IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Armando Pinto de Freitas, eu nasci em Tabatinga, Amazonas, no dia 10 de março de 1957. FORMAÇÃO Eu sou técnico de Segurança Industrial. INGRESSO NA PETROBRAS Eu ingressei em 8 de janeiro de 1976. Na época, o país passava por uma crise enor...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Armando Pinto de Freitas, eu nasci em Tabatinga, Amazonas, no dia 10 de março de 1957.
FORMAÇÃO Eu sou técnico de Segurança Industrial.
INGRESSO NA PETROBRAS Eu ingressei em 8 de janeiro de 1976. Na época, o país passava por uma crise enorme, eram os militares e etc.. Mas tinha muitos concursos, o Milagre Brasileiro. E eu fazia parte daqueles jovens que saiam procurando concurso. Aí fiz concurso pra Polícia Federal, na Marinha Mercante, de Telecomunicações na Telebrás e fiz na Petrobras também. Fiz o concurso, passei e a minha vida mudou radicalmente porque eu era muito pobre, bem humilde mesmo, vivia numa situação muito complicada e a entrada na Petrobras foi uma mudança radical na minha vida. Foi meu primeiro emprego de carteira assinada. Eu lembro do primeiro dia, como se fosse ontem.
PRIMEIRO DIA DE TRABALHO Foi emocionante porque eu não tinha roupa, eu não tinha sapato. Eu lembro que meu sapato era um Vulcabrás. Tinha uma calça jeans surrada à beça e uma camisa que era toda a minha roupa, a roupa que eu tinha pra sair. Eu lembro quando eu fui lá na Petrobras, eu era o mais humilde de todos. Mas logo em seguida, eu fiquei conhecendo as pessoas lá, os mais antigos. Na época, era bem diferente de hoje, predominava mais a ignorância, as pessoas eram mais brutas, eram peões de trecho, era complicado. Eu lembro do meu primeiro salário, foi a maior alegria. Eu comprei uma TV colorida pra minha mãe, que era novidade, na rua a única TV colorida era a nossa. Eu entrei como ajudante de manutenção especializada, porque eu tinha curso na escola técnica de mecânica e fui ser ajudante de mecânico.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Meu primeiro trabalho na Petrobras foi marcar uns tubos de revestimento, era numerar os tubos. E aí eu fiquei uns três meses lá na base. Depois eu embarquei pro Amazonas. Foi a primeira vez que eu viajei de Boeing, eu fiquei muito nervoso, muito tímido, porque eu nunca tinha viajado de avião. Fui pra Manaus, de Manaus peguei um helicóptero, um bem antigo que era usado no Vietnã. Nós levantamos vôo - eu lembro como se fosse hoje - todo mundo voando pra selva e não chegava, demorava muito e aquele mundão de selva. Eu lembro que eu estava muito cansado, nervoso, eu cochilei. Quando eu acordei, todos os colegas meus estavam de cueca, de short, eu tomei um susto e todo mundo com as roupas dentro do saco plástico, eu não tinha entendido o porquê. O interessante é o seguinte: eu fui acordado e alguém – “Olha, onde você vai ficar.” Eu vi, na selva fechada, naquele mar de selva, uma clareirazinha e um monte de ferros. “É ali que você vai ficar.” Aí, depois que pousou, eu fui entender porque o pessoal tinha tirado a roupa; porque o Amazonas é pobre em pedra e tem uma argila que predomina em todo o solo amazonense e tinha muita lama, muita argila, e quando a gente pisava, afundava. Então eles já sabiam, eles tiravam a roupa pra não sujar a roupa de desembarque. Aí eu não sabia, acabei sujando a minha única roupa.
