IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Marival Nogueira Caldas. Nasci em Ilhéus, Bahia, em 24 de março de 1940. INGRESSO NA PETROBRAS Havia muita euforia da juventude atrás, principalmente, de aventuras. E a Petrobras aparecia, naquele momento, como opção para essa juventude. Então, houve i...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Marival Nogueira Caldas. Nasci em Ilhéus, Bahia, em 24 de março de 1940.
INGRESSO NA PETROBRAS Havia muita euforia da juventude atrás, principalmente, de aventuras. E a Petrobras aparecia, naquele momento, como opção para essa juventude. Então, houve interesse de minha parte e de diversos companheiros, na mesma época. Saiu a divulgação de um concurso, fizemos e fomos selecionados. Ingressamos na Petrobras em 8 de dezembro de 1957. Fomos destacados para Mataripe, onde passamos 90 dias por experiência. Fomos registrados e construímos a unidade que estava em ampliação. Na época tinha duas unidades e estava ampliando para 11, 12 unidades.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL A experiência, o início, primeiro emprego, não teve muita dificuldade, porque a gente vinha de uma época em que se praticava esporte. Tinha muita convivência com pessoas de todos os níveis sociais. E como nós tínhamos que ficar alojados na empresa - naquela época não tínhamos transportes normais -, o relacionamento não foi difícil em alojamentos. Entrei como auxiliar de escritório pelo concurso, mas não fui ser auxiliar de escritório. Passei para a manutenção. Eu fazia o que mandavam fazer, naquela época. Era um canteiro de obra, com 14 mil homens alojados, se alimentando ali, 24 horas. Gente do mundo inteiro e do país inteiro. Essa adaptação ocorreu com facilidade.
Em 58, início de 59, tive que sair para servir o Exército. Eu esperava não ser selecionado para servir o Exército, porque eu estava trabalhando. Mas, infelizmente, eles me pegaram e fui servir a PE aqui, na Bahia. Servi a PE até o início de 60, fui cabo. Voltei e não quiseram me aceitar de volta, apesar da lei assegurar. Mas, por incrível que pareça, fui levado pelo comandante da 6ª Região Militar, um general, que impôs o meu retorno. Então no retorno, a mesma readaptação, porque um ano não teve tanta diferença de pessoas, de métodos, obras essas coisas.
Fizemos alguns cursos na área de almoxarifado, técnica de material; passamos por operação, manutenção e voltamos para a técnica de material. Em 60, tivemos a primeira greve. Eu era militante e a militância ocorreu desde o primeiro minuto, porque eu vinha de movimento estudantil. Nós fundamos o sindicato, naquele tempo não com muita facilidade, porque havia algumas restrições. Então fundamos o sindicato.
SINDICATO - SINDIPETRO BAHIA - TRAJETÓRIA SINDICAL Fundamos o Sindipetro Bahia e começamos o trabalho de reivindicações, de militância. As condições de trabalho nos levavam a trabalhar em cima de reivindicações de direitos e de conquistas, que nós fazíamos. Participamos da primeira greve da equiparação. Por incrível que pareça, mesmo como pioneiros em petróleo, em refino e tudo, nós ganhávamos 30% a menos do que os trabalhadores de São Paulo. Tentamos uma negociação administrativa, mas não foi possível. Então fizemos a paralisação e conquistamos essa equiparação.
Daí então o sindicato se fortaleceu, porque a adesão foi de 100 %. Se fortaleceu e nós partimos para os acordos coletivos. Manual de Pessoal, chamado na época, aonde todas as conquistas da categoria foram feitas dentre 60 e 63. Tudo o que existe hoje, fora o que já retiraram, foi conquistado exatamente nessa época.
Quando ocorreu o golpe militar, passamos por uma situação muito ruim, principalmente na refinaria, onde houve a invasão do Exército, às 11 horas da noite. Uma coisa, como a gente vê em filme de guerra, ocupando a refinaria. Informaram a eles e os informantes eram garçons dos nossos restaurantes. A gente não sabia. Motoristas, todo mundo infiltrado. Informaram que nós tínhamos armas. Foi aquela palhaçada, que a história já contou. O ambiente ficou
pesado, difícil, o problema de segurança, o pessoal armado dentro de uma unidade. Isso causou constrangimento. Colegas sendo presos, notícias de tortura, mortes. Foi uma época muito difícil, em 65. Nós não ficamos parados, nós reagimos. Durante todo esse período houve alguns confrontos. Em 65, foi liberado o sindicato, de forma até demagógica, mas foi liberado para fazer eleições, sair da intervenção.
