IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Carlos Alberto Rabaça, eu nasci no Rio de Janeiro a três de março de 1939. Em março próximo eu farei 70 anos bem vividos, graças a Deus FAMÍLIA O nome do meu avô por parte de pai era Antonio Rabaça. A mãe de meu pai, meu querido amor, Clementi...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Carlos Alberto Rabaça, eu nasci no Rio de Janeiro a três de março de 1939. Em março próximo eu farei 70 anos bem vividos, graças a Deus
FAMÍLIA O nome do meu avô por parte de pai era Antonio Rabaça. A mãe de meu pai, meu querido amor, Clementina de Jesus Rabaça – que a minha mulher não me ouça, porque eu digo sempre que o grande amor da minha vida foi a minha avó, eu sou casado há 46 anos. Ela sempre me emociona muito porque foi uma mulher que me ensinou muita coisa, me ensinou vida. Por parte de mãe, o meu avô se chamava Francisco da Costa Ribeiro, e minha avó, que eu não conheci, Maria Eugênia Ribeiro. Os meus pais são Carlos Pinto Rabaça e Branca da Costa Rabaça. Papai é morto, morreu aos 50 anos de idade; era um homem simples, um botiquineiro. Papai não sabia ler nem escrever, apenas fazia um rabisco no nome. Era português, veio menino para cá, foi porteiro do Botafogo, depois comprava botequinzinhos, barezinhos pequenos no subúrbio, mas era muito inteligente e dava um jeito: uma pintura, conquistava a freguesia e ganhava dinheiro ali, vendendo nos bares.
A minha mãe, uma professora primária que, apaixonada por um homem ignorante, casou-se e nos educou. Ele nos ensinou a força do trabalho, a necessidade de se trabalhar sempre e com honestidade, ele sempre passou isso. A minha mãe se preocupava com a educação dos filhos era ela quem transmitia valores para nós. Meu pai nos ensinou o valor do trabalho e minha mãe a necessidade de nós crescermos na vida, de nós nos educarmos, de nós nos instruirmos.
A Clementina era uma costureira. Ela era uma mulher ignorante, uma mulher analfabeta, mas de uma sensibilidade extraordinária. Uma mulher que me ensinou a vida. Ela me transmitia o valor da comunicação. Ela era apaixonada pelo rádio. Eu menino, rapazinho, peguei o início da televisão, mas o grande veículo era o rádio. Vovó nos ensinou a ouvir a Rádio Nacional, muito mais importante do que a Rede Globo hoje. A Rádio Nacional tinha os maiores artistas, os grandes cantores, os grandes cronistas, homens extraordinários, os grandes locutores.
Mais importante que a universidade – eu fiz mestrado e doutorado –, para a minha formação, foi a Rádio Nacional. Eu ficava com o ouvidinho de menino colado na rádio, ouvindo aqueles programas e aprendendo comunicação. Vou citar um exemplo, Paulo Gracindo, Bibi Ferreira – que ainda está viva – todos são egressos da Rádio Nacional. Os grandes técnicos que formaram a Rede Globo, e eu posso dizer isso porque dirigi durante alguns anos a Fundação Roberto Marinho, todos aprenderam com a Rádio Nacional. Vovó me ensinou a saber ouvir o rádio, a ouvir as coisas boas. Ela discutia comigo as coisas boas. Ela me marcou profundamente.
INFÂNCIA A minha infância foi muito pobre. Eu era suburbano, o meu pai, inicialmente, foi motorista de família. Naquela época não se chamava motorista, era chofer, usava-se uma camisinha branca, gravata preta, terno azul marino, chapéu. Ele era o empregado de uma família. Depois, ele foi ser chofer de praça, o que é o taxista de hoje. Os carros eram importados, a gasolina era muito cara, então os motoristas de praça ficavam em pontos, em ruas, parados e só quem tinha muito dinheiro que pegava o automóvel.
Papai foi ser chofer, mas depois se enjoou dessa atividade e foi ser botiquineiro, isto é, dono de bares, e a vida toda dele foi assim. Papai era um homem que não sabia ler nem escrever. Mamãe cuidava da educação e ele cuidava do trabalho, do sustento da família, da sua mulher – minha mãe – e de dois filhos. Um homem da maior dignidade que me ensinou o valor do trabalho, me ensinou a persistência, a encarar tudo de frente, sobretudo, algo que o jovem hoje precisa aprender: o valor da verdade, doa a quem doer. A gente pode perder ou parecer perder em um determinado momento, mas quem usa a verdade, o tempo mostra que será sempre vitorioso. Eu não fui um menino de rua. Fui um menino de ouvir rádio e de ler muito. Aliás, esqueci isso: a minha mãe pedia aos vizinhos, ela sempre tinha muita facilidade de relacionamento – ela está com 92 anos de idade, é viva. Como papai não podia comprar os livros, ela obtinha livros de história emprestados e eu lia muito. Eu era um menino muito pacato, de leitura, de reflexão. Eu botei na minha cabeça, ainda menino, que precisava vencer na vida.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Eu brincava muito sozinho, com botões, jogava futebol de botão. Como não tinha dinheiro, usava uns botões de roupas, uma palhetinha e fazia um golzinho com uma caixa de fósforos, e jogava sozinho. Não era um menino de ficar na rua. As pessoas da minha família contam que eu andava sempre com um livro debaixo do braço; ainda menininho. Eu já gostava de meninas – tomara que a minha mulher não assista a esta gravação. Eu me encantava por ter amigas; poucos amigos e muitas amigas. Evidentemente, eu acho que alguma sensibilidade que utilizo até hoje no meu trabalho, eu aprendi com as mulheres. As mulheres conseguem passar uma sensibilidade que nem sempre o homem tem, e com uma visão de futuro, com uma racionalidade. Dizem que na mulher a emoção é mais forte. Não é não. A racionalidade da mulher é muito mais forte que a do homem. A mulher quando toma uma decisão, é uma decisão. Eu aprendi isso com as meninas. Eu brincava mais com as meninas do que com os meninos. O homem empurra com a barriga.
FAMÍLIA O meu pai dava a última palavra, mas autoridade era de mamãe. O universo de casa era comandado por uma mulher, pela minha mãe. Era um universo muito feminino. Quando a minha mãe tinha uma dúvida ou – hoje eu cheguei a essa conclusão – quando ela queria ratificar uma decisão tomada, ela cedia a última palavra ao meu pai, mas a decisão já estava tomada. A decisão era dela, ele só confirmava. Eu só percebi isso depois de adulto. Eu imaginava que fosse de papai e não, realmente, era de minha mãe. Ainda ontem, uma coisa que me emocionou muito. Eu estava na minha casa em Teresópolis – mamãe, que mora com a minha irmã em São Paulo, está passando um mês comigo e ela subiu conosco para Teresópolis. Quando descíamos, vinha eu e minha mulher na frente e atrás, ela e uma irmã dela – que também está velhinha. Nós vínhamos conversando e, de repente, começamos a falar no doutor Roberto Marinho; não sei por que surgiu o nome Roberto Marinho. Eu comecei a comentar, porque eu trabalhei anos dirigindo Fundação, despachava sempre com ele, e eu disse: “Muita gente comete injustiças, o que esse homem gerou de emprego, gerou de trabalho ainda hoje, a qualidade do trabalho de todo o sistema Globo, respeitado no mundo inteiro.” Comecei a elogiar e aí a minha mãe perguntou: “E os filhos?” Eu falei: “Os filhos continuam a obra do pai. Muita gente achava que o império ia acabar, ao contrário, está crescendo cada vez mais, se fortalecendo mais. Os três filhos estão continuando a obra do pai.” De repente, a minha tia interrompeu e disse: “Eu conheço também um grande herói.” Eu fiquei calado, mas “que herói?” “O seu pai. Ele criou uma família e tal. Além do seu pai, havia uma mulher, a sua mãe” – ela falando ao lado da irmã – “Enquanto ele te ensinou trabalho – isso aconteceu ontem, ao final da tarde – a tua mãe te ensinou educação”. Concluímos que os heróis não são só os conhecidos, existem tantos heróis desconhecidos que nós não valorizamos – pais, mães, tios – mas são exemplares porque criam as pessoas com a maior dignidade.
EDUCAÇÃO Ao falar de escola, estou tocando na minha santa ferida. Eu estudei no grande, no tradicional, no extraordinário Colégio Pedro II, na Rua Larga. Estou escrevendo agora um livro para o Instituto Light chamado Rua Larga, em que eu falo do Colégio Pedro II, do Itamaraty, da Light, que são todos prédios tombados pelo patrimônio. Eu falo também do Paladino, aquele botequim fantástico, dos cinemas que existiam ali, do prostíbulo em quem nós alunos do Pedro II íamos aprender a vida com as mulheres, do jogo de sinuca. Mas falo, sobretudo, do grande Pedro II, em que fui aluno de Aurélio Buarque de Holanda, em que fui aluno de J. G. de Araújo Jorge, José de Oiticica. Eu não pararia de falar. O ensino público no Brasil, infelizmente, apesar dos discursos, continua muito mal. O Pedro II sofreu, não tem mais aquele padrão, mas continua sendo um bom colégio. Estudei no Colégio Pedro II todo o meu ginásio. Eram quatro anos do Ginásio e três anos do Científico. Lá, eu passei os melhores anos da minha vida. Eu fui dirigido por Eleazar de Carvalho, por Villa Lobos, que eram professores do Colégio Pedro II. Nas festas do país, nas festas da independência, ainda no tempo do Getúlio Vargas – entre 1951 e 1954 –, eu fazia parte do coral. Eu era agitador, fui presidente do Grêmio, fazia movimentos no Colégio e cantava no coral. Havia o coral masculino do Colégio Pedro II e o coral feminino do Instituto de Educação, da Escola Normal, uma grande escola na Rua Mariz de Barros, perto da Praça da Bandeira. Nós íamos para o Teatro Municipal cantar. O Eleazar de Carvalho, em um ensaio de um sábado, por exemplo, queria nos ensaiar e nós estávamos encantados com as meninas, gritávamos o nosso grito de guerra: “Ao Colégio Pedro II, tudo ou nada? Tudo Então como é que é? Tabuada Três vezes nove, 27, três vezes sete, 21, menos 12 ficam nove, menos oito fica um Zum, zum, zum, paratimbum. Pedro Segundoooo” E elas gritavam o grito de guerra delas. E o Villa Lobos, com aquele cabelão, passava no meio de nós no corredor do Teatro Municipal dizendo: “Seus sacanas Seus moleques, seus safados” Xingava a nossa mãe. E nós, na maior farra. No dia seguinte, era o dia do espetáculo com o Getúlio Vargas. Nós combinávamos: “Agora é para valer” Saía uma maravilha, o coral, Orquestra Sinfônica, a Banda dos Fuzileiros Navais, aquele negócio lindo no palco e nós cantávamos. E aqueles dois que tinham xingado as nossas mães um dia antes, olhavam e choravam. O Villa Lobos chorava à toa. Ele chorava e dizia: “Meninos maravilhosos, meus anjos...” Um artista, não é? Eu vivi isso no Pedro II, eu vivi o quebra-quebra, a briga com o Colégio Militar, a briga com a Escola Técnica Celso Suckow da Fonseca – não sei se ainda tem esse nome, uma escola técnica ali do Maracanã. Eu vivi o futebol, jogando no campo de São Cristóvão; eu era goleiro e levei uma pancada no rosto, me fraturou o rosto e até hoje eu não sinto uma parte do rosto, mas é um troféu que eu trago dos meus colegas, que hoje são cientistas, médicos, engenheiros, professores extraordinários etc. O Villa Lobos era nosso professor, mas ele não era de ir a todas as aulas. Ele tinha os assistentes e ia uma vez por mês. Nós tínhamos aula de canto orfeônico. É um crime o que se fez nesse país ao se tirar o canto orfeônico, ao se tirar as artes, ao se tirar a filosofia. Agora, parece que querem implantar a sociologia. Tudo isso nós estudávamos. O Villa Lobos ia de mês em mês para ver como nós estávamos. Aquilo nos emocionava. Nós não imaginávamos ainda quem era Villa Lobos, tínhamos respeito por ele, mas o grande gênio da música brasileira, na verdade... O Eleazar de Carvalho, um ex-fuzileiro naval, foi um dos maiores maestros brasileiros; o grande Eleazar de Carvalho. Acho que esse é o recado para as pessoas de hoje: é trabalho, é dedicação, é acreditar no país. Hoje, há muito discurso e pouca verdade. Eu sempre gostei de estudar toda a parte relativa às Ciências Sociais, Sociologia, Filosofia. Vou fazer uma confissão que eu geralmente escondo: eu tenho uma grande equipe hoje na minha empresa que manipulam essa tecnologia com uma facilidade
Os meus filhos também. Eu tenho quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Eu sou, confesso, um analfabeto tecnológico. Eu sei para que serve, como se usa; eu sei criar, mas sou um pensador, um abstrato. Eu não sei consertar uma tomada, não tenho nenhuma habilidade manual, o que o meu pai tinha e o meu filho mais velho tem também. O meu filho mais velho é astrofísico, é um cientista, é o coordenador-geral do Observatório Nacional e da Universidade do Valongo, é professor da Universidade Federal. Ele tem uma habilidade manual extraordinária. O meu segundo filho, que é jornalista, é igual a mim, mas ele não é analfabeto tecnológico, ele sabe utilizar. Os meus livros, que são muitos, inclusive o Dicionário de Comunicação – o único que existe no país –, todos foram escritos a mão. Eu tenho um prazer sensual de escrever, não tenho vergonha de dizer. Eu tenho uma idiossincrasia com o computador, eu não consigo e não quero. Agora, eu gosto de ler, de pensar e de orientar, mas eu tenho essa dificuldade. Na minha equipe todo mundo domina profundamente. Agora mesmo eu estou indo a Brasília para fazer uma conferência, levando um CD e um pen drive. Me disseram o que era, para o datashow ser utilizado junto com a minha fala, mas eu sou incapaz de fazer. Eu apenas dito a filosofia, os conceitos. Eu entrei no Pedro II no primeiro ano Ginasial. No primário, eu estudei em uma escola, muito modesta na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, chamada Instituto Coração de Jesus. Era uma escola que havia sido recentemente formada por dois irmãos. Um irmão, que viveu muitos anos, chamava-se Mário Veiga de Almeida. O outro irmão era o Horácio Veiga de Almeida, que morreu cedo. O Mário, casado com Dona Nina, que ainda é viva, era um homem bonito, um homem grande, simpático, falava bem. Nós formávamos sempre antes de entrar para a sala de aula. Ele era uma pessoa muito religiosa e passava muitos valores. Ele dizia uma frase que me marcou muito e, até hoje, todos os dias pela manhã, eu repito a seguinte frase: “A vida não é vivida. A vida é vencida. Para vencer, é preciso lutar. Luta, persevera, vence.” Ele dizia isso, sempre vestido com um avental branco. Eu olhava para aquele homem e falava: “Professor Mário, eu vou ser professor” A minha vocação nasceu nesse minuto, nesse momento, baseada na figura do professor Mário. Depois ele comprou o Colégio Rabelo, que existia em frente ao Colégio Militar, transformou em Instituto Coração de Jesus, e criou a Universidade Veiga de Almeida. Eu me encontrei com o professor Mário pouco antes de ele morrer. Eu fui convidado a fazer uma palestra para chanceleres e reitores, em Brasília. Eu fui um dos fundadores do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e era presidente. Eles me convidaram, na qualidade de presidente para falar sobre integração entre empresa e escola. Eu estou fazendo a palestra e vendo aqueles reitores, aqueles chanceleres. De repente, eu olho e reconheço o Mário. Eu engasguei e comecei a chorar. Ele veio chorando em minha direção e me abraçou. Foi uma coisa linda. Eu fui ser professor, com especialidade em Sociologia, exatamente por causa do Mário Veiga de Almeida, a quem eu rendo a minha homenagem.
EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO No vestibular, eu fiz Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que se chamava Universidade do Estado da Guanabara, UEG. Fiz o mestrado na Universidade de São Paulo e o doutorado em Londres, na London School, sempre na área da Sociologia, aplicada na Comunicação. Eu fiz o mestrado direto. Depois, eu tinha que trabalhar, já era professor universitário. A primeira universidade onde dei aula logo que me formei foi a Universidade Gama Filho, aonde cheguei a ser vice-reitor.
Foi meu primeiro emprego em universidades.
TRAJETÓRIA PROFISSSIONAL Meu primeiro trabalho foi num pequeno colégio no subúrbio, no Méier. Desculpe-me quem mora no Méier, que não é mais subúrbio, hoje é uma grande cidade, não se precisa sair do Méier para nada. Naquela época era mais subúrbio. Havia um colégio na Rua Lucídio Lago chamado Dois de Dezembro. O dono desse colégio era um ex-professor meu do Colégio Pedro II que me chamou. Eu tinha 21 anos e fui ser professor no Dois de Dezembro. Mas tem uma história curiosa: o professor Marreca, de História Natural do Pedro II, me chamou e falou: “Carlos Alberto – ainda não me chamavam de Rabaça –, eu queria que você fosse professor na minha escola. Você é muito entusiasmado e tal, você vai ser professor.” Eu falei: “Ótimo. Eu aceito. O Senhor tem curso de sociologia, filosofia?” “Nem fale em sociologia”, ele falou – porque o sociólogo era visto como homem de esquerda, era complicado. Mas eu estava casado e precisava ganhar dinheiro. Como eu ia aplicar a sociologia que era uma coisa proibida? O que eu fiz? Eu fui estudar a língua portuguesa, gramática, sem ter nenhum curso. Comprei não sei quantas gramáticas, estudava, mas tinha sido aluno do mestre Aurélio Buarque de Hollanda. Eu fui aluno do Aurélio por cinco anos seguidos, do terceiro ginasial até o terceiro ano científico. No terceiro ano científico, nós fazíamos ditados. O mestre Aurélio é o autor do primeiro grande dicionário da Língua Portuguesa. O Aurélio e o Houaiss são os dois maiores dicionários. Viraram nomes de dicionários. Eu era um bom aluno de português e ainda fui estudar.
Durante muitos anos, muita gente pensava que eu era professor de Português e Literatura – eu gosto de ler muita literatura. Eu fazia palestras até nos cursos de Lingüísticas etc. Até hoje, eu procuro ser muito cuidadoso na utilização da língua, ao escrever e ao falar também, embora o falar seja mais informal. Mas, de qualquer maneira, eu fui ser professor de Português no Colégio Dois de Dezembro durante muitos anos. Em 1966, eu procurei o professor Marreca e disse: “Professor, está na hora de eu dar a minha matéria, que é sociologia.” Ele deixou e eu dava uma cadeira de sociologia no Clássico – o curso para quem não queria ciências matemáticas – e ia dar filosofia. Eu era professor de sociologia e de filosofia. Aliás, eu quero dizer que tive um mestre excepcional no Colégio Pedro II, falecido, chamado Eduardo Prado de Mendonça, uma figura extraordinária, um grande filósofo.
CASAMENTO Eu me casei muito cedo, com 20 anos. Os meus filhos começaram a nascer. A minha mulher teve quatro filhos seguidos – eu não tinha juízo – quatro filhos seguidos Eu me casei com 21 anos, era recém-formado. Eu estava fazendo curso de didática. O amor era muito forte entre mim e a minha namorada, a minha noiva, a minha mulher. O nome dela é Silvia, ela era professora primária quando nos conhecemos. Eu a conheci em uma viagem de trem. Eu estava fazendo um curso de extensão, sociologia rural, na Universidade Rural, pegava um trem. Ela dava aula em Campo Grande e morava na Mariz e Barros, pertinho do Instituto de Educação e pegava um trem. Nós nos encontramos, eu cheio de livros e tal. Ela pensou que eu fosse vendedor de livros – sempre andei com muitos livros nos braços – e ali começou um namoro. Ela estava saindo de um namoro longo. Até hoje eu mexo com ela: “A tua paixão foi o teu namorado.” Ela fica danada da vida Mas é verdade. (risos) Tantos anos depois e eu estou falando nisso, não é? Aliás, ele é um rapaz brilhantíssimo, hoje é um psicanalista, um cara fantástico. O tesão era grande e foi um filho atrás do outro, graças a Deus sempre muito bons e muito nossos amigos até hoje. O meu filho mais velho é o Carlos Roberto, o outro é Silvio Roberto. A criatividade é nenhuma, Carlos, Roberto porque Roberto era o nome de solteira da minha mulher. Então, Carlos Roberto Rabaça, Silvio Roberto, Glória, nome da minha sogra, Glória Regina, que também foi muito minha amiga – e mais nova, a Silvia Carla. Uma variação de nomes sem nenhuma criatividade. Eles mexem muito conosco: “Vocês não tiveram nenhuma criatividade, vocês repetiram os nomes.”
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu era professor na Gama Filho quando fiz concurso para a Universidade Federal. Fui aprovado e passei a ser professor também na Universidade Federal na cadeira de Fundamentos Científicos da Comunicação e Sociologia da Comunicação. Um dia, eu fui paraninfo na Universidade. Fui paraninfo nas duas, graças a Deus, os alunos gostavam e eu era paraninfo. Em 1965, por aí, eu estava como paraninfo e quem era o patrono da turma? “Juscelino Kubitschek.” Ele patrono e eu menino. Naquele ano eu perdi meu pai. Então, eu fiz um discurso em homenagem ao meu pai, que morreu numa operação. E foi na Escola Nacional de Música, na Cinelândia, e o Juscelino ao lado, olhando – imagine, eu era um menino – virou-se para mim e falou: “Mas você é um menino” Eu fiz assim para ele, como quem diz: “ E daí? O que eu posso fazer?” Ele foi muito gentil. No dia seguinte, eu não tinha telefone em casa, a minha mãe recebe um telefonema na casa dela do Coronel Clovis, que era o ajudante de ordens do Juscelino. Ele não era mais presidente, ele estava em campanha para o “JK 65”, acho que isso foi 1964, eu não posso precisar a data. Ele estava em campanha para a volta ao poder. Eu fiquei assustado. Ele tinha um escritório aqui no Rio. Ele vivia correndo o Brasil, mas tinha um escritório na Rua das Marrecas, na Cinelândia. E eu fui lá e ele, falou: “Eu quero que você trabalhe comigo, quero que você me ajude a preparar os discursos.” Eu falei: “Eu não posso, Presidente.” “Mas por quê?” “Primeiro, porque eu dou aula de manhã até a noite. Os meus filhos estão nascendo – eu já tinha três filhos, estava às vésperas do quarto filho – eu preciso sustentar a minha família. Além disso, Presidente, eu fui sempre oposição ao Senhor na UNE, eu fazia campanhas contra o Senhor, eu panfletava contra o Senhor.” Aí, ele segurou a minha mão e falou: “Agora é que eu quero que você trabalhe comigo.” O Juscelino foi um dos homens mais sedutores que eu conheci. Ele tinha um poder de sedução, era um homem atraente, um homem inteligente, era um homem que passava esperança. A grande obra de Juscelino não foi Brasília. A grande obra de Juscelino foi dar uma nova consciência de Brasil ao brasileiro. Ele conseguiu passar uma chama de “acredita nesse país”, o que mais ninguém fez. Hoje há mentiras. Mais ninguém fez. Eu criticava Brasília, aliás, eu acho que Brasília foi um erro. Ele devia ter criado vários pequenos centros urbanos em pontos diferentes do país – eu dizia isso a ele. Transferiu-se a capital para longe de todos os problemas, o que dá impressão de se estar de costas para o Brasil, ainda hoje. Mas é uma grande cidade, sem dúvida alguma. Eu fiquei com Juscelino três meses e aí ele foi cassado. Depois que ele foi cassado, eu o visitava. Ele ficava ali no prédio da Manchete. O Adolpho Bloch, a quem o Juscelino ajudou muito, ofereceu um escritório. Dizem que o Juscelino roubou. Mentira, ele não tinha nem escritório. Era um homem que estava bem, mas não era isso. Muita gente roubou porque é muito difícil policiar tudo isso. Ele se transformou em um homem triste. Não quero falar dessa fase dele. O Juscelino foi uma grande figura que passou brasilidade e esperança para o brasileiro. Essa foi a minha primeira experiência política. Depois, eu continuei professor universitário.
Em 1967, o Hélio Beltrão me chamou para trabalhar com ele, com Belmiro Siqueira e José Mauro Fiúza Lima no Centro de Aperfeiçoamento do DASP (Departamento Administrativo do Setor Público). O DASP era um órgão muito forte da Presidência da República. Toda a administração pública ficava nas mãos do DASP. Foi no tempo do Decreto Lei 200, da reforma administrativa, em 1967, que previa treinamento. Só poderia ocupar funções de chefia, direção e assessoramento superior na Presidência da República, nos ministérios e tal, quem passasse por um programa de treinamento, quem fosse educado, o que o Brasil não aprendeu, não fez até hoje. Criamos centros de treinamento em cada ministério. Eram 13 ministérios, dez ministérios civis e três militares. Não eram 30 e tantos ministérios como hoje, em que o presidente não tem tempo nem de conhecer os ministros – eu estou exagerando – e nem de despachar com os ministros.
Eram dez civis e três militares. Nós criamos centros de treinamento dos estados. Foi um trabalho extraordinário. Começamos a falar na necessidade de desburocratizar. O Hélio Beltrão foi uma figura extraordinária, um homem de bem. Hoje nós temos a filha dele como locutora a Maria, um amor de pessoa, e a mulher dele, que é uma grande antropóloga, a Maria Beltrão. Ele era Ministro do Planejamento. Depois ele voltou a ser Ministro da Desburocratização, mais tarde, na década de 80. Na década de 60, na época dos militares, ele era Ministro do Planejamento.
DITADURA MILITAR Eu não chamaria de “golpe”, eu não concordo. O fato é o seguinte, eu vivi a época, eu não li, eu vivi por dentro. Aliás, eu adoro quando participo de debates com os esquerdinhas que não sabem o que estão dizendo. É claro que eu não fui a favor. Eu era professor universitário e fui contra, o que eles chamavam de revolução e outros chamam de golpe. Fui contra, porque eu queria melhorar o país e muita gente queria melhorar o país, inclusive diretores da minha empresa, ex-terroristas, que trabalham comigo. Eu fui contra, mas comecei a ver o que estava acontecendo. O Brasil vivia um momento em que se não houvesse uma intervenção, teria virado uma bagunça. Havia uma subversão da hierarquia, mas não hierarquia militar, de tudo. Havia uma subversão de valores e de princípios. Por quê? Porque havia um despreparo de um homem bom, generoso, chamado João Goulart, mas absolutamente despreparado. O João Goulart sempre foi um pelego. Ele foi ministro do Trabalho no tempo do Getúlio – o ditador, um grande protetor.
Protetor até daqueles que não eram capazes, que faziam politicagem, o mau sindicalismo, não o sindicalismo sadio, que é fundamental, mas o mau sindicalismo.
E houve uma intervenção militar. Repito, naquele momento, eu fui contra. Depois, comecei a estudar o problema e fui ver o que estava acontecendo realmente. É claro que o Brasil também sofria uma grande influência norte-americana, e havia interesses internacionais, como continua havendo. Com o AI-5 [Ato Institucional n.5], eu fui percebendo, mas não mudei a minha opinião. Em 1967, quando eu estava na Reforma Administrativa e comecei a ver o que acontecia e comecei a ter acesso aos documentos, eu falei: “Poxa, o que está acontecendo? Não dá.” E ainda não tinha o AI-5, que só chegou mais tarde. O AI-5 foi a grande tragédia. Não foi a Revolução ou o Golpe. A grande tragédia foi o AI-5. Ali foi uma tragédia. É preciso rememorar isso fato por fato e não olhar como um todo. Eu comecei a ver as coisas por dentro e a reformular. Falei: “Puxa vida, se não houvesse uma intervenção, hoje a noção de propriedade tinha acabado, isso tudo tinha acabado, alguns princípios de liberdade.” É muito bonito fazer discurso de liberdade, mas o exercício da liberdade é um exercício de tolerância. E muita gente que estava de arma na mão era intolerante, inclusive amigos meus, gente que trabalha comigo. Eu estou muito à vontade e cito os nomes: Gustavo Barbosa, Jaguar, Ziraldo, todos os meus amigos hoje, porque eu ajudei mais tarde.
