. A gente morava em Caxias. A minha mãe se virava, ela era comerciante, comprava roupa na Rua da Alfândega e vendia em Caxias à prestação. Na verdade, ela passou até a ter uma fonte de renda maior que a do meu pai. Mas era um trabalho muito instável, sujeito a calote, uma série de coisas.
Tenho um irmão. Na verdade, eram cinco irmãos. Uma família meio trágica. Três ficaram no caminho. Eu só tenho o irmão que sobreviveu. Ele mora hoje com a minha mãe, mas é excepcional. Teve problemas no nascimento.
INFÂNCIA Eu cresci numa rua que não tinha calçamento. Não sei se hoje ainda é assim. Tem muito tempo que não vou lá, mas acho que sim. Tive uma infância privilegiada porque, apesar de ser muito pobre, eu não tinha consciência disso. No meio em que vivia, a sensação que tinha era outra. A minha família era abastada em relação às outras pessoas. O meu pai conseguiu casa própria. Ele tinha até uma avenida de casas que ele alugava. Então, depois é que tive a percepção que, na verdade, a família era bem mais pobre do que eu, no meu imaginário infantil, imaginava. Mas, naquela época, eu não percebia isso. Era tudo muito precário, muito carente, mas não faltava nada.
Na minha
infância, eu vivia na rua, vivia jogando bola. Até os 12 anos, eu morei nesse lugar. Depois, teve uma ascensão e a gente foi pro centro de Caxias. Antes, eu morava em Vila São Luis, interior de Caxias. A minha vida era jogar bola. No meu imaginário, aquilo lá é certamente um dos períodos mais felizes da minha vida.
BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS As brincadeiras eram jogar bola, soltar pipa, pião, tinha época de tudo. Foi uma infância absolutamente solta, na rua, com a garotada toda. Tinha muita criança. Eu vivia o dia todo na rua junto com turmas. Era muita liberdade, o que as crianças de hoje não têm. Talvez no interior ainda tenha. Mas, meus filhos, por exemplo, vivem muito mais restritos, muito mais fechados. O meu mundo era aquele. O grande problema era sair de manhã e voltar, às vezes, à tarde, à noite, depois da escola. Era sempre um conflito com os pais, principalmente com minha mãe, que era quem realmente controlava. Isso aí até os 12 anos Depois, a gente foi pro centro de Caxias. O meu pai vendeu a casa, mas ficou com a avenida. O centro já era mais restrito, mas ainda continuei com uma vida boa. Na verdade, eu acho que estava deixando de ser criança, estava entrando na adolescência. A visão que a gente tem da infância é sempre mais forte no nosso imaginário. E era assim: rua sem calçamento, barro e muito espaço. Então, a percepção que eu tenho até os 12 anos é associada a muito espaço. Depois, eu fui morar numa rua em que passava ônibus. Já era outra questão. Mas eu continuei tendo liberdade. Estudava, jogava bola, fazia tudo. Tinha uma escola próxima, que eu gostava demais, gostava da professora, e daquela coisa toda.
ENSINO FUNDAMENTAL Quando mudei de bairro, mudei de escola. A escola que eu tinha no interior, aliás, não era escola, era uma diversão, não tinha nenhum conteúdo. Eu perdi até um ano por conta disso. Era muito precário, muito precário mesmo. Quando eu fui pro centro, já era uma escola de maior conteúdo, de maior rigor, onde eu passei de fato a estudar. Sempre fui bom aluno, como todo mundo da Petrobras.
FAMÍLIA Perdi dois irmãos. Aos 13 anos, perdi a minha irmã, que tinha 15 anos. Era um caso crônico de doença cardíaca, ela era cardíaca. Minha mãe sempre lutou, mas eu acho que faltava recurso, INPS, aquelas coisas todas. Eu acho que ela não teve um tratamento adequado. Quando eu fiz 14 anos, foi meu irmão que morreu. Foi uma morte trágica num afogamento. E isso marcou muito a família inteira. Foi o lado ruim. Por isso que o período anterior, no meu imaginário, é um período de muita felicidade. Eu sempre associo ao fato de ter ido para aquele lugar. Eu saí de lá com 11 pra 12 anos. Com 13 anos, aconteceu a primeira morte, com 14.... Então, sempre fica essa impressão. A visão que tenho dali é boa. Eu gostava muito, mas foi marcado por isso. Muito marcado.
EDUCAÇÃO Até os 11 anos, eu estudei numa escola na Vila São Luis, depois fui pro Instituto Tinoco, em Caxias, de excelente qualidade. Aí, eu engrenei, terminei o primário e fui fazer o ginásio numa outra escola, que não lembro o nome, mas era também muito boa. Eu estudei, na verdade, em três escolas. A primeira foi o Expedicionário Aquino de Araújo, que pode esquecer em relação à qualidade de ensino. Depois, o Instituto Tinoco, que era uma boa escola. E a terceira era uma escola estadual de Caxias, que eu não lembro o nome, mas também era de muito boa qualidade. Fiz o ginásio todo lá. A partir daí, eu não sabia o que fazer da vida. Eu fiz diversos concursos, todo mundo fazia, para escola técnica, Marinha, Exército. Eu fui pro Exército, pra Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas.
ESCOLA PREPARATÓRIA DE CADETES - CAMPINAS A mudança pra Campinas foi péssima. Péssima. Foi uma escolha absolutamente minha. Uma das grades decisões erradas na minha vida. Essa escola também me marcou muito. Foi uma escolha errada. Eu e o Exército, realmente, não temos uma interface. Não tenho nada a ver com o Exército
Eu tinha o quê? Uns 17, 18 anos, por aí. Foi por volta de 1972 ou 1975. Ainda estava braba a ditadura, né? E eu lá, na boca do lobo. Era um internato, com toda aquela mentalidade dos militares da época. Então, o nível de disciplina, o ambiente de militar... Não dá nem pra falar que era a ditadura, porque não era essa a questão. A questão era mesmo a disciplina ferrenha. Eu estava em Campinas e a gente formava todo dia de manhã. E só
podia botar casaco quando o comandante decretava que era inverno. Ele tinha que decretar para que todo mundo pudesse usar. O que acontecia é que, às vezes, estava um frio imenso, mas o comandante ainda não tinha decretado que era inverno. Aí ficava todo mundo, de camisa de manga, às seis horas da manhã. Ficávamos quase uma hora no pátio. Todo mundo morrendo de frio. Era esse tipo de coisa. E eu fui muito punido. O tempo todo punido. Era muito bom aluno, mas bagunçado e indisciplinado. Não era nem o fato de questionar. Quer dizer, eu questionava, eu já tinha um pouquinho de influência de amigos. Mas não era politizado. Era muito mais a minha inaptidão para lidar com aquela estrutura absolutamente rígida. Não tinha diálogo, não tinha nada, não tinha liberdade nenhuma de questionar, de pensar. E, logo no primeiro ano, eu percebi que estava sofrendo muito ali. Até porque você fica muito recluso.
Lá dentro, você acaba fazendo muitas amizades. As amizades são muito fortes até por conta da diversidade, do isolamento. Então, a gente se unia. O coleguismo era muito forte.
A estrutura era facistóide, quer dizer, não ideologicamente, mas estruturalmente. O Exército é aquilo, é feito pra guerra, é feito pra não ser questionado, para preparar a gente para o pior. Fazíamos aqueles acampamentos malucos, onde a gente ficava com sede. Enfim, aquela coisa, né? Para muitos era até lúdico, tinha algo de superação, mas eu detestava; realmente, detestava.
VALORES MILITARES Eu não assumia aqueles valores. No fundo era isso, era rebelde. Eu estava sempre errado, com atitudes inadequadas. Eu não tinha os valores militares. Foi muito interessante, porque eu passei dois anos lá. E no terceiro ano seria a preparação para oficial do Exército. Havia um comandante de companhia, que era um homem muito bom, muito humano. Antes de a gente sair de férias, eles reuniram um grupo de umas 15 pessoas. Você olhava pra elas e percebia que o grupo era, vamos dizer, dos não-conformes, seja isso o que for. Era o grupo dos desviantes. Então, tinha claramente uns dois ali que o pessoal achava que eram meio veadinhos, meio afeminados. Tinha outros dois que eram pessoas fisicamente desviantes, não faziam as corridas, tinham um desempenho fraquíssimo em Educação Física etc. Tinha uns três que eram meio marginais, do ponto de vista disciplinar. Eu não era, não. Apesar de ter um número de punição maior do que o normal, eu não era visto de forma negativa. Mas estava ali, né? E aí o comandante, de forma muito delicada, disse pra cada um se auto-analisar, porque teria mais um ano pela frente. E, se algumas coisas, em cada um de nós, não fossem corrigidas, mesmo que passássemos de ano, nós não seríamos recomendados para seguir a carreira militar. Ele não entrou em detalhes pessoais. Evidentemente, cada um tinha mais ou menos a noção do que ele estava falando, né? Mas eu não tinha. E, sinceramente, fiquei sem saber por que estava naquele grupo. Falei: “Bom, o que eu tenho de errado?” Depois que todo mundo se dispersou, eu fui conversar com ele: “Mas, capitão, por que estou aqui?”
Ele falou, num tom muito franco: “Beltrão, não tem problema nenhum, você é bom aluno, você não tem problema nenhum, mas você não nasceu pra isso. É visível, você não nasceu pra isso. O seu desempenho relacionado com a área militar é muito ruim, em contrapartida, você é muito bom na área acadêmica.” Eu era um dos melhores alunos em Matemática e em Física. Quando chegava, por exemplo, em Instrução Militar, eu era péssimo. Eu detestava aquilo. E foi isso. Saí, fui fazer vestibular.
SAÍDA DA ESCOLA Voltei pra casa dos meus pais. Para o meu pai, foi um trauma absoluto. Foi um trauma até pra sair, porque era preciso a permissão da família. Meu pai foi pra guerra, foi Cabo de Exército. Então, ser oficial do Exército era tudo o que meu pai podia esperar de um filho. Pra ele, era algo fantástico. E eu estava recusando exatamente isso. E, independentemente, ele já tinha sofrido a perda dos outros dois filhos. Eu era, naquele momento, o mais velho e, de certa forma, o bem sucedido, quer dizer, o filho pródigo, essa coisa toda. E eu disse pra ele: “Não tem jeito, se o Senhor não assinar, eu saio de qualquer forma, abandono aquele negócio lá.” E meu pai, uma pessoa fantástica, um homem muito bom, sofreu muito com isso, mas entendeu. Eu saí, fui fazer vestibular aqui no Rio, no Bahiense. E cometi o meu segundo erro. Eu fui pro IME, Instituto Militar de Engenharia.
ENSINO SUPERIOR / INSTITUTO MILITAR DE ENGENHARIA – IME Passei no IME. Era uma prova muito difícil. Eu não tinha muita certeza se ia passar. Eu era bom aluno no Bahiense, mas o IME era e continua sendo extremamente seletivo. Muita física, muita matemática, tudo em que eu sou bom, então passei. Minha maior dificuldade foi línguas, porque aí já é questão de formação.
O IME foi terrível. Não era a mesma disciplina que a Escola Preparatória de Cadetes, eu sabia que não. Era um Instituto de nível superior. E a minha expectativa ali era que eu só estudasse. Nos dois primeiros anos, era uma besteirinha. Comparado ao que eu tinha sofrido, ao que tinha experimentado, não era nada. Aquilo era moleza e achei que não iria me perturbar. Mas, na verdade, me perturbou muito, muito mais do que eu imaginei. De certa forma, eu me defrontei com a mesma cultura. Eu fui pra lá porque era muito pobre. O IME era uma excelente universidade e ainda pagava. Minha mãe não podia sustentar nada. No Bahiense, eu tinha bolsa de estudos. Era uma trajetória de filho de migrante pobre mesmo. O IME tinha isso, me oferecia dinheiro. Era o sonho de todo mundo, o IME e o ITA. O ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica – eu
descartei de cara, porque era internato. Eu falei: “Isso eu não sofro mais, não vou de forma alguma pra um outro internato.” Mas o IME era na Praia Vermelha. E eu imaginava uma outra coisa. O problema do IME não foi disciplina. Foi eu ter me defrontado mais uma vez com uma certa mentalidade. Eu não tinha entendido ainda, vamos dizer assim, a minha inapetência com aquela mentalidade. E a segunda coisa foi que, ao contrário do que se poderia imaginar, o IME era péssimo como fonte de conhecimento. O que fazia o IME era o nível dos alunos. Não sei se ainda é assim hoje, mas, naquela época, o ensino era horrível. Com algumas exceções, né? O que eles faziam de bom era dar duas, três provas por ano, muito difíceis. A turma que entrava era extremamente homogênea, eram os melhores alunos, normalmente, com algumas exceções. Se você comparasse, os primeiros lugares na PUC, na UERJ, iam pro IME. Então, o IME levava o que tinha de melhor no Rio de Janeiro – não se ainda hoje ocorre. Era uma turma extremamente inteligente. Eu convivi ali com, pelo menos, três ou quatro gênios puros. Tinha um garoto de 15 anos que passou em primeiro lugar e não abria um livro, não estudava nada, não assistia aula, só ficava lendo coisas, aquela coisa de mentes que brilham. Geniozinho mesmo. E hoje está em Stanford. Tinha um caminhão de pessoas assim. Mas, ali o que eu fiz também foi me desencantar com o ensino. Eu me desencantei com a engenharia, comecei a achar a engenharia uma área chata. Me arrependi. E o que salvou aquele período é que eu fui fazer história.
