IDENTIFICAÇÃO Eu sou Jorge Carlos Della Favera, nasci em Ijuí a sete de agosto de 1940. FAMÍLIA O meu pai era Francisco Della Favera e minha mãe Luiza Della Favera. Meu pai era funcionário público e minha mãe era de prendas domésticas, uma atividade que existia antigamen...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Eu sou Jorge Carlos Della Favera, nasci em Ijuí a sete de agosto de 1940.
FAMÍLIA O meu pai era Francisco Della Favera e minha mãe Luiza Della Favera. Meu pai era funcionário público e minha mãe era de prendas domésticas, uma atividade que existia antigamente. E eu tenho uma irmã. Meus avós paternos são Miguel Della Favera, o nome da avó já esqueci. O nome dos avós maternos esqueci também. Eram todos italianos. A origem do nome da família é Italiana. Meus avós eram imigrantes. Os meus avós paternos trabalhavam com hotelaria, os maternos eu não tenho certeza o que faziam.
EDUCAÇÃO Nossa família era uma família pobre. Nós tivemos muitas dificuldades ao longo da vida. Sempre gostei de estudar. Fui me dando bem na escola. Quando eu tinha 15 anos, fui morar em Porto Alegre para continuar os estudos. Estava fazendo o curso fundamental, que naquela época se chamava científico, e, para isso, tive que trabalhar também. Eu comecei a trabalhar com 15 anos.
CIDADE DE IJUÍ Ijuí era uma cidade pequena, naquela época. Hoje parece que é um grande centro, nunca mais voltei lá. É uma região de agricultura, tinha colonização italiana, alemã, polonesa e outras nacionalidades. Até sueco tinha lá. Quando as crianças brincavam, falava-se, principalmente palavrões, em várias línguas. Todo mundo sabia.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA As brincadeiras eram normais. Eu comecei a ir ao cinema aos seis anos de idade. Nunca mais deixei de ir. A cidade de Ijuí já tinha um cinema naquela época. A gente tinha um espaço enorme para brincadeiras. Tinha time de futebol, jogava futebol, corria, e tudo que via no cinema a gente fazia igual. Tem uns ferimentos marcados até hoje no meu corpo, produzidos por acidentes daquela época, porque a gente procurava imitar o que via nos seriados do cinema.
Tinha um seriado mexicano chamado “Caravelas do Terror”, que passava em 1947. As pessoas atravessavam com uma corda um local onde havia areia movediça. Nós cavamos um buraco, enchemos de lama e tinha uma corda para atravessar aquilo ali. E o que aconteceu? Quando eu fui pular, bati com o joelho no muro do outro lado. Ficou um ferimento que eu cicatrizei com esmalte de unhas. Tenho aquele sinal até hoje.
CASA Minha casa era de madeira, como era a casa dos pobres naquela época. Só as pessoas abastadas tinham casa de alvenaria. E eu me lembro que, no inverno, fazia muito frio. Tinha umas frestas em que o vento passava. O inverno na Serra Gaúcha era congelante. Fazia menos de zero grau. E a gente saía de manhã, as crianças não usavam sapato para ir para escola. A gente saía pisando na geada. Tinha que andar uns dois quilômetros para ir até a escola. Era interessante.
EDUCAÇÃO / RELIGIÃO O meu pai tinha mais autoridade em casa. Os meus pais não eram tão religiosos como todo mundo que era católico naquela época. Eu nasci, fui criado na religião católica. Tanto é que estudei em colégios religiosos. No Colégio Maristas, eu fiz o ginásio, depois fiz o segundo grau no Colégio Jesuítas.
Eu tenho mais saudades do meu Grupo Escolar. Era uma casa simples, bastante velha. No assoalho, havia frestas de dois, três centímetros de largura. As professoras eram muito boas, muito eficientes. Eu devo o que eu sei hoje a essa formação básica da minha infância. As professoras eram normais, não eram imigrantes. Naquela época, não se falava italiano na minha casa. Era só português. Mas o pessoal, de brincadeira, falava algumas palavras. Não aprendi italiano nessa época, só aprendi depois, com ópera e tal, com coisas assim.
AMIZADES Nós tínhamos aqueles grupos de amigos. Mas era aquela infância felliniana, isto é, como dos filmes de Fellini, aquele tipo de coisa, brincadeiras. Nós éramos muito inventivos, a gente ficava sempre inventando coisas, expedições fora da cidade, de andar quilômetros às vezes. Num local tinha um depósito de trilhos de estrada de ferro, compravam trilhos na cidade. Lá tinha uma firma, uma siderurgia. A gente, um grupo de meninos, transportava aqueles trilhos nos ombros, para vender na cidade.
MODA As roupas? Acho que era parecido com o que se vê hoje. Hoje tem bermuda, naquele tempo não tinha, era calça curta. Quando a criança passava determinada idade, começava a usar calça comprida, que era uma grande vitória. Era uma passagem, sinal de que a pessoa estava se tornando homem. Calça comprida era sinal que você tinha responsabilidade. Eu me lembro quando botei minha primeira calça. Eu não gostava. Eu acho que eu tinha cinco anos de idade quando coloquei a calça comprida. Uma vez só, depois nunca mais. Aí fiquei usando só calça curta e camisinha.
NAMORO Nessa época, eu não tinha namorada. A gente tinha as colegas de escola. Ficavam olhando, falando, não era como hoje. Eu sempre estudei em colégio masculino, um problema sério. Começava a despertar certa timidez, ficava com medo das mulheres. Não convivia com as mulheres. Só com mãe e parentes e tal, mas com as meninas mesmo não convivia. Era homem de um lado e mulher de outro.
EDUCAÇÃO Eu fui morar com a minha irmã, que trabalhava, era funcionária pública, nos Correios. Eu fui para o Colégio Anchieta, em Porto Alegre. Era um dos melhores colégios da cidade. Eu consegui uma bolsa de estudos e fiquei lá.
PRIMEIRO TRABALHO Eu era datilógrafo. Eu não tive férias desde os 15 até os 23 anos, quando entrei na Petrobras. Depois do primeiro ano que eu fui tirar férias. Trabalhava aos domingos, à noite e todos os meses. Eu era datilógrafo na própria escola, chamada Colégio Anchieta. Estudar e trabalhar era muito bom. Eu fico pensando isso hoje. Eu tive um certo sucesso na vida. Eu saí do zero, zero. E acho que foi devido a isso. O fato de eu chegar onde estou hoje se deve a essa infância, essa parte inicial da vida, com muito trabalho. Aprendi a trabalhar. Eu estudava de manhã, trabalhava à tarde e à noite, aos sábados e até domingos, às vezes.
LAZER - CINEMA Eu ia ao cinema de vez em quando. O cinema era a diversão de todo mundo naquela época. Não tinha outra coisa. Em Porto Alegre, no verão, tinha umas praias fluviais, que hoje estão completamente poluídas. Naquela época, a população mais pobre ia para as praias do rio. As pessoas que tinham dinheiro iam para as praias no mar, que ficavam a uns 100 quilômetros de distância e eram muito longe. Então, a nossa diversão era essa. No inverno, com aquele frio terrível, a pessoa tinha que ficar em casa ou então ir para um cinema, que era um lugar quente.
VIDA EM PORTO ALEGRE Estranhei a mudança para Porto Alegre, claro. O barbeiro que cortava o cabelo na cidade do interior dizia que em Porto Alegre a pessoa tinha que prestar muita atenção senão era atropelado. Tinha que olhar várias vezes para atravessar a rua. Imagine só Naquela época, não tinha motivo, mas eu cheguei com medo, depois de tanta recomendação. Tinha muito movimento. Parece que tinha 400 mil pessoas na cidade, na época. Depois, eu já acostumei com aquele movimento grande e me adaptei.
OPÇÃO PROFISSIONAL: GEOLOGIA Se dependesse do meu pai, eu seria um mecânico de automóveis, coisa assim, que era visto como uma profissão de futuro, na ocasião. A minha mãe nunca falou. Acho que eu fui seguindo uma trilha pelo faro. Quando escolhi estudar geologia, por exemplo, eu peguei um jornal, abri a página e tinha uma reportagem sobre uma geóloga. Foi a primeira geóloga brasileira e dizia que ela recebia um valor superior ao salário mínimo, na época, para estudar. Eu disse: “É isso que eu quero.” Olhava no dicionário para saber o que era geologia. Eu não tinha a menor idéia.