Deus tem colocado em minhas mãos uma extraordinária oportunidade de ver e de viver a história. Eu comecei a mudar um pouco a opinião, mas ainda crítico. Dentro do DASP, eu era pequeno, era um assessor, executivo do Hélio Beltrão e falava: “Ministro....” “Rabaça, não é bem assim.” “Mas Ministro, peraí... também chega Eu acho que houve a Revolução, mas isso já deveria ter sido devolvido ao poder civil. Houve uma Revolução para disciplinar.” E disciplinou. Havia uma inflação galopante e o Brasil começou a crescer 15% ao ano. Nunca mais cresceu igual. Até na economia. Mas eu criticava também o Governo. Eu vivia dizendo: “Ministro, e a educação? Eu não vi ninguém voltar... Nem os militares devolvem o poder, nem está se cuidando da educação.” Eu só tinha esse troço na minha cabeça: educação. Aliás, eu continuo tendo, educação, educação. Ele falava: “Rabaça, calma. O processo político é complicado, tem que ir devagar.” Muito bem. Aí, veio o AI-5 e foi uma tragédia, uma tragédia. Eu comecei a fazer palestras e fui fazer uma palestra no Centro de Estudos do Pessoal do Exército, CEP, ali naquele cantinho do Leme. Fui fazer uma palestra dizendo que o Governo estava cometendo erros, sobretudo na área de comunicação. Isso, nós já estamos em 1969. Eu estava na Administração Pública, criticando nesse estilo que vocês estão vendo. Comandava o CEP um Coronel chamado Otávio Pereira da Costa, que tem 88 anos, absolutamente lúcido, um intelectual extraordinário, um homem brilhante. Eu não sabia que ele era o comandante, ele estava lá no meio de outros oficiais. Terminou a palestra, eu fui embora. No dia seguinte, eu recebo um telefonema, se eu poderia no sábado seguinte comparecer ao CEP. E eu fui ao CEP e vejo aquele sujeito de bermuda, porque ele morava lá, era o comandante. Reconheci que ele era uma das pessoas que assistiram à palestra. Nessa altura, eu tinha 30 anos. Ele falou: “Professor, eu ouvi o que o Senhor disse e gostei muito. O Senhor sabe que o presidente Costa e Silva está muito doente” – ele já estava fora do Governo e havia uma junta militar – “já foi indicado o futuro presidente, será o Médici e ele me chamou para ser o chefe da Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República, mas eu não entendo nada de comunicação.” Entendia sim, ele é um homem brilhante, até hoje. Não tinha formação, mas tinha sensibilidade. Aliás, a história do Otávio é muito interessante porque ele fez concurso para a Escola Militar e para a Rádio Nacional. Passou nos dois, mas a mãe falou assim: “Ih, locutor é marginal. Vai ser militar.” Até hoje, ele diz: “Eu devia ter sido locutor da Rádio Nacional”. Mas ele fez uma carreira brilhante. O Otávio é fantástico Voltando: “eu estou chamando o conselheiro João Clemente Bahiana Soares – que depois foi ministro, foi embaixador e foi da OEA até bem pouco tempo – “para constituir a minha equipe e estou chamando também o Coronel José Maria de Toledo Camargo para ser o homem do Planejamento, mas as campanhas, a comunicação vai ficar com você.” A perna fazia assim. E eu me lembrei do Mario Veiga de Almeida: “A vida não é vivida, a vida é vencida. Para vencer, é preciso lutar. Luta, persevera, vence. Eu aceitei. Eu não podia recusar. Eu aprendi muito com o Otávio, com o Bahiana, que até hoje é o homem que manda nas faculdades Estácio. Ele saiu do Itamaraty, depois de muitos anos na OEA, foi secretário-geral do Itamaraty, foi um baita cara. Hoje está lá no cantinho dele.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Houve, então, o convite para compor o grupo que trabalhava na assessoria, cuja sigla era AERP. E começamos a trabalhar. Como era um governo de Ditadura, é preciso explicar – porque as pessoas imaginam que todas as pessoas que compõem o time são ditadores –: todo governo tem gente liberal e gente não liberal. Há uma mistura. O Otávio Costa era um homem absolutamente liberal, tão liberal que na sua carreira ele chegou a general, mas não chegou ao último grau de general de Exército porque o cortaram – e eu vou já fazer referência a quem cortou – porque ele sempre foi um liberal. Certamente, nós nos “apaixonamos” um pelo outro até hoje porque o nosso pensamento coincidia muito. Era necessário que os militares, tão logo ordenassem a casa, passassem, devolvessem o poder aos civis e isso não aconteceu. Por quê? Porque os militares também são pessoas que gostam do poder, também tem os vícios do poder. “Não, mas havia um sistema que tomava conta...” Mentira. Os militares se dividiram. O Castelo Branco, que foi o primeiro presidente militar, queria devolver o poder, mas ele foi vencido dentro das Forças Armadas pela ala que queria manter o poder sob as mãos dos militares, comandados por quem? Quem era o sujeito que venceu o grupo do Castelo Branco? O Costa e Silva sucedeu ao Castelo Branco e quis manter o poder. Ali foi o grande erro dos militares. E o Otávio Costa contestava isso; contestava dentro da disciplina, com cuidados, porque ele tinha uma carreira senão cortavam e ele não chegaria nem a general. O grupo dele: Bahiana – conselheiro, que depois foi ser ministro e acabou embaixador, o homem da OEA –, o Camargo, que chegou a general, e o professorzinho aqui. Nós éramos o grupo liberal. Nós fizemos uma política de comunicação do Governo totalmente voltada para participação, para coesão familiar, para o valor do trabalho, para os valores da justiça. Como davam certas aquelas mensagens pela televisão, pelo rádio, pelos serviços de alto-falante espalhados pelo Brasil todo E eu era o responsável por isso, pela feitura dessas mensagens, evidentemente fazia licitação com empresas. Eu chamava jovens que estavam começando. Eu escrevia, planejava o que eu queria atingir, mas eu contei muito com a criatividade de pessoas como vocês. “Que tal uma mensagem assim?” Que tal uma mensagem assado?” Foi quando eu imaginei o Sujismundo – eu não sou um desenhista – eu chamei um artista que fez a carinha do Sujismundo, cheia de mosquitinhos envolta. Quem desenhou o personagem foi um sujeito chamado Vasco Vaz. Morreu. Um sujeito extraordinário que criou, com o Daniel Tikhomiroff – hoje um grande empresário em São Paulo de comunicação da JODAF –, eu esqueço o nome da empresa que é holding dele, tem um edifício inteiro, eles estavam começando. Eram jovens que chegavam e me davam idéias e eu aproveitava essas idéias dentro de uma política da minha equipe comandada, chefiada pelo Otávio Costa. Eu era o homem técnico: “Vamos fazer uma campanha de participação, vamos fazer uma campanha de limpeza, vamos fazer uma campanha de educação no trânsito, por exemplo. O slogan até hoje está escrito em placas nas estradas do Brasil: “Não faça do seu carro uma arma. A vítima pode ser você.” Naquela época, a gente fez campanhas assim. Foram quatro anos e meio. Nós tínhamos tempo na televisão, tempo no rádio, nos serviços de alto-falantes. Quando eu falo serviço de alto-falante, para deixar claro, os municípios, os lugares mais pobres, nas praças tinham os alto-falantes; eu fazia uns disquinhos para poder tocar jingles. Por exemplo, um dia o Miguel Gustavo – para quem não sabe, Miguel Gustavo foi um dos maiores publicitários brasileiros, um criador fantástico de jingles – me telefonou, e disse: “Rabaça, eu preciso falar com você” O que eu fiz? Havia essa intimidade com as pessoas de comunicação. Por quê? Eu não queria trabalhar dentro do Palácio. Eu tinha o meu gabinete dentro do Palácio, mas eu produzia as peças no Rio de Janeiro e em São Paulo.
No Rio de Janeiro, eu tinha um escritório na Rua São José 90 para ficar fora de aquele aparato militar. E em São Paulo era no Ibirapuera. Eu tinha lá um lugar cedido pela Prefeitura e eu produzia as peças ali. Então, o pessoal de comunicação me procurava.
PRA FRENTE BRASIL
Um dia, o Miguel Gustavo, um jinglista fantástico, falou: “Rabaça, eu preciso falar com você.” “Pois não.” “Rabaça, a Coca-Cola me encomendou uma música – isso em 1970, às vésperas da Copa do Mundo em que o Brasil foi tri-campeão – e não vai aproveitar. O que você acha?” Eu tinha um gravador de rolo, não havia esses gravadores modernos, ele falou: “Liga o seu gravador.” Eu liguei e ele começou a batucar na minha mesa: “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração. Todos juntos vamos, pra frente Brasil, salve a seleção De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão...” Quando ouvi aquilo, eu fiquei como estou agora: emocionado. Falei: “Miguel, a Coca-cola não quer isso?” “Não. Você quer usar Rabaça?” “Você me dá? Porque eu tenho que fazer concorrência. Como eu vou fazer concorrência para isso?” “Rabaça, eu te dou.” Eu peguei e multipliquei. Vocês conhecem essa música: “Noventa milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração...” Eu usei isso para criar uma consciência que o Juscelino lá atrás me dizia. E, para sorte, eu usei no ano em que o Brasil foi tricampeão mundial. Isso ajudou. A ala dura do Exército dentro do Governo enchia, fazia o ouvido do Otávio Costa de pinico, dizia assim: “Isso aí foi para a Seleção”. E o Otávio: “Rabaça, o pessoal está dizendo...” Eu falei: “Coronel, vamos manter isso mesmo depois da Copa do Mundo, porque isso vai passar para o povo uma vontade de “Pra frente Brasil” Não deu outra. Por quê? Porque o Governo era dividido. Havia os milicos de porrada e havia aqueles que queriam liberar como o Otávio Costa, como Golbery, como Ludwig, que foi o melhor ministro da Educação que nós tivemos. Incrível Foi um milico o melhor ministro da Educação que nós tivemos. Eram homens que tinham a cabeça lá na frente e que não estavam concordando, mas eram militares, aí tinham que bater continência, senão a carreira deles.... Mas eles discordavam.
BRASIL: AME OU DEIXE-O Isso não foi o Governo. É incrível isso Olha como isso ficou. Não quero convencer ninguém, mas isso não foi o Governo. Quem criou o slogan “Love me or leave me”, copiado de um slogan dos Estados Unidos, foram empresários de São Paulo. Havia um empresário de São Paulo chamado [Henning Albert] Boilesen, que queria fazer média com o Governo, queria fazer média com os milicos da linha dura que comandavam o país e espalhou isso por São Paulo. Eu ia à televisão naquela ocasião dizer: “Gente, isso não pertence ao Governo, a nossa política é de agregar”. Mas muita gente pensou que fosse do Governo. Não se fazia campanhas, só o Governo fazia, quando surgiu essa campanha liderada por empresários de São Paulo, pelo Boilesen – havia empresários de São Paulo que não concordavam, mas ele era da Fiesp e tinha uma força danada. Esse camarada foi assassinado depois por forças em oposição a ele. Então, o Boilesen foi o inventor dessa história, não foi o Governo. Nós queríamos agregar e não separar, não expulsar. A nossa política era diferente. Eu espero ter esclarecido essa história de uma vez por todas, isso é um documento importante para a Petrobras e para o Brasil, eu diria até que é um documento para o Brasil e para a Petrobras, é importante esse esclarecimento. Havia civis piores, que tinham interesses, e nós éramos contrários.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Antes de eu ir para o Governo Federal, eu estava com o Hélio Beltrão. A Petrobras estava tomando corpo e eu já falava em Comunicação. Eu era um sonhador. A Petrobras era pequena, ela não tinha aquele prédio, ela se localizava na Rua Buenos Aires em prédios menores. Um dia, alguém procurou o Hélio Beltrão, que era muito ligado aos movimentos da Petrobras, e falou: “Escuta, nós queríamos umas palestras sobre Comunicação.” E eu fui fazer umas palestras, não me lembro em que ponto da Rua Buenos Aires. Tinha umas pessoas reunidas, que foram os primeiros a fazer Comunicação lá. O meu primeiro contato com a Petrobras foi através dessas palestras. Eu nem sonhava em trabalhar na Petrobras. A empresa estava começando, criando seus quadros de funcionários. Ainda era na Rua Buenos Aires, em um prédio que eles tinham. Segundo contato com a Petrobras: eu na Presidência da República, com todas as televisões – eu tinha um tempo diário nas televisões e nas rádios para poder veicular mensagens. A Petrobras não era pujante como hoje. Ela produzia – sei lá – 200 mil barris logo no início, não era pujante, não tinha recursos. Aí, o General Barros Nunes me procurava e dizia: “Rabaça, nós não temos recursos e precisamos veicular mensagens sobre a importância da Petrobras, da história da Petrobras, da origem da Petrobras. Naquele momento, a filosofia da Petrobras era olhar para trás, para “o petróleo é nosso”. Essa era a mensagem que passavam. E eu usava os meus canais abertos, não ia dizer não a Petrobras. É claro que tudo pedindo autorização ao Coronel – depois General – Otávio Costa. E ele: “Rabaça, dá todo o apoio.” Fazia cartazes para a Petrobras. Começou a haver uma parceria entre a Comunicação do Governo Federal e a Petrobras. A Petrobras se utilizava do tempo disponível na mídia em geral, do tempo que a Presidência da República tinha, e nós veiculávamos. Então houve uma aproximação pessoal com o General Barros Nunes, o General Cacau, como era seu apelido. Eu estou querendo me lembrar do adjunto dele; havia essa figura. Barroso O Barroso faleceu recentemente. Aliás, ele tinha sido casado com uma grande cantora chamada Inesita Barroso. O Barroso era o adjunto do General Barros Nunes. A minha aproximação com a Petrobras foi por meio desse apoio, mais nada. Não me lembro dos cartazes que eram feitos – eu confesso – porque eram da Petrobras, eu não tinha maior interesse. Eu aprovava, porque tinha que aprovar, mas era: “A Petrobras é dos brasileiros...” A gente não pode esquecer que, durante a Ditadura dos militares, a Petrobras era totalmente fechada à imprensa. Presidente não dava entrevista, diretor não dava entrevista. Começaram a criticar, porque as pessoas queriam os resultados da Petrobras imediatamente. Não é assim. É a mesma coisa que a mentira de hoje. O Lula fala da Petrobras como se tudo fosse feito por ele. Esses resultados são fruto de todo o investimento que foi feito no passado. Eu não estou sendo crítico a esse Governo, estou sendo crítico à postura do Governo. Aplaudo pela economia que vai bem e tal, mas sou contra porque é uma postura mentirosa. Na Geologia, para se poder obter um resultado aqui, leva-se anos pesquisando e perfurando até achar. É muito difícil. É muito difícil. Houve todo o investimento nesses anos todos para se chegar aonde chegaram. O próximo governo, o outro governo ainda vai encontrar mais porque esse Governo continua também perfurando e continua investindo nisso. É injusto achar que tudo está acontecendo agora. Está acontecendo porque houve uma pesquisa geológica nos anos anteriores. Em função disso, a Petrobras era fechada, não falava com a imprensa e começou a ser malhada porque os resultados ainda não existiam. Os anos se passaram, o meu caminho se seguiu, eu saí da Presidência da República. Voltei a dar aulas, mas aí fui ser executivo. Quando eu voltei a dar aulas, pelo trabalho que eu tinha feito, imediatamente eu fui chamado para ser diretor da Shell. E eu fui diretor da Shell durante cinco anos, e foi o lugar onde eu mais aprendi. Quero dizer isso com toda a sinceridade. A experiência dessas empresas multinacionais é fantástica. Fui para Londres, voltei e fui ser da Shell. O meu caminho era para disputar a vice-presidência, a presidência, talvez não chegasse, mas o meu nome era cotado para chegar lá em cima. Mas eu comecei a me sentir infeliz, comecei a achar que não era o que eu queria. Porque o meu sonho era ter liberdade de falar, o que em uma empresa multinacional você não tem. Não é que eles te proíbam, mas você tem um objetivo de marketing, tem que ter resultado. Eu queria xingar, eu queria gritar, eu queria participar da vida política brasileira. Tanto verdade que eu já diretor da Shell, houve a sucessão da Presidência da República e quem era o candidato? O General João Batista Figueiredo, que tinha sido meu colega. O Figueiredo era o chefe do Gabinete Militar no tempo do Médici. Eu não acreditava no Figueiredo. Havia uma contra-candidatura, apoiada inclusive pelas esquerdas, que era o General Euler Bentes.