Eu conheci lá a sonda 35. Isso era no Urariá, o paraná do Rio Madeira. Paraná é o seguinte: tem o rio principal, aí sai uma parte do rio e volta pra ele mesmo, isso se chama paraná. E era o Urariá, um dos paranás do Rio Madeira. Foi uma das primeiras vezes que eu tive contato com sonda de perfuração. Isso era em 1976. Completamente isolado do mundo. Não tinha telefone, era comunicação através do Código Morse; era tudo rudimentar, tudo muito atrasado, tudo muito mais difícil. Passei seis meses lá, ou menos de um ano, não me lembro agora. Aí eu fui pro Rio Grande do Norte ser pioneiro lá, mas não achamos petróleo. Depois de muitos anos acharam petróleo. Do Rio Grande do Norte eu fui transferido pra Bahia, aí fui trabalhar pela primeira vez no mar, fui na primeira plataforma brasileira que era a P-1, PA-1, estava em Ilhéus. Fiquei lá em Ilhéus, na Bahia, um tempo e fui pra Aracaju, fiquei no mar. A Bacia de Campos ainda estava nascendo naquele período. Aí foi quando eu saí da P-1, fui pra uma plataforma, a primeira construída no Brasil que era a PA-16 e depois eu vim aqui pra Bacia de Campos. Como é uma PA? Uma PA é uma plataforma que é afixada em pernas. O máximo de lâmina d’água é 80 metros, cem metros; mais que isso não tem condições. E nós furamos aqui na costa, normalmente nós furamos bem pertinho da praia, nós furamos vários poços, no Espírito Santo, todo esse litoral. O desembarque era feito por Macaé, de lancha, outros eram de helicóptero. Normalmente, era lancha porque só quem andava de helicóptero era chefe. Os helicópteros eram diferentes, eram menores, era tudo diferente. No primeiro embarque que eu fiz, lá no Amazonas, como eu era jovem, forte, grande, eu fui ser mecânico. O encarregado falou: “Não, esse garoto não pode ser mecânico.” Aí, me botou na torre, pra trabalhar de torrista. Trabalhei de torrista um tempo, de plataformista, e quando eu estava no Rio Grande do Norte, eles precisavam de mecânico de formação. Outro chefe, então, falou: “Não, esse rapaz tem curso, tem escola técnica.” E voltei a ser ajudante de mecânico; logo em seguida passei a mecânico. Quando eu vim pro mar, já vim como mecânico, passei pouco tempo como ajudante e fui promovido para mecânico mesmo e fiquei trabalhando durante muito tempo na manutenção dessas unidade. Mas em 80 e alguma coisa, 87, não me lembro agora, eu tive um acidente e tive que me afastar por um período de seis meses. No período de recuperação, eu fui pra escola técnica, estudar. E antes de eu voltar a embarcar já estava trabalhando em terra, consegui vir pra terra. Isso ainda no Nordeste. Quando eu vim pra Bacia de Campos já vim como técnico de segurança.
COTIDIANO Hoje sou técnico de segurança. Antigamente, essa profissão era muito diferente. Primeiro que era novo, então a maior dificuldade era a cultura. Existia uma preocupação - como até hoje existe - mas bem menor com a produção. Tinha que produzir; na perfuração tinha que furar; na produção tinha que produzir mesmo e tudo isso a qualquer custo. Então, os meus colegas do passado sofreram horrores porque quando te diziam assim: “Olha, não pode, tem que ter segurança.” A pressão era muito grande. Mas logo em seguida aconteceu um negócio interessante, começou a ter uma autonomia, porque na verdade, os técnicos de segurança são a força de uma legislação, por isso a gente acabou tendo mais autonomia pra tocar o trabalho, mas era briga todo dia. Todo dia era briga, era muita negociação pra trabalhar. Não era fácil, não era fácil. Como até hoje, hoje também não está tão fácil assim não, mas não dá pra comparar com o passado. No passado, não tinha a preocupação com a segurança como tem hoje, os trabalhadores não tinham essa cultura, a gente não usava EPI, trabalhador que usava EPI era tido como muito fresco, é complicado. Eles tiravam as mangas das camisas, cortavam as botas, não usavam protetor auricular, uma doidera. Porque eram brutos, todo mundo era bruto. Hoje tem uma conscientização, uma educação diferente, uma cultura diferente. Hoje tem mulheres trabalhando. Na minha época, nem pensava em mulher trabalhando, era muito bruto, o ambiente era muito agressivo pra mulher, mas mudou, mudou, está bem melhor. Eu não sinto saudades da época, não. Eu tenho lembranças. É diferente de ter saudade. Eu tenho lembranças.