FAMÍLIA O meu pai já tinha falecido quando escolhi essa carreira. O meu pai faleceu quando eu tinha 11 anos. Então, eu tinha só a minha mãe e a minha irmã. Falei: “Eu vou estudar isso aí.” Concordaram. Não tinha o que discordar também.
Minha mãe, quando eu fui à Bahia, em 1963, foi comigo. Depois, ela foi com minha irmã para São Paulo. Enquanto eu estava em Porto Alegre, ela também foi para lá. Ela faleceu em 1975, em São Paulo.
PRIMEIRO EMPREGO Só
tinha um jeito de eu continuar estudando: trabalhando. Então, a minha irmã falou com um dos padres do Colégio e conseguiu que eu ficasse no escritório, como datilógrafo. Fiquei durante três anos nesse cargo e recebia o equivalente a um salário mínimo, que dava para a gente sobreviver.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / FACULDADE DE GEOLOGIA Logo no primeiro ano, tinha uma bolsa até razoável. Depois, eu passei a ser funcionário do Federal, num cargo de laboratorista. E a coisa melhorou bastante. Eu fiquei o resto do tempo como laboratorista da geologia, ligado ao próprio Departamento de Geologia. Era o Laboratório de Paleontologia. Eu comecei a ter uma familiaridade muito grande com os fósseis. Os fósseis são aqueles animais do passado que se petrificam e se encontram nas rochas. Eu conhecia todos da coleção. Tinha alguns milhares de fósseis ali. Se mostrasse um, eu dava a família, o grupo, a classe que pertencia, toda a hierarquia. Foi o trabalho que eu tive até o fim do curso. Depois, fui trabalhar na Petrobras.
ENSINO SUPERIOR/ FACULDADE DE GEOLOGIA Eu gostei da faculdade. Era aquilo mesmo que esperava. Eu gostava muito de física, química, biologia. Estava tudo isso junto. Era isso que eu gostava.
INGRESSO NA PETROBRAS Eu me formei e fui para Petrobras em seguida. Naquela época, não havia concurso, você já era recrutado durante o curso. Todo bom aluno, naquela ocasião, recebia ofertas de emprego. Eu tive três, quatro ofertas de empresas, mas preferi a Petrobras. Essas ofertas apareceram no último ano da Faculdade. Bem diferente do que é hoje. Hoje a pessoa sai, tem que lutar por qualquer coisa. E eram ofertas boas. Eu preferi a Petrobras porque havia um sentimento nacionalista muito grande, principalmente no nosso grupo de estudantes. Nós éramos esquerdistas, todos. Quando aconteceu o Golpe Militar em 1964, estávamos começando a trabalhar. Muitos de nós foram presos. E já estava na ficha: comunista.
JUVENTUDE / POLÍTICA A gente participava das manifestações políticas. Nós participamos ativamente, porque
aquele período pré-64 foi muito interessante do ponto de vista político. Havia muita reunião, tanto de esquerda como de direita. A gente ficava num entusiasmo muito grande. Discutiam-se as questões do país e todo mundo queria participar, principalmente o jovem. Os jovens têm boa vontade. E queriam participar de alguma maneira. O fato de ir para Petrobras era como um apostolado, uma coisa assim. Você tinha uma missão religiosa. E alguns preferiam até os locais mais difíceis, porque achava que aí a contribuição para o país seria maior.
IMAGEM DA PETROBRAS A Petrobras era o símbolo das nossas aspirações e havia aquelas campanhas de imprensa. A gente participava muito disso, reuniões de sindicato. Havia um movimento político muito forte. Quando os militares chegaram, cortaram tudo.
POLÍTICA / DÉCADA DE 60 Era chamada de esquerda festiva, naquela época. A pessoa participava, mas eu acho que ninguém queria matar ou morrer, ia pensar 20 vezes. O pessoal era pacífico. Não era de se envolver em guerra ou coisa assim. Quando houve o movimento que o Brizola participou lá no Rio Grande do Sul, contra o impedimento da posse do João Goulart, em 1962, nós fomos desfilar e pedir armas para o exército. Eles riram da nossa cara. Era um movimento pacífico. Era mais festividade do que outra coisa. Era a esquerda festiva.
GOLPE DE 1964 Com o Golpe, cessou tudo. A gente ficou com medo. Eu tive um colega que morreu na prisão. Foi “suicidado”. Era aquela alegação de sempre. O pessoal lá de Porto Alegre está todo fichado como comunista, porque o nosso paraninfo, na ocasião da formatura, foi o Brizola. A solenidade de formatura se transformou num comício enorme. Foi transmitido pela Rádio Mayrink, que veio do Rio, para todo o Brasil.
Quem é que ia adivinhar que ia acontecer? Nós estávamos esperando a revolução contrária, não aquela dos militares, mas do outro lado. O golpe foi uma tremenda decepção. Não tínhamos expectativa de que isso fosse acontecer. Foi uma coisa repentina. Nós não estávamos ligados aos movimentos políticos, como o partido político, aquelas cédulas que havia na ocasião, o Grupo dos 11 e tal. Nós éramos apenas espectadores, estávamos na onda daquele movimento.
Eu tive que acalmar o lado político, apesar de colegas fazerem brincadeiras com a gente, como, por exemplo, mandar um telex falso para equipe onde eu trabalhava na Petrobras: “Favor comparecer na sede do 6º Exército da Bahia para prestar declarações, dia tal, tal hora.” A gente ficou numa tensão violenta. Depois, descobrimos a brincadeira.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL/ DIREX / BAHIA – DÉCADA DE 60 Do meu grupo de 16 pessoas da Faculdade, quatro entraram na Petrobras. Eu escolhi a geologia de superfície, que era o mapeamento geológico. A gente saía normalmente pelo campo. Eram as construções mais inóspitas. Na Amazônia, era terrível. Tinha que sair pelos rios para encontrar as rochas. Eu fui mandado para Bahia. Saí do Rio Grande do Sul e fui diretamente trabalhar na Bahia. Fui com uma equipe que mapeava todo o sul da Bahia e o Espírito Santo. Eu fiquei nessa equipe uns três, quatro meses. Logo depois, ela acabou.
COTIDIANO DE TRABALHO/ EXPLORAÇÃO NA BAHIA Hoje eu vejo a geologia de uma forma diferente, mudei completamente, em termos técnicos, a minha opinião sobre esse assunto. Mas, naquela época, a geologia de superfície era tida como a elite da Petrobras, a elite técnica. Tanto que os gerentes, que entraram na fase seguinte, eram todos provenientes da geologia de superfície. Esses geólogos faziam mapas geológicos dentro das rochas, que ocorriam na superfície. Nossos instrumentos eram bússola, martelo e, eventualmente, uma prancheta, tipo topográfica. Assim era feito o mapeamento. As regiões eram de extrema beleza, tudo selvagem. Por exemplo, Porto Seguro não tinha o acesso que tem hoje, era um local à beira do mar. Para você chegar a Porto Seguro, tinha que atravessar uma floresta, que era Mata Atlântica. A gente ia de Jeep. Na equipe, na ocasião, eu era estagiário e tinha dois geólogos, um era o chefe de equipe e tinha o lugar-tenente dele lá. Eu era o terceiro abaixo. Depois disso, começamos a fazer um mapa usando fotografias aéreas, começamos a fazer um mapa da região da Bahia e sul do Espírito Santo. Ficamos cerca de seis meses em Santo Amaro, na Bahia. Já havia a estrada e estava muito bom. Essas fotografias aéreas tiradas para o mapa da região eram feitas por um serviço especial, foram até os americanos que fotografaram. Tinha todo terreno e ali você interpretava as feições geológicas que podiam ser retiradas naquela fotografia.