Aí, eu como diretor da Shell, fui escrever os discursos do Euler Bentes. Eu fui até a direção da Shell e disse: “Eu não posso continuar.” “Você enlouqueceu Rabaça? Nós estamos vendo você assim, assado, o futuro da empresa...” “Não dá, eu estou me sentindo infeliz. Não dá.” Levei seis meses para sair. A Empresa me tratou com a maior dignidade, me deu tudo o que eu queria, foram maravilhosos.
INGRESSO NA PETROBRAS Quando eu saí da Shell, fui tentar uma empresa que era o meu sonho, mas é difícil. A gente pode ser competente, mas quando saímos de uma grande marca, de uma grande organização, até criar a própria marca é o diacho, é difícil. O que aconteceu? Eu estava organizando a minha empresa e, um dia, eu recebo um telefonema do General Medeiros, que tinha sido meu colega na Presidência da República: “Rabaça, você pode vir a Brasília? Estou te mandando uma passagem.” “Não precisa.” “Não, eu quero conversar com você.” Quando eu chego ao Gabinete Militar do Figueiredo – que eu fui contra, todo mundo sabia que eu contra, saiu até entrevista minha no Pasquim – ele disse: “Rabaça, a Petrobras está sendo arrebentada. Todo dia está sendo criticada. Todos falam mal da Petrobras. O Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e o Estado de São Paulo – sobretudo esses dois veículos – são terríveis.” E eram os jornais que pautavam as rádios, as televisões. Hoje, com essa tecnologia toda a informação é em tempo real para toda a mídia, há uma convergência de vários meios para a mídia, mas naquela época o jornal era o mais importante. Não é menos importante hoje, mas era o único. Eu entendi do General Otávio Medeiros, que era um dos poderosos do presidente da República, o General Figueiredo, que precisava de uma empresa para prestar serviço, porque eu estava começando com a minha empresa. Fiquei contente. Já imaginou, começar com um cliente como a Petrobras? E falei: “aceito”. Não era. Era para assumir o lugar do General Barros Nunes. Botaram logo o meu nome na Veja, botaram isso, botaram aquilo. Aceitei. Foi um período fantástico. Foi em 1979.
COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL Eu cheguei a um ambiente em que, por mais que eles quisessem fazer comunicação, o General Barros Nunes e o Barroso não conseguiam. Por quê? Porque havia uma tradição de governos, de presidências militares, General Araken, General Geisel – eu não estou falando mal deles, mas o militar é fechado na informação, ele não queria dar satisfação. Ora, a Petrobras era uma empresa pública, que tinha ações no mercado. E a Petrobras crescendo, mas não se dava a menor satisfação. No debate público, não respondia às críticas da imprensa, não se falava. Quando o Medeiros me chamou e que eu entendi primeiro que era consultoria, depois eu vi que não, era para eu assumir, eu fui a Brasília e disse: “Aceito, com uma condição.” O presidente da Petrobras era o [Shigeaki] Ueki, o “japonesinho do Geisel”, como era chamado. As pessoas tinham horror ao Ueki. Eu fui com o Ueki a Brasília e disse: “Eu topei, mas tem uma coisa: é como eu quero. Senão, por favor, eu agradeço a gentileza, mas me dêem a liberdade.” E me deram. Eu tive carta branca. E aí eu comecei: primeiro – desculpem, não é vaidade, vocês estão ouvindo outras pessoas da Petrobras, mas eles sabem disso – eu abri os canais da Petrobras para a imprensa. De que forma? Criei uma sala de imprensa para que os jornalistas viessem. Comecei a levar a diretoria da Petrobras inteira para almoçar nos jornais com os diretores de redação com os diretores, aberto, para que perguntasse o que quisessem e falassem. Eu estou dando saltos. Houve toda uma política escrita para isso. Comecei – em relação ao público externo – a me relacionar com os sindicatos. Sindicalista não era recebido pela direção da Empresa. O chefe da área de Recursos Humanos – uma pessoa admirável, mas milico também – era o Coronel Darci. Ele agia como Diretoria de Pessoal ou Superintendência de Pessoal, o superintendente era quase diretor, ele se fechava. Eu falei: “Venham para a minha sala”. Os sindicalistas que ameaçavam greve, eu chamava. Eu passei a considerar os sindicatos como público interno e era, e é até hoje. São da maior importância. Jacob Bittar cansou de bater papo comigo. Ele falava: “Mas Rabaça...” Eu: “Calma, cara, vamos devagar, não posso dar um salto. Eu já estou abrindo a porta para você, você está sentado na minha sala. Vamos conversar e eu ver de que forma posso ajudar e me colocar ao lado de vocês.” Eu passei a ser também um porta-voz do sindicato junto a Presidência, junto a toda a Diretoria, porque eu despachava com o Ueki todos os dias às sete e meia da manhã. Eu já chegava com os jornais todos lidos. Eu gosto de trabalhar com cenários. Que cenário eu estou vendo hoje e para o futuro, o que a gente deve fazer. Todos os dias eu despachava com ele. Comecei a quebrar uma tradição conservadora de não-informação. Eu me lembro que o Ueki, às vezes, dizia assim: “Rabaça, no news, good news” – sem notícias, boas notícias. Eu falava: “Peraí, eu não vou forjar notícia, mas eu quero estar aberto, sensível às informações da mídia e de tudo o mais.” Comecei a visitar os editores, comecei a promover visitas dos jornalistas às refinarias para conhecerem. A Petrobras não é a da Avenida Chile, nem da Almirante Barroso. A grande Petrobras está no campo. Esses são os heróis, não quem está no ar refrigerado. O herói da Petrobras é quem está no campo, quem está na refinaria, quem está nas fábricas. Esses são os heróis, esses carregam a Petrobras nas costas.
COMUNICAÇÃO / SERCOM Mudei o nome da área de comunicação de Serpub (Serviço de Relações Públicas) para Sercom (Serviço de Comunicação Social). Como eu entendo a comunicação? A comunicação é o meu encontro com a realidade mutável que me cerca. A comunicação não é mídia só. A comunicação é princípio e valores. A comunicação é passar esses valores para o público interno. Eu comecei a fazer reuniões com cada departamento para explicar a política de abertura total. Eu criei um coral – havia um quando eu entrei, mas ainda incipiente. Chamei o grande Maestro Armando dos Prazeres, meu colega na Universidade que fortaleceu o Coral e criou a Orquestra Petrobras, que hoje é fantástica. Nasceu nas mãos de Armando dos Prazeres, com uma política nascida dessas mãos. Comecei a fazer concertos no Edise – parece que continua, não sei – lá embaixo no intervalo do almoço. Para quê? Para que os funcionários descessem e, após o almoço, ouvissem músicas, orquestra tocando música clássica e levava a também a direção da Empresa. Para quê? Para que as pessoas acreditassem nisso. Comecei a levar orquestra para as refinarias, para os concertos nas igrejas. Criei um jornal interno, que não havia. Havia um serviço de som , que eu peguei e alterei, botei uma musiquinha na hora da saída, na hora da entrada. Criei um jornal interno, criei os Cadernos Petrobras. O que eram os Cadernos Petrobras? Eram caderninhos simples, comecei a criticar o luxo com que se faziam as coisas, que, aliás, voltou-se a fazer agora. O papel utilizado era caríssimo Pode-se ter bom gosto sem gastar tanto. E, naquele momento, não era a Petrobras de hoje, era uma Petrobras que ainda não era auto-suficiente.
REVISTA PETROBRAS A Revista Petrobras não tinha uma política definida. Inicialmente era só para o público interno, depois passou para o público externo. Eu dei uma parada na Revista para poder transformar os recursos que eu tinha em coisas mais objetivas para informação da mídia. Eu criei os Cadernos Petrobras, com a história da exploração, a produção, tudo. Até hoje você vai a editores dos jornais e eles têm guardado. Era uma coleção um pouco menor, mais modesta. Muita gente fala: “Mas Rabaça, por que você acabou com a Revista?” “Porque a relação custo-benefício não se justificava”. Hoje a Petrobras pode fazer o que ela quiser porque tem dinheiro que não acaba mais, mas naquele momento não, e eu tinha que trabalhar com um orçamento muito contido. A Petrobras não foi o tempo todo rica como ela é hoje. Nós tínhamos severas restrições orçamentárias. Eu tinha que definir prioridades. Foi criado um jornal interno, foram criados os Cadernos Petrobras, foram criados programas ligados ao economizar, de economia, em parceria com empresas de fora. Eu abri para a Petrobras parcerias com entidades, o que existe até hoje. Existem “N” parcerias com empresas hoje. Acusava-se a Petrobras de ser uma empresa isolada, que não dava bola para ninguém. Eu falei: “Nós temos que dar satisfação aos outros também. Vamos fazer parcerias com outras entidades, parcerias com jornais”. Começamos a fazer cadernos de profissões voltados para a área de petróleo para poder estimular as pessoas a procurarem a geologia, porque já se vislumbrava que nós pudéssemos descobrir campos férteis como estamos descobrindo.
COMUNICAÇÃO / ESTRUTURA
Inicialmente, eu reformulei completamente. O que eu fiz naquela ocasião foi definir a administração por objetivos, em vez de ficar aquela coisa para satisfação só interna – eu precisava atingir um objetivo junto à imprensa, junto aos sindicalistas, junto às Prefeituras onde a Petrobras estava, porque havia sempre problemas sérios no relacionamento das refinarias com as comunidades. Comecei a atuar nas comunidades com orojetos de saúde pública, por exemplo. Não bastava só a Petrobras ser um campo em que o funcionário estava muito bem e a comunidade em torno, muito mal. Comecei a fazer campanhas voltadas para a saúde, para a higiene. Comecei a fazer campanhas voltadas para a criação de bibliotecas nas comunidades. Tudo isso nasceu nessa época. Eu tenho muito orgulho de dizer isso. A minha prioridade foi o público interno, daí o jornal. A revista não tinha periodicidade, essa é a verdade. A revista saía uma aqui, outra daqui a tantos meses. Nós definimos três tipos de política na ocasião. Nós definimos como prioridade uma política de comunicação interna, voltada para uma série de eventos internos e a criação de um jornal. Criamos o jornal-mural, não havia jornal-mural da Petrobras. Havia uma coisa muito quadrada. Eu considerei comunicação interna os postos de gasolina, embora pertencessem a particulares, eu considerei como funcionários que recebiam também para trabalharem bem. O frentista que trabalhava lá no posto de gasolina era comunicação interna. Tinha a comunicação externa com a imprensa, com a mídia em geral, e tinha a comunicação
para o exterior, que eu criei: como nós atuaríamos lá fora – porque a Petrobras já estava associada lá fora, começando a aprender – hoje é talvez a melhor escola geológica offshore – estava lá no Mar do Norte, se associando a Shell. Eu trazia essa experiência, o cara que estava lá fora do Brasil, precisava ter uma comunicação especial. Tinha uma área, que era o Góes quem comandava, de Relacionamento Internacional. Hoje, se não me engano, é uma diretoria. Mas, na minha época, estava dentro da Comunicação.
Em primeiro lugar, é preciso entender o perfil do General Barros Nunes: um homem admirável, um homem sério, mas não era um homem de comunicação. O General Barros Nunes era um homem intimamente ligado ao General Ernesto Geisel, que mais tarde foi Presidente da República. Todos nós sabemos que o General Geisel foi Presidente da Petrobras por muitos anos e chamou o General Barros Nunes, colega de farda, não era um homem de comunicação. Ele era um homem da confiança do General Geisel. Ele se instalou no Serpub, o Serviço de Relações Públicas da Petrobras, constituiu a sua equipe. Uma equipe que tinha bons profissionais, mas naquele momento histórico do Brasil era um momento em que a informação não era dada, nós vivíamos uma ditadura, nós vivíamos um domínio do militar sobre a sociedade civil. Então, a Petrobras não estava absolutamente preocupada em dar satisfação ao público, não por um defeito, mas por uma formação do seu dirigente – diria mais – do perfil do próprio presidente da Petrobras. Quando o General Araken foi presidente, ele ainda tentou, mas o General Araken nas Forças Armadas não tinha a força do General Geisel, que foi um homem muito forte. Eu o conheci, ele era um homem muito forte, aliás, de inteligência diferenciada, mas de uma formação de caserna, de uma formação fechada. E ele passava isso para a estrutura da Petrobras. A estrutura da Petrobras era uma estrutura militar. A estrutura da Petrobras tinha o clima de um quartel. Isso não significa uma crítica, significa o atestado da verdade. A verdade era essa. Evidentemente, a Petrobras não tinha a preocupação em informar o que ela avançava, o que ela progredia.
Ela julgava que estava fazendo o certo, mas não tinha ainda esse sentido da informação, não possuía essa característica. Aliás, o Brasil não possuía. Ainda hoje, há instituições assim, que não se preocupam em informar, quando nós nos esquecemos que a informação pertence à sociedade. A sociedade precisa ser informada. E naquele momento não havia essa informação, o General Barros Nunes acompanhava essa orientação.