ENSINO SUPERIOR / HISTÓRIA Eu fui fazer história na UERJ, onde conheci minha mulher, Cecília da Silva Azevedo. Atualmente, ela é professora da UFF. Eu não larguei a engenharia. Eu fazia o IME e, à noite, fazia História. O IME, além de tudo, era escola masculina. Só tinha homem. Aquele ambiente horrível, né? Militar, só homem. E os professores militares, principalmente, eram muito mal preparados. Os professores de fora eram do primeiro e segundo ano. Depois, no curso profissionalizante, nos três últimos anos, era praticamente só militar. Era detestável. E aí eu não gostava daquele troço, me arrastava, estudava o mínimo pra passar. E gostava de história, estudava mais história.
INGRESSO NA PETROBRAS Formei-me nas duas universidades, no IME e na faculdade de história. Só que eu passei na Petrobras e aí tive que largar a história, porque fui pra Salvador fazer o curso de treinamento, onde me reconciliei com a engenharia.
Entrei no final de 1980. Nessa época, a gente fazia concurso pra onde tivesse. Em 1981, foi a pior recessão desse país. Tem dois anos de grandes picos de recessão. Apesar de que, as pessoas, naquela época, não tinham essa consciência. Mas, em função da crise do petróleo, foi um ano de pouquíssimas oportunidades pra quem estava se formando. Eu trabalhei na Light também. Mas nem chamo de emprego, fiz uma espécie de estágio na engenharia elétrica. Passei oito meses fazendo estágio. Mas não sabia se ia ter concurso ou não. Aí surgiu o concurso de Furnas, da Petrobras, não sei se mais alguma coisa. Aí eu passei na Petrobras. Furnas não foi concurso, foi entrevista, mas eu não passei. Tinha aquela história, você ficava esperando eles chamarem. Aí, nesse ínterim, eu fiz o concurso pra Petrobras. Na época, foi um caminhão de pessoas, eram 200 vagas, tinha oito mil candidatos. Mas eu entrei na Petrobras. Eu estava na casa da minha mãe, quando recebi o telegrama de convocação. Lembro, com muita clareza, que acordei minha mãe aos gritos dizendo que a minha vida tinha sido resolvida. Era muito stress, arrumar um emprego estava sendo difícil. Quem fazia o IME tinha muitas oportunidades, mas naquele ano não foi tão fácil, não. E aí eu passei e pronto, acabou.
PETROBRAS – NOVOS EMPREGADOS O pessoal até fala muito com a turma que está entrando agora – a gente está discutindo muito isso e está recebendo muita gente nova. Eu ouço dois comentários. Primeiro, a qualidade deles: é uma garotada nova, de certa forma criada num outro ambiente, um ambiente mais visual, com essa coisa toda de Internet. E tem sempre aquela visão: “O ensino caiu, a qualidade etc.” E o que a gente comprova, pelo menos, em função talvez do processo seletivo da Petrobras, é que a qualidade deles é fantástica. A gente está, agradavelmente, surpreso. Estou fazendo esse gancho por quê? Porque o outro comentário é o seguinte: “Mas eles não têm o comprometimento que a gente tinha.” E aí, numa dessas discussões no planejamento do Cenpes, eu falei: “Olha, a gente também não tinha.”
Na verdade, quando a gente entrou na Empresa, naquela época, o que era a Petrobras? Uma empresa de óleo. Hoje as pessoas vêm aqui, se emocionam, tem toda uma história. Isso é coisa de pessoas que têm mais de 20 anos na Companhia. Pessoas que, de alguma forma, transformaram isso em parte da vida. Mas a garotada não tem essa experiência. Então, a garotada vem aqui, de repente, fica olhando se vai sair ou não. Alguns realmente saem, procuram outras oportunidades. Esse primeiro período é, vamos dizer assim, um período de inconstância mesmo. Não se pode exigir de uma pessoa que está entrando agora o mesmo comprometimento do mais velho.
FACULDADE DE HISTÓRIA – UERJ Na época que entrei na Petrobras, eu já estava mudando um pouco, tinha receio por ela ser estatal, né? Quer dizer, eu tive um viés político muito forte quando eu estava na faculdade de história, participando de aulas, do Partido Comunista, me achava marxista, maoísta. Gostei muito da faculdade de história, foi o lado bom dessa coisa toda. Além de ter conhecido minha esposa, os amigos, foi um conhecimento que eu acumulei. Até hoje eu leio demais e gosto demais. Era o lado que me faltava da matemática, da física. Não que não goste, mas é uma área árida mesmo. Então, eu gostava demais, sempre gostei. Eu fiz um ano de História e o curso da UERJ, diga-se de passagem, é um curso ruim, comparado, por exemplo, com a UFF, que a CAPES dá grau sete, sei lá. O curso lá da UERJ não é um curso bom, mas, ainda assim, o ambiente é bom, tem bons professores. Então, ali eu tinha o lado intelectual mesmo, porque sempre gostei demais de ciências humanas, de história e o lado social, afetivo, essas coisas todas. Era o oposto do IME, completamente. Lá era esquerda. Eu já era de esquerda, era maoísta, freqüentava essas coisas todas. Colegas meus foram presos, tinha dedo-duro dentro da sala e nós descobrimos depois. A
ditadura já estava, evidentemente, definhando, mas ainda tinha esse resquício. Não tive nenhum tipo de ato heróico, nada que valha a pena ser contado. O pessoal distribuía aquele movimento, era uma participação bem marginal. Mas me via muito como esquerda, né?
INGRESSO NA PETROBRAS Quando eu entrei na Petrobras, fiz o primeiro ano lá na Bahia. Aí eu já pensava um pouquinho diferente, mas tinha um pouco de receio da Petrobras. Foi um curso fantástico, muito bem feito, muito bem dado, pessoas extremamente competentes, o inverso do IME.
EDUCAÇÃO Eu tive três grandes momentos na minha vida na Engenharia. Um foi no vestibular, quando passei pro IME. Tinha uma equipe fantástica, aqueles salões com 200 pessoas, mas, em compensação, a qualidade dos professores que davam aula naquelas turmas... Era muito competitivo o negócio, a turma IME era fantástica. Eu estudava muito, comparado com o que estudava normalmente. Estudava acima do meu normal. Eu sempre fui meio dispersivo, nunca fui um CDF autêntico, fazia as contas e logo perdia o saco. Mas, na média, eu estudava bastante. O outro momento foi na Petrobras, onde também estudei, até por conta de que aquilo teria uma influência no futuro. E o terceiro momento foi nos Estados Unidos, no MIT. Também estudei pra diabo lá, por prazer. E era também fantástica a maneira de se estimular os alunos. O MIT foi em 1996. Passei um ano fazendo um curso que os gringos chamam de MBA. É um curso de gestão, com algumas cadeiras focadas em tecnologia.
FAMÍLIA Eu tenho marcas profundas, né? Marcas de família, como eu disse. Tive depois a morte do meu pai e do meu irmão. Isso tudo me marcou muito. Meu pai me viu entrar na Petrobras. Eu estou tentando lembrar do momento em que dei essa notícia pra ele. Meu pai já estava ausente. Não estava morto, mas estava ausente, por isso que eu não lembro dele. Ele teve mal de Parkinson e morreu com 56 anos. Foi um negócio que deteriorou muito rápido, porque ele não pôde mais trabalhar. E aquilo o afundou, pois passou a vida toda trabalhando, sustentando a família, era nordestino, né? Tinha uma série de valores, de macho que sustenta a família, que conduz e tal. Ele sofreu muito com a morte dos filhos. E ainda teve um problema muito sério, ele atropelou uma criança pequenininha. A criança morreu e ele nem viu que a tinha atropelado. Ele estava andando devagarinho, mas numa rua cheio de buraco. E a menina pequenininha correu, atravessou e ele nem viu, foi uma tragédia mesmo. Ele estava devagarinho, indo pra nossa casa, pertinho, tanto é que ele parou logo depois. E a mãe correu e avisou a ele, pegou a criança. Enfim, coitado. Ele já tinha o sistema nervoso complicado. Aquilo tudo acabou com ele. É por isso que eu estava sem memória do fato em si. Ele já estava doente, tinha Parkinson. Evidentemente, de certa forma, foi uma rendição de não ter sido oficial do Exército. Eu era engenheiro da Petrobras. E isso aí fecha essa minha parte pessoal. Entrei na Petrobras, e os meus problemas acabaram.
CASAMENTO No ano que eu fiz o curso na Bahia, me casei com a professora Cecília, que tinha conhecido na faculdade de História. A gente namorou uns dois anos. Aí eu fui pra Salvador. Quando eu estava lá, a gente casou. Casamos até por uma forma meio oportunista. Essa história é muito engraçada. Porque eu era bom aluno, saí com grau oito, mas era uma turma de cento e poucos alunos e eu estava em vigésimo ou décimo nono lugar. Só tinham cinco vagas pro Rio e o Rio era, evidentemente, ultra procurado, era a primeira opção. Os cariocas entraram maciçamente naquele ano. Macaé não era muito bem visto. Pro Amazonas, ninguém queria ir. E os critérios eram colocação e, também, interesse da Empresa, porque não podia todo mundo bom ir pra um lugar só. E casamento era uma ótima justificativa, né? Naquela época, eu já era arrimo de família. Portanto, tinha um caminhão de motivos, além de ser bom aluno. Então, eu casei com ela com essa intenção, como justificativa. Claro que a gente ia casar de qualquer jeito, só que antecipamos, enquanto eu estava em Salvador. Tanto é que nós casamos, eu fui pra lá e ela ficou aqui. Casei antes de terminar o curso, uns três ou quatro meses antes. Então, vim pra cá e aí começa a minha história na Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / ENGENHEIRO DE PETRÓLEO NA BAHIA
Primeiro, passei uns três a quatro meses em Salvador, na unidade de produção da Bahia. Foi um período em que eu rodei a Bahia, conheci Catú, aquela área toda, de forma muito superficial, já depois do curso. Terminei o curso, fui lotado no Rio, mas tinha que ficar um período na Bahia, era obrigatório. Aí fiquei lá, rodando os campos todos, como estagiário.
A gente, basicamente, acompanhava os engenheiros de campo no gerenciamento dos reservatórios. Cada engenheiro tinha um campo, Salvador, Catú e tal, e cada campo tinha 30, 40 poços. A função deles era fazer com que esse campo produzisse de forma eficaz, de forma otimizada. Então, poços que podiam aumentar a produção, ele colocava um metro de elevação. Tudo que a gente tinha aprendido no curso. Passei uns seis meses rodando, passando na área de poço, tendo um verniz daquilo que eu tinha aprendido no curso, que foi muito útil. Eu tenho até hoje lembranças, porque é muito marcante você ter um curso teórico de um ano e depois ir diretamente pro campo. Então, isso me marcou muito. Eu aprendi muito naquele período, apesar de ter sido pouco tempo. Aí vim pro Rio.
GESPA - RIO No Rio, eu fui o único que não escolhi, porque, dos cinco que chegaram, eu era o quinto colocado e as escolhas eram feitas por ordem de colocação. E talvez essa tenha sido minha grande sorte profissional. Porque, pelo fato de não ter escolhido, eu fui cair em um grupo, que a gente chamava de Grupo de Produção Antecipada, que é o Gespa.
MACAÉ / ESPIRITO SANTO Antes de trabalhar nesse grupo, eu passei um ano em Macaé, rodando em todas as gerências, todas as áreas de conhecimento. E fui muito tempo para o Espírito Santo, trabalhando também em terra. Passei lá uns três ou quatro meses, trabalhando e rodando toda a Bacia de Campos.
GESPA – GRUPO ESPECIAL DO SISTEMA DE PRODUÇÃO ANTECIPADA Esse grupo já estava formado e foi o grande responsável pelo desenvolvimento de águas profundas na Petrobras. Foi o grupo que liderou o processo. E eu caí logo nesse grupo, onde estava o Zephyrino Lavenére, onde estava o Salim Armando, entre outros. Nessa época, na Petrobras, tinha duas grandes correntes que se digladiavam e, evidentemente, se odiavam. Como sempre, né? Mas que, de alguma forma, buscavam responder os desafios da Companhia na produção, basicamente. E foi, vamos dizer assim, a infância da conquista da lâmina d’água, das águas profundas. O departamento de engenharia era todo poderoso, grande, imenso, já tinha uma trajetória antiga, construía todas as refinarias. Eles faziam as grandes construções, as plataformas. As plataformas eram fixas, então você tinha uma lâmina d’água e a plataforma ficava como se fosse uma cadeira apoiada no fundo. E daqui se produzia petróleo, que a gente chamava de terminar os poços com completação seca. Nessa plataforma fixa, a produção era parecida com a de terra.
PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NO MAR / DESENVOLVIMENTO TÉCNOLOGICO Do ponto de vista tecnológico, na indústria de petróleo – se quiser fazer uma imagem legal pra águas profundas –, o homem caminhou de forma muito interessante. O homem sabia produzir petróleo em terra, sabia como produzir na praia. Como ele foi pro mar? Ele construiu um píer e, exatamente o que ele fazia em terra, ele colocou em cima desse píer. Tudo era igual. Aí o píer foi ficando grande e o que ele fez? Cortou esse píer e só deixou aquele pedaço final, que a gente chama de jack-up. Jack-up é uma plataforma com um auto-elevatório, que tem os pés como se fossem móveis e uma parte subia. Então, é como se fosse um píer sem ligação. E aí ele ganhou mobilidade com esse píer. A tecnologia se desenvolve desse modo. Isso era feito nos Estados Unidos, Pensilvânia e no início do Golfo.