PRODUÇÃO NA BAHIA Essa região de produção da Bahia era a principal produtora de petróleo do Brasil. Havia outra do lado, em Sergipe e Alagoas, a RPNE - Região de Produção do Nordeste, e não tinha mais nada. As bacias paleozóicas, que eram inexploradas, estavam todas no mapeamento da superfície, Paraná, Paraíba, Amazonas. Então, só tinha a Bahia produzindo. Eu fiquei pouco tempo na superfície. Em setembro daquele ano de 1964, as equipes acabaram. Não tinha mais trabalho para as equipes de geologia de superfície na Bahia. Já havíamos terminado o mapa da região.
TRABALHO DO GEÓLOGO
O trabalho de geólogo para Petrobras é fundamental porque quem vai dar a locação para furar o poço de petróleo é o geólogo. Os grandes campos iniciais, os da Bahia, foram obras das pessoas de geologia de superfície. E com bússola, com outros meios, locaram-se estruturas grandes, que contêm petróleo. Então, a gente indicava: “Fura aqui.” Furaram e encontraram os campos como Água Grande, Buracica e Candeias, que foi o primeiro.
CONDIÇÕES DE TRABALHO/ DÉCADAS 60 E 70 As ferramentas utilizadas para o trabalho exploratório eram poucas, muito rudimentares. O trabalho do geólogo de superfície era basicamente com a bússola e o martelo. Era a coisa mais rudimentar, quase na época da pedra lascada. A nossa jornada de trabalho era dura. Na ocasião, era folga três por um: trabalhava três dias no campo e tirava um dia de folga, nas excursões. Quando se trabalhava um mês, você teria direito a 10 dias de folga. Só que o bom tom não era tirar os 10 dias, era ir todo dia à sede da Petrobras trabalhar porque não era recomendável tirar férias, mostrava que era um cara preguiçoso. Então, todo mundo vinha trabalhar.
TRABALHO DE CAMPO / GEOLOGIA A vida e o trabalho de campo é uma maravilha. Até hoje trabalho no campo e, quando volto de uma viagem, eu volto diferente. Você tem um contato com a natureza que é a melhor coisa que tem. Você vê rios, vê montanhas, vê tudo isso. Os animais, a vida simples das pessoas que moram fora das cidades. Isso é muito bom. Tem um lado de aventura nesse trabalho. Tem os perigos. Eu não passei por grandes perigos, mas sempre existem. Eu tenho muita história da época em que trabalhei em poço.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Havia um mito de que a maior parte dos geólogos era louca. Para começar, na ocasião do curso, o número de horas de aula era muito maior. Era um curso de quatro anos, mas era o ano todo. Nós tínhamos cerca de 12 horas por semana de aula. Não tínhamos férias como os outros tinham. Mas eu estava ali. Então, juntava geralmente essas pessoas pobres e aqueles de espírito aventureiro. Normalmente, esse pessoal não regula bem, não era muito certo. Tem histórias que daria para fazer um livro. Tem até um colega nosso que fez um livro sobre essas histórias, alguns personagens típicos, já na Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / GEOLOGIA DE SUB-SUPERFÍCIE Eu fiquei 11 anos na Bahia. Trabalho de campo foram oito meses. Depois, eu passei para a parte de sub-superfície, para acompanhar a perfuração do poço. O geólogo tinha que analisar a rocha que era perfurada pela broca e observar se tinha ou não hidrocarbonetos.
A rocha é moída pela broca, sobe pela lama e fica presa numa peneira. Então, de tempos em tempos, o plataformista retira aquela amostra e leva para o geólogo olhar. Ele coloca num instrumento chamado fluoroscópio, que é um instrumento com luz ultravioleta. E, quando tem petróleo, aquela rocha fica amarela como gema de ovo, amarelo dourado. Então, o que o geólogo tem que fazer é parar a perfuração. Depois, se retira o chamado “testemunho”, que é um cilindro de rocha, uma amostra. Ali, a gente pode ver se tem petróleo ou não. Naquela amostra de forma cilíndrica se faz uma análise mais profunda. E, se houver realmente indícios de petróleo, se prossegue um teste de formação. Isola-se o intervalo que foi perfurado e se faz então sair o fluido que está dentro daquelas rochas para a superfície.
CONDIÇÕES DE TRABALHO / BAHIA
Naquela época, as condições de acompanhamento em poço eram super precárias. Era um trailerzinho pequeno, o menor que existe. Não tinha banheiro, se usava o mato. Era um negócio sério. Chovia muito. À noite, aquele lugar ficava cheio de cobras. A gente dormia no trailer e durante a noite toda vinha amostra.
Nesse trabalho de acompanhamento eram inicialmente duas pessoas, depois passou a ser uma só. O trailer dava para duas pessoas, e olhe lá Tinha uma geladeirazinha. A gente tinha que preparar as refeições. Às vezes, a comida vinha de fora, chamada picanha. Picanha era uma forma de alumínio com feijão, arroz, pedaço de carne. A gente nem conseguia comer, porque aquilo já chegava frio. Essa comida vinha do acampamento da Petrobras mais próximo, mas, quando chegava, estava fria. A gente acabava deixando na porta, para o cachorro, mas tinha um bando de moradores acampados nas vizinhanças da sonda. Então, jogavam uma pedra no cachorro e pegavam a comida.
As regiões onde costumávamos trabalhar eram muito pobres. Havia lugares em que ainda não se conhecia automóvel. Entrava no meio do mato e pareciam essas vilas africanas. Hoje aquela região é de alto turismo, no Recôncavo mesmo. Naquela época, não tinha nem estrada nem nada para aqueles lugares de praia. A Costa de Sauípe era o lugar mais próximo onde a gente trabalhava. Eu fiquei nessa atividade três anos.
PRIMEIRAS PERFURAÇÕES NO MAR Eu não tinha outra saída a não ser trabalhar com geologia de poço. Depois disso, então, as pessoas que se destacavam nas tarefas iam para a chamada interpretação. E eu fui logo para interpretação, depois de três anos. Mas, antes disso, eu peguei as primeiras perfurações no mar, que não é o que temos hoje. Eram balsas. A sonda cavava locais de mais ou menos 20 metros de profundidade na Baía de Todos os Santos, mas você não via terra. A Baía é muito grande. Cravavam umas estacas, colocavam a sonda em cima e amarravam as balsas naquelas estacas. A gente ficava dentro da balsa examinando o material que saía. Eu lembro que peguei uma tempestade que durou duas semanas, coisas séria, vento sul. A balsa ficava pulando. O microscópio tem aquelas oculares e a balas tinha um movimento lateral que você contava um, dois, três. Quando dava o três, a balsa batia contra a estrutura da sonda e as oculares saíam feito um foguete. Tinha uma pessoa que ficava amarrando o tempo todo aquelas balsas porque, com o movimento contínuo, elas se partiam. A tendência é partir o cabo.
EXPLORAÇÃO NO MAR / DÉCADA DE 60 Primeiros trabalhos de exploração no mar em sonda. Eu ficava um mês, um mês e meio, direto. Eventualmente saía, tinha que tomar uma lancha e ir a um local, um porto mais próximo. Uma lancha vinha trazer a comida. Agora, imagine só, Ano Novo de 1966. A minha comida veio em uma lata de azeitona – eu lembro bem até hoje – com a tampa aberta e tinha feijão, arroz e alguma coisa. Essa foi a ceia de Ano Novo.
Passar esse tempo todo era horrível. Não tinha banheiro. Pareciam aquelas caravelas antigas, que a pessoa tinha que se pendurar numa corda. A gente fazia assim também, se pendurava numa corda para poder fazer as necessidades.
A gente pescava, essa era a vantagem. A gente pescava e, à noite, quando vinha a comida do restaurante, tinha um peixe que eu tinha pescado.
Foram duas semanas em mar super agitado. Era um medo danado, porque você via passar pela balsa saveiros desgovernados. Os saveiros arrebentavam as amarras de um porto qualquer e saíam pelo mar.
DITADURA MILITAR Para a Petrobras, eu tenho a impressão que o governo militar foi muito bom. Apesar daqueles casos que houve no tempo do Geisel, por exemplo a abertura para os contratos de risco. Mas eu tenho a impressão que o governo militar foi muito bom, protegeu a Petrobras. Na Petrobras, estávamos seguros, mas havia serviços de investigação lá dentro. Tinha setores que ficavam analisando. Quando você tinha uma viagem para o exterior, como eu fui, antes era investigado para saber se podia ir ou não. Eu já era casado, tinha filhos. Estava perfeitamente calmo dentro daquele pensamento.