COTIDIANO DE TRABALHO A Petrobras era muito para dentro, muito para os seus funcionários. Com isso, as críticas aumentavam muito, porque o Brasil, quando o General Geisel saiu da Petrobras e foi ser presidente da República, começou no seu Governo um processo de abertura que foi implantado pelo General Golbery. É preciso dizer o seguinte: o General Golbery estava 50 anos na frente dos outros militares. Ele era muitas vezes incompreendido porque ele era um grande intelectual, ele era militar e intelectual, autor do melhor livro de geopolítica que já se escreveu nesse país: “Geopolítica do Brasil”. O General Golbery já intelectualizava o que ele chamava de abertura, distensão. Por quê? Porque, antes, as Forças Armadas se dividiram. Essa história: “Houve um sistema militar que dividiu o país...” Mentira Os militares dirigiram o país dividido, porque havia o grupo dos liberais que entendia – como Castelo Branco, como Golbery, como Otávio Costa, como Ludwig – que o poder deveria ser devolvido aos civis, à sociedade civil, não era missão do militar, mas havia o grupo – como Costa e Silva e outros mais – que queria manter o poder, porque o poder é afrodisíaco, porque o poder é encantador. Ninguém morre no poder, é conservado como se fosse no formol. Aliás, estamos vivendo esse momento hoje com o Lula, que é a mesma coisa. Tudo o que ele criticava, ele faz. Tudo o que ele criticava nos outros, ele faz. O poder é terrível. Poucas pessoas passam pelo poder mantendo-se inteiras, coerentes. Pois bem, o nosso Golbery começou a intelectualizar a abertura. E o Geisel que dizia: “a democratização deve ser lenta e gradual”, porque ele compreendia que não podia ser da noite para o dia. Ele estava certo, tinha que ser um processo para que as instituições se fortalecessem, o legislativo e o próprio judiciário. O Senhor Geisel estava naquele processo querendo lançar a abertura. Ele era um homem preparado, mas era um homem, senão me engano, de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, uma cidade de formação protestante, uma formação muito fechada. Ele era um homem preparado, entendia que era preciso abrir, respeitando a cabeça do seu fiel amigo, chefe do seu Gabinete Civil, Golbery, mas ao mesmo tempo, ele tinha que “jogar” com a pressão dos radicais que: “Esse país precisa continuar sendo dominado pelos militares”, aquele discurso de quem quer continuar. E a Petrobras, uma grande empresa, uma empresa que crescia – petróleo é uma atividade fantástica – a Petrobras seguia e ficava fechada. O Geisel quando era Presidente manteve, pela sua própria formação, aquela fechadura, mas não havia abaixo dele alguém que dissesse: “General, vamos abrir um pouco mais as portas da Petrobras para a sociedade brasileira.” O que o Governo Geisel faz? Ele abre os contratos de risco. O que é isso? A Petrobras é competente? Sem dúvida alguma, mas existem outras escolas geológicas até com mais experiência. Vou citar a escola geológica da Shell, antiqüíssima, da Exxon, antiqüíssima e que estavam descobrindo no Mar do Norte. A aceleração da produção, da descoberta, da exploração e da produção do petróleo, levaram o Governo a fazer os contratos de risco. O Brasil vinha lentamente explorando e produzindo e percebeu: “Por que não trazer outras escolas geológicas que pensam diferente?” Não pensam melhor, pensam diferente. Hoje, a Escola Geológica da Petrobras é tão importante, eu diria, é mais importante em offshore – em pesquisas de profundidade – do que as outras escolas. Se não é tão melhor, é tão competitiva quanto às outras, mas naquele momento não era. Então, o que ele fez? Ele abriu aos contratos de risco, ele que era um homem de formação fechada, esta é a verdade. O Senhor Geisel percebeu: “Vamos trazer outras escolas” e ofereceu os contratos de riscos. Se descobrirem, tem que pagar os impostos, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, uma parte do óleo fica para a empresa, a outra parte fica para a Petrobras. “Qual o problema? Vamos fazer isso. É melhor riqueza explorada do que a riqueza toda a vida lá debaixo da terra.” E foi o que aconteceu. É preciso entender que houve passos no Governo Geisel. Aliás, a Petrobras, fruto de muitos anos de conservadorismo em termos de informação, em termos de atitude, reagiu muito aos contratos de risco. Os próprios geólogos reagiram, mas o Geisel peitou e passou. E, cá para nós, um sucesso extraordinário. No momento em que nós discutimos o pré-sal, estamos discutindo porque nós chegamos à auto-suficiência: o crescimento, as descobertas a partir dali, pelo desenvolvimento da escola geológica da Petrobras, mas também pelo trabalho de não sei quantas empresas – eu não tenho o número, perdi de vista isso – que vieram para o Brasil perfurar para encontrar petróleo.
IMAGEM DA PETROBRAS A comunicação é sempre adjetiva. O que é substantivo é o fato e a comunicação começou a acompanhar isso. No Governo Figueiredo, o presidente da Petrobras era o Shigeaki Ueki, que tinha sido ministro das Minas e Energia do Governo Geisel. O que faz o Governo Figueiredo? “Puxa vida, a Petrobras está levando muita paulada” Porque a Petrobras naquele momento começou a ser muito criticada pela imprensa. O Jornal do Brasil batia e o Estado de São Paulo, que eram os dois maiores do país, batiam na Petrobras porque ela não informava. Batiam em cima da Petrobras, mas criticando a Comunicação. Começou a criticar o General Barros Nunes, começou a criticar o presidente da Petrobras, o Ueki. Começou a onda do japonesinho do Geisel, que era o apelido dele no governo, quando ele era presidente da Petrobras. Praticamente demitiam o Ueki pelos jornais. A imprensa começou a agir muito. Foi quando Brasília decidiu: “temos que dar um jeito nisso. Temos que acabar com essas críticas à Petrobras.” E qual foi a minha surpresa? Me telefonaram para que eu fosse a Brasília. Quem me chamou foi o General Otavio Aguiar de Medeiros, se não me falha a memória, já falecido. O Medeiros era Coronel quando eu servi à Presidência da República. E me chamaram por quê? Porque realmente, no tempo da Presidência da República, sob o comando do Otávio Costa, Bahiana Soares, eu, Camargo, houve um sucesso, funcionou. Eles me chamaram. Eu cheguei lá e, naquele momento, eu estava sonhando em criar a minha empresa, o General Medeiros, conversando comigo, falou: “Rabaça, nós gostaríamos que você fizesse um trabalho para a Petrobras.” Eu confesso a você que naquele momento eu achei que o convite era para a minha pequena empresa que estava começando. Eu falei: “Ótimo, fiquei feliz. Vamos lá. Eu acho que a Petrobras precisa de um trabalho realmente.” Mas não era para isso. Era para eu assumir o lugar do General Barros Nunes. Quando eu percebi, o próprio Governo criou uma situação com veiculações na Veja, nos jornais que eu ia assumir, e eu não pude dizer não. Fui, então, me aconselhar com o General Otávio Costa que tinha sido meu chefe na Presidência da República. Ele falou: “Rabaça – aquela coisa de militar – isso é uma missão. Aceita a missão.” Eu aceitei a missão com a exigência de formar a minha equipe e de mudar o que fosse necessário. Eu mudei. Levei um adjunto, um professor que tinha sido meu professor na Universidade e depois levei-o, quando eu estava na Presidência, para ser o diretor de Cinema Educativo do Instituto Nacional do Cinema, o professor Cláudio Figueiredo, meu adjunto. Mantive o Celso Mansur, um extraordinário jornalista que eu respeitava e respeito – a minha frustração é não conseguir levar o Mansur para a minha empresa, porque ele gosta de ficar trabalhando, servindo a Petrobras e eu acho que ele faz bem – Mansur, meu amigo e um grande profissional. Mudei os chefes todos das outras divisões. Eu mantive o Mansur na Divisão de Assessoria de Imprensa. Mantive o Góes como chefe da Divisão Internacional. Toda a área internacional era cuidada por nós com o Góes. Trouxe de fora um ex-terrorista chamado Gustavo Barbosa, hoje diretor da minha empresa. Ele foi meu aluno e se envolveu na época de 1964, vou repetir porque não é para corrigir, chamando de golpe ou de revolução, não interessa, no movimento que houve o Gustavo Barbosa estava envolvido, a minha função ajudou-o, como a outros também – eu falo isso com vaidade e com orgulho. Chamei-o e não foi fácil porque o nome dele estava em todos os órgãos de segurança e eu tive que fazer um trabalho, fui e voltei a Brasília várias vezes para dizer quem era Gustavo Barbosa, a qualidade intelectual, uma pessoa de bem que julgava que estava salvando o Brasil naquele movimento. Aceitaram e ele foi ser o chefe da Comunicação Interna. Minto, eu não sei se mantive ou promovi o Antonio César Cabral, que hoje é empresário, engordou muito, era um rapaz magro. O Antonio César eu mantive, estou me lembrando agora, na parte institucional, publicidade etc. Na área de recursos audiovisuais, eu levei o Janir – eu soube que ele faleceu recentemente, uma alma boa –, que estava numa função inferior. Eu mudei o nome de Serpub, porque o conceito de relações públicas era um conceito muito “para aquele grupo e para trabalhar para o presidente”. Criei o Sercom, Serviço de Comunicação, porque havia um sistema. Nós não servíamos apenas ao Edise, ao edifício sede, nós tínhamos que servir a BR, à Interbras, à Petroquisa, não me lembro de todos os nomes, mas ao sistema Petrobras. Nós tínhamos que trabalhar para eles todos através de um sistema em que a política de comunicação nascia ali e cada empresa ajustava essa política à sua realidade. A minha equipe tinha que participar da minha filosofia de comunicação. Imagine o volume de trabalho Aumentou terrivelmente. Eu não estou mais em idade de mentir, aliás, não se deve mentir nunca, ainda mais com a minha idade se deve dizer a verdade: foi uma revolução dentro da Petrobras. Nós mudamos a comunicação da Petrobras. Não sei se foi para melhor, mudamos. Sabe por que eu não sei se foi para melhor? Porque atrapalhamos muita gente que usava a Petrobras de uma forma... e vou citar exemplos históricos. Nós mudamos muita coisa na Petrobras. Fizemos um trabalho com a Imprensa e acabaram as críticas, a Petrobras começou a ser entendida. Criamos veículos externos.
IMPRENSA A comunicação não se faz e não se transforma com slogans, não é por aí. Ela se faz por meio de relacionamento. O que a gente fez com a Imprensa? Em vez de ficar mandando press-release, eu defini na Imprensa que nós precisávamos trabalhar três níveis: o nível empresarial, o nível dos editores, diretores de redação e aquele que acompanha a Petrobras, quer dizer, o jornalista, o dia-a-dia do jornalista que trabalha o produto. Por que os empresários? Para dizer: “Nós não somos bandidos.” Foi assim que eu levei a diretoria da Petrobras para conversar com o Nascimento Brito, que era o dono do Jornal do Brasil, com o Doutor Roberto Marinho, que era o dono do Globo e das Organizações Globo, com o Doutor Frias, da Folha de São Paulo, com a família Mesquita, do Estado de São Paulo, com – não me lembro o nome exatamente – o responsável pela Gazeta Mercantil, e assim por diante. Fomos ao Correio Brasiliense, ao Jornal de Brasília, conversar com as direções: “Gente, a política mudou”. Esse era o nosso recado: “Nós agora vamos dar satisfação dos nossos passos diariamente e a nossa casa está aberta.” Criamos uma sala de Imprensa grande e boa para que os jornalistas ali permanecessem e que se especializassem em petróleo, porque havia pouca especialização. Era preciso que os jornalistas aprendessem: cursos para jornalismo sobre a área de petróleo. Fomos às redações: Walter Fontoura, Paulo Henrique Amorim, no Jornal do Brasil, no Globo, – meu Deus, vão me faltar os nomes – quem ocupava as diretorias de redação e os editores passaram a ter um tratamento, primeiramente pessoal, e dizíamos: “Qualquer coisa, me telefona. Se o seu jornalista tiver dificuldade, me fala porque aí eu vou dar um jeito aqui.” E isso aconteceu algumas vezes: “Rabaça, você fala que o jornalista vai ter informação...” E eu dava um puxão de orelha na minha equipe: “Atende direito o camarada, dá toda a informação.” Criamos veículos com as televisões. O Sábato Magaldi me ajudou na Rede Globo, o Walter Clark também, esse então, meu irmão também. O pessoal começou a perceber que a Petrobras estava aberta para ser informar e para criticar a Petrobras. Levamos algumas pauladas nesse processo, mas nós íamos lá e respondíamos. Nada ficava sem resposta. Criamos veículos diretos, os Cadernos Petrobras, que eram cadernos simples, mas com documentos. Mandávamos para todos os editores, mandávamos para o Legislativo, para o Judiciário.
CADERNOS PETROBRAS
Não fui eu o autor dos Cadernos Petrobras, que existem até hoje, com formato diferente. Sabe quem é o autor dos Cadernos Petrobras? Tancredo Neves. Sabe como? Quando eu assumi a função, eu fiquei tonto. “O que eu vou fazer? Eu vou ter que mudar isso completamente, eu não concordo com nada que está sendo feito. Eu vou a Brasília. Vou visitar o Legislativo” – que era meio fraquinho e tal, ainda na época militar, estava começando o processo de distensão. “Eu vou a Brasília conversar com os líderes políticos. Vou aos Quartéis Militares em Brasília para conversar, vou ao Tribunal de Contas.” O meu estilo é esse, é chegar e resolver, falando francamente. Eu me lembro que eu entrei no avião, aqui no Galeão, o avião lotado e eu estava numa ponta. Naqueles três lugarezinhos, havia no meio um lugar vago. Eu pensei: “Ainda bem, vou à vontade”, porque nos aviões a gente vai sempre apertadinho. Qual a minha surpresa?
O último a entrar no avião foi o Senador Tancredo Neves. Ele assomou lá ponta do avião e eu cá com meus botões: “Ih, acabou o meu conforto”. Mas o que eu fiz? Quando ele se aproximou, eu me levantei e me sentei no meio – lugar que eu abomino até hoje – me sentei em respeito àquele homem que eu conhecia a história. Ele percebeu o gesto, sentou-se ao meu lado. Eu estava lendo o Jornal do Brasil. Eu não o conhecia e tive o privilégio de ir até Brasília lendo o Jornal com ele. Ele era muito engraçado, ele falava cuspindo em você o tempo todo. Ele falava assim, meio cuspidor, mas uma cabeça fantástica. Começamos a conversar sobre as notícias do Jornal e, lá pelas tantas, ele falou: “Meu filho, você mora em Brasília?” Eu disse: “Não.” “O que você vai fazer em Brasília?” Eu disse: “Acabei de assumir um lugar na Petrobras”. Ele disse: “A Petrobras tem que mudar muita coisa. Primeiro tem que informar mais.” Eu falei: “Senador, a minha missão é essa. Estou indo a Brasília e eu precisava conversar”. “Você vai primeiro aonde? Tem algum compromisso?” Eu disse: “Não.” “Então, você vai comigo. Vamos direto para o Congresso. Eu vou te apresentar a quem você deve falar.” O Tancredo Neves falou: “Segundo: acaba com essas publicações luxuosas, caras. A Petrobras pensa que isso resolve. Isso não resolve. O que a gente quer é informação. Faz umas coisas mais simples. Se eu fosse você, eu fazia uns caderninhos”. O título Cadernos da Petrobras é do Tancredo, não é meu. O Tancredo falou: “Faz uns caderninhos explicando toda a linha da Petrobras, o que ela faz, as dificuldades, onde ela aprende, onde ela ensina”. Ele me deu a deixa e abriu uma série de contatos para mim em Brasília. Quando voltei, eu criei os Cadernos Petrobras.