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL As plataformas de produção da Bacia de Campos são diferentes. Quando eu vim pra produção, há pouco tempo, tem acho que dez anos ou um pouquinho mais... Quer dizer, o período todo que eu trabalhei era em plataforma de perfuração e sondas de perfuração. Depois, quando eu vim pra Bacia de Campos os poços já tinham águas profundas, as plataformas já estavam trabalhando, não vivi o começo da produção em si aqui na Bacia de Campos, a minha fase era de perfuração. Eu trabalhava perfurando: prepara o poço, vai embora e vem o pessoal da produção que vai trabalhar em cima daquilo que nós fazíamos. A Bacia de Campos era a nossa grande esperança, sempre foi o sonho de todo o povo brasileiro, de todo o petroleiro, encontrar um campo grande que pudesse nos dar essa autonomia. Independente da Bacia de Campos, podia ser qualquer outra Bacia, mas como foi aqui a escolhida... Possivelmente agora, com a nova tecnologia, outros campos grandes vão ser descobertos. Mas quando a gente percebeu, eu na perfuração, que a gente fazia “n” poços e não vinha óleo, porque a gente fura atrás de óleo e eu já estava há anos na Petrobras e não tinha visto ainda o petróleo. Incrível, a gente não via o petróleo. E quando eu cheguei na Bacia de Campos, a primeira vez que eu vi o petróleo de verdade, foi uma alegria impressionante. Quer dizer, é como se a gente tivesse o pagamento do nosso trabalho, é o bônus. Quando eu vi a primeira vez o petróleo eu falei:“Poxa, eu estou há tanto tempo na Petrobras, e eu nunca tinha visto o petróleo.” E eu vi ali o petróleo, muita pressão, gás. É uma alegria impressionante. “Agora vai.” E foi. E está aí a realidade. Isso foi nos anos 80. 83, 84. Eu tinha entrado em 76 e fui ver o petróleo acho que dez anos depois. Eu lembro era que eu estava PA-11, salvo engano. Que eu vi a agitação, começou a sair amostra na peneira, de lama, e tinham uns cariocas lá: “Vem cá, pra ver o que é petróleo de verdade.” E aí foi que a gente viu. Daqui a pouco o poço começou a produzir e foi aquele corre-corre. Foi muito legal.
VIDA DE EMBARCADO A plataforma é um laboratório humano. Têm gente de todas as classes sociais, culturas, raças. Tem todo mundo ali dentro, confinado. Tem choque de culturas, mas, como está todo mundo na mesma situação, está todo mundo ali mesmo, acaba virando uma grande família. Lógico, com tudo o que tem uma grande família, as brigas, discussões, os choros, os abraços. Têm os momentos em que a gente está com saudade de casa, saudade dos amigos, saudades da família. Têm outros momentos em que está na maior alegria fazendo as nossas festas, festas de fim de ano. Eu passei uns vinte natais e anos-novos embarcado. Tanto é que hoje eu já não tenho mais a graça que as pessoas têm nessas festas. Eu sinto saudades do período de ano-novo, das festas, quando a gente faz bolo, enfeita tudo, bota música pra tocar, a ceia. Eu sinto saudade. Sinto saudade de quando a gente faz aniversário, tudo bruto. Agora não. Agora, com as mulheres a bordo, ficou um ambiente mais social. Mas a vivência é interessante. Pra mim foi uma experiência impressionante, muito boa porque eu entrei menino. Então parte da minha personalidade, parte do meu ser hoje está lá dentro. Foi aprendendo com os mais velhos, com aquelas pessoas. Na verdade, você é fruto do meio em que você vive. As histórias se perpetuam lá, eu acho impressionante, as coisas aconteceram 20 anos atrás e eles contam com detalhes como se tivesse acontecido ontem. Porque acho que fica congelado. É interessante. Era ruim ficar longe da família . Na minha época era pior ainda. Eu lembro que uma vez morreu um parente meu, nós estávamos aqui na Bacia de Campos, perfurando algum lugar por aí, e a comunicação era através do rádio-farol, que é um equipamento rudimentar. E ninguém entendia nada que o cara falava, e eu só entendia, assim, que tinha morrido alguém da minha família. E eu gritava: “Quem morreu? Quem morreu?” E não conseguia entender. Aí eu desembarquei, fui pra Macaé, que era bem interior mesmo. Fui pro aeroporto, depois peguei o avião, fui lá pra Aracaju. Quando eu cheguei lá é que eu descobri que tinha morrido o pai de uma namorada minha.