O homem começa assim. Começa a perfurar, deslocar e produzir com esse deslocamento. Mas a lâmina d’água foi aumentando. Então, o que o homem fez? Com essa mesma jack-up, ele descobre uma unidade, delimita esse campo, e uma vez delimitado, essa jack-up só perfura os poços. Só busca petróleo. Isso é um negócio pra achar petróleo. Achou, delimitou, a jack-up sai fora. E aí sim entra uma grande plataforma, apoiada lá no fundo. Essa plataforma é capaz de produzir 100 mil barris. É capaz de produzir 30 poços. Esse era o modelo que existia, era como a gente delimitava um campo e a engenharia ia lá e construía. Dessa forma, se construiu Namorado, Garoupa, que foi o primeiro campo. Esse era o modelo dominante, o modelo da indústria.
No Mar do Norte, uma empresa chamada Hamilton Brothers fez uma coisa diferente de tudo o que já se tinha feito. Eles estavam numa lâmina d’água grande, não lembro bem, mas era grande pra época, tinha uns 100 metros. Colocar uma plataforma apoiada lá embaixo custa muito dinheiro e eles não tinham, era uma empresa pequena. Então, o que eles fizeram? Isso era um modelo clássico de inovação. A inovação surge, normalmente, nesse tipo de coisa. São empresas menores, mais ousadas, né? Empresas que têm uma necessidade de sobrevivência grande. Então, esses caras, ao invés de construírem esses mastodontes, esses elefantes, pegaram uma unidade, agora, flutuante. Depois da jack-up, vieram as semi-submersíveis, que eram unidades que flutuavam e achavam petróleo. Eram embarcações que conseguiam flutuar, basicamente isso. No modelo dominante, achavam petróleo e colocavam a jack-up outra vez. Saía a jack-up, colocava uma plataforma fixa, apoiada no fundo. O que esses caras pensaram? Bom, vamos pegar essa mesma unidade flutuante, em vez de trazer o poço até aqui em cima, vamos terminar o poço lá embaixo. Uma mangueira vai trazer esse petróleo até a unidade flutuante. Esses caras fizeram isso e revolucionaram a indústria. A partir dali, chegou-se à conclusão que não era necessário mais ter essa grande unidade fixa, que custava, nos valores de hoje, 500, 600 milhões de dólares. Então aquilo, de uma forma muito barata, podia aproveitar a própria unidade que você perfurou, você colocava uma separação lá, um processo e produzia. Os caras conseguiram produzir de forma econômica neste sistema e muito mais rápido. Esse é o grande problema. O problema do petróleo não é o custo, é o prazo. Sabe por quê? Sobre o petróleo, a gente costuma dizer que se paga tudo; isso não é verdade. Não posso dizer isso aqui. Mas, praticamente, ainda é isso. Com petróleo, realmente, você tem as coisas antes, mesmo que gaste 20, 30% a mais. Um barril de petróleo está 30, 40, ninguém segura. Isso é um negócio que as pessoas não têm idéia. Quando eu fiz o curso, tinha mais de 20 empresas diferentes, 20 nacionalidades, gente de todo mundo. Eu conheci até um cara brasileiro, que trabalhava na indústria de Minas. E é impressionante a diferença dos projetos deles pros nossos. Eles tinham projetos que levava 15 anos pra se pagar. O primeiro projeto que eu coordenei, que fui o responsável, o projeto de Albacora, se pagou em 14 meses. O meu primeiro projeto foi colocar Albacora em produção, fase um.
SISTEMA DE PRODUÇÃO ANTECIPADA / GESPA Vou falar um pouquinho do Gespa. O Gespa começou a seguir a mesma linha dessa firma. Tinha a engenharia construindo as grandes obras e tinha o Gespa antecipando a produção. Por isso que é Gespa – Gerência de Sistema de Produção Antecipada. A visão era antecipar a produção, só campos pequenos, enquanto não se construía o grande monstro. Com o tempo, a gente percebeu o seguinte, aquilo não era um sistema antecipado, aquilo era “o sistema”. Não precisava do outro, mas havia muita resistência. O Salim Armando e o Zephyrino são os dois grandes líderes desse processo. Então, eles começaram a conduzir isso. Foram os grandes desbravadores. E tinha o Iwao Jouti, na Bacia de Campos. E aí a gente começou a colocar em produção. Um sistema desse que levava três anos, a gente colocava em produção em um ano. E aí era uma disputa sangrenta entre os dois grupos. Mas, evidentemente, esse grupo prevaleceu, porque prevaleceu no mundo inteiro. Essa, no final, foi a tecnologia dominante. Ou seja, a gente estava do lado certo, né? Por isso que eu digo: “Eu dei muita sorte.” Eu vim pra sede e fui trabalhar nesse grupo, que foi o vencedor, que desbravou águas profundas. Até porque, em águas profundas, o sistema fixo é inviável economicamente. E é fácil de entender. Você vai pra 600 metros, se você tiver que fazer pernas de 600 metros e estabilizar isso, o custo dessa unidade será
imenso. Enquanto que o que está flutuando não é sensível à lâmina d’água.
No primeiro projeto, a lâmina era em torno de 90, 100, 120 metros, já no Gespa. E ainda: Garoupinha, Corvina, Piraúna, Marimbá. Piraúna era um pouquinho mais profundo, 200 metros. A gente dominou essa tecnologia rapidamente. Inicialmente, era muito dependente da tecnologia de fora. Depois, não.
GESPA Éramos um grupo de 50 pessoas. Foi o núcleo que disseminou esse conhecimento. Macaé não tinha muita gente, no iniciozinho, mas logo depois vieram o Iwao, o Roberto Nagasako, da parte de completação de poço, o Irani Varela, que já deu o seu depoimento aqui também. Então, esse grupo estava
implantando o sistema e a turma de Macaé no operacional, apesar de que o grupo também participava da parte operacional. Ele estava na Sede por questões até políticas, né? Tinha que estar na Sede, era investimento. Mas podia estar em Macaé. Como até hoje, que está na UN-Rio. Mas, naquela época, a gente era um grupo operacional na Sede. O que, pra mim, era fantástico do ponto de vista pessoal, porque podia morar no Rio de Janeiro e também embarcar.
TRABALHO EMBARCADO Trabalhei muito tempo embarcado. Nos meus primeiros cinco, seis anos de Companhia, eu embarcava com freqüência. A minha primeira impressão foi muito boa. Eu sempre conto uma história do Iwao. O meu primeiro embarque foi traumático. Já contei isso, quando a gente homenageou o Zephyrino. Eu organizei a homenagem. O Zephyrino foi um dos meus primeiros chefes. Quer dizer, foi o meu segundo chefe. Eu movi os pauzinhos pra trabalhar com ele. Nesse período ainda de estágio em Macaé, quem me botou pela primeira vez numa plataforma foi o Iwao. Ele me chamou na sua sala e falou: “Beltrão, é o seguinte, tem uma unidade, uma auto-elevatória, você está fazendo estágio, você vai pra lá, e não se preocupe porque não tem ninguém da Petrobras lá, tá? Eles vão fazer a completação de um poço, mas tem um cara da Baker – o cara da Baker era um
contratado – que vai descer a coluna. Você vai lá como o nosso fiscal, você faz o estágio e já vai trabalhando, né?” Eu achei aquilo legal, me senti prestigiado, com muita responsabilidade. Mas eu nunca tinha descido uma coluna no mar e não sabia bem o que era isso. Eu lembro que perguntei: “Iwao, tudo bem, ele vai descer a coluna e o que eu faço?” Ele falou: “Você faz uma cara de inteligente, de quem está entendendo as coisas.” Falei: “Iwao, mas eu não estou.” “Faz uma cara de inteligente, ele vai fazer tudo, ele sabe tudo, não se preocupe.” E não deu outra: duas ou três horas da manhã, o cara descendo a coluna, começa a vazar óleo pelo anular. O cara da Baker pergunta: “E aí, o que que eu faço?” Eu não sabia o que dizer, estava completamente apavorado. A única coisa que eu disse foi: “Rapaz, isso aí é problema fácil de resolver, resolve aí. Dá licença que eu tenho que sair um pouquinho.” Saí correndo pro telefone e liguei apavorado pro Iwao. O Iwao tinha essa coisa boa, você ligava pra ele a qualquer hora. Contei o que estava acontecendo. Ele me tranqüilizou, deu umas dicas técnicas e tal. Eu voltei, já fazendo cara de segurança, dizendo pro cara o que podia, que não podia ser. Eu lembro que se resolveu o problema. Esse foi o meu primeiro embarque. Não era complicado, mas podia ser perigoso. Vazamento pode ser um negócio muito perigoso. Na verdade, não era e a gente conseguiu resolver. E o cara contratado era pouco experiente. Ele era muito experiente com os equipamentos da Baker, mas a parte do poço não era bem a área dele. Isso é uma das histórias da Bacia de Campos. Tem cada história que você nem acredita.
MERGULHO SATURADO Tem uma história ótima, que vou contar depois, quando quase matei dois caras. Quase, graças a Deus Pra você ter uma idéia de como era, a gente fazia muito mergulho, mergulho saturado. Não sei se vocês já ouviram o pessoal explicar como é esse mergulho. O mergulhador desce normalmente uns 10 metros e tal, mas não consegue ir além disso, porque senão explode. Mas a gente vai até 250, 300 metros. Então, como é isso? A gente satura as pessoas. Saturar é colocá-los pra respirar uma mistura chamada de heliox, com oxigênio e outros gases. A pessoa é saturada e passa o tempo todo, vamos dizer assim, com a pressão do meio em que está. Se ela vai mergulhar a 100 metros, ela fica o tempo todo numa câmara pressurizada com a pressão equivalente àquela profundidade. Qualquer problema nesse sistema, se o cara for despressurizado rapidamente, ele tem embolia e morre na hora. É uma morte instantânea, o cara praticamente explode. A corrente sangüínea está numa pressão, se despressurizar rapidamente, o cara morre. O tempo para se despressurizar uma pessoa leva, em média 10, 15 dias. Às vezes, o pessoal é pressionado pra andar mais rápido com isso, mas é perigoso. Um sino desce sempre com dois mergulhadores. Um vai trabalhar e outro fica no sino de mergulho, controlando a pressão. A água não entra porque esse sino está com a pressão um pouquinho maior do que a água que está embaixo.
No início, era só mergulhador estrangeiro. Rapidamente, a gente começou a profissionalizar os nossos mergulhadores. As empresas treinavam os mergulhadores. Na verdade, a Petrobras não era fornecedora desse serviço. A gente contratava grandes empresas, que tinham experiência em outras áreas. Tinha a Comex, que era francesa. Ainda hoje, no mundo, é assim. Tem umas três ou quatro grandes companhias prestadoras de serviço de mergulho. A gente contratava essas empresas, que se instalaram no Brasil e começaram a contratar brasileiros. Começamos a treinar no centro hiperbárico da Marinha. Enfim, começamos a desenvolver isso aqui. Mas a Petrobras nunca teve mergulhadores petroleiros. Isso era um serviço à parte. Eram prestadores de serviço.
Os mergulhadores ganhavam bem. No início, nem tanto, mas logo depois passou a ser uma profissão muito respeitada, em que se ganhava muito dinheiro. Morreu muita gente também naquela época. Matava-se muito, por conta de segurança, ausência de consciência, uma série de coisas. Mergulhador é uma raça meio aventureira, faziam coisas que não deviam. E, o que era pior, nem sempre tinham a preparação, o treinamento adequado.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Pra trabalhar em mergulho, você tinha que tirar uma carteira, como carteira de motorista. Fazia um treinamento e tal, era habilitado. Não preciso dizer que alguns caras começaram a comprar a carteira. Compravam e mergulhavam. Numa dessas, estava o cara do sino e o outro foi sair, fechando a válvula, coisa e tal. Quando o cara voltou pro sino, eles estavam com oxigênio, mas a água já tinha entrado dentro do sino. O cara depois falou: “O que houve?” O cara que estava fora foi abrir a válvula de alívio. O que estava fora resolveu a situação. “Mas vem cá, como é que você fez isso?” O cara: “Eu era motorista de táxi. Eu dirigia um táxi, consegui comprar essa carteira, arrumei esse emprego; eu não sei fazer nada disso aqui.” Era nesse nível. E o cara estava lá embaixo, sei lá, a 200 metros, trabalhando como se fosse capacitado, num serviço de risco. Risco completo, pra todo mundo. Morreu muito mergulhador nessa época. Hoje essas coisas todas são feitas com absoluta segurança.