Nós tínhamos 25 anos de idade e fomos eleitos para o sindicato. O general era o superintendente da refinaria, general gaúcho de cavalaria, uma pessoa prepotente. Nós tivemos atritos terríveis por coisas bobas. Eu tive que fazer o primeiro movimento contra a ditadura e contra a política salarial, porque aí já começaram a combater as nossas conquistas. Então tivemos que mobilizar o pessoal e fizemos uma greve de fome nacional. Rejeitar a alimentação, porque naquele tempo esse movimento era considerado uma coisa gravíssima. Nessa época,em 68, mesmo na clandestinidade, eu era presidente da Federação Nacional dos Petroleiros. Apesar da lei nos assegurar o direito de criar uma federação nacional, eles impediam essa organização dos trabalhadores. Então fizemos isso na clandestinidade. Depois de muitos congressos, fizemos um movimento pesado em 14 de agosto de 1968. Comandei uma greve nacional explícita contra a ditadura militar, contra a política salarial da empresa. Defendemos a permanência do monopólio. E a adesão foi excelente, apesar das pressões. Foi uma adesão, na Bahia, de 90 %, mais ou menos. Houve a intervenção no sindicato 4 dias depois.
Aí fomos para aquele período de prisão, que já vinha acontecendo. Fui preso 32 vezes antes desse agosto, 18 de agosto. Então teve a prisão em quartéis e mudança de quartéis. Esse período ficou difícil. Você fica desligado do problema, família, dia-a-dia. Os processos andaram correndo, fui condenado cinco vezes, em Estados diferentes. Na época, eu estava preso, mas como eu era presidente da Federação Nacional, tinha atividades em Minas, São Paulo, no Rio. Tive que cumprir pena. Passei então 3 anos, 11 meses e 18 dias preso. Não foi direto, saía 8 meses, voltava; 2 meses preso, voltava. Processo ali, processo aqui e em 71 aliviou. Tive o direito político cassado por 10 anos, na época de Médici, uma época difícil. A gente foi preso no Galeão, no Rio de Janeiro, e ali aconteceram barbaridades, que a gente não gosta de contar. Eu, por exemplo, sou uma das pessoas que não gosta de contar, porque sinto até vergonha de contar que uma pessoa foi torturada. Nós fomos torturados. Não gosto de contar isso. Depois, tive que procurar emprego. Não conseguia em lugar nenhum do País, era preciso a gente apresentar um currículo de folha corrida e quando eu pedia o meu, nada constava. Foi muito difícil. Nós abrimos um comércio de vender verdura, o Exército veio e fechou. Abrimos uma peixaria, o Exército veio e fechou. Tudo o que a gente queria era para a sobrevivência. Fui para São Paulo na clandestinidade e me empreguei. Registraram minha carteira e fui preso em São Paulo, dentro da fábrica. Se repetiu por duas vezes. Então em 72, a coisa aliviou. Ainda tinha o direito político cassado, tive que trabalhar na área de garimpo e tal. Em 80,
começou o movimento de anistia; 81, 82 já tinha uma reação dos sindicatos do ABC. Começou o movimento, renasceu o movimento. Então veio a anistia.