CASAMENTO Eu casei logo em seguida que ingressei na Petrobras. Entrei em janeiro, casei em março do ano seguinte, com uma moça de Santo Amaro, que conheci no próprio trabalho.
PRODUÇÃO NACIONAL DE PETRÓLEO Nós estávamos descobrindo o petróleo, naquela época, na Bahia. A Bahia chegou a um recorde, na ocasião, de 150 mil barris por dia. É uma ninharia perto do que se produz hoje, quase dois milhões, mas era a única produção nacional que havia.
PLATAFORMA CONTINENTAL Estamos falando de águas rasas, totalmente rasas. A ida para plataforma continental começou na década de 60.
Eu vi minha primeira sessão sísmica em 1969, a primeira sessão sísmica da Bacia do Espírito Santo, onde havia um gomo de sal perfurante. Os geólogos passavam ali e quase reverenciavam aquela imagem. Parecia a imagem de um santo preso na parede.
GOMO DE SAL O gomo de sal é uma estrutura de sal que penetra nas camadas das rochas. Fica aquele tarugo. E aquilo, no Golfo do México, é uma estrutura que produz muito petróleo. Infelizmente, aqui no nosso caso não. Então, quando você via aquilo na parede e pensava: “Puxa, vamos encontrar tanto petróleo aqui, vai melhorar a vida da gente.” E a gente ficava olhando aquilo lá.
ÁGUAS RASAS
Já tinha o movimento em direção ao mar. Já tinha o Campo de Dom João, em que metade do campo é perfurado dentro d’água, água rasa. Depois, esses poços em que eu trabalhei eram poços exploratórios. Se furava distâncias grandes do campo. Por exemplo, do lugar que eu estava até a sede da Dom João, levava duas horas de lancha, praticamente. Lanchas rápidas. Trabalhei na Ilha de Itaparica também, em poços dentro d’água.
BACIA DE CAMPOS - GAROUPA Havia uma grande esperança. Quando começou a furar os primeiros poços, por exemplo, na Bacia de Campos, eu já estava trabalhando no laboratório. Eu tinha saído da parte de interpretação. Eu estava trabalhando em estratigrafia no laboratório. Então, quando vinham as amostras, a gente via o material do poço RJ-7, que foi o primeiro poço que pegou óleo no que seria o Campo de Garoupa. Então, chegou aquele material muito ruim. Olhando assim, a rocha parecia muito fechada, porque não tinha nada. Havia uma saturação de petróleo, mas não saía. A rocha era tão fechada que não saía aquele petróleo. Tanto é que o poço foi tamponado – todo poço que não fornece petróleo é tamponado – e foi uma espécie de decepção. O que não tem nada é tamponado, para evitar que os fluidos saiam. Mas foi com o campo RJ-9 que se descobriu o Campo de Garoupa. Aí foi a grande coisa. Para nós complicou muito, porque se transferiu o grupo todo da Bahia para o Rio. Foi uma coisa muito ruim para gente. Todos já tinham casa, estavam bem instalados, estabelecidos.
Eu morava em Salvador, na Pituba, um lugar que hoje que é um burburinho. Na ocasião, era um paraíso, não tinha nada lá perto. Não tinha nem uma estrada grande, coisa assim.
TRABALHO DE INTERPRETAÇÃO GEOLÓGICA Era o trabalho mais nobre que havia. É aquele que vai dar a locação de um poço para furar. Pegava os dados todos em formações, se integrava e se estudava aquilo, e depois dava a locação. Locação significava mandar uma sonda furar numa estrutura. Aí tinha que fazer todo o estudo, previsão de quanto ia dar. Na Bahia, acontecia um fato que só percebi depois. As descobertas de petróleo lá, a maior parte, pelo menos nos últimos anos, foram feitas pelos chamados serendipity*. Serendipity é uma coisa que você atira no que vê e acerta no que não vê. Então, mirava-se a formação certinha em baixo, mas se descobria petróleo aqui no meio, na formação Candeias ou então na formação Pojuca.
PESQUISA DE PETRÓLEO Numa bacia virgem, que não foi perfurada, se começa com trabalhos iniciais de gravimetria e magnetometria. Então, se estuda as grandes estruturas chamadas de embasamento. Depois, se passa à sísmica de reflexão, em que se tem então uma série de sessões paralelas e se tem uma visão, agora ultimamente com a sessão sísmica multicanal, tem uma visão quase parecida com a visão que se tivesse feito um corte na terra. Tem muitos enganos aí. A partir dali você analisa as sessões e procura ver estruturas, as grandes estruturas primeiro. Onde tem uma estrutura significa que pode existir petróleo trapeado dentro daquela estrutura. Então, você dá uma perfuração chamada exploratória. Fura-se aquela região, fura-se aquela estrutura. E, se tiver petróleo, vai aparecer. E dali então se parte para a chamada fase de desenvolvimento do campo. Descobriu uma acumulação, tem que encontrar os limites dela. Então, se faz vários furos e depois começa a explorar aquele campo.
O trabalho de interpretação e avaliação acompanha todo o processo. Numa bacia virgem, o primeiro campo é importante porque já dá os parâmetros daqueles outros que vão ser descobertos posteriormente. E, no caso de Campos, começou a descobrir o petróleo em Garoupa, depois se descobriu que a maior parte das reservas de petróleo que nós temos se encontram nos turbiditos que estão entre esse calcário de Garoupa e a superfície.
TURBIDITOS Isso foi uma coisa de que eu me orgulho muito, um trabalho que nós fizemos. Em 1975, foi nos dada a missão de estudar os primeiros poços da Bacia de Campos. Na ocasião, tinha cerca de 30 poços. E estudamos o chamado Membro Carapebus, uma rocha que apresentava petróleo. Não se sabia qual era a natureza daquele sedimento. Nossa missão é determinar a que sistema posicional aquele negócio pertencia, a extensão, a forma que podia ocorrer, as estruturas todas. A estrutura do Carapebus era desconhecida. Havia interpretações, mas, como sempre, existe uma hierarquia de pessoas pensantes. Havia um grupo que dominava a exploração, que achava que aquilo ali era determinada coisa. Se dizia que era tido como depósito de água rasa. Quando nós começamos a estudar, por sorte eu fui o líder do grupo aqui no Rio.
Tinha cerca de 20 e poucas caixas testemunha abertas no local. Caixas testemunha é o seguinte. É uma caixa de madeira de um metro de comprimento em que se coloca aqueles tarugos, aqueles cilindros de rocha tirados do poço. Então, se coloca tudo ali. E aquilo, na ocasião, era cortado pela metade. Ficavam duas faces abertas e a gente estudava. Por sorte minha, na primeira caixa que eu abri tinha uma indicação perfeita de um turbidito, que era chamado seqüência de Balman. Parecia uma rocha. Puxa, aquilo na hora me convenceu
Turbidito é um depósito produzido por correntes turbidíticas. São produtos, não teve esse Tsunami que matou gente aí? É normalmente um escorregamento que acontece na quebra de plataforma. Sai aquele fluxo violento de material e vai depositar no fundo como um lóbo de sedimentos. Aí não entra as placas. Mas pode ser até um sísmico produzido por um movimento desses que faz com que aquela parede desabe, ela escorrega e flui pelo fundo. Então, forma aquele sedimento de fundo. E esse é o turbidito, quando forma sedimento. Tem características. E a primeira caixa que eu abri tinha essas características, por sorte. As outras não tinham. Se tivesse aberto uma que não tivesse, seria um azar. Eu conduzi todo o estudo dos turbiditos. Só que, quando nós apresentamos o trabalho, o grupo não se convenceu, não aceitou a nossa conclusão. Não concordaram porque, na ocasião, turbidito era uma palavra feia, achavam que, quando se chamava uma coisa de turbidito, era um material que não prestava para acumular petróleo. E a nossa acumulação era boa. Eram sedimentos de areias sem argila, sem nada, o petróleo fluía com facilidade por ali. Essa apresentação nossa, eu achei até o nosso relatório brilhante, na ocasião. Mas não convenceu o pessoal. Aí chamaram um especialista estrangeiro, Professor Multi. Ele é até meu amigo hoje. Ele veio olhar o material. Ficou numa sala onde estavam aqueles testemunhos, o mesmo material que eu tinha olhado, sem falar nada, simplesmente olhando para ele e analisando. E falou: “É turbidito mesmo.” Aí foi uma grande vitória. Isso significava que ele estava ali com um depósito já de águas profundas. E, a partir daqueles poços, já se começou a entender que os nossos turbiditos eram realmente diferentes dos outros, felizmente para nós.
