Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campo
Depoimento de Jayme Hirotugu Ogura
Entrevistado por Marcia de Paiva
Macaé, 9 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.net
Entrevista PETRO_CB382
Transcrito por Vanuza Ramos
P/1 – Boa tarde!
R – Boa tarde!
P/1 – Gostaria de co...Continuar leitura
Memória dos Trabalhadores da Bacia de Campo
Depoimento de Jayme Hirotugu Ogura
Entrevistado por Marcia de Paiva
Macaé, 9 de junho de 2008
Realização Instituto Museu da Pessoa.net
Entrevista PETRO_CB382
Transcrito por Vanuza Ramos
P/1 – Boa tarde!
R – Boa tarde!
P/1 – Gostaria de começar a entrevista pedindo que você nos diga seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Jayme Hirotugu Ogura, 11 de fevereiro de 1952, nascido em Marialva, estado do Paraná.
P/1 – Ogura, me diga a sua formação.
R – Sou engenheiro civil pela Universidade Federal de Curitiba.
P/1 – E quando você entrou na Petrobrás.
R – Na Petrobrás, sou de 21 de janeiro de 1966.
P/1 – Você entrou e foi trabalhar em que área?
R – Eu passei um ano de curso de engenharia de petróleo em Salvador, aí depois eu estagiei aqui na Bacia de Campos, um pouquinho em campos de serra da Bahia. Depois eu fiz mais meio ano de aperfeiçoamento em Salvador, aí eu comecei a estagiar nos campos de serra do Espírito Santo. Depois offshore na Bacia de Campos, desde então.
P/1 – Na Bacia de Campos você chegou quando?
R – Na Bacia de Campos cheguei...
P/1 – Em Macaé?
R – Em Macaé cheguei no segundo semestre de 1977.
P/1 – Você pegou bem no início. Como é que estava Macaé em 1977?
R – Ah, Macaé era uma cidade tranqüila, com menos de dez mil habitantes, problemas de moradia, né? Então...
P/1 – E a Petrobrás em Macaé?
R – Ah, a Petrobrás tava iniciando. A Petrobrás deve ter começado em 1976, por aí. Estava na fase embrionária da Petrobrás em Macaé.
P/1 – Tinha uma sede aqui de funcionários? Como era a logística aqui?
R – Quando eu cheguei a Macaé já tinha alguma coisa lá em Imbetiba. Não como hoje, mas uma parte pequena. Era Imbetiba, depois a parte de almoxarifado lá no Parque de Tubos, mas uma coisa muito pequena.
P/1 – E o número de pessoas que ficava aqui em Macaé? Como era?
R – Era pequena. Geralmente era o pessoal que dava apoio ou na parte de obras ou na parte de operações, que já estava em 1970 começando a aquecer em Macaé. Mas o grosso, a gente ia pra Vitória e depois vinha pra cá.
P/1 – Você chegou a pegar essa parte que ficava em Vitória?
R – Peguei.
P/1 – Como é que era lá?
R – Ah, Vitória já era melhor, tinha escritório lá no centro da cidade. E de lá é que a gente vinha pra Bacia de Campos ou Bacia de Macaé. De lá que se fazia a distribuição de pessoal para as atividades marítimas.
P/1 – Nesse início você trabalhou ligado a algum projeto, a alguma campo? Qual era o seu trabalho nesse início?
R – Eu comecei como, a gente chamava naquela época de engenheiro fiscal. Eu era engenheiro fiscal de perfuração e na minha época era o profissional que fazia um pouco de tudo. Todas as operações ligadas à perfuração eram comandadas pelo engenheiro de perfuração. Não é como hoje que você tem um especialista para cada área. Então eu comecei como engenheiro de perfuração.
P/1 – Você trabalhava embarcado também?
R – Trabalhava embarcado. Na minha época era 14 dias embarcado e 14 dias de folga.
P/1 – Me fala uma memória da sua vida de embarcado.