REVISTA E JORNAL PETROBRAS Eu sei que certamente já houve colegas meus, amigos, até inimigos, que devem ter dito:
“Ah, mas na era do Rabaça acabaram a Revista Petrobras.” É verdade. E fiz muito bem, por quê? Porque a revista era caríssima, era luxenta e não tinha público definido para ela, e não tinha periodicidade, porque ela era tão cara... Ela ia para público externo, público interno. Ora, veículo tem que ter um público definido. Isso é o segredo de qualquer veículo. Aliás, na hora, eu não disse que acabaria, eu acho que eu menti, a intenção não foi mentir, mas quando eu saí não deu e o que eu disse foi o seguinte: “Nós vamos descontinuar a revista para traçarmos uma nova linha editorial para segmentar”, mas não houve tempo de fazer isso. Vou contar ainda porque não houve tempo porque é um fator histórico. Podíamos fazer um pouquinho mais barato, menos luxenta, porque essa foi a crítica do Tancredo e de outros em Brasília. A Petrobras não era a Petrobras de hoje, repito, era uma Petrobras que não era auto-suficiente, que importava petróleo e, no entanto, gastava uma fortuna nos seus veículos. Criamos então veículos ágeis. Não havia computador, então criamos o Informando. Era uma folhinha de papel. Perdão, até antes do Informando, criamos um Jornal Petrobras mensal. Era um jornal para todo o sistema, um jornal que unificava não apenas as empresas do Sistema, mas que unificava as refinarias e fábricas.
O Jornal era para todo o sistema, mensal, saía na data certa, com periodicidade etc. Segundo, como não havia essa instantaneidade que a tecnologia hoje nos propicia,
criamos um veículo chamado Informando. O que é o Informando? Por exemplo, acontecia um fato qualquer, e não se podia esperar um mês para sair no Jornal. Aquela folhinha explicava e era fixada nos quadros murais. Os quadros murais fixos, nós revimos todos, em melhores localizações, nas refinarias, nas fábricas, nos escritórios. O presidente passou a ter uma mensagem. Quando a mensagem precisava ser do presidente, não podia esperar o Jornal, era uma mensagem urgente, que ele precisava dar uma palavra aos funcionários, nós criamos um veículo chamado “Mensagem”, em que o presidente falava com todos os funcionários. Esta mensagem ia para a mesa do funcionário. Havia uma distribuição para todos os funcionários na mesa dele e assinada pelo presidente. Era a conversa dele com o funcionário. Sinceramente, eu ainda me emociono porque o funcionário passou a sentir diferente: “Puxa, a Empresa está preocupada em me explicar as coisas, o próprio presidente se dirige a mim.” Nós fizemos isso.
COTIDIANO DE TRABALHO A Comunicação Interna era dividida em duas áreas, me lembro agora: uma de veículos e outra de eventos. Começamos a criar eventos: projetos de criação de idéias, em que o funcionário ganhava prêmios, projetos de racionalização de energia, em que o funcionário ganhava prêmios, projetos de limpeza, projetos de economia: como realizar uma tarefa economizando. Começamos a fazer projetos que se transformavam em eventos, com premiação no auditório. Criação do Coral, quando trouxemos o Armando dos Prazeres. Veja, o Coral não nasceu na nossa mão. Havia corais nas refinarias, mas tudo sem política. Ele passou a ser o coordenador de todos os corais, com uma política. Havia maestros que eram dirigidos por ele. Ele era o sujeito que traçava a política. Na Petrobras, se não me engano deram o nome dele a não sei a quê. O Armando fez um trabalho excepcional. Era um professor maestro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde eu era professor e ele também. Eu o convidei através do meu adjunto, o professor Cláudio. Eu quero fazer justiça porque eu disse: “Cláudio, vai a Universidade e pergunta se o Armando aceita uma proposta financeira e tal”. E ele aceitou e fez um grande trabalho. Criamos a Orquestra, pequena inicialmente. Hoje é esta grande orquestra, dirigida pelo também meu amigo Isaac Karabtchevsky. Nós começamos a mudar essas coisas todas, começamos a fazer campanhas de economia institucionais, através do Antonio César, de economia de energia, através da televisão etc.
Nós fizemos um trabalho com a imprensa, não só a grande imprensa. Nós fizemos um trabalho de aproximação com a imprensa alternativa. O Pasquim, que era o grande alternativo da época, nós passamos a fazer um trabalho, explicando o que era a Petrobras. Muito me ajudou nisso duas figuras extraordinárias: o Senhor Jaguar, que hoje está no Dia, e o Mestre Ziraldo, que já tinha passado pelo Jornal do Brasil como cartunista juntamente com o Jaguar, com o Borjalo, com aquele que morreu, da Globo...meu Deus do céu, está me faltando o nome dele. Perdão, vai voltar. Eram nomes extraordinários. Eu fui a eles e disse: “Vocês sabem que eu não sou gorila. Ajudei muito vocês – quando eles eram presos, eu ajudei a liberá-los – eu estou na Petrobras, vocês sabem, e eu preciso que vocês me ajudem também divulgando essa mudança de atitude.” E eles me ajudaram. A Imprensa alternativa ajudava facilitando as informações do jornal para nós.
IMAGEM PETROBRAS Quando eu entrei na Petrobras, para os funcionários, a empresa era mais importante que o Brasil e eu passei a dizer a eles o seguinte: “A Petrobras está contida no Brasil. O Brasil é mais importante, portanto, ela precisa dar satisfação pública, ela precisa informar o público o que está fazendo, as suas vitórias e os seus fracassos. Ela é um instrumento, não é mais importante que o país. Responsabilidade Social da Petrobras não é só empregar gente, é desenvolver as comunidades, é se responsabilizar pelas comunidades onde ela se insere, é cuidar do meio ambiente. Hoje, a Petrobras é mestra nisso. Eu nem sei dos programas, eu leio e fico orgulhoso porque nasceu ali, foi quando a gente começou a se preocupar com o Meio Ambiente. Antonio César Cabral pode contar isso: fez um trabalho em Macaé extraordinário. A Petrobras chegando lá com as suas instalações e nós fomos fazer um trabalho comunitário em Macaé. Qual é a mentalidade, qual é a política que nós procuramos implantar? A Petrobras é servidora do país, ela é servidora da comunidade, ela não é mais importante. Responsabilidade social é devolver a sociedade aquilo que ela merece. Essa foi a nossa política. O Antonio César pode confirmar porque ele comandou esse estudo e esse trabalho de comunidade em Macaé. Esse é um exemplo dos muitos.
POLÍTICA Houve três fatos políticos muito importantes. Um foi a aproximação com os sindicatos. O Sindicato era crítico. Os sindicatos, comandados pelo Jacob Bittar, eram crítico da política dos contratos de risco, da Petrobras se abrir. O Sindicato pensava no seu interesse. Os Sindicatos não eram mais recebidos pela direção da Empresa. A gente não pode esquecer que o Ueki tinha sido ministro de um militar e ele era um civilico, se ele não era um milico inteiramente, ele era um civilico, ele batia continência. Tanto é verdade, que ele não dava bola para o ministro das Minas e Energia, que era um nordestino, o César Cals – ou César Calis, como se dizia no Nordeste. Ele não dava bola para o César, ele ia despachar diretamente com o Medeiros, que era o chefe do Gabinete Militar do Figueiredo. E, por sua vez, o filho do Medeiros, era o chefe de Gabinete do Ueki, Luiz Antonio Medeiros. Eu acho que está claro o que eu estou dizendo. Ele tinha um caminho direto, o que está errado. Havia um choque entre o ministro das Minas e Energia, mas vocês sabem que ainda hoje, o presidente da Petrobras é mais importante do que qualquer ministro. Então, o Ueki tinha um caminho privilegiado com a Presidência da República e não dava bola para sindicato. Nós entendíamos que não era assim. Eu – até porque tinha juízo – ostensivamente não contrariava o Ueki, até porque ele estava sendo muito beneficiado: acabou a história do japonesinho do Geisel. Ele só faltava me pegar no colo. No final, terminamos zangados. Já estamos de bem porque me encontrei com ele recentemente numa missa. As pessoas mudam. Todos nós mudamos e não vale a pena ter raiva de ninguém. Ele cometeu uma profunda injustiça comigo, mas isso é outra história. Mas o que aconteceu? Aconteceu que eu chamei o Gustavo Barbosa, o chefe da Comunicação Interna e falei: “Vamos atrair o Jacob Bittar. Você que atuou na esquerda como Jacob, diga a ele que eu o convido para fazer as reuniões da sua diretoria na minha sala. Eu quero conversar com ele.” O Gustavo fez isso e o Jacob e toda a direção do Sindicato veio conversar comigo e acabou a agitação sindical dentro da Petrobras. Com toda a força do Ueki com a área militar em Brasília, se temia, porque os sindicatos da Petrobras sempre foram muito fortes e tem que ser fortes mesmo. E ficamos amigos, nos respeitando profissionalmente, cada um com as suas posições, mas civilizada e democraticamente conversando. A democracia, nós já praticávamos. Bom, esse é um capítulo político muito importante.
Segundo capítulo político muito importante: havia uma figura – com respeito porque já faleceu, mas com desrespeito em relação ao que ele fazia –, uma figura nefasta chamada [Alexandre Von] Baumgarten. Quem era Baumgarten? Era um aproveitador de situações que encantou o General Medeiros em Brasília. É preciso voltar a uma memória. Qual é a memória histórica? O Governo Figueiredo herdou do Governo Geisel a inspiração de Golbery para a abertura lenta e gradual. O Governo Figueiredo tinha um ministro da Comunicação chamado Said Farah, um jornalista muito preparado, ex-dono da Revista Visão. O Senhor Said Farah, no discurso inicial do General Figueiredo, presidente da República – ele é quem escrevia os discursos – fez um discurso admirável lembrando a memória do pai do Figueiredo, General Euclides Figueiredo, que era um liberal. E disse: “O compromisso do General Figueiredo atual é homenagear a memória de seu pai e nós faremos a distensão, nós faremos a abertura” – chamava distensão com o Geisel, depois passou a se chamar abertura. “Nós faremos a abertura”, comprometeu o Governo Figueiredo com a abertura. Não foi cabeça do Figueiredo, foi cabeça do Senhor Said Farah, que depois saiu do Governo. Acontece que o chefe do Gabinete Militar do General Figueiredo era o General Medeiros, que não queria a abertura e que sonhava em ser o sucessor do Figueiredo. Para ser o sucessor, não podia haver abertura. Abertura o que era? Devolução do poder à sociedade civil. O Figueiredo se encantava com as coisas, não estava nem aí. Eu conheci o General Figueiredo, que também serviu ao Governo, ao que eu servi. Era um homem bom, mas não estava muito ligado a essas estratégias de poder. O General Medeiros entendeu que devia apoiar uma revista que já estava morta a alguns anos para que ela promovesse o Governo. Naquele momento, a mídia já começava a criticar o continuado poder dos militares, era preciso uma revista que defendesse, que fizesse frente à Manchete. Essa revista que deveria ser ressuscitada chamava-se O Cruzeiro. A revista estava morta. Precisavam de uma nota preta para isso. Não seria fácil levantar uma revista desse tipo. O Senhor Baumgarten, apadrinhado pelo General Medeiros começou a pressionar as grandes empresas. A Petrobras era uma delas. Sabe quem era o homem do Baumgarten? Era o irmão do Senhor Hideo Onaga, assessor pessoal do Senhor Shigeaki Ueki. Esse moço me procurava para que? Para que a Petrobras desse 20 milhões de cruzeiros, que era muito dinheiro, para poder ressuscitar O Cruzeiro. Isso não foi só em relação à Petrobras, ele correu várias empresas privadas, mas as empresas privadas disseram: “Não, aqui não, comigo não.” Eu comecei a ser pressionado para poder liberar essa grana. O meu orçamento era imenso e eu tinha carta branca. Eu tinha um limite, mas tinha poder para fazer isso, é claro com os limites dentro das regras do jogo. O que eu fiz? Eu compreendi o jogo, eu não era cego. O professor Cláudio Figueiredo, logo depois saiu, voltou à Universidade e eu promovi o Celso Mansur, que era meu assessor de imprensa, a meu adjunto.
Pedi ao professor Cláudio: “Cláudio, segura aí o irmão do Hideo Onaga.” Esqueci o nome do cara, ainda é vivo. O Hideo morreu. Eu era pressionado pelo Hideo: “Rabaça, ajuda o pessoal.” Ele vinha com aquele papo de corredor, de cafezinho, de almoço. Eu dizia: “peraí, estou pensando, estou pensando.” Estava pensando nada, já tinha definido, mas eu tinha que equilibrar a situação. O Ueki não me dizia nada, mas o homem de confiança dele, que era o Hideo, me pressionava. E eu driblava o Hideo e o Cláudio driblava o irmão dele. Até que um dia – tinham que marcar para falar comigo, eu era muito ocupado e sempre me impus, onde eu passo, eu gosto de respeitar e ser respeitado –, meteram a mão na porta e era o próprio Baumgarten, que entrou na minha sala: “Eu estou vindo de Brasília, do Gabinete do General Medeiros. Vamos resolver essa situação.” Eu ficava no vigésimo andar, se não me engano, e o presidente ficava no vigésimo terceiro andar. Eu falei: “É simples: você saia da minha sala agora” – ele era um homem forte e tudo, mas eu também era – “saia da minha sala e vá ao presidente, fale com ele e não comigo.” Ele disse uns nomes feios, bateu a porta violentamente e saiu. Pela primeira vez, eu saí por uma outra porta peguei um elevador privativo que existe até hoje na Petrobras. Pela primeira vez, entrei na sala do presidente sem pedir licença. Muito irritado disse: “Presidente, está aí o Senhor Baumgarten, veio em nome do General Medeiros. Ele quer que eu dê 20 milhões de cruzeiros – um valor grande – para a revista O Cruzeiro. Eu não farei isso, se o Senhor achar que deve fazer, o Senhor pode fazer, eu não vou me opor, mas eu não farei.” Ele fez? Já dizia Galileu da Galiléia: “malandro que é malandro não bobeia”. Entendeu? Ele ia fazer? O Ueki é um homem trabalhador e muito inteligente.
Baumgarten tinha interesses empresariais. Certamente tinha sido oferecido a ele muita coisa. Por que ele teria esse interesse? Por que ele se escudar? Ele estava se escudando num interesse de um militar que estava na contramão do que o General Geisel lá atrás havia colocado em termos de abertura, isto é, ele queria fechar o regime outra vez. A Capemi quebrou por causa do Senhor Baumgarden. Foi má administração, mas a Capemi deu a grana para ele e se desmoralizou. Os jornais da época falaram sobre isso, foi um escândalo. É que o nosso país se esquece dessas coisas. A nossa memória é muito curta para coisas sérias.