Eu lembro uma vez que eu desembarquei também, quando pegou fogo a plataforma. Eu morava em Belém do Pará - meus pais moram ainda em Belém do Pará - e eu fui embora pra casa; estava no Espírito Santo, lá embaixo, e morava lá em cima. Eu não tinha comunicação, não tinha televisão, não tinha nada. Eu não sabia o que estava acontecendo. Quando eu cheguei em casa, me lembro como se fosse hoje, bem cedinho, minha casa estava cheia de gente. Eu tomei um susto. Falei: “Meu Deus, aconteceu alguma coisa.” Quando eu vou aproximando alguém diz: “Olha ele ali” E todo mundo virou pra mim, veio todo mundo rindo, de braços abertos e eu sem entender nada. Depois que eu fui entender; a minha mãe achava que eu tinha morrido, que eu estava envolvido nesse acidente. Quer dizer, não tinha comunicação na época. Hoje tem internet, tem TV a cabo, tem tudo o que tem aqui em terra.
SEGURANÇA Esse acidente foi o primeiro incêndio de Enchova. Mudou tudo, a importância, primeiro, da prevenção de acidentes. Os cuidados que a gente tem que ter, treinamento com os equipamentos de combate ao incêndio, trabalhar sempre na prevenção, na conscientização dos trabalhadores. Os equipamentos hoje passam por uma inspeção mais rígida. Há uma mudança radical. Depois houve o acidente na P-3, o último e o mais grave. Foi terrível saber que perdemos 11 companheiros e dois companheiros que fazem o mesmo trabalho que eu faço. Se eu estivesse lá, certamente, eu teria morrido. Eu estava em terra, estava aqui em Campos quando eu soube da notícia. Isso pra gente marca muito, marca porque quando acontece um acidente desse e você tem que embarcar é complicado. A gente fica com o estado emocional abalado. A gente embarca porque tem necessidade do trabalho, etc. Mas não é uma coisa legal. É muito ruim. As histórias ficam lá congeladas. As histórias boas e as ruins também. Então quando tem um acidente assim, a gente sempre está lembrando. Então esse negócio de Campos, pra mim foi um dos acidentes que mais marcou. Como eu trabalho diretamente com isso, é complicado porque eu tenho participado das comissões de análise e investigação. Uma das coisas que marca a minha vida são os acidentes com helicóptero. Eu tenho verdadeiro pavor de aeronave, mas trabalho nisso, não tenho alternativa porque faz parte do nosso dia-a-dia. Mas não é uma coisa legal. É muito ruim. É muito inseguro, você não tem um controle do que está acontecendo. Você tem que confiar no equipamento e nos profissionais que estão dirigindo aquele equipamento e pedir pra não acontecer nada.