BACIA DE CAMPOS A história da Bacia de Campos era essa, era um bando de pessoas empreendedoras e o que mais importava era tempo. O Brasil passava por uma crise de petróleo. O preço do petróleo estava lá no espaço. Nós tínhamos reservas, então a questão era produzir isso da forma mais rápida possível. E esse grupo (Gespa) conseguia fazer em detrimento do outro. Segurança, por exemplo, a gente operava o tempo todo com todo o sistema de segurança “by-passado”. Tinha um sistema de detecção de gás que, de vez em quando, dava problema, atrapalhava a produção. A gente “by-passava”, ou seja, operava sem segurança de gás, sem detector de fogo. Era uma coisa absurda. Eu embarquei em coisas desse tipo e a gente tinha orgulho disso. Tinha orgulho de operar de forma tipo cowboy. Parecia um bando de cowboy. Toda a fase inicial foi assim. Tinha que colocar pra andar. A gente chamava de gerência caótica, do caos organizado, porque era um caos completo. Mas o que a gente conseguia, principalmente, com a liderança do Salim e do Zephyrino? O que eles faziam? Eles saíam comprando equipamento. E eles compravam equipamento pra um lugar e nunca era instalado nesse lugar. Era sempre instalado em outro. Mas o que acontecia é que eles compravam com antecedência e, com isso, toda vez que surgia um campo, surgia uma oportunidade, a gente estava recebendo alguma coisa. Então, a gente pegava essa alguma coisa que a gente estava recebendo, juntava, roubava de outros projetos, e colocava o projeto em tempo recorde. O que tornava o Salim, o Zephyrino e o Gespa um grupo de uma eficácia que nenhum lugar do mundo tinha. Na verdade, era uma bagunça também. Saíam comprando coisas, muitas vezes indevidas, porque não iam pro lugar a que eram destinadas. Mas como a gente descobriu tanta coisa em seqüência, isso ficou um sistema perfeito. A gente comprava um separador pra Garoupa. Aí, em vez de instalar em Garoupa, instalava em Corvina. E saía fazendo essas coisas.
Saíamos comprando, comprando, e à medida que ia entregando, a gente botava num próximo projeto. E aí saía comprando outro. A gente estava em Corvina, aí usava o separador de Garoupa e, automaticamente, comprava outro. Com isso, a gente conseguiu um tempo de resposta que nenhuma empresa no mundo tem. Muito ágil. Porque, na verdade, a gente teve uma seqüência de projetos. E isso foi o sucesso do Gespa, esse foi o desbravar de águas profundas.
GESPA / DIVAP O Gespa, vamos dizer assim, foi o que antecedeu a Divap, a Divisão de Águas Profundas. O Gespa, depois, foi reestruturado. Eu acho que foi reestruturado pra tirar o Salim, porque ele tinha muito poder. Foi criada a Divisão de Águas Profundas, quer dizer, eliminou-se o Gespa. O Gespa virou Águas Profundas, mas com aquele mesmo grupo. Quem saiu foi o Salim Armando. O Zephyrino continuou à frente e a gente continuou fazendo exatamente o mesmo que fazíamos. Continuei o tempo todo, só mudava de projeto. Depois que virou a Divisão de Águas Profundas, eu fui pro Setor de Componentes Especiais, onde, basicamente, a gente comprava equipamentos submarinos, manifolds etc.
EQUIPAMENTOS SUBMARINOS / CONQUISTAS TECNOLÓGICA Tem duas lógicas aí, né? Como tem dois períodos, três, talvez, muito claros em termos de conquista tecnológica. A primeira foi se livrar dos mergulhadores, porque, a partir dos 300 metros, não dava mais. Então, foi preciso desenvolver toda uma tecnologia que prescindisse do mergulhador. O que, naquela época, era um desafio. Muitos foram céticos em relação a isso. Mas foi desenvolvido de forma muito tranqüila e muito natural, estendendo os conceitos de águas rasas, como a gente chama. Basicamente, por exemplo, existia uma válvula que pra ser aberta precisava do mergulhador. O que nós fizemos foi automatizar essa válvula. Essa válvula, então, ela tinha um atuador, que fazia o papel do volante. E desse atuador saía uma fonte de energia, uma mangueira, em que a gente, de forma remota, pudesse abrir ou fechar essa válvula. Foi basicamente esse tipo de coisa. Eu estou dando um exemplo do que a gente fez. Então pra conectar linhas e tal, todas as nossas operações passaram a ser executadas de forma automática, onde se instalava alguma coisa já com a previsão de operar de fora. Esse foi o grande desafio. A árvore de natal, manifold, conexão, sistema, tudo foi automatizado. A gente passou a contar com um ROV – Remotely Operated Vehicle – que era um equipamento que não só via o problema, como passou, depois, a ter um braço mecânico para ele próprio resolver. A grande dificuldade, quer dizer, uma das mais sérias era se desse alguma coisa errada, como é que você repararia, né? Você não podia mais mandar o mergulhador pra reparar. Então, você mandava o robozinho, que ia lá, removia alguma coisa, substituía uma válvula etc. Isso foi o grande desafio do ponto de vista tecnológico.
EQUIPAMENTOS SUBMARINOS
Depois teve um outro desafio, quando a gente foi para mais de mil metros. A gente estava em 400, 500 metros. A plataforma podia estar ancorada, podia estar fixa, mas quando fomos acima dos mil metros não. Aí se passou a operar com o que nós chamamos de posicionamento dinâmico, onde essa unidade recebe um sinal qualquer, de fora ou próximo, e ela, com seus thrusters, seus motores, que são variáveis, consegue se manter em posição estável. Qual a dificuldade disso? Você não tem mais nenhum link dessa unidade com o fundo do mar. Por exemplo, quando a unidade está parada, a gente consegue colocar linhas guias, para guiar as coisas. Porque guiar as coisas no fundo do mar é muito importante. Você não tem como guiar, como fazer o encaixe, você precisa de guias. Então, usando sistemas de funis, a gente faz essa guia. Isso é o que a gente chama de Guidelineless - GLL. No jargão da indústria, é outro grande estepe tecnológico. Aí, vamos dizer assim, do ponto de vista tecnológico, chegamos ao desenrolar de toda essa área. Eu estava no Gespa e, depois, na Divap. Mas aí já não era só a Divap. Macaé tinha crescido enormemente, já tinha muita competência e foi esse grupo que desenvolveu isso tudo.
NAVIO P.P. MORAES – ADAPTAÇÃO PARA FPSO Eu tive uma trajetória grande. Fui pra engenharia, onde também desenvolvi projetos, e depois voltei. Mas eu acho que o que mais me impactou foi o meu primeiro projeto, com o PP Moraes, em Albacora, fase 1-A. Foi, talvez, o projeto de maior rentabilidade dentro da Companhia. Não por mérito meu, mas pelo mérito do próprio projeto em si. Foi um projeto feito em tempo recorde, em menos de um ano. A gente adaptou o navio P.P. Moraes. Compramos o swivel, que era ponta da ponta tecnológica, da SBM. Instalamos, colocamos alguns vasos, adaptamos a planta de processo, mandamos ele pra Albacora. E aí fizemos a instalação em Albacora. Eu arrebentei um riser, uma linha, em Albacora. Nunca esqueci disso. Mas esse projeto foi extremamente bem sucedido. E eu o conduzia praticamente sozinho. Era um negócio fantástico. Cada uma daquelas pessoas, daqueles engenheiros, conduzia um projeto. Mas, realmente, a Petrobras nunca vai ser tão empreendedora como foi naquela época. Eu pegava um telefone, comprava as coisas, sem nada, só com um telefonema. Eu gastava milhões com telefonemas. O Salim tinha esse tipo de confiança na gente. E a gente comprava. Hoje, certamente, estaria todo mundo na cadeia se fizesse uma coisa dessas. Mas, na época, o objetivo era colocar as coisas em produção. O viés de todo mundo era esse. E por isso que esse grupo funcionou de forma fantástica. Tinha muita liberdade, muita autonomia, muito pouco controle, muito pouco planejamento. E tivemos sorte, também, pois os nossos campos eram excepcionais. As nossas descobertas foram excelentes. Então, como a variável de tempo era fundamental, esse projeto se pagou em 14 meses. Tudo que a gente gastou, em 14 meses tinha tudo de volta e o resto foi tudo lucro. Esse foi meu primeiro projeto. Eu trabalhei em outros projetos, até mais, vamos dizer assim, interessantes do ponto de vista de complexidade. Mas esse era o meu, né? È muito importante você se doar pra alguma coisa que está fazendo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL - CENPES Estou no Cenpes há três anos e meio. Eu sou hoje o Gerente Geral da Área de Desenvolvimento Tecnológico de Produção. Então, lá tem todas as áreas de conhecimento da produção. Desde a área de reservatório, de subsuperfície, poço, escoamento, tecnologia submarina, onde eu comecei, que é a minha área de origem, até a parte de métodos navais. Enfim, tudo isso. São ao todo mais de 500 pessoas. Esse povo presta serviço a toda a Petrobras, na área de produção, tanto Norte e Nordeste, como Sul e Sudeste, e ainda na área internacional. A área de produção deve ter mais de 200 projetos. Só de consultores, eu devo ter, sei lá, uns 70. É muita gente, mas funciona muito bem. Agora as coisas na Petrobras são muito organizadas. Acho que, às vezes, é organizado até demais.
GESPA / DIVAP A razão do término do Gespa e início da Divap até hoje, pra mim, não está muito clara. Eu acho que havia aquelas coisas naturais de competição dentro da Corporação. O Salim era uma pessoa que, como todo grande empreendedor, pra atingir o seu objetivo passava por cima de tudo e de todos. Salim sempre teve essa característica. Ele representava o empreendedor, o gerente, o condutor daquele grupo todo. Enquanto o Zephyrino e o resto do grupo davam o suporte técnico, a visão técnica, a condução. A gente até dizia que o Salim era igual a peixe, morreu pela boca. Porque ele não aceitava a hierarquia da Companhia. Ele falava coisas que, normalmente, dentro de uma política de empresa, as pessoas não falam. Ele falava tudo que pensava. Eu lembro que a gente tinha uma briga histórica em relação ao reservatório. O reservatório era intangível, tinha mais riscos envolvidos, mudava muito. E pra nós aquilo lá era muito importante, porque era um dado fundamental da curva de produção. Então, o Salim brigava e tal. E eu acho que esse movimento todo de término do Gespa teve um pouco a ver com uma nova liderança. Isso foi muito traumático pro grupo, porque o Salim era um ícone pra nós e continuou sendo um ícone. Então, foi criada a Divap, veio um outro gerente, que foi o Molinari, mas depois começou a mudar.
Enfim, o que aconteceu foi, de certa forma, um afastamento do Salim. E muita gente saiu junto com ele. Não foram muitos, mas as pessoas que não se conformaram. Tirando uns dois ou três, num grupo de 70 pessoas, continuou a mesma, né? Reestruturaram, mas a gente continuou fazendo as mesmas coisas, colocando sistemas em produção. Eu acho que a saída do Salim também teve um pouco a ver com a ascensão de Macaé. Porque sempre houve uma dicotomia natural dentro da Empresa, de um grupo da sede que foi um pouco pioneiro nesse processo. A estrutura de Macaé, chamada região de produção, não tinha uma competência forte, naquela época, mas foi criando. E por estar na operação, o aprendizado deles foi rápido e tal. E aí, naturalmente, houve o choque entre desses dois grupos. Nesse choque, algumas pessoas não entenderam que era natural a ascensão do grupo da operação de Macaé, que passou a ter autonomia. Essas pessoas, de alguma forma, foram afastadas. E o Salim sempre foi obstáculo pra isso, porque ele tinha personalidade muito forte, é um cara empreendedor e passava por cima da hierarquia da Companhia. Mas a Divap continuou, já com outro nível de colaboração com a unidade Bacia de Campos. A unidade passou a ter muito mais autonomia.
UNIDADE BACIA DE CAMPOS X SEDE Foi uma disputa entre Bacia de Campos e Sede. Esse conflito até hoje existe. Aliás, como em toda a companhia, né? Essa questão entre centralização e descentralização é um dos dilemas recorrentes dentro da Companhia. Se você centraliza muito, tem dificuldades, evidentemente. Se descentraliza, mas não dá apoio, também tem problemas. Isso é meio pendular. Na época, o pêndulo tendeu como deveria, pra unidade Bacia de Campos que já estava mais do que capacitada pra conduzir e tinha essa aspiração. E o Gespa começou a perder um pouco o poder. Era o grupo que comandava, como eu disse, que disputou a hegemonia com a engenharia, com aquele modelo dominante dos flutuantes. Então, nós fomos os pioneiros nesse processo todo, conseguimos, vamos dizer assim, transformar esse sistema no sistema dominante. E, com a criação da Divap, a gente ficou mais concentrado numa divisão de lâmina d’água profunda. Os maiores desafios continuavam com a Divap. Tudo aquilo que a gente chamava de tecnologia consolidada, a unidade assumia e conduzia. E esse modelo continuou, com brigas, com disputas, mas continuou. A unidade sempre teve a aspiração de tomar conta de tudo. À medida que o tempo passava, eles foram criando competências e tal. E isso acabou acontecendo, como era o natural. O pessoal da Sede sempre procurava manter seu próprio espaço, seu próprio poder. Essa dicotomia continuou, como continua até hoje, entre uma autonomia da unidade e aquilo que é competência da Sede. Hoje essas coisas estão mais ou menos resolvidas. De uma forma geral, tudo que é operacional, executivo está com a unidade Bacia de Campos. E a Sede tem uma visão mais estratégica de disseminação de tecnologia, como deve ser. Hoje quem lidera esse grupo é o Formigli. O Formigli está lá na unidade, veio pra Sede passar um período e, de certa forma, foi isso que resolveu. A gente começou a fazer um rodízio de pessoas. Pegava um cara que estava na unidade, trazia pra cá. E isso aí melhorou. Eu sempre fiz parte desse grupo e da Divap.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu fiquei na Divap desde que cheguei, em 1981, 1982, até 1995. Em parte desse período, no início, apesar de não estar na unidade, eu tive uma experiência forte na área operacional por conta da implantação do sistema. Porque, no início, a Sede cuidava inclusive do operacional, da implantação. Então, a experiência que eu adquiri foi esse negócio da máfia dos submarinos, era um grupo que se conhecia muito, de pessoas no E&P, na Sede, na unidade, no Cenpes. E a gente teve, inclusive, o primeiro encontro, que eu organizei. Eu era chefe do Secop – Setor de Componentes Especiais. Foi o primeiro encontro de engenharia submarina, onde a gente reuniu 80 pessoas. E esse negócio depois se seguiu. Hoje continua tendo, de tempos em tempos, a turma está fazendo de dois em dois anos. Reúne a galera toda, 70 pessoas, que apresentam projetos e discutem os problemas da Empresa.