GEOLOGIA DE SUPERFICIE Eu ainda fiquei na estatigrafia três anos. Eu fiquei 11 anos, no total, na Bahia. Meus filhos já eram baianos.
A geologia de superfície era considerada a elite da Petrobras. Por um motivo simples. Nas bacias que não tinham petróleo, as pessoas faziam de tudo para descobrir. Então, estudavam muito. Eram essas pessoas que trabalhavam na superfície. É claro que tinha uma corrida para ver quem descobria. Quem não tinha encontrado nada, tinha que estudar muito, e eram realmente pessoas loucas. Mas nós, da Bahia, qualquer poço que furava, encontrava petróleo, não se estudava nada. Era um pessoal muito inculto.
DESCOBERTA DE UM POÇO DE PETRÓLEO Eu peguei vários poços de petróleo. Quando você é novo na empresa, geólogo 1, 2, quando descobria um poço de petróleo, era uma tristeza porque chovia de gente. Por fim, eu trabalhei no Campo de Miranda 1. Miranda é um dos grandes campos da Bahia. A gente teve até uma comitiva do Presidente da Petrobras, um militar, toda aquela gente. Em alguns lugares, o pessoal da cidade participava também. Sempre tem "puxa-saco" para esse negócio. Eu me lembro do primeiro poço que achei, na Fazenda Imbé.
Quando se faz o teste de formação, se abre a válvula e sai óleo, como naqueles filmes americanos. Parece até um negócio controlado. Não fica jorrando o tempo todo. É uma emoção, claro. Aí se comunicava. Em seguida, chovia de gente e você era dispensado. “Pode ir embora, pode ir embora.”
PROJETO CARAPEBUS Nós viemos para o laboratório central de exploração. Foi um laboratório novo criado na Rua General Polidoro, em Botafogo. E ali se examinava todo o material que provinha das plataformas da perfuração ao longo da costa do Brasil.
Estudava tudo aquilo, todo o material. Eu fui ser chefe de um setor chamado Setor de Sedimentologia. Nós ficamos ali até 1981. Quando eu fiz o projeto, em 1975, do Carapebus, foram os projetos iniciais do laboratório. O material saiu da Bacia de Campos. Foram furados sete poços na Bacia de Campos. Estava-se considerando que não eram grandes coisas, até se perfurar o nono, quando descobriram os sedimentos mais velhos, com petróleo, no alto de Garoupa, por ali. Isto deu um grande impulso. Logo em seguida, a Bacia teve a grande quantidade de poços furados. Sete poços ainda é um número pequeno, mas se parasse no sétimo poço, ia abandonar essa riqueza toda que nós temos aí.
BACIA DE CAMPOS / ÁGUAS PROFUNDAS Não estou bem lembrado qual foi o primeiro campo que deu petróleo. Foi Garoupa e depois foi Pargo. Foram campos pequenos, inicialmente. Mas só se viu que a Bacia tinha um grande potencial depois, em 1985, quando se começou a furar em águas profundas. Descobriram aqueles campos gigantes, Albacora, Marlim, aquele negócio todo. Eu acho que a Bacia de Campos, hoje, deve ter em torno de cinco mil poços. É um número grande.
Primeiro, se fala do descobridor que acha o petróleo, depois se fura. Já se tem uma idéia. A sísmica dá uma idéia bastante precisa da dimensão do campo. Se fura em volta pra delimitar o campo, às vezes, três, quatro, cinco poços. Aí você tem certeza do tamanho do campo. Se ele for um campo muito bom, então usa uma malha interna e se fura poços dentro daquele local que foi delimitado. Isso, num regime de produção como o nosso, pode levar 20 anos até esgotar uma jazida. Mas esses campos iniciais foram uma promessa boa. Quando se descobriu os gigantes, foi uma coisa fantástica. Tinha certeza do potencial da Bacia de Campos.
RELAÇÃO DE TRABALHO ENTRE GEOLÓGOS E ENGENHEIROS No início, havia certa dificuldade no relacionamento com os engenheiros. A Petrobras teve vários tipos de engenheiros, na área de petróleo, de exploração, de produção de petróleo. Um engenheiro de perfuração, nessa hierarquia, é o mais baixo. Depois, engenheiro de produção e, finalmente, de reservatório, que era tido como uma pessoa mais nobre, conhecia tudo sobre aquele métier. Aí nós começamos a trabalhar juntos com os engenheiros e logo surgiu certo problema de crença. Eles eram extremamente deterministas e a gente não era determinista. Eles propunham que se fizessem determinadas técnicas num poço e a gente achava que aquele negócio ia ser perda de tempo, devia se tomar um outro tipo de estudo. Mas hoje se trabalha muito bem com os engenheiros de reservatório e os geólogos, estão muito bem afinados.
Naquela época havia uma diferença, aquele negócio, até no próprio tratamento. O pessoal que trabalhava nos campos tinha casa mobiliada, tinha comida que a Petrobras dava. E quem trabalhava na perfuração, na exploração, não tinha isso. Então, havia uma valorização do engenheiro em detrimento do próprio geólogo.
REIVINDICAÇÕES TRABALHISTAS Nós tivemos grandes conquistas. No tempo que eu trabalhava, eram três dias de trabalho por um na folga. Depois começou a se fazer esquema de 24 horas num poço e 24 horas de folga. E hoje estão aplicando as leis trabalhistas. Quem trabalha na plataforma parece que tem dois dias de folga para cada dia de trabalho, não sei exatamente como é. Na nossa época, eram proibidas essas reivindicações.
ACIDENTES DE TRABALHO Houve uma época em que morreram muitos geólogos por deficiência de transporte. Eles trabalhavam muito à noite e usavam uns fusquinhas. Tinha um tráfego muito grande de carro durante a noite. E aquela luz do fusquinha era uma luz bruxuleante, como se fosse uma vela, quase não dava para enxergar nada. E morreu muita gente de acidente. Só de Garoupa, que eu me lembro, foram dois que morreram na operação. Tiveram outros lá.
Eu, pelo menos, vivi três ocasiões num chamado blowout. Blowout é uma erupção de um poço, normalmente de gás ou junto com o óleo. Não se consegue vencer a pressão. Então, sai tudo para fora. É a pressão do gás. E pode resultar em incêndio, aquele negócio todo. Quando dá um aviso de blowout, a gente sai correndo. Quem estava dormindo, saía de cueca, às vezes, pelo campo. Não era sirene, era gritaria que se ouvia. Tinha um cabo chamado Jerônimo, que liga do alto da torre até o chão. Então, o torrista, caso for ajudante durante uma manobra, pega um guincho lá de cima e desce pelo cabo para se safar. É perigoso. Eu vi uma equipe de sonda, uns três ou quatro ficaram praticamente cegos, porque a lama com soda cáustica caiu nos olhos deles. A lama da perfuração misturou com soda cáustica, saiu com o gás e caiu nos olhos. Uns três quase cegos.
CONDIÇÕES DE TRABALHO/ SEGURANÇA Não havia os serviços de prevenção de blowout. Mas existem ferramentas e, quando acontece isso, eles fecham automaticamente o poço. Tem ocasiões que isso não é possível. Há um incêndio antes de recorrer a esse mecanismo de fechamento. Na época, a coisa era muito primitiva. Nessas sondas do mar mesmo, a pessoa trabalhava de calção, sem camisa, com lama. Lembro de um sujeito que caiu dentro do tanque de lama com soda cáustica, então saiu todo queimado. Era falta de cuidado. A soda cáustica é um aditivo de lama. É preciso manter o pH em determinado valor, por isso se põe a soda.