Segundo ou terceiro fato. Isso é sério. Todos nós sabemos o que foi o Riocentro, aquela bombinha que estourou em um carro, em um Puma, no colo de um sargento, quando milhares e milhares de jovens estavam lá num Festival. Meus dois filhos homens, hoje um astrofísico e um jornalista, estavam lá. Eram meninos, mas estavam com jovens. Eu me emociono muito quando me lembro desse fato e agradeço muito a Deus o que aconteceu comigo em função deste fato. Como todos os dias eu chegava às sete e meia da manhã para despachar as notícias com o Presidente – todos os dias, sete e meia da manhã estava no Gabinete. O Ueki sempre foi muito trabalhador, um homem muito inteligente. Tinha os interesses dele, políticos, sei lá, não me cabe julgar. E eu fui conversar com o meu presidente, já com os jornais lidos e eu estava perplexo. Talvez até, na minha interpretação – que já vou dizer qual foi – mais perplexo porque meus filhos tinham estado lá. Eu falei: “Meu Deus, se acontece o negócio, tinha perdido os meus filhos” E eu disse mais ou menos o seguinte para o presidente Ueki: “A história do Brasil mudou. Acabou. A história terá uma nova história, porque isso é extremamente grave.” Pintei com tintas fortes a minha interpretação, certa ou errada, mas era a minha interpretação, como eu faço até hoje para os meus clientes. A minha interpretação política, o que, aliás, digo com vaidade, aconteceu mesmo, aquilo ali foi o ponto da grande mudança: “Não se pode mais manter essa situação terrorista”. Pela primeira vez, eu vi o presidente Ueki muito irritado comigo, foi até deselegante. Interrompeu a minha interpretação, ficou muito irritado. Sem me expulsar, praticamente me expulsou da sala. Eu fiquei muito triste. O Celso Mansur, que certamente já deu entrevista para vocês, pode contar a seguinte história: eu desci e chamei o Mansur que já era meu adjunto e falei: “Mansur, não sei o que aconteceu.” Contei ipsis litteris o que aconteceu no meu diálogo com o Ueki. “Eu não sei o que houve.” “Rabaça, eu concordo plenamente com a sua interpretação, mas esquece”. O Mansur tem essa qualidade extraordinária. Eu fiquei decepcionado, tanto pelos resultados que a minha equipe apresentava, que era reconhecido e eu tinha consciência disso, mas pela reação absolutamente diferente que o presidente Ueki teve comigo. Não entendi. Vou voltar a essa questão porque é a sucessão de fatos. A minha relação com o Ueki se estremeceu muito a partir dali. Ele continuou o profissional que ele era, sem dúvida alguma, reconheço como profissional. Aquilo me magoou muito. Eu era representante da Petrobras na Arpel, uma organização que reunia empresas da América Latina e de outros países e eu tive que viajar. Fui ao México e outros países para representar, mas antes, como o Mansur já era o meu adjunto, eu tinha que nomear um chefe de Divisão para substituir o Mansur. Havia uma moça, chamada Maria Celi que era uma jornalista excepcional. Era a segunda do Mansur, excepcional. Eu tinha conversado com o presidente o seguinte: “Presidente, eu vim da Shell em que já há executivas.” Essas empresas internacionais, antes de fazermos isso no Brasil, já botavam mulheres em cargos de direção. “Vamos fazer isso? A Petrobras não tem nenhum cargo de direção mulher. Ela merece, é uma moça inteligente” “Mas ela é madura para isso?” “É madura para isso.” Ele concordou que a Maria Celi fosse a chefe de Divisão, substituindo o Mansur. Eu tinha essa viagem, viajei, saí. Quando eu volto da viagem, eu sou chamado e o próprio Mansur me deu a notícia: “Rabaça, o presidente mudou. Ele não quer a Maria Celi. Ele está trazendo um jornalista que trabalhou com ele no tempo do Ministério das Minas e Energias e ele é quem vai assumir o que foi o meu lugar.” Eu fiquei muito triste com isso. Subi para falar com o presidente para dizer a ele que eu não concordava com isso e que, afinal de contas, ele tinha concordado em ser uma mulher, não era só pela Maria Celi, era a mudança de uma política na Petrobras. Ele falou assim: “Não Rabaça, eu não concordo. Será fulano”. Um fulano que acabou sendo banido do serviço público da Petrobras, por coisas que ele fez lá. Não era o Atan, que foi banido também, me substituiu. Ele era amigo e subordinado ao Atan, esse rapaz. O Atan estava num nível acima dele. Esse rapaz, um gordinho, se eu pesquisar depois eu posso dar o nome, mas agora não me lembro. Se eu perguntar aos da minha equipe ou ao próprio Mansur, ele vai dizer logo. Era um rapaz absolutamente despreparado, mas tinha umas práticas que eu não sabia, ainda ficou pouco tempo comigo e depois, dentro da Petrobras, resolveram a vida dele: foi demitido a bem do serviço público, como aconteceu com o doutor Atan também. Não me lembro do nome dele agora. Bom, evidentemente que a minha posição ficou enfraquecida. E, ao ficar enfraquecida, um dia eu fui conversar com o Ueki, discordei do que ele disse e ele falou: “Rabaça, não esqueça que os cargos me pertencem.” Quando ele disse que “os cargos me pertencem”. Foi uma forma de ele me demitir. Eu saí triste. Me deram uma bonita sala para eu ficar. Eu poderia ter ficado lá toda a vida, mas eu tive, no dia seguinte, uma violenta crise de choro, sozinho. Me dirigi ao Serviço Pessoal. Eu não fiz carreira na Petrobras, eu fui chamado para resolver uma situação, que foi resolvida, vou embora. E fui embora. Fiquei muito magoado, confesso, com a própria Petrobras. Por que com a própria Petrobras? Burrice minha, porque eu briguei por ela e, até hoje, considero a Petrobras fundamental nos destinos desse país. Eu era apaixonado. Os grandes chefes de Divisão e os diretores da época, Carlos Santana, Belotti, se vocês falarem com eles sobre a minha paixão pela Petrobras, eles vão dizer a você. Eram diretores, o Carlos Walter morreu, tem outro que mora no Leblon, um senhor que está andando com dificuldade, todos eles são capazes de falar sobre a minha paixão pela Petrobras, que já era desde a Presidência. Quem não é apaixonado pela Petrobras? Considero fundamental, mas com essa condição: a Petrobras é para servir ao país, não é o país que deve servir a Petrobras. Essa é a minha posição até hoje, e é óbvia. Eu saí da Petrobras, montei a minha empresa de consultoria. Esta historinha é fantástica porque eu vou voltar ao problema anterior, à razão do Puma. A razão do Puma Fui dar consultoria e eu já estava fazendo um trabalho novo na Ipiranga, mudando a imagem da Ipiranga, mudando o logo da Ipiranga, já estava fazendo um trabalho de comunicação fantástico na Ipiranga. Com a minha empresa e tal. Um dia, o João Pedro Gouveia Vieira, ex-dono da Ipiranga – acabou de vender a Ipiranga – uns dois anos depois, virou-se para mim e falou: “Eu queria que você fosse a posse do Helio Beltrão como Presidente da Petrobras. Eu sei que o Ueki saiu e assumiu o Telmo Dutra” – que foi quem indicou o meu nome para a Petrobras. O Telmo Dutra era um Almirante, que foi meu colega no Governo Médici e foi quem lembrou do meu nome para o trabalho na Petrobras. Voltando, o João Pedro para mim: “Rabaça, o Telmo Dutra, que é seu amigo, está saindo da presidência da Petrobras e está assumindo o Hélio Beltrão, com quem você trabalhou na administração pública. Vai comigo. Vamos lá, vamos à posse.” As posses dos presidentes da Petrobras eram um negócio grande, em um salão, vinha a imprensa toda. Eu disse: “João, eu não vou. Eu não boto mais os pés naquele prédio.” O João Pedro falou: “Rabaça, é profissional o que eu estou te falando, não é pessoal. Eu queria que você fosse.” Eu: “Bom, eu estou prestando assessoria a você, ordem é ordem. Eu vou contigo.” E eu voltei a Petrobras para uma solenidade. Quando estou lá naquela fila imensa, naquele beija-mão, o João Pedro na minha frente, eu atrás. O João Pedro era presidente das Empresas Petróleo Ipiranga e era o presidente do sindicato das empresas distribuidoras de petróleo, uma pessoa muito importante. Ele cumprimentou o Telmo e quando chegou na minha vez, o Telmo: “Meu querido Rabaça Você está magoado comigo?” Porque o Telmo foi quem indicou o meu nome e achou que não me defendeu na época em que houve o desajuste com o Ueki. Eu falei: Telmo, esquece Eu já estou aqui e tal.” Nos abraçamos e ele falou: “Rabaça, vai ter um uisquinho num clube.” – na cidade existem uns clubes para executivos – “Você é meu convidado. Eu quero que você vá. Eu já falei com o João Pedro também.” Eu abracei o Hélio Beltrão e fomos lá para o clube. Estamos lá, tomando um uisquinho e... É chato fazer uma confissão assim, mas o meu coração ainda estava magoadinho, o meu coração, um tanto ou quanto feminino, ainda estava magoado.” No segundo uísque, eu encostei assim no Telmo e falei: “Me conta uma coisa. Eu não consigo entender até hoje o que aconteceu quando eu fiz aquela interpretação – e você soube disso, porque a diretoria soube – para o Ueki. Explodiu aquela bomba e eu disse que a partir daquele momento, tinha mudado a história, que a democratização era irreversível, que não podíamos continuar etc. Até hoje eu não entendi.
“O que aconteceu, Telmo?” O Telmo Dutra – é uma pena, ele morreu – disse: “Rabaça, você não sabia?” Eu falei: “Não sabia. O quê?” “Quando houve a explosão do Puma no RioCentro, havia três carros que davam cobertura, com pessoas da área de segurança de Brasília, e essas pessoas estavam em carros da Petrobras.” Por quê? Todo mundo que vinha da Presidência da República, se servia dos carros da Petrobras. A Petrobras emprestava os carros, é natural, não tem responsabilidade por isso, mas emprestava. “Você não sabia?” “Telmo, não me diga uma coisa dessas. Nunca passou pela minha cabeça um negócio desses.” Eu fico imaginando que havia um interesse – suponho – e que me interpretaram mal. Havia alguma coisa em andamento que foi interrompida naquele momento e eu apoiei a interrupção do andamento. Acho que é uma boa história para a memória da Petrobras. A Petrobras não pode ser usada. A Petrobras é uma empresa muito séria, tem uma missão muito séria e não pode ser usada por nenhum interesse político, por nenhum interesse econômico, por nenhum interesse financeiro. Eu me bato contra isso, por isso e vou me bater até a morte. A Petrobras é uma empresa fundamental para esse país, não é mais importante que o país, ela é um instrumento importante para esse país. Eu conto isso com o maior orgulho, porque pesou para mim, me deixou uma marca que está curada, mas ficou registrada, e hoje é motivo de orgulho. Essa história, eu posso contar porque ela é verdadeira. É uma pena que o Senhor Telmo Dutra não esteja vivo. Ele não ia inventar essa história. Foi no dia em que ele deixou de ser presidente da Petrobras, no uísque em que estavam eu, João Pedro, o chefe de Gabinete do Telmo Dutra, que também era da Marinha. Era um pequeno grupo, que ele considerava pessoas do peito dele. E ele praticamente pedindo desculpas porque não brigou por mim nesse momento. Ele era um diretor importante da área de Portos, de Navegação da Petrobras, um negócio dos barcos. Ele era o Chefe da área da Fronape. Tinha até esquecido. O Telmo Dutra era uma pessoa importante e era íntimo do Figueiredo, mas naquele momento, ou não interessou, ou, enfim, não estou cobrando nada. O Telmo era uma belíssima pessoa, e me contou. Sabe que essas coisas são muito subterrâneas, mas acontecem. Graças a Deus, a Petrobras não foi envolvida. Tenha certeza que aqueles que fizeram carreira na Petrobras, aqueles que criaram a Petrobras, não aprovam essas atitudes de jeito nenhum.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu continuei com a minha empresa de consultoria. Houve um interregno porque a família Roberto Marinho e o ex-diretor de Marketing da Globo, o grande Yves
Alves, que foi o homem que estruturou toda a área comercial, veio me falar: “Rabaça, conversei com o doutor Roberto, com o João Roberto, com o Roberto Irineu e o José Roberto e eles queriam que você dirigisse a Fundação Roberto Marinho. Houve então um interregno, porque fui dirigir a Fundação Roberto Marinho. Dirigi durante alguns anos e voltei à minha empresa. Hoje, estou na minha empresa.
Eu queria também dizer que o que mais me dá orgulho não são os cargos que eu ocupei. É claro que eu dei todo o meu sangue nesses cargos. Eu sou apaixonado pelo o que faço. Eu sou cumpridor de horários, e procuro fazer as coisas seriamente. O que mais me orgulha é ser professor. Eu não passo de um professorzinho. Ontem, em Brasília, fiz uma conferencia para 300 pessoas, aí eu me renovo
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL / DICIONÁRIO DE COMUNICAÇÃO Por nunca ter deixado de ser professor, quando eu estava na Presidência da República, dos 30 aos 35 anos, fazendo aquele trabalho, o que eu fazia? Não havia computador, então tudo o que aparecia de comunicação, eu pegava uma fichinha e escrevia um conceito. E fui fazendo, de repente, quando acabou a Presidência da República, eu tinha milhares de fichas na mão. Eu disse: “O que eu vou fazer com isso? Eu não tenho tempo. Eu tenho quatro filhos, tenho que educá-los, tenho que trabalhar e ganhar dinheiro.” Por quê? Eu estava na Presidência da República, a minha casa, que sempre foi no Rio, era na Ilha do Governador, num apartamento comprado pela COPEG. Eu não me aproveitei de todas as oportunidades que tive. Eu continuei ali, bonitinho, a minha família ali, porque eu tenho princípios muito rígidos nesse aspecto ético. Quando eu saí da Presidência, ah, essa é uma história incrível: “O que eu vou fazer?” O presidente Médici, me chamou, eu era mais novo, e falou: “Oh, garoto” Ele me chamava assim. “Oh, garoto, eu quero que você faça a Escola Superior de Guerra.” Eu fiquei muito entusiasmado porque a Escola Superior de Guerra era um negócio importante, todo mundo queria fazer. Mas eu caí em mim, depois que ele me convidou e eu aceitei. Quando fui para casa, conversando com a minha mulher, eu falei: “Puxa, a Escola é tempo integral Como eu vou ficar full time numa escola? Eu tenho que ganhar dinheiro, eu tenho que sustentar a nossa família.” “Sabe o que eu vou fazer? Eu vou procurar o comandante da Escola Superior de Guerra e vou pedir a ele que mantenha o meu nome para que eu faça no ano que vem. Eu vou pensar em uma solução”. Era comandante o General Bina Machado, que me conhecia. Eu era muito conhecido porque aparecia muito na mídia e tal. Procurei o General Bina e falei: “General, eu não posso fazer o curso da Escola, mas queria lhe pedir um favor: eu queria que o Senhor mantivesse as portas abertas para mim.” Ele falou: “Não Rabaça, você enlouqueceu? Você deve fazer o curso” “Mas eu tenho que sustentar a minha família.” “Rabaça, qualquer empresa quer você, cara Com a experiência que você tem, com o trabalho que você fez.” Ele enxergava coisas que eu ainda, professorzinho, com toda a experiência que eu vivi na Presidência, não via. Eu estava com 34 anos. Eu saí arrasado, de cabeça baixa.