R – Olha, foi uma época boa que eu aprendi muita coisa. Mas se você me perguntasse hoje... Porque na verdade eu embarquei quase 15 anos.
P/1 – E a primeira sensação de embarcado, você lembra?
R – Olha, as primeiras, pra falar a verdade, não são agradáveis não. É um ambiente fechado e lá se trabalha 24 horas. Realmente a primeira sensação eu não achei nada agradável. Mas aos poucos eu vi que aquilo seria o meu ganha pão, aí eu falei "eu tenho que fazer o meu ambiente" e aí eu comecei a gostar.
P/1 – E com essa vida de 14 dias lá, você já estava casado? Como é que era?
R – Bom, eu casei em 1979. E como eu era de Londrina, estado do Paraná, dos 14 dias de folga, quatro dias eram de viagem, portanto eram dez, né?
P/1 – Você voltava pro Paraná?
R – Voltava pro Paraná. Então o pessoal falava "ah, é uma moleza trabalhar 14 e folgar 14". Não é porque quando você está lá, é bem diferente do que você imagina. A pessoa imagina uma coisa, mas estar lá é outra coisa.
P/1 – Havia pessoas de outros estados também, como você?
R – Ah, de todos os estados: Belém, Rio Grande do Sul, todo o Brasil.
P/1 – Como era essa integração com essas pessoas diferentes de todos os estados?
R – Ah, eu acredito que...
P/1 – Tem histórias?
R – Você estar num ambiente de offshore em que você não tem pra onde ir, você acaba conhecendo um pouquinho de tudo, se torna interessante, né? Têm aquelas suas gozações de um estado contra o outro, mas foi sadia, gostei.
P/1 – Como eram essas brincadeiras? De quem com quem? Como é que era?
R – Tinha. Ah, sempre aquela história. Eu, nos meus tempos de embarque, eu era muito jovem, era um gaúcho e tal, as piadinhas de gaúcho. O gaúcho era o alvo das nossas brincadeiras.
P/1 – Tinha do Norte e do Sul?
R – Olha, na minha época tinha mais do estado de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
P/1 – Então aqui em Macaé você passava no início a maior parte do tempo embarcado?
R – Embarcado. O esquema, é que embarcado era o seguinte: geralmente você passava um dia antes do embarque no escritório pra ver a situação da unidade em que você ia embarcar no dia seguinte. E terminada a jornada dos 14 dias, se não houvesse nenhum problema operacional ou outro assunto de ordem profissional, você iria embora, esse era o esquema.
P/1 – Então você embarcou em que campo?
R – Naquela época você não tinha uma pré-determinação. Você ia a quase todos os campos...
P/1 – Você foi onde? Conta alguma memória desses...
R – Badejo, Enchova, Carapeva, Pampo, Garoupa, quase todos os campos.
P/1 – Qual era o grande desafio nessa época nesse trabalho de vocês?
R – Um desafio era realmente... O primeiro era, naquela época, estou falando há trinta anos atrás, né, a gente já procurava a nossa liberdade na produção de petróleo. E com isso, na verdade, o que você tinha como desafio? Sondas maiores, as lâminas d'água já eram, dia a dia era digamos... Eu comecei na minha época era de 65, 66 metros, já era muita água. Hoje nós estamos falando de mais de três quilômetros só de água. Então eu estou falando de 1985... (TOCA TELEFONE CELULAR). Então o nosso primeiro desafio era sair da dependência de importação do petróleo, isso a gente já tinha em mente. E a maneira que você vai perfurando mais, mais novas áreas, novos campos, começam novos desafios, novos problemas, novas tecnologias e assim vai.
P/1 – Quando você chegou o que já estava em produção?
R – Produção? Ah, quando eu comecei em 1977 praticamente eu peguei a produção aqui da área da Bacia de Campos.
P/1 – Você pegou enchova?