TRABALHO COM OS TURBIDITOS Para mim, esse trabalho pioneiro foi que determinou a natureza dos turbiditos. Depois foi confirmado pelo especialista mundial, inclusive, o modelo que nós tivemos na época.
Foi conhecido como modelo geológico. Hoje tem livro sobre esse modelo, que foi iniciado por nós em 75. Claro que o livro eles não publicavam. A Petrobras tem uma herança muito ruim em termos de publicação. Não se publicava. Havia, inclusive, um pensamento dentro dela de que quem publicasse resultados era gente que queria se mostrar, se salientar na frente dos outros. Então, nunca ninguém publicava as descobertas. E a Petrobras dominou a geologia do Brasil durante esses anos todos, desde 40 principalmente. A geologia instrumental brasileira esteve nas mãos da Petrobras. Agora é que tem um chamado Serviço Geológico Nacional, que é a antiga CPRM, que está fazendo geologia em bacia sedimentar, que não é da Petrobras.
DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO A parte de inovação é outra coisa que também eu cultivei, que eu transmiti nos cursos internos da Petrobras e hoje na universidade. Foram conceitos geológicos. Existe na geologia um conceito fundamental que tem dominado dois séculos, praticamente, que é
o de que as coisas acontecem de maneira gradual e não existem catástrofes, não existem mecanismos mais bruscos. Então, isso eu mudei. A partir de 1983, que eu publiquei uns trabalhos, eu me tornei catastrofista. Então, eventos como esse do Tsunami na Ásia, para mim, são coisas corriqueiras. Acontece toda hora. Isso não nos preocupa. A gente vê isso na rocha toda hora. Isso que eu tentei ensinar, que modificou o pensamento. Isso tem importância na hora que você estuda reservatórios de petróleo. Os reservatórios são gerados por eventos desse tipo, movimentos muito rápidos que despende uma quantidade de energia muito grande. Então, esses reservatórios feitos assim têm características especiais que a gente lê na rocha. Quando pega a rocha, a gente lê. Isso eu consegui transmitir. Eu acho que consegui mudar o pensamento de uma boa geração aí.
FORMAÇÃO DE RESERVATÓRIO Esses movimentos tectônicos – tectônico é a mãe de tudo, está por trás de tudo – formam o reservatório. Os turbiditos são gerados a partir de um abalo que se verifica na quebra de plataforma, que faz com que uma massa escorregue e desça, como uma corrente de turbidez. O reservatório se forma, cada camada se forma em algumas horas ou minutos. Essa é a idéia que contrariava a antiga. A antiga dizia que isso ia jogando grão a grão. Então, formava uma camadinha, depois outra, tal, eram as chamadas camadas estratigráficas. A gente está postulando o contrário, que se forma em eventos muito rápidos de grande energia. Em instantes se forma uma camada daquelas, algumas vezes, de alguns quilômetros cúbicos.
DESFIOS NA BACIA DE CAMPOS A Bacia de Campos hoje está uma maravilha para exploração, porque basta olhar a sísmica. Não precisa fazer mais nada. É olhar a sísmica e dizer: “Fura aqui porque aqui tem tanto de petróleo.” Está nessa base. Já sabe até o número de metros cúbicos que pode conter de petróleo. Naquela época, não era assim não.
O desafio sempre foi encontrar o petróleo na locação que tivesse óleo. O índice mundial é muito baixo e aqui no Brasil está se furando cerca de três poços secos para um com óleo, que é um índice muito bom. É ótimo até. Cada poço custa dez milhões de dólares. Aquele descobridor paga todos aqueles poços secos que foram perfurados.
A Petrobras primou pelo treinamento de pessoal, primeiro. Isso foi um fator de sucesso da Petrobras, pegar pessoas aqui e mandar pra cursos no exterior, cursos universitários, o cara vir com diploma acadêmico e ter também um ferramental. A Petrobras adquiria todas as maiores novidades que apareciam no mercado. Isso foi um dos fatores de sucesso. Então, se processava todas as informações dos poços com equipamento à altura.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / TRABALHOS ACADÊMICOS Eu era professor de vários cursos na Petrobras. Inicialmente, era um curso de espécie básico para o pessoal que entrava na Petrobras. O curso era ligado à geologia e durava um ano. Eu não me lembro mais o nome desse curso.
A partir de 1983, eu comecei a juntar esse material todo sobre a natureza turbidítica e culminou com o livro que eu editei, cujo nome é Fundamentos da Estratigrafia Moderna, da Editora Uerj.
PÓS-GRADUAÇÃO Eu fiz um treinamento que, na época, era um projeto que se fazia, na Universidade de Ilinois. Tinha um professor, George deVries Klein, que era um especialista em sedimentos de maré, coisas assim. Era um sedimentólogo bastante famoso nos Estados Unidos. A gente assistia o curso de pós-graduação lá na universidade. Não tinha um grau, mas tinha um documento que me serviu depois, quando eu fiz o doutorado aqui.
CONSULTORIA AMERICANA A Petrobras, durante muitos anos, teve a consultoria dos especialistas americanos, do Professor Fisher e do Professor Brown, da Universidade do Texas. Vinham os dois e começavam a treinar o pessoal desde o início da exploração do petróleo da plataforma, em 1969, 1970. E eles conheciam toda a geologia da margem aqui porque dispunham de todas as sessões sísmicas. O Brasil foi um excelente fornecedor de material para esse pessoal externo. Nos Estados Unidos, conseguir informação sobre uma bacia de lá é praticamente impossível. Tem que pagar ou trocar com outro dado de poço, pagar muito caro ou trocar por outra informação equivalente. Aqui eles tinham uma integração da margem ocidental toda. Isso facilitava muito um trabalho de geologia. Essa foi a escola que se seguiu. Não que eles tivessem uma participação direta na coisa, mas tiveram uma participação indireta grande.
EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO A exploração descobre o campo e delimita o mesmo. Fura três ou quatro poços para delimitar a área do campo. Depois disso, esse campo é entregue à produção. Produção tem a Geologia do Desenvolvimento, que faz o planejamento dos poços dentro daquela área. E a produção começa, então, a extrair o óleo na plataforma. Mas, em águas profundas, nós não tínhamos nada. A Petrobras foi a pioneira nessa área. Começou a fazer pesquisas lá no Cenpes e conseguiu, então, formar isso que ela tem hoje.
Nosso grupo era de estratigrafia, dava apoio à exploração. A gente lidava com os campos que a exploração furava, os poços pioneiros, e aqueles limitadores. Então se fazia tudo no laboratório, como datar as rochas, que é uma coisa importantíssima. Então, o pessoal da exploração dava as locações, tinha as informações todas que eles precisavam. Já tinha um grupo fazendo o desenvolvimento. E a exploração tinha que achar novas reservas. A meta é sempre aumentar as reservas, que hoje devem estar em 12 bilhões. Mas, quando começou, era muito pouco. A grande relação que eles tinham era na Bahia, mas era muito pequena comparada aos outros países.
ESTUDO DA PLATAFORMA CONTINENTAL O grupo veio da Bahia e se juntou com um grupo que veio de Sergipe, Alagoas e o que veio da Bacia do Paraná. Esse pessoal todo foi repartido em força tarefas, para dar apoio às várias áreas do Brasil. Tinha um grupo que estudava a Plataforma Norte na Bacia da Foz do Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará. Outros estudavam o Nordeste, Espírito Santo. Campos e Santos são estudados juntos. Camamu, Recôncavo, Sergipe, Alagoas, são estudados em outro grupo.
A Petrobras, na época, era uma empresa que tinha condição de avaliar o potencial petrolífero do Brasil. Hoje ela não tem mais. Hoje isso faz parte da ANP e do serviço geológico. Mas, naquela época, tinha que avaliar. Então, a gente ia atrás de qualquer coisa que falava em petróleo. Os geólogos estavam apostando mais na Bacia de Campos. Os cinco primeiros poços de Santos não foram bons. Depois que começou a aparecer o potencial de Santos, do Espírito Santo também. Aqueles gomos perfurantes que você achava que eram a grande solução para o problema do Brasil, eles não deram nada. Agora está se encontrando petróleo na Bacia do Espírito Santo, jamais a porção ligada a Campos. Cumuruxatiba também era a grande esperança, porque tinha um desenvolvimento de reservatórios parecido com o de Campos, turbiditos, esse negócio todo. Camamu-Almada tinha três ou quatro poços furados, mas não era muito interessante. Em Sergipe e Alagoas, eles mudaram um pouco a técnica de análise. Hoje tem mais, está se usando mais a sessão sísmica em termos de anomalia de amplitude, para poder locar novas descobertas. Então, se está tendo algum sucesso na Bacia de Sergipe e Alagoas, mas acho que não tem muito mais coisa.