INTERLOCUÇÃO ENTRE SETORES A gente criou esse conceito do grupo, da máfia, e começou a trocar experiências. Teve esse primeiro grande encontro. A partir de lá, a gente começou, cada vez mais, a ter contato. E a verdade é que a engenharia submarina da Petrobras ficou muito forte. Ficou um grupo muito forte, muito experiente.
Era um grupo que tinha base acadêmica boa, tinha gente que veio da própria indústria, porque a gente começou a contratar pessoas mais experientes que estavam nos fornecedores, que estavam na FMC, na Vetco. O Zephyrino [Lavenere] foi o grande pioneiro. Ele foi o primeiro a ir pra Universidade de Tulsa, acompanhar a fabricação das primeiras árvores de natal. E o desenvolvimento dessa tecnologia foi também muito interessante, porque os primeiros sistemas eram como mecanismo de relógio, muito sofisticados. Eram feitos por pessoas que, do ponto de vista mecânico, tinham uma visão sofisticada, mas que não tinham uma vivência operacional, de campo, de como as coisas realmente ocorriam no mar, lá no fundo, dos problemas que a gente passava. E isso é que tornou a Petrobras tão dominante nesse aspecto. A gente conseguiu reunir as duas coisas. A gente instalava a árvore, instalava o manifold, fazia uma conexão de linha, e a gente vivenciava os problemas e fazia o feedback. A gente alimentava a turma de projetos dizendo aquilo que estava funcionando ou não.
Existia esse lado de acompanhar o operacional, de ir até lá pra ver como estava. Na parte de árvore um pouco menos, porque a unidade tomava conta, e muito bem, disso. Mas eu sempre tive muito envolvimento com manifold, com as linhas, com essas coisas. A primeira foi uma experiência incrível, porque eu percorria todo o circo, desde a discussão inicial com o fabricante, com o projeto, até a hora de instalar, tanto na parte submarina, como também na parte de top side. Eu gosto muito dessa coisa um pouco mais abrangente. Então, eu tive uma experiência muito grande.
E aí depois a gente teve um grupo de equipamentos, que a gente chamava de Componentes Especiais, na Divap. Eu passei a chefiar esse grupo, num dado momento, em que o Pedro Bonésio era o chefe. Eu virei o chefe desse setor, que era responsável por todos os equipamentos submarinos, com exceção da árvore de natal. A árvore continuava com a completação, que era a turma do Formigli e tal. Mas fomos desenvolvendo gerações e gerações de equipamentos, foram criados os primeiros manifolds. Eu estive no Mar do Norte, vi o pessoal trabalhando lá.
PIONEIRISMO EM ÁGUAS PROFUNDAS Nessa fase, principalmente, em relação aos equipamentos submarinos, a Petrobras ensinou muito mais do que aprendeu, quando comparamos com as operadoras lá de fora. A razão é simples. Nós fomos a primeira companhia a realmente ter uma quantidade grande de projetos submarinos. Então, rapidamente, a gente passou à liderança, com o seguinte enfoque:
não existia no mundo experiência pra trabalhar naquela lâmina d’água, nem os equipamentos necessários. Então, o que existia eram os fornecedores, os projetistas, que não tinham essa experiência operacional. Mas a Petrobras tinha tudo isso.
Então, o que nós fizemos, basicamente e de forma até radical, foi modificar os projetos das empresas; quer dizer, as árvores que passaram a ser construídas no mundo eram inspiradas na experiência do Brasil, na experiência da Bacia de Campos. A nossa grande contribuição foi pegar sistemas extremamente complexos, feitos por uma visão européia, uma visão sofisticada, e simplificar aquele troço todo, reduzindo os custos de uma forma fantástica. A Petrobras sempre foi conhecida como low cost company, isto é, a companhia de custo baixo. Assim, a gente aproveitava a experiência, simplificava esses equipamentos, que passaram a ser padrão pras empresas. Eu me lembro que os noruegueses eram conhecidos pelos seus equipamentos sofisticados. A gente foi ver um template manifold, que custava na ordem de 150 milhões de dólares. A gente fazia aqui por 15 milhões. Era uma diferença brutal. O equipamento deles era uma monstruosidade. Você olhava os nossos, eles eram muito mais simples. E os equipamentos da Noruega, depois, evoluíram pra algo muito parecido ao que se tem no Brasil. Só que a gente fazia isso há 15 anos. Hoje, o mundo inteiro é assim. Por exemplo, o subsea da Noruega é muito parecido com o que era a Bacia de Campos há 15 anos. Em resumo, a gente enfrentou os problemas primeiro, a gente teve a experiência antes de todos. E resolvemos antes, como eles resolveram mais tarde, na mesma linha. Quem tinha começado a parte submarina foi o Mar do Norte, o setor inglês, com a Hamilton Brothers, com aquele primeiro sistema. Mas, logo depois, a Petrobras passou batido, passou na frente de todo mundo. A gente colocava um sistema por ano. Então, a nossa curva de aprendizado foi um negócio brutal. Essas empresas, por exemplo, a norueguesa Statoil, a British Petroleum, a Shell, elas tinham um sistema, adquiriam uma experiência e tal, mas a gente olhava pra aquilo e quase ria, achávamos uma coisa muito mais complicada. Enquanto aqui estávamos fazendo um sistema por ano. Então, o nosso aprendizado foi muito maior. Claro que também cometemos muito mais erros que eles, porque eles iam meio que seguindo um pouco o que a gente fazia aqui.
PETROBRAS: PROJETOS EXTERNOS O que foi triste foi a Petrobras ter perdido a oportunidade de utilizar esse nosso conhecimento pra liderar a parte de águas profundas do mundo. Nós tínhamos todas as condições pra isso. Hoje a gente aproveita um pouco melhor. Eu acho que é muito difícil pra um país e pra uma companhia de terceiro mundo liderar. A gente vê, por exemplo, o que aconteceu no oeste da África. Eu estive com um cara de Angola e ele estava me dizendo isso. A Petrobras tinha tudo para isso, até por questões culturais, a língua, de dominar completamente o oeste da África. E por que a gente não fez? Porque, no momento que as grandes companhias se posicionaram, a gente sequer tinha dinheiro pros nossos próprios projetos. Essa é a verdade. E isso sempre foi algo extremamente nocivo para a Companhia. A Petrobras podia ter tido um desempenho muito melhor se nós tivéssemos autonomia. Mas, como companhia de governo, a gente ficava atrelado ao déficit público. Então, quando a gente começava a fazer os projetos... No projeto de Albacora, fase 1-A, aconteceu isso. Eu fiquei escandalizado. Aquele foi o projeto – que eu tenho conhecimento – de melhor retorno pra Companhia. Por uma razão muito simples: a gente já tinha tudo, era só adaptar um equipamento, uma unidade flutuante, colocar em produção e tirar o petróleo. Era uma média de 60 mil barris. E aquele projeto foi parado. Num dado momento, faltou dinheiro pro governo. A gente parou e atrasou uns três, quatro meses o projeto. Ainda assim, foi um recorde, como eu já falei, e foram 14 meses só porque a gente parou uns três por falta de recurso. Eu acho que isso foi o que impediu a liderança da Petrobras. A nossa capacidade de financiar projetos é muito diferente de uma BP [ex-British Petroleum], de uma Major, de uma Shell. E, na verdade, isso é o que conta, você tem que ter isso. Mas o que a Petrobras tem hoje? Na América Latina, somos a empresa dominante, não tem dúvida nenhuma. Nós estamos nos posicionando na África, mas quando a gente olha pro nosso posicionamento, a Petrobras é coadjuvante na África. E a gente poderia ter sido o ator principal. O cara de Angola falava isso. Ele mesmo não entendia como é que Petrobras pôde deixar escapar aquilo. Acho que a Petrobras não conseguiu tirar o proveito que deveria dessa experiência. Pelo menos nós tiramos proveito dentro do país, sem dúvida nenhuma, tanto é que hoje a gente continua dominando completamente.
QUEBRA DO MONOPÓLIO Houve aquela polêmica toda, como é que iria ficar a Petrobras com a quebra do monopólio, né? A gente sabe que aqui no Brasil as pessoas têm uma baixa estima. As pessoas sempre olham o gringo, as grandes companhias com aquela visão de superioridade. As pessoas combatiam a quebra do monopólio, achando que a Petrobras ia ser dominada e tal. Eu sempre defendi essa quebra do monopólio, achava que aquilo só iria ajudar a Petrobras, como, de fato, ajudou. O
que aconteceu foi que tivemos mais autonomia. As grandes empresas, todas, que tentaram entrar aqui sozinhas quebraram a cara. E aí fizeram parceria com a Petrobras, evidentemente, em condições muito vantajosas pra nós, porque podemos escolher o parceiro. Muito mais proveitoso em todos os sentidos, o financeiro principalmente, porque o governo entendeu que a Petrobras tinha que ter independência, tinha que ter autonomia. Ela tinha que ser tratada como uma companhia, mas não como uma outra qualquer. A Petrobras nunca vai ser uma qualquer nesse país. É a maior companhia, ela é estruturante, enfim. Mas eles deram, pelo menos, as mesmas condições pra nós e pra Shell, que estava chegando. Porque isso era inaceitável, né? Isso foi a grande virtude. A grande virtude pra Petrobras foi ser tratada como uma Shell. Porque, na Shell, eles não podem simplesmente entrar no caixa e meter a mão ou congelar o preço de venda. Isso aí é inadmissível pra um país que quer abertura. E isso foi o maior benefício pra Petrobras. Além de que a gente sempre aprende alguma coisa, com esse contato todo. E, hoje, a Petrobras é uma empresa de muito contato, a gente está muito embebido com a indústria. Hoje, por exemplo, se pegar projetos que nós conduzimos em conjunto com outras empresas, universidades fora... A gente hoje tem contato com tudo o que interessa no mundo, tudo que ocorre, o corpo técnico da Petrobras tem acesso a tudo.
EXPLORAÇÃO & PRODUÇÃO A gente fez o Comep, o Comitê Tecnológico da Área de Exploração e Produção. Tem um livrinho azul que é fundamental. Esse livro tem tudo de importante que acontece no mundo hoje e que pode impactar a Petrobras, está mapeado. Eu acho que esse também é um dos grandes, vamos dizer assim, efeitos benéficos dessa saga. Quando você olha, inclusive, pra outros setores da própria Petrobras, a Área de Exploração e Produção tem algumas características marcantes. Primeiro foi esse pioneirismo e essa necessidade de assumir riscos. A gente sempre trabalhou no limiar da irresponsabilidade. Mas a gente não tinha muita opção. E tinha um prêmio imenso pela frente num país que importava petróleo e que, nas duas crises, foi a principal causa de recessão no país. Então isso colocava uma pressão muito grande na gente. Mas, por outro lado, era um desafio e, bem ou mal, a gente acabava conseguindo esses recursos. Como eu disse, a gente começou a tocar os projetos num tempo recorde em relação ao mundo. E isso criou essa máfia de subsea, esse grupo de pessoas, uma cultura de empreendedorismo muito marcante. Ainda hoje essas pessoas estão espalhadas na Companhia e a gente percebe. São pessoas que assumem riscos, são pessoas ousadas, capazes de apostar alto e de grandes conquistas. E isso foi feito ao mesmo tempo, por conta disso tudo: uma visão forte do que acontece no resto do mundo e uma história de sucesso em todas as áreas, como a área de poço da Petrobras, a área de reservatório, a submarina, que é a que eu pertenço. Em todas essas áreas, a gente observa que a Petrobras é muito respeitada em função disso tudo. Em função de toda uma geração que teve felicidade, como aquela coisa de conquistar a lua, né? A nossa lua era, certamente, produzir em águas cada vez mais profundas e cada vez desafio maiores. A gente não tinha opção. Não tinha a quem recorrer, não tinha quem nos ensinar. A gente era ponta nesse processo. Nós cometemos erros que, olhando pra trás, parecem incríveis, aprendemos com eles e chegamos hoje a um estado da arte muito bom. Os dois prêmios que nós ganhamos da OTC têm tudo a ver com isso, com essa saga toda.