R – Peguei Enchova, todos aqueles problemas, nós tivemos aquele problema de blowout, em Enchova, peguei sim.
P/1 – Você chegou a pegar um blowout?
R – Sim, teve blowout, mais de um.
P/1 – É um susto? Como é o primeiro blowout?
R – Olha, eu não estava por perto, mas eu prefiro, eu nem posso mais. Como Enchova teve uma expansão de gás, gás é uma coisa fatalíssima, teve mortes. E blowout, se você realmente falar que é uma coisa, é uma falta de controle de um poço, então você verifica que a pior situação para um perfurador é um blowout.
P/1 – E a alegria do início em Enchovas, você chegou a pegar?
R – Eu era mais da perfuração, a gente era chamado o primo pobre, o primo Gastão. Porque na verdade o perfurador é um fazedor de buraco.
P/1 – Mas é o que inicia, né?
R – É o que inicia um poço. Então a parte nobre, que seria completação, a produção, na minha época já tinha uma divisão bem distinta que era a perfuração, a exploração, a geologia e a parte de produção, que eram departamentos bem distintos. Então o meu negócio era fazer buracos o mais barato e o mais rápido possível.
P/1 – Você fez muito buraco?
R – Ah, bastante. Nós éramos chamados de "os Gastões, fazedores de buracos". Mas tem que fazer o buraco, _________, né? (riso)
P/1 – Dentro dessa proporção do que você achou, era o ritmo que exigia essa velocidade de ficar furando, furando, furando? Era uma exigência?
R- Era sim. Na minha época, eu acredito que realmente o objetivo principal era a perfuração. Perfurar para encontrar o famoso hidrocarboneto.
P/1 – Vocês trabalhavam com geólogos também?
R – Geólogos. Perfuração... É realmente perfuração e exploração, muito junto, né?
P/1 – E é uma alegria descobrir?
R – Ah, é muito grande...
P/1 – Qual é a sensação?
R – Você ficava naquela pergunta: "Tô vendo ali jorrar o óleo, um excesso de gás que a gente poderia aproveitar", a gente tinha que queimar o excesso. E a gente ficava se perguntando "quando é que nós vamos ter a nossa independência?", essa era a pergunta íntima que cada profissional tinha. E ela chegou, hoje é uma realidade. Mas naquela época, é aquela história "onde é que nós vamos chegar? Quando é que nós vamos chegar lá?". Essas eram nossas indagações.
P/1 – E todo mundo acreditava?
R – Olha, quem está ali pra trabalhar, vendo aquele negócio todo, vendo como a Petrobrás se esforçava, no íntimo a gente tinha essa certeza sim. Ficava se perguntando quando: "Será que vai ser amanhã? Rapidinho?", mas a gente tinha aquela sensação lá no fundo que a gente ia chegar lá.
P/1 – Qual era a dificuldade desse trabalho? A gente até falou de blowout, mas qual era uma outra dificuldade?
R – Quando nós começamos nos anos, o primeiro poço... Eu sou mais ligado à perfuração, mas mais na área offshore. Nós começamos o primeiro poço em 1969, aqui no Cabo de São Tomé. O problema era que nós tínhamos o que? Tudo era importado: equipamentos, a mão de obra especializada. E a mão de obra especializada naquela época, eu diria assim, que se você quer ______ dos dos americanos, que venham pra cá. E qual era a língua? O inglês. Você sabe que uma língua estrangeira nunca vai deixar de ser uma barreira entre os povos, né? Mas o grande problema era a importação de equipamentos, tudo era importado: técnicos, equipamentos, a mão de obra mais nobre, digamos assim.
P/1 – Você sentia uma certa dificuldade no convívio com esses outros técnicos e com os equipamentos? Só para entender melhor, tinha essa convivência dos técnicos americanos?
R – Sim, eu comecei, digamos assim...
P/1 – A barreira era a língua?