BACIA DE CAMPOS Com a Bacia de Campos, a esperança aumentou bastante. Se achava que as bacias brasileiras iam ter o mesmo potencial que Campos tem. Infelizmente, eu acho que não tem assim desse jeito. É difícil falar, mas igual a Bacia de Campos não vai ter. Toda a história do petróleo depende muito da rocha geradora, se tem volume de rochas geradoras suficiente e da época da geração também, quando é que saiu o petróleo.
ROCHA GERADORA
No Brasil, havia lagos em que as margens são falhas, altas, são montanhas. É o chamado Rift ou Rift Valley. Desses vales formam-se lagos e os rios que chegam jogam uma matéria orgânica bem consistente, com um teor de carbono alto, praticamente em todo o lago. E nesse lago não existe circulação de oxigênio. Então, esse material orgânico sempre preserva. Preservando, tem capacidade de gerar petróleo. Depois, com a evolução daqueles sedimentos que são submetidos a fundamento e recebem calor do interior da terra, esse calor transforma aquele sedimento orgânico em petróleo. Aí, de alguma maneira ainda bem misteriosa, não se sabe bem como, esse petróleo migra, sai daquela rocha argilosa, pega falhas, fraturas e vai subindo, vai subindo. Em Campos, até hoje acontece isso, o petróleo está subindo. Ainda tem migração de petróleo. Então, quanto mais cedo a migração, é preciso ter estruturas muito boas para segurar aquele petróleo. Quando é tardia, qualquer coisa pode segurar. O que segura é o chamado trapa, é uma estrutura, normalmente por falha ou por manobra, que o petróleo não consegue passar, tem um selo na parte superior que impede que esse petróleo saia, fuja. Ele fica preso. Quando fura, ele vai sair sob pressão, que é a pressão daquela coluna de água de cima, pelo menos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / CENPES Eu fui para o Cenpes em 1981. Não tinha convite, naquela época. Eu morava em Botafogo e almoçava em casa. De manhã cedo, saía tranqüilamente a pé, não utilizava carro. Trabalhava na frente da Mesbla, na rua General Polidoro. Todo serviço da rua Polidoro foi transferido para o Cenpes. O Cenpes ficava a pelo menos meia hora de transporte. Tomava um ônibus que passava na rua Voluntários da Pátria às seis e meia. Chegava lá às sete e quinze, quando não atrasava. Então, foi uma transformação. Mas não tinha outro jeito. Tinha que ir.
SETOR DE SEDIMENTOLOGIA Eu trabalhava no Setor de Sedimentologia. A gente fazia estudos em todas as bacias dentro da missão da Petrobras, que era avaliar o petróleo, avaliar as condições que cada bacia tinha em relação à ocorrência de petróleo. Nós fazíamos isso. Ao mesmo tempo, durante 10 anos, nós fizemos cursos de campo na Bacia do Parnaíba, no Piauí. Às vezes ficava um mês inteiro lá. Iam grupos de geólogos da Petrobras e engenheiros de universidades daqui para esse curso. É um curso disputado. Tinha gente que tinha pistolão para conseguir um lugar. Era um curso de estratigrafia de campo, de sistemas operacionais de campo. A minha preferencia é com o trabalho de campo, sem dúvida. Você acaba descobrindo que as rochas conversam com você. Você tem que saber qual é a linguagem que elas falam, mas elas conversam. Como elas estão a milhões de anos ali paradinhas, elas contam toda a história que aconteceu com elas.
BACIA DE CAMPOS: SEMELHANÇAS COM
OUTRAS BACIAS Essas bacias da margem ocidental são todas semelhantes, têm uma evolução semelhante. Todas começaram com uma rachadura na crosta, com lagos inicialmente. Depois o mar foi entrando devagarinho e formou a margem continental que nós temos hoje. Então, se você chegar em Angola, você vai encontrar uma situação bem parecida com Campos. Inclusive as ocorrências de petróleo lá também se dão em locais semelhantes. Em Angola, tem muito petróleo. Aparentemente, a Bacia de Campos é especial, porque na hora que se separaram os continentes, o africano e o americano
por exemplo, o africano levou uma parte maior do gerador de petróleo para lá. Então, vai ter uma bacia lá muito rica e nós não vamos ter nada aqui, porque a parte de geração foi para lá. E a de lá vai ser maior. Também não temos, por exemplo, o Delta do Níger, que era uma província petrolífera muito grande na Nigéria. Nós não temos iguais aqui. A geração lá é para ser até mais nova do que aqui. A característica especial de Campos são os geradores. Os geradores é que dão volume de petróleo e tem reservatório apropriado. Noventa por cento do petróleo brasileiro se encontra em turbiditos, nessa proporção às vezes.
ACOMPANHAMENTO ESTRATIGRÁFICO A gente dispõe de duas ferramentas: os testemunhos e as amostras de calha, quer dizer, o contato físico com a rocha. Testemunho é esse tarugo que eu falei, os cilindros de rocha. E do outro lado temos os chamado perfis elétricos, que são grandes fontes de informação para os poços da plataforma.
Por exemplo, você não conhece essas rochas que estão na plataforma, elas não afloram. Com exceção de algumas na Bacia de Sergipe e Alagoas, o resto aflora. Você não tem nenhuma indicação. Então, você tem que se valer de análogos que se encontra em algum lugar para saber como é que é a distribuição em área daquelas rochas. Usando a rocha, você calibra os perfis. Então, se você ver um perfil de raios gama você sabe que aquilo ali é um arenito. O outro lado que está embaixo é uma rocha argilosa, um folheiro. Sabe-se, depois da resistividade, se aquele arenito tem petróleo ou não. São todas informações usadas, então, para estudar a bacia. E, ao mesmo tempo, se conhece a pasta tectônica. Tem um grupo que estuda a tectônica e
vê as falhas geológicas que cortam a bacia, onde é que está aquele bloco que está produzindo petróleo em relação à grande falha, por exemplo. Esse tipo de tratamento se consegue no estudo. É um estudo completo, não é só estratigráfico. Sempre se faz um estudo completo.
A Bacia do Recôncavo foi uma grande escola, que serviu depois para os geólogos interpretarem. Não tem nada parecido com o Recôncavo, mas aqueles procedimentos que se usavam no Recôncavo, adaptados, servem para estudar também a Bacia de Campos, por exemplo. Sempre se aproveita o know-how.
SÍSMICA Na parte de operação, eu não acompanhei muito. Na exploração, trabalhei com a parte sísmica, o estudo das anomalias e amplitudes. Os sismogramas, quando tinha petróleo ou gás, apareciam com um sinal diferente dos outros. Então, a gente chamava a atenção. E deu base para algumas locações.
Hoje existe CD e, antigamente, eram discos de 78 rotações. A diferença é tremenda. Nós trabalhamos na Bahia com discos de 78 rotações, a famosa sísmica analógica. E aqui nós trabalhávamos com CD de altíssima fidelidade, sismógrafo digital multicanal. Então, isso deu muita vantagem para exploração. Sempre se erra. Não é sempre exatamente um quadro geológico de sessão sísmica. Mas a margem de erros diminui. À medida que se tem experiência numa bacia, essa experiência sendo acumulada, se consegue um grau de sucesso maior.