PRÊMIOS DA OTC – OFFSHORE TECHNOLOGY CONFERENCE Os prêmios da OTC foram em 1992 e 2001. São mais recentes, mas refletem todo o aprendizado anterior. Os dois foram muito importantes. O primeiro, certamente,
foi o mais importante. Mas a gente, naquela época, não tinha tanta consciência de sua importância pra nós e, por incrível que pareça, a importância até pro país reconhecer um pouco a Petrobras. Porque essa história toda, esse trabalho todo que vocês estão fazendo, isso permeia muito pouco. Quer dizer, não o trabalho que vocês estão fazendo, o trabalho que não foi feito até agora. Quando eu converso com meus amigos, eles não sabem o que é águas profundas. A pessoas não têm noção.
AUTO-ESTIMA Como você deve estar observando, esse grupo é bem diferenciado em relação até ao resto do país. Esse grupo que vivenciou isso tudo possui uma auto-estima elevadíssima, que chega, às vezes, à arrogância. É um grupo que tem plena consciência do que representou pro país. É grupo exposto a um contato no exterior, que tem a percepção muito clara da sua própria competência, do seu valor. Nesse processo todo, a gente se profissionalizou, a Petrobras começou a mandar muita gente pra fora, como eu mesmo fui. E o que foi muito marcante pra mim foi chegar ao MIT e perceber que, naquela instituição, eu tinha mais ou menos o mesmo peso que tinha aqui, ou seja, percebia que eu estava acima da média.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Enfim, voltando um pouquinho à minha trajetória, eu fiquei na Divap. O que aconteceu é interessante. Eu cheguei num dado momento na Divap, onde era responsável por mandar uma certa quantidade de pessoas pra fazer doutorado lá fora. Era eu, o César Luiz Palagi, acho que o José Miranda Formigli também participou e outros. A gente verificava o que a Companhia precisava e olhávamos candidatos. A gente mandava pra Stanford, pra o Imperial College. Eu era um dos caras que coordenava isso na Sede. Eu comecei a pensar em também fazer algo lá fora. Eu já estava na carreira gerencial, era líder de um grupo. Eu não poderia fazer doutorado, porque tinha que fazer antes mestrado. Área submarina é isso, é um conhecimento que você não adquire na academia. A não ser num nível de muita especialização. Mas o normal é um conhecimento que você adquire vivenciando aquela prática. Não tem esse tipo de conhecimento na academia.
MIT - MASSACHUSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY Eu fiquei com vontade de fazer um curso fora. Juntou um pouquinho com a questão da minha mulher, Cecília, que queria fazer um doutorado e também passar um ano fora. E tinha um curso de gestão tecnológica. Eu era chefe de setor de componentes e propus à Companhia fazer esse curso de gestão tecnológica no MIT. Na época, a alta gerência da Petrobras já tinha sensibilidade em relação ao treinamento das pessoas, já tinha sensibilidade de como a tecnologia era importante pra Companhia. Enfim, eu fiz essa proposta, fui até o De Lucca, que vocês já devem ter entrevistado. O De Lucca era o diretor. Eu tive algumas resistências num dado escalão intermediário. Mas o De Lucca e o Gabrielle, na época, aceitaram minha proposta, me mandaram pro MIT O Gabrielle era outro gerente executivo que tinha muita sensibilidade pra esse tipo de coisa. Eu fui com a família toda. A Cecília foi fazer um doutorado no Massachusetts University. Ela passou um ano fazendo pesquisa e se especializou em História dos Estados Unidos. Então, foi tudo perfeito para toda a família. Ela foi pra uma universidade e eu fiquei em outra. Era tudo pertinho, em Boston, em Cambridge. Nossos dois filhos foram também e ficaram em escolas americanas. Foi uma experiência fantástica. Nunca tinha morado no exterior, apesar de ter feito algumas viagens. Mas morar é diferente. Ainda mais em Boston, que é uma cidade que o pessoal chama da “Hollywood da academia”: tem Harvard, o MIT, Tufts University e uma das melhores faculdades na área de medicina. Aquele ambiente é fantástico. Como eu disse, os três anos que mais estudei foram no vestibular, no curso de Engenharia de Petróleo da Petrobras e durante esse curso no MIT.
Era um curso extremamente bem planejado. Eu sempre faço uma comparação com as nossas universidades, com muita tristeza. Apesar de hoje estar melhor. No
MIT, o que diferenciava não era nem a qualidade das pessoas, mas era o
processo de gestão do próprio curso, que parecia uma empresa. Era gerenciado como uma empresa privada. Logo que eu cheguei lá, eu fui na Sloan School, que era a primeira nesse tipo de coisa nos Estados Unidos, na época. Costumo até brincar, eu dizia o seguinte: “Se aquilo acontecesse numa universidade pública brasileira, as pessoas seriam presas.” Porque os professores não
trabalhavam só pro lado de dentro, pra própria universidade, eles trabalhavam pra fora. A universidade incentiva isso. O cara tinha quase um escritório lá dentro. E é isso que faz a ligação da universidade, do MIT, com a sociedade. Aquilo é tudo movido, claramente, a ganhos, a benefício, a fundos que as empresas dão e recebem de volta. O que hoje a gente está fazendo. Hoje a gente já tem esse relacionamento com a PUC, com a COPPE; pelo menos, a Petrobras tem nesse nível. Mas o que mais destaquei é que eu fiz uma tese em termos de inovação, a fonte da inovação. Eu aproveitei toda a experiência que tinha, nesses anos, com a Petrobras. Eu foquei em gerência de tecnologia na área de petróleo da Petrobras. Obviamente, eu queria fazer algo que tivesse algum proveito, que trouxesse pra cá.
E o que foi mais interessante foi isso, é a percepção que tinha no MIT. Eles tinham uma visão e um trabalho muito forte em procurar a fonte da inovação, de onde vem, como é que as coisas evoluem, como é que a inovação se dá. É um negócio complexo, não vou entrar aqui em detalhes, mas tinha um professor lá, o Thomas Allen, que fez uma imensa pesquisa nos Estados Unidos procurando identificar aqueles modelos de inovação vencedores, como é que tinha sido a causa, como é que tinha sido a dinâmica. Tem uma série de complexidades. Uma das coisas que me marcou lá, porque batia muito com a experiência que eu tinha com a Petrobras, era que, em muitas áreas – estou falando muitas áreas porque precisa ser um pouquinho específico –, a grande fonte da inovação realmente está lá na ponta, no usuário, no cara que, de alguma forma, está enfrentando o problema, está enfrentando a dificuldade. O usuário pode ser o operador, pode ser até um usuário mais sofisticado, se ele for um pesquisador. Mas essa é uma das grandes fontes da revolução tecnológica. E as empresas ou as instituições que percebem isso levam muita vantagem. Tem um exemplo simples. Como é que surge aquele Mountain Bike? É bem ilustrativo. Surge exatamente pela garotada pegando a bicicleta normal e tentando subir alguma coisa, o que evidentemente quebra. Aí ele vai reforçando aqui, reforçando ali, e nesse processo ele acaba criando um novo modelo: uma bicicleta completamente diferenciada das outras, mas que é apropriada para aquilo e é fruto de ele ter arrebentado a cara diversas vezes. E é o que muita gente faz, empresas como a Nike, que pegam os grandes atletas da ponta, o que eles estão fazendo é isso, é buscando a inovação.
CENPES
Hoje, eu trabalho no Cenpes, sou gerente geral, e é fundamental ter essa percepção de que a inovação é muito importante. É preciso colocar o pesquisador, as pessoas que, de alguma forma, têm a atribuição do pensar em contato com quem está de fato vencendo o problema. É preciso ter esse diálogo. Isso foi um grande aprendizado porque a gente pode olhar esse processo todo e pensar: “Vem cá, qual foi o papel da pesquisa nesse negócio todo? Qual foi o papel do Cenpes em água profunda?” E é muito interessante. Porque esse processo todo de inovação se deu, num primeiro momento, ao largo do Centro de Pesquisa. Eu não devia dizer isso que vou dizer. Eu trabalhava com o Salim e a nossa tática pra lidar com o Cenpes era muito interessante. A gente criava um projeto, como um template, que a gente achava: “Olha, esse negócio não deve dar muito certo não.” Mas vamos deixar o Cenpes fazer isso, porque aí ele deixa a gente trabalhar. O nosso objetivo ali era meio que boicotar o Cenpes. A gente dava alguma coisa pra eles fazerem, pra eles pararem de encher o saco da gente. E algo que a gente achava que não ia dar em nada, eles pegavam aquelas coisas e botavam 15 pesquisadores. Enquanto isso, a gente estava fazendo as mudanças e a inovação. Isso era a visão, no início. Como lidar com o Centro de Pesquisa? Bota aqueles caras longe da gente. Dê a eles um desafio. Naquela época, o Cenpes era conhecido como órgão de fazer grandes projetos de prateleira, que nunca vingaram. Em Albacora, quando eu era o coordenador, foi isso. A gente criou um grande manifold, que era o manifold do Cenpes: quase 40 profissionais fizeram esse projeto. E, depois, fomos comprar outra coisa. A gente sabia que o que nós estávamos fazendo era muito mais prático. Nós já tínhamos incorporado aquela experiência operacional. Porque, por trás disso, também tinha uma outra coisa. O pesquisador se vê dentro de uma redoma e olha a área operacional com uma visão diferente, eles se achavam os donos da cocada preta.
GESTÃO DO CONHECIMENTO Na verdade, o que foi interessante é que a gente conseguiu catalisar e dar um grande avanço, quando a gente parou com essa questão. A gente começou, tanto o Cenpes, quanto as unidades de negócios, a perceber que se a gente quebrasse um pouco os modelos mentais dessas duas ordens, se a gente conseguisse trabalhar, de fato, juntos, a gente conseguiria vencer os desafios com muito mais facilidade. Na verdade, não houve um momento que decidimos trabalhar assim. Foi um trabalho de uma geração. Isso começou com o Silveira [José Paulo Silveira]. Eu não sei se vocês já o entrevistaram. Mas o Silveira, no pensar a pesquisa, foi a grande figura da Petrobras. Ele era do Cenpes. E por algum motivo, talvez até corporativista ou não, o Silveira via o Cenpes muito distanciado dos desafios realmente técnicos. E
ele começou a estruturar um processo, que a gente chama de CTO, que é basicamente o seguinte: trabalhar em comitês. O que é isso? Era botar o cara do Cenpes, o pesquisador, o cara da área operacional, o cara da unidade, aqui da Sede, colocar todas essas pessoas juntas para identificarem os desafios, fazendo as propostas dos projetos. E, de certa forma, dando pra unidade o poder de mando. Porque é a unidade, de fato, que tem os problemas, é ali onde a Petrobras se realiza. Hoje se costuma falar isso, a Petrobras se realiza na unidade operacional. E é de fato. É ali onde a gente perde e ganha muito dinheiro. E o Cenpes tem que reconhecer isso, o Cenpes não tem que ser professoral, não tem que chegar lá dizendo o que os outros devem ou não fazer. Tem que ouvi-los. Tem que conversar com eles. E essa estrutura de comitês revolucionou essa área. A gente conseguiu, finalmente, agregar esses grupos todos. Claro que tem os egos, né? É ego do pesquisador, o cara da área operacional, isso faz parte das relações entre as pessoas. Alguns com muito mais habilidades interpessoais, outros não, mas trazer, usando arquétipos, trazer o cara, aquele cowboy da unidade, né? Junto com o grande pesquisador do Cenpes, sabe? E pegar o cara da sede, que é o cara de gestão. E colocar essas pessoas juntos, de forma que eles estabelecessem o que deve, o que não deve ser feito, o que deve, o que não deve ser pesquisado. E a área de produção foi, de longe, a área que melhor fez isso. Isso começou com o Silveira, teve pessoas como, como o Figueiredo, Formigli que vai vir aqui. Mas, quer dizer, isso que eu acho que foi fundamental pra uma, uma gestão de conhecimento dentro da empresa, tão poderosa, sabe? Foi essa criação e o Cenpes permear a companhia. Ele não ficar lá separado numa redoma. Isso aí foi quebrado no final da década de 80, início de 90. Esse processo foi se aperfeiçoando. E hoje é benchmark. Eu lembro que o Tadeu, agente executivo do E&P, foi pro Cenpes, depois foi fazer um curso de gestão tecnológica de duas semanas. E ele foi no Insead [The European Institute of Business Administration], na França, e levou o nosso modelo. Ele pode perceber que o nosso modelo era o que havia de melhor em termos de gestão hoje.
SEGEN / ENGENHARIA Então, eu fui lá, passei um ano no MIT. Quando eu voltei, encontrei o que sempre acontece na Petrobras. O pessoal vai pra fora, quando volta, não sabe muito bem o que fazer, pra onde ir. Eu era chefe quando saí. Fiz o curso e tinha que ser aproveitado como gerente Evidentemente, já tinha outra pessoa no meu lugar. Aliás, era o Marcos Moraes, muito competente. E aí surgiu oportunidade na Engenharia. Eu fui pra Engenharia, ser gerente no Setor de Instalações Marítimas – Setim. Eu fui para lá porque ficaria na mesma área. Até era uma estratégia do Segen, porque Segen é outra coisa. Sempre brigou e continua brigando com a E&P, no bom sentido, sobre quem faz o que. E isso é a constante na Petrobras. Quer dizer, na Petrobras – eu acho isso até certo ponto saudável –, as pessoas lutam e brigam pra trabalhar, pra puxar coisas pra si, pra ter poder, pra ter grandes projetos. Isso aí é constante.