DESAFIOS Tenho “n” desafios. Eu sou disléxico e é complicado em concentração; romper essa barreira é complicado. Esse talvez tenha sido meu maior desafio. Em me concentrar em todas as operações e estudar e fazer bem feitinho. Porque não tem espaço pra erro. Não podemos errar. Não podemos errar, o fato real é esse. Esse é o desafio pessoal. Como profissional, eu acho que todo dia eu penso nisso, entender o que se passa na cabeça de muitos colegas da Petrobras que assumem cargos de gerência, onde eles têm umas idéias que, Jesus, Maria, José, não dá pra entender, com relação às questões de saúde e segurança. Você ouve muito discurso e na prática você vê outra coisa. Mas não são todos, não chega a ser uma minoria, mas é um número que realmente preocupa. Eu acho que o grande desafio nosso hoje é ver se a gente consegue ou mudar essa cultura de vez, amadurecer de vez, ou a gente renovar. Espero em Deus que agora renovem com os novos que estão entrando, essa cultura antiga de que para muitos o mais importante são os resultados, independente do que esse resultado pode provocar. Falando numa linha geral política mesmo. Esse é meu grande desafio pessoal. Eu estou achando que meu ciclo de petroleiro está fechando. Talvez eu me aposente agora e fica a minha experiência de vida; uma coisa que eu vou levar pro resto da minha vida. Também vai ser muito difícil, eu acho que quase que impossível, deixar de ser petroleiro, mesmo estando fora da empresa.
DIFICULDADES As dificuldades são muitas. Essa dificuldade de tentar me socializar aqui é complicado, porque a Petrobras tem vantagem pra alguns e pra outros não. Eu vejo como uma coisa positiva; na Petrobras você aprende a ser disciplinado, aprende a atingir metas, a se planejar, a ter responsabilidade, a assumir compromissos. Se eu digo que eu vou fazer, eu faço. E a gente aprende isso no dia-a-dia na Petrobras. E eu acho que a maior dificuldade que eu vou encontrar é justamente isso. Raramente eu consigo ter o feedback positivo das pessoas que não são do meu universo. Se eu contrato um profissional e marco com ele, raramente ele vem, ou raramente ele cumpre aquilo que foi acertado. Porque a cultura das pessoas aqui é diferente, eles não dão tanta importância ao cumprimento do acordo. Na Petrobras, a gente aprende isso no dia-a-dia. O cara mais irresponsável acaba se tornando responsável. Eu tenho medo no futuro, como vou trabalhar numa sociedade que... Como eu vou ficar em casa? Porque a gente tem problema dentro da nossa casa, com nossos filhos, com esposa, etc. Porque petroleiro é chato, quer ver as coisas, tudo certinho, limpinho, porque é assim que nós aprendemos. E nem sempre os filhos e a esposa aceitam, tem problemas.
SEGURANÇA As mudanças na segurança, normalmente, acontecem depois de um grande acidente. Aí muda toda a história. Passa um primeiro período com todo mundo só falando em prevenção de acidente, em programas de saúde, segurança e meio ambiente, e esse programa começa a rodar, a coisa começa a funcionar. Dá um tempo sem acidente, aí começa a relaxar. Quando se aproxima um grande acidente, ou outro acidente menor, aí todo mundo acorda de novo. Fica nesse vai e vem. Depois do grande acidente, o primeiro acidente de Enchova, já houve uma mudança radical. Assim veio, veio, veio até o grande último acidente da P-36, onde a Petrobras jogou pesado com os programas caríssimos de segurança, na capacitação do seu pessoal, da sua mão-de-obra, contratou especialistas, etc. Hoje ela está tentando manter isso, mas o grande problema que eu vejo é a manutenção. Não dos programas, eu falo mais é da conscientização, do compromisso com a segurança. Falo geral, geral. Desde a gerência maior até o trabalhador mais humilde. O grande desafio talvez seja isso; manter sempre essa chama acesa, sempre essa responsabilidade, esse compromisso ativo. Sempre estar ali ligado em manter a nossa saúde e a nossa integridade física legal. Na prática, o primeiro passo é através da educação, que aí está a grande falha e nós estamos tentando corrigir. Você só muda um comportamento através da educação. Esse é o grande problema porque alguns acham que através do castigo se consegue a mudança. Discordamos radicalmente. Se fosse por isso não tinha penitenciária. E depois vêm os programas de segurança e meio ambiente. São programas que são desenvolvidos, são metodologias, são procedimentos que são feitos por grupos de trabalho e implementados, implantados nos trabalhadores. É extenso isso, muito extenso. Têm os programas que são corporativos, têm os programas que são do governo, como de acompanhamento da saúde do trabalhador. É longo, a história é comprida, mas com um único objetivo: preservar a integridade física do trabalhador e do equipamento da empresa.