R – É, um pouquinho era língua. Apesar de você ter feito cursos de inglês, com o tempo você praticando, você adquire. Por que você nunca vai imaginar que se tiver um problema, um gerente jamais vai aceitar que você fez um erro porque não entendeu o inglês do técnico americano ou vice-versa, concorda? A gente não poderia dizer que foi a língua. Mas pra gente, eu nunca ia imaginar que existia esse mundo chamado Petrobrás. Esse realmente foi um grande susto, porque a gente não imaginava que existia esse mundo do petróleo e era tão grande.
P/1 – Me diga também mais do crescimento daqui. Qual foi a fase que foi mais marcante do crescimento...
R – Olha, eu fui uma das pessoas que participou da nacionalização da mão de obra qualificada no Brasil. E também participei da nacionalização de equipamentos. Eu diria a você que isso foi um fato marcante pra mim na minha vida.
P/1 – Esse processo de nacionalização, como foi um processo contínuo teve uma fase específica?
R – No final dos anos 80 existia uma pressão governamental que nós teríamos que tentar nacionalizar os equipamentos tanto de perfuração quanto de produção. Também a gente teria que preparara os nossos técnicos pra assumir aquilo que foi por muitos anos de domínio americano. Então isso realmente foi no final dos anos 80. E aquela história, uma pessoa sabendo que vai ser deslocada, vai ser expulsa da área, sempre existe aquela aversão, de não passar esse conhecimento. Então no início foi aquela de você ter que conversar com a pessoa, de dizer "olha, infelizmente... nós estamos no nosso país, é a política da nossa empresa e nós temos que trabalhar juntos. Ou você queira ou não queira, nós vamos ter que assumir o lugar de vocês. E eu acredito que o recomendável é a gente trabalhar pelo menos amigavelmente". Essa foi talvez pra mim o grande desafio da minha vida. Eu hoje, eu acho que eu sou um dos únicos especialistas que começou nessa área de cabeça de poço e continuo até hoje.
P/1 – Você especializou em cabeça de poço?
R – Cabeça de poço.
P/1 – Um equipamento específico de cabeça de poço que vocês trabalham, tem alguma característica específica? O que é o mais comum?
R – Qual é a característica dos equipamentos? O americano, o fabricante, ele não faz especificamente pra uma determinada região. Como o Brasil era considerado um país pobre e logicamente que esses equipamentos eram para atender ao hemisfério norte: o Golfo do México, o Mar do Norte. E qual o nosso grande desafio? Esses equipamentos nem sempre eram bons para as nossas necessidades. E a nossa necessidade o que era? Era adaptar esses equipamentos para as nossas necessidades. Esse foi o trabalho que nós iniciamos. Não só fabricar no Brasil, como atender às nossas necessidades.
P/1 – Hoje você continua trabalhando nessa área? Você se aposentou, como é que foi?
R – Eu me aposentei em julho de 2001, em setembro de 2001 fui convidado a voltar a fazer as minhas atividades. Mas as atividades que eu exerço são tecnologias novas, fazer uma especificação. Por exemplo, agora nós estamos com um dos grandes desafios não só do Brasil, mas da minha parte: nós estamos iniciando o desenvolvimento do Campo de Papa Terra, que é uma das tecnologias que a Petrobrás ou o Brasil ainda não domina, que seria uma TLP...
P/1 – O que é uma TLP pra quem não é da área?
R – Bom, eu vou te falar. Na verdade eu vou te falar o que é a abreviatura da TLP: Tension Leg Platform. Então nós tentamos iniciar no Campo de Papa Terra e realmente era o meu sonho participar de um projeto dessa envergadura. Então eu estou trabalhando nesse projeto pra identificar as cabeças de poço e também as operações de retorno. Então é uma das poucas tecnologias que a Petrobrás ainda não domina.
P/1 – Você sabe me falar uma tecnologia que tenha sido específica da Petrobrás?