EXPLORAÇÃO NO BRASIL Aconteceram muitas “pegadinhas”. Por exemplo, na Foz do Amazonas, a geologia sempre está atrás, ou esteve atrás, de estruturas fechadas, domos, forma dômica, que é a estrutura mais fácil de entender, porque vai caber mais petróleo ali dentro daquela área fechada, como se fosse um guarda-chuva. Então, quando se começou a explorar na Foz do Amazonas, a sísmica começou a mostrar uma série de domos, estruturas fantásticas. Você tinha fechamento de um lado e do outro. Houve até euforia, acharam que ia ser o novo Oriente Médio. Furou aquele negócio, não era nada. Aquilo era uma “pegadinha” da sísmica. As rochas carbonáticas têm uma velocidade maior, então ali o tempo fica menor e a coisa fecha assim. São “pegadinhas”. Não tem estrutura. Só tem uma porção de rocha carbonática, que é muito veloz em termos de sísmica.
TRABALHOS DE GEOLOGIA / AVALIAÇÃO Eu acho que as mudanças foram de ordem pessoal. Todo investigador desse tipo – eu não vejo como um cientista, acho que a nossa atividade é mais artística – vai se desenvolvendo pessoalmente, vai amadurecendo ao longo do tempo. Então, você vai entendendo as coisas que você não entendia antes. Hoje, existe em estratigrafia uma corrente que é dominante. Quando eu comecei a trabalhar com isso, fui um pioneiro também aqui no Brasil, na chamada Avaliações Relativas do Nível do Mar. O nível do mar está sempre subindo ou descendo ao longo do tempo geológico, não é coisa de maré. Mas, ao longo do tempo geológico, o nível do mar sobe. Por exemplo, na ultima glaciação que nós tivemos aqui no pleistoceno, há cerca de 18 mil anos, o nível do mar estava baixo, muito baixo. Então, toda a plataforma aqui do Rio de Janeiro estava exposta. Os rios, tipo o Rio Macacu que vem da Serra de Friburgo, cortavam um cânion submarino, um cânion a céu aberto, e iam jogar aquela carga deles lá longe, a 100 quilômetros daqui. O nosso mar estava bem longe. Abaixou quase 130 metros. Então, a praia estava a muitos quilômetros daqui.
Nessa ocasião, se forma uns turbiditos submarinos embaixo, porque o peso das rochas da quebra de plataforma é maior e faz com que esse material escorregue com mais facilidade. Os leques submarinos são construídos nas épocas de nível do mar baixo.
Isso a gente não entendia antes. Então, você sabe que os grandes campos de petróleo da Bacia de Campos são formados nessas épocas. São vários anos. A partir do eoceno, por exemplo, a partir de 48 milhões de anos, depois temos 30 milhões de anos, 25, 20. Aí houve uma época da formação dos reservatórios. Quando você fura nas águas mais profundas, estão cheias de petróleo.
O sal é o grande agente aqui na Bacia de Campos, é o que fez as estruturas. O sal é uma substância que se coloca numa mesa plana, perfeitamente plana, ele fica parado lá, como se fosse silicone. Basta dar um pequeno ângulo nessa inclinação, levantar um pouquinho a mesa, que esse sal começa a escorrer. Vai ser como num local bem distante. Então, aconteceu com as bacias aqui da margem, o sal foi escorrendo. À medida que ia escorrendo, ia formando estruturas, como ondas de sal. Cada vez que pegava um alto, essa onda formava uma estrutura alta em cima. Então, temos campos de óleo que são formados justamente desses altos aí, que antes eram baixos, eram buracos que foram preenchidos com areia. Depois que passou a onda de sal, eles levantaram e o petróleo migrou para um reservatório. Quando você vê na sísmica, está cheio de falhas, chamadas falhas lístricas, que vão evoluindo em direção à bacia.
ESTUDOS DAS BACIAS BRASILEIRAS São tantas histórias que, no final, não consigo lembrar de uma para contar, uma história interessante. O meu segundo trabalho foi a avaliação do nível do mar. Nós fizemos um estudo das bacias desde a Foz do Amazonas até Pelotas, eu e um outro colega, um geofísico. Nós marcamos seqüências, épocas em que o nível do mar tinha baixado em toda a costa, em todo o mundo, aliás, para pensamento nosso. Então, nós produzimos um relatório que dizia onde estavam essas quebras e essas quebras são locais preferenciais para você procurar um reservatório, porque ali não se dá os turbiditos. Isso foi outro trabalho também que me marcou bastante, em 1978, exatamente.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / APOSENTADORIA/ UFRJ O que mudou com a aposentadoria foi em relação ao trabalho. Passei a ter mais trabalho como professor. Eu desenvolvia uns cursos na Uerj, onde comecei como professor visitante. Eu já tinha saído da Petrobras. Começamos a aplicar na exploração do carvão mineral aquelas teorias todas que nós desenvolvemos no petróleo. Nós tivemos durante 10 anos um curso na UERJ e, a cada ano, se produzia uma monografia sobre a exploração de carvão. Então, pelo menos o grupo que trabalhou comigo, que trabalha ainda, conhece muito bem o carvão. Temos propostas revolucionárias sobre a formação do carvão. Nós tivemos até um prêmio na Geological Society, que é a sociedade que congrega os geólogos americanos, para um trabalho que uma aluna minha vai defender a tese agora em fevereiro, sobre a gênese do carvão.
DOUTORADO Eu fiz doutorado, terminei junto com a minha aposentadoria. A Petrobras sempre deu tempo para as pessoas fazerem, se dedicarem à pós-graduação. A minha tese foi sobre os chamados tempestitos da Bacia do Parnaíba. Eu fiz a tese em 1990. Tempestitos podem ser, por exemplo, uma tempestade. É como se fosse tsunamitos, que são gerados pelos tsunamis, e tem os tempestitos, gerados por tempestades. Têm características próprias.
PROJETOS PARA PETROBRAS – PROJETOS ANÁLAGOS DE TERCEIRA DIMENSÃO Nós estamos fazendo hoje projetos para Petrobras. Eu estou trabalhando com um grupo chamado de Projetos Análogos de Terceira Dimensão. Estamos estudando afloramentos aqui das bacias e fazendo um esquema de escaneamento a raios laser. Estamos relacionando essas figuras que nós vamos conseguir, em terceira dimensão, com os reservatórios, por exemplo, da Bacia de Campos. Eu não deixei de trabalhar para a Petrobras.
A Petrobras é uma grande incentivadora do progresso do Brasil. As pessoas de universidades, hoje, estão muito mal, não têm dinheiro para pagar até material de consumo, coisas simples, tipo impressão, papel. Universidade não tem dinheiro. Então, quando a gente consegue, num projeto desses, financiamento para comprar um equipamento, por exemplo, que custou mais de 300 mil reais, que foi esse scanner a laser, estamos desenvolvendo esse projeto. Nós desenvolvemos esse projeto em parceria com o Cenpes. Agora temos um contrato com a Petrobras.
LAZER
Eu gosto muito de música, a chamada erudita. Tenho uma predileção por Mozart.
PROJETOS ATUAIS Nós temos ainda outros projetos em andamento. Estamos formando um grupo que está se especializando nessa visão catastrofista da história. Tem duas teses saindo, uma
relacionada à visão catastrófica e ao carvão e outra sobre a sedimentação glacial. São duas teses que envolvem catástrofes.
FAMÍLIA Eu estou casado pela segunda vez. Minha primeira esposa faleceu. Estou casado com a Maria da Glória. Tenho quatro filhos do primeiro casamento: dois são músicos, tem uma médica psiquiátrica e um que não definiu ainda o que está querendo.
Tenho quatro netos.Tenho um neto querendo fazer geologia. Eu não aconselho muito porque é uma profissão bem ingrata. Estamos na fase, agora, de vacas gordas. Mas logo depois vamos pegar uma fase mais difícil.
PROJETO DE VIDA O meu sonho é estar trabalhando até o final. Eu já falo assim: vou sair morto do trabalho, não quero me aposentar. Já estou com 64 anos. Aos 70 anos, vai ter aquela barreira de ser obrigado a fazer nova aposentadoria, mas eu pretendo continuar trabalhando.
PROJETO MEMÓRIA Para mim, foi uma satisfação essa experiência. Eu acho que é gratificante. Serve de exemplo para algumas pessoas. Eu quero agradecer a vocês pela gentileza de terem feito as perguntas que podia responder. Eu, infelizmente, conheço tantas casos anedóticos que tem nessa tarefa aí, mas não consegui me lembrar de nenhum.Recolher