Fui anistiado em 85. Retornei à Petrobras e fui eleito novamente com Mário Lima, meu companheiro de chegada, no movimento sindical e na empresa também. Ele chegou em 58, eu cheguei em 57. Nós fomos eleitos para o sindicato e, nesse período, começamos a retomada de uma concepção sindical em cima da reconquista do que nós tínhamos perdido. Teria que manter e reconquistar, principalmente os acordos coletivos, política salarial, política de Plano de Cargos e Salários, essas coisas. A Petrobras já insistia com uma política de terceirização. Nós impedimos essa terceirização, pelo menos da atividade-fim da empresa, e as coisas ocorreram. Nós fizemos algumas greves, vitoriosas todas, e impedimos principalmente a terceirização. Mas, então, veio um discurso novo, o pessoal do PT, da CUT. O PT, como
oposição organizada nacionalmente, todo aquele pessoal da esquerda, aquelas tendências todas dentro do partido. Houve um discurso contrário ao nosso método de fazer o sindicato. Aí veio aquela história de pelego. Uns meninos novos, que não conheciam a história, começaram a dizer que nós estávamos em um processo, de ‘pelegar’ com a empresa para negociar. Nós estávamos saindo de um regime difícil, onde a empresa e os trabalhadores estavam em uma situação difícil. Não poderíamos de forma nenhuma expor uma categoria. Primeiro, tínhamos que ganhar credibilidade, fazer negociações possíveis e avançar em alguma coisa, por competência em mesa de negociação e por mobilização. Avançamos e muito, mas em 89 começou a haver a mudança de discurso.
Em 90, refundamos a Fenap. Fui presidente com o companheiro Maia, também de Minas Gerais. Em 90, todos os sindicatos de petróleo... a categoria optou pela concepção cutista. Ainda estávamos na Fenap e fizemos eleição para sair. Já desejando, inclusive, se aposentar e continuar a brigar pela lei de anistia, porque ela não estava completa. Nós fomos anistiados parcialmente e, como acontece até hoje, continuamos lutando por ter aqueles direitos de volta. Eu me aposentei como anistiado e continuei no movimento sindical, já na oposição. Depois, fui eleito de novo - dentro de uma chapa, com a participação de todas as tendências - até 93, 94.
Hoje faço oposição por discordar da unificação dos sindicatos de petróleo na Bahia. Historicamente, são sindicatos que realmente fizeram a história do movimento sindical de petróleo. Mas, por uma concepção deles, de unificar o ramo químico, houve essa unificação e os trabalhadores foram contra. Conseguiram com uma manobra regimental e de estratégia, que eles têm.
Comandei então a recriação do sindicato de petróleo, mas na área municipal. E isso está na justiça, para decidir, porque nós queremos voltar a ter o sindicato dos petroleiros não unificado com petroquímico, vidreiro, perfume, borracheiro. Hoje, nosso sindicato tem 36 categorias, se transformou em um instrumento. O nosso patrimônio foi destruído; a categoria está alienada dessas discussões e a terceirização ocupou a atividade-fim.
A preocupação com a Petrobras é grande. Depois dessa política de terceirização, os quadros da empresa estão reduzidíssimos. Nunca mais teve concurso para ocupar aqueles cargos de atividade-fim. Na minha visão, está sendo transformada em uma empresa de gerência de contrato. Aquele amor que os trabalhadores tinham, perderam. Não existe isso, é visível. Nós trabalhávamos para a Petrobras até de graça, se ela quisesse, na época. A gente não reclamava, trabalhava às vezes, 15 dias direto. Havia realmente um amor pela empresa que hoje a gente não vê. Então existe realmente uma preocupação, mesmo com um governo que se diz socialista. A política de escolha de comando da empresa está muito mais ligada ao problema ideológico do que ao técnico. Isso me preocupa, porque o importante é que a pessoa seja competente para ocupar o cargo, e não que seja do partido. Essas coisas, a direita fez. Prejudicou a Petrobras muitas vezes. Estamos aí, fazendo oposição, discordando da política sindical atual. A categoria não reage, totalmente alienada. O salário da Petrobras, defasado. A categoria que foi uma das primeiras do País, hoje deve ser a décima ou a décima segunda.
A comemoração dos 50 anos da Petrobras poderia ser mais em cima do patriotismo e tal. Mas para mim e centenas de companheiros que eu conheço, nós vamos comemorar preocupados com a continuidade da empresa que criamos, organizamos e construímos. As mudanças, você
pode ver de 58 para cá. Eu cheguei na empresa, comi no capacete, tirava a carneira de segurança, lavava, tinha duas mil torneiras, a gente lavava e comia tudo misturado, de mão, ainda não tinha bandeja, a gente viajava de trem. Tudo que existe hoje foi conquistado pelo nosso movimento sindical. Eu desejo que eles tenham juízo e que a gente, que já está perto de morrer, ainda veja uma Petrobras pujante, que eu me preocupo muito que seja real.Recolher