R – Ah, acho que FPSO, os sistemas antecipados de produção. Na verdade você achava que era antecipado, mas na verdade virou um sistema definitivo, né? E eu acredito que num país que carece de recursos, eu acredito que o técnico brasileiro se torne mais criativo. Como se diz que a ocasião faz o ladrão, eu acredito que a nossa falta de recursos faz com que o técnico, obriga ele a ser mais criativo. Como se fala nos nossos jargões: dá um jeitinho brasileiro. Eu acredito que esse é o nosso trunfo.
P/1 – Eu queria que você me contasse uma história desses seus anos todos de trabalho. Que você escolhesse uma, duas histórias engraçadas, marcantes pra você. O que a sua memória selecionar.
R – Vou te contar. Nós tínhamos um, eu não vou citar o nome do profissional para não magoar o profissional. Mas ele era um dirigente muito rigoroso, muito disciplinado. E ele sempre colocava os estagiários à prova. Quando ele embarcava, ele perguntava o que é que estava acontecendo, era um sujeito muito disciplinado, rigoroso. Um dia ele embarcou numa plataforma e pediu para os estagiários se apresentarem. E o pessoal lá com medo, sabendo da fama desse gerente... Até ele perguntou pra um colega, inclusive ele já é falecido: "Você sabe como é que se perfura um poço?". E a gente como, talvez por ser um inexperiente, um novato, a gente quer explicar os detalhes, né? Pra gente não pecar e não cair no rigor do chefe. Esse camarada teve, a explicação dele foi muito legal. "E você, você sabe me informar..." "Sei, chefe." "Como é que você faz?" "Ah, você vai lá na alavanca, você destrava a alavanca..." "Que, que, que..." Na verdade, quando ele faz esse movimento aqui, era para botar mais peso sobre a broca e perfurar (riso). E esse chefe gostou da atitude desse estagiário. E essa coisa foi algo marcante, porque realmente eu não queria essa atitude desse meu colega, foi tão simples que... Eu cheguei a conhecer ele em 1975, eu até pela primeira vez que fui ter uma reunião com ele eu falei "poxa vida, agora eu enfrentar a fera", mas foi bem.
P/1 – Ele não era tão fera?
R – Ele era um cara que gostava do cara criativo, tipo esse tipo de atitude. De tal maneira que... É aquela história, em qualquer ambiente sempre tem os caras mais dedicados, aqueles que são mais folgadinhos e ele queria que todo mundo tivesse uma certa disciplina, eu acho correto. Então por isso que ele tinha essa fama. E realmente, na minha época de perfuração, como nós éramos os primos pobres e gastões, então a gente tinha que ser um bom fazedor de buraco (riso).
P/1 – Me conta uma história de perfuração lá dos seus buracos, lá embarcado.
R – Eu, pra dizer a verdade, a gente acha que embarcar é uma beleza, né? Só que a pessoa só olha o lado da folga. Mas numa atividade de sonda são 24 horas trabalhando. Então você, digamos, você procura se programar: hora do banho, hora das refeições, hora de fazer um resumo das operações. Mas eu lembro que o lado, o máximo de tempo que eu fiquei acordado devido a uma operação. Foram quase 40 horas sem banho, né, só tomando, comendo umas torradinhas, um café com leite. A operação offshore, ela às vezes exige...
P/1 – Isso numa só operação, num só buraco?
R – Numa só operação, um só buraco. Tinha um lado tranqüilo, mas quando a operação pegava, eu fiquei quase 40 horas. A hora que eu dormia era quando tava subindo ou descendo a coluna, onde tivesse um lugarzinho, você encostava.
P/1 – Desculpa a pergunta bem crua, mas tem buracos mais difíceis, mais demorados como de 40 horas por quê?