O Segen trabalha para a produção e também para o abastecimento. O Segen é um órgão de implantação de empreendimentos Vai construir uma plataforma, uma grande plataforma. Eu trabalhei lá, vou falar depois disso.
O Segen, a engenharia, na época, era muito poderosa. Inclusive, logo depois, o superintendente foi ser diretor do próprio E&P da engenharia. Aí começa aquela grande política da corporação, que é no 23o andar, que o pessoal apelidou de clube dos punhais. É onde estão os diretores. É natural, aquelas coisas, o pessoal meio de sacanagem fala isso, né? Falam que o 23º andar é o clube dos punhais. Aliás, hoje, acho que eles estão só com canivete lá, está muito tranqüilo. Mas já teve época de muita punhalada. Mas aí eu fui pra lá, passei três anos e meio,
cuidando exatamente disso. Pra mim foi muito bom, pra eles também, porque veio um cara do E&P. Então eu trabalhava com instalações dos dutos rígidos. E esse duto rígido simboliza muito bem as brigas que a gente tem.
DUTOS RÍGIDOS O que é um duto rígido? Na verdade, a gente instala um poço, liga à plataforma, e pega essa plataforma, liga à costa. É isso, é muito simples. Esses dutos podem ser flexíveis ou podem ser de aço.
"JACARÉ" DO IBAMA Eu fui trabalhar com esse de aço. E chamava isso do jacaré do Ibama. É uma história muito engraçada. O jacaré do Ibama é o seguinte: pela legislação, o jacaré, se está fora da água, ele pertence ao Ibama, o Ibama é responsável. Se ele está dentro da água, quem é responsável por ele é um outro órgão aí, que cuida de águas e tal. Se o jacaré fica metade, metade, ele morre ali porque ninguém cuida dele. Então, tem essas coisas, o jacaré, dependendo aonde ele esteja, tem um órgão do governo que é responsável por ele. Se ele está fora é de um, se ele está dentro da água, é de outro. O duto era exatamente isso. Se ele era de aço, ele era da engenharia. Se ele era
flexível, era do E&P. Aí você, imagina o seguinte: na hora de fazer o estudo, dependendo de quem fizesse, um dava uma solução e outro dava diferente. Era muito engraçado, era uma confusão tremenda. E até hoje é assim. Isso nunca foi resolvido, a gente nunca conseguiu quebrar isso. Então, precisava ter um grupo suprapartidário pra definir qual seria o duto. Ou seria como pedir ao Elísio, pra ele avalizar qual é o melhor de método de elevação. Iria ser a bomba dele. Ele está tão envolvido com aquilo que enxerga todas as virtudes do seu próprio projeto e não enxerga a dos outros, né?
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Mas aí passei esses três anos e meio no Setim e voltei pro E&P, voltei pra a Sede, como chefe daquela antiga Divap. Porque a Divap depois foi se transformando e, no final, se transformou no Getip – Gerência de Tecnologia de Instalação de Produção. E aí já estava muito claro que a função da sede era desenvolvimento tecnológico e não mais operacional. Eu fui pra lá, passei um ano trabalhando. O Gerente de Produção era o Tadeu.
Depois, eu fui ser o Gerente Geral da Área de Produção da Exploração e Produção do Cenpes. E já tem quatro anos que eu estou lá. No início, eu era responsável pela exploração, pela produção e pela área ambiental. Então, eu tinha 15 gerências comigo, o que é um negócio inadministrável, um absurdo. E mais tarde a gente resolveu. O Cenpes tem hoje uma gerência geral, depois que a gente dividiu. Antes eu era responsável pela área ambiental da Petrobras inteira. Depois a gente resolveu criar a Área de Gás, Energia e Ambiental, um meio de dar
gerenciabilidade. Hoje tem um a gerência específica pra cuidar da área ambiental. Apesar, por exemplo, na área produção tem alguns projetos ligados à área ambiental que permanecem, né?
Mas olhando pra trás, se eu tivesse que criar uns dois ou três conceitos, que demonstrem o por que das águas profundas ter se transformado numa marca, eu não poderia falar sobre a exploração. Certamente, eles têm um papel fundamental nesse troço todo. O Carlos Walter e, enfim, toda uma cultura que a exploração criou, principalmente de valorização do conhecimento, do mérito, de mandar pessoas pra fora etc. Essa é uma história que você deve conhecer. Mas a produção sempre correu atrás. E, de alguma forma, algumas pessoas na exploração diziam o seguinte: “olha, vamos descobrir e eles é que resolvam se podem produzir ou não.” E na verdade quem tomou essa decisão, tomou com muita sabedoria, porque a produção sempre pôde produzir. Toda vez que eles descobriam petróleo a 500 metros, 700 ou mil metros, a gente sempre foi capaz de desenvolver tecnologia para produzir. O que pode parecer simples, mas não é. Quer dizer, descobria petróleo a 700 metros. Eu tenho certeza que hoje não existe tecnologia para esse alcance. Mesmo assim eu vou furar um poço, vou gastar 15 milhões pra descobrir algo que hoje não se pode produzir porque não tem tecnologia. Quem tomou essa decisão, tomou confiando no trabalho dos outros:
eu vou descobrir e aqueles caras vão ter que se virar e vão ter que desenvolver tecnologia. E foi exatamente o que aconteceu. Eu acho que esse foi um dos primeiros grandes drivers da Companhia. A gente não tinha alternativa. É aquela história que a necessidade é a mãe de toda a inovação.
A necessidade não ajudou, a necessidade foi o empurrão, não tenha dúvida. Não tinha dúvida. Assim, a gente só foi porque foi obrigada. E claro que a gente foi com muito prazer. Pra nós, profissionalmente, é difícil imaginar um emprego melhor. Pra quem é técnico, né? Evidentemente, não é para um roqueiro ou um tenista, que eu gostaria de ser. Mas pra quem é técnico, pra um engenheiro, não tem coisa melhor, é como você criar um grupo de pessoas pra mandar um sujeito pra Marte, pra Lua. Tudo que um técnico quer é um desafio desse tipo. Não tem nada mais motivador no mundo. Aquela história de acordar de manhã sem problemas de sono, e quer ir trabalhar. E isso foi o grande alimento de toda essa geração. A gente sabia que tinha que ir, sabia que não tinha pra onde olhar, pra onde copiar. O que podia a gente copiava, mas muita coisa não foi possível
copiar. Basicamente, a nossa segurança era olhar pro outro. Tínhamos, realmente, uns aos outros. Eu sabia que tinha o Danilo, sabia que tinha Formigli. Essas pessoas se respeitavam muito, confiavam muito umas nas outras. E a gente fez um montão de besteira. Os primeiros sistemas foram um fracasso completo. A gente comprou verdadeiros elefantes brancos, porque não conhecia nada. No início, a gente comprava tudo importado, achando que ia funcionar. Chegava aqui, nada funcionava. A gente modificava tudo. Botava outros tipos de controle. Enfim, foi um aprendizado muito grande. E eu acho que essa Companhia sempre valorizou muito esse mérito. Um dos pilares da Petrobras é não ter janeleiro na Companhia. Nessa comunidade toda aqui, não tem nenhum cara que seja janeleiro. A gente pode não ter, vamos dizer assim, um sistema de recrutamento, como de uma Shell, porque ela tem liberdade e nós não temos. Mas por outro lado, a gente tem uma outra coisa muito boa, que é proibir de entrar pela janela. Tem que ter concurso público. E é claro, às vezes passa uns nerds aí, algumas pessoas que não têm aptidão, que de repente nem passaria numa entrevista. Mas a gente coloca em outro canto. No geral, a Petrobras conseguiu trazer os melhores profissionais desse país. É óbvio que tem gente que não está na Petrobras, como um colega, que fez curso comigo, um geniozinho, que largou a Companhia para ser professor da COPPE. Mas, a média é muito boa. Da minha turma do IME, que era a elite, da elite, muitas pessoas que fizeram concurso não passaram. Então, a Petrobras era capaz de atrair, o que havia de melhor dentro desse país. E, ao mesmo tempo, soube conjugar isso a um treinamento fantástico. Depois pode proporcionar um desafio muito grande pra essas pessoas. Então, eu acho que isso tudo foi, realmente, a chave desse sucesso todo.
PETRÓLEO: TER OU NÃO TER
Eu vou tentar responder isso de uma forma mais ampla. O que realmente determina uma sociedade ser, vamos dizer, bem sucedida ou não?
Que critérios
determinam o que é ser bem sucedido ou não? Existe aquela noção de que a Suécia é melhor sucedida do que o Brasil. E existe alguma coisa aí nesse meio, que a gente não precisa definir, mas que as pessoas têm intuitivamente na cabeça, né? Eu acho que o que diferencia é a cultura – a minha formação de história me leva a dizer isso – e meia dúzia de valores, não mais do que isso. É a credibilidade. É a valorização da educação e é a honestidade. A corrupção nesse país continua sendo algo devastador. A justiça não funciona, a criminalidade e essas coisas todas. É a valorização do outro, o respeito pelo outro; aqui, a vida custa barato nesse país. As pessoas matam e morrem por bobagem, né? É o respeito por aquilo que se foi combinado, contratos etc. Hoje a gente está aprendendo como isso é importante, como é importante a credibilidade desse país pra atrair recursos. Como é importante a gente se relacionar de forma soberana e, ao mesmo tempo, com credibilidade com o mundo exterior. É preciso respeito a coisas básicas, como a propriedade. E há uma cultura, às vezes, de esquerda, que hoje, eu acho, não cabe mais. Mas, enfim, não tenho dúvidas de que são esses valores que nos diferenciam da Suécia, infelizmente, de forma negativa. Para exemplificar, é aquela figura da “Belíndia”. E a gente tem o aspecto de Índia muito maior. Mas, quando você coloca essa parte, você vê que mesmo pra esse país a gente sabe que a riqueza bruta não é importante. Se você olhar o fato de um país ter petróleo, é muito interessante. Quando um país tem petróleo, existe uma palavra em inglês para isso: windfall. Quando eu escrevi a minha tese, isso
era um dos capítulos. Muitas vezes o petróleo causa um imenso mal pra uma determinada sociedade se ela não souber, se ela não tiver sabedoria de aproveitar isso como deve. Como é o caso da Venezuela, por exemplo, né? O fato de eles terem tanto petróleo, de certa forma, impede ou dá a eles uma falsa sensação, de que aquilo é um dinheiro tão fácil, que eles esquecem de perceber ou se esforçar em outras coisas. Eu fui pra Caracas e fiquei impressionado, os carros são imensos, é uma elite que vive daquele petróleo, daquele dinheiro fácil. E, de alguma forma, essa elite se protege, vive bem. Mas o resto do país é esquecido. E, talvez, por ter essa facilidade, isso acaba fazendo mal. É o problema do dinheiro fácil, da riqueza fácil. Como a gente vê nos países árabes, a dificuldade que eles tiveram. Além de todas as suas dificuldades, o mundo ocidental tem sua parcela de culpa. Existe uma visão predatória que eles suportam as ditaduras, aquelas coisas todas que a gente vê, como no Iraque. Tem toda essa problemática. E quando se conhece a história daquele povo, se vê que muito da responsabilidade é nossa, do ocidente. O México vai pelo mesmo caminho. E no Brasil, o petróleo sempre foi um petróleo difícil, diferente do México, diferente da Venezuela. A gente sempre conviveu com a dificuldade. Enquanto na Venezuela ou na Arábia Saudita, você furava o poço e produzia petróleo por dois, três dólares. Aqui a gente tinha que suar, usar a melhor técnica, a nossa melhor gestão para conseguir um petróleo a 14, 15 dólares. E ao mesmo tempo, como eu disse, esse petróleo não foi fácil. Essa história é uma história de 50 anos de dificuldade. Sempre. O que nós gastamos na Amazônia, as pessoas não têm idéia. Quando você olha, são uns 10 bilhões em valores atuais, se fosse atualizado. Pra não encontrar praticamente nada. Amazônia é um dos maiores micos na área de petróleo desse país. Não se fala muito isso, mas é verdade. E mesmo com essa dificuldade, a gente levou 50 anos, houve um desenvolvimento. O impacto da gente não ter esse petróleo, pelo menos a auto-suficiência, é marcante. Tivemos os dois choques, quando o país vinha, até, se recuperando, né? E tomou um baque na primeira crise lá em 74, e depois em 81 ou 82. E o país desandou. A verdade é essa. Esse país desandou por um erro estratégico. Esse erro foi endividar o país. A ditadura. E não criou rendas cambiáveis, vamos dizer assim. Rendas em moeda forte. Quando veio a crise, o país estava endividado e isolado. O Brasil se relacionava muito pouco e não conseguia gerar divisas pra pagar essa dívida. E foi essa tragédia, né, de duas décadas e meia em que este país cresce menos do que o resto do planeta, a média do planeta. Enquanto até 60 e poucos, nós, a União Soviética - o modelo socialista também era muito bem sucedido – e mais o Japão liderávamos essa corrida no mundo. E aí nós perdemos o bonde, perdemos tudo. É só olhar como foi na Coréia e nos outros países. Isso aí não precisa dizer, todo mundo sabe. Mas o petróleo teve muito a ver com isso, né? Quer dizer, a gente não ter petróleo naquele momento. Claro que não foi ele, foi uma combinação dessas coisas todas. Foi uma combinação de um erro estratégico de uma tecnocracia militar. Mas o que realmente deixou o país sem alternativa foi o país ter que importar e gastar divisas que ele não tinha, pra ter essa energia. E esse ano, felizmente, a gente vai atingir essa auto-suficiência. Eu acho que já em 2005.