SER PETROLEIRO Eu não sei te dizer assim em poucas palavras. Penso que é diferente de ser, sei lá, eu não me vejo como outra coisa. Petroleiro do front, eu chamo, pessoal de sondas, de plataformas, são diferentes porque têm uma atividade atípica, extremamente perigosa. A gente convive com risco elevado o tempo todo, a gente se disciplina o tempo todo, porque não tem alternativa. E, ao mesmo tempo, a gente fica confinado parte da nossa vida, e no período de folga a gente têm uma sensação de liberdade condicionada; você está de folga, mas sabe que tem que voltar. É um conflito interno que a gente vive o tempo todo: “Eu queria estar lá, mas estou cá.” A gente perde os aniversários, as datas que todo mundo comemora, o aniversário dos parentes, as festas, os feriados, normalmente você está trabalhando, e quando está de folga... Quer dizer, é um conflito sempre acompanhando a gente. E é o grande desafio a gente conseguir gerenciar isso de forma que a gente não entre em depressão, que não procure fugas como bebidas, drogas. E o legal, o positivo é que a gente se sente assim, como... Não sei a palavra, mas você vê as outras pessoas que te cercam, teus amigos, vêem diferente. Você fala assim: “É legal.” Valores que as pessoas aqui dão pra algumas coisas, que pra gente não tem o menor valor, sabe? E valores que pra gente são muito importantes, pra sociedade não são. É diferente, é difícil encontrar palavras pra explicar, porque é sentimento e depende também de cada um. Mas uma coisa se assemelha, é que a gente têm um sentimento de irmandade, de amizade, que é comum nos grupos que estão sempre convivendo junto em situação de risco elevado. Então mexer com petroleiro é mexer com ninho de abelhas, de vespas. A gente não aceita que alguém fale mal da Petrobras, por exemplo. É como se fosse mãe: a mãe pode ser a mais piranha do mundo, a mais rampeira, mas ninguém aceita que fale mal dela. Você chegar para um filho de uma mãe que não tem um comportamento social, se chegar e falar mal da mãe, vai ter problema. A mesma coisa a Petrobras. Só quem pode falar da Petrobras são os petroleiros. Não admitimos que ninguém fale mal da Petrobras. Isso serve pras outras empresas de petróleo também. Nós somos uma categoria diferenciada, nós somos diferentes. A gente briga, a gente discute, mas nós somos unidos nas nossas discussões, nos nossos pontos comuns. Quando a gente quer uma coisa, a gente briga. Não é à toa que nós somos considerados pela sociedade brasileira como a elite; nós temos alguns ganhos que outras categorias não tem, mas isso é resultado da nossa união. É um fenômeno que você teria que conversar com especialistas no assunto. O que acontece por estarmos sempre juntos, no mesmo barco e dividindo todas as coisas. Eu gosto de ser petroleiro e me orgulho de ser petroleiro. Falo pra todo mundo que eu sou petroleiro.
MEMÓRIA PETROBRAS Gostei. Claro que gostei. Até porque eu estou caindo fora. Estou passando a bola pra nova geração. Eu quero deixar um recado pros novos que tão entrando aí, pra cuidar bem dessa empresa.Recolher