R – Quando você encontra problemas, você tem que resolver o problema ou você tem que abandonar um poço. Porque antes de abandonar um poço, que digamos para um perfurador seria uma derrota, a gente tinha que partir pra solução. E às vezes as soluções são demoradas. Agora por que os poços são problemáticos? Na minha época se fazia muitos poços verticais, poços retos, né verdade? Hoje não, começou-se com poços direcionais e hoje nós falamos de poços horizontais. Você começa vertical, vai ganhando ângulo e depois tem um trecho longo horizontal. E na minha época era tudo vertical, né?
P/1 – Você me falou de várias mudanças que ocorreram nesses anos todos. Você acha que dessas que você marcou tem alguma mais marcante também na Bacia de Campos no seu início e da Bacia de Campos hoje?
R – Olha, o que eu posso dizer hoje é que a partir dos anos 85, a frota mundial era baseada em sondas e posicionamentos... Por exemplo, são sondas que não precisam de âncoras para ficar ali em cima do poço. Eu lembro que o mundo inteiro estava procurando sondas de posicionamento dinâmico de (18, 3/4 ?). Aí é que eu acho que o grande ganho tecnológico do Brasil: nós apostamos em uma cabeça de 16 e 3/4, analisando os problemas que tinham lá fora. E conforme eu te falei anteriormente, nós adaptamos para as nossas condições e por isso o Brasil pôde alugar a frota mundial de sondas DP16-3/4. E conseguimos à taxas bem menores desenvolver esses grandes captores que nós temos aí. E a outra coisa que eu acho marcante na Petrobrás: quando teve falta de equipamentos, mais uma vez valeu a criatividade dos técnicos brasileiros. São várias para não citar, né, mas eu participei de quase todas elas. Outro fator marcante foi uma greve dos mergulhadores em 1986. Quase todas as nossas operações tinham que ter a intervenção dos mergulhadores. Mas aí os mergulhadores, por melhores condições, estavam há 60 dias de greve e você não via sinal de quando eles iriam retornar porque eles sabiam que nós éramos reféns. E nesse ínterim valeu mais uma vez a ocasião que nós começamos a desenvolver equipamentos sem os mergulhadores. Óbvio que realmente a gente arejou um pouquinho o trabalho dos mergulhadores, mas nós também começamos a desenvolver os robôs. Então realmente uma situação levou a outra, nós fomos pra uma situação melhor. Porque o mergulhador até hoje pode fazer um mergulho até 300 metros de lâmina d'água. Um robô, com certeza, é ilimitado, pra ele não tem lâmina d'água. Então pra mim são os fatos... Eu diria pra você que eu tenho orgulho porque eu participei desses eventos e que marcaram muito o nosso país.
P/1 – À medida que vocês iam indo pro fundo, vocês que iam levando a Petrobrás mais para as águas profundas?
R – Eu diria pra você o seguinte: hoje, na parte de perfuração eu acho que nós somos uma referência mundial. Podemos, digamos, ter todos os recursos, mas a tecnologia e os fabricantes, mesmo sendo multinacionais, nós é que desenvolvemos os equipamentos necessários e os adaptamos às nossas condições. E muitos desses equipamentos, com certeza, vão ser padrões à nível mundial. Nós estamos invertendo o Hemisfério Sul com o Hemisfério Norte, né? Então nós estamos exportando esse nosso conhecimento. Por que? Porque o fabricante, como ele é multinacional, ele não vai deixar... "Olha, no Brasil se usa tal tipo de equipamento. É melhor, é mais rápido, é mais seguro." Sempre nós tivemos preocupação com a segurança. Hoje nós estamos falando nesse programa de SMS, mas eu diria que todos os nossos equipamentos melhoraram bastante em termos de qualidade, em termos de funcionalidade, mas a gente não acabou com a mão de obra. Pelo contrário, sempre exigimos mão de obra que seja qualificada, não é? Então hoje o americano, ele quer fazer o que? Ele quer fazer uma economia de escala e diminuir a mão de obra. Não, a nossa preocupação foi fazer um bom produto, seguro. Mas sempre com a atenção do homem. Eu acho que jamais a gente vai substituir o homem.