Quando eu estou saindo, na ante-sala dele, está sentada uma pessoa: o Jorge Bhering de Mattos, um grande empresário, dono das indústrias Bhering, do chocolate Bhering. E ele era presidente do Instituto Euvaldo Lodi, que existe até hoje na Confederação das Indústrias, é a entidade que faz a unidade entre a indústria e a universidade. Quando eu estava na Presidência, o Bhering me procurava para me pedir apoio. O que ele pedia? Ele levava uns filminhos: “Será que o Senhor podia divulgar?” Eu tinha todas as televisões abertas, rádios. E eu dizia: “Se estiver bom.”. Porque eu era professor e entendia a importância disso. Com as correções que eu pedia a ele, eu veiculava. Não cobrava nada porque eu achava que era obrigação do Governo veicular campanhas educativas voltadas para a integração indústria e universidade. Eu fiz isso durante a Presidência. Quando eu estou saindo, na ante-sala do General Bina Machado: “Professor, parabéns Eu vi no Diário Oficial que o Senhor vai fazer a Escola” “Não, Doutor Bhering, eu não vou fazer. Eu vim pedir para não fazer.” “Mas como?” “Eu não posso, eu sou professor.” “Por favor, eu sou presidente da ADESG, Associação dos Diplomados na Escola Superior de Guerra. O Senhor tem compromisso amanhã?” Eu disse: “Não.” “Podemos almoçar?” “Ok.” No dia seguinte, eu fui almoçar com ele, ali na Rua São José, no Restaurante Urich. Ele se sentou e pediu um papel: “Quanto o Senhor ganha na Universidade?” “X, porque eu ia voltar a dar aula.” “Quanto ganha na outra Universidade?” “Y” “O Senhor trabalha em mais algum lugar?” “Não, eu vou arranjar uma escola ou alguma outra universidade particular.” Aí eu fiquei desse tamanhozinho, pequenininho, porque ele dobrou: “Esse valor, além do que o que o Senhor vai continuar ganhando – peça licença e tal – dá para a sua família? E vai ser meu assessor no Instituto Euvaldo Lodi.” E eu fiz a Escola Superior de Guerra em 1974, graças à memória de Jorge Bhering de Mattos. Ele agiu como meu pai. Pensei: “E aquelas fichas todas que estão na minha mão? Eu fazendo a Escola não vou poder...” Me lembrei do Gustavo Barbosa, que hoje é diretor da minha empresa, foi meu aluno, passou por mim na Petrobras. Eu não ia ter tempo, tinha todos esses conceitos, mas isso tinha que ser organizado. Não havia computador, repito. Era negócio de maquininha e ficha escrita. “Gustavo, vamos fazer o seguinte: eu vou arranjar uma editora, que pagará para você poder fazer isso. Eu quero que você se dedique a isso e eu faço reuniões com você, porque o trabalho massudo eu já fiz.” Bom, e agora para arranjar financiamento? Me deu a louca: liguei para o meu amigo Ziraldo. “Ziraldo, podemos almoçar?” “Podemos.” Já estava tranqüilo, o Instituto Euvaldo Lodi ia me dar tranqüilidade para ficar full time na Escola Superior de Guerra. Fui almoçar com o Ziraldo e convidei o Gustavo. Eles já se conheciam da época dos movimentos. O Ziraldo: “O Pasquim tem uma editora, a Editora Cátedra. A gente topa isso aí.” “Mas topa? Isso é caro. Fazer um dicionário de Comunicação que não existe...” Ele: “Eu vou conversar com o meu amigo”. O amigo era do Banco Nacional de Minas Gerais. Ele foi conversar e o Banco Nacional de Minas Gerais deu o dinheiro para a Editora do Pasquim e o Gustavo ficou organizando as fichas. Eu tinha saído de um Governo Militar e publico um Dicionário. Essa é a história do dicionário O dicionário existe há 30 anos e é o único no Brasil. Estamos re-atualizando agora e ele traz sempre um agradecimento ao Ziraldo, que é o padrinho do dicionário e que, aliás, trabalha conosco hoje, está produzindo produtos para a minha empresa.
Tem pessoas que se fecham em situações: “sou de direita, sou de esquerda.” Gente, pelo amor de Deus, não é por aí. Temos que discutir as idéias. Eu posso discordar de você porque tem uma posição diferente, mas a verdade é sempre fruto do confronto e do conflito das idéias, não é das pessoas. Eu não concordo com uma porção de coisas do Ziraldo e ele não concorda com uma porção de coisas minhas, mas somos irmãos. Os meus filhos não concordam comigo em muita coisa e eu com eles, mas somos amantes. Então, não é assim, a vida não é isso. Na vida é preciso discutir e compreender que a verdade está sempre circulando, a verdade não é uma só, ela está circulando. A história do Dicionário é essa, que me orgulha muito. O dicionário hoje tem várias editoras querendo, é adotado em todas as universidades.
Eu me emociono. Hoje eu tenho uma facilidade enorme de falar com editores, diretores, produtores, sempre tem alguém que vem falar: “Eu estudei no seu dicionário.” Sempre tem alguém que me diz isso. Isso me enche de orgulho. O Aurélio Buarque de Hollanda quando estava fazendo o seu grande dicionário, ele já estava feito, ele estava reformulando – tem que estar sempre, é um instrumento vivo –, disse: “Rabaça, inclui o teu dicionário no meu dicionário.” Eu fui egoísta: “Não, professor, eu quero um dicionário, eu quero o meu nome no dicionário.” E ficou. Eu tenho muito orgulho disso, além de – desculpe a vaidade – outros livros também, sobre educação, sobre marketing e sobre comunicação. Mas o dicionário é realmente um grande marco e ele preencheu um vazio. Havia uma lacuna. As pessoas falavam de comunicação sem se prender aos termos técnicos. É isso aí. Estamos agora atualizando o dicionário. Por exemplo, na área da informática todo dia tem palavra nova. Nós atualizamos e no dia seguinte já está desatualizado. Vou adiantar uma coisa: nós estamos estudando uma forma de digitalizá-lo e o sujeito vai ser participante do dicionário. Ele vê o dicionário no computador, mas ele descobre uma palavra: “Vocês não têm isso”, e manda. Ele passa a pertencer ao dicionário também, após o nosso crivo, se realmente é verdadeira ou não a palavra e se ela tem significado para ser dicionarizada. O Gustavo e eu trabalhamos muito nisso.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu tenho vários clientes que respeito muito e fazemos um bom trabalho. Por exemplo, a Petrobras é nossa cliente na área de Biocombustíveis. Nós trabalhamos divulgando esse novo caminho energético do país. A Companhia Vale do Rio Doce é nossa cliente, particularmente o seu presidente, o Roger Agnelli, é nosso cliente, na área de planejamento e estratégia de comunicação. A Light é nossa cliente na parte de relacionamento institucional, a gente aproxima a Light de instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, também no Instituto Light, que é um instituto cultural, nós estamos desenvolvendo projetos. Na área de transporte, a Fetranspor e a Rio Ônibus são nossos clientes. Nós estamos ajudando a modernizar o setor, com cartões eletrônicos, ar refrigerado, câmeras etc. Só não fazemos mais porque o Poder Público não faz a parte dele. É uma concessão, o Poder Público tem que melhorar as vias, tem que botar corredores exclusivos e não faz. Temos uma boa carteira de clientes. Eu tenho três empresas: a Rabaça e Associados, que cuida de relacionamento institucional. Eu tenho a Newsday, que cuida de imprensa, comunicação de modo geral, campanhas etc. Não é agência de publicidade, faço questão de dizer, nós fazemos mais a parte estratégica de planejamento. E temos a Ciclame, que é uma empresa cultural.
COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL A comunicação empresarial é uma das coisas mais difíceis que existem e foi o motivo da minha palestra ontem para 300 empresários, havia também senadores, deputados, etc. Em primeiro lugar, a empresa tem que ter consciência de suas responsabilidades. De que forma? Primeiro, sabendo ler o cenário futuro. O cenário mínimo que se pode dizer é o cenário daqui a 10 anos. O que vai acontecer com esse país, não em termos de casuísmo, mas na economia, nas responsabilidades. A comunicação empresarial tem que ter uma assessoria capaz de criar cenários, o cenário com exercício democrático, o cenário com ditadura, o cenário com isso ou aquilo, com pressões sociais. Eu aprendi a fazer isso na Shell, onde eu fui executivo. Isso é uma história que eu ficaria aqui a vida toda contando.
Eu fui executivo por cinco anos na Shell. Quando eu fui chamado para a Presidência, eu era da Shell. Eu era professor e era da Shell. Saí da Shell para poder trabalhar na Presidência. A Shell me ensinou muito em termos de traçar cenários. Não é fácil não, tem que saber ler o meio ambiente. Primeiro, a empresa tem que ter essa preocupação. Segundo, a empresa tem que estar atenta aos princípios da verdade, a dimensão ética da comunicação. Ela não pode ser malandrinha, vender um produto em que não seja verdadeiro. Quando eu vou trabalhar numa empresa, essa é uma exigência que eu faço, porque eu não vou ficar pregando mentiras para as pessoas.
Em função disso, traçar uma política de comunicação, uma política em que tenha porta-voz. Toda marca tem que ter um porta-voz, que corresponda àquela marca, um porta-voz com qualidade, uma pessoa bem preparada. Ela deve, em primeiro lugar, objetivar o seu público interno. Não adianta eu sair falando coisas para fora, se o meu público interno não estiver satisfeito ou, pelo menos, perceber que o que vou dizer para fora é coerente com o que pratico dentro da empresa. Não adianta eu fazer um belo discurso, ou de família ou de correção para fora se na minha eu sou um safado, não trato bem a minha família, a minha mulher, os meus filhos. Eu tenho que ser coerente entre o externo e o interno. O processo de endomarketing ou de comunicação interna é fundamental em uma organização. É preciso cuidar disso, em primeiro lugar. A comunicação é sempre adjetiva, é fundamental que no processo aqueles que fazem a comunicação tenham bons fundamentos de economia, de sociologia, de filosofia, porque se não tiver esses fundamentos, vai ficar só nos instrumentos. Essa é uma vantagem – não deixa de ser uma vaidade – mas é uma vantagem que nós temos, nós somos ecléticos. Nós temos um grupo que não é só de jornalistas: eu sou sociólogo, o outro é editor, o outro é antropólogo, o outro é economista. Nós discutimos as questões e traçamos um quadro que chamamos de Sistema Meta-sistema e Ecossistema. O sistema, o que é? O que as pessoas querem? Que mensagens elas querem receber? É o indivíduo que vai tomar a decisão. Hoje, individualmente, como eu vejo um cliente da Petrobras? Como uma pessoa vê a Vale do Rio Doce e assim por diante. Partimos para um meta-sistema. As pessoas se associam, formam grupos, coletividade, sociedade, clubes, associações. Como se comportam esses grupos sociais na sociedade? Nós analisamos isso. Partimos depois para o ecossistema. O que é o ecossistema? É toda a ambiência que cerca a sociedade. É o meio ambiente, que hoje está na ordem do dia, não é verdade? O meio ambiente hoje é fundamental. A tecnologia veio alterar muito esse relacionamento social. A tecnologia traz benefícios para o grupo, mas faz mal e altera o meio ambiente. Essa relação entre homem, sociedade e meio ambiente, nós estudamos e fazemos cenários em função disso. Nascem, desse modo, os programas. Quando você dá esses fundamentos a uma empresa, ela fica muito impressionada, porque você está pensando pelo empresário. É claro que você não está definindo. Você diz: “Esses são os cenários que temos. Que cenário você quer?” Essa é a nossa linha. A comunicação empresarial é muito séria. Tem que ser bem profissional.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS A mensagem que eu acho que a Petrobras deve passar: “Eu sou – repito – um agente do país. Eu não sou o país, eu sou um agente do país. Sendo um agente do país, eu quero o bem estar da sociedade. Portanto, tudo o que eu fizer em termos de exploração, de descobertas, eu tenho que retribuir para a sociedade. Eu tenho que ser capaz na minha atividade prospectiva ou na minha atividade produtiva, mas eu estou preocupada em distribuir os bônus das minhas descobertas e quero atuar evidentemente com as autoridades municipais e estaduais para resolver o problema das comunidades onde nós nos inserimos.” A Petrobras antigamente achava: “Esse não é um problema meu.” É sim. Ela prospecta, muda o meio ambiente, altera a estrutura geológica; ela mexe em terra e água, com as condições físicas. De alguma forma, eu tenho que retribuir, não é consertando, criando condições – também através da tecnologia – para que a sociedade viva melhor. Para mim, esta é a grande mensagem da Petrobras e não só: “Sou auto-suficiente”. Ótimo que seja, não faz mais do que a sua obrigação, agora “eu sou responsável.” E a Petrobras tem técnicos extraordinários capazes de fazer isso. Foi uma escola, com técnicas de petróleo, onde eu me admirei de tantas capacidades e, mais do que isso, com um sentido patriótico extraordinário. Um sentido patriótico que às vezes até ultrapassava os limites, achando que ela se bastava. Não é isso que eu estou dizendo. Tem um sentido patriótico, mas é um sentido de servir ao país e não de se servir.
MEMÓRIA PETROBRAS Eu queria deixar registrado para a Petrobras, para quem vai ficar esse documento, se for se transformar em um documento, que eu estou muito orgulhoso de ter participado por um motivo: nasceu na minha época um projeto memória. Está lá registrado, se guardaram, está lá registrado. Naquela época, eu queria fazer um projeto memória para guardar as experiências de todos que passaram pela Petrobras. Quando minha filha, a Glória, que recebeu a mensagem de vocês, disse o objetivo da minha estada com vocês, eu fiquei muito emocionado. Eu quero dizer que sacrifiquei até compromissos, mudei a agenda para estar aqui. Primeiro, porque essa idéia nasceu na minha administração. Desculpem a minha vaidade, mas é verdade, está registrado lá. Podem perguntar ao Mansur, ao Antonio César, ao Gustavo Barbosa – que eu acho que vocês deveriam chamar porque é um grande nome, até pelo viés político que ele também desenvolveu. Quero registrar isso. Parabéns a Petrobras, a essa nova administração que conseguiu o que eu não consegui: concretizar o Projeto Memória. Ter memória não é um automóvel com os holofotes, com as lanternas viradas para trás. É também se basear no passado para ver os exemplos que passaram, aquilo que acertamos e erramos para construirmos um caminho melhor para o futuro. Projeto Memória é isso. Parabéns aos dirigentes e a vocês que são os operários disso, são aqueles que estão trabalhando com as suas perguntas inteligentes e, sobretudo, com honestidade, botando a faca no peito da gente, mas vocês viram que faca aqui não entra não, eu digo as coisas.Recolher