BACIA DE CAMPOS – IMPORTÂNCIA ECONÔMICA PARA O PAÍS Eu acho que a Bacia de Campos representa a grande oportunidade desse país, por tudo que eu falei, de dar esse salto e criar esse valores, né, que eu estava falando que diferencia o bem sucedido do não bem sucedido, né? Eu não acredito que petróleo seja riqueza. Está mais do que provado isso. O Japão não tem petróleo. A Suécia não tem petróleo, quem tem é a Noruega. Isso não impediu que esses países fossem extremamente bem sucedidos. Como a Finlândia, que é um país em cima de um vulcão, que não tem nada e consegue. E consegue por que? Claro, toda a história da civilização ocidental, de trocas, de educação e de criação desses valores, né? E aí a gente sabe que são muito diferentes, né? Quem viveu fora, quem viveu esse contato sabe que no Brasil falta muito ainda, né? Você olhar o Rio de Janeiro, olhar o nosso povo, olhar as favelas, olhar essas coisas todas, olhar a nossa elite, né? E olhar uma cultura nossa, né? Eu falei de valores, faço questão de citar um: algumas pessoas pensam que a igualdade é um valor nesse país. Eu acho que não. Esse país tem uma cultura muito forte de desigualdade. Não é à toa que a nossa distribuição de renda é assim. Mesmo quando a gente procura ser mais ou mesmo nos movimentos que aparentemente são mais igualitários, né? Como a gente pode ver, por exemplo, a questão de proteção ao trabalhador? Não tem nada assim, dentro da própria cultura, tradição da esquerda, que represente o ideal da igualdade. Hoje, se você olhar toda essa proteção, ela é feita pra uma minoria. A grande maioria sequer tem carteira assinada, a grande maioria está longe desse processo. E a gente consegue sempre fazer essas coisas assim, a gente consegue, tentando ser igual, a gente consegue ser muito desigual em tudo, né, sabe? É, eu sempre digo, né? Que a Cecília, ainda hoje, é de esquerda roxa, a gente discute muito. Eu já sou mais crítico. Eu sempre lembro, e uma coisa que eu faço questão de dizer. Eu estudei no IME, que é certamente a skoll desse país. E quando eu fui pros Estados Unidos, eu estava procurando uma casa, eu fui no final do ano. E, por acaso, eu estava visitando Harvard, quando vi uma turma tirando a sua foto de final do ano. Eu fiquei tão emocionado, porque nunca vi tanto negro, tanta gente parda, na escola americana mais elitista. E no IME, tinha um negro, na minha turma toda. Toda, do IME. É, tinha três caras que moravam na Baixada Fluminense. Eu era um deles. E, era um instituto militar, um instituto que talvez seja uma da mais igualitárias instituições desse país. Então, na prática nós não somos iguais. Na prática a gente gosta de se diferenciar. Como na prática a elite, em tudo que a gente faz, né, como é hoje no ensino superior, se olhar quem tem acesso às melhores escolas. Por mais que seja essa defesa, como é histórica de ensino público gratuito. E no final, na prática, a gente consegue ser tão desigual, quer dizer, na prática, eu sou exceção. Pegar um cara como eu, que o pai era engraxate pra chegar aonde eu cheguei, realmente é muito raro. É uma dificuldade de ascensão muito grande. Eu acho que não gostaria de viver nos Estados Unidos, eu sou latino, não gosto daquela cultura. Mas como eles têm isso, de uma forma pragmática, mais forte do que a gente. No ano que eu saí do MIT, eles mostraram a relação das pessoas que estavam entrando e prestando conta de quem estava saindo. Era impressionante o número de latinos, o número de asiáticos, o número de negros e o número de mulheres. Era uma coisa que eu fiquei admirado. É um negócio fantástico, enquanto no MIT, naquele ano, metade na área da engenharia, que é uma área árida, era mulher, na Alemanha essa proporção era de 5, 6%. Acho que esse é um valor que a gente tem que incorporar. E é difícil, né? Se pegar o governo PT que está assumindo, você vê como eles rapidamente incorporam o conceito de desigualdade e de privilégio. Isso tem que ser combatido. Isso não é fácil. Está impregnado na gente, na nossa cultura,
forjada na escravidão, forjada numa série de coisas. A gente se habituou a ver a mucama, a ver o negro, a ver o serviçal, a ter empregada doméstica, e a conviver com a diferença. A gente não tem, como a Índia todos aqueles estamentos, que teoricamente acabaram. Mas não acabaram na cabeça das pessoas lá. Como aqui eu também acho que não. Mas, eu acho que o petróleo é a grande oportunidade. Dinheiro não falta, talvez não, né? Eu acho que o país tem isso e pode usar pra fazer o que interessa, realmente, que é cuidar das pessoas.
GOVERNO LULA Ao contrário de algumas pessoas, eu acho que o governo Lula, felizmente, não trouxe nenhuma grande mudança pra Petrobras. Havia um certo temor de que fosse mudar. Aliás o Presidente falou uma coisa que achei muito legal, foi o seguinte: “Pô, não tem que mudar. A gente tem que entender que algumas coisas que estão dando certo não podem mudar, só porque mudou o governo tem que mudar tudo?” Então, eu acho que hoje está muito claro, pra nós. O planejamento estratégico está aí e isso se transformou numa Bíblia pra Companhia. O que eu acho fantástico.
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO O planejamento hoje foi estendido um pouco, acho que está pra 12 anos. O Cenpes faz pra 20. Enquanto a Petrobras foi pra 12, a gente pensa em 20, pra tentar dar subsídios pra eles em termos de mudança tecnológica. Eu acho que no que diz respeito a óleo, gás e, eu ouso dizer, as energias convencionais, não tenho dúvida de estar mais do que estabelecida a liderança da Petrobras na América Latina. Eu viajei
recentemente pela América Latina e não tenho dúvida em relação a isso. O nosso problema é não cair no erro do antigo imperialista, não
cometer aquelas bobagens de querer ser líder da Argentina. O que é uma bobageira tremenda. Mas eu acho que,cuidando bem disso, não vejo possibilidades de grandes sobressaltos. O preço do petróleo vai ficar um preço atrativo.
Surgiu um debate que questiona se a Petrobras depois da auto-suficiência vai continuar produzindo mais e mais. Algumas pessoas chegaram a levantar a hipótese: “não, mas a gente não vai ficar exportando pros Estados Unidos, pegar o nosso gás e mandar pra lá?” Aí eu falo: “meu Deus do céu, o povo passando fome e os idiotas discutindo uma coisa dessas?” Isso norueguês não discute. Eles exportam é claro. O importante é o povo. Não adianta você esperar daqui a 20 anos enquanto você tem uma nação como a nossa, as pessoas morando em favela. Isso nem passa pela minha cabeça. Mas me parece que isso é uma discussão deste país. Eu fiquei chocado quando ouvi isso. Tem gente que pensa assim. Mas acho que é fictício, porque no final das contas, nego vai ter bom senso. Não vai deixar uma riqueza lá, deixar de produzir, impostos, royalties, tudo isso que traz benefício, por que? Porque não vai exportar pros Estados Unidos? Eu acho que é o fim da picada. Mas ouvi alguns ruídos assim. Eu acho que essa é uma ameaça, mas o bom senso há de prevalecer.
O que, realmente, eu gostaria, e aí é uma visão muito pessoal, não tem nada a ver com a direção da Empresa. Eu evidentemente sou obediente, obedeço tudo que a empresa fala e tal. Mas eu acho que a Petrobras poderia contribuir mais do que faz, não só socialmente, como em termos de produção mesmo. Essa experiência toda que a gente tem na área de óleo e gás, que a gente estendeu pra energia, eu sonho em fazer isso pra fármacos por exemplo. A gente hoje tem uma presença na região Amazônica muito forte. E existe nos MBAs lá fora da vida, que eu fiz e eles ensinam muito. Existe toda uma visão de negócio, tem que ter foco, tem que ser competitivo, tem que ser bom naquilo que você faz. Eu estou convencido de que isso é uma grande verdade. E na Europa, nos Estados Unidos, onde o ambiente competitivo é brabíssmo. Eu acho que num país como o nosso que está ainda pra se fazer, onde as oportunidades ainda são imensas, onde o potencial
produtivo, tem tudo para ir adiante. A China está crescendo a 8, 10% ao ano. Por que a China está crescendo? Porque investe 35% e tem uma carga tributária de 18. O Brasil é exatamente o oposto. Por isso é que a gente não cresce, é simples Eu acho que a Petrobras pode avançar. Graças a Deus, a gente resolveu entrar agora na petroquímica. Eu gostaria que os dirigentes da Petrobras tivessem uma cabeça mais aberta pra ousar e que se permitissem cometer erros. Por que isso é outro problema, a Petrobras não comete erros. O maior desafio é convencer as pessoas, que a gente só está trabalhando bem se de vez em quando errar. Porque se não erra nunca é porque, com certeza, está sendo mais conservador do que deveria.
Mas eu acho que o nosso futuro será brilhante.
FILHOS Um é o André, que tem 20 anos, e a outra é a Ana, de 13. O André já está fazendo Direito na PUC. Ele saiu à mãe. Lá em casa é invertido, ele saiu claramente à mãe, fisicamente, intelectualmente. E a menorzinha, a Ana, saiu a mim, que diz que vai ser tudo, menos engenheira, só pra implicar comigo. Ela quer ser bióloga, quer ser antropóloga, essas coisas todas.
LAZER Eu sou aficionado por tênis, gosto demais. Gosto também de leitura. Se bem que, em função do trabalho, eu acabo vendo muito mais televisão do que lendo. Mas ainda continuo com um nível de leitura muito bom. Eu gosto demais de história, então estou sempre lendo alguma coisa. Eu vou sair de férias agora e sempre saio carregando uns quatro ou cinco livros. O meu lazer é jogar tênis e ler. Além da família, né, que é um contraponto. Quer dizer, minha família de origem passou por tanta dificuldade que o meu contraponto é minha família atual, tipo melhor, impossível. Não tem problema, nada. Eu tenho um filho de 20 anos que, como todo moleque, tem problema, tem não sei o quê. Mas passa a largo dos grandes problemas. Não dá o menor susto, conduz bem as coisas, é bem humorado. A menorzinha também é ótima. Lá em casa todo mundo é bem humorado. Não tem hierarquia, tudo é votado, pra onde a gente vai nas férias etc. Agora vamos para os Lençóis Maranhenses. Então, houve um debate pra onde nós iríamos. Cada um vota: íamos pra Amazônia ou pra lá. Enfim, eu tenho uma vida de uma felicidade culposa. Tem que ser sem culpa, mas quando a gente olha pro resto do país, do povo...
PROJETOS FUTUROS
Meu projeto é pegar desafios diferentes do que eu tenho hoje. Eu vou fazer quatro anos no Cenpes e já começo a achar que estou tempo demais ali. Esse é um problema da Companhia. Algumas áreas resolvem bem essa questão, o Abaste tem essa proposta.
A área do E&P não tem, como deveria, uma visão de como é importante mudar as pessoas de cadeira, fazer circular, como isso é
fundamental. Tem algumas companhias japonesas que tem mandato. O cara fica dois anos e depois é obrigado a sair. É meio que expelido. Dois ou até três, no máximo. Eu acho que isso deveria ser adotado, principalmente pro corpo gerencial. A grande contribuição do gerente é feita nos dois ou três primeiros anos. Não é o caso para o técnico especialista. Esse precisa até de uma estabilidade. Mas o gerente não. O gerente tem que circular. E por dificuldades nossas, de poder, de tal, a gente não faz. Meu grande projeto é continuar mudando. Eu queria, antes de me aposentar, passar por mais uns três lugares diferentes. Ir para a área de gás, enfim, mudar.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Eu gostei demais. Mas eu sou até mais do que suspeito, porque fiz história. Eu acho que é um trabalho fantástico. O desafio é pegar esse trabalho, todos esses depoimentos, esse caminhão de visões, de conhecimento, e passar
tudo pra garotada que está chegando. Vocês devem estar certamente pensando em alguma coisa. Eu me disponho, sou voluntário pra pensar junto, pra tentar atingir esse objetivo. Eu acho que esse trabalho tem que ser uma cadeira de formação da turma que está chegando. E isso é muito difícil, tem que ser feito com a devida delicadeza. Mas o que vocês estão pegando, essa turma falando o que pensa, e pelas contradições, por tudo isso, eu acho que esse é um projeto que tem que ser parte da formação da garotada. É a melhor forma de conseguir o comprometimento deles. Não sei o que vocês estão pensando, mas eu, lá no Cenpes, vou arrumar alguma coisa, alguma confusão pra que isso se realize.
Hoje estou numa posição, felizmente, que me permite ajudar vocês nesse negócio. Eu acredito muito nisso. Eu gostaria que isso se transformasse, realmente, num veículo de disseminação desse conhecimento tácito, que vocês estão explicitando através dessa gravação. Essa é melhor forma, é ouvir os outros e as pessoas falarem mesmo. E transformar esse material num disseminador de experiência de vida, de conhecimento de emoções etc.Recolher