P/1 – Ogura, infelizmente a nossa entrevista está terminando. Eu queria perguntar se tem alguma outra coisa que você gostaria de deixar registrado e que a gente não falou aqui e que tenha sido marcante pra você. Uma outra história, uma outra coisa qualquer que você quisesse registrar.
R – Olha, Marcia, eu diria a você o seguinte, na entrevista a gente tem uma limitação... Eu diria que para os mais veteranos, eu diria que o mais interessante seria uma entrevista mais programada, vamos assim dizer. Seria um depoimento mais longo porque em alguns fatos marcantes que aconteceram na Petrobrás, que eu já fiz no passado, seria uma entrevista mais longa, mais técnica. E aqui é um depoimento mais informal.
P/1 – Então me conta alguma coisa dessas, só o resumo.
R – Eu vou deixar uma mensagem aos mais jovens que eu nunca imaginava... Hoje a Petrobrás está entre as seis maiores empresas do mundo e com certeza os (povos?) brasileiros estão aí e os mais jovens devem fazer... Nós somos da época que tivemos que aprender pelo buraco da fechadura porque o gringo não queria soltar o leite. Hoje com o evento da informática, com a aproximação, você em pouco tempo passa esse conhecimento aos mais jovens. E como eu já estou há sete anos aposentado, eu estou muito estimulado, muito em fazer algumas coisas que eu coloquei como objetivos da Petrobrás e do país, que é o meu país, Brasil (riso).
P/1 – Olha, queria perguntar o que você achou de ter contribuído pro Projeto de Memória da Petrobrás.
R – Olha, os nossos poços ficaram com uma escala pra ser perfurado com menos tempo, além de menos tempo já tinha mais técnica, né, digamos na vontade, na raça, como se fazia antigamente. Além de ser mais rápido, com mais segurança, e o mais importante, nós desenvolvemos a tecnologia que nós temos aqui no Brasil. Isso daí que foi feito com os poços, os tempos de poços, num país como o Brasil que carece de recursos, foi possível a gente fazer tudo isso aí que eu falei...
P/1 – Qual é o tempo de perfuração de um poço hoje? A média?
R – Eu participei que levou um dia para completar um ano, né? Esses mesmos poços a gente começou a fazer em 14, 15 dias, pra você ter uma idéia do que é o avanço da tecnologia, o que a Petrobrás conseguiu. É lógico que hoje quando você pega os poços normais em desenvolvimento, vamos falar em 32, 33 dias. Só o poço, ter que fazer o poço. Antigamente a gente levava meses, então olha o avanço. Quando nós estamos falando que a taxa diária de perfuração, são centenas de milhares de dólares só unidade de perfuração.
P/1 – É isso aí. A gente vai terminar. Eu queria perguntar também: você se acha um petroleiro?
R – Com certeza.
P/1 – O que é o espírito do petroleiro?
R – Olha, o petroleiro é comprometido. É comprometido. É você ver a notícia do pessoal que praticamente vai dobrar a produção, eu acho que isso por si só já fala o nosso grande desafio pela frente, isso são muitos anos. Seria algumas gerações aí pela frente e eu diria você que eu tenho muita coisa para contribuir. Eu diria a você que eu sou petroleiro e eu estou nessa!
P/1 – Você gostou de ter participado da entrevista.
R – Eu gostei e espero que eu tenha contribuído com alguma coisa, né, Marcia? Porque aqui na US-B, eu acredito que eu sou o mais antigo. Eu me aposentei em 2001 e eu sou considerado o vovô do time aí, mas eu estou muito motivado, muito focado na produção, sei fazer um poço com qualidade, um poço rápido, mas um poço seguro.
P/1 – Pronto pra enfrentar outro desafio?
R – Tô aí, pra outro desafio.
P/1 – Eu queria agradecer a sua participação.
R – Eu é que agradeço pela oportunidade.
P/1 – Muito obrigada!
Fim da TranscriçãoRecolher